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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 114
EM 22 DE JUNHO DE 1923
Presidente o Exmo. Sr. Tomás de Sousa Rosa
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Luís António da Silva Tavares de Carvalho
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 70 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante é aprovada. Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Partido Nacionalista regressa aos trabalhos parlamentares, de que andava ausente.
O assunto é tratado pelos Srs. Ferreira de Mira, Dinis da Fonseca, Morais Carvalho, Leote do Rêgo, Fausto de Figueiredo, António Fonseca, José Domingues dos Santos e Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
É lançado na acta um voto de sentimento pela morte de uma filha do Sr. Eugénio Aresta.
Em negócio urgente, o Sr. Manuel Fragoso trata da absolvição do assassino e bombista Manuel Ramos.
Generalizado o assunto, usam da palavra os Srs. Ministros da Justiça (Abranches Ferrão), António Correia, Paulo Menano, que apresenta um projecto de lei, para que pede urgência e dispensa de Regimento, que são concedidas, Paulo Cancela de Abreu, Lino Neto, Vicente Ferreira, Carlos Pereira, que propõe que o projecto de lei baixe as comissões, e João Bacelar.
O Sr. Ministro da Justiça, a pedido do Sr. Manuel Fragoso, manifesta-se a respeito do projecto de lei.
A proposta do Sr. Carlos Pereira, como questão prévia, fica em discussão conjunta com o projecto de lei.
Seguem-se os Srs. Paulo Menano, Vasco Borges e Amadeu de Vasconcelos.
O debate fica pendente.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Marcos Leitão chama a atenção do Govêrno para uns vereadores da Câmara Municipal de Alenquer, que soltaram vivas à monarquia.
Responde o Sr. Ministro do Comércio (Vaz Guedes).
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Notas de interpelação. Propostas de lei. Pareceres. Requerimentos.
Abertura da sessão, às 15 horas e 40 minutos.
Presentes à chamada, 70 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 27 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Angelo de Sá Conto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
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Diário da Câmara dos Deputados
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Ferreira de Matos,
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nanes Loureiro.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Bolete Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Luís da Costa Amorim.
Vergílio Saque.
Viriato Gomos da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Pais da Silva Marques.
António do Paiva Gomes.
António Resende.
António de Sousa Maia.
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Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique do Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Pelas 15 horas e 40 minutos, com a presença de 70 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta.
Leu-se o seguinte
Expediente
Ofícios
Do Senado, devolvendo com alterações a proposta de lei n.º 411-(b), orçamento do Ministério do Comércio.
Para a comissão do Orçamento.
Do 3.º juízo de investigação criminal, pedindo autorização para depor o Sr. Lopes Cardoso.
Concedido.
Do Tribunal Mixto Militar Territorial e de Marinha, pedindo autorização para o Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso ir depor como testemunha naquele tribunal.
Concedido.
Do 3.º juízo de investigação Criminal, pedindo autorização para os Srs. Lopes Cardoso e Ferreira da Rocha poderem depor como testemunhas naquele tribunal.
Concedido.
Do Quartel General da 1.ª Divisão do Exército, pedindo autorização para o Sr. Cunha Leal ser ouvido num auto a que se está ali procedendo!
Negado.
Telegramas apoiando as reivindicações dos católicos
Do regedor, junta e pároco de Brunhozinho (Mogadouro).
Idem, de Gião (Feira).
Idem de Salzedas (Tarouca).
Do clero de Gondomar.
Da junta de paróquia de S. Paulo de Frades (Coimbra).
Das Confrarias do Senhor dos Passos, Almas e do Sacramento de Leça de Palmeira.
Da junta de paróquia de Covas (Tábua).
Para a Secretaria.
Telegrama
Da Associação Comercial de Tomar, reclamando para não ser abolido o júri comercial.
Para a Secretaria.
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Diário da Câmara dos Deputados
Antes da ordem do dia
O Sr. Ferreira de Mira: — Volta, aos trabalhos parlamentares o Partido Nacionalista.
Resolveu ontem o seu directório tal deliberação, que se tornou pública pelos jornais.
Tínhamo-nos afastado da Câmara por uma questão de princípios, e como a êsses princípios foi dada satisfação, voltamos à Câmara.
Quanto a qualquer incidente que durante êste conflito se produziu, isso nada influía para um partido vir aqui ou não; mas na questão de princípios o Partido Nacionalista não podia ceder.
São os princípios que dignificam os homens e os partidos (Apoiados), e um partido perderia a estima do País e a sua própria estima se assim não procedesse.
Apoiados,
Sr. Presidente: seria extemporâneo neste momento analisar mais uma vez o que foi êsse conflito parlamentar.
Eu podia fazer referência a agradecimentos e a censuras, mas estas não me parece que devam ter lugar (Apoiados); quanto aos agradecimentos, eu entendo dever manifestar a todos os parlamentares que dentro ou fora desta casa tiveram palavras amáveis para o Partido Nacionalista, principalmente para o Sr. Fausto de Figueiredo.
Apoiados.
Sr. Presidente: eu lamento que êste conflito há mais tempo se não tivesse sanado; mas é preciso ver que um partido político tem a sua unidade e procede como um só homem (Apoiados); e assim, quando foi determinado não vir aqui, não viemos, e quando foi determinado vir, voltamos todos e aqui estamos.
Apoiados.
A nossa ausência dos trabalhos da Câmara foi motivada por uma questão de princípios, repito, e diremos agora que exerceremos a nossa oposição em todos os actos, salvo os de ordem pública ou em questões internacionais.
Mas feita esta declaração, devemos dizer que nos reservamos o direito de assim julgar êsses actos, pois não é por qualquer pessoa do partido assim o julgar e que venha dizer que é para bem da Pátria ou da República; nós temos a capacidade de inteligência suficiente para vermos onde está o bem da Pátria e da República.
Nós mantemos a nossa maior independência do acção e de crítica, e lamentamos que o Partido Democrático neste ano e meio que tem estado no poder não resolvesse questões de interêsse público.
Nestas breves explicações, não abordo o debate político. O meu partido o fará oportunamente (Apoiados), e por ora apenas nos cumpre afirmar a nossa liberdade de procedimento, na certeza de que essa liberdade ira até ao ponto de ser sempre favorável aos interêsses do País.
Sr. Presidente: devia esta explicação a V. Ex.ª e à Câmara, em nome do meu partido, afirmando que êle não desmentirá o seu procedimento.
Vozes: — Muito bem.
Apoiados.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, nestes termos, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: V. Ex.ª o a Câmara certamente se hão-de admirar da minha ousadia em usar já da palavra, mas pelos princípios de paz, de harmonia e de conciliação de que se trata parece-me que poderei continuar a usar da palavra.
Disse o ilustre sub-leader nacionalista, falando em nome do seu agrupamento, de que não era esta a hora própria para censuras, mas sim para cumprimentos e para palavras de conciliação.
Não sei se interpreto bem o pensamento do ilustre sub-leader do Partido Nacionalista, mas parece ter sido êste o intuito da sua exposição.
Estou certo de que as palavras de agradecimento atingem os representantes da minoria católica, os quais têm o prazer de verem voltar à actividade parlamentar os elementos do Partido Nacionalista, pois foi com pena e desgosto que nós vimos S. Ex.ªs afastarem-se desta Câmara pessoas que se ocupam dos assuntos, tendo em vista os altos interêsses do País.
Não é agora a hora própria para se discutir o conflito, nem me compete fazê-lo; o que eu desejo, e todos nós certa-
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mente, é que com a solução do conflito se entre numa nova era de actividade parlamentar proveitosa para o País, e que desta reconciliação resulte o seu prestígio.
São êstes os desejos sinceros da minoria católica.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestas condições, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: cabe-me a grata tarefa de, em nome da minoria monárquica, saudar os nossos ilustres colegas da minoria nacionalista que hoje, felizmente, regressam aos trabalhos parlamentares. Congratula-mo nos pelo. seu regresso, e, se nos fôsse possível especializar, salientaríamos o Sr. Sá Cardoso, Presidente desta Câmara. Estas palavras são proferidas sem o mais leve desprimor para V. Ex.ª, Sr. Presidente, nem para qualquer dos nossos colegas que no impedimento de S. Ex.ª ocuparam êsse lugar, pois todos desempenham a sua missão com aquela imparcialidade, que é a primeira de todas as qualidades exigidas no desempenho dessa alta magistratura.
Tanto mais à vontade nós, Deputados monárquicos, nos congratulamos com o regresso a esta Câmara dos Deputados nacionalistas, quanto é certo que na questão de princípios, a que há pouco se referiu o Sr. Ferreira de Mira, nós estávamos inteiramente ao lado de S. Ex.ª, não concordando com as alterações que se introduziram no Regimento, pois que o nosso sub-leader, Sr. Carvalho da Silva, — que por motivos muito imperiosos não pode assistir à sessão -, se opôs sempre que as votações se fizessem sem haver número, pois não queríamos colaborar com aquilo que, como S. Ex.ª, nós reputávamos ilegal.
Feitas estas simples declarações, nada mais tenho a dizer senão que aceitem com sinceridade as nossas felicitações por os ver de novo nesta casa do Parlamento.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Leote do Rêgo: — Sr. Presidente: tendo passado a minha vida quási toda no mar, estou habituado ao silêncio, e tenho grande aversão aos toques de sineta muito precipitados que a bordo são sinal de fogo.
Eu estou muito satisfeito por ver que os meus nervos não tem mais que se irritar de ouvir todos os dias e todas as horas o carrilhão da presidência chamar os Srs. Deputados aos seus lugares, deixando também de haver a necessidade de os Srs. Ministros de andarem numa quási permanente correria do Senado para esta Câmara e desta Câmara para o Senado, a fim de fazerem número para quaisquer votações.
Regosijo-mo, sinceramente, por ver que a soberania nacional, que se encontrava casa, servindo-lhe eu e os meus colegas independentes de muleta, volta à plenitude, do seu exercício, como é mister, dada a importância do grande número de assuntos que há para discutir.
