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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 85
EM 17 DE MAIO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Tomás de Sousa Rosa
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Luís António da Silva Tavares de Carvalho
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 38 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Paulo Cancela de Abreu troca explicações com o Sr. Ministro do Comércio (Vaz Guedes) acêrca da exposição no Rio de Janeiro.
O Sr. Dinis da Fonseca troca explicações com o Sr. Ministro da Justiça (Abranches Ferrão) acêrca das certidões de óbito dos degredados.
O Sr. Carvalho da Silva trata do preço do pão, da circulação fiduciária e dos lucros ilícitos.
Responderam os Srs. Ministros das Finanças (Vítor ino Guimarães) e da Justiça.
O Sr. Leote do Rêgo louva os professores e estudantes que foram de visita a Madrid.
É aprovado um voto de sentimento pela morte do visconde de Coruche, antigo Deputado, associando-se os Srs. Morais de Carvalho, Almeida Ribeiro, António Mata e Lino Neto.
A requerimento do Sr. Tôrres Garcia entra em discussão o parecer n.º 465 -isenções à fábrica de cimentos de Leiria.
Usam da palavra os Srs. Mariano Martins, Almeida Ribeiro, Lúcio de Azevedo, Carvalho da Silva, António Fonseca e Jaime de Sousa.
A discussão fica suspensa, a requerimento do Sr. Domingues dos Santos.
Ordem do dia. — Continua a discussão do orçamento do Ministério da Guerra, sendo lida uma moção do Sr. António Fonseca, sôbre que o Sr. Agatão Lança faz um requerimento, que é aprovado.
Continua a discussão da proposta do Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria) para que o orçamento de despesa do mesmo Ministério baixe à comissão respectiva para ser rectificado.
Usam da palavra es Srs. Cancela de Abreu e António Maia.
E aprovada a proposta do Sr. António Fonseca.
Seguem-se os Srs. Pinto da Fonseca (relator), Pira Monteiro, Tôrres Garcia, António Fonseca.
António Maia e Ministro da Guerra, que fica com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Carlos Pereira interroga o Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho) sôbre a construção de um elevador, respondendo S. Ex.ª
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Proposta de lei. Pareceres. Requerimento.
Abertura da sessão às 15 horas e 21 minutos.
Presentes 38 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Armado Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
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Diário da Câmara dos Deputados
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Dinis de Carvalho.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomás de Sousa Rosa.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto da Rocha Saraiva.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António lano Neto.
António de Mendonça.
António Paiva Gomes.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
Joaquim António de Meio Castro Ribeiro.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo, da Costa Fragoso.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia do Azevedo.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Correia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
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Sessão de 17 de Maio de 1923
Jaime Duarte da Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge do Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vaientim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Ás 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 38 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, respondendo ao ofício n.º 8 que transmitia o requerimento do Sr. Leote do Rêgo.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Vila Velha de Rodam, pedindo a aprovação imediata do projecto de lei que cria uma assemblea Eleitoral na freguesia de Fratel.
Para a comissão de administração pública.
Pedido de licença
Do Sr. António Maia, 1 mês.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Representações
De paroquianos da freguesia de Gavião, concelho de Portalegre, pedindo sejam atendidas as reivindicações católicas.
Para a comissão de negócios eclesiásticos.
Do Lisboa Ginásio Clube, pedindo um subsídio.
Para a comissão de instrução especial e técnica.
Telegramas
Da assemblea magna do funcionalismo público do Pôrto, pedindo a eliminação do artigo 6.º do parecer da comissão de finanças.
Do Núcleo Escolar de Alvaiázere e Albufeira, pedindo melhoria de vencimentos.
Para a Secretaria.
Telegramas pedindo que sejam atendidas as reclamações dos católicos
Da Câmara Municipal de Águeda.
Das confrarias de Cedofeita (Porto) e S. Martinho de Saúde (Guimarães).
Dos Filhos de Maria, de S. João Novo (Porto).
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Diário da Câmara dos Deputados
Do Centro Democracia Crista e Grupo Propaganda Católica, do Pôrto.
Do Círculo dos Operários de Vila do Conde.
Dum grupo de industriais e comerciantes de Arcos de Vai de Vez.
Do regedor do Ariosa e Capareiros (Viana do Castelo).
Do Arciprestado de Carregai do Sal e Mangualde.
Do Arciprestado e Centro Católico de Arcos de Vai do Vez.
Do pároco de Távora (Arcos de Vai do Vez).
Do regedor e juntas de freguesia de Abedim e Portela (Monsão); Alvim e Tabaco (Arcos do Vai de Vez); Paradela e Pereira (Barcelos); Alcofra (Vouzela); Cambas (Oleiros) e Morta (Sabugal).
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de «antes da ordem do dia».
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — é V. Ex.ª, Sr. Presidente, informa-mo se o Sr. Ministro na Justiça se encontra na Câmara?
O Sr. Presidente: — Não, senhor.
O Orador: — Então peço a atenção do Sr. Ministro do Comércio.
Sr. Presidente: ainda não é a altura de nós nos ocuparmos com o devido desenvolvimento dos escândalos da Exposição do Rio de Janeiro.
Pedi a necessária documentação, e, quando tiver a sorte de a obter, coligirei os devidos elementos para, sôbre êste assunto, realizar uma interpelação ao Sr. Ministro do Comércio.
Se agora me vou referir a êste assunto é porque veio publicada nos jornais a notícia de que foi mais uma vez adiada a abertura do pavilhão das indústrias.
Apareceu posteriormente uma outra notícia, originada em um telegrama do Sr. Embaixador no Rio de Janeiro, que, não desmentindo a primeira, afirmava ser menos verdade que tivesse estado, dia, marcado para abertura do pavilhão.
Esta segunda notícia do Sr. Embaixador teve por fim destruir o efeito desgraçado da anterior.
A conclusão a que se chega é de que ainda mesmo, que o prazo da exposição seja prolongado, a oportunidade que ela oferecia, na parte relativa à nossa representação, desapareceu.
Desejava que o Sr. Ministro do Comércio me informasse sôbre a data provável em que será inaugurado o pavilhão das indústrias.
Quando no ano passado discutimos aqui o aumento das verbas para a construção dos pavilhões, o próprio Sr. Ministro do Comércio declarou que êsse dinheiro chegaria, e que os pavilhões poderiam abrir dentro de um pequeno prazo.
A verdade, porém, é que vai já decorrido quási um ano, o ainda se não sabe quando abrirão.
Continuamos gastando dinheiro sem proveito, com a agravante de a imprensa noticiar, e o próprio Sr. Embaixador confirmar, que os embaraços têm provindo de dificuldades criadas por entidades oficiais do Rio de Janeiro.
!Se isto é verdade, merece o nosso maior protesto.
Não se compreende que da parte da» autoridades brasileiras se levantem embaraços, por motivo de ordem aduaneira ou por quaisquer outros.
Há muitos meses que pedi os documentos relativos aos pavilhões, e, até hojer não me foram enviados. Tenho o direito de protestar.
No tempo da monarquia, quando um Deputado republicano pedia documentos e iião lhe eram enviados logo, subia ao rubro a indignação deles.
O Sr. Ministro do Comércio não pode ocultar êsses documentos, e eu peço a S. Ex.ª que me faculte o eu ir ao seu Ministério consultar os relatórios do Sr. Dr. Duarte Leite.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª tem tempo esgotado.
O Orador: — Vou terminar.
É para lamentar o que se tem dado com a exposição do Rio de Janeiro.
É desprimoroso não só para a República, o que não me importa, mas para o país o que muito me preocupa.
Apoiados.
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O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Devo dizer a V. Ex.ª que me parecera inoportunas as declarações do ilustre Deputado.
O pavilhão merece tantos elogios, que até o Sr. Visconde de Morais declarou que não devia ser destruído, o que muito nos honra.
A demora tem sido na Alfândega na catalogação dos caixotes; esperando-se que a Exposição abra amanhã ou depois.
Parece-mo que S. Ex.ª não tem de se queixar nem do Ministro do Comércio nem do Govêrno, mas apenas louvá-los porque está restabelecido o nosso prestígio.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para explicações): — Era o que faltava termos nós do dirigir louvores ao Govêrno pela bela obra que fez no Rio de Janeiro!
Apoiados.
Não é o que nós aqui dizemos que desprestigia o País. São os factos que se deram no Rio de Janeiro que trazem o desprestígio para o País.
Desejo saber se quando foi aqui presente o primeiro relatório do- Sr. Ricardo Severo já se estava procedendo à sindicância.
Convido também o Sr. Ministro a trazer à Câmara o relatório do Sr. Duarte Leite, porque S. Ex.ª não tem o direito de o ocultar.
Reclamo êsses documentos no uso do direito que me assiste como representante da Nação.
Não prescindirei dele.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Vaz Guedes): — Os documentos que S. Ex.ª pediu autorização para consultar não são referentes a Exposição do Rio de Janeiro, mas aos Transportes Marítimos, e não tenho dúvida em dar a S. Ex.ª essa autorização. Com respeito ao relatório do Embaixador não é um relatório: são uns quinze que virão à Câmara.
Os documentos não podem ser -presentes, por cópia, aos Srs. Deputados, porque o pessoal do Ministério está muito reduzido, mas, repito, êles encontram-se à disposição de S. Ex.ªs
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para explicações): — Quando pedi autorização ao Sr. Ministro do Comércio para examinar os documentos, havia de facto alguns que diziam respeito aos Transportes Marítimos. Mas a autorização era para os examinar todos.
Com as declarações do Sr. Ministro o País fica sabendo que o Govêrno nega aos Deputados monárquicos o exame dos documentos relativos à Exposição do Rio de Janeiro.
Isto é pior do que tudo.
O que não revelarão êsses documentos!...
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça para um facto para o qual é necessário urgentemente providenciar.
Em 1918 partiu para a África um indivíduo degredado, e por informações que tenho Gsso indivíduo morreu em África, deixando viúva que continua legalmente casada visto não ter aparecido a certidão de óbito.
Para a adquirir fui ao Ministério da. Justiça, que mo mandou para o das Colónias e lá indicaram me a Inspecção das Prisões, que, por sua vez, me mandou para a Procuradoria, a qual respondeu que não tinha informações algumas.
Desta forma, Sr. Presidente, não há possibilidade legal de se obter a certidão de óbito de um degredado que morre em África!
Ora não constando nada dos processos, e não constando nada nas repartições públicas, evidentemente que a família não tem meios de obter a certidão de óbito, o que é grave, pois, se na maioria dos casos êles são pobres, podem ter bens, e desta forma não há meio de se instaurar o respectivo inventário.
Não sei, Sr. Presidente, se existem algumas providências legais a tal respeito; porém, se existem, não têm sido cumpridas.
É esta, Sr. Presidente, uma situação que me pareço grave e que necessita de ser remediada.
Chamo, pois, para ela a atenção do Sr. Ministro da Justiça, a fim de que S. Ex.ª tome as providências necessárias de forma a que todos os óbitos ocorridos nas colónias penais dos degredados sejam oficial-
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mente transmitidos ao Ministério das Colónias, ou ao da Justiça, para qualquer dêstes Ministérios, por seu turno, o transmitir para a respectiva comarca onde o processo está arquivado.
Desde que isto se não faça não há forma alguma de a família de um degredado poder obter a certidão de óbito, que se torna absolutamente indispensável para regularizar uma situação legal, nem mesmo doutra forma o delegado do Ministério Público poderá cumprir a lei, no que diz respeito a instaurar o inventário, quando haja bens.
Chamo, pois, para o assunto a atenção do Sr. Ministro da Justiça, que é uma pessoa de boas intenções e muito competente, para que com duas penadas, permita-se-me o termo, possa resolver o assunto que é de alto interêsse público.
Espero, pois, que o Sr. Ministro da Justiça tome na devida consideração as considerações que acabo de fazer, tomando as providências que o caso requere, de forma a que esta situação seja remediada como se torna necessário.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: pedi a palavra para responder às considerações feitas pelo ilustre Deputado o Sr. Dinis da Fonseca.
