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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 88
EM 22 DE MAIO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Tomás de Sousa Rosa
Secretários os Exmos.
Balatasar de Almeida Teixeira
Luís António da Silva Tavares de Carvalho
Sumário. — Abre-se a sessão com a presença de 45 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — Continua em discussão o parecer n.º 465 — que isenta de direitos de importação os maquinismos destinados à Emprêsa dos Cimentos de Leiria.
O Sr. Pires Monteiro, que ficara com a palavra reservada, conclui o seu discurso, apresentando um aditamento à moção que na véspera mandara para a Mesa.
Usa da palavra o Sr. Carlos Pereira.
É admitida a moção do Sr. Pires Monteiro.
Para explicações, falam os Srs. Almeida Ribeiro e Jaime de Sousa.
Segue-se o Sr. Mariano Martins.
O debate fica pendente.
É lançado na acta um voto de sentimento pela marte de um filho do Sr. Jorge Capinha.
O Sr. Presidente comunica que o Sr. Carvalho da Silva fora agredido à espadeirada à entrada do Parlamento por um oficial da Guarda Republicana, lamentando o facto e propondo que se lançasse na acta um voto de protesto.
Usam da palavra, no mesmo sentido, os Srs. Agatão Lança, Lino Neto, Almeida Ribeiro, Paulo Cancela de Abreu, Pires Monteiro e Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
O Sr. Carvalho da Silva agradece.
O voto de protesto foi aprovado.
Ordem do dia. — O Sr. Ministro do Comércio (Vaz Guedes) lê os telegramas recebidos do Rio de Janeiro, comunicando a inauguração do pavilhão das indústrias portuguesas, e terminando por um voto de saudação aos Srs. Embaixador e engenheiro Ricardo Severo.
A proposta é aprovada.
Continua o parecer n.º 411-F — orçamento do Ministério da Marinha.
Sôbre o capitulo 2.º usam da palavra os Srs. Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho) e Paulo Cancela de Abreu.
Esgotada a inscrição, procede-se às votações por artigos, falando sôbre o modo de votar, a propósito de uma moção do Sr. Agatão Lança, os Srs. Almeida Ribeiro e Pires Monteiro.
A moção é aprovada.
Sôbre uma moção do Sr. Jaime de Sousa usam da palavra o Sr. Ministro da Marinha e o proponente que lhe apresenta uma alteração de redacção.
E aprovada uma proposta do Sr. Pires Monteiro.
Quando da votação do artigo 6.º, verifica-se não haver número para votações.
Entra em discussão o capítulo 3.º Usa da palavra o Sr. Agatão Lança.
Faz-se uma substituição na comissão.
Põe-se em discussão o capitulo 4.º sôbre que o Sr. Ministro da Marinha apresenta propostas.
Ninguém pede d palavra sôbre o capitulo 5.º
Entra em discussão o capitulo 1.º das despesas extraordinárias.
Usa da palavra o Sr. Cario» Pereira, respondendo o Sr. Ministro da Marinha.
Segue se o Sr. Pires Monteiro, que fica com a palavra reservada.
Encerra-te a sessão, marcando-se a imediata para as 21 horas.
Documentos mandados para a mesa durante a sessão. — Comunicação — Projectos de lei. — Parecer.
Abertura da sessão às 15 horas e 23 minutos.
Presentes à chamada 45 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 24 Srs. Deputados.

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Diário da Câmara dos Deputados
Presentes à chamada:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Dinis de Carvalho.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
João Estêvão Águas.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximmo de Matos.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sonsa Rosa.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto da Rocha Saraiva.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Paulo Cancela de Abreu.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Vasco Borges.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.

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Sessão de 22 de Maio de 1923
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho da Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 15 horas e 10 minutos principiou afazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 45 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 24 minutos.
Leu-se a acta.
Dá-se conta do seguinte
Expediente
Pedido de licença
Do Sr. António Resende, 5 dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Ofícios
Do Ministério da Marinha, respondendo ao ofício n.º 412, em satisfação ao requerido pelo Sr. Jaime de Sousa.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Instrução, enviando uma representação do Director da Faculdade dó Sciências da Universidade de Lisboa, acêrca do pessoal da secção de Botânica, para ser presente à comissão do Orçamento.
Para a comissão do Orçamento.
De Helena Mousinho da Silveira, pedindo a resolução favorável e imediata de um requerimento enviado à comissão de petições.
Para a Secretaria.

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Diário da Câmara dosDeputados
Telegramas
Do professorado de Ponte do Lima, pedindo para não serem excluídos das melhorias de vencimentos.
Para a Secretaria.
Dos empregados menores do ensino do Pôrto, pedindo melhoria de vencimentos.
Para a Secretaria.
Dos funcionários dos correios e telégrafos, pedindo aprovação do parecer n.º 470.
Para a Secretaria.
Telegramas apoiando as reclamações dos católicos
Regedores e juntas; de Penso e Gui-2ande (Braga), Macieira e Matança (Fornos de Algodres), Parada de Bouro, Canleiais, Pinteire, Louvados, Eira Vedra (Vieira do Minho), Refojos (Ponte do Lima), Caparosa (Tondela), Parada (Arcos de Valdovez), Tondu (Tondela), Padervel (Melgaço), Travassos (Lanhoso) Barreiro (Satam), Alvito (Celorico de Basto), Besteiros, Ventosa (Vouzela).
Dos católicos de Vila Verde, da União de Travassos e do Vieira (Póvoa de Lanhoso), da Irmandade de Rio de Moinhos, da Juventude Católica de Travassos e junta de freguesia de Rio Torto (Abrantes).
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
Como não há ninguém inscrito, vai continuar em discussão o parecer n.º 465, que isenta de direitos de importação os maquinismos destinados à Empresa dos Cimentos de Leiria.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: quando na sessão de ontem estava produzindo algumas considerações tendentes a justificar a moção de ordem que enviei para a Mesa, o ilustre Deputado Sr. António da Fonseca interrompeu-me, e, como sempre, o seu àparte foi de manifesta oportunidade, confirmando as minhas declarações e juízos a respeito do parecer n.º 465, e evidenciando-o seu sólido, fundamento.
O ilustre Deputado Sr. António Fonseca deu conhecimento à Câmara dum telegrama de determinada emprêsa que acabara do receber, em que se reclamava contra a aprovação do projecto a que o parecer n.º 465 diz respeito.
Sr. Presidente: igualmente estou informado que, a Mesa recebeu idêntico telegrama, bem como o ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro.
Por consequência a Câmara verifica que S. Ex.ªs receberam os primeiros telegramas de protesto, reclamando idênticas vantagens para outras emprêsas congéneres e até para outras indústrias, tam dignas, do proteccionismo que o projecto de lei. em discussão estabelece.
Aqueles membros desta Câmara que contrariam o projecto têm inteiramente razão no seu critério.
Consequentemente não cançarei a atenção da Câmara para fazer prevalecer o ponto de vista na minha moção.
Não requeri que êste projecto baixasse à comissão de comércio e indústria, porque o facto de rejeitar-se in limine o projecto de lei em discussão pode levar a supor-se que a Câmara dos Deputados não trata convenientemente estas questões de carácter económico.
Não é assim.
E a prova é que na minha moção proponho que esta Câmara chame a atenção da sua comissão de comércio e indústria, para uma proposta de lei apresentada em 20 de. Novembro de 1919, e que trata esta, questão na generalidade, a fim de ser trazida à discussão, com o seu parecer rigorosamente fundamentado.
Sr. Presidente: nestes termos enviarei para a Mesa o respectivo aditamento à moção.
Tenho dito.
Moção
A Câmara dos Deputados, considerando o alto interêsse do desenvolvimento económico do país e desejando adoptar as medidas que assegurem o nosso progresso industrial, mas considerando que não convém adoptar medidas de interêsse particular pelas injustiças que poderão ocasionar: resolve que a sua comissão de comércio e indústria elabore, com a possível urgência, o parecer sôbre a proposta de lei publicada no Diário do Govêrno n.º 273, 2.ª série, de 22 de Novembro de