Foi do lado dos Deputados independentes que partiu a iniciativa de variadas démarches para que o conflito criado pela saída do Parlamento dos Deputados nacionalistas fôsse solucionado.
Foi da iniciativa, em primeiro lugar, do nosso ilustre colega Sr. Agatão Lança, que é ainda — S. Ex.ª me perdoará que eu assim fale — quási uma criança, mu s que tem o altivo brio dos velhos portugueses, a resolução do Sr. Presidente desta Câmara ficar encarregado de liquidar o conflito. Não se logrou qualquer êxito por êsse processo, mas isso não lhe tirou ânimo para novas démarches.
Também eu, ingenuamente, tentei fazer a conciliação, aproveitando o dia 14 de Maio para lançar em público um apelo a todos os meus ilustres colegas nesta Câmara para que aqui viessem associar-se à comemoração dos que pela República morreram no movimento dêsse dia de 1915, e, porventura, depois continuarem a vir para se desempenharem da sua missão, justamente nesse dia eu fui rijamente metralhado pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas eu não desanimei, não deixando de continuar a contribuir para que o conflito desaparecesse.
Finalmente êsse conflito desapareceu, e agora o caminho é para a frente, pois muitos são e graves os assuntos que há
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para discutir, e havendo ainda a notar que se aproxima a eleição presidencial, que de certo não poderá fazer-se apenas com meia soberania nacional.
Provavelmente, V. Ex.ª, Sr. Presidente, deixará, agora, de ocupar essa cadeira, e portanto eu, desde já lhe apresento os, meus, cumprimentos, reconhecendo, como igualmente toda a Câmara o reconhecerá também (Apoiados), que V. Ex.ª se desempenhou da difícil missão de presidir às nossas reuniões com toda a imparcialidade e com muita inteligência.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Fausto de Figueiredo: — Sr. Presidente: começo por agradecer ao Sr. Ferreira de Mira as palavras amáveis e imerecidas que me dirigiu.
Como Deputado independente, cumpre-me também saudar o Partido Nacionalista por voltar a esta casa do Parlamento.
A intervenção que tive no conflito não envolve a importância que possam querer atribuir-lhe; ela resultaria absolutamente estéril se, porventura, não houvesse a boa vontade de resolver o caso da parte daquelas pessoas a quem pelas minhas relações pessoais me dirigi sôbre o assunto.
É dever meu citar alguns nomes.
Desde a primeira hora encontrei o ilustre chefe do Govêrno animado de melhoros intentos em contribuir para a solução do conflito, salvando, é claro, o prestígio ligítimo do seu partido.
Igualmente o Sr. José Domingues dos Santos se prontificou, com a maior boa vontade, a conversar com os seus colegas no partido a que pertence, por maneira a todos contribuírem para uma solução honrosa.
Cumpre-me também salientar que o meu querido amigo Sr. António Fonseca deu também o seu interessante e importante concurso à resolução do conflito.
Adentro do Partido Nacionalista por igual encontrei boas vontades, permitindo-me lembrar os Srs. Deputados e meus amigos Ginestal Machado e Cunha Leal.
Nem sequer por parte das minorias católicas e monárquicas apareceu a mais leve dificuldade; pelo contrário, todos os seus representantes demonstraram sempre o maior desejo em que terminasse a situação em que se estava.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente não causará decerto estranheza a ninguém que ao terminar o conflito — como se lhe chama — com o Partido Nacionalista, eu use da palavra para me congratular com o regresso dos parlamentares dêsse Partido aos trabalhos desta Câmara.
Sr. Presidente: uma análise pouco cuidadosa dos acontecimentos pode atribuir-me qualquer espécie de responsabilidade nos sucessos parlamentares dos últimos tempos; a verdade, porém, é que eu sinto a consciência tranquila de não ter produzido, nem um acto, nem um gesto, já não digo com intenção, mas com o significado, de, sequer ao menos, provocar ou agravar qualquer conflito parlamentar.
Fiz uma proposta de alteração ao Regimento, que tive o cuidado de previamente apresentar aos leaders dos partidos. Ninguém me disse que se essa proposta fôsse apresentada à Câmara abandonaria os trabalhos parlamentares.
Se me tivessem dito qualquer cousa que se parecesse com isso, eu seria a primeira pessoa a não apresentar essa proposta.
Mas vou mais longe: é que se me tivessem informado disso, mesmo durante a discussão, eu teria tomado a iniciativa de pedir a todas as pessoas, que porventura concordavam comigo, o favor de discordarem, a fim de eu poder retirar a proposta.
Mas nesse conflito eu não tive, nem tenho, qualquer responsabilidade; atravessei o, tenho inteiramente a consciência disso, sem que a minha inteligência me possa dar hoje a idea dum acto do qual tenha de me arrepender, por ter agravado um partido, uma instituição essencial ria República, ou mesmo qualquer indivíduo.
Fiz a minha proposta no intuito em que faço todas as propostas que apresento à Câmara — e desejo repeti-lo não só em relação às que já apresentei, mas às que porventura, venha a apresentar — para
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dizer ao País qual é a minha opinião em face de determinados problemas, visto que, de mais a mais, não pertenço hoje a nenhum partido.
E poderia mostrar a V. Ex.ª por actos meus neste Parlamento que nunca me moveu outro intuito; contudo, friso apenas que até o momento presente, sendo Deputado desde 4. 911, nunca pedi a qualquer Deputado o seu voto sôbre qualquer questão, que se tenha aqui debatido.
Não o fiz, nem o farei jamais!
Caminho para todas as questões inteiramente só o caminho, sobretudo, com uma cousa que me dá autoridade cá dentro e lá fora, com o intuito da verdade.
Fora dêste, nunca tive. outros intuitos.
Na proposta de que resultou o conflito eu não tive senão o intuito de renovar uma cousa velha, mas que me parecia poder dar bons resultados. E ninguém poderá deplorar mais do que eu êsse conflito, por ter sido indirectamente a sua causa. Por isso me considerava o mais atingido pelas consequências do deplorável conflito, que poderiam ser desagradáveis para a República, mas que felizmente se saciaram para bem de nós todos e do prestígio do regime.
Mas houve, em consequência dêsse conflito, questões posteriores que muito chocaram não só já os meus brios, mas até por vezes os meus próprios sentimentos.
Eu tive o desgôsto de ver algumas pessoas dirigirem-me as piores acusações, quando, de facto, eu tinha o direito 4e supor que não podia merecer dessas pessoas nenhuma espécie de retaliações, nem de acusações, nem, sobretudo, de agravos.
Vê, V. Ex.ª, Sr. Presidente, que uma pessoa que durante tanto tempo, mais de uma vez, esteve nesta situação que acabo do descrever a V. Ex.ª, tem o direito de afirmar, sendo acreditado por todos, que tem uma alta satisfação e uma grande alegria por ver o Partido Nacionalista retomar os. trabalhos parlamentares. Congratulo-me com isso e, no pouco que fiz para êsse resultado, sinto-me inteiramente satisfeito por ver que se sanou um conflito com honra para todos e acautelando devidamente os interêsses nacionais.
Sr. Presidente: o Sr. Ferreira de Mira, referindo-se à atitude do Partido Nacionalista, disse querela seria a mesma de independência em relação ao Govêrno e aos outros partidos.
Se a alguém pode agradar isso, é a mim, e ainda por mais essa razão felicito os parlamentares, do Partido Nacionalista, certo de que a sua yplta a esta Câmara trará consigo uma nova era de trabalho parlamentar profícuo, como todos desejamos.
Por consequência, associo-me inteiramente, em meu. nome pessoal, a todos os votos que se façam nesta, Câmara de congratulação pelo regresso dos parlamentares nacionalistas ao seio da representação nacional.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. José Domingues dos Santos: — Sr. Presidente: foi sempre com os olhos postos nos mais altos interêsses da República que o Partido Republicano Português, procedeu.
Temos ouvido dizer muitas vezes nesta casa do Parlamento que o respeito, pelas disposições regimentais é a garantia fundamental dos direitos das oposições, e talvez por isso é que nos poderemos, satisfeitos, constatar com factos, não com palavras, que são, inúteis, que todas as alterações ao Regimento têm partido sempre do lado das oposições.
A primeira alteração ao Regimento partiu do ilustre Deputado Sr. Álvaro de Castro. O Partido Republicano Português limitou-se a aprovar essa alteração.
A segunda partiu do Sr. Alberto Xavier. O Partido Republicano Português limitou-se também a aprová-la.
A terceira alteração do Regimento partiu, do ilustre Deputado Sr. António Fonseca, e o Partido Republicano Português limitou-se a aprová-la, não havendo ninguém de boa fé, que possa dizer que houve da parte do Partido Republicano Português o intuito de esmagar o direito das oposições, que reivindicam para si aquilo tudo que é da sua opinião.
Foi mesmo nesse intuito que nós votámos a proposta do Sr. António Fonseca.
Não criamos conflito algum com quem quer que fôsse.
Mantivemos essa opinião, e ainda hoje a mantemos.
Apoiados.
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Ontem foram aqui votadas as revogações de todas as alterações regimentais. Porquê? Porque reconhecemos que essas eram ainda piores que aquilo que restava do Regimento anterior? Não; estabelecemos bem claramente o nosso pensamento. Ninguém tem o direito de pretender acusar-nos. Dissemos que discordávamos dessas alterações porque queríamos cousa melhor.
Não concordamos com a afirmação de que as alterações regimentais prejudicavam os trabalhos parlamentares. Tam somente entendemos que elas ainda não bastam para uma útil e eficaz discussão dos orçamentos.
Entendemos ser preciso mudar de caminho, e o Parlamento não pode estar apenas a discutir orçamentos. A lei fundamental do País diz que os orçamentos devem estar votados até o fim de Março.
É para êsse caminho que queremos seguir.
Foi êsse o nosso intuito; outro não reconhecemos que tenhamos praticado.
Esta declaração era indispensável para aqueles que pretendem ver na atitude do Partido Republicano Português uma fácil e inútil transigência.
