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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 112
EM 20 DE JUNHO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Tomás de Sousa Rosa
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Luís António da Silva Tavares de Carvalho
Sumário. — A sessão é aberta com a presença de 44 Srs. Deputados, procedendo-se à leitura da acta e dando-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Leote do Sego ocupa-se de assuntos de política externa. O Sr. Sá Pereira apresenta um projecto de lei e requere que o respectivo relatório seja publicado no «Diário do Govêrno». O Sr. Jaime de Sousa apresenta uma proposta de saudação aos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral pelo seu projecto duma viagem de circunnavegação aérea. Sôbre o assunto usam da palavra os Srs. Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho), Cancela de Abreu, Tôrres Garcia, Lino Neto, Pina de. Morais, Leote do Rêgo, Ayatão Lança e Carvalho da Silva, sen* do aprovada a proposta de saudação. O Sr. Ministro do Comércio (Vaz Guedes) manda para a Mesa uma proposta de lei para a qual requere a urgência, que a Câmara concede. É aprovada a acta. É aprovado o requerimento do Sr. Sá Pereira.
Ordem do dia. — Continua em discussão o parecer n.º 302, sôbre as relações do Estado com a Companhia dos Tabacos! Usam da palavra os Srs. Carlos Ribeiro Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães), Morais Carvalho e Correia Gomes, que fica com a palavra reservada. O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato, com a mesma ordem de trabalhos.
Abertura, da sessão às 15 horas e 25 minutos.
Presentes à chamada 44 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 32 Srs. Deputados.
Presentes à chamada:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leito de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Maria da Silva.
António Resende.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Dinis de Carvalho.
Germano José de Amorim.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
Júlio Gonçalves.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
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Diário da Câmara dos Deputados
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António de Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João José Luís Damas.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
José Cortês dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Correia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio do Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva. João Pereira Bastos.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
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José Carvalho dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais do Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador. José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel do Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Pelas 15 horas e 25 minutos, com a presença de 44 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério das Finanças, respondendo ao ofício n.º 447, que comunicou o requerimento do Sr. Américo Olavo Correia de Azevedo.
Para a Secretaria.
Do Senado, devolvendo, com alterações a proposta de lei n.º 411-(a), orçamento do Ministério do Interior para 1923-1924.
Para a comissão do Orçamento.
Do Tribunal Mixto Militar Territorial e de Marinha, pedindo autorização para os Srs. Cunha Leal e Agatão Lança deporem no dia 21.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltos.
Pedido de licença
Do Sr. Aires de Ornelas, 20 dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Representações
Dos estropiados de campanha com percentagens de invalidez de 10 por cento, pedindo uma modificação ao artigo 1.º do projecto do Sr. Joaquim Ribeiro, sôbre mutilados e estropiados de guerra.
Para a comissão de finanças.
Da União dos Sindicatos Operários de Lisboa, pedindo aclarações à lei do inquilinato.
Telegramas
Dos ajudantes das conservatórias do registo civil em Viana do Castelo e Alcácer do Sal, pedindo a aprovação do projecto, concedendo-lhes ordenado fixo.
De Alfredo Oliveira Costa, da Régua, fazendo igual pedido.
Do abade, regedor e junta de Fornelo (Vila de Conde) e pároco, juiz de paz, regedor, e junta de Recarei (Paredes), apoiando as reclamações dos católicos.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Leote do Rêgo: — Sr. Presidente: eu não estava presente quando o ilustre Deputado Sr. Cancela de Abreu mostrou desejo de tratar em negócio urgente da vinda a esta casa do Parlamento do Sr. Dr. Afonso Costa.
Se estivesse presente eu teria votado contra o negócio urgente porque eu entendo que dentro desta casa só há Deputados, não há generais nem almirantes, nem directores gerais, nem chefes de missão, nem tambores, nem cornetas; quem tem de responder aqui por êsses funcionários são os membros do Poder Executivo. Apoiados.
Mas se estou em desacôrdo com S. Ex.ª neste ponto, estou inteiramente de acôrdo
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com S. Ex.ª sôbre o caso de se dar conta ao Parlamento e ao País do resultado dessas missões, pois o País desconhece por completo êsse resultado.
A três anos da assinatura da paz o País não sabe qual foi o papel da nossa diplomacia em Spa, Génova e Bruxelas.
Em Dezembro último eu pedi, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, me fôsse fornecida cópia do relatório sôbre a Conferencia da Paz, sôbre a Sociedade das Nações e da missão intelectual que foi ao Brasil; passados cinco meses foi-me comunicado que não havia relatório algum.
Não posso deixar de manifestar a minha estranheza e insistir para que ao Poder Legislativo seja dado conhecimento dessas missões.
Apoiados.
Também não estava presente quando o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tratou nesta casa da grave questão que agora se agita entre nós e a França.
Tenho a declarar agora, pelas notícias, que li nos jornais, que,estou inteiramente satisfeito com a linguagem firme que S. Ex.ª empregou; e não posso deixar de lamentar que só agora se procure resolver um assunto que já há dois anos podia estar resolvido.
Quando foi da guerra a França apelou para toda a gente para lá ir derramar o seu sangue, mas acabada a guerra êsses serviços foram esquecidos, e a primeira bola a sair do saco — permita-se-me a expressão — foi a proibição da entrada dos nossos vinhos em França, e depois por especial favor foi permitida a entrada dalguns hectolitros, negociações que foram feitas pelo Sr. Xavier da Silva, sendo o modus vivendi firmado pelo Sr. Júlio Dantas e pelo Sr. Ministro da França.
Essas negociações correram muitíssimo bem.
Se essas negociações se fizeram fàcilmente, porque não se tinham já feito?
Repito o que aqui já tenho dito: é preciso que os nossos representantes se interessem a valer pelo seu papel.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Pereira: — Mando para a. Mesa um projecto de lei que reputo da máxima importância.
Peço a V. Ex.ª para consultar a Câmara sôbre se permite que seja publicado no Diário do Govêrno o relatório que o precede.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: está despertando um grande entusiasmo o grito que a imprensa está lançando sôbre a viagem séria à roda do mundo por Sacadura Cabral e Gago Coutinho.
É certo que, por vezes, os mais vantajosos empreendimentos têm tido no nosso país opositores, mas entendo que nesta altura, tratando-se de uma viagem de circunnavegação séria, ninguém porá objecções sôbre a vantagem da sua realização.
Quero citar factos concretos que abonam a necessidade impreterível de se realizar essa viagem.
O almirante Gago Coutinho e o comandante Sacadura Cabral têm inventos próprios, processos práticos e métodos scientíficos que tornam essa navegação séria duma tal precisão que assumimos quási o dever imperioso do mostrar à humanidade inteira, na prática, a eficácia dêsses processos.
No relatório do comandante Sacadura Cabral vem traçada toda a volta do globo duma maneira perfeita, precisa.
A travessia da América do Norte e do Atlântico é feita por uma forma scientífica, como são novos os processos de aviação que o comandante Sacadura Cabral pretende pôr em prática no percurso dêste itinerário.
O povo português, através da história, realizou cometimentos semelhantes, o nessa altura houve quem tivesse observações a fazer.
V. Ex.ª e a Câmara sabem o exemplo frisante de Fernão de Magalhães, que sendo português e tendo-se oferecido ao Govêrno para realizar a viagem de circunnavegação, o oferecimento não foi aceito, mas aceitou-o a Espanha.
E tivemos mais o exemplo do genovês Cristóvão Colombo que, passando de Portugal ao serviço da Espanha, fez com que a nação espanhola ficasse com as honras do grande feito, cujos louros foram roubados ao povo lusitano.
Portanto, para que não aconteça no século XX aquilo que sucedeu no século XVI, é necessário que Portugal nesta altura tome na devida conta a iniciativa,
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mas também tome toda a responsabilidade da sua execução.
Por isso faço votos para que a iniciativa do almirante Gago Coutinho e comandante Sacadura Cabral tenha o apoio caloroso do Parlamento e do Govêrno, por forma que os aviões portugueses que vão fazer a volta ao mundo, que os aviões que vão rasgar os ares, como outrora as nossas caravelas rasgaram os oceanos, comandadas brilhantemente por peitos portugueses, possam mostrar-se ao mundo inteiro, para maior glória da nação portuguesa e maior glória da República.
Julgo que é indispensável que o Govêrno diga à Câmara quais os meios que julga mais convenientes para que se realize a iniciativa dos ilustres aviadores.
Espero com fundamentadas razões que o Brasil, país irmão, onde temos uma colónia formidável, que abraça sempre com patriotismo todas as iniciativas portuguesas, nos auxilie com o esfôrço da sua colaboração.
Espero que, quer por parte do Govêrno, quer por parte da Câmara, alguma cousa seja dito, por forma que o mundo inteiro saiba que toda a nação portuguesa aplaude esta idea grandiosa.
Mando para a Mesa a seguinte
Proposta
Proponho que a Câmara dos Deputados da Nação Portuguesa, integrando-se no sentimento geral do país, que recebeu com evidentes demonstrações de entusiasmo a idea de uma viagem aérea de circunavegação, a realizar pelos heróicos aviadores cujos nomes gloriosos pertencem desde há um ano aos bronzes da história pátria; e
Considerando que toda a humanidade culta já agora espera a execução de uma promessa que lhe foi feita e tem de cumprir-se para nossa honra;
Considerando que o facto culminante de terem Gago Coutinho e Sacadura Cabral inventado processos práticos e métodos scientíficos que tornam exacta e precisa a navegação aérea, lhes impõem ainda excepcionais deveres para com a civilização mundial;
Considerando que a fórmula apresentada pelo comandante Sacadura Cabral, em seu relatório, dá plena satisfação sob o aspecto económico e financeiro do empreendimento:
Envie aos iniciadores do arrojadíssimo cometimento, a sua mais calorosa saudação, fazendo votos por um êxito completo, para maior glória da raça, para maior glória de Portugal.
Sala das Sessões, 20 de Junho de 1923. — Jaime de Sousa.
Tratando-se de uma proposta de saudação, requeiro que entre imediatamente em discussão com dispensa do Regimento.
