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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 116
EM 26 DE JUNHO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Chamada e abertura da sessão. Leitura da acta e do expediente.
Antes da ordem do dia. — Aprova-se na generalidade o parecer n.º 490. Na discussão da especialidade usam da palavra, o Sr. Pedro Pita, João Bacelar e Jorge Nunes.
É aprovada a acta.
Ordem do dia. — O Sr. Presidente dá conta do falecimento do Deputado Sr. Leote do Rêgo, fazendo uma proposta de suspensão da sessão e de nomeação de Deputados que representem a Câmara noa funerais. Associam-se os Srs. Jaime de Sousa, Joaquim Ribeiro, Aires de Ornelas, Cunha Leal, Lino Neto, Agatão Lança, que apresentou um projecto de lei relativo aos funerais. É aprovado com urgência e dispensa do Regimento depois de falarem os Srs. Presidente do Ministério (António Maria da Silva) e Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho).
Suspensa e reaberta a sessão usam da palavra sôbre uma local de A Batalha os Srs. Alberto Jordão e Manuel Fragoso.
O Sr. Abílio Marçal apresenta uma proposta para a prorrogação da sessão parlamentar, em cuja discussão entram os Srs. Carvalho da Silva, Ferreira de Mira, Paulo Cancela de Abreu e Dinis da Fonseca, sendo aprovada a proposta.
Têm a palavra sôbre o artigo 1.º do projecto de lei apresentado pelo Sr. Paulo Menano, os Srs. João Bacelar, Dinis da Fonseca e Amadeu de Vasconcelos, que fica com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Maximino de Matos refere-se a factos passados com a guarda republicana em várias localidades, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
É designada nova ordem do dia e encerrada a sessão.
Abertura da sessão às 15 horas e 20 minutos.
Presentes à chamada 40 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Ginestal Machado.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco da Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Jaime Júlio de Sousa.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
José Carvalho dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
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Diário da Câmara dos Deputados
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel da Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Maximiano de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião Herédia.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pinto Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Pereira Bastos.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Xavier.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
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Germano José de Amorim.
Jaime Daniel Leote do Rêgo.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Barros Capinha.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
ariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 40 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Foi lida a acta.
Dá-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Santarém, reclamando contra várias medidas que afectam os interêsses do município.
Para a Secretaria.
Da Associação Industrial portuguesa, enviando 100 bilhetes de admissão à conferência sob o título «Portugal, Pátria Latina», no dia 27, pelas 21 horas, na Sociedade de Geografia.
Para a Secretaria.
Do comandante da 1.ª divisão militar, pedindo autorização para o Sr. António Maia ser ouvido como testemunha num auto de corpo de delito.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do major general da armada, enviando um auto de notícia contra o Sr. Agatão Lança.
Arquive-se.
Representações
Da corporação da polícia cívica de Braga, pedindo a anulação do § único do artigo 1.º da lei n.º 1:356.
Para a comissão de finanças.
Duma comissão de comerciantes e industriais de todo o país, pedindo a aprovação das alterações à lei do inquilinato apresentadas pelo Sr. Catanho de Meneses.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
De João José Pereira Dias, general reformado, pedindo melhoria de situação.
Para a comissão de guerra.
Telegramas
Da Câmara Municipal de Ribeira de Pena, pedindo a criação duma comarca naquele concelho.
Para a Secretaria.
Da comissão política da Foz (Pôrto), pedindo discussão da lei de expropriações.
Para a Secretaria.
De uma comissão de mutilados do norte, pedindo a atenção para a lei n.º 1:158.
Para a Secretaria.
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Das Juntas de freguesia, regedor do Pinheiro (Felgueiras); Caíz (Amarante); Alvelos (Barcelos); Junqueira (Macieira de Cambra) e Arqui-confrarias de Caíz (Amarante), apoiando as reclamações dos católicos.
Para a Secretaria.
Dos sargentos da guarnição de Portalegre, Guimarães, Moura, Barcelos e Abrantes, pedindo a aprovação do parecer n.º 442.
Para a Secretaria.
Do oitenta habitantes de Gaza (Lourenço Marques), pedindo à nomeação para Alto Comissário dos Srs. Freire de Andrade ou Dr. Moreira da Fonseca.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal do Seixal, pedindo a aprovação do projecto de lei que eleva a 30 por cento as percentagens sôbre contribuições e protestando contra o projecto de lei que fixa as retribuições aos médicos municipais.
Para a Secretaria.
Admissão
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e Instrução Pública, autorizando a transferência de 35. 000$ do capítulo 5.º artigo 36.º do orçamento do Ministério da Instrução Pública para o artigo 39.º do mesmo capítulo, a fim de ocorrer ao pagamento da aquisição dos acessórios de um equatorial.
Para a comissão de instrução superior.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Estão presentes 59 Srs. Deputados.
Vai continuar a discussão do parecer n.º 493.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como não está mais ninguém inscrito, vai votar-se o projecto na generalidade.
Foi aprovado.
É lido o artigo 1.º
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: apresentado o projecto pelos Srs. Crispiniano da Fonseca e Vasco Borges, substituíu-o a comissão de legislação por um outro que neste momento se discute.
Eu não teria escrúpulo em votar o que primitivamente havia sido apresentado mas êste que agora se discute, não sei se deva dizer que dá margem aos maiores abusos se deva afirmar que é uma nova rede para apanhar muitos que não têm razão de ser apanhados.
Não pude, por circunstâncias independentes da minha vontade, discutir o projecto na generalidade, e não vou manifestamente aproveitar a ocasião de discutir o artigo 1.º para fazer considerações na generalidade.