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Sessão de 22 de Maio de 1923
1919, da autoria dos Ministros do Comércio e Comunicações, das Colónias e da Agricultura de então.
Sala das Sessões, 21 de Maio de 1923. — Henrique Pires Monteiro.
Aditamento
...e estude conjuntamente o projecto de lei a que se refere o parecer n.º 465. Sala das Sessões, 22 de Maio de 1923. — Henrique Pires Monteiro.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: um dia chegou à comissão de comércio e indústria, por despacho da Mesa, uma petição da Empresa de Cimentos de Leiria.
Era uma petição, e não um protesto, como se usa agora fazer, facto que tam carinhosamente tem sido acatado por esta Câmara.
Interrupção do Sr. António Fonseca, que não se ouviu.
O Orador: — Sr. Presidente: ia eu dizendo que em vez do direito de petição aparece o direito de protesto, que é carinhosamente recebido nesta casa do Parlamento.
A comissão de comércio e indústria estudou a petição da Empresa de Cimentos de Leiria, e embora entendesse dever deferi-la, julgou melhor procurar uma forma geral, dentro da qual coubesse não só esta emprêsa, mas todas as que possam porventura merecer a atenção desta Câmara.
Isto porque a comissão de comércio e indústria desta Câmara está habituada a ouvir que o Estado deve protecção às indústrias nascentes e mesmo àquelas que, embora já estabelecidas, tenham por objectivo bastar o País a si próprio.
Assim, ela verificou que Portugal importava anualmente qualquer cousa como 36:000 toneladas de cimento, e verificou que para a aquisição dessas 35:000 toneladas, é preciso qualquer cousa como 25:000 a 30:000 contos; e então a comissão de comércio e indústria entendeu que o pedido da Empresa de Cimentos de Leiria devia ser atendido, porque íamos encontrar uma futura melhoria cambial, determinada na drenagem de ouro para a compra de cimentos.
E até ponderou essa comissão que sendo certo que havia uma emprêsa em Portugal quê já fabricava cimento, até por essa circunstância técnica nós devia-mos dar êsse auxílio, mas por uma forma que não redundasse numa protecção tal que essa nova emprêsa fôsse matar as congéneres.
Agora que tanto se fala em aproveitamentos hidráulicos, mas que, segundo parece, r é só para falar, começamos a veiem África um homem, que é o Alto Comissário de Angola, que está realmente desenvolvendo a província em termos que merece os elogios, e aplausos; vemos que as obras numa parte da África, nomeadamente no Lobito, começam a fazer-se em termos tais que podemos contar que êsse cimento, tal como essa emprêsa o produz, as suas primeiras 50:000 toneladas por ano não serão suficientes para as necessidades, e terá de elevar a sua produção ao máximo da capacidade, pois a capacidade dessa emprêsa está prevista e pode atingir cêrca do 125:000 toneladas.
A comissão de comércio e indústria pensou que seria melhor tomar uma providencia de ordem geral, e depois de estudar essa hipótese, depois de ter feito o estudo sôbre a proposta de lei mandada para a Mesa pelo Ministro do então, Sr. Ernesto Navarro, viu que era, perigoso, muito perigoso, estabelecei* uma lei geral, porquanto, à sombra dessa lei geral, entraria em Portugal tudo aquilo que era necessário ao meio industrial.
Unia das maiores dificuldades para a comissão de comércio e indústria seria classificar quais as entidades que tinham direito a essa protecção.
Quais seriam as que se encontravam dentro da fórmula vaga de grandes emprêsas?
O que é uma grande emprêsa? As grandes emprêsas avaliam-se em Portugal pelos capitais e pelo número de operários que nelas trabalham.
As grandes emprêsas avaliam-se em Portugal pela fôrça dos seus motores, o então podia acontecer que grandes emprêsas de facto se vissem, mas não fôsse para servir o País.
Nestas condições entendeu a comissão de comércio o indústria que seria melhor que se elaborasse um projecto de lei sôbre a petição da emprêsa de cimentos de

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Diário da Câmara dos Deputados
Leiria, mas com esta coragem simples de homens que não duvidam assinar as cousas directamente.
Pede-se uma lei geral onde caibam a emprêsa de cimentes de Leiria e outras emprêsas.
Parece que não há nesta Câmara dúvida em votar.
Diz-se que êste parecer é com sobrescrito.
Sobrescritos são. aqueles que não têm direcção, ou cuja direcção se adivinha. Êsses é que são sobrescritos perigosos. É contra êsses sobrescritos que devemos levantar-nos nesta Câmara.
Então, como se associam talvez muitos dos precedentes se amanhã outra emprêsa vier a fazer igual pedido, então êsse pedido cabe dentro da lei geral.
Porque não há-de ser defendido em condições especiais, desde que deva merecer o apoio e protecção da Câmara?
Então é a melhor forma de ver, se realmente êsses pedidos merecem ou não merecem a protecção da Câmara, não cabendo dentro das falsas interpretações duma disposição legal. É o que convém a muita gente.
Então poderemos verificar os precedentes. E então posso lembrar à Câmara a isenção de taxas, de direitos, dada à Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses.
Posso lembrar à Câmara uma lei votada na última sessão legislativa para que fôsse isento de direitos do importação o papel, concessão dada a algumas firmas, sabendo-se até a quem ia beneficiar essa isenção.
Então podia lembrar o caso do agravamento das taxas alfandegárias para a importação dos pequenos motores eléctricos, e havia uma casa no Pôrto que já fazia êsses motores. E aqui qual foi o critério?
O critério íoi que estávamos diante de uma emprêsa que produzia mais de dois terços que era necessário à economia do País.
Então os membros da comissão de comércio e indústria não tiveram dúvida em elaborar um projecto de lei sôbre essa petição — e cousa interessante — êsse parecer é assinado sem restrições por todos os' lados da Câmara e ainda pela comissão de finanças,
O Sr. Barros Queiroz disse-me que êste parecer se justificava, pois sabia a justiça que havia nele.
Todos concordaram. E, como todos os sacramentos não fossem bastante, para a sua confirmação necessária, ainda o Sr. Ministro das Finanças pôs o «concordo».
E ninguém pode classificar de leviano o parecer do Sr. Ministro das Finanças í Todas as cautelas foram introduzidas neste parecer.
Para que os maquinismos fossem realmente aplicados na fábrica para o fim a que são destinados, há-de a importação ser verificada pela direcção de comércio e indústria.
Os maquinismos nunca poderão ser alienados sem autorização do Govêrno.
Tudo isto se deve à colaboração ao estudo do Sr. Ministro das Finanças.
A Câmara encontra-se diante dum caso em que se diz que se faça uma lei geral em que caiba tudo, mas a dificuldade está em fazer isso.
O melhor é legislar para casos especiais, é, se é bom, dê-se o que pedem.
Também não é como o Sr. Mariano Martins disse, que os direitos já estavam pagos, quando êles estavam apenas caucionados.
Uma vez que é difícil fazer um caso geral, porque não se legisla para cada caso especial?
O Sr. Tôrres Garcia: — E é mesmo mais seguro.
O Orador: — Diz muito bem o Sr. Tôrres Garcia: é mais seguro.
Esta emprêsa deseja ter um pôrto pára o apetrechar e fazer nela a exportação dos seus produtos.
Pois é agora que aparecem uns pruridos de moralidade e que se diz que deve ser rejeitado; mas se fôr por uma lei geral, então já deve ser aprovado. E bom então. Que critério é êste?
É tempo de legislar para casos particulares e ter a coragem de acabar com as habilidades.
Apoiados.
Êste projecto é de utilidade para o Pai s, e eu sinto-me bem acompanhado com o voto do Sr. Ministro das Finanças, pois todos estarão de acôrdo, visto que é para o desenvolvimento do País.

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Assim espero a aprovação dêste projecto, pois o contrário não tem razão de ser.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Tôrres Garcia, não fez a revisão do seu «àparte».
Leu-se e foi admitido.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Quando pedi a, palavra não tinha ainda ouvido as palavras do Sr. Carlos Pereira, mas agora ainda as minhas explicações são mais necessárias.
Devo dizer que recebi, um telegrama do Sr. Xavier Esteves a êste respeito.
É a fábrica o Tejo, a pedir igual isenção e não podemos deixar de achar também justa a sua pretensão.
A minha vida parlamentar atesta bem que eu não quero sobrescritos em branco, mas que os prefiro bem endereçados.
Prefiro, em absoluto, uma cousa clara a qualquer cousa escondida, que dê lugar a rumores e a críticas com descrédito.
A razão por que eu me manifestei contra o projecto não podia ser a de êle visar uma determinada emprêsa, ruas por não me parecer que a emprêsa precise do subsídio que em escudos deve andar por 700 ou 800 contos, pois já gastou milhares e milhares de contos, e êsse subsídio seria uma gota de água no Oceano.
O Sr. Carlos Pereira (interrompendo): — Mas V. Ex.ª sabe que êsse capital é quási todo emprestado!
O Orador: — Mas basta que essa emprêsa disponha de crédito tam grande para não necessitar de pedir ao Estado qualquer auxílio.
Referiu-se o Sr. Carlos Pereira a votações feitas nesta casa do Parlamento, designadamente ao projecto de lei que reduziu os direitos ao papel de imprensa. Por minha parte não tenho responsabilidade, porque me pronunciei contra êle, como me pronunciarei contra qualquer outra proposta semelhante, e portanto a referência do Sr. Carlos Pereira não se entende comigo, porque combati essa proposta.
O Sr. Carlos Pereira (interrompendo): — V. Ex.ª combate sempre por sistema.
O Orador: — É verdade, porque o Estado é ainda quem mais precisa. Combato por sistema, porque geralmente êstes projectos não representam nada de útil para o País.
Eu quero tratamento igual para todos.
No Diário do Govêrno de ontem eu vi um anúncio de uma emprêsa de cimento e cal, que durante um ano apenas pode dar de dividendo 10 por cento. É claro que isto não é uma situação próspera.
Outras emprêsas há que produzem riquezas.
Não quero alongar-me em considerações, mas quero dizer ainda que respeito tudo que seja iniciativa, mas não quero que ninguém possa dizer que o Estado tem filhos e tem enteados.
Quero igualdade de tratamento para todos.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador., quando nestas condições restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carlos Pereira não fez. a revisão do seu àparte.
O £r. Jaime. de Sousa (para explicações): — Não tenho a honra de ser Deputado por Leiria e não conheço esta questão senão pela leitura que fiz do parecer em discussão, mas tenho a honra de ser representante de um» distrito que é essencialmente industrial, o qual tem passado pelas forcas caudinas.
E se neste momento eu uso da palavra para produzir algumas considerações sôbre o projecto que está em discussão é tam somente para defender mais uma vez o basilar princípio da economia política de protecção e auxílio às indústrias nascentes.
Quando em 1919 o filho de Emídio Navarro, o Sr. Ernesto Navarro, apresentou a esta Câmara uma proposta neste sentido, eu tinha em discussão dois projectos de protecção a duas indústrias que bastante interessavam ao meu distrito: uma relativa à extracção do açúcar da beterraba, outra relativa à cultura da espadana.
Para esta pedia-se a isenção de direi-