Realmente, Sr. Presidente, as considerações que S.. Ex.ª fez são razoáveis, e como tal vou ver se efectivamente há qualquer disposição legal que obrigue a remessa da certidão de óbito de qualquer degredado, para, caso a haja, a fazer cumprir, e, caso contrário, tratarei de, publicar um diploma para que, por meio do qual, se evitem as dificuldades a que S. Ex.ª se referiu, e que aliás é a meu ver, e no que diz respeito aos degredados, muito fácil, visto que êles estão sob a alçada do Estado; porém quanto aos outros, não vejo que seja muito fácil estabelecer qualquer providência sôbre, o assunto.
O Sr. Brito Camacho: — O que eu posso garantir a V. Ex.ª é que, no que diz respeito à Província de Moçambique, se tem procedido sempre da forma que V. Ex.ª diz, isto é, sempre que morre um degredado o caso é participado imediatamente para o Ministério das Colónias.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Agradeço a, V. Ex.ª a sua explicação; porém, as informações que tenho são contrárias ao que V. Ex.ª acaba de dizer.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — O que eu posso garantir a V. Ex.ª é que vou tomar as providências necessárias de forma a que se possam evitar os inconvenientes que. V. Ex.ª apontou à Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: eu peço a V. Ex.ª o obséquio de chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para as considerações que vou fazer, e bem assim prevenir o Sr. Presidente do Ministério de que também desejo fazer algumas considerações na sua presença.
Desejo, Sr. Presidente, chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para dois pontos que considero da maior importância.
É de todos sabido, Sr. Presidente, a maneira como os orçamentos foram apresentados a esta Câmara, não representando a verdade, e tanto assim, que o Sr. Ministro da Guerra, ainda não há muitos dias, se viu na necessidade de dizer à Câmara que o orçamento do Ministério dá Guerra estava errado.
Nestas condições, e como o País tem direito a conhecer as contas da administração pública, eu peço ao Sr. Ministro das Finanças, o favor de me dizer o seguinte:
Pregunto se no País se tem adoptado o sistema do pão político e, em caso afirmativo, se tem sido dado à moagem a diferença que existe entre o preço de $80 e aquele a que o trigo é adquirido, e, caso assim tenha sido, qual a razão por que o Sr. Ministro ainda não pediu à Câmara um crédito extraordinário para regularizar essa situação.
Outra pregunta desejo fazer, e é se S. Ex.ª me pode dizer qual o actual estado da circulação fiduciária, visto quê não têm sido publicados os boletins oficiais do Banco de Portugal; se foi exce-
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dida além da autorização legal a emissão de notas, dizendo-me, se fôr possível o aproximadamente, a situação dêsse agravamento.
Eu desejaria também, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro das Finanças, e isto relativamente ao decreto sôbre os lucros ilícitos que fez baratear a vida, me dissesse qual é a situação em que se encontram os comerciantes cujas casas foram fechadas durante 17 dias.
Quem é que os indemniza dêsse prejuízo, desde que êles, julgados pelos tribunais, foram absolvidos?
Quem é que os indemniza desde que se provou que a lei havia sido mal aplicada e por consequência arbitrariamente encerrados os seus estabelecimentos?
Eu pregunto ao Sr. Ministro da Justiça se é possível aplicar um decreto em que se aplica a pena antes do julgamento e, pelo que se vê, pela forma como está sendo aplicada.
Sabe o Sr. Ministro da Justiça muito bem que uma das circunstâncias menos favoráveis ao inquilinato comercial é o respeito devido à propriedade comercial. Ora se se quere que o proprietário respeite a propriedade comercial, que necessidade tem o Estado de lançar o descrédito sôbre essa mesma propriedade?
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Quanto à primeira pregunta que me fez o Sr. Carvalho da Silva, relativamente ao Orçamento, já tive ocasião de dizer, nesta Câmara, que na verdade não concordo com a forma por que é organizado o Orçamento no nosso país.
Devo porém acrescentar que o êrro dessa organização não pertence exclusivamente à administração da República, porque é um êrro que de longe vem.
Mais pròpriamente em relação ao orçamento do Ministério da Guerra, cujos erros o Sr. Carvalho da Silva insistentemente apontou, devo dizer que efectivamente êstes erros existem devido ao mar sestro nosso, de estarmos a introduziu constantemente alterações de toda a ordem no organismo militar e ainda ao facto de há três anos não termos orçamentos.
Desses erros, porém, não resultava uma sensível diferença nas previsões feitas, porque, se havia verbas a mais, também havia verbas a menos.
Relativamente ao pão político, devo informar o ilustre Deputado de que, de facto, êle existe.
O Estado, tem feito face às despesas provenientes da sua manutenção por meio de operações de tesouraria, mas êste procedimento tem evidentemente de ser sancionado pelo Parlamento, mas sê-lo há o mais tarde possível e antes é claro do fim do ano económico.
Se todavia o Sr. Carvalho da Silva deseja obter uma conta dessas despesas até ao momento presente, eu posso fornecer a S. Ex.ª uma nota absolutamente exacta.
Quanto à circulação fiduciária, nada mais há do que a convenção com o Banco de Portugal.
O aumento de circulação em virtude dessa convenção deve andar por cêrca de 90:000 contos.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: pedi a palavra para responder às preguntas que me dirigiu o ilustre Deputado Sr. Carvalho da Silva.
O assunto a que S. Ex.ª se referiu, não corre-pela pasta da Justiça, mas pela da Agricultura; no emtanto eu posso dizer a S. Ex.ª que as razões que levaram o Govêrno a publicar aquele decreto encontram-se expressas no relatório que precede êsse mesmo decreto.
Não teve o Govêrno a suposição de que, com a efectivação das disposições daquele decreto, o custo da vida baixasse dum momento para o outro.
O que se pretendeu foi evitar as especulações que ultimamente se tem feito, e que são do conhecimento de toda a gente.
De resto, o Sr. Ministro da Agricultura tenciona apresentar à apreciação do Parlamento uma proposta autorizando o Govêrno a introduzir várias modificações nesse decreto e na lei que lhe serviu de base.
Sob o ponto de vista jurídico, devo dizer à Câmara que o decreto não contém qualquer cousa que possa considerar-se como um atropelo aos direitos individuais consignados na Constituïção.
Não se condena ninguém antes do julgamento.
O que pode acontecer, é um indivíduo, sôbre quem caem graves suspeitas, ser preso até a culpa formada, e depois, veri-
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ficada a sua não culpabilidade, ser pôsto em liberdade, mesmo sem chegar a ser julgado.
Mas isto é uma lei de carácter geral, não só no nosso país, como em toda a parte do mundo.
O Sr. Carvalho da Silva: — E quem é que indemniza êsse indivíduo dos prejuízos que lhe acarretou a sua prisão?
O Orador: — Não podemos entrar na apreciação dêsse assunto.
A prisão preventiva é da legislação vigente.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Aí se reconhece a falta do habeas corpus.
O Orador: — A Câmara compreende que não me compete neste momento estar a fazer referências à legislação geral.
O que eu afirmo, é que o decreto a que o Sr. Carvalho da Silva se referiu não constitui de forma alguma uma excepção à lei geral.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Leote do Rêgo: — Sr. Presidente: sinceramente me rejubilo por ver que o Sr. Ministro da Instrução, numa portaria ontem publicada no Diário do Govêrno, louvou o grupo de professores e alunos das academias de Coimbra e de Lisboa que ultimamente foram a Espanha, percorrendo Madrid e outras cidades daquele país.
Com efeito, Sr. Presidente, êsse grupo, a que bem pode chamar-se uma embaixada, tornou-se digno de todo o nosso reconhecimento, pela maneira altamente patriótica como se desempenhou da missão que se propôs efectivar.
Os indivíduos quê constituíram êsse grupo mostraram-se verdadeiramente diplomatas e homens de grande cultura, contribuindo assim para o estreitamento das relações espirituais que existem entre os dois países.
Sr. Presidente: há tempos ou tive a honra de ser recebido pelo Rei de Espanha, e foi-me dado o prazer de ouvir ao Chefe do Estado da nação vizinha palavras de grande carinho para com a nação portuguesa, e a afirmação de que não só êle, soberano, como todos os homens públicos da Espanha, e o próprio povo, tinham pelos portugueses uma grande simpatia.
A êste propósito, recebi mesmo o pedido de afirmar, dentro e fora do Parlamento, que a Espanha respeitaria sempre a soberania portuguesa, e o Rei dos espanhóis declarou-me que desejaria imenso que se criasse o que êle chamou «um espírito novo, um espírito do verdadeira fraternidade».
Ora, Sr. Presidente, eu aproveito justamente o dia de hoje, que é de festa para a Espanha, por motivo do aniversário do sou Chefe do Estado, para mais uma vez recorda, estas, palavras, ao mesmo tempo que desejo acentuar que a embaixada de professores e estudantes que foi a Espanha muito contribuiu para êsse espírito novo.
Os estudantes portugueses e os seus. professores souberam admiravelmente mostrar, na visita que fizeram a Espanha, que conheciam o que muito apreciavam as virtudes cívicas do povo espanhol, ao mesmo tempo que souberam também demonstrar que amavam enternecidamente a sua Pátria.
Bem fez o Sr. Ministro da Instrução em dar a êsses bons portugueses o testemunho da sua consideração.
Desse grupo faziam parte homens que têm ideas políticas adversas ao actual regime; mas como são portugueses, e vieram de Espanha mais portugueses do que nunca, ao transporem a fronteira, quando respiraram de novo o ar da nossa terra, embalsamado do aroma das urzes e dos eucaliptos, êles todos, num movimento irresistível, entoaram o hino do Estado português, que hoje é republicano.
Sr. Presidente: eu julgo que a Câmara se honrará bastante aprovando um voto de saudação a êsses bons portugueses.
Do resto, o próprio Sr. Presidente do Ministério, quando há dias visitou a Universidade de Coimbra, pessoalmente testemunhou, em nome do Govêrno, aos professores e alunos dessa Universidade o seu agradecimento o a sua admiração.
O Sr. Presidente: — Devo informar V. Ex.ª de que dispõe apenas de dois minutos para concluir as suas considerações.
Vozes: — Fale, fale.
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O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, pode V. Ex.ª continuar no uso da palavra.
O Orador: — Agradeço à Câmara a gentileza que acaba de dispensar-me.
Sr. Presidente: êstes dois países — Portugal e Espanha — são iluminados pelo mesmo sol, ambos têm belas tradições, ambos gostam de touradas, embora duma maneira diferente, e por isso é indispensável que um ao outro se estimem, respeitando mutuamente a sua independência.
Ao Sr. Ministro da Instrução eu apresento os meus cumprimentos pelo apoio moral e material que deu à embaixada, e faço votos para que S. Ex.ª, sempre que tiver ensejo, outras embaixadas patrocine, não só a Espanha, mas a outros países amigos, sobretudo àqueles que são filhos da fecunda mãe latina.
Assim, nós melhoraremos dia a dia as nossas relações espirituais com êsses países, ao mesmo tempo que poderemos melhorar também as nossas relações económicas, e contribuiremos para que a paz se faça no mundo, essa paz que todos desejam, mas que ainda está longe de ser uma realidade.
Sr. Presidente: ontem, nesta casa do Parlamento, prometi não tratar de assuntos internacionais emquanto o Sr. Domingos Pereira fôr Ministro dos Negócios Estrangeiros. Se hoje, porém, vim ocupar-me dêste caso, que pode ser também considerado de internacional, foi porque êle diz respeito antes a uma freguesia em que é prior o meu prezado amigo Sr. João Camoesas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Sr. Presidente: agradeço ao ilustre Deputado Sr. Leote do Rêgo os cumprimentos que me endereçou.
S. Ex.ª teve razão nas suas afirmações, e a portaria que tive a honra de fazer inserir no Diário do Govêrno é simplesmente um acto do inteira justiça.
O Orfeão Académico de Coimbra e as outras representações que o acompanharam, afirmaram, na sua excursão ao país vizinho, uma unidade patriótica, um espírito de civismo e uma cultura de tal ordem que pode mesmo dizer-se que essa excursão resultou da maior utilidade para Portugal.