Mas, Sr. Presidente, se tem de constituir-se presunção legal da prática do crime de jôgo o facto de qualquer pessoa ser encontrada na sala ou dependência da casa onde se joga, eu asseguro que ninguém amanhã estará livre de ser acusado do crime de jogar.
Sr. Presidente: desde 1919 que nesta Câmara tenho constantemente pugnado pela regulamentação do jôgo não podendo portanto pertencer ao número daqueles que consideram um crime o jogar.
Acho irrisório classificar de crime um acto que hoje é praticado por toda a gente, que entrou na normalidade, que ninguém se desonra de praticar, e que já fez como crime o seu tempo.
Sr. Presidente: então considera-se criminosa uma pessoa que joga a roleta e o bacará, e não se considera criminosa a que joga na Bolsa, na Santa Casa ou nas corridas de cavalos?
Sr. Presidente: eu declaro terminantemente que se não jôgo, é porque não quero apesar do já ter jogado muito, e acho, na verdade extraordinário que se esteja a perder um tempo precioso a classificar de crime o jôgo.
Nunca é demais salientar que com a receita formidável que o Estado pode tirar do jôgo poder-se há acudir a muita miséria que por aí vai, e instituir-se hospitais, asilos, etc.
E afinal isto não passa de um capricho de manter declarações levianamente feitas.
Sr. Presidente: será talvez o último recurso a empregar por parte daqueles que são contra a regulamentação e favoráveis à repressão.
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Se se transformar em lei êste projecto que neste momento se discute, com todas as tarrachas, com todos os cuidados, com todas as classificações de crimes, com todas as sanções, vai continuar-se a jogar, há-de continuar-se a jogar e então será ocasião de, acima de um capricho, aproveitarem-se receitas enormes e fazer-se a regulamentação do jôgo.
Mas basta olhar para êste projecto de lei, basta atender nas suas disposições, para que fique a convicção de que a comissão tinha a certeza de que estava a pôr uma fechadura que não fechava numa porta que pretendia fechar.
Chega a ser irrisório, na verdade, que eu não tenho outra forma de classificar as penalidades que se aplicam aos indivíduos que jogam.
Mas são formidáveis pelo que representam de perigoso para toda a gente, pelo que representam de facilidades concedidas, para se julgar pelas aparências e pelo conjunto de umas e outras chega-se à conclusão de que o projecto de lei é um monstrozinho que há de ter consequências tremendas que não é fácil neste momento prever em toda a sua amplitude.
Algumas há contudo que podem ser previstas.
Assim são temíveis as aparências que constituem presunções legais de que um indivíduo esteja jogando.
A consequência de ser encontrado na dependência de uma casa de jôgo, ou em determinada sala de jôgo, é bastante para ser considerado jogador.
Pelo facto de ser encontrado numa sala de recreio, numa sala de jôgo, qualquer indivíduo fica imediatamente abrangido na presunção legal e eu não sei se poderá fazer a prova de que não jogava.
A circunstância de discutir o artigo 1.º obriga-me a chamar a atenção da Câmara para o que resultará de contraditório na aprovação dêste e de outros artigos.
Constitui também presunção legal o facto de ser encontrado num prédio qualquer instrumento, de jôgo, podendo pelo artigo 3.º o proprietário requerer o despejo do prédio.
Desta maneira ficam ampliadas as razões estabelecidas no artigo 21.º do decreto com fôrça de lei n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919, pelas quais o senhorio pode despedir o inquilino antes do arrendamento acabar.
Assim o próprio senhorio colocará numa determinada casa, aparelhos ou objectos de jôgo, para no dia seguinte requerer o despejo.
Houve um tempo em que eu e um colega meu na advocacia procurávamos ver qual de nós encontrava melhor pretexto para requerer despejos.
Acharia muita graça que outros tenham encontrado mais um.
Posso bem dizer que descobrimos nessa ocasião vários processos e vários meios, de que usávamos.
Chegávamos a usar de recibos passados pelo próprio senhorio, mas com a assinatura um pouco disfarçada, negando que êsses recibos fossem do próprio.
Com as várias fórmulas encontradas de maior ou menor eficácia, para conseguirmos sofismar um pouco a lei, aparece agora uma que é verdadeira. Um par de dados, uma carta própria para o jôgo do monte que apareçam numa casa qualquer não podem deixar de ser consideradas como objectos de jogar. Ora êsses objectos encontrados dentro de qualquer casa, além de constituírem presunção de casa de jôgo, para qualquer indivíduo encontrado dentro dela, ou sua dependência, poder ser considerado criminoso jogador, são suficientes, para poder dar ao proprietário o direito de requerer o despejo.
Sr. Presidente: não há ninguém dentro desta Câmara que não esteja farto de saber que nunca mais havia dificuldades para o senhorio conseguir o despejo.
Isto que eu penso é consequência de eu ser uma pessoa pouco moral.
Não apoiados.
O crime de jogar é uma troça, e amanhã êste projecto transformado em lei há bastos criminosos.
Eu não tenho receio de ser envolvido pela penalidade que aqui é imposta aos jogadores.
Eu joguei de facto durante muito tempo e perdi muito dinheiro e se o fiz foi porque quis, porque estive disposto a perdê lo e ninguém tem nada com isso.
Hoje não jôgo, há anos que não jôgo, mas não deixei de jogar porque isso fôsse um crime ou porque o meu nome perdesse alguma cousa com isso.
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Eu já apostei com outros parceiros de jôgo que perderia 100$ o que jogasse primeiro, é ninguém deixou de jogar.
Agora temos a multa de 10$ que equivale ao salto de 3 coroas ou ao pleno de $40.
O jôgo é uma verdadeira brincadeira e eu não estou disposto a tomar isto a sério.