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tos; para aquela a prorrogação da protecção que lhe havia sido concedida.
Houve, porém, quem logo quisesse ver por detrás da beterraba e da espadana cousas extraordinárias e propósitos inconfessáveis.
Mas nem assim mesmo eu e os meus colegas da bancada açoreana deixámos de levar por diante os nossos desejos. E absolutamente convencidos de que tal lei geral de protecção às indústrias nascentes não passaria de música celestial, não passaria duma simples aspiração, que a Câmara, onde não existe ninguém com a verdadeira noção do que sejam os verdadeiros e modernos princípios da economia, não saberia sancionar, nós entendemos que melhor andaríamos em não esperar por essa tam duvidosa lei protectora e tratar isoladamente dos nossos casos. Assim se fez e essas industrias lá vão caminhando hoje conforme podem.
Com a questão dos cimentos dá-se precisamente o mesmo: ou se aprova uma lei especial que beneficie essa indústria nascente, ou ela nunca mais terá qualquer espécie de auxílio se as pessoas que por ela se interessam se põem á espera da tal lei geral.
Sr. Presidente: creio que a minha intervenção no debate está sobejamente justificada. Pôsto que ligeira, ela teve por fim mostrar a minha opinião, a opinião de que o Estado, tendo todo o direito, a cobrar dos lucros das emprêsas particulares uma quota parte, tem antes de mais nada o dever de auxiliar essas emprêsas no início das suas explorações.
E, para terminar, eu conto à Câmara o seguinte caso que se me afigura significativo:
Certo proprietário alemão dava-se à exploração de viveiros de trutas. Perto da sua propriedade passava uma ribeira importante que poderia ser utilmente aproveitada nessa exploração. O proprietário em questão pediu então ao Govêrno alemão que o autorizasse a desviar a ribeira de forma a que ela pudesse atravessar a sua propriedade.
O Govêrno alemão, tendo estudado o caso, acedeu imediatamente a êsse pedido.
Procedeu-se a obras, alargaram-se os viveiros, desenvolveu-se a indústria e a tal ponto que êsse proprietário estava dentro em pouco de posse de uma formidável riqueza. O Govêrno alemão, invocando o seu auxílio passado, exigiu a êsse proprietário o justo imposto e dele tirou uma excelente receita.
Êste é, Sr. Presidente, fundamentalmente, o critério económico do Govêrno alemão: facilitar o trabalho desde que haja ganho.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, guando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Mariano Martins: — Em resposta a uma passagem dás considerações que acaba de fazer o Sr. Jaime do Sousa, eu devo dizer que é meu velho hábito estudar todas as questões que são tratadas nesta Câmara. Muito poucas vezes tomo parte nas discussões, mas. quando sinto ferida a minha, susceptibilidade, eu não posso deixar de me pronunciar.
Na sessão legislativa de 1919 foi apresentada à Câmara uma proposta.
Há dias foi lida uma representação da Companhia de Cimentos de Leiria, e são os próprios directores que nos vêm dizer que esta proposta de lei não teve qualquer intuito do proteger a indústria ou a agricultura, mas simples e ùnicamente o fim de proteger os interêsses dessa emprêsa. Pela conjugação destas duas disposições gerais, da proposta de lei de 1919 com a representação apresentada pela Empresa de Cimentos de Leiria, nós vemos que não houve o propósito de desenvolver a indústria nacional, mas ùnicamente o de favorecer essa emprêsa.
Supunha eu que a Empresa de Cimentos de Leiria tinha pago, como é da legislação aplicada em todos os casos, os direitos de maquinismos que importou, más o Sr. Carlos Pereira veio elucidar-nos a êsse respeito, informando-nos de que êsses direitos não foram pagos, mas que se encontram caucionados na alfândega.
Com que autorização ou despacho ministerial foi isso consentido?
A sombra de que disposição legal foi consentida esta absurda isenção?
Eu chamo especialmente para êste ponto a atenção do Sr. Ministro das Fi-

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nanças, e peço a S. Ex.ª que, quanto antes, ponha termo a um semelhante abuso, que é absolutamente intolerável.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Se ninguém pede a palavra considera-se aprovada.
Foi aprovada a acta.
Foram concedidos alguns pedidos de licença a vários Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: — Chegou à Mesa a notícia do falecimento dum filho menor do Sr. Jorge Capinha. Por êste motivo proponho que na acta seja lançado um voto de sentimento e que êste voto seja comunicado ao nosso colega desta Câmara.
Vozes: — Apoiado, apoiado.
O Sr. Presidente: — Em vista da atitude da Câmara, considero aprovada esta minha proposta.
O Sr. Presidente: — Acabo de ter conhecimento de que hoje, quando o Sr. Carvalho da Silva se dirigia para o Parlamento, S. Ex.ª foi agredido à espadeirada no distrito da guarda por um oficial da Guarda Republicana.
S. Ex.ª ficou ferido e o referido oficial íoi conduzido sob prisão para o quartel do Carmo.
Julgo interpretar o sentir de toda a Câmara, protestando indignadamente contra êste facto (Apoiados gerais), que representa uma coacção aos direitos que têm todos os Deputados de aqui expandir livremente as suas opiniões.
Apoiados.
De resto, êste atentado é verdadeiramente inqualificável, pois foi praticado à espadeirada contra um indivíduo indefeso.
Nestes termos, proponho que na acta se lance um voto do sentir da Câmara contra êste atentado.
Apoiados.
As palavras de S. Ex.ª serão publicadas na íntegra, com a sua revisão, quando, nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: era intuito meu pedir a palavra para, em negócio urgente, me ocupar dêste assunto; mas, como V. Ex.ª me declarou,que da Presidência protestaria contra o facto que há pouco se passou, eu aguardei que V. Ex.ª o fizesse para depois dele tratar também.
Sr. Presidente: o atentado de que foi vítima o Sr. Carvalho da Silva é pouco prestigiante para a instituição parlamentar e nada dignifica a instituição da fôrça armada. «
Apoiados.
Lamento profundamente esta falta de respeito pelos direitos que têm os Deputados de dizer aqui francamente a sua opinião.
Eu não tenho de saber, nem é esta a ocasião de o indagar, quais os motivos que deram origem a êste triste acontecimento; mas o que sei 6 que me tenho na conta de republicano e na conta daqueles que têm sabido sempre ser generosos para coin os vencidos e que têm sabido sempre prestar a sua alta, comovida e respeitosa homenagem a todos os mortos.
Tendo estado ontem presente nesta Câmara, eu não ouvi qualquer palavra qu. e fôsse ofensiva para a memória dum morto que eu muito considerava e que galhardamente se bateu em defesa do ideal pelo qual eu também tenho derramado algum do meu sangue.
Se eu tivesse ouvido pronunciar ao Sr. Carvalho da Silva qualquer palavra que pudesse ser deprimente para a memória do tenente Martins, eu seria o primeiro a protestar e comigo certamente toda a Câmara.
O Sr. Presidente: — Eu ouvi o discurso todo do Sr. Carvalho da Silva, e posso afirmar que êle não conteve qualquer frase desprimorosa fôsse para quem fôsse.
O Orador: — O àparte de V. Ex.ª vem reforçar as minhas considerações.
Como é que amanhã, se o Poder Executivo não tomar medidas sérias para evitar a continuação dêstes factos, os parlamentares não hão-de ter receio de tratar aqui dos assuntos que desejam, tendo em vista, o intuito de bem servir o País e a causa que defendem?