Agradeço portanto ao meu prezado amigo e ilustre Deputado Sr. Leote do Rêgo, os seus amáveis cumprimentos e asseguro a S. Ex.ª e à Câmara que sempre que me fôr possível continuarei a auxiliar todos os trabalhos da natureza daqueles que realizou o Orfeão Académico de Coimbra, porque me parece que dessa forma sirvo bem o país e a República.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovado, por unanimidade, o voto proposto pelo Sr. Leote do Pego, de congratulação pela atitude do Orfeão Académico de Coimbra na sua excursão a Madrid.
O Sr. Presidente: — Tendo falecido o antigo Deputado Sr. Visconde de Coruche, proponho que na acta seja lançado um voto de sentimento, comunicando-se à família do extinto esta resolução.
O Sr. Morais de Carvalho: — Sr. Presidente: associo-me, em nome dêste lado da Câmara, ao voto de sentimento que V. Ex.ª acaba de propor.
O Sr. Visconde de Coruche, antigo Deputado, não foi uma figura banal na sociedade portuguesa.
Fidalgo, homem duma educação esmeradissima, espírito culto e aberto a todos, os progressos, o seu nome há-de ser de futuro lembrado, como o nome duma pessoa que neste país, que é essencialmente agrícola, se dedicou profundamente a êsse ramo da sciência experimental.
O Sr. Visconde de Coruche era proprietário duma quinta no Ribatejo, que pode ser considerada como um verdadeiro modelo para todos os agricultores.
Associo-me pois, em nome dêste lado da Câmara, ao voto de sentimento por V. Ex.ª * proposto.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara, associo-me à proposta de V. Ex.ª
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: por parte da minoria católica, associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Ex.ª
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Efectivamente trata-se de prestar uma homenagem à memória do alguém que grande merecimento possuía.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: em meu nome pessoal e no dalguns Deputados independentes, que dessa missão m 3 incumbiram, associo-me ao voto de sentimento que V. Ex.ª propôs, pelo falecimento do Sr. Visconde de Coruche.
O Sr. Presidente: — Em face dos discursos pronunciados pelos vários lados da Câmara, considero aprovado o voto de sentimento que propus pela morte do Sr. Visconde de Coruche.
Será feita à família do ilustre extinto a comunicação da aprovação dêste voto.
O Sr. Tôrres Garcia (para um requerimento): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª, fineza de consultar a Câmara, sôbre se permite que entre imediatamente em discussão o parecer n.º 465, que tem o «concordo» do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Tôrres Garcia: — Requeiro que seja consultada a Câmara, sôbre se permite que seja incluída no período antes da ordem do dia, o parecer n.º 497.
Foi aprovado.
O Sr. Carlos Pereira: — Peço que V. Ex.ª consulte a Câmara, sôbre se consente que entre imediatamente em discussão o parecer n.º 465.
O Sr. Mariano Martins (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: não sei se darei o meu voto ao projecto de lei que vai entrar em discussão, mas o que não posso é aprovar o requerimento do Sr. Carlos Pereira, pois entendo ser um péssimo método de trabalho, quando vamos entrar lia ordem do dia, e termos de discutir e votar os orçamentos, estar a intercalar na discussão dêsses assuntos importantes outros que podem provocar larga discussão.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Voa submeter à votação o requerimento do. Sr. Carlos Pereira.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se para entrar em discussão o parecer n.º 465.
Foi lido o seguinte:
Parecer n.º 465
Senhores Deputados. — A vossa comissão de comércio e indústria, reünida para apreciar a petição da Empresa de Cimentos de Leiria, entende que ela deverá merecer a vossa aprovação, traduzida num projecto de lei que esta vossa comissão tem a honra, de vos propor.
De facto, Srs. Deputados, Portugal até hoje não se tem bastado a si próprio, e essa situação deficitária em muito tem concorrido para que o País gravosamente lhe tenha sentido as consequências.
Ao presente importa Portugal algumas dezenas de milhares de toneladas de cimento e com. o desenvolvimento de certas indústrias a procura de tal mercadoria será muito maior, e conseqúentemente a importação aumentará, visto a nossa indústria não produzir o bastante para as nossas necessidades.
Das consequências do aumento de importação no agravamento dos câmbios vos dirá por certo a vossa comissão de finanças quando esto parecer lhe fôr sujeito.
Ora a peticionária é uma emprêsa que pelo já realizado nos garante a certeza duma produção de cimento que baste ao País, e até nos dá também a garantia de um aumento tal de produção que nos permita exportá-lo conquistando para o País novos mercados.
Pensou a vossa comissão na vantagem de vos submeter um projecto em que igual isenção fôsse concedida a todas as emprêsas que realizassem a aspiração de o País se bastar a si próprio, e para isso fez o exame e estudo da proposta de lei de 20 de Novembro de 1919 apresentada a esta Câmara, estudando soluções e alvitres tendentes elaboração duma medida de carácter geral, mas resolveu abandonar tal propósito, porquanto reconheceu que, por maior cuidado que houvesse na elaboração do tal projecto, êle se prestaria a ser sofismado vindo a ser uma fome permanente de abusos que urge evitar.
Por isso a vossa comissão de comércio o indústria entendo que é preferível legislar para casos particulares e assim su-
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jeita à vossa apreciação, esperando que seja aprovado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º São isentos de direitos de importação todos os maquinismos e acessórios importados posteriormente a 20 de Novembro de 1919, pela Empresa de Cimentos de Leiria, e destinados à sua indústria, embora a sua liquidação e pagamento se ache pendente.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das sessões da comissão de comércio e indústria, 23 de Março de 1923. — Aníbal Lúcio de Azevedo — José Domingues dos Santos — Artur Brandão — Sebastião de Herédia — Cariou Pereira, relator.
Senhores Deputados. — A vossa comissão de finanças ao fazer o estudo do parecer n.º 465, ouvindo sôbre êle o Sr. Ministro das Finanças e obtida a sua concordância, deliberou dar-lhe o seu parecer favorável, julgando procedentes as razões aduzidas pela vossa comissão de comércio e indústria e que também perfilha, salientando que a não drenagem de ouro para a importação de cimentos em muito deve contribuir para a melhoria cambial, importação que se tornará desnecessária por a Empresa de Cimentos de Leiria poder produzir o que baste às necessidades do País.
A isenção que se consigna no projecto de lei da vossa comissão de comércio e indústria é para os maquinismos e acessórios destinados à indústria de cimentos, importados, pela Empresa de Cimentos de Leiria. E de aplaudir a restrição que se contém ao determinar o fim a que são destinados tais maquinismos e acessórios, mas, para que não possa ser iludido tal intuito, a vossa comissão de finanças propõe a inclusão de mais dois artigos, cuja justificação se impõe por si tam evidente se torna.
Artigo 2.º O disposto no artigo anterior só se torna executório quando pela Direcção Geral do Comércio e Indústria seja certificado à Direcção Geral das Alfândegas que o material importado foi aplicado nas instalações da Empresa de Cimentos de Leiria, e se destina ao fabrico de cimento.
Artigo 3.º A Empresa de Cimentos de Leiria fica obrigada a não alienar o material importado nos termos desta lei, sem prévia autorização do Govêrno, sob pena de ser considerada em descaminho de direitos quanto aos alienados sem esta autorização.
O artigo 2.º do projecto da vossa comissão de comércio e indústria passará a ser o artigo 4.º
Com as cautelas que êstes dois novos artigos contêm, é parecer da vossa comissão de finanças que tal projecto deve merecer a vossa aprovação.
Sala. das sessões da comissão de finanças da Câmara dos Deputados, 24 de Abril de 1923. — Tomé José de Barros Queiroz — F. O. Velhinho Correia — Júlio de Abreu — Viriato da Fonseca — Lourenço Correia Gomes — Carlos Pereira — Aníbal Lúcio de Azevedo — Alfredo de Sousa, relator.
Concordo. — V. Guimarães.
Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados da Nação Portuguesa. — A Empresa de Cimentos de Leiria vem apelar para o espírito de justiça de V. Ex.ª e para o interêsse que lhe merece o progresso económico do País a fim de que seja resolvida equitativamente a pretenção, que passa a expor:
E considerável a importação de cimentos que poderiam ser fornecidos pela indústria nacional com enormes vantagens para a economia do País, em que abundam os calcáreos e as margas próprias para o seu fabrico.
Em 1913 essa importação atingiu a cifra de 36:000 toneladas. Com o desenvolvimento, porém, que tem tomado as construções de betom armado e perante a perspectiva da execução de numerosas e consideráveis obras hidráulicas noa nossos pôrtos e na criação de quedas de água é de prever muito maior importação, que implica a correspondente saída de, avultadas quantias em ouro.
É pois óbvio o alcance de qualquer empreendimento que liberte o País dêsse pesado ónus e contribua para a melhoria do câmbio.
Existem, é certo, duas fábricas de cimento artificias e produz-se no Mondego cal hidráulica.
É, porém, exígua a sua produção e não oferecem os cimentos nacionais a cons-
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tância de composição que é requisito essencial de boa qualidade. Assim o verificou e ponderou no seu proficiente relatório sôbre o assunto o director dos estudos e ensaios de materiais de construção.
Impressionados por êstes factos e tendo conhecimento dos valiosos jazigos de calcáreo argiloso e de margas existentes no sítio da Maceira, não longe da estação de Martingança da linha de Oeste, empreendemos o estudo do problema do fabrico de cimentos em larga escala pelos processos mecânicos mais aperfeiçoados, que assegurassem a absoluta constância da sua composição.
Foram feitos os devidos ensaios de laboratório por um dos mais autorizados técnicos especialistas, o Dr. Hans Kuhl, de Berlim, tendo demonstrado as análises e as experiências que se podia fabricar com as matérias primas ensaiadas cimento Portland da melhor qualidade com resistência superior à regulamentar.
Decidiu-se pois constituir a Empresa requerente e criar uma fábrica dotada com as mais perfeitas instalações para produzir desde logo 50:000 toneladas por ano, prevendo-se» o seu alargamento para se poder elevar essa produção a 100:000 toneladas, contando-se não só com o mercado nacional na metrópole e nas colónias, como ainda com a possível exportação para o Brasil e Marrocos.
Era um gigantesco empreendimento demandando avultadíssimo capital para a construção da fábrica e de um ramal de caminho de ferro que ligasse com a linha de Oeste e para a acquisição de maquinismos.
A fé nas condições de viabilidade da nova indústria e no futuro económico do País determinou a constituição da emprêsa requerente e a realização do vasto plano concebido para o fabrico de cimento em grandes fornos rotativos metálicos, em que a matéria prima em pó humedecido é sujeita à acção do combustível inflamado: óleo ou carvão pulverizado.
Pediu-se ao Govêrno o justo e modesto auxílio constituído pela isenção de direitos dos maquinismos que houvessem de ser importados com o patriótico objectivo de libertar o País do pesado tributo do aquisição de cimentos estrangeiros. Acolheu favoravelmente o pedido o Ministro do Comércio de então, Ex.ª rao Sr. Ernesto Navarro, que apresentou às Câmaras a proposta de 20 de Novembro de 1919, publicada no Diário do Govêrno n.º 273, 2.ª série, de 22 de Novembro do mesmo ano, concedendo isenção de direitos a todos os maquinismos e acessórios para os trabalhos das indústrias fabris e agrícolas que fossem importados no continente, ilhas adjacentes e colónias.
Teve essa proposta parecer favorável das respectivas comissões e tudo fazia crer que seria em curto prazo convertida em lei.
Entretanto era iniciada a construção da fábrica e ramal e procedia-se à escolha e encomenda dos maquinismos, contando-se com a promulgação de tam justificada providência antes da sua vinda que só bastante mais tarde se realizaria.
As conhecidas vicissitudes da política nacional não permitiram, porém, que a proposta, seguisse todos os trâmites regulamentares até a sua aprovação, não tendo até hoje sido tomada resolução sôbre o assunto.
Entretanto iam chegando os maquinismos encomendados, pelo que a requerente pediu e obteve o adiamento do pagamento dos direitos mediante o respectivo termo de fiança que lhe foi concedido em 10 de Julho de 1920 e necessárias prorrogações de prazo para a liquidação de direitos devidos, na esperança de que fôsse cumprida a promessa que lhe fora feita e quê o Govêrno procurara realizar.