Sou o primeiro a reconhecer que o intuito de quem apresentou êste projecto não foi o de brincar; eu sei muito bem que não foi êsse o intuito, mas eu achava muito mais interessante que se regulamentasse o jôgo; pois eu sei que, no fim de se ver que não dá resultado, será então feita a regulamentação.
É claro, Sr. Presidente, que ainda temos a disposição a que há pouco me referi, isto é, de ser dada ao senhorio a faculdade ou o direito de despedir o arrendatário antes de o arrendamento acabar; más suponhamos que o senhorio, autoriza de facto que se jogue.
Acontecer-lhe há, por isso, algum mal?
Manifestamente que não, e assim, Sr. Presidente, tudo isto redunda, nesta parte insignificante, que vem a ser a pequena multa, a que se resiste com facilidade e que não impede cousa nenhuma.
Isto, Sr. Presidente, ainda tem uma grande desvantagem a meu ver e é que todos aqueles que vivem do jôgo o poderão fazer um pouco mais vantajosamente do que o fariam se tivessem de dar ao Estado qualquer receita.
Assim, Sr. Presidente, êsse dinheiro deixará de entrar nos cofres do Estado, por isso que consideram o jôgo imoral, porém, poder-se-ia fazer fàcilmente aquilo a que eu já me referi, isto é, entregar êsse dinheiro aos hospitais e asilos, evitando assim que êle entre nos cofres da polícia, ou para melhor dizer, nas algibeiras da polícia e de muitos que não são polícias.
Sr. Presidente: é absolutamente extraordinário que ainda hoje se pretenda justificar e votar um projecto de lei desta natureza, pois, a verdade é que dentro desta Câmara há muita gente que é criminosa, uns que já jogaram, outros que ainda jogam e ainda outros a quem nada repugna jogar.
Chega, Sr. Presidente, a ser pouco sério que nós que consideramos o jôgo um crime e que nenhuma dúvida temos como eu não tenho, em declarar que já jogamos não nos repugna o facto de voltar a jogar, continuemos a apertar as mãos uns aos outros.
Isto, Sr. Presidente, não passa de música celestial e o voto formulado no Congresso Democrático vai ter efectivação, transformando dentro em breve êste projecto em lei.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. João Bacelar: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de eliminação do § único do artigo 1.º
Antes de fazer, porém, as considerações que desejo apresentar à Câmara, eu desejo, explicar à Câmara a razão porque assinei o parecer com declarações, declarações essas que dizem respeito justamente ao § único do artigo 1.º e bem assim a outros artigos dêste parecer.
Sr. Presidente: tendo eu sido relator na comissão do legislação criminal do projecto sôbre a regulamentação do jôgo, e tendo eu sido até certo ponto favorável à regulamentação, eu devo dizer Sr. Presidente que estou absolutamente convencido da impossibilidade que há de reprimir o jôgo por uma forma absoluta, considerando muito mais imoral e prejudicial sob todos os aspectos a forma como actualmente se joga, do que regulamentá-lo convenientemente, como se está fazendo em todos os países.
Disse o ilustre Deputado Sr. Pedro Pita que esta parte era, muito principalmente o seu § único do artigo 1.º, uma brincadeira.
Na realidade assim é Sr. Presidente, pois, a verdade é que nós nos achamos impossibilitados de ir a qualquer parte, isto é, a qualquer casino ou clube, visto que dum momento para o outro nos podemos ver envolvidos em qualquer caso, por isso que efectivamente em Lisboa joga-se em diferentes pontos e assim, Sr. Presidente, todos nós amanhã nos podemos ver envolvidos num processo crime, caso seja aprovado êste § único do artigo 1.º
É na realidade uma cousa que não tem justificação, e a sua transformação em lei
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é digna de lamentação para a Câmara que o aprove.
Nestas circunstâncias, enviarei para a Mesa uma proposta de eliminação dêste § único.
Isto não significa que eu concorde com a redacção do artigo 1.º, mas, para confirmação do meu ponto de vista de que se torna absolutamente impossível uma repressão eficaz do jôgo, entendo de toda a conveniência dar aos poderes públicos todos os meios que julguem indispensáveis para efectivar essa repressão.
O que se está passando entre nós não 6 mais do que uma imitação do que se fez em França, onde há anos, após uma campanha da imprensa e da opinião pública contra a permissão do jôgo, contra as imoralidades, contra os desastres e contra todas as misérias a que dava lugar, se constituiu uma comissão de que fizeram parte, em primeiro lugar, as próprias autoridades policiais, muitos Deputados e alguns Ministros e que tinha por fim efectivar uma repressão violenta.
Constituiu-se essa comissão e, passados cinco anos, foi votada, quási por unanimidade, uma regulamentação do jôgo.
Vejo, Sr. Presidente, que em Portugal se vão seguindo as mesmas etapas. Houve já, realmente, a campanha violenta, há um projecto de lei que os seus autores julgam o indispensável para promover uma repressão eficaz e rigorosa.
Estou certo de que, também, depois desta experiência, a opinião pública há-de reclamar uma regulamentação capaz e rigorosa, porque os seus inconvenientes morais serão nulos em relação à situação actual e as suas vantagens económicas, aproveitadas como devem ser, serão realmente de considerar.
Envio, pois, para a Mesa uma proposta de eliminação do § único do artigo 1.º
Tenho dito.