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Diário da Câmara aos Deputados
Sr. Presidente: lamento profundamente Que camaradas meus do exercito, da Guarda, procedam desta forma, e faço votos para que êles se não repitam, pois, na verdade mal vai se oficiais do exército ou da armada resolverem vir agredir todos aqueles que adentro desta Casa fizerem quaisquer afirmações.
Sou também oficial e assim devo dizer que me sinto profundamente magoado com o facto que acaba de se dar, tanto mais quanto é certo que eu tenho uma autoridade especial como republicano que sou, para falar no assunto.
Termino, pois, dando o meu voto à, proposta que V. Ex.ª fez em nome da Câmara.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: quando entrei nesta casa do Parlamento impressionou-me vivamente a notícia que me deram do atentado de que foi vítima o Sr. Carvalho da Silva.
Desde logo tive a intenção de pedir a palavra para tratar do assunto em negócio urgente, não o tendo feito devido ao facto de ter sido informado pelo Sr. Presidente do que elo próprio se ia ocupar do mesmo.
Protesto indignadamente contra o atentado do que foi alvo o Sr. Carvalho da Silva, e protesto tanto mais indignadamente quanto é certo que êle não foi somente um atentado pessoal praticado contra o Sr. Carvalho da Silva, mas sim também um atentado contra a independência do Poder Legislativo.
Muitos apoiados.
Trata-se de um atentado igualmente praticado contra a independência do Poder Legislativo, e tanto mais grave êle é quanto é certo que Cie foi praticado por indivíduos que o Estado armou para manter a ordem pública.
Isto, Sr. Presidente, não pode continuar, pois a verdade é que a garantia dos Deputados não é somente para ficar no papel.
É preciso que o País saiba que cada um de nós adentro desta Casa, quer sejam monárquicos, católicos, democráticos
ou independentes, representamos a Nação.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra revisto pelo orador, quando, nestes termos., restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para protestar indignadamente contra o atentado de que foi alvo o Sr. Carvalho da Silva.
E verdadeiramente condenável o que se passou, pois representa uma falta de compreensão dos deveres cívicos.
Lamentar tal facto é desejar que a nossa indignação seja sentida lá fora em todo o País, fazendo votos para que de futuro se não repitam factos semelhantes.
A nossa indignação, Sr. Presidente, é decerto idêntica à de todos aqueles que conhecem bem os seus deveres para com o Estado.
Trata-se do ilustre Deputado Sr. Carvalho da Silva, Deputado monárquico com o qual êste lado da Câmara quási sempre só encontra em desacôrdo, mas isso não importa, pois a verdade é que S. Ex.ª, como Deputado, fez aqui afirmações perfeitamente correctas, e no uso legítimo do seu direito.
Por isso, Sr. Presidente, é com verdadeira sinceridade que me associo à proposta feita para que só lance na acta um voto de protesto contra o atentado de que o Sr. Carvalho da Silva foi vítima.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: acabo de chegar a esta Câmara, depois de ter prestado a minha última homenagem ao português ilustre que foi o Condo de Sabugosa, e presenciei à porta do cemitério dos Prazeres o vil atentado contra o gerente da Companhia União Fabril, que o vitimou. (Sensação). Vi o seu corpo estendido no chão o banhado em sangue.
Venho, pois, impressionadíssimo.
Calculem, pois, V. Ex.ª e a Câmara o estado em que fiquei, ao chegar a esta bancada, por ver Carvalho da Silva ferido

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ao saber que foi infame e cobardemente agredido!
Sinto, como nunca, não me encontrar nessa ocasião ao lado do meu querido amigo e correligionário, e não ter podido ser eu o primeiro a manifestar aqui a maior repulsa pelo vil atentado.
Um dever imperioso nos afastou hoje da sua companhia.
Em nome dos meus amigos nesta Câmara, o no meu. lavro o mais veemente protesto contra a infâmia cometida, e que feriu não só um amigo muito querido e um parlamentar distintíssimo, mas também a própria Câmara.
Não posso, porém, deixar de me regozijar com a atitude assumida pela Câmara, fazendo a justiça devida ao meu ilustre amigo, um homem que pela sua atitude, sempre correcta, e pelas suas distintas qualidades, se tem tornado merecedor do respeito do todos.
Não pude assistir ontem à sessão da Câmara. Soube pelos jornais o que se passou mas por êste processo atenta-se contra o prestígio das instituições.
O Sr. Pires Monteiro: — Associo-me, em nome dos Deputados independentes, ao voto por V. Ex.ª proposto contra o atentado ao Sr. Carvalho da Silva. Faço-o como republicano, acentuando a minha repulsa por facto tam lastimável.
Não podemos deixar de exprimir todo o nosso sentimento de indignação por um acontecimento que absolutamente nada justifica que se tivesse dado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: embora chefe do Govêrno, não posso esquecer que sou parlamentar. Por isso me associo ao voto que V. Ex.ª propôs ficasse consignado na acta de reprovação de toda a Câmara contra o acto. praticado por um oficial na pessoa do Sr. Carvalho da Silva.
Várias vezes nos temos degladiado na Câmara, mas também sempre S. Ex.ª, como qualquer outro Deputado, nunca se esqueceu do prestígio de que deve ser rodeada a instituição parlamentar, e os seus homens, que devem ser rodeados de todos
os títulos e liberdade necessários para bem exercerem o seu mandato.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: não tinha tenção do tratar na Câmara do facto passado comigo. No emtanto, a prova de deferência que a Câmara acaba de dar-me, e com que muito me honra, a prova de solidariedade e de estima que se dignaram dar-mo, presta-me o ensejo a manifestar a minha muito sincera consideração pessoal, que nada, absolutamente nada tem com os meus sentimentos políticos.
Muito do coração agradeço a V. Ex.ª e a todos os meus ilustres colegas a prova do solidariedade que acabam de dar-me, o abstendo-me do quaisquer considerações, direi apenas que desejo irisar que nunca, ao abrigo das imunidades parlamentares, nem das garantias que me dá esta situação, nunca, absolutamente nunca, tive aqui uma palavra que pudesse ferir alguém pessoalmente, porquanto nos meus mais ardentes, adversários há pessoas por quem. tenho a maior consideração e a que me liga a maior estima (Apoiados), que de hoje por diante ainda maior tem de ser.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara considero aprovada por unanimidade a minha proposta.
Tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Pedi a palavra para dizer à Câmara que recebi do Rio de Janeiro um telegrama em virtude do qual se comunica o êxito que teve a inauguração do pavilhão das indústrias portuguesas na exposição brasileira.
Em virtude dêste telegrama, proponho um voto de saudação ao Embaixador e ao engenheiro Sr. Ricardo Severo pelo êxito brilhante da inauguração do nosso pavilhão e que lhes seja transmitido êsse voto.
Aprovado.

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Diário da Câmara dos Deputados
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do Orçamento do Ministério da Marinha
O Sr. Ministro da Marinha (Vítor Hugo de Azevedo Coutinho): — Sr. Presidente: a matéria em discussão, capítulo 2.º da proposta orçamental do Ministério da Marinha, ficou ontem suficientemente esclarecida nas suas linhas gerais pelos ilustres parlamentares que a defenderam, e pouco terei a acrescentar, por não reconhecer a necessidade de acompanhar essa defesa, mas cumprirei gostosamente o dever de dar urna resposta às preguntas que me foram formuladas.
Sr. Presidente: é sempre fácil, no meio onde abundam espíritos simplistas, produzir argumentos de acusação, apreciando os factos sob o seu aspecto aparente mas ocultando por vezes as circunstâncias que se dão na realidade.
O agravamento rins câmbios, trazendo para á discussão novos números bem elevados, tem servido de vasto campo de ataques contra a administração republicana, mas temos o dever como homens públicos de estudar as questões em todos os seus detalhes.
E fora de dúvida que todos reconhecem que o funcionalismo público tem de receber hoje, devido à carestia da vida, vencimentos que, pelo meu Ministério, se computara em mais de 12 vezes o que recebiam em 1914.
Hoje os salários do pessoal fabril foram elevados numa proporção superior a 15 vezes, e o material naval vindo do estrangeiro sofre as diferenças do câmbio, que podemos calcular em 20 vezes mais que antes da guerra.
Sendo assim, fácil é adoptar como média o coeficiente 18.
Se analisarmos o orçamento do Ministério da Marinha e compararmos a despesa de hoje com a que era antes de 1914, não a encontramos tam elevada como deveria ser.
Quere isto dizer que o Govêrno entendeu que os serviços do Ministério da Marinha não necessitam ser melhorados?
De modo algum.
Significa simplesmente que o Grovêrno se orientou no. desejo de comprimir as despesas para procurar equilibrar o orçamento.
Um dos pontos que sofreu aqui na Câmara mais ataques foi a constituição dos quadros da marinha de guerra, mas os quadros são, fora leves modificações, os anteriores quadros de 1910.
Disse o Sr. Agatão Lança que temos hoje serviços mais numerosos que no tempo do outro regime.
Assim é, e em 1910 não existiam os muitos e muitos serviços que hoje existem.
Sr. Presidente: também se falou na redução da tonelagem, pretendendo-se apresentar essa razão como motivo de redução do pessoal.
Nunca ninguém estabeleceu essa proporção, que não é de aceitar.
Eu devo dizer que mesmo em relação à tonelagem ela é maior que era em 1910.
Fizeram-se umas certas referências a pessoal fora dos quadros,
Creio que se quis fazer supor que êsse pessoal tinha sido promovido fora das disposições legais e que, por assim dizer, pejavam os mesmos quadros.
Ora eu devo dizer que uma parte dos oficiais que se encontram no Orçamento sob o título de pessoal além dos quadros está numa situação absolutamente legal.
A disposição que os coloca nessa situação é absolutamente legal.
Não se trata de oficiais qâ;e não tenham serviços no Ministério da Marinha.
Uma das disposições legais, como disse, colocou-os fora dos quadros e êsses oficiais desempenham funções, mas encontram-se em situação ilegal, e é isso que eu quero acentuar perante a Câmara.
Desde que foi publicada a lei n.º 971, de Maio de 1920, suspenderam-se as promoções na marinha.
Hoje as promoções limitam-se às que têm de ser feitas por diuturnidade.
Não é portanto exacto, o que sôbre êsse assunto disse o Sr. Lúcio de Azevedo, supondo que havia grande número de promoções na marinha. Não as há!
O Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo: — Estão limitadas.
O Orador: — Limitadas às que têm de ser feitas, por diuturnidade estabelecida numa lei.
Referiu-se também o Sr. Lúcio de Azevedo ao grande número de almirantes.