O agravamento de câmbios e a elevação do preço de materiais, salários e fretes exigiam a imobilização de capital muito mais avultado do que se esperava. Lutou a emprêsa com todas essas dificuldades e cheia de perseverança conseguiu vencê-las devendo começar a funcionar dentro de dois meses o estabelecimento industrial por ela criado e que representa porventura a mais larga iniciativa tomada entre nós em matéria industrial.
Acham-se imobilizados milhares de contos e estão pendentes de liquidação cêrca de 400 contos de direitos do importação de maquinismos, encargo que seria enormemente agravado se se lhe aplicassem os preceitos vigentes relativos ao pagamento em ouro.
Com êsse encargo não contava a requerente confiada na justa e benévola ati-
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tude tanto do Govêrno, como das comissões parlamentares, cuja acção lhe dava jus a contar com a isenção de direitos fazendo-a prosseguir na realização do seu empreendimento que tem merecido o aplauso e incitamento de abalizados técnicos e de altas personalidades políticas.
Para que se avalie o progressivo agravamento das dificuldades que tem sido forçoso vencer, basta ponderar que em meados de 1919, época em que se preparava a aquisição dos maquinismos, o câmbio sôbre Londres era de 30 e que um ano depois já descera a 11 1/2, tendo, pois, aqueles sido pagos em condições muito mais desfavoráveis do que as previstas.
Parece, portanto, à requerente que não lhe será recusada a dispensa do pagamento dos direitos em liquidação, que não teriam sido exigidos se a proposta de lei de 1919 tivesse tido o seguimento normal que era de esperar.
Não se lhe afigura de justiça que por circunstâncias estranhas à sua vontade e que tam desfavorável repercussão tiveram com gravo prejuízo seu, na situação económica e financeira do País, se lhe imponha um ónus com que não contava, esperando para a sua patriótica iniciativa o. auxílio prometido pelos Poderes Públicos.
A emprêsa requerente pode que se proceda para com ela por forma análoga à adoptada pára com a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses. Tinha esta de pagar avultada quantia de direitos de importação de locomotivas computados segundo A pauta em 12 por cento ad valorem.
Conseguiu que se adiasse o pagamento mediante o termo de fiança. Foi apresentada em Julho de 1921 uma proposta de lei tornando extensivo às locomotivas o direito reduzido estatuído para máquinas de vapor de mais de 100 cavalos com aplicação aos despachos em liquidação.
Sobreveio a dissolução das Câmaras. O Grovêrno reconhecendo a justiça dessa providência promulgou-a por decreto com fôrça de lei n.º 7:821, de 22 de Novembro de 1921. (Diário do Govêrno n.º 246; 1.ª série, de 6 de Dezembro de 1921).
É uma providência semelhante à que esta emprêsa solicita e que se poderia concretizar na seguinte fórmula:
«E concedida a isenção de direitos de importação dos maquinismos acessórios necessários para a implantação de estabelecimentos industriais importados posteriormente a 20 de Novembro de 1919 cuja liquidação e pagamento de direitos se acha pendente».
Essa disposição legislativa constituirá um equitativo e justificado auxílio concedido, pelos Poderes Públicos a um empreendimento do maior alcance económico, levado a cabo a despeito das maiores dificuldades e a realização de um propósito dos mesmos, com a qual contou está emprêsa.
Do esclarecido critério de V. Ex.ª e do seu espirito de equidade espera a requerente o deferimento.
Saúde e Fraternidade.
Lisboa, 30 de Janeiro do 1923. — Empresa de Cimentos de Leiria — Os directores (Seguem as assinaturas).
O Sr. Mariano Martins: — Quando me pronunciei, há pouco, sôbre o modo de votar, a propósito dó requerimento feito pelo Sr. Carlos Pereira, em última análise, não sabia se daria ou não o meu voto ao parecer que entrava em discussão.
Entendia que se não devia protelar a discussão dos orçamentos na ordem do dia, intercalando nela a discussão de pareceres que podiam trazer grande discussão.
Mas, pela rápida leitura que fiz do artigo 1.º do parecer, devo dizer que não posso aprovar, o projecto de lei.
Não se compreende que a uma indústria estabelecida há quatro anos, sabendo as despesas que tem a fazer, e que diz que há-de ser remuneradora, se vá dar, de mão beijada, uma isenção no pagamento dos direitos pelos maquinismos importados.
Uma emprêsa que já pagou os direitos pelos maquinismos, para exercer uma indústria remuneradora, não deve ser isenta dêsse pagamento, quando o Estado precisa de tanto dinheiro.
Apoiados.
Ir isentar do pagamento de direitos uma emprêsa que tem elementos necessários para se expandir, que conta com os mercados nacionais e estrangeiros para a
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colocação imediata doa seus produtos, não pode ser, tanto mais que já pagou ao Estado o que lhe competia. Se continuarmos assim, é melhor entregar aos contribuintes o dinheiro das contribuições que já pagaram ao Estado.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Respeito os pareceres dados em favor dêste projecto de lei, mas parece-me ser necessário atender duma maneira especial aos interêsses do Estado, cujas circunstâncias financeiras não permitem liberalidades, como as que o parecer pretende conceder. Por isso não posso dar o meu voto ao parecer, tanto mais que seria justiça elementar que o Estado concedesse igual favor a todos os contribuintes.
Apoiados.
Se o Estado vai conceder isenção de direitos a esta fábrica, porque a não há-de conceder a outras fábricas que porventura vão instalar-se, ou já se instalaram?
Apoiados.
Por que razão se vai dar preferencia a essa fábrica, pondo-a em condições especiais de fazer concorrência a outras já existentes, ou que queiram instalar-se?
Apoiados.
Com que direito o Estado vai escolher um dos contribuintes para o distinguir com uma isenção, em prejuízo doutros contribuintes, praticando assim uma desigualdade em relação a outros contribuintes?
Apoiados.
Não conheço a fábrica, mas li nos jornais que o bispo de Leiria tinha ido à inauguração dessa fábrica, e depois de feita a benção dos aparelhos e maquinismos, o bispo exclamara, textualmente, para os maquinismos: — «Marchai» — e os maquinismos marcharam!
Achei milagroso o facto, e perante tamanho milagre das fôrças sobrenaturais que colaboram nesta fábrica, como se prova com a visita do bispo de Leiria, essa fábrica não precisa de mais nada, não precisa de isenções no pagamento de direitos, porquanto tem a colaboração da Providencial.
Mas, ainda que assim não fôsse, subsiste o ponto de vista que acentuo: sou contrário a isenções de direitos a quaisquer emprêsas. Entendo que a isenção de direitos, ou a isenção, de impostos, só deve ser dada em casos especiais, depois de devidamente ponderado.
Apoiados.
Trata-se, creio, duma medida do carácter geral, e não posso, neste caso, dar o meu Dissentimento ao projecto que se discute, respeitando aliás muito todos os pareceres em contrário.
Esta minha atitude é a reprodução da respeitante a outros projectos no mesmo género.
Somos coerente; parece-me que estou dentro do que é possível para os interêsses do Estado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lúcio de Azevedo: — Sr. Presidente: é muito contrafeito que vou entrar na discussão dêste projecto, porquanto entendo que nesta altura, a Câmara se deveria ocupar da ordem do dia (Apoiados), mas desde que a Câmara reconheceu a necessidade de votar êste projecto, eu, na minha qualidade de presidente da comissão de comércio e indústria, não podia ficar calado, visto que subscrevi este projecto com muita consciência e sabendo bem o que fiz,
Realmente estou convencido do que o País é pelo desenvolvimento da indústria, que há-de progredir.
Tomos estado enganados por uma falsa convicção, que hoje constitui um lugar comum, do que o País é essencialmente agrícola. Não; é especialmente industrial, e não é a agricultura, para uma grande parte do Portugal, que constitui o seu progresso.
De facto, vem do fora grando parte dos alimentos: coroais, batata, etc., são importados.
Nem todas as regiões têm condições, para que sejam essencialmente agrícolas. Reconhece-se, sim, que tem condições para ser um grande país industrial. Assim, a fábrica de Leiria representa uma obra verdadeiramente notável. Os indivíduos que levaram a cabo êsse empreendimento merecem a consideração do País.
A fábrica do Leiria é hoje uma das primeiras fábricas portuguesas.
Sabendo-se que o Estado importa milhares de contos, de cimento estrangeiro,
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tendo riquezas inesgotáveis de grande valor, e matéria prima para montar o núcleo industrial, esta indústria é bem digna de ser protegida.
Em 1918 foi criada essa fábrica, e todos sabem os embaraços do estabelecimento desta indústria depois dessa época, pela desvalorização da moeda, não podendo estabelecer a laboração.
Portanto é bem digna de especial atenção.
Em 1920 o engenheiro Ernesto Navarro tinha já apresentado a esta Câmara esta iniciativa.
É, pois, com grande satisfação que dou o meu assentimento, como presidente da comissão do comércio e indústria, a êste projecto que visa a estabelecer no País uma indústria que visa a um grande fim de civismo nesta época, desde que é um País em que há pouco cimento.
A fábrica está montada a satisfazer as necessidades de Portugal e exporta para o Brasil, África e Marrocos.
Êste empreendimento tem merecido o elogio do Alto Comissário de Angola.
O cimento é uma das matérias primas mais essenciais em qualquer região.
Devemos, portanto, dar o nosso voto a uma emprêsa que lança a base duma tam grande indústria, que trará grande benefício à nossa economia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: confesso a V. Ex.ª que é sempre com grande desgosto que vejo contrariada no Parlamento qualquer iniciativa de largo- alcance nacional.
Uma voz: — Tem graça.
O Orador: — Não sei quem foi que achou graça...
O Sr. Paiva Gomes: — Fui eu.
O Orador: — É prova que V. Ex.ª está bem disposto, e é isso motivo para grande satisfação.
Há uma emprêsa portuguesa, nesta hora em que. ouço sempre criticar os que lançam os seus capitais para o estrangeiro, que toma a iniciativa de montar uma fábrica de cimentos, e essa emprêsa projecta fabricar não só o cimento necessário para o País mas para exportação.
Era um interêsse para o Estado, e era razoável que do Estado fôsse protegida; e assim o Estado é prejudicado numa errada compreensão do que lhe convém, isto quando se luta com a necessidade da melhoria cambial, o que só advém com a solução do problema nacional.
Trata-se duma larga iniciativa nacional que deve ser largamente proveitosa para o País.
Não é nova a isenção de direitos, muitos organismos e emprêsas tem sido beneficiadas.
Não, nos importa saber, porque isto é de utilidade para o País, se o bispo de Leiria foi à inauguração desta fábrica, e lamento que perante uma iniciativa desta ordem, tal critério se apresente, e um Deputado venha pôr como argumento que o bispo de Leiria tinha ido à inauguração desta fábrica.
O Estado é ou não neutral em matéria religiosa?
Com que direito, pois, vem S. Ex.ª trazer para aqui essa questão?
Apoiados.
É assim a neutralidade religiosa do Estado!
Só teria, neste caso, direito à protecção, a indústria que se inscrevesse no Registo Civil ou na Maçonaria.
O que é necessário é respeitar a vontade nacional e não proteger só as indústrias que sejam protegidas pelas alfurjas. Por todas estas razões, êste lado da Câmara dá a sua aprovação ao projecto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente: parece-me que todas as considerações que se fizeram a favor dêste projecto, para proteger a indústria nacional, seriam bem cabidas, se se tratasse de favorecer todas as indústrias que produzissem cimentos.
O que se quere porém é proteger uma indústria já montada, e em que os seus proprietários quando a instituíram certamente fizeram todos os seus cálculos, de despesas, rendimentos e do dinheiro que teriam de pagar ao Estado pela importação das suas máquinas.
Não se venha dizer que qualquer Sr.
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Ministro prometeu esta ou aquela isenção, porque o que se vai fazer, pura e simplesmente, é dar um prémio de iniciativa às pessoas que montaram aquela fábrica.
Não estando a fábrica instalada seria natural a isenção do quaisquer direitos, e isso seria lógico, tanto mais que na nossa legislação há casos de isenções de direitos; mas não se trata agora disso, mas dum favor a fazer à fábrica do Leiria, isentando-a do que tem a pagar à Alfândega.
Há ainda uma outra circunstancia que me parece do atender, e é o precedente que se vai estabelecer com esta protecção póstuma a uma indústria já criada. Então eu pregunto em que circunstância fica a Câmara quando amanhã venha alguém pedir com Q mesmo fundamento, para uma outra indústria já montada uma determinada isenção.