É lida na Mesa e admitida a proposta de eliminação do § único do artigo 1.º
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: quando V. Ex.ª me concedeu a palavra na generalidade, não estava eu na sala. Nestas condições, falando apenas sôbre o artigo 1.º, compreende V. Ex.ª que eu não posso fazer aquelas considerações que entendia dever fazer à Câmara, não para a elucidar, porque o está já suficientemente, mas para mostrar mais uma vez que não é um espírito de alta moralidade que orienta os que lá fora combatem o jôgo e àqueles que aqui dentro entendem que a repressão deve ser decretada, mas duma forma eficaz.
Nunca joguei.
Trocam-se vários àpartes.
O Orador: — Veja V. Ex.ª, Sr. Presidente, como nesta sala, onde uma polémica se estabelece acêrca dum projecto de lei que reprime o jôgo, esta minha declaração tam franca, tam simples, tam singela, causou o pasmo dos meus ilustres colegas. Não acreditou ninguém e eu posso dizer a V. Ex.ª que, de facto, não tenho jogado qualquer dêstes jogos que estão consignados no artigo 2.º o que são considerados imorais e atentatórios da paz o do sossêgo domésticos. Não falo porque entendo que o jôgo é indispensável numa sociedade, mas, também, não me move o despeito ou o espírito de révanche, como possivelmente sucede a alguns que o combatem. Muito menos, porém — porque isso é que seria afrontoso para mim — eu viria aqui combater o jôgo pela simples razão de que os meus correligionários me tivessem dado um mandato imperativo de defender êste parecer.
Também sou um partidário; todavia, pode um congresso do meu partido tomar resoluções, mas, quando elas não forem consentâneas com o meu modo de pensar e com o meu critério, sairei do meu partido e não as aceitarei.
Estamos em face duma maioria saída do Partido Democrático que, por ser o mais velho do regime, é o mais forte, e eu não compreendo como é que êste partido recebe um mandato imperativo, dumas dúzias — talvez a tanto não chegassem — que entendem que é mais necessário, que é indispensável para a boa marcha do País fazer uma lei repressiva do jôgo, que antecipadamente sabem não surtir efeito o que até pode ser uma habilidade, uma forma de ladear a questão, para se vir exigir a regulamentação, provado como ficará que a repressão é inútil.
Apoiados.
A eterna comédia da repressão do jôgo! A principiar pelo próprio Govêrno, quem é que pode garantir que a lei
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dêsse projecto se efectivará? Pois não sabemos que há mil e uma maneiras de iludir a policia e que é fértil o empenho do jogador, de modo a que sempre, em toda a parte e quando queira, o jôgo se exerça, e então com o carácter clandestino, que é o pior por dar mais lugar à fraude, ao roubo, ao latrocínio? Então não vivemos numa sociedade em que o homem é livre nos seus destinos? Então eu vou determinar que só possa ter automóvel quem possua uma certa fortuna ou exigir porventura que apenas se coma, se beba, se goze dentro dos rendimentos próprios? E tudo isto, quando temos a regulamentação da prostituição?!
Comecei por dizer que nunca tinha jogado. Não jôgo porque me não interessa o jôgo, mas tive ocasião de subscrever um projecto de lei regulamentando-o. Muita gente que ouve falar na regulamentação do jôgo calcula que a cada esquina será aberta uma casa de jôgo.
A única forma de o melhorar é regulamentá-lo.
V. Ex.ª sabe que nas terras estrangeiras onde se exerce o jôgo os nativos conhecem o jôgo apenas por ouvir falar nele.
Tenho quási a certeza de que êste projecto será lei morta; há-de ser lei do País porque a maioria, obedecendo a um pequeno grupo do congresso partidário, assim o quere. Mas depois de ver que isso é impossível de cumprir há-de com o seu silêncio admitir a regulamentação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovada a acta e entrou-se na
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — É com profunda comoção que eu tenho que comunicar à Câmara a triste notícia do falecimento do Sr. Leote do Rêgo.
Não vou fazer o elogio dêste homem público, mas não posso deixar de salientar que era um distinto oficial de marinha e foi durante a Grande Guerra quem — sem desprimor para ninguém — na armada tomou o primeiro papel, desenvolvendo uma enorme actividade para a participação de Portugal na Grande Guerra.
Leote do Rêgo, querendo bem afirmar os seus princípios não só limitou a fazer a propaganda, porque quando chegou ao momento oportuno assumiu o comando da divisão naval e deu à guerra os seus três filhos.
Apoiados.
São êstes factos que não se podem esquecer, como não s e pode esquecer a vibração da sua alma quando êle tratava das questões internacionais.
Leote do Rêgo deixa nesta Câmara um lugar que dificilmente será preenchido.
Estou certo de que V. Ex.ªs vão colaborar comigo, por isso não quero tomar mais tempo à Câmara, e termino propondo que em sinal de sentimento a sessão, logo que finde a comemoração, fúnebre, seja suspensa por 30 minutos e que seja nomeada uma deputação que represente esta Câmara nos funerais.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: é com profundíssima comoção que em nome dêste lado da Câmara, em meu nome pessoal e como oficial de marinha, eu me vou associar à proposta e às palavras de V. Ex.ª
É uma grande figura de português e de patriota que acaba de desaparecer com a morte do almirante Leote do Rêgo. Eu era muito novo ainda quando me habituei a considerar êsse homem como um alto valor nesta terra. Êle era, então, primeiro tenente da armada, e quando cheguei a Moçambique pela primeira vez falava-se já no nome dêsse homem com todo o respeito. Êle tinha feito já então como militar cousas fora absolutamente do comum. Assim, comandante de um navio no rio Zambeze, êle tinha subido o seu curso mais alto do que ninguém; êle tinha passado pela primeira vez a garganta da Lupata, que é qualquer cousa muito difícil de transpor; êle tinha determinado, pela primeira vez também, rigorosa e scientíficamente, toda a posição exacta das cataratas do Queborabassa, até então confusamente indicadas. Era, emfim, um oficial que já se apontava como sendo qualquer cousa de distinto entre os mais ilustres, membros da corporação da armada.