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Efectivamente existem almirantes em grande número, mas todos o são em consequência de leis votadas no Parlamento.
Ainda ultimamente foram promovidos almirantes graduados, devido a ter sido aprovada pelo Parlamento a respectiva proposta para essas promoções, que não partia do Govêrno.
Essa proposta foi apresentada pelo Sr. Álvaro de Castro.
Desde quê tomei conta da pasta da Marinha, ainda não foi apresentada ao Parlamento nenhuma proposta no sentido de se modificarem os quadros.
Mas, se eu não apresentei nenhuma proposta com semelhante fim, não é porque não esteja convencido de que é necessário modificar os quadros, mas porque apresentei a esta Câmara várias propostas para a reorganização da marinha, existindo entre elas uma que- respeita à organização da administração central, que uma vez aprovada servirá de ponto de partida para fazer alguma cousa em benefício da marinha, remodelando então os quadros por forma a poder obter economias em alguns deles.
Essa proposta, que, como disse, me servirei de ponto de partida para uma remodelação mais completa, está entregue à comissão de reorganização dos serviços públicos.
Não sei se até o final da actual sessão legislativa eu conseguirei que ela seja aprovada pela Câmara.
Como se vê, pois, a realização do meu fim está dependente do Parlamento e não de mim.
Relativamente ao contingente de praças, o Sr. Agatão Lança já apresentou à Câmara um bem elaborado mapa que elucidou cabalmente os Srs. Deputados, e eu portanto nada tenho a dizer sôbre o assunto.
Devo porém frisar à Câmara que actualmente tenho dificuldade em guarnecer de praças todos os navios, porque há muita falta de pessoal.
Eu contava que pela última encorporação de recrutas se obtivesse um número de praças maior do que realmente se conseguiu; a selecção na junta foi grande e êsse número ficou diminuído.
O Sr. relator já contou, com o que eu concordei, com essa economia proveniente da redução no número de praças e da redução das respectivas rações.
Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Pires Monteiro referiu-se à aspiração de se reunirem num só Ministério, que se denominaria — Ministério da Defesa Nacional — os serviços dos Ministérios da Marinha e da Guerra.
Há questões que só devem ser encaradas desde o seu início sob o aspecto prático.
No número dessas questões deve contar-se a da aspiração de reunir nem só aqueles Ministérios.
Encarada portanto desde já essa questão sob o aspecto prático, verificamos que os resultados não são aqueles que à primeira vista poderão esperar-se.
Diminuiria o pessoal para os serviços entregues a êsse único Ministério?
Não, porque os serviços não desapareciam; havia simplesmente uma junção dos serviços que existem, formando um só Ministério.
Quando muito desapareceria um Ministro e o pessoal do Gabinete.
Nada mais.
Seria esta a única vantagem de ordem económica.
É pouco, mesmo nada, em relação às desvantagens duma semelhante junção de Ministérios.
Essas desvantagens são de toda a ordem.
Os serviços são completamente diversos.
Há uma psicologia especial para cada um dos organismos existentes.
Os atritos desaparecem mais fàcilmente quando removidos pelo Ministério da própria corporação.
Não é também para desprezar a tradição da marinha de guerra.
Nos países onde certo tempo se fez a junção dos dois Ministérios não agradou a solução.
Os assuntos que interessam à defesa nacional pertencem a uma organização que já existe.
É necessário dizer-se, e já várias vezes o tenho dito, que os oficiais e praças da marinha não servem ùnicamente para guarnecer os navios que possuímos.
Há também que atender aos serviços de fomento, que estão entregues à marinha e que são importantíssimos.
Não é pois justo que se diga que a marinha tem oficiais e marinheiros a mais

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do necessário, visto serem muito poucos os navios que temos.
Eu já aqui citei os diversos e importantes serviços que incumbem à marinha fora do que pròpriamente se possa chamar a defesa do País.
Sr. Presidente: vou terminar lembrando as palavras de justiça que o ilustre Deputado Sr. Lúcio de Azevedo dirigiu à memória de Carvalho Araújo, nosso saudoso companheiro das lides parlamentares, recordando igualmente a travessia aérea feita por êsses dois grandes vultos da marinha que se chamam Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Faço votos para que a Câmara saiba sempre nas suas palavras e nas. suas obras trazer para a marinha o estímulo e os precisos elementos para ela poder nobremente cumprir a sua missão: honrar a Pátria é dignificar a República.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: a propósito dêste capitulo do Orçamento, já êste lado da Câmara se manifestou por intermédio dos meus ilustres amigos Srs. Morais Carvalho e Carvalho da Silva.
Portanto, apenas ligeiras considerações vou fazer acêrca da sua matéria.
O que eu penso sôbre os serviços do Ministério da Marinha já tive ocasião de o expor à Câmara, quando se discutiu a proposta relativa aos vencimentos do pessoal da armada, fazendo então considerações que hoje vinham de novo inteiramente a propósito do capítulo 2.º em discussão.
Sr. Presidente: melhor do que eu fala o parecer da comissão do orçamento elaborado pelo oficial da armada Sr. Mariano Martins.
O que ali se escreveu, e que revela uma sinceridade digna de elogio, se fôsse dito por qualquer Deputado monárquico seria levado à conta de facciosismo político ou intolerância.
Do que não resta dúvida é de que a «fotografia» do estado em que se encontra a marinha de guerra portuguesa está magistralmente feita com todos os retoques no relatório elaborado por pessoas do métier.
Reconhece-se no princípio deste parecer que, apesar do acréscimo de despesa infelizmente não há esperança de que a situação melhore.
O ilustre relator diz, e diz bom, que a maior parte das verbas, que perfazem com a do ano anterior o total de sessenta e sete mil e tantos contos, é quási absorvida pelas despesas improdutivas, das quais sobressai a verba de 24:000 contos destinada às subvenções do pessoal.
O mesmo parecer faz, depois, considerações de ordem técnica para cuja apreciação não me julgo competente.
Em todo o caso encontrei no que aqui se escreveu ensinamentos bastantes para me convencer de que o problema naval português não se pode resolver hoje, já devido à deficiência dos nossos recursos, já devido aos modernos processos de guerra.
O problema naval não se resolve com o fabrico ou compra de grandes unidades, com a organização de grandes esquadras, visto que, dado o aperfeiçoamento, especialmente da aeronáutica, essas outrora poderosas unidades navais nada valem em presença dos modernos processos de combate.
E, assim, o Sr. relator diz que nós nos devemos restringir a cuidar da possível defesa nacional, traduzida na devida guarnição da nossa longa costa marítima' e ao fabrico de unidades apropriadas à sua fiscalização.
Sob êste ponto de vista, há dois aspectos interessantes a encarar: o militar e o económico.
Sob o aspecto económico, evidentemente que os factos estão actualmente demonstrando a necessidade imperiosa de se activar a fiscalização da nossa costa, porque chega quási a ser troça, chega a ser vexatório para o País o facto de embarcações espanholas e francesas calcarem continuadamente os nossos direitos sôbre as águas territoriais, exercendo nelas a pesca, e jogando até as escondidas com as nossas avariadas, canhoneiras.
Muitos apoiados.
Parece-me, portanto, que já o aspecto económico é digno de toda a ponderação para que os serviços de fiscalização das

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nossas costas se exerçam duma maneira eficaz.
Sob o ponto de vista militar, evidentemente que devemos reconhecer que não temos os recursos necessários para podermos adoptar os processos modernos.
Apoiados.
A comissão, no seu parecer, indica como solução imediata a construção de canhoneiras duma velocidade média de 12 milhas, porque as poucas que existem «ao de velocidade inferior, e, portanto, impróprias para o fim a que se destinam.
A comissão eleva a verba que o Sr. Ministro da Marinha fixara para o efeito da construção dessas canhoneiras.
A verba proposta, pelo Sr. Ministro da Marinha era de 600 contos, mas a comissão aumenta essa verba com mais 3:200 contos.
Diz o parecer que o propósito que há da parte do Sr. Ministro da Marinha é o de construir desde já quatro canhoneiras.
Ora, se é assim, parece-me desnecessária uma verba tam elevada.
Apoiados.
O Sr. Ministro da Marinha (Vítor Hugo de Azevedo Coutinho): — Construem-se, por agora, quatro canhoneiras, porque só temos quatro canhoneiras disponíveis, e são as quatro mais pequenas.
O Orador: — Deixo-me V. Ex.ª dizer que a esto respeito defendo um pouco a teoria que defendi a propósito das estradas. Sustentei que não devemos construir mais um palmo do estradas novas, sem estarem restauradas as antigas e concluídas as avariadas.
O mesmo critério se deve adoptar no caso sujeito.
Não se deve construir novas unidades sem estarem reparadas as existentes.
Apoiados.
Ora a verba destinada a reparações navais é muito reduzida.
Com certeza não é suficiente.
Parece-me que dado o estado em que se encontram os navios, pelo que ouço dizer, e se depreende do próprio parecer da comissão, esta verba é muito exígua em confronto com o que será preciso para fazer as reparações.
A verba especial destinada ao cruzador Adamastor cujos consertos estavam orçados em 2:000 contos foi reduzida pela comissão a 500 contos.
Quem tem razão?
A repartição competente que inscreveu a verba de 2:000 contos ou a comissão que a reduziu a 500 contos?
A comissão diz que essa redução é feita de acôrdo com o Sr. Ministro da Marinha, mas apesar disso o que fica demonstrado é a pouca atenção prestada aos cálculos das verbas orçamentadas.
O Sr. Ministro da Marinha (Vítor Hugo de Azevedo Coutinho): — Foi ouvida uma comissão de técnicos e deu parecer favorável.
O Orador: — Na parte relativa à, escola de pesca...
O Sr. Mariano Martins (relator): — O Sr. Ministro da Marinha mandou inscrever essa verba porque apresentou uma proposta nesse sentido há perto de três ou quatro meses.
O Orador: — Há também uma verba que julgo excessiva. É a que se refere à banda de marinha.
Devo dizer ainda que, quanto à supressão do Ministério da Marinha, estou de acôrdo com a moção do Sr. Pires Monteiro, pois também me parece que os serviços da armada podiam, com os serviços do Ministério da Guerra, formar o Ministério da Defesa Nacional.
Isto importaria uma grande redução de despesas, pois há muitas repartições que podem ser encorporadas noutras.
Apoiados.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Está na Mesa uma moção do Sr. Agãtão Lança que também compreende uma proposta.
A moção vai votar-se, mas a proposta tem de baixar às comissões.
É lida a moção do Sr. Agãtão Lança.
O Sr. Almeida Ribeiro (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: desejava que a Câmara, antes de emitir o seu voto, fôsse esclarecida sôbre se os vários números