O orador não reviu.
Foi admitida a proposta do Sr. Jaime de, Sousa e aprovada a urgência e dispensa do Regimento.
O Sr. Presidente: — Consulto a Câmara sôbre se permite que a comissão de remodelação dos serviços públicos reúna durante a sessão.
A Càinara resolveu nessa conformidade.
O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho): — Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Jaime de Sousa, usando da palavra, bordou várias considerações sôbre o projecto de viagem aérea à volta do mundo da iniciativa do almirante Gago Coutinho e comandante Sacadura Cabral, projecto que foi presente ao Govêrno e sôbre o qual o mesmo ilustre Deputado pediu que o Govêrno se pronunciasse.
Antes de satisfazer os desejos de S. Ex.ª eu vou esclarecer a Câmara acêrca de alguns pontos que melhor explicam a atitude do Govêrno sôbre êste assunto.
Na gloriosa travessia aérea Lisboa-Rio de Janeiro, a iniciativa legal partiu do Poder Executivo.
O Govêrno publicou um decreto com fôrça de lei, concedendo o prémio de 20. 000$ ao primeiro aviador brasileiro ou português que realizasse essa travessia e uma verba de 1:800 contos, destinada à aviação marítima, verba de que poderia ser distraída a importância de 200 contos exclusivamente para as despesas dessa travessia.
O Govêrno que tomou posse da administração pública em 6 de Fevereiro de 1922, Govêrno a que eu tive a honra de pertencer, empregou todos os seus esfôrços para conseguir levar à prática as ideas expendidas no projecto dessa travessia, e
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assim deu todas as facilidades ao almirante Gago Coutinho e ao comandante Sacadura Cabral, facultando-lhes os meios de poderem ter os apoios necessários para vencerem as dificuldades que, como era natural, lhes aparecessem.
A travessia realizou-se, tendo o almirante Gago Continho e o comandante Sacadura Cabral dado exuberantes provas do seu espírito patriótico e de sacrifício e dos seus conhecimentos da aviação marítima.
Quais os resultados dêsse colossal ex-fôrço?
Todos nós os reconhecemos: uma maior aproximação com o Brasil, um maior prestígio, para o nome. de Portugal, uma tranquilidade na vida íntima do país e sobretudo uma maior confiança em cada um de nós, no nosso esfôrço, levando-nos ao convencimento de que seremos capazes de tudo, sempre que soubermos conjugar harmònicamente os nossos esfôrços.
Quanto a mim, êsses factores contribuíram poderosamente para êste ambiente de simpatia que hoje envolve o país inteiro e ainda para a unidade nacional, cuja tendência tanto se tem acentuado ultimamente.
Eu não quero cansar a atenção da Câmara expondo-lhe detalhadamente o projecto do almirante Gago Coutinho e do comandante Sacadura Cabral, por isso que êle é hoje sobejamente conhecido já de todo o país pela grande propaganda que tem sido feita na imprensa e até no próprio Parlamento.
Resumindo, direi apenas que se trata duma viagem aérea que consta dum percurso de 19:500 quilómetros, 280 horas de voo, isto é, mais de quatro vezes o percurso da travessia aérea de Lisboa ao Rio de Janeiro.
Para essa maravilhosa emprêsa Gago Coutinho e Sacadura Cabral contam com a comparticipação do Brasil, e são necessários, segundo os cálculos do comandante Sacadura Cabral, o mínimo de seis aviões e de dois navios apoios.
A aviação marítima dispõe hoje de 20:000 libras aproximadamente, produto resultante de subscrições feitas no continente da República, entre a colónia portuguesa do Brasil, e nestas condições e o comandante Sacadura Cabral não pediu ao Govêrno qualquer auxílio, apenas solicitou do Ministério da Marinha o custeamento do navio apoio.
Os cálculos do comandante Sacadora Cabral sôbre êste assunto, que vêm era números redondos incluídos no relatório, são absolutamente exactos, pecando talvez apenas pelo facto de as despesas terem sido orçadas pelo máximo.
Nestas condições; se o Ministro da Marinha tem de despender na instrução do seu pessoal, fazendo-o cruzar o mar dos Açores e as costas de Portugal, podemos fazer desviar êstes navios para servirem de apoio à viagem aérea, sem mais despesas e com maiores vantagens para a instrução dêsse pessoal.
Com êstes elementos, o Govêrno pode declarar que, reconhecendo um grande número de probabilidades ao bom êxito dessa viagem aérea que trará para o País resultados não menos benéficos do que aqueles que nos provieram da travessia Lisboa-Rio de Janeiro, entende que financeiramente é viável essa viagem, dada a. comparticipação do Brasil.
Se. porém, essa comparticipação só não efectuar, os novos encargos que resultem. só o Parlamento poderá autorizar o Govêrno a fazê-los.
Mas o Govêrno confia em que a Nação que está sendo consultada e que duma forma tam entusiástica se tem manifestado, será a primeira a promover os meios directos de facultar à aviação marítima a, execução dêsse empreendimento.
O Sr. Leote do Rêgo (interrompendo): — V. Ex.ª pode dizer-me se o almirante Gago Coutinho também toma parte nessa viagem?
O Orador: — Sem dúvida. São essas as intenções do almirante Gago Coutinho.
Eu não quero, terminar sem afirmar neste momento o grande patriotismo da colónia portuguesa do Brasil e da América do Norte.
Sempre que se trata dum esfôrço colectivo, êsses portugueses, que mesmo de longe nunca esquecem a sua nacionalidade, corroboram sobejamente as suas qualidades de patriotismo.
Daqui lhes apresento as minhas homenagens.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: vou repetir perante V. Ex.ª, e perante toda a Câmara, o que tive a honra de dizer, ontem, ao comandante Sacadura Cabral.
A minoria monárquica — posso mesmo dizer a causa monárquica do País — dá todo o apoio morai, todo o seu entusiástico apoio moral, a todos os empreendimentos que contribuam para o engrandecimento do nome de Portugal.
O ano passado, quando se efectuava a gloriosa travessia aérea do Atlântico, repetidas vezes esta casa do Parlamento manifestou o seu regozijo, o seu entusiasmo pelas sucessivas étapes vencidas pelo almirante Gago Coutinho e comandante Sacadura Cabral, e em nenhuma dessas manifestações a minoria monárquica deixou de tomar parte, prestando as suas sinceras homenagens a êsses dois ilustres aviadores.
Foi até, Sr. Presidente, devido a uma circunstância de momento, que dêste lado da Câmara partiu a iniciativa da apresentação de um projecto de lei, promovendo os dois ilustres aviadores, por distinção, aos postos imediatamente superiores aos que tinham. Essa idea foi ao encontro dado Sr. Ministro da Marinha que na mesma sessão trouxe à Câmara uma proposta visando idêntico fim.
Será, pois, supérfluo declarar que estamos decididos a dar todo o nosso caloroso apoio e todo o nosso entusiástico incitamento ao novo empreendimento duma viagem aérea de circunnavegação.
Sr. Presidente: não foi banal o resultado da travessia aérea do Atlântico.
Apoiados ao Sr. Ministro da Marinha.
Por toda a parte teve êsse feito uma repercussão retumbante e honrosa para o nome de Portugal.
E ocasião de constatar, aqui, com todo o calor do nosso patriotismo, com desvanecimento, o acontecimento que se deu há pouco na capital da França, por iniciativa patriótica de um ilustre jornalista português.
Mas, Sr. Presidente, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, não na ânsia, de glória porque maior a não podem ter já, mas sim no desejo ardente de mais uma vez arriscarem a sua vida em serviço do País e para que se mantenha íntegro o prestígio do nome português, vão realizar um novo empreendimento para execução do qual terão de pôr em prática todos os seus conhecimentos, todo o seu arrojo e toda a sua temeridade.
Tive ontem a honra de declarar ao comandante Sacadura Cabral que não estávamos nós nas condições de apreciar o ponto de vista técnico da emprêsa a realizar; que é a elo, mais do que a ninguém, e ao sábio Gago Coutinho, que compete apreciarem êsse aspecto do problema, tanto mais que não quererão fazer o seu acto por temeridade.
Um e outro criaram responsabilidades para com o País o para consigo próprios e, portanto, não haverá o direito de tomar como temeridade o que querem fazer. E não é de facto uma temeridade.
Ainda hoje o comandante Sacadura Cabral diz numa carta que publicou, que existem cinco grupos de aviadores estrangeiros que querem realizar o mesmo empreendimento.
E pois um empreendimento possível; não se trata duma temeridade. Se se tratasse duma temeridade nós seríamos os primeiros a condenar o acto, pois que a nossa admiração por êsses dois heróis é tam grande que jamais poderíamos consentir em que êles fossem arriscar a sua vida numa aventura.
Quanto ao aspecto financeiro do empreendimento, eu declarei ao comandante Sacadura Cabral que não me encontrava habilitado pelos meus amigos para me pronunciar sôbre tal ponto.
Disse-lhe que com êstes trocaria as minhas impressões e que, na sessão da Câmara em que se tratasse do assunto, a minoria monárquica emitiria a sua opinião.
Lamento que a semelhante respeito tenham sido tam lacónicas as considerações do Sr. Ministro da Marinha. Era necessário que S. Ex.ª dissesse à Câmara a quanto subirá o máximo, aproximado, da despesa do Estado com o raid que se vai fazer.
O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho): — Eu já declarei que os cálculos feitos pelo comandante Sacadura Cabral, que constam do seu relatório que é já conhecido, estão certos e feitos pelo máximo.
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O Orador: — Oxalá que êsses cálculos não sejam excedidos.
Sem por qualquer forma pretender desvirtuar a iniciativa do empreendimento, sem por qualquer forma pôr reservas no apoio moral que lhe damos, faço ardentes votos por que as despesas sejam cobertas com a subscrição pública, aberta hoje, pelo comandante Sacadura Cabral, no Diário de Noticias. Adviria daí um beneficio para o Tesouro Público e a prova absoluta e insofismável de que o País inteiro queria colaborar no empreendimento.