Volvidos anos êsse homem, comandando navios nas costas das colónias, ilustrava-se sempre pela forma brilhante como conduzia o seu navio, pela forma arris-
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cada e decidida como se metia nas questões e nos problemas, e era considerado entre os novos oficiais da armada já como mestre, cujos exemplos e cujos conhecimentos eram de seguir e de attender.
Sr. Presidente: é ainda êste homem que volvidos muitos anos, em ocasião de grave perigo para o equilíbrio político do país, eu venho encontrar comandando e dirigindo superiormente um movimento de restabelecimento de todo o prestígio da República, como alma e figura primacial dêsse movimento. Foi em 1914 êsse facto histórico, o logo após êle veio a guerra e é ainda o almirante Leote do Rêgo que com Norton de Matos e Afonso Costa constituem êsse triunvirato, que já hoje pertence à história, em torno do qual se juntaram todos os esfôrços e decisões para que Portugal fôsse ocupar entre as nações beligerantes aquele lugar que como nação civilizada e como detentora ainda hoje dum dos primeiros impérios coloniais tudo lhe indicava que ocupasse. Eu reporto-me às palavras que V. Ex.ª ainda agora pronunciou sôbre êsse acontecimento histórico. Leote do Rêgo não só viu claramente que os interêsses da Pátria estavam ligados à nossa acção na guerra, mas ainda quando se tratou de tomar lugar e posição no conflito êle marchou na vanguarda de todos. Lembra-se V. Ex.ª e a Câmara que foi do gesto realizado pelo almirante Leote do Rêgo, da apreensão dos navios alemães e da mobilização naval que já então se fazia, que resultou a declaração de guerra por parto da Alemanha e consequentemente a nossa entrada na guerra.
Em seguida desenrolaram-se os acontecimentos que estão presentes na alma nacional, e então ficou acentuado mais do que nunca que êsse homem era um daqueles cujo nome ficava escrito para sempre na história portuguesa, porque êle, primeiro do que ninguém ou tanto como os melhores, viu em toda a extensão e com toda a clareza a verdadeira essência do problema.
Sr. Presidente: recorda-se V. Ex.ª que o actual venerando Chefe de Estado, quando então era simplesmente Deputado nesta Câmara, apresentou um projecto de lei para que fôsse dada, por distinção, a êsse grande homem a promoção ao pôsto imediato.
Eu tive a honra de interferir também no andamento parlamentar dêsse projecto de lei, e tive a honra também de ter sido o Deputado que pedia, quando êsse projecto já estava demorado na discussão parlamentar, para que êle fôsse discutido em determinada ocasião, o que se aprovou, tendo sido o projecto de lei votado sem uma única discrepância.
Foi de facto promovido por distinção o almirante Leote do Rêgo, e essa distinção não correspondeu, no momento mais do que a um preito de justiça a um valor que todo o país reconheceu.
Nesta altura só nos cumpre atentar bem nessa figura de grande patriota, atentar bem nos factos que marcam toda a vida dêsse homem ilustre, para que o seu estudo e análise possam servir para encaminhar aqueles que ainda num pessimismo que não se justifica têm dúvidas sôbre o futuro da Pátria, mostrando-lhes, com êsse grande exemplo, que é pelo trabalho, energia, decisões patrióticas e convicções no sentido do máximo sacrifício pela mesma Pátria, que se contribui para que ela seja cada vez maior.
Apoiados.
Sr. Presidente: é com profunda comoção que, em nome dêste lado da Câmara, em meu nome pessoal e como oficial de marinha, me associo sentida e profundamente às considerações e propostas que V. Ex.ª acaba de fazer.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem. Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Sr. Presidente: falta-me a serenidade precisa para bem me desempenhar da missão de que me encarreguei pelo facto da morte do almirante Leote do Rêgo. Essa comoção que sinto advém da muita amizade mútua que nos unia. Lembro-me neste momento efectivamente de todas as delicadezas, afectuosidades e estima de que lhe fico devedor.
Sr. Presidente: falando em nome dos colegas independentes desta Câmara, permita-me V. Ex.ª que afirme que todos tinham pelo almirante Leote do Rêgo a consideração que se deve ter por um homem ilustre.
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Sr. Presidente: aqui dentro desta Câmara o Sr. Leote do Rêgo era uma alta figura. Estou bem certo que não há quem não reconheça quanto valia a personalidade de Leote do Rêgo.
Leote do Hêgo amou muito a sua Pátria. Em África prestou grandes serviços durante muitos anos.
Aqui a sua palavra ouvia-se sempre brilhante e fluente, versando os assuntos mais complexos.
Merece desta Câmara a homenagem mais comovida. Não era republicano histórico, mas poucos republicanos antigos prestaram mais serviços à República do que êle. Essa justiça devo fazê-la aqui.
Não era rico. Morreu Leote do Rêgo, e morreu não devendo nada à República.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Aires de Ornelas: — É sempre com sentimento e profunda comoção que vemos desaparecer de ante nós alguém, e ainda mais alguém com quem ontem falávamos aqui.
Eu tinha com Leote do Rêgo relações que se não esquecem, tomadas nos tempos inolvidáveis do comissariado geral de Moçambique, no tempo daquele grande português António Enes.
Infelizmente a República, que tanto tem separado e dividido, durante muitos anos separou as nossas relações pessoais, que só se vieram a reatar sob o mútuo impulso da defesa dos interêsses do país, especialmente duma província, Moçambique.