Foi sempre, repito, com os olhos postos nos altos interêsses da República que nós nos determinámos, e é nesse caminho que devemos continuar.
O Partido Republicano Português declara que a atitude de fiscalização por parte dos nacionalistas só pode regozijar-nos.
Nunca pretendemos discutir assuntos escondendo os seja de quem fôr. (Apoiados). Temos, pois, sempre de nos congratular com o facto de os partidos e os homens dizerem o que têm a dizer claramente, à luz do dia, para que todos os entendam. O que nos desgosta e fere é que em vez de o dizerem claramente o procurem somente insinuar.
Apoiados,
O Partido Republicano Português discute os orçamentos à face do País; quere discutir a questão dos tabacos e a questão dos Transportes Marítimos à clara luz do sol para que todos o ouçam. Só temos de nos regozijar por que o Partido Nacionalista nos venha fiscalizar e dizer quais as suas opiniões.
Aqui nos encontramos e aqui discutimos.
Não temos de curvar a cabeça a ninguém. Dentro do nosso papel, dentro da nossa dignidade, queremos o respeito para nós que temos pelos outros.
Nunca pronunciámos uma palavra que fôsse de agravo ou um gesto que o significasse.
Temos, portanto, de nos congratular sempre com a fiscalização de parte do Partido Republicano Nacionalista. Não receia o nosso partido a fiscalização seja de quem fôr. Andamos na política para servir os interêsses da República.
Em política queremos o cumprimento rigoroso da lei. Não pedimos favor a ninguém; queremos apenas que nos respeitem, como respeitamos os outros.
Tenho dito.
Apoiados.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, devolver as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: lastimei sinceramente desde a primeira hora, e comigo todos os meus colegas do Gabinete, o afastamento dos trabalhos parlamentares por parte dos membros do Partido Republicano Nacionalista, e, porque o lastimei, vejo com o maior prazer o seu regresso aos trabalhos do Congresso da República.
Nas explicações dadas à Câmara, em nome dêsse Partido, pelo ilustre parlamentar Sr. Ferreira de Mira foi acentuada a posição que êsse partido tomara perante o actual Govêrno, qual é a de exercer a sua liberdade do crítica sem restrições, simplesmente dando aquele apoio que lhe pareça necessário a todas as medidas favoráveis aos altos interêsses do País.
Sr. Presidente: quando tive ensejo de falar, quer nesta, quer na outra casa do Congresso da República, traduzi por estas e outras palavras essa atitude.
Jamais poderia imaginar-me com o direito, falando em nome do Govêrno ou no meu, dê dizer outra cousa que não seja isso.
E mesmo dever dos partidos manterem íntegros êsses direitos de crítica. Assim exercemos o direito de responder.
Naturalmente o Partido Nacionalista
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dará o seu apoio a tudo quanto é útil ao País.
Congratulando-me mais uma vez com êsse regresso, e desejaria que aqui nos empenhássemos em tratar dos problemas que representam os altos interêsses nacionais.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira de Mira: — Começo por agradecer aos representantes nesta Câmara dos Partidos Democrático, católico e monárquico as palavras amáveis que nos dirigiram, e não só as palavras de agora como as pronunciadas em várias circunstâncias, de que o conflito houvesse terminado sem ter havido concessões vergonhosas da parte de ninguém.
Igualmente tenho a fazer os meus agradecimentos ao ilustre Deputado Sr. Leote do Rêgo, não esquecendo a acção de S. Ex.ª e outros Deputados independentes neste conflito.
O ilustre Deputado Sr. Fausto de Figueiredo nas démarches que fez, encontrou da parte dos políticos dos dois lados da Câmara e do Sr. António Fonseca a melhor vontade na resolução do conflito.
Reconheço ao ilustre Deputado Sr. António Fonseca que os seus intuitos, ao apresentar a proposta que deu lugar a êste incidente, não foram outros senão facilitar os trabalhos desta Câmara, mas há-de permitir-me que, reconhecendo êsses intuitos, reconheço que o conteúdo da sua proposta era inaceitável.
A nossa atitude foi motivada pelo princípio que se introduziu no Regimento, desde que o Partido Democrático revogou as alterações tao Regimento, desde a proposta do Sr. Álvaro de Castro até a proposta do Sr. António Fonseca, e revogou por que não estava contente com êles.
O facto da revogação é que nos interessa, e como o Partido Democrático há-de trazer as suas idéas à Câmara, nós as discutiremos, mas à luz do dia, sem pensamentos reservados.
Os homens precisam manter a sua dignidade e os partidos também, e tam respeitável é a dignidade do Partido Democrático como a do Partido Nacionalista.
Resta-me agradecer ao Sr. Presidente do Ministério as palavras de congratulação pela nossa vinda.
Tem S. Ex.ª jus que eu em nome do Partido Nacionalista lhe renda os mais calorosos agradecimentos.
A nossa atitude será de aplauso a todas as medidas que reconheçamos úteis, combatendo todas as que sejam prejudiciais.
Damos ao Govêrno um crédito de confiança quando se trate de ordem pública ou questões internacionais.
Não faremos oposição intransigente, mas também não nos encontrará naquela fórmula: laissez passer, laissez faire.
Não estamos aqui com os cem olhos de Argus, mas com aqueles que temos para ver o que convém aos interêsses do País.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigrájicas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — Tendo tido conhecimento do falecimento de uma filha do Sr. Eugénio Aresta, proponho um voto de sentimento.
Foi aprovado por unanimidade.
Negócio urgente
Desejo tratar em negócio urgente, na sessão de hoje, da recente absolvição do bombista e assassino Manuel Ramos e de uma maneira geral do defeituoso funcionamento dos júris criminais. — Manuel fragoso.
O Sr. Presidente: — Tem a palavrão Sr. Manuel Fragoso, para tratar do seu «negócio urgente».
O Sr. Manuel Fragoso: — Pedi na sessão de ontem ao Sr. Ministro da Justiça a fineza de comparecer hoje aqui.
Começo, pois, por agradecer a atenção prestada ao meu pedido e a atenção que vai prestar decerto às minhas, palavras, que não têm a importância, pela pessoa que as profere, mas que têm, porventura, importância pela causa que lhes deu origem, pela magnitude do assunto que desejo tratar na sua presença.
Se outras fossem as circunstâncias da actual vida portuguesa, se não estivesse-mos num período de urgente discussão de tantos e tantos problemas, eu mandaria para a Mesa uma nota de interpelação ao
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Sr. Ministro da Justiça, para que o debate se pudesse generalizar, e para que todos os lados da Câmara se pudessem pronunciar acêrca de um assunto, que a meu ver interessa à garantia da propriedade e das vidas dos cidadãos portugueses.
Tem entretanto o assunto que desejo tratar, e a que já me referi na nota de «negócio urgente» que mandei, para a Mesa, uma oportunidade, que não convém deixar perder.
Quem se tenha dado ao trabalho, nos últimos tempos, de ler os relatos dos jornais sôbre o que se está passando nos tribunais portugueses, assiste, não já com espanto, mas certamente com pavor, às absolvições dos maiores criminosos.
Apoiados.
Um grande crime de furto, ou de homicídio, encontra sempre quando do julgamento uma atmosfera propícia, um ambiente generoso que garante a certeza de uma impunidade.
Isto é, a meu ver — e para o caso chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça — um dos aspectos mais desoladores da sociedade portuguesa.
A sociedade portuguesa-com muita mágoa o digo- está acobardando-se perante os criminosos.
Já nem tem a consciência da sua própria defesa!
Não sou dos que afirmam — porque não é verdade — que Portugal seja o país onde maior número de crimes se praticam, mas afirmo com mágoa dolorosa que Portugal está sendo o país onde maior número de crimes ficam por punir.
Apoiados.
Uma sociedade onde isto acontece é uma sociedade que se está condenando a si próprio, e não pode merecer senão o desprêzo de todos quantos têm a consciência da dignidade humana.
Os homens, quando não têm a noção dos seus deveres, quando não são escravos dêsses deveres, não podem exigir, nem a consideração, nem o respeito daqueles homens que verdadeiramente o sejam.
Apoiados.
Vêm estas considerações, como já disse, a propósito da recrute absolvição do bombista e assassino Manuel Ramos. Mas não é êste o primeiro caso que infelizmente prende a minha atenção.
Ainda há bem pouco tempo nós assistimos ao caso picaresco dum ilustre advogado, que foi agredido a tiro nas ruas de Lisboa, se ter prestado a, apresentar-se 'no tribunal a defender o seu próprio agressor!
Êste caso lastimoso provoca o sorriso, porque não consta que se dê 'um caso semelhante em outra qualquer parte do mundo!
Apoiados.
Em Portugal o júri quási que pede desculpa ao réu quando é forçado a condena Io.
Apoiados.
São frequentes os casos de redução do valor do objecto do furto para deminuir a aplicação das penas.
Apoiados.
Por êste caminhar infelizmente conseguiremos que os queixosos sejam os próprios réus.
Apoiados.
Há poucos dias li nos jornais que um homem, que há tempo atentara contra á vida do engenheiro Sr. Ferreira de Mesquita na Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, fora absolvido. E agora, como cúmulo, é absolvido um homem que, sendo vigiado de perto pela polícia, como portador de bombas e implicado em vários atentados, foi capturado, e ao ser capturado atacou à bomba o polícia que o quis prender, deixando-o ferido e inutilizado.
Mais ainda. Porque um honrado operário pretendeu embargar-lhe o passo, êsse homem atacou êsse operário a tiro de pistola, deixando-o morto.
Pois, porventura, o júri que julgou êste crime, deu o crime por não provado?
O júri deu o crime como provado, mas com a atenuante de que o réu tinha procedido em sua legítima defesa!
Legítima defesa, Sr. Presidente!
Mas então um criminoso, que se defende à bomba do polícia que o vai capturar, procede em legítima defesa?!
Mas então um criminoso, que assassina a tiros um honrado cidadão, que lhe sai à frente, procede em legítima defesa?!