Eu não me posso alongar em exemplos, mas direi que existe em Vila Nova de Gaia uma fábrica de cerâmica, bem importante, que poderia vir amanhã pedir ama isenção de direito pagos, não desde 1919- mas desde 1915.
Ninguém dirá que não haja indústrias que sejam mais importantes que a dos cimentes de Leiria, o que não só lhe deva dar a mesma protecção.
Uma voz: — O melhor seria acabar com as alfândegas.
Àpartes.
O Orador: — Emquanto houver alfândegas em Espanha há-de haver em Portugal.
Sr. Presidente: não se diga que se trata duma nova indústria, porque, sob o ponto de vista económico, todas elas têm utilidade, e, assim, não haveria razão para a uma indústria já montada não lhe dar protecção pedida, pois que todos os produtos em Portugal são dignos de protecção, e não haveria motivo lógico para o Parlamento dizer que não se deveria proteger essa indústria que a pedia.
Se, em vez de o projecto da comissão de comércio e indústria ser um parecer especial, fôsse relativo a todas as indústrias, outras seriam as minhas expressões, porque eu sou partidário da protecção às indústrias, dando-lhes vantagens e estimulando novas indústrias.
Mas isso seria diferente do que se que os fazer, porque só se trata dum favor, ré dar dinheiro a uma indústria já montada.
Por todas estas razões parece-me que o projecto não deve merecer a aprovação da Câmara, mas deve merecer a atenção da comissão de comércio e indústria, não para atender à situação desta emprêsa em especial, mas para atender à situação de todas as indústrias do Portugal e fixar as condições em' que o Parlamento deve estabelecer a sua protecção à indústria nacional.
Essa orientação deve seguir-se no sentido não só de proteger as indústrias já criadas, de fomentar o desenvolvimento das que estão em laboração, mas, porventura, estimular a criação do novas indústrias, de forma a realizar aquilo a que a comissão chama o desideratum de o país se bastar a si próprio. Isso não se consegue, porém, seguindo um processo desta natureza, que pode trazer o gravíssimo inconveniente de abrir um precedente, tendo ainda o inconveniente do se apresentar por todo o país como um acto de favoritismo para aquela fábrica, sobretudo quando em confronto com qualquer caso semelhante, e não será difícil encontrar casos semelhantes.
O Sr. Lúcio de Azevedo: — V. Ex.ª não encontra nada lançado no País como essa fábrica.
Evidentemente há fábricas e indústrias bem montadas, mas como aquela não há muitas, devido não só à última palavra dos seus maquinismos como ao formidável stock de matéria prima que possui.
O Orador: — Mais uma razão para que não seja justa a isenção de direitos depois de ter sido feita a importação dos maquinismos.
Sendo essa fábrica tam importante, tendo tam formidável stock de matérias primas, como S. Ex.ª acaba de dizer, ela há-de encontrar durante tantíssimos anos da sua existência a compensação dos impostos pagos ao Estado. À declaração de S. Ex.ª torna o caso muitíssimo mais interessante.
Sr. Presidente: fico tranquilo com a minha consciência não votando êste projecto, porque essa fábrica encontrará na
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exploração da sua indústria a compensação à despesa feita com os direitos pagos pelos maquinismos importados, e não voto ainda esto beneficio a conceder à fábrica de Leiria para não me encontrar na situação moral de ter de votar de igual maneira quando qualquer outra fábrica viesse reclamar em idênticas circunstâncias.
O que eu entendo dever fazer-se é aquilo que aconselhei: elaborar uma proposta de protecção à indústria estabelecendo as condições em que, dum modo geral, se poderá dar a toda a gente vantagens para a exploração de qualquer indústria.
Isto é que era realmente uma obra justa e séria; para essa obra tem-me o Sr. Lúcio de Azevedo, o Sr. Ministro do Comércio o toda a Câmara a seu lado, porque é uma obra justa e legítima.
Isto que se pretende agora fazer pode levar ao convencimento de que se pretende praticar um acto de favoritismo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: confesso a V. Ex.ª e confesso à Câmara que não conhecia êste parecer, mas pelo ligeiro debate que hoje se esboçou sôbre êle, fiz já uma idea, que suponho completa, da sua doutrina.
Quando vi o Sr. Ministro das Finanças receber, porventura, com menos boa vontade a discussão imediata dêste parecer, supus que se tratasse de qualquer cousa que representasse um prejuízo para o País, qualquer infracção do Regimento ou das boas normas parlamentares. Consultei o Sr. Ministro das Finanças, que me disse: «Não é assim; discordo da oportunidade da discussão, porque essa discussão vai levar tempo, prejudicando a discussão urgente da reforma financeira que eu estabeleci, e, portanto, a votação dos orçamentos, mas não discordo do projecto, pus-lhe até o meu «concordo».
Ora, Sr. Presidente, se o Sr. Ministro das Finanças concorda com êste parecer implicitamente, concorda com toda a sua doutrina e então pus-me a ver se da argumentação dos ilustres Deputados que me precederam no uso da palavra eu descortinava qual seria a causa da fúria brava com que é recebido o parecer neste momento e confesso a V. Ex.ª que não descortinei.
Evidentemente não pode filiar-se a oposição a um parecer de interêsse económico, interessante para a economia do País no facto de o Sr. Bispo do Leiria ter feito uma visita à fábrica, mas, Sr. Presidente, depois da exposição calorosa do antigo Ministro do Comércio Sr. António Fonseca, fiquei som sabe nada porque não compreendo como se possa estar a contrariar a votação de um parecer que tem por fim conceder a uma indústria nova uma isenção do direitos sôbre maquinismos importados, pedido que apresentou na ocasião em que se preparava para lazer a sua instalação em 1919.
Veio aqui à Câmara o Ministro do Comércio de então, Sr. António Fonseca, apresentar, não uma proposta para isenção de direitos relativamente a essa família, mas, uma proposta de isenção de direitos a todas as indústrias similares.
Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que aprecie como é arquitectada no ar a teoria económica, que vejo preconizada, de que um pedido de isenção de direitos em 1919 para uma indústria nova que se tratava de montar é em 1923 considerada como um favor, como uma concessão póstuma,
Considerado como uma concessão costuma?!
A isenção não foi concedida por interrupções constantes dos trabalhos parlamentares e perturbações da ordem pública.
Eu tenho a impressão de que V. Ex.ªs não gostaram muito de que eu viesse interromper o coro que estavam fazendo contra a indústria.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Sr. Presidente: eu não quero perder aquela linha de equilíbrio, que é necessário manter nesta casa do Parlamento, mas não quero deixar de considerar peregrina esta fobia de quando alguém quere trabalhar para o desenvolvimento do País, logo se procuro contrariar êsse impulso.
Eu não defendo êste nem aquele, nem conhecia esto parecer, porque quando foi apresentado eu estava fora de Portugal, mas quando há pouco o li reconheci que se tratava de uma indústria nova e que o projecto tinha um carácter geral.
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Não é uma isenção que amanhã possa ser utilizada por todos.
Não se transformou em lei êste projecto, mas agora foi aqui novamente presente com o «concordo» do Sr. Ministro das Finanças.
Protesto contra a doutrina de que se trata de uma isenção de direitos póstuma.
Tenho dito.
O Sr. Domingues dos Santos (para um, requerimento): — Sr. Presidente: quando, se iniciou esta discussão não se pensou que ela levantaria tam grande discussão, e. como não podemos estar a perder tempo pois é necessário continuar a discussão dos orçamentos, requeiro que V. Ex.ª consulte a Câmara sôbre se consente que esta discussão fique para a próxima sessão, antes da ordem do dia, sem prejuízo dos oradores inscritos.
O Orador não reviu.
ORDEM DO DIA
Entra em discussão o orçamento do Ministério da Guerra.
É posta à votação uma moção do Sr. António Fonseca, apresentando o Sr. Agatão Lança o seguinte requerimento:
Requeiro que a moção do Sr. António Fonseca seja dividida, em duas partes:
1.ª A alínea a) do n.º 3.º;
2.ª A parte restante da moção, e que a 1.ª parte baixe à comissão de guerra. -, Agatão Lança.
A moção é a seguinte:
Considerando que é indispensável entrar definitivamente num regime de compressão de despesas reduzindo as necessárias, eliminando as dispensáveis e estabelecendo, a respeito de cada, as providências tendentes a evitar o crescimento das improdutivas, nomeadamente as que se referem ao pessoal;
Considerando que a proposta orçamental do Ministério da Guerra não está organizada em harmonia com os preceitos de contabilidade em vigor nem traduz, e antes altera, disposições legais vigentes sobretudo no que respeita à fixação doe quadros;
A Câmara dos Deputados resolve:
1.º Reduzir os quadros permanentes de oficiais e praças de pré da proposta orçamental aos fixados na legislação especial em vigor;
2.º Inscrever os supranumerários que realmente existam e na situação em que devam ser considerados;
3.º Exprimir desejo de que o Govêrno apresente ràpidamente ao Parlamento as providências necessárias para:
a) Reduzir os quadros permanentes aos fixados na legislação vigente em 1914;
b) Entravar definitivamente o crescimento, até agora constante, das despesas do pessoal do Ministério da Guerra;
c) Promover o regresso rápido do número de oficiais e praças do exército à normalidade da organização legal. — António Fonseca.
Continua a discussão a proposta do Sr. Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho) para que o orçamento de despesa do mesmo Ministério baixe à comissão, a fim de ser rectificado;
O Sc. Paulo Cancela de Abreu: — É de estranhar que a comissão do orçamento do Ministério da Guerra elaborasse o seu parecer sem que nele aparecesse a revelação dos erros apurados.
Êstes factos são deveras lamentáveis e revelam bem a confiança que ao País pode merecer a elaboração dos orçamentos, o trabalho das respectivas comissões e quantas vezes até o trabalho do próprio Parlamento, só não aparece, come neste caso apareceu, um Ministro escrupuloso que aponte a falta e procure remediá-la. Verdade é que os erros que há neste orçamento existem também, nas devidas proporções, nos outros orçamentos que já se votaram e nos que estão para se votar, assim como existiam nos dos anos anteriores, e a prova é que no fim de cada um aparece sempre um capitulozinho para despesas dos anos económicos anteriores.
O Orçamento do ano passado foi votado em Junho e já em Agosto o Sr. Ministro das Finanças estava a abrir créditos extraordinários!
Por consequência as previsões do Orçamento estão todas erradas. Neste os erros atingiram as proporções de verdadeiro escândalo, que foi revelado pelo Sr. António Fonseca, pessoa absolutamente insuspeita para o fazer e que eu tenho pena de não ter podido ouvir.
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Em todo o caso, sei que S. Ex.ª demonstrou que neste orçamento e em relação à maioria das diferentes armas do Exército, especializando a da administração militar, havia, quer no quadro permanente, quer no quadro supranumerário, 382 oficiais a mais do que aqueles que estão estabelecidos e são permitidos pelas leis em vigor.
Esta revelação é interessante o, apesar de nós, monárquicos, estarmos sempre com a pedra no sapato a respeito de legalidade e da moralidade dos actos da República, nunca podíamos imaginar que se chegasse até êste ponto.
A mim, que tenho a mania dos números e que já aqui fui acusado de ter a alucinação dos números, nunca me passaria pela cabeça que seria preciso ler o orçamento para ver que havia oficiais a mais.
Se esta revelação fôsse feita por mim, teriam de a acreditar porque não me julgariam capaz de mentir, mas poderiam supor que havia algum equívoco.
Torna-se, pois, indispensável que o orçamento do Ministério da Guerra baixe à respectiva comissão, porque esta cousa fantástica de se fazer a promoção de oficiais do exército apenas pelo orçamento é o que de mais original o de mais inédito se poderia imaginar! E evidente que todos as verbas hão-de previamente estar autorizadas por lei, que crie os respectivos lugares.
A propósito desta proposta têm-se feito grandes discursos. Mas eu não me demorarei mais do que alguns minutos, pois que me reservo para quando êste orçamento voltar à discussão, que pronunciarei detalhadamente sôbre a sua matéria. O que desejo frisar desde já é que as esmagadoras afirmações do Sr. António Fonseca vieram reforçar a nossa argumentação sôbre o que se passa no Ministério da Guerra no capitulo de despesas e acêrca do excesso de oficiais nas diferentes armas.