Sendo nós uns dos primeiros a concorrer nessa subscrição, damos aos aviadores a certeza de que, sem reservas, estamos a seu lado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: uso da palavra pára declarar, como cidadão e como Deputado, que dou todo o meu apoio à idea luminosa de se realizar uma viagem aérea de circunnavegação.
Como Deputado aprovarei,, aqui todos os créditos e iodas as medidas que sejam propostas para a efectivação de um tam grande empreendimento.
Não devemos deixar de aproveitar o destino bemfazejo que vem roçar a sua asa protectora de sempre, sôbre a nossa terra é sôbre a nossa raça. Não devemos deixar de aproveitar o patriotismo, a dedicação e a bravura da lendária e heróica marinha de guerra portuguesa.
Apoiados do Sr. Paulo Cancela de Abreu.
E, Sr. Presidente, porque devemos procurar aumentar a energia desta nossa raça que muitos dizem estar decaída, bom é que concedamos todo o apoio a essa idea.
Um novo concílio dos deuses está formado, a estas horas, no Olimpo e dele há-de sair, como sucedia outrora, o veredictum favorável à nova emprêsa.
Dentro de um ano a Nação inteira, num alto sentimento patriótico, verificará que o nome português corre de novo o mundo inteiro, cheio de glória e de grandeza. Para que essa glória e essa grandeza não possam ser empanadas, cabe à representação nacional afirmar o propósito absoluto em que está, de dispensar todos os elementos materiais e morais de que um
tal empreendimento careça para chegar ao fim.
Começou hoje a minha alma de português e de patriota uma nova época de uma grande emoção como aquela que tive quando da travessia aérea do Atlântico, mas não sinto abalada a fé de que serão os portugueses os primeiros que darão a volta ao mundo, isto porque tenho uma confiança ilimitada no patriotismo da nossa raça e nos conhecimentos técnicos dos nossos aviadores.
É ainda a marinha de guerra que se cobrirá de glória.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: o plano da primeira circunnavegação aérea por portugueses é de todo digna dos destinos gloriosos de Portugal e das altas responsabilidades de Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Vai ela importar sacrifícios, mas o génio eterno da raça tem sempre triunfado dos obstáculos e mais uma vez mostrará que sendo Portugal um País pequeno tem seguido sempre a par dos grandes países.
Portugal só se sente dominado quando se divide contra si em lutas intestinas.
A minoria católica dá todo o seu entusiasmo e todo o seu apoio para que a Cruz de Cristo, que seguiu nas primeiras caravelas e que pendeu dos primeiros aviões que atravessaram o mar até Santa Cruz, acompanhe os aviadores em volta do globo.
Disse o Sr. Tôrres Garcia que estava reünido o concílio dos deuses, eu direi, porque de outra forma não sei traduzir a minha comoção: que Deus seja sempre com a terra de Portugal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pina de Morais: — Sr. Presidente: sôbre o resultado da viagem eu não tenho dúvidas, confio absolutamente nas faculdades dos dois heróicos aviadores; sôbre a despesa estou convencido que que o País a cobrirá com a sua subscrição.
Creio que o Brasil dará, pelo menos, o seu apoio moral à viagem o estou convencido também que o País, o Govêrno e o Parlamento empregarão todos os seus
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esfôrços para a realização dêsse empreendimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Leote do Rêgo: — Associo-me com todo o entusiasmo às manifestações que do todos os lados da Câmara tem partido glorificando os nossos aviadores.
Ninguém meais do que eu se desvaneceu com a primeira viagem que êles empreenderam e em que se manifestaram verdadeiros diplomatas quando afirmaram, ao voltar, que era necessário que todos os portugueses se unissem.
Compreendo também que há vantagem para o nosso País em apresentarmo-nos os primeiros entro aqueles que se estão preparando para fazer a viagem.
Elevar-nos hemos ainda mais.
Mas, Sr. Presidente, estou certo que os próprios aviadores estimariam, como eu, e todos os membros da corporação a que tenho a honra do pertencer, que os encargos que daí venham não representem que seja preciso pôr escritos no Ministério da Marinha.
Apoiados.
Quando se discutiu há dias nesta casa o orçamento do Ministério da Marinha todos ficaram certamente com a impressão de que a desgraçada marinha nacional se avizinha a passos agigantados do completo aniquilamento. Não tem navios; não tem transportes de guerra.
Nenhum programa naval. Continuamos a viver ao acaso, à mercê dos acontecimentos.
Neste momento interpretamos o sentir de todos os camaradas da armada: todos admiramos imenso essa viagem e a valentia dos aviadores.
Mas êles próprios estimariam que fôsse o Parlamento que lhes dêsse os meios necessários para a sua execução.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança: — Peço a palavra sôbre o assunto.
O Sr. Presidente: — É a hora de se entrar na ordem do dia.
Vozes: — Fale, fale.
O Sr. Presidente: — Preciso de consultar a Câmara.
O Sr. António Fonseca: — Parece-me que foi aberta uma inscrição especial sôbre êste assunto.
Não precisa V. Ex.ª consultar a Câmara, pois tem de continuar a tratar-se do assunto até se esgotar a inscrição.
Apoiados.
Vozes: — Fale, fale.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Agatão Lança.
O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: obedecendo a um dever moral é que uso da palavra sôbre assunto, mas nunca o fiz com maior dificuldade.
Também nunca o meu carácter, o meu amor à corporação a que pertenço e os meus sentimentos patrióticos mais me imposeram êste dever.
Sabe V. Ex.ª e a Câmara que fui daqueles que desde a primeira hora do glorioso raid ao Brasil, combateram francamente por êle, que usaram da palavra várias vezes para o defender, e depois de levado a bom êxito um daqueles que tiveram a honra de, em diversos lugares, e aqui, levantarem a sua voz para glorificar e saudar os nossos gloriosos aviadores, distintíssimos oficiais de marinha: Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Fui também daqueles que, desde a primeira hora, sustentaram contra o que alguns pretendiam que êsse raid obedecia a altos intuitos patrióticos, augurando a sua boa conclusão, desde que o Estado tivesse meios materiais que oferecesse aos aviadores para que levassem a cabo a sua arrojada emprêsa, com a qual tanto e tanto elevaram o bom nome da Pátria e da República.
Mas, Sr. Presidente, trata-se agora de um novo raid, a que, individualmente, dou todo o meu aplauso, o enorme entusiasmo de patriota com que costumo ver tudo que venha dar maior realce e prestígio à Pátria e à República Portuguesa, e torne mais conhecida e respeitada a corporação a que pertenço.
Mas aqui não sou oficial de marinha, sou Deputado, e como Deputado tenho o
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dever de analisar os prós e contras desta projectada viagem.
Assim, embora possam algumas almas não compreender a sinceridade da minha alma, e possam incluir-me no grupo que os jornais proclamam de vistas curtas, devo dizer que não ficaria bem com a minha consciência se, nesta casa do Parlamento, não dissesse aquilo que se me afigura justo e razoável a propósito da nova viagem.
Sr. Presidente: vou ver se consigo ser claro, dizendo à Câmara que, por patriotismo dou a minha adesão inteira ao raid de circunnavegação séria.
Mas ouço falar muito em sacrifícios do povo, nos sentimentos do Govêrno e de todas as corporações. Porém, nem sempre vejo que os esforços empregados, os cuidados manifestados por todos êsses poderes correspondam duma maneira absoluta àqueles que apoiam a viagem de circunnavegação.
Como Deputado, porém, tenho o dever de chamar a atenção do Parlamento para que, de ânimo leve, não intentemos tal emprêsa sem se saber ao certo como se conseguem as receitas para a sua realização.
Necessário, se torna saber se nós com isso não iremos dar um golpe mortal na marinha de guerra portuguesa, tanto mais dada a situação vergonhosa em que ela se encontra, e que eu não sei onde chegará, se ela continuar a ser desprovida dos meios materiais que necessita para corresponder à confiança da nação e do País.
Sr. Presidente: eu devo dizer a V. Ex.ª que a viagem à volta do mundo vai ser muito interessante, dando-lhe por isso o meu apoio e o meu voto, desejando que ela se realize com pleno êxito, mas também devo dizer a V. Ex.ªs que não estou disposto a dar o meu voto desde que não tenha a certeza que ela não vai prejudicar a nossa marinha de guerra, desde que não tenha a certeza de que ela não vai tirar do orçamento da Marinha as pequenas verbas que lá se encontram i ara a manutenção do pouco material naval que temos, conservação de máquinas, caldeiras, cascos, etc.
De outra forma não estou disposto a dar o meu voto, pois a verdade é que a marinha de guerra portuguesa está em
condições tais, que não chega a ter dinheiro para comprar sabão para as praças se lavarem, nem dinheiro para os seus fardamentos, o que se torna absolutamente necessário, a fim de que essas praças se possam apresentar na rua, decentemente como é preciso.
Eu, Sr. Presidente, sou por temperamento entusiasta por tudo aquilo que é grande, belo e audacioso, mas, Sr. Presidente, ao mesmo tempo sôbre a viagem à volta do mundo eu devo dizer na verdade que a aviação marítima não tem por emquanto função militar designada, não querendo com isto dizer, Sr. Presidente, que isso se deve à falta dê competência dos seus oficiais.
Não, Sr. Presidente, pois a verdade é que o valor e o conhecimento dos seus oficiais já foi demasiadamente demonstrado pela viagem ao Brasil.
Sr. Presidente: a viagem à volta do mundo que se vai efectuar, e que eu desejarei que tenha o melhor êxito, e muito interessante, mas necessário é que as cousas sejam tratadas com aquele amor e a verdade que se impõe a todos aqueles que tratam do assuntos do maior interêsse nacional.
Assim, Sr. Presidente, se é certo que essa viagem vai ser muito interessante, não é menos certo que para mina ela, sob o ponto de vista técnico, não é nada do que foi a viagem ao Brasil.
Eu devo dizer, Sr. Presidente, em abono da verdade, que a viagem à volta do mundo, sob o ponto de vista técnico, tem. muito pouco de interessante, por isso que os processos de Gago Coutinho não necessitam de confirmação, mas sim de divulgação, pois a verdade é que os processos de navegação aérea são rigorosos, e bem conhecidos, necessitando apenas de divulgação, divulgação essa que nos compete a nós fazê-la a dentro do nosso país.