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da moção do Sr. Agatão Lança se referem ao orçamento pendente se ao futuro.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo): — A minha moção representa uma aspiração para o futuro.
O Sr. Pires Monteiro (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: desejava saber se o facto de a Câmara aprovar a moção do Sr. Agatão Lança implica imediatamente a obrigação para a comissão de redacção de modificar o Orçamento em harmonia, com essa moção.
Moção
A Câmara dos Deputados, tendo em alto apreço a marinha de guerra, desejando vê-la prestigiada e eficiente, expressa o seu voto para que o futuro orçamento da marinha seja elaborado em obediência aos seguintes preceitos:
1.º Remodelar o orçamento de marinha dividindo-o em dois orçamentos separados e nitidamente discriminados:
a) Armada;
b) Marinha mercante, fomento marítimo e serviços civis da marinha,
2.º Fixar uma verba anual para manobras e exercícios.
3.º Fixar uma verba anual para uma viagem de instrução de oficiais, aspirantes, sargentos e praças.
4.º Fazer anteceder o futuro projecto de orçamento de marinha ou apresentação juntamente com êle dum programa naval com. a armada que precisamos constituir e manter durante um período de 10 anos, indicando as construções novas ou aquisições.
5.º Elaborar um diploma de quadros e efectivos necessários para a marinha.
E resolve:
1.º Fazer cessar desde já as obras na actual Escola Naval e utilizar essa verba para apressar os trabalhos de construção na Escola Naval no Alfeite.
2.º Suprimir desde já as actuais batarias de marinha no Pôrto que não representam nenhuma utilidade. — O Deputado, Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
O Sr. Presidente: — A moção do Sr. Agatão Lança diz o seguinte: Leu. Fica atrás publicada.
É aprovada a moção do Sr. Agatão Lança.
É lida na Mesa a monção do Sr. Jaime de Sousa.
Moção
A Câmara dos Deputados, reconhecendo o estado extremamente precário em que se encontra a marinha de guerra; e
Considerando que o país dispondo duma extensa costa marítima com defesa no continente, ilhas, e no seu vastíssimo império colonial, não pode dispensar uma marinha militar bastante e de harmonia com a preparação que nesta matéria tem as potências em circunstâncias análogas;
Considerando que a deplorável situação actual não pode manter-se sem que o prestígio de Portugal sofra profundamente;
Considerando que as condições financeiras do país não têm permitido resolver até agora, como é indispensável, êste momentoso problema que interessa por igual a honra e a integridade da nação;
Exprime o voto de que o Govêrno combine o estudo e traga ao Parlamento com a possível urgência a forma prática de reorganizar a marinha de guerra em termos que lhe permitam bem desempenhar a sua alta e patriótica missão. — Jaime de Sousa.
O Sr. Ministro da Marinha (Vítor Hugo de Azevedo Coutinho) (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: pedi a palavra para repetir o que há pouco disse, isto é, que se acham entregues ao Parlamento várias propostas de lei e, entre elas, uma de reorganização da Administração Central de Marinha. Por consequência parece-me que não há que convidar o Govêrno a trazer uma proposta, visto que já está no Parlamento.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: creio que não há nenhuma incompatibilidade entre o ponto de vista do Sr. Ministro da Marinha e a minha moção.
Diz S. Ex.ª que uma parte dêsses trabalhos já está feita e entregue à respectiva comissão, mas a minha moção é mais vasta, pois abrange também a idea dá operação financeira que é necessário realizar, para que se possa fazer a reorganização dos actuais serviços da armada,

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dotando-a com aquela extensão de material que é necessário para cumprir a sua alta missão patriótica.
Um àparte do Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Continha).
O Orador: — Visto isso, mando para a Mesa uma ligeira alteração à minha moção. para que onde se lê «estude» se leia «continue a estudar».
É admitida a alteração à emenda do Sr. Jaime de Sousa.
Proposta
Capítulo 2.º — Artigo 17.º:
Que seja suprimida a verba «Batarias de Marinha de Ródão e Lavadores», 3. 000$. — Pires Monteiro.
É aprovada a moção do Sr. Jaime de Sousa.
É aprovada a emenda ao artigo 17.º do capitulo 2.º
É aprovada a emenda ao artigo 15.º do capitulo 2.º
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 51 Srs. Deputados e 1 de pé.
Não há número para votações.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — V. Ex.ª continua com a discussão?
O Sr. Presidente: — Evidentemente.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Então tenho que me retirar da sala. Entra em discussão o capítulo 3.º
O Sr. Mariano Martins: — Sr. Presidente: no artigo 23.º encontra-se sob a rubrica «Oficiais reformados» a importância de 455. 317$94.
Como a comissão do Orçamento propôs que essa verba fôsse aumentada em mais 60. 000£, e na tabela se encontra uma verba discriminada pelos diversos oficiais das classes a que se refere, é necessário também fazer-se a discriminação do aumento de 60. 000$. É essa proposta que eu mando para a Mesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: referiu-se ontem o ilustre Deputado, Sr. Lúcio do Azevedo, aos reformados que ainda estão ao serviço.
Como estamos na discussão do capítulo que trata das classes inactivas, aproveito a ocasião para dizer que, se a Câmara tivesse aprovado o parecer n.º 488, que há muito tempo está distribuído e há muito mais tempo foi apresentado, certamente já não estariam a prestar serviço alguns que ainda hoje o estão fazendo, se bem que alguns dêsses oficiais se encontrem em tal situação por determinação expressa de leis vigentes.
Mas, Sr. Presidente, pessoas há, que, embora na melhor. das intenções, consideram o orçamento do Ministério da Marinha por dois aspectos absolutamente errados.
Uns comparam o orçamento com o número de unidades flutuantes.
E êste um grande êrro, porque uma marinha não se constitui apenas por unidades flutuantes.
E absolutamente necessário manter o pessoal em escolas e actividade, pois que dum momento para o outro podem adquirir-se navios, não se tendo pessoal adestrado, e sendo necessário para isso que haja escolas de preparação.
Outros fazem a análise do Orçamento de forma a reduzirem o pessoal.
Sr. Presidente: já ontem ficou aqui demonstrado cabalmente, com dados oficiais e documentos que ninguém pode desmentir, que o pessoal de marinha está desfalcado em 1:263 praças. Com respeito ao continente, pelos dados que acabo de ler. V. Ex.ª vê que o número está muito abaixo do que alguns Srs. Deputados propõem; mas isto que se dá com pessoal inferior, dá-se com oficiais e o escândalo não é tam grande como dizem.
O que admira é que a Câmara não ligue importância à discussão do Orçamento e não se faça como em França, em que sôbre êle falaram 80 Deputados e durou 11 dias a discussão.
Aqui mais parece uma recreação campestre do que uma discussão política.
Se os quadros estivessem reduzidos ao que determina a lei de 1892, era absolutamente impossível, simplesmente com êsses oficiais, ter os seus serviços em laboração.