Demonstrou-se aqui que em algumas dás armas das nossas fôrças, quer de segurança, quer da guarda fiscal, a proporção entre oficiais e soldados é, em muitos casos, de 1 para 4, 1 para 5 e 1 para 6. Disse o Sr. Ministro da Guerra que isto era consequência das organizações milicianas.
O Sr. Tôrres Garcia: — A elevada percentagem de oficiais não se pode atribuir à organização miliciana, porque ela tende exactamente ao contrário, isto é, à redução dós quadros permanentes e à inscrição de toda a gente.
Estabeleceu-se discussão entre o orador e o Sr. Tôrres Garcia.
O Orador: — O Sr. Ministro da Guerra lembrou-se certamente de ouvir aqui declarar terminantemente que a promoção se fazia simplesmente para dar os galões a êsses oficiais e não para receberem o sôldo correspondente à nova patente.
Depois, é claro, êsses coronéis reclamaram o sôldo da nova patente. E foram atendidos, apesar dos pareceres em contrário da Procuradoria Geral da República. Isto é, abriu-se-lhe primeiro meia porta e depois o resto.
Sr. Presidente: aproveitando o estar no uso da palavra, vou fazer três preguntas ao Sr. Ministro da Guerra.
A primeira é se S. Ex.ª acha razoável que um oficial do exército esteja preso durante quarenta dias em culpa formada, como sucede com o Sr. alferes Sousa Azevedo, que aparece agora acusado de desertor apesar de ter residência em Lisboa.
O Sr. Almeida Ribeiro (àparte): — Então isto é do orçamento do Ministério da Guerra?
O Orador: — V. Ex.ª não assistiu ainda ontem a uma sessão em que, tratando-se do orçamento, se fez uma larga discussão que não tinha nada com ele?!
É legal o procedimento havido com êsse oficial?
Desejava também que S. Ex.ª me dissesse o que averiguou quanto ao célebre caso da Quinta dos Oragos. Não se compreende que o Parque de Aviação se tenha apoderado por uma forma bolchevista duma propriedade em 24 de Junho, para só em 14 de Agosto ser comunicado ao Ministério da Guerra semelhante acto. Foi uma verdadeira extorsão, pois trata-se duma apropriação feita contra todas as leis, normas e princípios!
O Sr. Presidente: — Peço a V. Ex.ª que se refira só ao assunto em discussão.
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O Orador: — V. Ex.ª ontem permitiu que se falasse em todos os assuntos. Mas eu vou terminar, pedindo ao Sr. Ministro da Guerra que me diga como se pode admitir que o proprietário da referida quinta pague a contribuição e o Parque Automóvel receba as rendas?
Um outro assunto, para o qual chamo a atenção do Sr. Ministro da Guerra, é o desaparecimento do processo da sindicância ao coronel Nobre da Veiga, efectuada pelo general António Maria da Silva, sindicância em que se declarou que até chegou a haver tentativa de homicídio contra os presos monárquicos, levada a efeito por aquele oficial.
Sr. Presidente: nós dêste lado da Câmara, damos o nosso voto à proposta do Sr. Ministro da Guerra.
Tenho dito.
O Sr. Tôrres Garcia não fez a revisão do seu «àparte».
O Sr. António Maia: — Chamo a atenção do Sr. Ministro da Guerra para esta disposição da lei n.º 1:420, que não está em harmonia com o Orçamento.
Foi aprovada a proposta do Sr. António Fonseca.
O Sr. Pinto da Fonseca (relator): — Sr. Presidente: o orçamento do Ministério da Guerra foi organizado pela respectiva repartição de contabilidade segundo os elementos que lhe foram fornecidos pelas várias repartições do mesmo Ministério. Ora, dizendo o Sr. Ministro da Guerra que êsses, elementos não são exactos, o trabalho da repartição de contabilidade, e, consequentemente, o da comissão do Orçamento, porque se serviu dos mesmos elementos, é inútil. O que agora temos a fazer é votar a proposta do Sr. Ministro da Guerra, para que a proposta orçamental volte à comissão do Orçamento, a fim de que esta, com novos elementos devidamente elaborados, se possa manifestar e fazer um trabalho perfeito e aproximado tanto quanto possível da verdade, para que a Câmara o possa apreciar devidamente.
Sr. Presidente: as considerações do Sr. António Fonseca dizem respeito principalmente à redução de despesas, que é o mesmo que quere a comissão do Orçamento, como o afirma no seu parecer; mas não compreendo, o que levou o Sr. António Fonseca a escolher os quadros orgânicos de 1914, o não os de 1911, 1912, 1913, ou de qualquer outro ano, em que os quadros sofreram profundas alterações.
O Sr. António Fonseca: — Escolhi 1914 porque era uma época de normalidade.
O Sr. Pires Monteiro: — Eu sou da opinião, que se devia escolher não 1914, mas 1911.
O Orador: — Mas admitindo a fixação de quadros em relação a 1911 ou a 1914r então entendo que seria mais legítimo fazê-lo segundo a organização de 1911.
Sr. Presidente: os quadros que constam da proposta orçamental são precisamente aqueles que foram votados pelo Parlamento o ano passado, e foram estabelecidos em obediência ao seguinte critério.
Desde a organização de 1911 foram criados vários organismos no exército e vários lugares, segundo disposições legais, o que deu origem a diferenças na organização dos quadros. Nestes termos, entendo que essas diferenças poderiam ser remediadas por meio da proposta orçamental.
Concordo em absoluto com a doutrina defendida pelo Sr. António Fonseca, de que sempre que fôsse reconhecida a necessidade de criar novos lugares ou organismos, o Ministro da Guerra deveria vir ao Parlamento apresentar a respectiva proposta de lei, tendente a alterar os quadros orgânicos; mas o que é verdade é que isso não £6 fez. Porquê? Por comodismo? Talvez.
Os Srs. Ministros da Guerra, porque tinham muitos oficiais em todos os quadros, aproveitavam os que excediam êsses quadros para preencher os lugares novos.
Quando os quadros se normalizassem é que talvez se reconhecesse chegada a oportunidade de os Srs. Ministros virem ao Parlamento pedir a alteração dos quadros.
Foi por isso que eu entendi, e penso que bem, que se podia remediar essa falta fixando os quadros por intermédio da lei orçamental, tomando por base a orga-
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nização de 1911 e todos os organismos criados posteriormente àquela organização.
Foi isso que se fez, e não obstante a opinião em contrário do Sr. António Fonseca, que eu já me habituei a respeitar, está bem feito; pelo menos assim o afirma a Procuradoria Geral da República, em resposta à consulta que lhe foi feita.
O Sr. Pires Monteiro: — Foi um grande êrro não se adoptar imediatamente o ano passado como base os quadros orgânicos de 1911.
Mas ainda há mais. Eu desconhecia o artigo 23.º do decreto n.º 5:787, que se refere à Administração Militar.
Tem-se então visto o caso do haver muitas promoções, na Administração Militar, justificadas pelo Orçamento.
O Orador: — O que eu acho interessante é que muito se alude à Administração Militar, conservando-se silêncio sôbre os quadros de outros serviços e armas: Parece que há o propósito de atingir o relator que é oficial da Administração Militar.
Ora eu devo dizer que nada aproveitei com a fixação que se fez de quadros.
O Sr. Pires Monteiro: — Nunca tive semelhante propósito.
O Orador: — O quadro da Administração Militar não foi alterado nessa parte a- que S. Ex.ª se referiu; foi alterado pela criação de novos lugares que foram estabelecidos para todo o exército.
O quê interessa é dar ao exército uma reorganização que o torne mais útil, tendo-se em vista os recursos financeiros do Estado.
Porém, o que não compreendo, por princípio nenhum, é que o exército seja reorganizado por propostas isoladas, dêste ou daquele, porque, se a actual organização deixa muito a desejar, então ficaria muito pior.
O Sr. Estevão Águas: — Ficava uma manta de retalhos.
O Orador: — Sr. Presidente: os quadros dos oficiais, constantes da proposta orçamental, são, como disse, os fixados pelo Parlamento, a quando da discussão do orçamento de 1922-1923.
Entendo que são os mesmos quadros que se devem fixar na proposta orçamental de 1923-1924, e esperarmos uma nova reorganização, porque não me parece que seja prestigioso pura o Parlamento estarmos a votar há menos de um ano uma fixação de quadros, que entendemos, por boa, para já irmos remodelar o que então fizemos.
Por mim, desde já declaro a V. Ex.ª e a Câmara,, que só aceitarei os quadros, votados pelo Parlamento para o Orçamento do 1922-1923, e, por urna questão de coerência, não colaborarei nem relatarei nenhum orçamento ou proposta que não seja naquelas condições.
O contrário disto dá o direito de dizer se que votámos uma cousa som a consciência do que fazíamos, sem nenhum conhecimento da questão sôbre que nos manifestámos.
Interrupção do Sr. António Fonseca que se não ouviu.
O Orador: — Perdão! O que disso foi que, por um. princípio de coerência, não colaborarei nem relatarei nenhuma proposta que não seja baseada nos quadros que o Parlamento o ano passado fixou.
Sr. Presidente: passando agora à considerar a moção apresentada pelo Sr. António Fonseca, eu chego à conclusão de que, entre a primeira e a última parte, existe uma profunda contradição.
Eu entendo, Sr. Presidente, que, fixados êsses quadros, de maneira nenhuma se pode dizer que fôsse à legislação de 1922 ou 1914. É toda a legislação,em vigor. Como é, pois, que S. Ex.ª vem propor os quadros de 1914?
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª dá-me licença?
São duas cousas distintas.
Uma, é aquela em que a Câmara resolve reduzir os quadros das propostas aos da legislação em vigor.
Outra, é aquela em que se emite o desejo de que os quadros sejam reduzidos ao que eram em 1914.
O Orador: — É uma explicação.
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O Sr. António Fonseca: — Perdão! É uma cousa muito certa, que toda a gente vê e V. Ex.ª também. Só se não quiser.
O Orador: — Veja-se o que V. Ex.ª diz no n.º 3.º
Ora, é principalmente a êste ponto que me quero referir, porque acho extraordinário que V. Ex.ª venha exprimir êste desejo o tenha, não há muito tempo, praticado dentro desta Câmara um acto que é perfeitamente contrário a esta.
V. Ex.ª atacou com todo o entusiasmo e energia uma proposta de lei relativa à comissão de licenças ilimitadas aos oficiais do exército.
Dessa proposta vinha um incontestável benefício para o Estado, por isso que era uma maneira de reduzir, os quadros, e consequentemente as despesas.
O Sr. António Fonseca: — Disso é que não me convencia na ocasião.
V. Ex.ª pode dizer que me enganei na argumentação, mas não me pode acusar de incoerência.
O Orador: — Não há ninguém que pudesse demonstrar que daquela proposta resultava um aumento de despesa.
De resto, tive ocasião de particularmente dizer a S. Ex.ª que só podia resultar um aumento, em virtude de uma porta aberta que a proposta tinha, mas que, uma vez fechada ela, só traria economia para o Estado.
Por essa proposta, os oficiais a mais nos quadros ficavam com o direito de licença ilimitada, desde que o requeressem, até ao número em excesso dêsses quadros.
Igualmente àqueles que pertencendo aos quadios quisessem licença ilimitada, ela podia ser concedida, desde que se reconhecesse que não havia prejuízo para o serviço.
Ora, era esta porta que se devia fechar,
O Sr. António Fonseca: — Era uma das portas.
O Orador: — Era a única.
Um oficial com licença ilimitada sai do quadro e dá vaga. E desde que fôsse concedida licença a um oficial dum quadro onde não houvesse supranumerários evidentemente que êle nunca faria falta ao serviço porque a sua vaga seria imediatamente preenchida. Era, por isso, necessário incluir uma outra disposição em que se consignasse que, nesse caso, se não daria a promoção.
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª só me poderia com razão chamar incoerente se eu estivesse a contrariar uma proposta de lei com o fundamento de que ela implicava uma redução de despesa.