Esta doutrina monstruosa e verdadeiramente atentatória da dignidade dos homens, da nossa consciência e da nossa moral, não pode ficar de pé.
Muitos apoiados.
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É absolutamente indispensável que esta maneira de ver tenha da parte de toda a gente de bem a mais completa e categórica reprovação.
Muitos apoiados.
Para o caso me permito chamar a atenção do Sr. Ministro da Justiça, pedindo-lhe que estude o assunto no sentido de ver se é possível dar ao juiz a faculdade de julgar iníqua a decisão do júri.
Desta minha cadeira de representante da Nação, eu dirijo-me aos homens da imprensa, que me estão escutando, pedindo-lhes que façam nos jornais em que escrevem uma campanha intensa em prol da obrigação que todos têm de cumprir o seu dever. Eu, falando desta maneira, julgo, por minha parte, ter cumprido o meu dever de cidadão e de Deputado.
Se é por medo que não ousamos muitas vezes levantar o nosso mais veemente protesto, corrigindo os crimes da natureza dêste, cabe-nos a obrigação de nos encorajarmos uns aos outros e não pratiquemos uma fraqueza que é, sem dúvida alguma, criminosa também.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra revisto pelo orador, quando restituir, nestes termos, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. João Bacelar (para um requerimento): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª a fineza de consultar a Câmara sôbre se permite a generalização do debate sôbre o assunto versado pelo Sr. Manuel Fragoso.
Aprovado.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: o facto a que acaba de referir-se o ilustre Deputado Sr. Manuel Fragoso lançou um certo alarme, muito justificado, na sociedade portuguesa.
Colhe-se efectivamente a impressão de que há uns tempos a esta parte a sociedade portuguesa não sabe defender-se convenientemente dos elementos que põem em risco gravemente a segurança das vidas e da propriedade dos cidadãos.
Apoiados.
No emtanto eu, como Ministro da Justiça, não posso interferir nas decisões dos tribunais, tratando-se, como sucede no caso presente, duma decisão tomada de harmonia com as leis vigentes.
A instituição do júri é da nossa Constituïção e existe em todos os países civilizados.
Se uma ou outra vez o júri não sabe cumprir o seu dever, isso não é razão para dizermos que deve ser abolida tal instituição.
O réu Manuel Ramos respondeu no Tribunal de Defesa Social como bombista e já foi condenado, respondendo em seguida nos tribunais comuns, por crimes de natureza comum, tentativa de homicídio.
O juiz da Boa Hora deu o crime como provado, mas com circunstâncias dirimentes.
O Sr. Manuel Fragoso: — V. Ex.ª, Sr. Ministro da Justiça, conseguiu apurar se o júri estava no uso das suas faculdades mentais?
O Orador: — Não me cumpre fazer aqui a apreciação do júri.
Exponho apenas o que o júri entendeu dever fazer e fica à consciência da Câmara e do País o apreciar a razão ou sem razão com que o júri procedeu.
Relativamente ainda a êste caso, deve frisar-se que o agente do Ministério Público cumpriu o seu dever, empregando todos os esfôrços para que se fizesse justiça, e, em face da inesperada decisão do júri, recorreu da sentença, competindo agora aos tribunais superiores pronunciarem-se.
Embora não possa haver da parte do Govêrno um procedimento especial para êste caso, visto que se trata de uma sentença dada por um tribunal legalmente constituído, no em tanto algumas alterações poderão ser introduzidas na forma como o júri funciona actualmente.
Como a Câmara sabe, até uma certa altura os juizes podiam dar as decisões do júri por iníquas, sempre que assim entendessem dever fazê-lo, e os acusados eram novamente julgados.
Hoje porém só quando se trata de uma decisão condenatória é que os juizes têm essa atribuição; nas decisões absolutórias não têm tal faculdade.
Em breve trarei à Câmara uma proposta sôbre o assunto, e assim o Parla-
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mento terá ocasião de remediar um mal, que é grave evitando a repetição de casos desagradáveis, como aquela à que se referiu o Sr. Manuel Fragoso.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: o Sr. Manuel Fragoso tratou nesta Câmara de um facto que interessou a opinião pública, merecendo nos jornais um quadro de honra, para ser porém estigmatizado pelos homens de bem, pelo facto de o júri ter absolvido o criminoso Manuel Ramos.
Por me encontrar em serviço nesse tribunal, no momento do julgamento, tive ocasião de ver a coacção e os pedidos que se fizeram em volta do júri, para absolver um homem, que, em qualquer outro país do mundo, já estaria fuzilado.
Sr. Presidente: quanto à resolução dada por êsse júri, já o Sr. Manuel Fragoso fez as devidas referências.
A nim só compete, nesta Câmara, dizer o que fizeram o meritíssimo juiz do tribunal e o representante do Ministério Público.
O meritíssimo juiz significou bem o respeito que é necessário pelos tribunais, especialmente no momento actual.
Manteve todas as normas por que se devem regular aqueles julgamentos, e explicou as circunstâncias em que foi praticado o crime, cuja impunidade seria um escândalo.
O distinto delegado do Ministério Público, o Sr. Dr. Castro Lopes, cumpriu bem a sua missão, fazendo uma acusação tremenda e mostrando a gravidade do crime que tinha sido praticado, crime que reclamava um castigo severo.
Mas as coacções, as pressões e os pedidos foram tantos em volta do júri, e de tal natureza, que o resultado foi o que a Câmara sabe.
O júri deu, como a Câmara ouviu pela bôca do Sr. Ministro da Justiça, como provadas as circunstâncias atenuantes e a de legítima defesa num crime de tal natureza, e não obstante as considerações apresentadas pelo Ministério Público.
Já êsse júri alegou que tinha assim procedido porque o réu já estava entregue ao Govêrno, e porque houve pedidos da mãe já idosa, de quem o réu era o único amparo.
Sr. Presidente: é tam grave o facto e a repulsa que se fez em volta da decisão do júri, que êsse júri, hoje no mesmo tribunal, julgando alguns indivíduos acusados de roubo que confessaram ter vendido a outras pessoas, sentindo-se com falta de autoridade moral, deu êsse crime como não provado.
Sr. Presidente: a situação criada a homens de bem pelo resultado dêsse processo é tal que há necessidade do maior protesto.
Neste momento em que somos ameaçados pelos bombistas, em que todos nós somos às vezos ameaçados pelo cumprimento do nosso dever, neste momento em que o próprio tribunal sentiu os seus alicerces abalados por uma bomba, é neste momento que as licenças de porte de arma nos são cassadas, sendo tiradas as armas a pessoas que não são capazes de se servirem delas senão para defenderem as suas vidas.
Para mim, que estive no julgamento do réu Ramos, e que, como advogado, sou obrigado a frequentar as cadeias; para mim, que não quero fazer da minha profissão um mester que vá contra a minha consciência, magoou-me e feriu a minha susceptibilidade a situação de favor concedida nosso julgamento.
Sr. Presidente: um tal facto colocou homens de bem numa situação deprimente. Uma tal situação não se pode manter, e é necessário que acabe de vez.
Já que o júri não teve a coragem necessária, é necessário qiie o Sr. Ministro da Justiça tome providências para que acabem estas situações especiais no País.
A minha intervenção neste debate foi para prestar a minha homenagem de respeito e consideração pelo meritíssíno juiz que presidiu a êsse julgamento.
O delegado do Ministério Público, que só por acaso teve conhecimento de que o júri ia absolver o criminoso, dando como provadas todas as atenuantes, pediu a palavra para um requerimento, protestando por nulidades no processo.
Á absolvição de Manuel Ramos foi um escárneo para aqueles que elo liquidou para todo a sempre e para a família daquele desgraçado marceneiro que, no cumprimento dum dever, sacrificou a sua vida para meter na jaula o lobo acossado.
Sr. Presidente: compete aos tribunais superiores providenciar sôbre o procedi-
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mento que houve para com aquele homem, e, dadas as inúmeras nulidades que existem no processo, obrigar Manuel liamos a prestar contas à justiça.
É necessário, para que á coacção se não possa exercer, que criminosos desta natureza sejam julgados fora da comarca onde praticaram o crime. Só assim se fizer, estou convencido de que nem Manuel Ramos nem os seus adeptos poderão, pela coacção sôbre o júri, fugir à acção da justiça.
Sr. Presidente: terminando as minhas considerações, faço os mais ardentes votos para que os tribunais superiores do meu país anulem essa monstruosidade praticada pelo júri no julgamento de Manuel Ramos.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, devolver as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O. Sr. Paulo Menano: — Sr. Presidente e Srs. Deputados: regosijo-me neste momento grave da vida portuguesa por ter assistido a esto movimento de repulsa manifestada por todos os lados da Câmara contra à atitude do júri que julgou Manuel Ramos.
Em boa verdade, amanhã irá por êsse País fora a certeza absoluta de que dentro da República ainda há quem pugne pela moralidade.
Porém, é preciso que não fiquemos só em palavras, mas sim que façamos traduzir em factos a nossa repulsa, legislando de maneira a tornar eficaz, e eficiente a nossa acção.
E, porque assim entendo, e porque, em minha opinião, não é aos magistrados a quem cabe a responsabilidade das iniquidades cometidas por êsse país fora, e mormente nos grandes centros, onde a moralidade está cada vez mais baixa, julgo cumprir o meu dever de legislador mandando para a Mesa um projecto, que de certo modo remedeia o mal, e para o qual ouso pedir a urgência e dispensa do Regimento.
Sr. Presidente: é preciso que aos juizes do meu país, que através de tudo têm mantido bem alta a nobre missão que lhes incumbe, sejam dadas aquelas faculdades legais para inutilizar a acção nefasta daqueles indivíduos que, esquecendo-se de respeito que devem à sociedade e a si próprios, cometem íniquidades como aquela há dias passada no tribunal da Boa Hora.
É preciso pôr um dique a essa imoralidade que campeia, e que aos juizes sejam dados elementos com que possam inutilizar imoralidades e monstruosidades como as praticadas pelos júris que intervieram nos julgamentos de Manuel Ramos e daquele indivíduo que atentou contra a vida de Ferreira de Mesquita.