Sob o ponto de vista scientífico, esta viagem, pelo relatório que vi nos jornais, apresentado pelo Sr. Sacadura Cabral, visto que o Sr. Ministro da Marinha, ao contrário do que nos havia prometido, nada trouxe ao Parlamento sôbre o assunto, terá só uma parte interessante, o percurso da Terra Nova aos Açores, que no emtanto fica muito longe do que representou a viagem de Cabo Verde aos Pene-
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dos, pois a verdade é que a viagem de Cabo Verde aos Penedos é muito maior do que a de Terra Nova aos Açores.
A viagem, Sr. Presidente, que se vai lazer, a meu ver não se pode comparar com a do Brasil, visto que é menor a quantidade de milhas que há a percorrer de pôrto a pôrto, isto segundo eu tive ocasião de ver pelos relatórios publicados nos jornais e portanto, repito, sob êste ponto de vista esta viagem não consegue sobrelevar a outra.
Parece-me que não ficará mal analisar as trajectórias que já muitas vezes têm sido feitas.
Algumas delas como Londres à Índia, já têm sido percorridas por outros aviadores e por forma que não podem ser excedidas.
Sob o ponto de vista económico e de se estabelecerem carreiras para o Oriente, essas carreiras, que já estão estudadas, nós não as podemos fazer.
Sob outro aspecto, para mostrar ao mundo a superioridade dos nossos aviões, eu direi que em Portugal não se faz nem um parafuso para aviões.
Resta-me analisar o empreendimento sob o ponto de vista histórico, incontestavelmente de muito valor. Será mais um feito a acrescentar à História de Portugal, mas, depois do raid Lisboa-Rio de Janeiro, tudo é inferior.
Há cinco grupos que tencionam dar a volta ao mundo e eu pregunto se algum Govêrno subvenciona qualquer dêsses grupos.
Não me consta.
Êles vão à custa das casas construtoras, para reclame ao seu material.
A Inglaterra, nação rica, e a França, não dão subsídio para essas viagens.
Na América são subsidiadas por uma emprêsa jornalística.
Sr. Presidente: aqui tem V. Ex.ª em poucas palavras, duma maneira chamas claramente, a análise que eu me permiti fazer sôbre êste assunto.
E natural que por ter feito esta análise, sôbre mim chovam as más vontades e antipatias de muitas ou poucas pessoas, mas isso não é cousa que me incomode, quando penso que acima de tudo está o cumprimento do meu dever, e o meu dever diz-me que eu como Deputado da nação, devo pronunciar-me sincera e conscientemente sôbre os assuntos em que intervenha.
Mas nas minhas palavras, repito, não vai nenhuma má vontade para a execução do raid; dou-lhe até o meu apoio, mas em determinadas condições, e uma delas é ter a certeza que a Marinha de Guerra não vai ser prejudicada por sua causa, isto é: que as viagens de instrução que se não têm feito por falta de verba, que os exercícios de material que se não têm feito desde que acabou a divisão naval por falta de verba também, agora que há verba para isso não deixem de realizar-se, por essa verba ser desviada para o raid.
Porque de duas uma: ou o Ministério da Marinha tem dinheiro ou não.
Se tem ponha os navios a navegar para instrução do pessoal, para exercícios de artilharia e lançamento de torpedos, que não se fazem há muito; se não tem não se compreende que subsidie o raid.
Mas não se diga, como é costume em Portugal, que há dinheiro para tudo e depois as cousas comecem a falhar!...
Então, nós Deputados da nação temos de entrar noutro caminho que é vir aqui pedir contas a quem superintende nos serviços de marinha, pela situação em que êles se encontram actualmente.
Sr. Presidente: desejo que de tudo isto que eu disse resulte esta opinião: é que o raid. é muito interessante e lhe dou o meu apoio, mas deve ser feito com todo o dinheiro menos com aquele que é destinado ao exercício e preparação do pessoal e à conservação do material de marinha; menos com aquele que os serviços de marinha necessitam para adquirirem camas para os doentes que vão para o Hospital da Marinha que as não têm, e remos para os barcos da Escola do Alfeite que os não tem para os marinheiros remar.
Assim está certo!
Mas se eu me convencer que a Marinha de Guerra vai ficar sem aquelas verbas de que necessita, eu terei esta coragem moral que nunca me abandona de ir contra a opinião de todos que querem que o raid se faça, negando-lhe o meu voto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Marinha (Vítor Hugo de Azevedo Coutinho): — Sr. Presidente: desejo em primeiro lugar, associar-me em
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nome do Govêrno, aos termos da moção enviada para a Mesa pelo ilustre Deputado Sr. Jaime de Sousa.
Em segundo lugar, aproveito o ensejo para responder a algumas considerações produzidas pelo ilustre Deputado Sr. Agatão Lança, acêrca de despesas da Marinha.
Se bem que o assunto não seja pròpriamente da ordem, em todo o caso não quero deixar as palavras de S. Ex.ª sem a devida resposta.
Sr. Presidente: é costume dizer-se que o «óptimo é inimigo do bom».
Diz-se que não há programa naval, diz-se que não há navios, mas o apoio dado por um navio tripulado por marinheiros da armada, custa segundo os cálculos do comandante Sacadura Cabral, 16:500 libras, ao passo que a construção ou compra de um simples destroyer de 1:000 toneladas, custa 20:000 libras.
Basta isto para S. Ex.ªs apreciarem o que representa um programa naval, por menor que seja.
A não ser que S. Ex.ªs o queiram apenas no papel.
Os programas navais, fazem-se quando há dinheiro e não na situação crítica que. o país atravessa.
Mas referiu-se o Sr. Agatão Lança às faltas que se têm notado nos serviços de marinha e atribuiu essas deficiências à despesa feita com o raid de aviação ultimamente feito...
O Sr. Agatão Lança: — Perdão! Eu não atribuí ao raid, mas às diferenças do Orçamento.
O Orador: — Mas V. Ex.ª entrou na discussão do orçamento e deu-lhe o seu apoio!?
O Sr. Agatão Lança: — Mas eu dei o meu apoio às verbas orçamentais na impossibilidade de propor mais, o que me não era consentido pela lei travão.
O Orador: — Se V. Ex.ª se quoixa do Parlamento e não do Ministro, então nada tenho com isso!
Falou ainda V. Ex.ª em subvencionar.
Devo dizer que tive todo o cuidado em mostrar à Câmara que havia uma grande
diferença entre o raid Rio de Janeiro e a viagem de circunnavegação.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo): — V. Ex.ª pode dizer-me se o relatório está assinado pelo. Sr. Gago Coutinho?
O Orador: — Não tenho aqui o relatório, mas o Sr. Gago Coutinho ofereceu-se para fazer no Brasil, a propaganda da viagem.
Espero que a nação pelos meios directos possa suprir as deficiências do Tesouro.
Eu disse que se não se fizer a cooperação com o Brasil, ter-se há de dar um navio de apoio, que pode ser um dos que estão fazendo o cruzeiro dos Açores.
Não é S. Ex.ª justo quando diz que os navios não navegam, porque S. Ex.ª sabe que a minha política tem sido exactamente o contrário.
A questão está posta; o Parlamento a resolverá.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva:. — Sr. Presidente: já em nome dêste lado da Câmara o meu prezado amigo Sr. Cancela de Abreu, com o cuidado que sempre põe nas suas palavras, depois de ter conversado com todos nós, declarou o que a Câmara ouviu.
Num momento como aquele que o país atravessa, nunca é de mais, trate-se do que se tratar, para que as responsabilidades fiquem bem definidas, fixar bem os pontos da colaboração exigidos.
Já o Sr. Cancela de Abreu, frisou bem quanto de lacónicas tinham as palavras do Sr. Ministro da Marinha.
O Sr. Leote do Rêgo: — Frisou que se tratava de um empreendimento patriótico e frisou ainda que o Estado não despenderia mais do que estava estipulado.
O Sr. Ministro da Marinha (Vítor Hugo de Azevedo Coutinho) (interrompendo): — Eu já disse à Câmara quais as condições em que o Estado colabora nessa viagem.
O Orador: — O que é necessário é que as responsabilidades fiquem bem definidas.
Desejava também saber se se trata de uma viagem empreendida pelos dois avia-
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dores, ou só pelo comandante Sacadura, isto sem a mais leve sombra de desprimor para ninguém.
Sr. Presidente: gostava, repito, que o Sr. Ministro da Marinha me informasse se na viagem toma parte também o almirante Gago Coutinho, ou se apenas o comandante Sacadura Cabral, como já ouvi nesta Câmara.
O Sr. Ministro da Marinha (em àparte): — O almirante Gago Coutinho ofereceu-se para fazer a propaganda.
O Orador: — Muito bem.
Êle ofereceu-se para fazer á propaganda, mas não na a certeza se êle toma ou não parte na viagem.
É bom que êste ponto fique frisado, porquanto, apesar de nesta Câmara se dizer o contrário, lá fora afirma-se que êle não toma parte na viagem.
Sr. Presidente: exposta assim a nossa maneira de ver, só podemos votar a proposta do Sr. Jaime de Sousa, desde que ela represente apenas uma saudação aos dois grandes portugueses, que são Gago Coutinho e Sacadura Cabral, e uma exortação ao país para que êle contribua para êsse grande empreendimento, e nunca para que a viagem se realizo em condições diferentes daquelas que foram apresentadas pelo Sr. Ministro da Marinha.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovada a moção apresentada pelo Sr. Jaime de Sousa.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar, para a Mesa uma proposta de lei, tendente a regularizar os impostos já estabelecidos por decreto, a favor da Junta Autónoma de Aveiro, para a qual peço a urgência.
Foi aprovada a urgência para a proposta do Sr. Ministro do Comércio, e seguidamente a acta, bem como o requerimento do Sr. Sá Pereira, para que o relatório que precede o seu projecto, seja publicado no «Diário do Govêrno».