Ora não é isso: eu contrario a proposta, por uma razão absolutamente contrária, isto é, porque a considero como uma proposta de aumento das despesas, e, além disso, absolutamente inútil.
Estou pois, como V. Ex.ª vê, inteiramente dentro da lógica.
O Orador: — Eu não assisti de início à discussão desta proposta, mas, pelo pouco que ouvi a V. Ex.ª, quere-me parecer que o seu argumento principal estava no facto de se ir dar aos militares uma concessão diferente da que era dada aos civis.
Ora eu acho que um tal argumento não pode ser aceitável.
Só havia então que discutir, em meu entender, se a proposta que fazia uma tal concessão aos funcionários militares em Lisboa ou não.
Provado que era boa, não havia mais do que torná-la extensiva aos funcionários civis.
Desde porém que o Sr. António Fonseca não apresentou nesse sentido qualquer proposta, eu só posso atribuir a sua atitude a uma manifesta má vontade que S. Ex.ª tem ao exército...
O Sr. António Fonseca: — Eu não tenho má vontade nenhuma para com o exército, tanto mais que já fui sargento.
Q Orador: — Mas, Sr. Presidente, o Sr. António Fonseca referiu pontos que não são a expressão da verdade, quando se referiu à entrada de oficiais, desde Janeiro de 1922.
Diz que entram nesse número os tenentes.
Àpartes.
O Sr. António Fonseca referiu-se a minudências na apreciação do Orçamento?
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citando factos que, a meu ver, não tem importância nem vale a pena serem apontados.
Sr. Presidente: quanto a erros nas somas, pode havê-los, mas quando se altera uma verba parcial não se faz a respectiva emenda na soma total.
São pois erros, mas não das várias parcelas.
Sr. Presidente: a emenda de tais erros pertence à comissão de redacção da Câmara.
Passando agora a referir-me às considerações do Sr. Tôrres Garcia, tenho a dizer que S. Ex.ª fez uma referência que não posso deixar de esclarecer, por ela ser injusta absolutamente.
Estou convencido de que, dadas as explicações que vou dar, S. Ex.ª concordará comigo e não o faço por espírito de camaradagem, porque, se estivesse convencido de que no Ministério da Guerra se tivessem praticado erros de má fé, seria o primeiro a chamar para êles a atenção do Sr. Ministro da Guerra, para que chamasse à responsabilidade dêsse funcionário.
Àpartes.
Disse S. Ex.ª que a proposta orçamental fora elaborada com possível má fé e com sofisma, do que resultaram os erros constantes do primeiro capítulo do orçamento do Ministério da Guerra, o que classificou como sendo mais um golpe de preto, contra o Parlamento.
Devo dizer a V. Ex.ª que, quanto ao quadro dos oficiais, não houve má fé, porque se limitaram a reproduzir os quadros votados pelo Parlamento no ano de 1922-1923.
Além disso, isto é organizado pela repartição de contabilidade, onde os funcionários são do Ministério das Finanças.
Evidentemente quem organizou o orçamento não tem responsabilidade alguma, visto que só tinha de pôr lá os elementos fornecidos pelas repartições técnicas.
O Sr. Tôrres Garcia: — Elementos fornecidos pelo Ministério da Guerra.
O Orador: — Mas êsses elementos são aqueles que votámos neste Parlamento; logo, não houve má fé nem sofisma
Referiu-se ainda S. Ex.ª o Sr. Tôrres Garcia ao facto de serem abonados aos oficiais os vencimentos do pôsto a que foram promovidos pela lei n.º 1:239 e fez a afirmação de que isso é absolutamente contra a lei.
Ora eu não conheço lei absolutamente alguma dêste país que diga que os oficiais promovidos nos termos da lei n.º 1:239 têm os vencimentos do pôsto anterior, até que entrem nos quadros.
Houve de facto uma lei que continha essa doutrina, era a própria lei n.º 1:239, mas ela foi anulada por outra lei, não ficando êsse ponto devidamente esclarecido.
Trocam-se àpartes.
O Sr. Tôrres Garcia: — Leia V. Ex.ª à Câmara a consulta dirigida pelo Ministério da Guerra à Procuradoria Geral da Republica, e aí encontrará opinião absolutamente contrária.
O Orador: — Eu não sei com que fundamento deram a êsses oficiais os vencimentos do pôsto a que foram promovidos, e devo dizer com toda a lealdade que tendo eu sido promovido ao abrigo dessa lei, pensei que não venceria pelo novo pôsto que tinha antes de entrar no quadro.
Quando me começaram a pagar nessa ocasião sabe V. Ex.ª quanto eu tinha? um escudo por mês a mais no vencimento.
Àparte do Sr. Tôrres Garcia que não se ouviu.
O Orador: — O que é verdade é que a lei que anulou a lei n.º 1:239, a meu ver, tem uma falta, e é que anulada essa lei, colocando na disponibilidade os oficiais que haviam sido promovidos ao abrigo dela, devia ter mais um artigo, dizendo que os oficiais deviam continuar a vencer pelo pôsto anterior até entrarem nos quadros.
Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Pires Monteiro manifestou o desejo de que o orçamento do Ministério da Guerra tivesse uma organização diferente daquela que se tem dado até hoje e fundamentou essa opinião, a meu ver, aceitável.
Se, de facto, formos ao orçamento do Ministério da Guerra e precisarmos saber ràpidamente quanto custa um ou outro organismo, não sabemos.
De facto os vencimentos estão espalha-
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dos por todos os capítulos, inclusivamente na despesa extraordinária, mas, o que me parece é que a comissão do Orçamento não tem competência, não pode ou não deve alterar a forma apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra.
Porventura, essa indicação poderia servir para futuros orçamentos a apresentar à Câmara, para que fôsse modificado o sistema que se tem seguido até agora.
Estranhou também S. Ex.ª que no Orçamento estives se inscrito determinado número de oficiais, nomeadamente de artilharia, que de facto não existem.
Eu estranho, Sr. Presidente, que tivesse sido um militar que se referisse a êste ponto do Orçamento.
Eu acho que o Orçamento e uma previsão de despesas a fazer, não podendo deixar de ser feito relativamente aos quadros, isto é, contendo o número de oficiais fixado para cada classe, quer êles existam quer não.
Sr. Presidente: por último falta-me responder às considerações feitas pelo Sr. Cancela de Abreu, especialmente na parte em que S. Ex.ª estranha que nem o organizador da proposta orçamental do Ministério da Guerra nem a comissão do Orçamento vissem que os quadros indicados no capítulo 1.º do respectivo orçamento estavam errados.
Já expliquei na primeira parte do meu discurso que a proposta orçamental foi organizada pela Repartição de Contabilidade de harmonia com os elementos fornecidos pelas várias repartições técnicas do Ministério da Guerra.
Dados êstes esclarecimentos, creio ter respondido às considerações, de todos os Srs. Deputados que tiveram interferência na discussão.
Tenho dito.
Os «àpartes» não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Pires Monteiro: — O Sr. relator, respondendo às considerações que tive a honra de fazer, frisou a impossibilidade de se conseguir a redução dos quadros de 1911.
Eu referi-me aos efectivos de 1911 por que tenho a certeza que ainda excedem as necessidades do exército, porque os oficiais milicianos podem, como já brilhantemente o provaram, exercer a sua acção
nos campos de batalha, e portanto podemos reduzir os quadros sem desvalorizar as instituições militares.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tôrres Garcia: — Principiarei por ler o parecer da Procuradoria Geral da. República.
A face dêste documento é necessário que se chame à responsabilidade a Secretaria da Guerra.
O Sr. António Fonseca: — Parece-me que êsse parecer tem um despacho do Ministro da Guerra, Sr. Correia Barreto, que diz «concordo».
O Orador: — Mais grave ainda! É necessário chamar à responsabilidade quem tal escândalo praticou.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo): — Eu já disse aqui na Câmara que na Secretaria da Guerra se dizia: «viessem os galões, que o dinheiro também viria».
O Orador: — Tenho um artigo novo para apresentar.
Estou certo de que ninguém levantam dificuldades à aprovação dessa doutrina porque é dignificante do exército e da nação.
Votado o meu projecto com essa emenda ficará, por assim dizer, afastado o perigo tremendo que corre a República nos seus fundamentos morais, como as promoções feitas desrespeitando tudo e todos.
O Sr. António Fonseca: — Como explicação a algumas palavras proferidas há pouco pelo Sr. relator, desejo afirmar que ao discutir o orçamento da Guerra e ao apresentar a moção que a Câmara votou, não tive intuito algum de visar especialmente S. Ex.ª ou o Sr. Ministro da Guerra, como não tive o propósito de acusar qualquer das pessoas que tenha sido redactor do Orçamento nos anos anteriores.
Tive apenas o intuito de chamar a atenção da Câmara para os assuntos que se relacionaram com o orçamento da Guerra, que é um dos mais importantes sob o ponto de vista do numerário e da magnitude dos serviços a que respeita.
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Depois de ter colhido algumas informações, eu demonstrarei como uma proposta votada há pouco tempo pode trazer para o Govêrno e para o Parlamento embaraços de toda a ordem.
Eu pedi ao Ministério da Guerra uma nota de todos os oficiais promovidos à sombra da lei n.º 1:239, vou ler essa nota à Câmara e mostrar que pelo facto de se exigir que se cumpra a lei se conseguirá uma economia importante.
Sabe V. Ex.ª a diferença de preços que custa esta brincadeira, deixem-me chamar-lhe assim?
Com gratificações respeitantes à melhoria de vida, para não fazer incluir melhoria de serviços, temos uma grande diferença.
Temos assim uma questão que reveste igualmente um aspecto financeiro grave e moral.
O aspecto financeiro a Câmara não pode deixar de o considerar.
A sombra desta lei não podem colocar-se estas pessoas em melhores condições do que estavam colocadas sob esta lei.
Esta verdade foi reconhecida pelo parecer do Sr. Tôrres Garcia.
Não foi publicado nenhum despacho ministerial posterior ao do Sr. Correia Barreto.
Há leis que reservam uma situação que é contra a lei?
Não acuso ninguém: não faço acusações a ninguém; quando as quisesse fazer, fazia uma interpelação.
Julgo dos factos; e vejo que efectivamente à sombra dos orçamentos se faz toda a qualidade de atropelos.
Referi-me ao modo por que poderia o Sr. relator ter relatado o Orçamento.
Em nenhum país, nem em Portugal, se considerou o Orçamento como uma cousa diferente do que tenho dito, e não foi considerado mais do que uma tabela de despesas.
Àpartes.
Por um àparte que ouvi, mostra-se que quando a Procuradoria Geral da República dá um parecer favorável a qualquer pretensão do exército, êle cumpre-se inteiramente, mas quando é contrário, já não, se cumpre.
Àpartes.
Sr. Presidente: sentir-me-ia impedido de discutir o orçamento do Ministério da Guerra se se julgasse que eu estava a lutar contra alguém, contra o exército, quando só estou a lutar por ideais.
O Sr. Pinto da Fonseca diz que o Orçamento só fixa os quadros para um ano e que de outro modo não se poderia relatar um Orçamento.
Sr. Presidente: não se pode aproveitar o Orçamento para alterar as leis que regulam os serviços, mas a alteração de uma verba, não altera a organização dos serviços.
10 que entendo é que, para cortar todas as dúvidas que se apresentem, se devem reduzir os quadros ao que está na lei.
Não pode haver dialética de qualquer espécie, que faça com que os quadros não sejam o que está na lei.
Isto é o que é e não posso considerar outra cousa.
Se é necessário fixar os quadros, a Câmara é que os deve fixar, como entender.
Àpartes.
E estou absolutamente certo de que S. Ex.ª há-de ser um dos primeiros a dar-me razão, pois a verdade é que uma das comissões que sempre devem ser consultada sôbre assuntos técnicos é a comissão de guerra.
Desde que haja necessidade de alterar os quadros, quer se trate de os aumentar ou deminuir, não é a comissão do Orçamento que deve tratar do assunto, mas sim única e simplesmente a comissão de guerra, que é uma comissão técnica.
Esta é a minha opinião, pois a verdade é que, salvo o devido respeito pela opinião dos outros, a comissão do Orçamenta é absolutamente incompetente para tratar do assunto, como eu o soa, por exemplo, o que aliás já se não dá com o ilustre Deputado Sr. Pinto da Fonseca, que tem sôbre o assunto uma competência especial como militar que é.