É por êste motivo que mando para a Mesa um projecto que de certo modo remedeia êste inconveniente.
Tenho dito.
Foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento para o projecto da autoria do Sr. Paulo Menano, entrando seguidamente em discussão na generalidade.
O projecto de lei, que será publicado quando sôbre êle se tomar uma resolução, tem por fim tornar vigentes os artigos 1:144.º, 1:145.º e 1:162.º da Novíssima Reforma Judiciária.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente; em primeiro lugar, desejo destas bancadas, as mais calorosas homenagens e as mais sinceras e sentidas saudações à magistratura portuguesa.
Ela constitui hoje o único poder do Estado que, de uma maneira verdadeiramente digna de registo, tem sabido honrar o Seu país é cumprir, altiva e nobremente o seu dever.
Tenho a certeza de que, se os casos lamentáveis a que aludiram os ilustres oradores que me precederam, tivessem sido entregues ao critério de juizes togados, a Câmara não teria de se pronunciar, como o fez, contra o procedimento dos tribunais.
Apoiados.
Sr. Presidente: todos nós è especialmente os que se dedicam à vida forense, têm obrigação absoluta de respeitar e acatar as decisões dos tribunais.
Todos nós que lidamos dia a dia no foro, muitas vezes sentimos indignação perante actos de injustiça ou de cobardia, cometidos pôr aqueles que, por defeito de educação, por excesso de generosidade ou por outros motivos, não têm a noção exacta do seu dever.
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Todavia, temos de acatar as decisões dos tribunais.
Portanto sem de qualquer modo querer deixar de me associar à manifestação de protesto, levada a efeito pela Câmara, contra os factos estranhos ultimamente ocorridos nos tribunais, e que não são da responsabilidade dos juizes tocados, entendo que devemos colocar esta questão no campo dos princípios, e que precisamos de dar remédio imediato.
Foi por isso que dei o meu voto à urgência e dispensa do Regimento, requerida pelo Sr. Paulo Menano.
Ataquemos a questão na sua base, a fim de evitarmos que casos dêstes se repitam.
Há poucos dias, quando rebentou uma bomba no Tribunal da Boa Hora, eu, calculando o fim que se teve em vista e prevendo as desgraçadas consequências dêsse acto infame, quis tratar do assunto nesta Câmara.
Mas logo do lado da maioria se correspondeu com galhofa dizendo-se que não valia a pena, e...passou-se à ordem do dia!
Pois, Sr. Presidente, passados dias era julgado o indivíduo que atentou contra a vida do engenheiro Sr. Ferreira de Mesquita e foi absolvido, e há três dias foi julgado Manuel Ramos, e, em vez de haver ao menos a coragem de se dizer que não estava provado o crime, cometeu-se a cobardia de dar como provado que um homem que cometera crimes infamíssimos procedeu em sua legítima defesa!!
Sr. Presidente: quere V. Ex.ª saber o que é necessário para se levar qualquer crime à conta de legítima defesa?
Diz o Código Penal, que é necessário que haja agressão ilegal e iminente da parte da vítima.
Quere dizer: o júri entendeu que o polícia que quis prender êsse homem ia fazer uma agressão ilegal!
Mas há mais.
Diz o artigo do Código:.
«Impossibilidade de recorrer à fôrça pública».
Manuel Ramos — disse o júri — teve impossibilidade de recorrer à fôrça pública, à própria forca pública que o ia perseguindo.
Diz mais o Código:
«Emprêgo de arma racional, em legítima defesa.
Há pois homens em Portugal que sabem ler e escrever, que são proprietários e comerciantes e pertencem às classes conservadoras, que entendem que uma bomba é uma arma «legal», uma arma «racional"!
Foi isto que o júri, por maioria, deu como provado!
Mas quere isto dizer que entre aqueles indivíduos que fizeram maioria na decisão do júri e se pronunciaram pela absolvição, não haja homens de bem?
Evidentemente que não.
Mas temos de reconhecer que todos êles são dotados de espírito fraco e timorato, e são vítimas da atmosfera de indiferença, de desinteresse e de decadência moral, que os crimes da República e a impunidade por ela estabelecida criaram.
O que é feito, por exemplo,. do assassino Ho Dr. Pedro de Matos?
O que é feito daqueles indivíduos que agrediram um magistrado à porta do tribunal?
Onde estão os assassinos do tenente Soares, do professor Gueifão, do chefe Barbosa, de Ramiro Pinto e de tantos outros?!
Está na cadeia apenas aquele que traiçoeiramente matou o malogrado capitão Jorge Camacho; mas para êste mesmo já aqui se apresentou uma proposta com o fim de o amnistiar.
Não está também em liberdade o assassino do Chefe de Estado, Sr. Sidónio Pais?!
O Sr. Presidente do Ministério, quando lhe preguntei há dias se, como se disse, êste bandido é empregado público na Guiné, ficou de averiguar e dar-me a resposta.
Porém até hoje nada disse.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — V. Ex.ª disse que eu não lhe respondi?
O Orador: — V. Ex.ª aficou de averiguar, mas ainda não disse cousa alguma.
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O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Perdão, já foi dito nas gazetas que há engano de nome.
O Orador: — Oxalá que assim seja.
O que se está passando é uma das consequências da célebre propaganda republicana do tempo da monarquia.
Quando do Govêrno Provisório, uma das medidas promulgadas consistiu em se tirar aos juizes de direito a faculdade de dar as decisões por iníquas, quando a sentença fôsse absolutória, e de fazerem relatório ao juiz.
Os resultados desta medida têm sido funestos.
É por isso que registo com aplauso o aparecimento do projecto do Sr. Paulo Menano.
Êle restabelece, mais uma vez leis importantes da monarquia, o que mostra que se continua reconhecendo o que existia é melhor do que o que a República fez de novo.
Constato-o com desvanecimento.
Sr. Presidente: nós damos todo o nosso apoio ao projecto do Sr. Paulo Menano, porque êle vai converter-se em lei fazendo assim ressurgir a legislação monárquica, dando um público testemunho de quanto foi irrisória a obra do Govêrno Provisório cujas consequências estamos sofrendo.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: o facto que estamos analisando não é único, isolado, pois o mesmo sucedeu com os Transportes Marítimos, Bairros Sociais, Depósito de Fardamentos e outros, sem que providência alguma se tenha tomado.
Há pouco, ouvindo o Sr. Paulo Menano, impressionou-me por tal forma, que me levou a pedir a palavra, pois vê-se abalada a moralidade do País.
Sr. Presidente: é preciso ver que o progresso de um país não reside exclusivamente na agricultura, no comércio e na indústria; reside também na cultura das energias morais.
A decadência de uma sociedade resulta do cerceamento da liberdade religiosa, decadência moral que já vem do há dois séculos, mas que se tem acentuado de 1910 para cá.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Justiça tenciona apresentar medidas tendentes a remediar êstes casos.
Mas isso não basta. São necessárias outras medidas de maior alcance, e são as que garantam a liberdade religiosa, que é a base fundamental de toda a existência social.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Vicente Ferreira: — Vai causar surpresa a V. Ex.ª e aos ilustres jurisconsultos que desta Câmara fazem parte que eu, modesto engenheiro e que de leis apenas conhece leis feitas, intervenha na discussão que está correndo.
Todavia, posso justificar-me dizendo que neste lugar represento a voz da opinião pública.
Sr. Presidente: foram aqui citadas algumas decisões de júris e em especial foi referida a que absolveu o bombista Ramos, havendo-se feito também leves referências a um outro caso que, se não teve consequências graves, nem por isso deixa de patentear, a intenção criminosa.
Um antigo empregado de uma emprêsa ferroviária entra no edifício da estação, procura o director, e, uma vez ao pé dele, aponta-lhe uma pistola, fazendo o gesto de dispará-la.
Simplesmente, à má qualidade das munições se deve o não ter sido consumado o crime.
Há testemunhas do caso em grande número.
O arguido fugiu, mas pouco depois foi preso e entregue às autoridades. Levou meses e meses a organizar-se o processo num caso tam simples, e chegando-se por fim ao julgamento, o júri absolveu o réu!
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — É nessas demoras que está a maior vantagem para os criminosos em Portugal.
O Orador: — Efectivamente a organização dos processos é tam morosa, que quando o caso vem a julgamento já o público está tam esquecido do acontecimento, que fácil é criar uma atmosfera de simpatia, que num país de piegas como o nosso, leva invariavelmente à absolvição.
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Parece-me que o mal de que enferma a nossa legislação penal é o do excesso de direitps de defesa que se dão aos criminosos.
Sr. Presidente: para que a repressão do crime seja eficaz, é necessário que a punirão siga ràpidamente o crime, e nesse ponto talvez não fôsse mau adoptar o processo dos anglo-saxões. O criminoso é submetido a um julgamento em menos de oito dias, e se o agente do Ministério Público reconhece necessária a intervenção do júri, é então que, o criminoso é submetido a um julgamento pelo júri.
Mas êste julgamento não se arrasta por largo tempo até esquecer o crime.
Apresentou o Sr. Paulo Menano um projecto de lei tendente a pôr em vigor algumas disposições da Novíssima Reforma Judiciáriam que dão aos juizes a faculdade de dar por iníqua a resolução do júri, quando sejam absolutórias.
Vamos mexer numa disposição legal que, de, certo modo, briga com as liberdades individuais. Tenho receio de que se diga que a Câmara procedeu precipitadamente, e peço àqueles que conhecem leis que meditem sôbre o assunto.
Não vamos nós querer abranger criminosos e afectar direitos que são justos.
Para êste assunto chamo a atenção desta câmara e do Sr. Ministro da Justiça.
É estranha a situação. Ao passo que eu vejo perseguir e opor todos os obstáculos a certas propagandas, que de nenhum modo podem ser tam nocivas, como seja, por exemplo, a propaganda de credos religiosos, por outro lado vejo tolerar aã propagandas mais subversivas.