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Não está mais ninguém inscrito sôbre o parecer n.º 302.
O Sr. Carlos Pereira: — Peço a palavra sôbre a ordem.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: nos termos regimentais, vou mandar para a Mesa a minha moção, que peço licença para ler.
É a seguinte:
A Câmara dos Deputados entende que primeiro, e antes de qualquer modificação a autorizar nos contratos legalmente celebrados com a Companhia dos Tabacos e dentro dos respectivos prazos, respeitantes ao monopólio que ela explora, necessário se torna a anulação prévia, simples do fácil, confuso e ilegal decreto n.º 4:510, de 27 de Junho de 1918 e das escandalosas instruções regulamentares que o completam e ampliam, diplomas, êstes írritos e nulos por inconstitucionais e que definem a moral e os escrúpulos da época em que foram publicados, e consequentemente a entrada nos cofres do Estado das somas indevidamente arrecadadas pela Companhia à sombra daqueles diplomas e suas habilidosas interpretações, e passa à ordem do dia.
20 de Junho de 1923. — Carlos Pereira.
Sr. Presidente: a questão dava azo a longas considerações, mas não quero roubar tempo à Câmara, e antes quero salvaguardar, para não dizer salvar, a assinatura que pus no parecer em discussão.
Entendo que só a poderia salvar pela forma por que o faço, mandando para a Mesa uma proposta que traduz o meu pensar, a respeito do parecer em discussão.
Sr. Presidente: a Câmara conhece sobejamente as disposições do decreto n.º 4:510 e as suas instruções regulamentares, pelo que a Companhia dos Tabacos se permitiu atribuir e lançar à conta do Estado somas fabulosas.
Mas as disposições regulamentares são mais amplas ainda, porque deram o efeito retroactivo a um direito que só se adquiriria à data do referido decreto.
Assim, a Companhia permitiu-se lançar à conta de «sôbre-encargos» tudo quanto
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entendeu, nos períodos de 1915-1916, e mal irá para o Govêrno e para o país, se neste momento em que se pensa alterar o contrato, se vão tomar como base diplomas inconstitucionais, que de há muito deviam ter sido anulados.
Sr. Presidente: todavia não basta a anulação pura e simples.
E necessário que se vá até às últimas conclusões e que se tirem as consequências lógicas dessa anulação, as quais, são fazer entrar nos cofres do Estado todos aqueles sôbre-encargos que a Companhia se permitiu atribuir ao Estado.
E porque o parecer n.º 302 consigna o direito de renúncia, por parte da Companhia, acho perigoso que se esteja a sancionar esta disposição, tanto mais que se é certo que por êste documento o Estado tem direito a 300 contos anuais, provenientes das novas marcas e aumento das já existentes, não é menos verdadeiro que a Companhia se obriga, com os seus próprios recursos, a perfazer aquela importância, caso o aumento não atinja aquela verba.
Eu digo parece-me, porque as monstruosidades do decreto n.º 4:510, e suas instruções, são tais que eu tenho o direito de duvidar da boa fé com que foram publicados êsses diplomas.
Tenho direito e razão bastantes para acreditar que êles visavam a fins inconfessáveis e a prender mais o Estado ao contracto dos Tabacos.
Não vamos nós agora de ânimo leve transigir com a Companhia dos Tabacos, reconhecendo como direitos aquilo que não tem essa significação e que a Companhia aproveitou para fazer as contas dos sôbre-encargos, com uma taxa de 6 por cento.
Eu quando vi as interpretações que essa companhia dava ao referido decreto, e que variavam dia a dia, e através das quais não era fácil descobrir o que havia de ardiloso, entendi que só tínhamos que fazer de duas cousas uma: ou não tratarmos com a Companhia dos Tabacos e anularmos o decreto n.º 4:510, reconhecendo-o insubsistente e por todos os meios fazermos entrar nos cofres do Estado as quantias que deviam entrar à sombra dessas disposições, ou então chegarmos às conclusões úteis e únicas que homens honestos e de bem podem admitir.
Não queremos mais nada que êsse mínimo de 300 contos, num quantitativo ouro.
Não é porque isso venha desafogar o Estado.
Será porém a altura de dizer aos senhores das finanças que demais têm servido o País para pasto das suas conveniências, e que não há lei nenhuma que autorize que essa quantia não seja entregue, cuja importância é de 170:000 contos.
Haja a coragem de ir contra essa companhia, fazendo com que o dinheiro entre nos cofres do Estado, mas entre depressa.
E para isso que o Estado tem o direito privado de ir contra os latrocínios, podendo tomar uma medida que obrigue êsse dinheiro a entrar nos cofres do Estado.
Para isso nas cadeiras do Govêrno deve sentar-se um Ministro e não um homem de expedientes, e se falo assim não é porque tenha dúvidas da acção do Sr. Ministro das Finanças, mas porque sinto que a S. Ex.ª lhe falta aquela decisão que é necessária para tratar com certos cavalheiros.
Pois não sabemos nós que, tendo sido roubado um Banco, na sua assemblea geral se disse que o Banco nada perderia, porque o Estado havia de entrar com o dinheiro?
Que importa que êsse Banco fôsse emissor?
É necessário que êles não julguem que são, donos de tudo isto.
É por isso que eu peço para a Companhia dos Tabacos aquele rigor necessário, para que à sombra de disposições ilegais essa Companhia não receba benefícios que prejudiquem o Estado, e para que não suceda o mesmo que sucedeu com o Banco Ultramarino, que dá lugar a preguntar quem é que foi roubado, se foi o Estado ou o dito Banco.
E necessário que o País saiba que tem o que se chama um Ministro das Finanças, e que para o futuro o País conte que há em Portugal ministros capazes de zelar os dinheiros públicos, e quando se tem dito que o Estado tem fornecido centenas de contos a determinadas entidades, é necessário que tendo sido, como se diz, coberto o empréstimo nacional,
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êsse dinheiro fornecido não fique esquecido.
Tenho confiança no Sr. Ministro das Finanças, mas é necessário também energia.
No emtanto digo a S. Ex.ª que estas questões não são para se resolver com pareceres dos mil técnicos que enxameiam os Ministérios e repartições públicas; estas questões resolvem-se pela decisão enérgica e pela inteira responsabilidade assumida por um homem que quis ser Ministro.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): — Sr. Presidente: respondendo às considerações apresentadas pelo Sr. Carlos Pereira, devo repetir mais uma vez que não tenho uma simpatia de maior pela proposta que apresentei à Câmara para salvaguardar, tanto quanto possível, os interêsses do Estado nesta questão dos tabacos.
Como já tive ocasião de dizer, considero esta questão uma questão aberta, desejando apenas chamar a atenção da Câmara para o facto de não podermos ir impor tudo quanto resolvamos à outra parte contratante.
Parecerá talvez estranho que, dizendo eu que não tenho uma demasiada simpatia por esta maneira de resolver o assunto, venha apresentar esta proposta; o motivo é porque eu tinha de atender não só ao que estava feito mas ainda às negociações anteriormente entabuladas por vários Ministros que me antecederam nesta pasta.
Entendo também que nas negociações e nos compromissos que o Estado toma não deve haver solução de continuidade, porque muitas vezes por ter havido essa solução de continuidade é que grandes males têm vindo para o País.
A Câmara sabe muito bem á história desta proposta; iniciou-se ela pela apresentação dum projecto da autoria do então Ministro das Finanças Sr. Cunha Leal, apresentado em 27 de Janeiro de 1921, em que apenas num artigo se autorizava o Govêrno a negociar um acôrdo com a Companhia dos Tabacos de Portugal.
Esta proposta, que foi discutida nesta casa do Parlamento e que mereceu a
aprovação da Câmara dos Deputados, foi enviada ao Senado, onde ficou pendente da» discussão, tendo na Câmara dos Deputados sido acrescida de dois parágrafos.
Devo dizer, e isto sem desprimor para os nossos colegas que nesse tempo faziam parte desta Câmara, que êsse assunto não foi estudado com aquele cuidado, com aquela atenção que requeria uma questão de tanta importância e de tanta gravidade para o País.
Mais tarde, em 7 de Julho de 1922, apresentava o meu ilustre antecessor Sr. Portugal Durão uma nova proposta em que o artigo 1.º era constituído pela proposta apresentada em 1921 pelo Sr. Cunha Leal para elevar o mínimo de 4:000 contos para 5:000 contos, o que era uma consequência natural dum melhor estudo feito sôbre as possibilidades da Companhia.
Efectivamente fixa-se uma quantia muito menor do que aquela que nas condições actuais se poderia exigir, porque, tendo nós a esperança de que a moeda se há-de valorizar, queremos contudo deixar, para maior valorização do contrato futuro, a renda aumentada duma quantia que seja de certa importância.
Fixou-se, portanto, êste mínimo de 6:000 contos, porque se entende que mesmo numa modificação grande da nossa economia a Companhia pode ficar pagando, além da renda actual, mais esta renda de 6:000 contos.
O que é fora de dúvida é que em quanto atravessarmos a situação grave que atravessamos esta quantia terá de ser muitíssimo mais elevada, porque seria quási grotesco e ficaria muito mal a qualquer Ministro vir com uma proposta em que quisesse fixar uma quantia de 6:000 contos para fazer face aos encargos tam grandes como são aqueles que o Estado está tendo com o contrato dos tabacos.
Mas, Sr. Presidente, dizia eu que na proposta apresentada em 1922 pelo Ministro de então, Sr. Portugal Durão, um novo artigo apareceu.
Como já tive ocasião de dizer, êsse artigo, na verdade, reconhecia direitos que o Estado nunca devia ter reconhecido.
Em face desta proposta foi apresentado o parecer da comissão de finanças que uma tam grande discussão teve nesta casa
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do Parlamento, e embora não possa deixar de considerar as afirmações que então foram feitas de que mais uma vez se iria amarrar o Estado à obrigação de assumir os encargos resultantes da aprovação do decreto n.º 4:510, devo dizer, contudo, que não podemos deixar de fazer a devida justiça à comissão porque alguma cousa de benéfico procurou fazer.