Nesta altura estabeleceu-se um largo diálogo entre o orador e o Sr. Pinto da Fonseca, que foi impossível reproduzir.
O Orador: — Isso é o mesmo que seda com os segundos comandantes e bem assim com as bandas de música, as quais têm figuras a mais.
O que eu espero, Sr. Presidente, é que o Sr. Pinto da Fonseca como relator do orçamento trate do assunto como se torna, absolutamente necessário.
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Diário da Câmara dos Deputados
Espero, pois, Sr. Presidente, visto o orçamento ter de baixar à comissão do Orçamento, que ela estude convenientemente o assunto e trate de remediar os inconvenientes que apontei, apresentando depois o respectivo parecer, pois desejarei bastante tê-lo em minha casa as vinte e quatro horas, como deve ser, a fim de o poder estudar convenientemente, pois, desde já declaro que estou pronto a discutir aqui largamente o assunto, como é do interêsse de todos.
Desejo estudar o assunto, e tratar dêle com a largueza que deve ser, pois, de contrário, entendo- que não é discutir o Orçamento, para o que necessário se torna que o respectivo parecer seja distribuído conforme manda o Regimento, pois, não é com uma simples leitura que se faça dele que o mesmo poderá ser apreciado convenientemente, sendo, a meu ver, inútil toda a discussão que se não faça nestes termos.
Tem sido possível esta confusão.
A proposta do Sr. Ministro da Guerra e esta discussão não ficam mal ao Parlamento, porque mostram que êle se preocupa com os assuntos e está disposto a olhar com cuidado para as votações que aqui se fazem.
Em tempo oportuno apresentarei um projecto de lei para que as propostas que alterem o orçamento não possam ser apresentadas sem terem ido ás comissões e que tragam a declaração expressa que os encargos orçamentados não poderão ser superiores a determinada quantia.
Se assim se fizesse não se ciaria o caso frequente de votarmos uma verba de 100$ que depois é transformada em 2. 000$ ou 3. 000$.
O Orçamento tal como está não fornece elemento algum de estudo, porque, se as verbas de cada classe vêm discriminadas, depois com as melhorias de custo de vida ficamos sem saber até onde vão as previsões orçamentais.
Este processo de fazer o orçamento é absolutamente proibitivo: não serve para nada, nem há possibilidade do se saber o que em matéria de pessoal se gasta.
Nada poderá ser resolvido emquanto não houver possibilidade de saber todas as classificações de lugares, e todos os processos.
Êste trabalho e indispensável.
Só quando o Sr. Ministro das Finanças puder trazer um Orçamento em que venham as melhorias fixas com determinado coeficiente fixo.
O Sr. António Maia: — Quando há pouco estava falando o Sr. Turres Garcia, tive o seguinte àparte: «é que V. Ex.ª esquece-se de que existo um dever que faz com que se cumpra a lei».
Julgou S. Ex.ª que eu fazia uma insinuação. Vou provar que não.
Em pioneiro lugar, à sombra de promoções feitas ao abrigo da lei n.º 1:339 e outras leis, havia o parecer da Procuradoria Geral da República, que diz que êstes oficiais não tinham direito a ganhar senão o pôsto inferior. Apesar disso o Sr. Ministro da Guerra pôs o «concordo».
Pois êstes oficiais percebem mais.
Pregunto: se não foi o Sr. Ministro da Guerra nem a Procuradoria Geral da República quem propôs êsse vencimento, quem foi?
O Sr. Pinto da Fonseca: — Estou convencido de que a administração Militar não disse que se fizesse isso sem ouvir as instâncias superiores.
O Orador: — Mandou-se pagar por ordem de quem? Do Sr. Ministro? Creio que não.
O Sr. Pinto da Fonseca; — A circular só podia ser distribuída em nome do Ministro da Guerra.
O Orador: — Foi abusivamente distribuída.
Então o Sr. Ministro concorda com a Procuradoria Gorai da República, e depois autorizava o pagamento?
Certamente que não.
Sei que se faz muita cousa em nome do Ministro da Guerra de que S. Ex.ª nem sequer tem conhecimento.
A lei n.º 940 preceitua sôbre os oficiais não especializados.
O conselho administrativo do Grupo da Esquadrilha do Aviação República mandou pagar êste dinheiro, mas não pôde pagar-se porque se dizia que a lei n.º 940 devia ser interpretada desta maneira.
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Sessão de 17 de Maio de 1923
Não se podia pagar porque, diziam, a lei n.º 940 devia ser interpretada desta maneira.
E aqui tem V. Ex.ª o critério da Administração Militar, a interpretar leis. Não preguntaram ao Sr. Ministro da Guerra, nem à Procuradoria Geral da República, qual a interpretação. Disseram que era assim.
Interrupção do Sr. Pinto da Fonseca que não se ouviu.
O Orador: — Mas há mais.
A lei n.º 940 determina uma certa gratificação aos soldados.
Mas novamente a Administração Militar dá outra interpretação, dizendo que a gratificação do n.º 7.º não é acumulável com a do artigo 1.º
Preguntei porquê. Porque interpretamos assim a lei», que, repito, nada diz a êsse respeito.
Como se mantivesse a interpretação dada pela Administração Militar, não pagaram.
Porém, eu, como comandante do grupo de aviação e presidente do conselho administrativo, expus a questão ao Sr. Ministro da Guerra, e S. Ex.ª determinou que se pagasse.
Aqui tem, portanto, V. Ex.ª a razão por que eu disse que havia um serviço do exército que se permitia interpretar leis.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Sr. Presidente: apesar do pouco tempo de que posso dispor para usar da palavra, vou procurar responder às diferentes observações feitas a propósito da minha proposta.
Quando a apresentei fi-lo no intuito de ganhar tempo. Infelizmente, porém, êste meu desejo foi prejudicado, porque se eu tivesse a certeza de que ela ia levantar tam larga discussão tem trazido as propostas de emenda, que considero urgentes.
Sr. Presidente: acaba de ser feita por diversos oradores uma larga dissertação a respeito de vários assuntos que correm pelo Ministério da Guerra, e, com mágoa, verifiquei que se confirma que é a impressão do muita gente que quando se trata de questões militares a discussão arrasta-se e o exército sai sempre mal ferido.
Hoje assim sucedeu, e eu, que me encontro à frente do exército numa circunstância acidental, também me sinto atingido, embora para isso não tenha contribuído. Como oficial do exército, que não esqueço que o sou, também me sinto magoado.
Quanto à minha proposta, nada tenho a dizer, visto que a Câmara quási unanimemente concordou com ela. Tenho, todavia, de me referir a afirmações feitas hoje aqui sôbre a lei n.º 1:239.
Tive a honra de ser relator dêsse projecto, e por isso recordo-me bem do que se passou nesta Câmara quando da respectiva discussão.
Houve uma tempestade idêntica à que há pouco se levantou. É triste constatar-se — e digo isto sem ofensa para ninguém — que tendo-se discutido já aqui diversos orçamentos, nada se tenha dito relativamente a aumentos de quadro em relação a 1914, e que só sôbre o orçamento do Ministério da Guerra se levantem as questões que têm aqui sido suscitadas.
Como relator do projecto de lei n.º 1:239, eu afirmei bem alto a minha discordância com a doutrina nele exarada, e lembro-me de que fui consultado pelos leaders, quando se tratava de resolver a tempestade que se levantara, sôbre se a colocação dos oficiais na disponibilidade remediaria o caso. Eu disse que remediaria, mas dando-se os vencimentos.
Mas houve alguém que disse aqui que não era moral dar os galões sem dar ao mesmo tempo os vencimentos.
O Sr. António Maia (interrompendo): — Eu combati a lei, mas acrescentei que não teria dúvida em apresentar uma proposta para que os promovidos recebessem os vencimentos relativos às suas patentes.
O Orador: — O Sr. Tôrres Garcia leu à Câmara o parecer da Procuradoria Geral da República, e eu peço a S. Ex.ª que me informe da data dêsse parecer.
O Sr. Tôrres Garcia: — É de 25 de Maio de 1922.
O Orador: — Não lenho procuração para defender seja quem fôr, mas necessito di-
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zer as circunstâncias era que vim encontrar o assunto: encontrei-o já resolvido.
Como chefe do exército, tenho de desagravar a Administração Militar, que foi há pouco rudemente atacada pelo Sr. António Maia.
A Administração Militar apresentou ao Ministro da Guerra de então uma informação sôbre o assunto, cuja cópia tenho aqui em meu poder.
Sôbre essa informação recaiu o despacho do Ministro, e, de harmonia com êsse despacho, fez-se a circular e o pagamento aos oficiais.
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Eu tenho muita consideração pelo serviço administrativo, mas, sob o ponto de vista de direito, julgo que a Procuradoria da República, sabe mais alguma cousa; em caso contrário, não tinha razão de existência.
O Sr. Ministro continua lendo a informação da Administração Militar.
O Sr. Presidente: — Deu a hora de se encerrar a sessão.
O Orador: — Se V. Ex.ª me consente fitarei com a palavra reservada.
O Sr. Presidente: — Fica V. Ex.ª com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: o diz-se dos políticos passou para as colunas dos jornais.
Diz um jornal que se gastaram 600 contos com um elevador no Ministério da Marinha.
Eu tenho a certeza que isto não pode ser exacto, porque não admito que haja um Ministro que tenha o prazer sádico perante a miséria do País de dar-se à liberalidade de gastar 600 contos com o elevador do seu Ministério.
Se tal fôsse verdade só tínhamos de limitar a vida política dêsse Ministro..
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho): — Não compreendo, Sr. Presidente, o interêsse que certas criaturas
têm em fazer uma política de fantasia e confusão.
O assunto é simples. Trata-se duma velha aspiração dos funcionários do Ministério da Marinha; a construção dum elevador e, como é natural, o Ministro interessou-se por esta aspiração e procurou indagar quanto custaria êsse trabalho. Verificou-se que a construção dêste elevador não excederia a verba de 50 contos.
O melhor desmentido que posso fazer é dizer a V. Ex.ª que não há verba orçamental pela qual o Ministro possa pagar essa despesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã com a seguinte ordem do dia:
Antes da ordem do dia (sem prejuízo dos oradores que se inscreveram):
Parecer n.º 460, que isenta de direitos de importação os maquinismos importados pela Empresa de Cimentos de Leiria.
A que estava marcada (205, 350, 378, 353, 160, 284, 470).
Parecer n.º 497, que fixa a antiguidade dos alunos da Escola de Guerra que terminaram os cursos no 2.º semestre de 1919.
Ordem do dia:
A que estava marcada (n.ºs 411-E, 411-F, 302, 385, 196, 442 e projecto do Sr. Francisco Cruz.
Parecer n.º 411-G, orçamento do Ministério da Instrução.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 5 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Proposta de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, reduzindo de 10 para 5 por cento a taxa ad valorem do artigo 4 da pauta dos direitos de exportação anexa ao decreto n.º 8:741, de 27 de Março de 1923.
Para o «Diário do Govêrno».
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Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 15-J, que torna extensivas aos órfãos, e filhos dos mutilados e estropiados em combate, as regalias da lei n.º 1:150, de 15 de Abril de 1921.
Imprima-se.
Da comissão do orçamento sôbre o n.º 444-H, que abre um crédito especial de 489. 000(5 a favor do Ministério da Agricultura para, reforço' de designadas dotações orçamentais.
Imprima-se.
Da comissão de caminhos de ferro, sôbre o n.º 505-A, que concede autorização â Federação das Câmaras Municipais de Alenquer, Cadaval, Bornbarral, Lourinhã e Peniche, para construção dum, caminho de ferro do Carregado a Peniche.
Para a comissão de finanças.
Requerimento
Requeiro que pelo Ministério da Instrução me seja fornecida com urgência cópia do parecer da junta de sanidade Escolar, a respeito do requerimento do professor da Escola Primária Superior Adolfo Coelho, Francisco Lobo de Miranda para continuar no exercício das suas funções, apesar de ter atingido o limite de idade. — A. A. Tavares Ferreira.
Expeça-se.
O REDACTOR — Herculano Nunes.