Vejo em jornais de Lisboa, pelo menos, fazer-se a apologia de crimes como êsse praticado pelo agora absolvido Ramos.
Porque a lepra grassava na Europa e fazia constantemente vítimas, isolaram-se os leprosos, e assim se evitou o contágio; porque os loucos podem provocar distúrbios e propagar o seu mal, são internados em manicómios, e pensa-se também em criar hospícios para evitar que a tuberculose continue a fazer vitimas.
Ora eu pregunto se em nome duma sociedade ameaçada não se deve impedir que tal propaganda se faça.
Não dou novidade a ninguém salientando a influência perigosíssima que tem a propaganda feita em letra redonda, mais da que é feita pela palavra.
Eu sei que é difícil distinguir entre o que são boas e más doutrinas; sei também que em todos os fenómenos sociais há divergências entro o bom e o mau, sendo difícil marcar um limite seguro para além do qual seja bom o para aquém do qual seja mau, ou o contrário, mas há casos perfeitamente definidos que são evidentemente bons ou maus.
O caso em questão parece-me ser dos evidentes, e é para casos dêstes que se criaram os tribunais.
De modo que me parece que como medida do defesa da sociedade — e não quero dizer nem a sociedade capitalista, nem a sociedade sindicalista, mas aquela sociedade geral em que vivemos — não basta apenas a reforma dos códigos, não basta apenas dar aos juizes o direito de dar como iníquas certas sentenças, mesmo as absolutórias; é necessário impedir a todo o custo a propaganda do crime, mesmo com o pretexto filosófico com que às vezes se acoberta, porque com um pouco de habilidade qualquer de nós pode fazer nessas condições a propaganda do acto mais desastroso, moral ou nocivo.
Apoiados.
E termino como comecei: não sou homem de leis, mas estou aqui numa função de legislador:
Apoiados.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos, restituir as notas taquigráfícas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: a forma como tem decorrido esta discussão mostra à evidência que somos um país de visionários, pois somos levados sempre pelos sentimentos de momento para. procurar resolver qualquer questão.
É sempre perigoso pretender resolver uma questão por essa forma, e muito mais quando essa questão diz respeito às necessidades individuais e aos exercícios do meio do defesa.
A República ao implantar-se entendeu, e bem, dar todas as garantias aos indi-
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vi duos, e então a República pensou em manter a instituição do júri e as prerrogativas inerentes, não criando uma simples ficção.
Eu não julgo que a magistratura do meu País fôsse capaz de dar uma decisão de um júri por nula por simples capricho, mas como ela é constituída por homens todos com o seu carácter pessoal, com a sua psicologia e com o seu modo de ser espiritual, a República quis que o júri fôsse uma instituição como devia ser, não o sujeitando aos acasos de uma sugestão ou qualquer fraqueza de espírito.
Por isso a República quis dar ao júri toda a liberdade de acção; e fez mais, não quis que os presidentes dos tribunais fizessem relatórios da causa, porque não era o júri que estava esmagado com a acusação.
Na magistratura há como que o critério e o princípio assente de que todo o homem que se senta no banco dos réus é um criminoso.
Não apoiado.
Foi isso que a legislação da República quis evitar e evitou de vez.
Não é uma injúria que faço aos magistrados do meu País; constato factos e aqui dentro muito poucas serão aquelas pessoas que no seu íntimo não estejam a dizer que é verdade o que eu afirmo, isto é, que o contacto permanente com criminosos faz supor aos magistrados que todos que se sentam no banco dos réus são fatalmente criminosos.
Àparte do Sr. Paulo Cancela de Abreu que se não ouviu.
Sr. Presidente: atenta a forma como a Câmara pretende resolver uma questão desta importância, entendo que ela faria bem se atendesse às considerações do Sr. Vicente Ferreira, que lembrou que um assunto desta natureza devia baixar às comissões respectivas.
Não temos nós nesta Câmara comissões especiais para estudarem, êsse assunto?
Se temos essas comissões, se êste assunto é importante e se aqueles que defendem o projecto em questão não têm a certeza absoluta de que fizeram uma obra completa e digna, então, sem desdouro para êles, porque não há desdouro para ninguém, que todos votemos para que o projecto em discussão baixe às comissões respectivas. São êsses os meus sinceros votos.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. João Bacelar: — Sr. Presidente: as considerações feitas pelo meu ilustre correligionário, Sr. Vicente Ferreira, obrigaram-me também a pedir a palavra para emitir a minha opinião sôbre o assunto em discussão, e que considero de uma altíssima importância.
Sr. Presidente: eu compreendia que o Sr. Paulo Menano, debaixo de um impulso de momento, debaixo da impressão que causaram as considerações feitas pelo Sr. Manuel Fragoso, apresentasse à Câmara um projecto de lei que segundo a maneira de ver de S. Ex.ª traria o remédio a uma situação que todos nós reputamos grave.
Eu recordo à Câmara os casos de assassinato por todos os processos que ultimamente se têm dado em Portugal e em outros países, praticados por sociedades organizadas de malfeitores, à semelhança, por exemplo, daquela que em Itália existiu com o nome de Camorra.
Durante alguns anos as autoridades italianas procuraram castigar êsses malfeitores, convertendo em leis todas as medidas com que julgavam intimidar aqueles que, por meio de uma sociedade organizada, traziam o terror espalhado por todo o país.
E facto que se empregavam para tal fim todos os meios, mas durante dez ou doze anos não se conseguiu castigar nenhum dêsses bandidos, porque a coacção exercida sôbre as entidades que tinham de os julgar era de tal natureza, que foi preciso uma modificação na lei, atribuindo a certas entidades, como oficiais do exército, a constituição do júri para que começasse a ser desarmada e castigada essa terrível instituição.
Como os ilustres Deputados Srs. Vicente Ferreira e Carlos Pereira, eu entendo que não é suficiente a proposta do Sr. Paulo Menano para remediar a situação.
Crimes dessa natureza, embora o nosso código e as nossas autoridades os classi-
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fiquem de comuns, têm, de facto, como origem questões políticas ou sociais. Não sei por que não havemos de encarar a questão como nos outros países e não procuremos apresentar «ima proposta dê lei que se torne eficaz.
E minha opinião — e as nações mais adiantadas o têm feito — que se faça uma classificação criteriosa da natureza dos crimes, estabelecendo-se uma legislação ríspida, não só penal, mas carcerária.
Fazer, porém, consistir toda a nossa energia, toda a nossa defesa numa proposta que dá ao juiz o direito e a faculdade de dar por iníqua a decisão do júri, parece-me que não é suficiente, parecendo-me ainda mais que por essa forma damos uma profunda machadada nas garantias individuais.
Um àparte.
O Orador: — Exactamente por reconhecer que isso trazia injustiças a que não podíamos pôr cobro, é que se acabou com a autorização conferida aos magistrados para apresentarem o seu relatório e darem as sentenças absolutórias por iníquas.
Mas eu digo a razão por que entendo que isto contende com às liberdades individuais.
No nosso país todos os processos de crime são morosos, sucedendo muitas vezes que só depois do um ano, dois anos ou ainda mais de demora o indivíduo, frequentemente apenas indigitado criminoso, vai a julgamento. Ora, desde que as sentenças absolutórias possam vir a ser dadas por iníquas, poderemos converter êsse tempo de prisão numa verdadeira pena.
Não faz sentido que continue a dar-se o caso de nos nossos tribunais estar um acusado alguns meses à espera de julgamento para depois ser absolvido por falta de provas.
Eu pregunto se há o direito de ter preso um indivíduo, nestas condições, três, cinco ou seis anos, para no fim o porem em liberdade por falta de provas!
Sr. Presidente: em minha opinião é muito para ponderar a proposta apresentada pelo Sr. Paulo Menano.
Porém, como a Câmara já aprovou a urgência e dispensa do Regimento, não podendo, portanto, tomar qualquer deliberação em contrário, e se trata de salvaguardar garantias individuais, eu mandarei para a Mesa um artigo novo, pelo qual fique determinado o tempo de prisão antes do julgamento.
Sr. Presidente: se, porventura, o projecto do Sr. Paulo Menano pudesse baixar à comissão respectiva, eu pediria que ela trouxesse à discussão uma proposta bem clara, onde se determinassem as características dos vários crimes, sobretudo naqueles que têm no fundo uma origem social ou política, e bem assim se estabelecesse uma legislação penal para a sua repressão.
O projecto do meu. correligionário Sr. Paulo Menano não passa de boas intenções, porque não dá resultado algum, visto a experiência ter demonstrado que, emquanto êsses crimes estiverem sujeitos à influência de júris, constituídos pela forma como são em Portugal, não há maneira de reprimir severamente êsses atentados. Teimo dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando devolver, nestes termos, as notas taquigrafias que lhe foram enviadas.
É lida na Mesa a proposta apresentada pelo Sr. Carlos Pereira para que o projecto baixe à comissão.
O Sr. Paulo Menano: — Sr. Presidente: parece-me que a proposta apresentada pelo Sr. Carlos Pereira é contrária ao Regimento.
Desde que a Câmara votou a urgência e dispensa do Regimento para o meu projecto, evidentemente que a Mesa não pode aceitar qualquer proposta ou requerimento que vise a contrariar essa deliberação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Q Sr. Manuel Fragoso: — Sr. Presidente: apesar de ter sido eu quem iniciou êste debate, foi com extranheza que vi a Câmara aprovar a urgência e dispensa de Regimento para o projecto do Sr. Paulo Menano.
Porém como o Sr. Ministro da Justiça ainda não proferiu qualquer palavra a respeito da votação que acabou de fazer-se, muito desejaria ouvir a opinião de S. Ex.ª
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: devo dizer a V. Ex.ª e à Câmara que as medidas que tencionava apresentar num dos próximos dias, fundamentalmente eram idênticas às do projecto apresentado pelo Sr. Paulo Menano, não podendo por isso deixar de estar de acôrdo com êle.
Todavia parece-me que a comissão devia pronunciar-se, para que amanhã se não possa dizer que foi numa impressão de momento que a Câmara deliberou nesse sentido.