Foi êste o estado em que encontrei a questão.
Depois da discussão levantada no Parlamento a propósito do projecto anterior, cheguei à conclusão do que não foram devidamente salvaguardados e defendidos os interêsses do Estado. Procurei tratar de substituir aqueles princípios, mas para isso precisava de trazer à Câmara alguma cousa de útil para o Estado e não apenas de organizar uma nova proposta, visto que o que temos de fazer é um contrato, sendo,, por tanto, necessário antes demais nada, chegar a acôrdo com a outra parte contratante.
Estar aqui a votar umas disposições que a outra parte não esteja disposta a aceitar é o mesmo que nada fazer. Principiei então os necessários trabalhos e não digo que tivesse conseguido tanto como desejaria, mas posso garantir à Câmara que bastantes horas consumi no estudo do problema, tendo sido em elevado número as conversas e debates para tal fim realizados.
A redacção desta proposta — sei-o bem — não é perfeita, mas parece-me que todos farão a justiça de a julgar superior a todas que anteriormente foram apresentadas.
Não posso ter grande simpatia pela proposta e, se fôsse eu quem iniciou as negociações, o critério seguido teria sido outro.
Há pouco tempo a Companhia dos Fósforos apresentou-se perante o Govêrno a dizer que não podia manter a sua situação actual, precisando de um aumento de preços, e sabe V. Ex.ª qual foi a resposta que dei e que me parece estar já aceita?
Foi que se tratava de um assunto a estudar, mas debaixo desta fórmula rígida de que, aumentando os preços, aumentaria proporcionalmente a renda para o Estado.
Apoiados.
Era isto o que se devia ter feito quanto aos tabacos, mas para isso era preciso que não existisse o decreto n.º 4:510 e que nas negociações anteriores — isto sem desprimor para ninguém, porque todos tiveram em mim defender os interêsses do Estado — se não tivesse adoptado a orientação que se adoptou, porque, como já disse, não podemos ter uma solução de continuidade nas negociações, para prestígio do Poder Executivo, tanto mais que há sempre o Poder Legislativo para apontar quaisquer erros, tendo a Câmara inteira liberdade para se pronunciar, assim como os meus próprios correligionários, pois que não faço dêste assunto questão política, apenas apelando para o patriotismo de todos a fim de que, todos concorrendo com a sua boa vontade, com a sua inteligência e com os seus conhecimentos, a proposta seja tanto quanto possível aperfeiçoada de modo a conseguirmos para o país os benefícios que são absolutamente indispensáveis.
Parece, na verdade, que a primeira cousa que devíamos procurar conseguir era a anulação do decreto n.º 4:010. Tal, porém, não é fácil, pois que sôbre êle foi elaborado um contrato entre o Estado e a companhia e mal iríamos se deixasse-mos de cumprir os contratos que o Estado realize.
O que devemos é pedir as responsabilidades àqueles que porventura mal andaram, mas o Estado não pode de forma nenhuma deixar de cumprir aquilo a que por contratos se obrigou.
A questão dos sobreencargos não está taxativamente posta.
Felizmente assim acontece e eu entendo que a Câmara ainda pode discutir, pôsto que nada há que diga que êsses sobreencargos vão à conta do Estado, embora a tal se tenha referido em troca de correspondência. Em todo o caso não deixo de ter receio de que tenhamos de ir, por último, para algum tribunal arbitral, porque, infelizmente, quási sempre que o Estado é parte em algum julgamento se chega à conclusão de que a razão não está do seu lado. Assim, desde que se levantaram estas dúvidas, parece-me que não é de maneira nenhuma perigoso o estabelecer o que se acha disposto no artigo 2.º sôbre a renúncia do artigo
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Sabe V. Ex.ª que no parecer apenas se propunha a renúncia do § 2.º. Talvez mal ou bem, quando comecei a estudar a questão, afigurou-se-me, que o § 1.º era tanto ou mais perigoso do que o § 2.º
Há, no emtanto, na Câmara muitos jurisconsultos distintos que certamente poderão ver essa questão com maior clareza do que eu quanto aos seus resultados.
1 Acusou-me o Sr. Carlos Pereira de falta de decisão em determinadas questões, mas parece-me que delas não tenho de me justificar porque, por acaso, nestas questões a que S. Ex.ª se referiu 0u não tive senão aquela cota parte de responsabilidade que me pertencia por fazer parte do Govêrno.
Estou absolutamente de acôrdo com o ilustre Deputado, Sr. Carlos Pereira, porque efectivamente de forma alguma pode admitir-se a teoria do Banco Nacional Ultramarino.
O dever de qualquer Banco, ao ser-lhe apresentado um cheque, é de conferir a assinatura, confrontando-a com a assinatura que está inscrita nos documentos do depósito.
Pela legislação em vigor, eu, como Ministro das Finanças, nada tenho com os Bancos, que estão sob a fiscalização da Direcção Geral do Comércio.
A legislação bancária está muito antiquada, e eu tenciono, de acôrdo com o Sr. Ministro do Comércio, trazer ao Parlamento uma proposta de lei, regulamentando êste assunto, a fim de que, à semelhança do que se faz lá fora, a fiscalização do Estado sôbre os Bancos possa fazer-se com. resultado.
Não faz sentido que a bolsa de câmbios esteja dependente dum Ministério que não seja o das Finanças, por isso que é directamente ao Ministro das Finanças que o seu funcionamento interessa.
Creio que toda a Câmara está de acôrdo comigo neste ponto.
Existe uma necessidade grande de remodelar e reformar êsses serviços, modernizando-os de harmonia com os processos actualmente empregados no estrangeiro.
Não se compreende que estejam hoje num regime muito diverso os Bancos e as casas bancárias.
Efectivamente, como a Câmara sabe, as casas bancárias estão apenas sujeitas à legislação que rege as sociedades anónimas, sem que o Estado tenha o direito de fiscalizar as suas escritas, e a verdade é que as suas transacções são perfeitamente idênticas às dos Bancos.
Quanto à questão das libras dos Bancos, devo declarar à Câmara que tendo uma interpelação anunciada pelo Sr. Paiva Gomes a êsse respeito, brevemente quando para ela estiver habilitado — pois os negócios da minha pasta absorvem-me muito tempo — êste assunto será debatido largamente.
Esta questão é deveras delicada, e então é que terão de intervir os jurisconsultos, estabelecendo doutrinas.
De resto, eu não queria trazer êste assunto à discussão, sem estar presente o Sr. Cunha Leal, a fim de que S. Ex.ª pudesse dizer da sua justiça, embora esteja convencido de que S. Ex.ª não discorda do meu despacho.
Êste caso tem sido muito debatido.
Não há dúvida de que há pessoas da maior autoridade jurídica que dizem que a dívida das libras em sterlino se mantém, mas outras pessoas afirmam que o sterlino se refere pròpriamente, não ao capital, mas sim ao juro.
A êste respeito levantaram-se dúvidas no espírito do então Ministro das Finanças, Sr. Portugal Durão, pelo que consultou o Conselho Superior de Finanças, o qual respondeu a essa consulta determinando a forma de liquidar o assunto.
Essa questão foi levantada no Parlamento.
Em Conselho de Ministros, já se haviam levantado dúvidas sôbre se era de aceitar a solução indicada pelo Conselho Superior de Finanças.
Desde que fora o Sr. Cunha Leal quem, como Ministro, dera o respectivo despacho, entendi que se deveria aguardar o seu regresso à Câmara, para se tratar do assunto.
Mas a verdade é que não podemos esperar indefinidamente e, portanto tenho de dar-me habilitado para a interpelação.
Assentaremos então no melhor caminho a seguir.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Morais Carvalho: — Começo por enviar para a Mesa a minha
Moção
A Câmara, reconhecendo que as bases apresentadas para o modus vivendi com a Companhia dos Tabacos não salvaguardam devidamente os interêsses do Estado e que é absolutamente indispensável que o Govêrno traga ao Parlamento, não apenas bases vagas, mas os termos definitivos, na íntegra, dêsse modus vivendi, passa à ordem do dia.
20 de Junho de 1923. — Morais Carvalho.
Antes de entrar pròpriamente na defesa da matéria da moção que mando para a Mesa, permita-se-me que eu repita aquilo que disse da última vez que usei da palavra sôbre o assunto.
Eu lastimo que um assunto com a importância extraordinária que êste tem, seja discutido nessa Câmara, sem a presença dos representantes do Partido Nacionalista, entre os quais figura o Sr. Ferreira de Mira, que abriu a discussão em termos que denotam ter S. Ex.ª feito um estudo, profundo sôbre o que convinha fazer respeitantemente ao contrato dos tabacos.
Chega-me hoje a palavra depois de ter ouvido dois ilustres membros da maioria da Câmara, é foi com espanto que eu vi que nas moções que S. Ex.ªs enviaram para a Mesa se continha matéria que indirectamente condena a proposta do Sr. Ministro das finanças.
Afirmam essas moções que a primeira cousa a fazer é declarar a inconstitucionalidade do decreto n.º 4:510, de 1918, e no emtanto a proposta do Sr. Ministro baseia-se nesse mesmo decreto.
É portanto lícito que eu como Deputado da oposição, manifeste a minha estranheza pelo facto de essas moções, únicas até agora apresentadas pela maioria, envolverem a. condenação absoluta da proposta do Sr. Ministro.
É um cheque da maioria ao Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Jaime de Sousa: — Não apoiado.
O Orador: — O Sr. Jaime de Sousa diz «não apoiado», mas S. Ex.ª não pode negar que na sua moção sustenta a inconstitucionalidade dêsse decreto.
Apresenta na sua moção a idoa de que-a Câmara deve rejeitar inlimine as disposições do decreto de 1918 e acrescenta, que a Câmara, dá o seu voto à proposta, do Sr. Ministro das Finanças, porque ela. vai ao encontro da sua aspiração.
Não é assim.
A proposta não vai ao encontro dessa aspiração.
O Sr. Jaime de Sousa: — Eu preconizo na minha moção a revogação do decreto n.º 4:510, mas compreendo que um decreto que tem tido larga aplicação não pode ser revogado por n m traço de pena.