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Sr. Presidente: se analisarmos conscienciosamente a lista da armada, encontramos sem dificuldade o seguinte: oficiais superiores de marinha exercendo serviços que teriam de existir mesmo que a marinha não existisse; oficiais de marinha a desempenhar serviços que a Nação não pode desprezar nem dispensar.
Se fizermos essa análise, encontramos uma cousa como cento e tantos oficiais superiores da armada a desempenharem êsses serviços e dêsse número encontramos 43 que estão impedidos em serviços de capitania, de pesca, faróis e serviços oceanográficos; emfim, serviços de fomento marítimo, que produzem receita, assim como encontramos oficiais que estão a trabalhar para cada vez tornar mais próspera a nossa segunda indústria, que é a da pesca.
Encontramos nas nossas colónias em serviços idênticos 36 oficiais; encontramos no campo entrincheirado em colaboração com os seus colegas oficiais de terra, empregado naqueles serviços comuns, que são das batarias marítimas, 4 oficiais superiores; temos nos Pupilos do Exército um oficial que lá está desde a criação dêsse instituto.
O Sr. Estêvão Águas. — E que é a alma dessa instituição.
O Orador: — Êsse oficial é dos mais distintos da nossa marinha e, como acaba de dizer o Sr. Estêvão Águas, êle é, sem ofensa para os meus colegas que também lá estão, a alma dêsse instituto.
Temos no Ministério dos Estrangeiros, em comissões para que foram chamados pelos seus conhecimentos técnicos, nada menos de 3 ou 4 oficiais de marinha que estão no gozo de licença ilimitada, e portanto sem pesar nada ao Orçamento, podendo contudo ser chamados quando as necessidades de serviço assim o exijam.
Aqui tem V. Ex.ª e aqui têm também aqueles Srs. Deputados, que tanto falam e todas as pessoas que lá fora tanto gritam contra a acumulação de oficiais superiores da armada, uns 115 oficiais a desempenharem serviços a maior parte dêles criados já depois do remodelado» os quadros do Ministério da Marinha pela lei de 1892, e outros a desempenharem serviços e missões que não são pròpriamente da marinha militar, mas que o País teria, necessidade de manter, mesmo que a marinha não existisse.
Temos ainda outros oficiais nos observatórios astronómicos e não será demais lembrar à Câmara que nesses observatórios alguns dêsses oficiais alcançaram renome mundial. Aí temos, por exemplo, una nome que se impôs à admiração dos sábios doutros países, o do almirante Campos Rodrigues. Temos hoje em observatórios astronómicos do continente e das colónias outros oficiais, que pelo seu saber, pelo seu estudo e dedicação ao serviço estão criando nome, e que muito honram a armada nacional e o País.
Temos até, para orgulho da nossa marinha, um oficial da armada no Observatório Astronómico de Coimbra, que é admirado pelos elementos que constituem o seu corpo docente.
Temos ainda oficiais em outros serviços que porventura passaram despercebidos a quem superficialmente olhou para o orçamento do Ministério da Marinha.
Além dos oficiais que já citei, outros estão nas colónias, dependentes do Ministério da Instrução, e portanto a desempenhar funções que deviam ser desempenhadas por alguém, não me parecendo que pelo facto de não terem aparecido noutras classes indivíduos com a competência necessária para desempenharem êsses serviços e pelo facto dessas pessoas existirem na marinha, não me parece, repito, que daí advenha mal ao Estado.
Não me parece que pelo facto de determinados serviços estarem a ser desempenhados por pessoas que pertencem à armada, daí advenha qualquer prejuízo, tanto mais tendo essas pessoas competência técnica para os desempenhar bem e como-os têm desempenhado sempre com louvor.
Os serviços prestados por alguns dêsses oficiais nos, nossos postos radiotelegráficos e radiotelefónicos têm sido de tal ordem, que devido às indicações dêsses postos os naufrágios na costa marroquina deminuíram 75 por cento.
Por aqui pode avaliar a Câmara os altos serviços prestados por êsses oficiais ao País e até à Humanidade.
Temos também oficiais da armada em comissões de serviço, encarregados da delimitação de fronteiras oficiais com uma

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competência técnica especial para desempenhar êsses serviços, e que o têm feito com tal proficiência, que muitas vezes, tendo-se encontrado em contacto com comissões de oficiais belgas, holandeses, ingleses e franceses, é tal o renome que êles alcançaram pelo seu saber, que quando fazem os seus cálculos essas comissões se abstêm de fazer os seus, tal é a confiança na técnica e no saber dos oficiais portugueses.
Êste facto foi muitas vezes constatado em muitas comissões que funcionaram ao longo da Província de Moçambique, constituídas por muitos oficiais, que já morreram, e por outros que estão vivos.
Não quero citar nomes, mas não será demais citar os nomes de Gago Coutinho, Sacadura Cabral, Vieira da Rocha e tantos outros, que constituiriam uma lista imensa, se quisesse citar à Câmara os nomes de todos com quem êstes factos se têm dado.
Temos também oficiais na delimitação dos nossos rios, encarregados de trabalhos de nivelamento e estudo de toda a costa. portuguesa, estando actualmente empregado nessa comissão o aviso ô de Outubro, dirigido por outro nome glorioso, que é o Sr. capitão de fragata Almeida Carvalho.
Assim eu julgo ter provado como, por vezes, nesta Câmara se tratam ligeiramente os assuntos.
E, a propósito do capítulo que trata das classes inactivas, permita-me a Câmara que eu mostre um pouco a forma como tem sido apreciado o orçamento do Ministério da Marinha.
No orçamento dêste Ministério vem incluída uma- verba bastante importante, cêrca de vinte mil contos, que agravando sensivelmente êsse orçamento faz com que a totalidade das suas despesas a muitas pessoas se afigure exagerada.
Aparentemente assim é, para qnem não se der ao cuidado de verificar a natureza dessa verba. Mas, de facto, êsses vinte mil contos não estão inscritos no orçamento do Ministério da Marinha pròpriamente para fazer face às suas despesas. Êsses vinte mil contos, mesmo que o Ministério da Marinha não existisse, teriam de ser despendidos pelo Estado, que absolutamente não poderia prescindir dos serviços que lhe são destinados a custear.
Isto sem contar com a despesa que acarreta a manutenção do serviço de canhoneiras empregadas na fiscalização costeira, respectivas reparações e vencimentos de pessoal, porque não a posso computar dada a falta de elementos que tenho para o fazer.
Com todos êstes serviços, o Ministério da Marinha gasta êste ano 20:277. 222$-
O Sr. Presidente: — Faltam apenas 5 minutos para V. Ex.ª terminar as suas considerações.
O Orador: — Sr. Presidente: dos números que citei à Câmara conclui-se que. a despesa com a parte militar pròpriamente dita é apenas de 45 por cento, e o aumento a todo o pessoal de cêrca de 25 por cento das verbas consignadas no Orçamento.
Conclui-se ainda, e por consequência, que aquela marinha que o País pode despresar se quiser, e um ditador estrangular se entender, custa ao Estado pouco mais de metade das verbas inscritas no orçamento do Ministério da Marinha. O resto é despendido em serviços que terão de existir sempre em quanto Portugal fôr um País livre.
Creio, Sr. Presidente, ter prestado um serviço às pessoas menos conhecedoras dêstes assuntos, elucidando-as convenientemente, como oficial da armada que tenho a honra de ser.
Muito haveria ainda que dizer, é certo, para que a Câmara ficasse- inteiramente ao facto do que se passa na Marinha de Guerra Portuguesa. Todavia o tempo de que posso dispor para o fazer é tam limitado, que nada mais posso acrescentar ao que já disse, sobretudo depois da advertência que acaba de me ser feita pelo Sr. Presidente.
O estado em que se encontra essa marinha, que nós lamentamos mais do que ninguém, e que é um vexame, faz com que os nossos nervos mal comportem que ainda haja quem debique com a situação que temos, quando nós somos os primeiros a senti-la bem amargamente. Todavia, também reconheço que os limitados recursos do Tesouro Público impedem que, desde já, seja dado à marinha aquele material de que ela tanto necessita para desempenhar-se cabalmente de todos os

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serviços que a Pátria e a República têm sempre o direito de exigir dela.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados independentes indicam o Sr. Tôrres Garcia para substituir o Sr. Pina de Morais na comissão de guerra.
Entra em discussão o capítulo 4.º
O Sr. Ministro da Marinha (Vítor Hugo de Azevedo Coutinho): — Mando para a Mesa umas propostas, que vão assinadas pelo Sr. Ministro das Finanças.
Propostas Capítulo 4.º, artigo 28.º:
Elevar às seguintes importâncias os auxílios a diversas instituições abaixo designadas:
[Ver valores da tabela na imagem]
Instituto de Socorros a Náufragos
Club Militar Naval
Instituto Feminino de Educação e Trabalho
O Ministro das Finanças, Vitorino Guimarães. — O Ministro da Marinha, Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Capítulo 4.º, artigo 33.º:
Aumentar:
Para balisagem da margem portuguesa do Rio Guadiana
Idem em £ 484
O Ministro das Finanças, Vitorino Guimarães. — O Ministro da Marinha, Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Aumentar 40. 000$ na verba de pensão para subsídios que tenham de se pagar em virtude de contratos de navegação que se efectuem. — O Ministro das Finanças, Vitorino Guimarães. — O Ministro da Marinha, Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Capítulo 1.º:
Deminuir de 50. 000$ a verba destinada à reconstrução do edifício dá Escola Naval.
Sala das Sessões, 22 de Maio de 1923. — Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães — Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
Foram lidas na Mesa.
Entra em discussão o capitulo 5.º
O Sr. Presidente: — Como ninguém pede a palavra, passa-se à discussão do capítulo 1.º das despesas extraordinárias.
Está em discussão êste capítulo.
O Sr. Carlos Pereira: — Peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Carlos Pereira: — Vou ser breve, embora sôbre o assunto de que mo vou ocupar, largas e demoradas considerações pudesse fazer.
No capítulo em discussão inscreve-se uma verba de 100 contos para a construção de uma escola de pesca.
E certo que não existe, ao presente, qualquer disposição legal que permita ^ inserção daquela verba no Orçamento, e isto deverá bastar para que a Câmara a não aprove.
Nós devemos procurar melhorar as condições rôa pesca de uma forma diferente.
Eu sei quanto é fácil falar muito e falar até bem, sôbre a defesa das escolas de pesca.
Eu próprio não teria dificuldades em fazer o elogio delas; mas a verdade é que eu entendo que, felizmente, não são necessárias essas escolas. O nosso pescador não necessita de ensinamentos para o exercício da sua arte.
O nosso pescador, que é tam bom como qualquer dos melhores do mundo; do que êle precisa é de uma polícia efectiva e eficaz nas águas territoriais, para que se não sinta na miserável situação de ser corrido a tiro pelas embarcações estrangeiras que vêm pescar ás nossas águas.
Sim, Sr. Presidente, corridos a tiro!
A tanto tem chegado a audácia dos pescadores estrangeiros!