São estas recordações, e só estas, de que quero hoje falar, e com saudade lembro êsse tempo e essa época em que Portugal nos aparece mais solene e brilhante do que hoje. São estas recordações sobretudo que nos impelem a continuar a servi-lo para que possa readquirir o lugar a que um tam glorioso passado lhe dá jus.
Depois, quando através da Grande Guerra, em que o país se debatia num dos mais críticos problemas da nossa história, também mostrei sempre do meu lugar que estava ao lado dos defensores da entrada de Portugal na guerra, ao lado dos aliados.
Apoiados.
A essa comunidade de ideas e de acção muitas vezes se referia, em conversas comigo, ultimamente Leote do Rêgo, desejando tirar como consequência, em grande parte, da união dos nossos esfôrços a integridade do património colonial português.
A maior homenagem que, estou convencido, eu poderei prestar à sua memória, por isso que seria aquela que melhor lhe cairia na alma, é a de recordar os serviços que êle prestou à nossa província de Moçambique, como oficial de marinha e patriota.
Vai, pois, para êsse distinto oficial o preito da minha saudade, associando-me, em meu nome pessoal e no da minoria monárquica, à homenagem proposta por V. Ex.ª à memória dêsse bom português.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: nunca como hoje eu senti tanta pena da minha insuficiência ao representar o meu partido num preito de homenagem à memória dum nosso colega nesta Câmara.
Eu não desejo, Sr. Presidente, invocar o nome de Leote do Rêgo para relembrar só as suas qualidades.
Se a minha insuficiência mo permitisse eu invocaria o homem, com os seus defeitos e as suas qualidades, para o tornar compreensível.
Quereria demonstrar que através de todas as ambições e de todas as lutas políticas as qualidades das criaturas, quando são superiores aos defeitos, impõem-se sempre e apesar de tudo.
Não quero invocar Leote do Rêgo do 14 de Maio, mas sim o grande propagandista da guerra e o homem sempre pronto a defender a Pátria e a República.
Sr. Presidente: entrei ontem por acaso, na sala onde ocorreu o prelúdio da agonia de Leote do Rêgo. Vi-o abatido, vi-o sufocado, porque o seu coração, com todos os seus defeitos e com todas as suas virtudes, aniquilara o homem. Esforçaram-se então os médicos para fazer voltar à vida o homem que tanto soubera amar o seu País e que sempre através de todas as lutas políticas, soubera afirmar a sua individualidade forte. Nessa hora como nunca, eu vi como a sua figura era galharda. Parece que a vida se lhe tinha
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refugiado nos olhos, e o seu olhar tinha um brilho invulgar, como se quisesse significar que ia encontrar na morte a paz para todos os sofrimentos, para todas as ambições e para todas as vicissitudes.
Leote do Rêgo era alguém; homem de grandes defeitos, de ambições insatisfeitas, sentindo-se injustamente ferido nas suas aspirações, possuía ao mesmo tempo qualidades nobres que lhe impunham o respeito e o reconhecimento do seu mérito.
Leote do Rêgo sabia encontrar em si próprio a grandeza do perdão para aqueles que elo supunha que o não ajudavam a satisfazer as suas ambições, que afinal não tinham outro objectivo que o desejo de servir o seu País.
Leote do Rêgo era, repito, alguém neste País e oxalá que nós, através das lutas políticas, não nos lembremos de que os homens só são alguém depois de morrerem.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: por parte da minoria católica associo-me com o vivo sentimento à proposta de V. Ex.ª por motivo da morte do nosso querido colega Sr. almirante Leote do Rêgo.
Efectivamente Leote do Rêgo foi alguém no nosso meio, oficial dos mais distinto da nossa marinha de guerra e homem público de relêvo.
Teve responsabilidades especiais, ligadas a alguns factos da nossa política comtemporânea, intervindo por vezes ruidosamente na marcha da administração pública. A história o julgará.
Sr. Presidente: eu peço licença para chamar a atenção da Câmara sôbre o precário da existência humana.
Só valem na vida os sacrifícios quando são feitos por um ideal, e felizes aqueles que sabem elevar o horizonte da vida até ao infinito do espírito. Faço sinceros votos para que a alma de Leote do Rêgo tenha encontrado êsse caminho de vida eterna.
Perante a memória do Leote do Rêgo descubro-me com respeito, sentindo profundamente a morte dum companheiro tam correcto e tam leal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: associando-ma às palavras de homenagem que dos diferentes lados da Câmara têm sido proferidas à memória de Leote do Rêgo, não faço mais do que cumprir o meu dever.
Faço-o, porém, em condições excepcionalíssimas, condições que provém do meu estado de profunda mágoa e da grande prostracção em que me encontro, sem dormir há mais de 48 horas.
A noite de ante-ontem passei-a a bordo dum dêsses navios que Leote do Rêgo tanto amava e esta última junto dêsse meu grande e querido amigo, oficial de marinha dos mais distintos que tenho conhecido e que me deu os primeiros ensinamentos a bordo do primeiro navio em que tive a honra de embarcar.
É cedo para só avaliar das qualidades dêsse alto espírito que brilhou sempre como astro de primeira grandeza nos serviços que desempenhou.
Muitas vezes nós ouvimos discursos em que manifestava as suas opiniões que interessavam à vida nacional, discursos muito diferentes daqueles que por vezes se ouvem nesta Câmara.
Ainda o seu corpo está quente e ainda é cedo para revelar ao público todos os seus serviços, mas eu, que durante dez anos servi na marinha e tive a intimidade da sua convivência, posso dizer à Câmara, posso dizer que sofreu ultimamente os mais duros golpes morais que a sua alma podia sofrer.
Ainda agora recebeu um profundo golpe que muito o fez sangrar.