O Orador: — O facto de um decreto estar em vigor durante um, dois ou mais anos, não é impedimento para que, a partir de certa altura, possa ser revogado;
Sr. Presidente: esta discussão da questão dos tabacos é feita tam intervalada, e feita tam de longe em longe que só por incidente e acaso é que ontem e hoje êsse assunto foi discutido em sessões seguidas.
Chega quási a ser um escândalo êste assunto ser tratado em duas sessões seguidas.
Esta discussão tem sido tam espaçada que é difícil ter presente tudo aquilo que por vários oradores foi trazido ao debate, no emtanto, algumas considerações foram feitas de que tomei nota porque me feriram mais particularmente e quê merecem algumas considerações da minha parte.
Disse, por exemplo, o Sr. relator, num dos dias em que usou da palavra, a propósito da acusação que fora feita aos termos infelizes por que a comissão de finanças relatara a proposta ministerial que isso não tinha importância de maior porque o parecer de qualquer comissão nunca poderia servir para interpretação de qualquer lei.
Não, Sr. Presidente, não é bem assim; para a interpretação das leis servem de facto quaisquer elementos.
Em todos os tempos a discussão parlamentar, os relatórios dos Ministros e das comissões, foram dos melhores elementos para se ajuizar do espírito de uma determinada lei.
O Sr. Correia Gomes: — V. Ex.ª dá-me licença?
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Embora eu esteja há pouco tempo nesta Câmara devo contudo dizer que nunca percebi que de facto os relatórios ou pareceres das comissões tivessem servido para interpretação das leis.
Nunca vi nada que me pudesse dar a certeza de que o relatório de qualquer comissão pudesse servir para se interpretar uma lei.
O Orador: — Desculpe-me V. Ex.ª que lhe diga que está em êrro. Contarei até a V. Ex.ª o que se dava, por exemplo, no tempo em que frequentei a Universidade de Coimbra.
Como elementos de interpretação do Código Comercial de 1888 eram distribuídos aos- alunos de Direito, e como tal foram-mo distribuídos igualmente, não só o texto do projecto ministerial, mas as alterações introduzidas por uma e outra casa do Parlamento, os relatórios das comissões e até a própria discussão parlamentar.
Creia S. Ex.ª que argumentos tirados dos textos dos projectos primitivos, das propostas, das contra-propostas, da própria discussão parlamentar, tudo isso são elementos auxiliares para a interpretação de qualquer lei.
Para a interpretação das leis quantas vezes se invoca uma discussão, uma resposta do autor da lei a uma determinada pregunta, etc.; e daí a necessidade de os pareceres serem sempre feitos com todo o cuidado para evitar que dêles se tirem argumentos contra os interêsses do Estado.
Sr. Presidente: uma outra afirmação feita pelo Sr. relator num dos seus discursos foi a de que a comissão de finanças quando elaborou- o seu parecer não tinha os elementos completos sôbre o assunto.
É, realmente, esta uma confissão muito melindrosa, e eu lastimo que a comissão tivesse querido dar o seu parecer sem ter todos os elementos necessários para tal, e lastimo mais que até êste momento os elementos que são necessários p"ra informar a Câmara no seu voto sôbre a questão dos tabacos, não tivessem sido ainda trazidos à discussão.
Relatórios da companhia, sentenças dos tribunais arbitrais, preguntas que a Companhia tem dirigido ao Govêrno e respostas que êste lhe tem dado, tudo isso é de lamentar que não tenha vindo ainda ao conhecimento da Câmara.
O Sr. Correia Gomes: — V. Ex.ª dá-me licença?
Há equívoco da parte de V. Ex.ª
O que eu afirmei foi que a comissão de finanças não foi á entidade que foi tratar com a outra com quem o Estado deve fazer o contrato, o que ela aceitaria ou, não.
O que LI comissão de finanças procurou fazer foi estabelecer determinados pontos para que na manufactura do contrato ou modus vivendi, êles não deixassem de ser defendidos a favor do Estado.
De resto, V. Ex.ª sabe muito bem que não é à comissão de finanças que compete fazer o contrato; simplesmente lhe compete apreciar a proposta ministerial.
O Orador: — Mas quem tem de elucidar a Câmara é a comissão, e é por isso que a Câmara elege as suas comissões.
O Sr. Correia Gomes: — A comissão, porém, não tem nada que trazer à Câmara relatórios da companhia, porque nada tem com a companhia. V. Ex.ª sabe que as relações do Estado com a companhia são apenas sôbre pontos restritos.
O resto é da vida íntima da companhia!
O Orador: — Nós estamos, realmente, acostumados a ver pareceres nessas condições, mas é lamentável que isso se dê.
Tenho seguido ultimamente os relatórios das comissões de finanças francesas, e é lastimável fazer o confronto entre o que se faz em França e o que aqui se faz.
A minúcia, os dados que ali se oferecem à Câmara, em confronto com a miséria dos esclarecimentos que entre nós se costuma dar, è espantosa.
Se a missão das comissões não é elucidar a Câmara, então essas comissões não servem para nada.
Eu não desejo demorar-me em pormenores e questões secundárias: desejo apenas dizer, o mais ràpidamente possível, sôbre o assunto quais os pontos principais de discordância, o que me leva a não poder dar o meu voto à proposta do Sr. Ministro das Finanças.
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Qual é a situação actual?
Temos um contrato feito em 1906 que irá até 30 de Abril de 1926, contrato modificado pelo decreto ditatorial de 1918.
Nos termos dêste decreto e nos termos do decreto de 1918 a situação é esta: a companhia criou uma conta do sobreencargos, que em 3 de Abril do ano passado se elevava, peles cálculos dela, a 25:000 contos, que não sei em quanto estará êste ano, e que nem sequer calculo em quanto poderá estar em 1926, se o contrato de 1906 continuar em vigor com as alterações introduzidas em 1918.
Sucede naturalmente que a companhia vem reclamar do. Estado o saldo dessa conta de sobreencargos.
Não quero agora estar a repetir o que já tenho dito e que de uma maneira geral é o seguinte: tendo-se modificado em consequência do estado de guerra as condições dó fabrico, a companhia deverá lançar à parte as despesas a mais provenientes dêsse desequilíbrio. Dêste modo elevaram-se não sei a quantos contos as despesas do exercício de. 1914-1915.
Essa despesa especial tcvo uma conta especial; para fazer face a êsses encargos foi autorizado o aumento dos preços em mais 50 por cento.
O produto era destinado 1/3 Para o Estado e 2/3 para os encargos. Não têm chegado êstes 2/3 para fazer faço aos encargos industriais.
Por isso se faz agora êste modus vivendi.
Com a continuação do regime de desvalorização de moeda em 1926 essa conta terá subido, e, é claro, o Estado continua a ter a receita actual.
A companhia, baseando-se no decreto de 1918, dirá que o Estado terá de restituir estos milhares de contos porque são um saldo da conta, sobreencargos.
Felizmente não há nada, que obrigue o Estado a pagar o saldo dessas contas à companhia.
Quando nos termos do contrato se procurar a forma mais justa de resolver a questão, nessa altura é que se há-de apurar que lucros a companhia tem negado com prejuízo para o Estado.
Se se fizer o novo modus vivendi nos termos propostos pelo Sr. Ministro das Finanças, o que sucede é que os preços vão ser aumentados segundo os câmbios,
e devo dizer desde já que não é de admitir a redacção da alínea primeira em que se fala de aumentos sucessivos.
Desde que há referência aos câmbios, tanto pode haver aumentos como deminuições, a não ser que S. Ex.ª julgue que vão só aumentando os câmbios.
Feito o modus vivendi, proposto por S. Ex.ª os preços sobem quanto?
S. Ex.ª diz que dêsse aumento o Estado tirará o mínimo de 6:000 contos, mas S. Ex.ª também declarou que essa quantia se fixara muito por baixo.
Hoje sabe-se o que são as contas da companhia para com o Estado mas o que serão daqui a quatro anos?
Basta que a divisa vá mais para baixo para ser de 50:000 contos o saldo da companhia contra o Estado.
Em quanto a companhia não estiver paga dêsses 50:000 contos, o Estado tem obrigação de lho dar o lotai do produto dos aumentos.
No primeiro ano serão 10:000 contos depois serão 12:000 contos e assim por diante.
Veja, portanto, a Câmara, qual o resultado da aprovação da proposta do Sr. Ministro das Finanças. E certo que o Estado passa a receber mais do que actualmente, mas a companhia recebe um benefício duplo daquele.
Sr. Presidente: pela forma como acabo de expor a questão, parece-me não estar iludido por qualquer auto-sugestão, e ter dito o bastante para mostrar que não podemos aprovar a proposta do Sr. Ministro das Finanças, nas bases em que ela está.
O que nós desejávamos é que o Govêrno trouxesse, não umas bases vagas, mas um contrato íntegro e completo, para então vermos se podíamos, ou não, dar a nossa aprovação.
As bases que S. Ex.ª apresentou são tudo quanto há de mais vago; nós não sabemos os termos em que o contrato será negociado amanhã.
E, se faço esta afirmativa, não é porque duvide da honestidade do Sr. Ministro das Finanças, a quem presto a minha homenagem, mas porque não tenho obrigação de me cingir absolutamente àquilo que S. Ex.ª possa entender sôbre o assunto, embora na melhor boa fé.
Sr. Presidente: porque desejo satisfazer o compromisso que tomei para com a
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Câmara, de reduzir ao indispensável as minhas considerações, vou terminar, repetindo, mais uma vez, que êste lado da Câmara não pode dar o seu voto à proposta do modus-vivendi apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças. E não diga S. Ex.ª que a instabilidade da moeda não permite a apresentação de um contrato integro, principalmente depois do artigo novo que S. Ex.ª mandou para a Mesa, introduzindo na proposta o factor «câmbio» para alteração dos preços.
Se o argumento de S. Ex.ª fôsse procedente, daqui a quinze dias não podia firmar qualquer contrato, porque nesse espaço de tempo é natural que as condições cambiais tenham variado.