Acresce ainda a circunstância que, se o projecto só fôr discutido daqui a quatro ou cinco dias, não traz desvantagem nenhuma essa demora, visto que a sua aprovação imediata não vai remediar a situação criada pelo júri.
Mas a Câmara resolverá como entender mais razoável.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: é jurisprudência assente nesta Câmara que, quando se inicie a discussão de qualquer projecto de lei, êsse projecto não pode baixar à comissão por simples requerimento, mas por meio de uma proposta, em qualquer caso e em qualquer altura.
Como é isto o que sempre se tem praticado, até por observação do ilustre Deputado Sr. António Fonseca, creio que a minha proposta pode ser posta à votação.
É admitida e fica em discussão a proposta do Sr. Carlos Pereira.
O Sr. Paulo Menano: — Sr. Presidente: devo começar por extranhar que a proposta do Sr. Carlos Pereira seja posta em discussão conjuntamente com o meu projecto, visto que, aprovada a proposta, isso implica evidentemente que o projecto baixe imediatamente à comissão e a discussão fica encerrada.
Em todo o caso a Câmara é soberana e, assim, cumpre-me apenas conformar-me, se bem que protestando contra tal deliberação.
Acerca do projecto de lei tenho ouvido fazer alguns reparos, entre os quais tenho de destacar os dos ilustres Deputados, Srs. Vicente Ferreira, Carlos Pereira e
João Bacelar, mas as razões que S. Ex.ªs quiseram aduzir contra o meu projecto, salvo o devido respeito e melhor opinião, não me parecem suficientemente fortes para fazer modificar a doutrina que estabelece.
Êste projecto não é o produto de um acto impulsivo temporizado.
Sabe-o um grande número de pessoas desta Câmara e até o próprio Sr. Ministro da Justiça, de quem, em constantes conversas com S. Ex.ª, tenho vindo reclamando medidas que de qualquer forma atenuem, pelo menos, o problema.
Eu sei que aos legisladores do. País devem merecer o maior respeito as liberdades individuais.
Num considerando que precede o meu projecto, digo que os nobres e altos intuitos que presidiram à elaboração dos decretos de 1910 e 1911 não têm sido bem compreendidos.
Isto qúere dizer que, na verdade, foram magníficas as intenções do legislador dês-se tempo.
Pretendesse de facto impulsionar a nossa sociedade para uma situação de bondade, de liberdade que infelizmente a nossa sociedade, por atraso mental, por atraso de educação, não pôde atingir.
Isso, repito, não quere dizer que não tenhamos de confessar que as circunstâncias que atravessamos exigem de. todos nós a ponderação precisa para de harmonia com essas circunstâncias nós legislarmos como nos cumpre.
Não é de ontem.
Se o julgamento de Manuel Ramos e outros significam que a sociedade portuguesa se debate num perigo alarmante, o perigo é muito antigo, e por toda a parte se tem demonstrado uma indiferença, uma cobardia, de parte dos indivíduos que são chamados ao exercício da altíssima missão de julgar.
Também sou dos que têm pela liberdade individual o máximo respeito.
Sou dos que, tendo feito carreira no foro, conhecem magistrados que honram os seus lugares e que pediam u absolvição, o que não acontecia quanto à condenação com o mesmo escrúpulo honesto.
Não querendo de maneira nenhuma eximir-se à responsabilidade, não queriam deixar escapar uma palavra, que pudesse servir de estímulo à condenação.
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Comigo sucedeu isso muitas vezes.
Mas seria uma grave responsabilidade e injustiça, se aqui não disséssemos claramente que a magistratura portuguesa é essencialmente honrada e honesta.
Apoiados.
E manifestamente bem orientada, competente e bem intencionada; incapaz de por qualquer maneira contribuir para qualquer indignidade ou injustiça, que só excepcionalmente poderá aparecer.
Uma voz: — Bastava um...
O Orador: — Esse um seria imediatamente apontado; e por tal forma a sociedade portuguesa o receberia que, se a primeira falta poderia ter cometido, não cometeria segunda.
Admitindo todavia essa mesma possibilidade, pregunto à sociedade portuguesa, aos legisladores do meu país se êsse facto seria suficiente para deixar correr, como até agora, o exercício dessa missão, e se não precisa ser remodelado o princípio da liberdade individual que interessa à sociedade portuguesa, porque então seria uma calamidade por falta de meios de defesa, pois os não tem.
Eu, como toda a gente, tenho assistido a certos julgamentos em que os advogados, aproveitando-se da circunstância de serem os últimos a falar, chegam até a deturpar citações dos preceitos legais, no sentido de orientarem a argumentação a favor dos seus constituintes.
Todos nós sabemos que infelizmente esta é a verdade.
O júri, como actualmente é constituído, não oferece as garantias bastantes para corresponder ao fim a que obedeceu a sua instituição.
O recrutamento do júri não é feito com grande selecção, o, assim, frequentes vezes é constituído por indivíduos aos quais falta ilustração' e educação.
Nestas condições, mal preparado para a alta missão que tem a desempenhar, o júri deixa se fàcilmente desorientar, não conservando aquela imparcialidade que deve ter.
A liberdade individual de acção do juiz restringe-se à faculdade de dar o júri por iníquo apenas nas sentenças condenatórias, ao passo que aos réus ficam garantidos os direitos de recorrerem ao júri mixto e a todos os outros recursos até o Supremo Tribunal de Justiça.
Quanto ao prolongamento da prisão para os casos de inocência, êste ponto, é fácil de ser esclarecido num artigo novo, quando não queiram manter-se os precisos termos da Novíssima Reforma Judiciária, que manda que o julgamento se faça no dia imediato ao da primeira audiência.
Embora o réu fôsse julgado debaixo dum ambiente em que os espíritos não estivessem com a necessária calma, êle encontraria no júri mixto a garantia mais que suficiente para não alarmar a situação criada por uma decisão do juiz quando o júri fôsse declarado iníquo.
Parece-me, Sr. Presidente, que desnecessário se torna fazer mais considerações, porque as que produzi, desataviadas e simples, foram, entretanto, fortes para tranquilizar os espíritos liberais de todos aqueles que, com o fundamento do grande respeito devido aos princípios, supõem que o projecto de lei aniquilaria essa conquista útil, a que aliás eu fui o primeiro até, nos considerandos do projecto, a prestar a mais decidida homenagem.
Tenho dito.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: pedi a palavra para sôbre o assunto em questão proferir algumas considerações, embora breves.
Começarei por prestar a minha homenagem ao modo como o Sr. Manuel Fragoso levantou a questão, ao desassombro e coragem com que o fez (Apoiados), e ainda àquela, competência, elevação e também desassombro e coragem com que o meu ilustre colega Sr. Paulo Menano depois a tratou.
Apoiados.
Sr. Presidente: penso, todavia, que o projecto de lei que o Sr. Paulo Menano submeteu à apreciação desta Câmara não chega para resolver a grave questão que nos é proposta; não alcança o objectivo desejado.
Considero, portanto, o projecto precário, deficiente.
Afirmou o Sr. Paulo Menano que não foi por virtude dum impulso, duma sugestão de momento que nesta ocasião mandou para a Mesa o referido projecto de
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lei. Não obstante, eu permito-me pensar que, sem embargo do que S. Ex.ª pensa, efectivamente teria nele influído uma sugestão de momento, determinante dum impulso, porque, com efeito, não íoi a propósito do caso que há dois dias tanto escandalizou a opinião pública que, como S. Ex.ª declara, pensou neste projecto de lei.
Se não tivesse sido o sentimento de ser necessário acudir de pronto a êste caso, que o fez aproveitar, utilizar, trabalho já feito, eu pregunto se ponderando melhor as circunstâncias efectivamente S. Ex.ª não teria trazido à Câmara trabalho mais completo, e, portanto, mais profícuo para atingir o objectivo em vista.
Sr. Presidente: Coram já durante êste debate comentados os decretos de 1910 e 1911, que retiram ao juiz togado a faculdade de dar por vezes como iníqua a decisão do júri quando ela fôsse absolutória, e a obrigação para o mesmo juiz de fazer um relatório do julgamento antes que os jurados recolhessem para responder aos quesitos.
Não obstante a admiração que tenho pelo meu colega Sr. Cancela de Abreu, eu direi que êle quis o aproveitamento do assunto para um ataque político ao autor dêsses decretos.
Mas eu considero o Sr. Paulo Cancela de Abreu incapaz dum ataque político indevido.
A verdade é que êsse decreto foi publicado num tempo em que nada fazia prever uma época de tanta agitação social como aquela que atravessamos, como muito bem disse o Sr. Paulo Menano, e não era exactamente tanto o atraso mental da população, que em parte é verdadeiro; mas êsse atraso ora compensado pela natural brandura do nosso povo.
O que prejudica a doutrina dêsse decreto são os acontecimentos ocorridos depois dessa data.
Os juízos tinham então a obrigação de fazer um relatório, e eu vi em poucos a imparcialidade necessária para fazerem um relatório como devia ser feito.
Não quero citar nomes; um dêles vive ainda, e está no Supremo Tribunal de Justiça, e fazia êsses relatórios como a Novíssima Reforma Judiciária impunha que se fizessem.
Por vezes sucedia que, sem os magistrados darem por isso, êsses relatórios representavam a última palavra do respectivo Ministério Público.
Conta-se até que certo magistrado, e como na anecdota se diz, que escrevera na sua Novíssima Reforma Judiciária, numa margem, uma nota dizendo: «Lembra-te que já não és agente do Ministério Público».
Sr. Presidente: no momento actual, eu vejo umas circunstâncias de tal forma que os juizes tem de empregar toda a sua proficiência e dignidade para bem julgarem, e os júris precisam ser melhorados, pois continuam a manifestar uma má organização, uma verdadeira irregularidade de carácter alarmante para todos nós.
Vê-se da parte dos júris fraqueza, cobardia, falta de instrução, falta de critério, falta dos mais rudimentares conhecimentos.