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Creia a Câmara que não se trata de um boato, mas sim do uma realidade.
Certamente no Ministério da Marinha há conhecimento do facto.
Quando, fazendo das fraquezas fôrças, os capitães dos pôrtos ou delegados marítimos do meu país, embarcados em simples escaleres, conseguem prender alguma embarcação estrangeira, dessas que pescam nas nossas águas, logo os senhores dessas embarcações tentam suborná-los; mas como essa moeda não corre nas mãos de oficiais da marinha portuguesa, apelam então para as fôrças dos seus Govêrnos.
Tenho aqui, creio, a última lei que foi votada pelo Parlamento Irlandês, onde se consignam princípios que serão de aceitar.
Mas, que importam as multas que são quási ilusórias, se num dia um simples barco as cobre por completo?
Mas para não chegarmos à violência, àquela mesma violência que em Espanha era praticada em tempos em que ia até o ponto do se venderem os barcos dos pescadores portugueses, eu lembrava que se internassem os pescadores estrangeiros no primeiro pôrto nacional, e que emquanto durasse a temporada de pesca êles não pudessem sair, para não infestarem as nossas costas, onde êles, dizem, vêm ensinar a pescar aos pescadores portugueses.
Ensinar a pescar?
E ensinar êsse processo novo, que está fazendo caminho, exercendo-se por maneira infame e criminosa: o processo de dinamite.
Nas costas de Peniche e outras, são gastos milhares de escudos em dinamite.
Existe o despovoamento em certas costas, como em Matozinhos, por efeito do emprêgo da dinamite.
Isto veio de Espanha!
Daí vieram estas lições, e costuma dizer-se que «de Espanha nem bom vento nem bom ensinamento».
Seria bom que V. Ex.ª chamasse a atenção das autoridades, para que se não repetissem êstes factos.
Não se compreende, a não ser a mudança de correntes, que não haja outras razões para a fuga de peixe.
Seria bom que o Tesouro dêsse uma assistência digna aos pescadores que de Portugal estão partindo para a Terra Nova, indo pescar naquelas paragens. No emtanto êles lá vão, e lá se conservam muito tempo, sem ao menos darem notícias aos seus; mas para os homens do mar as notícias muitas vezes não fazem falta, porque conservam as recordações do país e das famílias tam vivas, que dir-se há que ao fim de muitos anos a impressão é igual à do momento da partida.
Mas o que é certo é que se encontram absolutamente abandonados junto dos bancos da Terra Nova.
A França hoje pensa com muito carinho nos seus pescadores. Manda um navio-hospital para junto deles.
Os nossos pescadores, quando não podem ter o socorro necessário, deixam-se morrer.
Durante a guerra, êsses que aprenderam a segredar aos navios as letras primeiras do alfabeto da morte, sujeitaram-se a ficar completamente à vontade.
No emtanto, êsses que tinham dado provas de competência durante a guerra, tendo a prática de saber manobrar uma vela, muito sofreram. Não s abem ler, mas sabem fazer o que outros, que não têm a noção mais elementar de um navio de vela da antiga navegação, não sabem.
Nestes termos, não existindo disposição legal que autorize a inserção de verba orçamental de 100 contos para construção da escola de pesca, julgando desnecessária a instalação de tal escola, eu peço fiscalização, muita fiscalização, e sanção rigorosa para aqueles que prevariquem.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Marinha (Vítor Hugo de Azevedo Coutinho): — Sr. Presidente: eu sei bem que não se discutem neste momento as escolas de pesca, mas vou responder a algumas das considerações feitas pelo Sr. Carlos Pereira, começando por agradecer as referências que S. Ex.ª fez ao meu modestíssimo esfôrço.
Sr. Presidente: o assunto «pescas» tem-me preocupado especialmente, e não ignora decerto S. Ex.ª que, além daquelas medidas repressivas de fiscalização que o

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Ministério dá Marinha tem tomado, êle tem sido estudado com o maior carinho e interêsse.
Relativamente à parte scientifica do assunto, nEo desconhece a Câmara que entre nós se encontra um distinto oceanógrafo, um professor dos mais ilustres, o Sr. Tulet, que em breve deve fazer várias conferências, a pedido do Ministério da Marinha, numa das salas da Faculdade de Sciências.
Quanto à parte meramente legislativa daquela medida, a comissão de inquérito às pescas está ultimando os seus trabalhos, e dentro em pouco habilitar-me há a trazer à Câmara uma proposta nesse sentido.
Como disse, reservarei para uma ocasião mais oportuna tratar das escolas de pesca, que será quando fôr trazida ao Parlamento a respectiva proposta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: não tencionava entrar na discussão dêste capitulo. Todavia, quero chamar a atenção do Sr. Ministro da Marinha para o facto de se depreender do Orçamento que tendo nós uma marinha nas circunstâncias precárias de todos conhecidas, a queremos dotar com duas escolas navais.
Assim, se V. Ex.ª, Sr. Ministro, consultar o Orçamento, verá que no capítulo em discussão está incluída a verba de 100 contos para obras de reconstrução do edifício da Escola Naval, e ainda a verba de 400 contos para a continuação das obras da Escola Naval.
Será intenção dotar o país com duas escolas navais, ou êste edifício destina-se a outra aplicação?
Sr. Presidente: se assim é, deve definir-se claramente o objectivo dessa construção, para que não se desperdicem verbas que porventura podem ter melhor aplicação.
Mas há mais.
Não compreendo que neste capítulo esteja inscrita a. verba de 100 contos para obras no pôsto de telegrafia sem fios de Monsanto, e haja no capítulo 2.º outra verba destinada a material radio telegráfico.
Eu sei que o Sr. Ministro da Marinha me vai responder, ser tal verba destinada à aquisição do material.
Certamente S. Ex.ª tem o seu plano assente, e deve orientar a Câmara para darmos o nosso voto com completo conhecimento do assunto.
E uma questão técnica, cujo alcance pedagógico não desconheço, definir qual a orientação do nosso estado maior naval acêrca da existência da escola dos futuros oficiais da armada, na cidade de Lisboa, a bordo de qualquer navio ou na margem esquerda do Tejo. Seguimos o critério, já antigo, de estabelecer a Escola Naval em terra. Tem defensores. Mas duas escolas navais para tam minguado número de discentes é demasiado.
O Sr. Presidente: — Tenho a prevenir o orador de que é chegada a hora de se passar à parte da sessão destinada aos Srs. Deputados que pediram a palavra para antes de se encerrar a sessão.
O Orador: — Só pronunciarei mais umas palavras para concluir as minhas considerações, Sr. Presidente.
O Sr. Ministro da Marinha, que teni vindo a esta Câmara dizer quanto se interessa em fazer a melhor fiscalização das nossas costas, certamente tomará as necessárias providências com respeito ao assunto dá pesca, e hei-de referir-me à verba que se acha inscrita no orçamento. Estando a hora adiantada, termino por agora as minhas considerações, pedindo a V. Ex.ª que me reserve a palavra para a próxima sessão.
O Sr. Presidente: — Fica V. Ex.ª com a palavra reservada para a sessão da noite.
Não estando presentes os Srs. Deputados que pediram a palavra para antes de se encerrar a, sessão, vou encerrar os trabalhos, marcando, a sessão nocturna para as 21 horas e meia, com a mesma ordem que estava marcada para a ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 20 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Comunicação
Comunica-se que a comissão de guerra, na falta dos Srs. Deputados que es-

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tão ausentes, elegeu provisoriamente para a presidir o Sr. Sousa Rosa e para a secretariar o Sr. António de Mendonça.
Sala das Sessões, 22 de Maio de 1923. — António de Mendonça.
Para a Secretaria.
Projectos de lei
Dos Srs. João Salema e Adolfo Coutinho, autorizando a Câmara Municipal de Arouca a vender ou aforar os seus terrenos baldios dispensáveis ao logradouro comum.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Carlos Olavo, extinguindo os círculos escolares oriental e ocidental do Funchal.
Para o «Diário do Govêrno».
Parecer
Da comissão de administração pública, sôbre o n.º 523-B, que atribui à Câmara Municipal de Lisboa a faculdade de embargar quaisquer obras, construções e edificações particulares, quando feitas sem licença.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.

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