E para terminar, Sr. Presidente, eu quero referir-mo ainda a uma afirmação feita pelo Sr. Ministro das Finanças, isto é, de que S. Ex.ª mesmo discordava das próprias bases que apresentara à apreciação do Parlamento; mas que S. Ex.ª não fora quem desde o início encaminhara as negociações; se tivera sido, outra seria a sua orientação.
Eu não compreendo Sr. Presidente que espécie do solidariedade partidária vem a ser essa.
Eu devo dizer em abono da verdade que não queria para mim essa solidariedade partidária.
S. Ex.ª entende que as negociações não servem no seu critério os interêsses do País, e sujeita-se a elas; tem um critério diverso dêste, e é êste que vai seguir.
S. Ex.ª pensa de uma maneira diversa do que aqui está e é justamente isto que S. Ex.ª pede à Câmara que lhe vote.
Devo dizer francamente que não compreendo, o por consequência eu espero que o Sr. Ministro das Finanças, desprendendo-se dessas regras, traga à Câmara uma outra proposta, segundo a sua orientação, pois, se bom que nós a não conheçamos, deve ser melhor do que esta, pois que pior, com toda a certeza não pode ser.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Morais Carvalho.
Foi lida, admitida e posta em discussão.
O Sr. Correia Gomes: — Sr. Presidente: sôbre o assunto em discussão falou hoje o ilustre Deputado Sr. Carlos Pereira, que em primeiro lugar declarou que desejaria salvaguardar a assinatura que tinha dado ao parecer da comissão de finanças, e que por isso a êsse parecer se não queria referir.
Não tenho, Sr. Presidente, que censurar o Sr. Carlos Pereira nem pela afirmação que fez, nem pela interpretação que procurou dar à sna assinatura ao parecer respectivo, pois a verdade é que o Sr. Carlos Pereira, ao assinar o parecer sôbre o contrato dos tabacos, deveria ter tido primeiro o cuidado de o ler e verificá-lo para ver se êle merecia ou não a sua assinatura.
Referiu-se também o Sr. Carlos Pereira ao decreto n.º 4:510, de 1918, tendo S. Ex.ª dito que, em sua opinião, êsse decreto era inconstitucional,. pelo que devia ser pura e simplesmente revogado pelo Poder Executivo.
Não quero discutir o facto, tanto mais quanto é certo que não sou jurisconsulto e não tenho competência para discutir princípios de leis; mas o que é certo, Sr. Presidente, é que o decreto n.º 4:010 publicado em 1918 estabeleceu e firmou doutrinas que foram aprovadas pelo Estado, tendo a Companhia arrecadado receitas para fazer face às despesas que teve com as diferenças cambiais, aumento de preço das matérias primas, e para o pagamento ao respectivo pessoal.
Não me consta, Sr. Presidente, que muitos outros decretos feitos nas mesmas condições e alguns dêles trazendo prejuízos para o Estado, tenham sido considerados como inconstitucionais; mas o que não há dúvida nenhuma é que nessa ocasião não houve a coragem necessária para fazer ver que êsses decretos que haviam sido publicados anteriormente traziam para o País graves responsabilidades, como o decreto n.º 4:510.
Entre o Estado e a Companhia dos Tabacos firmou-se um contrato em 1918 e não sei qual será a situação do Poder Executivo quando tiver que revogar êsse contrato, porque êle foi firmado por um Govêrno que representava a Nação.
Já houve uma proposta que foi aprovada por esta Câmara, mas como S. Ex.ªs sabem não chegou a ser lei, e a proposta
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do ex-Ministro das Finanças Sr. Portugal Durão, assim como a proposta do actual Ministro, não visam a defender, os interêsses da Companhia, mas a elevar os rendimentos do Estado.
Circunstâncias especiais, levaram a direcção da Companhia a reclamar os meios necessários para fazer face, aos aumentos de ordenados e salários ao seu pessoal.
Pelo contrato com a Companhia estabeleceu-se que esta teria uma tabela de preços dos tabacos da qual não se poderia afastar e também ficou estabelecida uma tabela de vencimentos e salários baseada na tabela de preços.
Em 1918, porque as circunstâncias do custo da vida se agravaram extraordinariamente, porque o custo das matérias primas se tinha agravado em virtude da descida do câmbio, o Govêrno dessa época fez publicar o decreto n.º 4:010 e contratou mais tarde com a Companhia.
Como o agravamento continuasse a produzir-se, e por êsse agravamento ser de facto muito maior do que era na época anterior, o Sr. Ministro das Finanças trouxe a esta Câmara uma proposta de lei acompanhada do parecer n.º 711.
Continuando a sentir-se o agravamento do custo da vida, o pessoal assalariado e os empregados da Companhia reclamaram aumento de vencimento e aumento de salário, tendo declarado a Companhia que não poderia conceder êsses aumentos de vencimento e salário sem que lhe fôsse dada a faculdade de aumentar o preço do tabaco.
Foi então que o Sr. Ministro das Finanças, Sr. Portugal Durão, trouxe o ano passado, em Agosto, a esta Câmara, a sua proposta de lei, proposta que foi à comissão de finanças.
A comissão de finanças que não tinha nem tem por missão estabelecer princípios de legislação nem fórmulas contratuais, porque não é uma comissão jurídica mas apenas uma comissão de apreciação quanto ao facto de aumento de receitas, redução de despesas ou qualquer outra circunstância que com isso implique, a comissão de finanças tendo procurado colhêr todos os elementos indispensáveis para se orientar no estudo da respectiva proposta, procurou fazer substituir a proposta do Sr. Portugal Durão completando-a com elementos que julgou úteis à defesa dos interêsses do Estado.
Houve um lapso quanto à questão de sôbre-encargos, visto que de facto a comissão de finanças, ao referir-se à supressão dos direitos ou fixando direitos respeitantes ao artigo 9.º do decreto n.º 1:510, referiu-se apenas a um dos parágrafos, verificando depois que deviam ser abrangidos os dois parágrafos dêsse mesmo decreto.
Nesse sentido a comissão elaborou a respectiva emenda que não chegou a ser presente visto que o projecto foi substituído pela proposta do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Morais de Carvalho referiu-se à conta de sôbre-encargos, dizendo que êsses sôbre-encargos não podiam ser tomados como dívida do Estado, visto que há uma disposição do decreto n.º 4:510 que diz que êsse assunto será regulado de forma equitativa.
Efectivamente, existiu essa disposição, mas a comissão, para evitar que ao chegar ao fim do contrato a Companhia viesse pedir ao Estado mais alguma cousa, entendeu dever modificá-la.
Sr. Presidente: não verifiquei a escrita da Companhia, porque não era essa a minha missão; todavia, tenho presente um extracto da conta de sôbre-encargos, que me foi fornecido pelo comissariado dos tabacos, que no caso sujeito é a entidade que melhor pode e deve defender os interêsses do Estado.
Por êste extracto verifica-se que a Companhia baseia êsses sôbre-encargos no aumento de salários e no aumento do preço da matéria prima.
Se, de facto, esta conta não está certa, só ao Sr. Ministro das Finanças compete mandar delegados seus verificar a escrita.
Relativamente à legitimidade do contrato feito, devo dizer a V. Ex.ª que êsse assunto me parece um bocado melindroso.
Se fôsse simplesmente um decreto que tivesse vindo conferir à Companhia certos direitos, e em que o Estado participasse dêles, a derrogação seria simples. Porém, trata-se de um contrato entre o Estado e a Companhia, e não me parece que possa ser revogado pura e simplesmente.
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No emtanto, esta questão é- Diais para as pessoas que tratam de direito e V. Ex.ª, Sr. Morais Carvalho, que é um distinto uns consulto em muito pode auxiliar o Sr. Ministro das Finanças e a Câmara.
O Sr. Morais. Carvalho (interrompendo): — V. Ex.ª dá-me licença?
Suponhamos que se trata de um contrato que obriga as duas partes e que não pode ser revogado.
O que digo é que o contrato, tal como está, não dá à Companhia vantagens por aí além, e que não há disposição nenhuma que dê à Companhia o direito de em 1926 exigir do Estado qualquer cousa.
O Sr. Presidente: — Previno V. Ex.ª que faltam três minutos para encerrar a sessão.
V. Ex.ª deseja concluir as suas considerações ou ficar com a palavra reservada?
O Orador: — Se V. Ex.ª me permite fico com a palavra reservada.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã à hora regimental, com a mesma ordem de trabalhos marcada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e do Comércio, autorizando o Govêrno a rever o decreto n.º 7:880, que criou ajunta autónoma da ria e barra de Aveiro.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de obras públicas.
Para o «Diário do Govêrno».
Projecto de lei
Do Sr. Sá Pereira, estabelecendo a divisão de lucros entre o trabalho e o capital.
Para o «Diário do Govêrno».
Pareceres
Da comissão de legislação criminal, sôbre o n.º 294-E, que regulamenta o exercício da caça.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 493-B, que torna aplicáveis às federações, uniões, associações e clubes de desporto, sem carácter de exploração comercial ou industrial, as isenções da lei n.º 1:290, de 15 de Junho de 1922.
Imprima-se.
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, me seja fornecida cópia do despacho que autorizou a construção da casa que se diz ser pertença dêsse Ministério, onde actualmente habita em Cachopo, concelho de Tavira, um cantoneiro das obras públicas, e no caso dessa casa não ter sido construída pelo Ministério do Comércio, me seja fornecida cópia do despacho que autorizou a compra, se o edifício em questão foi adquirido por compra ou do título de posse que assegura a êsse Ministério o direito de proprietário do referido edifício.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 19 de Junho de 1923. — Manuel de Sousa Coutinho.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, me seja fornecida cópia da queixa apresentada à encarregada da estação postal de Moncarapacho contra o distribuidor postal da mesma localidade Custódio João dos Santos e do despacho lançado na mesma queixa pelo chefe dos serviços telégrafo-postais do distrito de Faro, a quem a mesma queixa foi remetida. — Manuel de Sousa Coutinho.
Expeça-se.
O REDACTOR — Herculano Nunes.