É preciso, é indispensável remediar êste mal, e quanto antes, ou por tribunais de excepção ou por tribunais comuns.
Repugnam os tribunais de excepção, e o que se impõe é reformar a organização dos tribunais, a reorganização do júri; pois todos nós sabemos que o que leva o júri a proceder por essa forma é a coacção, o terror e p pânico.
O que serviria julgar de novo êsse criminoso?
O segundo júri daria a mesma decisão que o primeiro. É a prática seguida.
Concedendo-se ao juiz togado a faculdade de dar qualquer sentença por iníqua, êle julgaria de direito e de facto e incidiria que qualquer coacção em vez de se exercer sôbre nove homens, exercer-se-ia apenas sôbre um.
Não seria isto mais inconveniente?
Creio que será mais difícil aparedar nove homens do que apenas um; o que é preciso é que êsses nove homens só possam ser recrutados entre pessoas conscientes dos seus deveres e com a coragem precisa para se desempenharem das funções de cidadãos.
A manter êstes julgamentos nos tribunais comuns — com tribunais de excepção eu não concordo — o que há a fazer é seleccionar o júri.
Mas como eu dizia, êste trabalho não pode fazer-se sôbre o joelho. Prestando as minhas homenagens ao ilustre jurisconsulto Sr. Paulo Menano, eu lembraria
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que o seu projecto baixas-se às comissões, aproveitando assim o tempo que gastamos sôbre o assunto, pois assim se faria alguma cousa que fôsse eficaz, já que se reconheceu que o que está não basta..
Sem disprimor para o autor do projecto, eu votaria no sentido que êle baixe às comissões para melhor atingirmos o objectivo que temos em vista.
Tenho dito.
O discurso será, publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Amadeu de Vasconcelos: — Pedi a palavra porque receio que a Câmara deixando-se arrastar pelo. ambiente que resultou do julgamento de Manuel Ramos, praticasse qualquer injustiça.
Disse o Sr. Paul Menano — muito injusto S. Ex.ª Foi — que os advogados muitas vezes interpretam as leis por maneira muito diferente do que elas são, para beneficiar os seus constituintes.
É humano que o advogado se interêsse pelos seus constituintes, mas isso não vai ao ponto de mistificar as leis.
É difícil a um juiz fazer um relatório imparcial, porque, dificilmente se esquece que foi delegado do Ministério Público. Isto vê-se todos os dias.
Na minha prática, já bastante longa, de 25 anos nunca vi que um juiz fôsse absolutamente imparcial, e não é porque o não pode ser.
Àparte do Sr. Paulo Cancela de Abreu que se não ouviu.
O Orador: — Se assim é, deixe-se ao juiz a competência para julgar; é desnecessária a existência do júri.
V. Ex.ª vê, e toda a gente que tem passado pelos tribunais vê isso, que o juiz no seu relatório, em meia dúzia de palavras destrói muitas vezes tudo quanto cora toda a verdade e justiça a defesa tem feito em favor de réu.
Trava-se diálogo entre o orador e o Sr. Paulo Cancela de Abreu.
O Orador: — Como quere V. Ex.ª que um juiz faça um relatório imparcial, desde que êle diante de qualquer réu tem a impressão de que êsse homem è criminoso?
Trocam-se àpartes.
Sem censura para os magistrados que tomaram no julgamento a missão digna de todo o aplauso, poderiam ter evitado a resposta do júri.
Com um relatório os juizes podiam informá-los da maneira como deviam responder. Tenho de facto visto fazer isto.
Mas quando são contraditórias era natural que os juizes, indirectamente, o fizessem.
Depois seria alegada a legítima defesa.
O júri era deslocado das localidades.
O juiz tem a faculdade de dar a decisão do júri por iníqua, e o julgamento é feito com outro júri.
Os jurados julgam ter procedido em defesa da sociedade.
Eis o que me levou a chamar para os factos a atenção da Câmara;
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Marcos Leitão: — Não estando presente o Sr. Presidente do Ministério, peço a V. Ex.ª, Sr. Ministro do Comércio, o favor de lhe transmitir os factos a que me vou referir.
Numa sessão da Câmara Municipal de Alenquer os vereadoras monárquicos levantaram vivas à monarquia.
Os vereadores podem ser monárquicos, mas o que não podem é levantar vivas à monarquia dentro duma sala da câmara municipal.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Vaz Guedes): — Apresentarei as considerações de, V. Ex.ª ao Sr. Presidente do Ministério, para que êle tome as providências que o caso requero.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na segunda feira com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscrevam):
Parecer n.º 493, que fixa penalidades pára os que jogarem jogos de azar.
Parecer n.º 480, empréstimos feitos pelo Crédito Predial às câmaras municipais.
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Parecer n.º 350, empréstimo para construção da Escola Industrial da Figueira da Foz.
Parecer n.º 519, que fixa o número dos conservadores das 3 Universidades.
Parecer n.º 498, que modifica algumas disposições do Código do Registo Civil.
Parecer n.º 476, pagamento de renda nos arrendamentos de prédios rústicos com renda, fixa a dinheiro.
Parecer n.º 427, isenção de direitos do material para o Hospital de Ponta Delgada.
Parecer n.º 353, que autoriza a Caixa de Crédito Agrícola da Régua a avaliar certos prédios.
Parecer n.º 352, criando as comarcas de Cadaval, Carregai do Sal, Ferreira do Zézere, Macieira de Cambra, Penamacor e Sabrosa.
Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam:
Parecer n.º 98, sôbre tirocínio de oficiais que frequentam escolas estrangeiras.
Parecer n.º 205, que dispensa de novo concurso pára promoção, os aspirantes de finanças.
Parecer n.º 378, modificando as disposições da Lei dá, Separação.
Parecer n.º 160, que aplica aos funcionários municipais das colónias as mesmas disposições em vigor para os do Estado, quando de licença.
Parecer n.º 284, que autoriza a nomeação definitiva dum segundo assistente da Faculdade de Sciências de Lisboa.
Parecer n.º 56, que revoga o decreto de 30 de Dezembro de 1910, sôbre feriados.
Parecer n.º 510, que aprova a Convenção. Internacional para supressão do tráfico de mulheres e crianças.
Ordem do dia:
Projecto de lei que repõe em vigor artigos da Novíssima Reforma Judiciária.
Parecer n.º 442, que considera em vigor os artigos 10.º e 11.º da lei n.º 415.
Parecer n.º 302, acôrdo com a Companhia dos Tabacos.
Parecer n.º 385, preenchimento de vagas no quadro dá Direcção Geral dos Impostos.
Parecer n.º 196, que cria o Montepio dos Sargentos.
Projecto do Sr. Francisco Cruz sôbre descontos aos Srs. Deputados.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Notas de interpelação
Desejo interpelar o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior acêrca das ilegalidades e violências cometidas e praticadas pelas autoridades suas subordinadas no distrito dó Funchal, sobretudo no que diz respeito à Junta Geral daquele distrito. — Pedro Pita.
Expeça-se.
Desejo interpelar o Sr. Presidente do Ministério sôbre a política geral do Gabinete.
22 de Junho de 1923. — Cunha Leal.
Expeça-se.
Propostas de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e do Comércio, declarando que as leis n.ºs 971, de 1920, e 1:344 de 1922; sôbre provimento de vacaturas e promoções, não se aplicam nos serviços dependentes da Administração Geral dos Correios e Telégrafos.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Ministro da Instrução, modificando disposições do decreto n.º 5:618, de 10 de Maio de 1919, que reformou a Biblioteca Nacional de Lisboa.
Para o «Diário do Govêrno».
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 503-A que transfere para a Assistência Pública os operários de designadas obras que sejam julgados incapazes do serviço.
Imprima-se.
Da comissão do Orçamento, determinando que os quadros permanentes do exército metropolitano, passem a ser os constantes do decreto de 25 de Maio de 1911, sendo considerados supranumerá-
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rios os oficiais e praças que excedam êsses quadros.
Imprima-se com a máxima urgência.
Da comissão do Orçamento, sôbre o n.º 411-(e), orçamento do Ministério da Guerra para 1923-1924.
Imprima-se com a máxima urgência.
Da comissão de guerra, sôbre o n.º 382-A, que manda aplicar aos oficiais médicos do quadro permanente do exército o disposto no artigo 5.º e parágrafos do decreto n.º 7:823, de 23 de Novembro de 1921.
Para a comissão de finanças,
Da comissão de comércio e indústria, sôbre o n.º 542-I que manda que a Direcção da Exposição do Rio de Janeiro entre nos cofres do Tesouro com o saldo em seu poder, da verba de 200 contos, que lhe foi entregue para despesas com a, Feira de Lisboa.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de correios e telégrafos, sôbre a representação da Western Union Telegraph Company.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Da comissão de legislação civil e comercial, sôbre o n.º 526-A que autoriza a Câmara Municipal de Arouca a vender ou aforar terrenos baldios.
Para a comissão de finanças.
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério dos Estrangeiros, me seja enviada, com toda a urgência, cópia de todos os relatórios elaborados pelo Sr. Afonso Augusto da Costa e relativos ao desempenho da sua missão como representante do Govêrno Português na Conferência da Paz e nos outros em que tomou parte, e em outros actos em que, na referida qualidade, interveio.
Requeiro igualmente que, não sendo possível satisfazer com urgência, esta requisição, me seja facultado o exame dos aludidos documentos. — Paulo Cancela de Abreu.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja enviada, com toda a urgência, nota detalhada, verba por verba, de todas as despesas feitas, quer directamente pelo Ministério, quer pela Junta de Crédito Publico ou, outras repartições do Estado, com publicidade, material, actos preparatórios e outros da emissão e colocação do empréstimo consolidado de 6 1/2 por cento, criado pela lei n.º 1:424, de 15 de Maio de 1923.
Requeiro igualmente que, não sendo possível satisfazer com urgência esta requisição, me seja facultado o exame de todos os documentos relativos às mencionadas despesas. — Paulo Cancela de Abreu.
Expeça-se.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.