Êsse homem, que tudo colocava acima dos seus interêsses particulares, que tantos anos serviu a República, teve de viver com a sua mulher e os seus filhos a vida dum estudante pobre, numa pensão, vendo destruída a sua casa, que tinha constituído com muito trabalho e sacrifícios.
A bordo dos seus navios, manobrava-os com tanta galhardia, que nos pôrtos estrangeiros recebeu sempre os maiores elogios.
Êsse homem tinha um grande defeito para os políticos.
Não ocultava os seus pensamentos para bem servir os interêsses nacionais, e talvez por isso lhe fizeram uma guerra pessoal.
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Se Leote do Rêgo quisesse satisfazer vaidades, muitas ocasiões teria tido para isso.
Algumas vezes foi convidado para Ministro; posso afirmar que o Sr. Afonso Costa o convidou a entrar num Govêrno da sua presidência, tendo eu sido quem entregou, a comunicação da sua escusa, podendo afirmar o patriotismo dêsse verdadeiro português.
Toda a sua vida teve sempre o fim de a consagrar aos interêsses da Pátria e das colónias, de forma que Portugal fôsse levado sempre ao apogeu da glória.
Nesta Câmara, em que há tantos Deputados que tem a honra de vestir uma farda é oportuno lembrar que êle foi um dos mais acérrimos defensores e propagandistas da nossa defesa em 1911, e em conferências e milhares de artigos sôbre o problema da marinha e defesa nacional pregou sempre a união entre o exército e a armada.
Quando foi comandante da divisão naval prestou relevantes serviços ao País, devido ao seu espírito de organização e ao seu sabor.
Só o culto pela Pátria era superior ao seu amor à marinha.
A profunda emoção que me passa pela alma não permite que eu laça um esboço tam completo, como justo seria que se fizesse, da vida do almirante Leote do Rêgo.
Tam pouco posso dar uma idea completa da mágoa e profunda dor que me confrangem o coração.
Termino estas palavras simples e de justiça, desejando paz à sua alma.
Envio para a Mesa um projecto de lei assinado por mim e pelos oficiais de marinha que fazem parte desta Câmara, que quiseram dar-me a honra do subscrevê-lo. Vai ainda assinado por um Sr. Deputado que não é oficial de marinha, mas que é um grande português que viveu ao lado do almirante Leote do Rêgo horas de ansiedade para a República, e que muito admirava as qualidades daquele grande marinheiro. Êsse Sr. Deputado é o Sr. Joaquim Ribeiro.
O projecto de lei é concebido nos seguintes termos:
Considerando que o almirante Jaime Daniel Leote do Rêgo foi uma alta figura da Pátria e da República;
Considerando que durante os trinta e oito anos da sua carreira de oficial da armada manifestou inexcedíveis qualidades de brio militar, de competência profissional e de acrisolado amor pela farda que vestia e que tanto honrava;
Considerando que no desempenho das funções públicas que lhe foram confiadas se houve sempre com superior zêlo, esclarecida inteligência e notável sentimento patriótico;
Considerando que a sua acção política foi norteada sempre por um grande amor a Portugal, que êle desejava ver elevado ao mais alto apogeu da glória e da prosperidade:
Temos a honra de propor à consideração da Câmara dos Deputados o seguinte projecto de lei:
Artigo único. É o Govêrno autorizado a realizar os funerais do almirante Jaime Daniel Leote do Rêgo.
§ único. O Govêrno abrirá os créditos necessários para a execução desta lei.
Sala das sessões, em 26 de Junho de 1923. — Os Deputados, Armando Pereira de Castro Agatão Lança — Mariano Martins — Jaime de Sousa — Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro — O Presidente do Ministério, António Maria da Silva.
Requeiro para êste projecto de lei a urgência e dispensa do Regimento e declaro que êle tem o concordo do Sr. Ministro das Finanças.
Tenho dito.
Vozes gerais: — Muito bem. Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tanto V. Ex.ª, Sr. Agatão Lança, como os outros Srs. Deputados que assinam o projecto com V. Ex.ª deverão calcular bem com quanto sentimento me vejo obrigado a declarar que o seu projecto não pode ser aceito na Mesa, por virtude da lei-travão.
Tem de ser da iniciativa do Govêrno.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Peço a palavra para explicações.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra.
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O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Pedi a palavra para declarar em nome do Govêrno que êste perfilha inteiramente o projecto da autoria do Sr. Agatão Lança.
Vozes: — Muito bem.
Seguidamente entrou em discussão o projecto, com urgência e dispensa do Regimento, conforme resolução unânime da Câmara.
O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho): — Tomo a palavra para em meu nome e no do Govêrno a que pertenço associar-me às propostas da Câmara.
Sr. Presidente: o falecido almirante Leote do Rêgo, ocupou indubitavelmente, adentro da República, um lugar de notável destaque.
Mais, talvez, como marinheiro, que o era dos melhores, do que como político, o ilustre morto prestou ao país grandes e relevantes serviços.
O almirante Leote do Rêgo foi reconhecido, unanimemente, como um dos mais distintos ornamentos da nossa marinha de guerra.
Era militar disciplinador e cumpridor.
Durante o período da Grande Guerra a sua acção tornou-se notável, como comandante da divisão naval.
Tive a honra de exercer as funções de Ministro da Marinha durante o ano de 1916 e parte do de 1917 e então foi-me dado ensejo de reconhecer a grande competência profissional do almirante Leote do Rêgo, à qual aliava grandes faculdades de trabalho e grandes qualidades de chefe, dispondo de rara e ponderada energia.
Cumpro, pois, um dever de justiça associando-me às propostas da Câmara e de V. Ex.ª, e manifestando o meu desgosto pela morte dêsse grande português que à Pátria dedicou sempre o seu mais desvelado carinho.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
Não havendo mais ninguém inscrito, foi feita a votação do projecto que ficou aprovado.
O Sr. Presidente: — Em sinal de sentimento está a sessão interrompida por meia hora.
Eram 17 horas e 30 minutos.
Às 18 horas e 10 minutos o Sr. Presidente reabre a sessão.
O Sr. Sousa Rosa: — Requeiro dispensa da leitura da última redacção do projecto de lei referente aos funerais do saudoso almirante Leote do Rêgo.
Foi dispensada a leitura.
O Sr. Alberto Jordão (para explicações): — Sr. Presidente: fui informado de que num jornal que se publica em Lisboa, A Batalha, bordando-se considerações a propósito da atitude assumida nesta casa do Parlamento pelo ilustre Deputado Sr. Manuel Fragoso, relativamente à absolvição do indivíduo de nome Manuel Ramos, que cometeu determinados delitos, o meu nome aparece, dizendo-se que eu devia ter intervindo, se estivesse presente quando o Sr. Manuel Fragoso falou, a fim de avivar a memória de S. Ex.ª lembrando-lhe que êle tem responsabilidades na fabricação de bombas e na prática de determinados actos em que, se realmente alguma responsabilidade S. Ex.ª tivesse, muito mal o colocaria.
Pois, Sr. Presidente, a mim apraz-me afirmar nesta casa do Parlamento o seguinte:
Conheço os acontecimentos que se deram em Évora e a que o jornal A Batalha se reporta, e posso afirmar que não só o Sr. Manuel Fragoso não tem a mais pequena responsabilidade na fabricação de bombas ou cousa parecida, como também não interveio, nem de perto nem de longe, nos acontecimentos, nos tumultos que em determinada ocasião ocorreram em Évora e de que resultou a morte de um rapazola.
Quanto a mim trata-se simplesmente de uma calúnia levantada ao Sr. Manuel Fragoso a quem me apraz render as minhas homenagens.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel Fragoso (para explicações): — Sr. Presidente: começo por agradecer ao Sr. Alberto Jordão as referências que fez à minha pessoa; estou-lhe
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muito e muito obrigado. Somos Velhos camaradas nas lutas republicanas, sabemos, portanto, do nosso passado de republicanos, de trabalhadores, de lutadores nossas ideas.
Um ao outro não podemos fazer senão estas referências, sabendo, portanto, a lealdade com que sempre temos procedido.
Também li o artigo em que fui atacado e a primeira impressão que tive foi de que não se tratava de mim, mas de uma outra pessoa com o mesmo nome. Confesso que fiz a êsse indivíduo a injúria de acreditar que tivesse fabricado ou atirado bombas, tam longe eu estava de que me fôsse atribuída essa idea. Não tive portanto, a intenção de me defender de tais acusações, em primeiro lugar porque vi logo a má fé com que essas acusações me foram feitas e em segundo lugar porque outros jornais as não reproduziram.
Estimei que o Sr. Alberto Jordão tivesse espontaneamente feito as considerações que fez.
Eu sou, não sei se dos poucos ou dos muitos que podem afirmar desassombradamente que sempre condenaram é uso da bomba de dinamite, fôsse em que circunstâncias fôsse.
Nunca as vi nem de perto nem de longe, nunca as mandei fabricar, nem nunca tive entendimentos com bombistas.
Quanto ao caso de Évora digo e afirmo com a consciência perfeitamente tranquila que dêsses acontecimentos só tive conhecimento depois e que fui um dos que imediatamente; ao ter conhecimento dêsses factos os verberaram e condenaram; tive essa coragem e fi-lo tratando com republicanos que impensadamente tinham ido para uma manifestarão tumultuosa nas ruas de onde derivaram os tristes acontecimentos que infelizmente se deram na cidade de Évora.
Ao Sr. governador civil do distrito, cujo nome não vem para o caso, fui um dos primeiros a censurá-lo por consentir que essa manifestação se produzisse. Fui sempre assim, e após Monsanto, sabem-no aqueles que me viram, durante duas noites evitei que se produzissem assaltos às casas dos monárquicos: entrei no Comissariado da Polícia de Évora na noite de Monsanto para exigir e conseguir, que os monárquicos que estavam nos calabouços infectos, para onde costumam ir os presos por crimes comuns, fôssem transportados para uma sala privada do govêrno civil.
Sr. Presidente: deixe-me V. Ex.ª concluir as minhas considerações com estas palavras: considero-me na vida — e não sei se todos poderão falar assim — um homem inteiramente feliz, e só os que não são maus podem fazer esta afirmação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se a uma contraprova que ficou suspensa na última sessão por falta de número; antes, porém, vou mandar ler a proposta sôbre que vai recair essa contraprova.
Leu-se na Mesa a proposta.
Fez-se a contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 30 Srs. Deputados e sentados 26; está, portanto, rejeitada a proposta.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o projecto na generalidade.
Pôsto à votação foi aprovado.
O Sr. Jaime de Sousa: — Por parte da comissão dos negócios estrangeiros mando para a Mesa o parecer da mesma comissão sôbre a proposta que aprova, para ratificação, o tratado de paz com a Hungria.
O Sr. Abílio Marçal (para um negócio urgente): — Sr. Presidente: pela última votação do Congresso deve o Parlamento terminar os seus trabalhos no próximo dia 30. Como êste tempo é absolutamente insuficiente para discutir e fazer votar, em ambas as casas do Parlamento, não só os orçamentos como outras medidas que o Govêrno ainda precisa do trazer ao Parlamento, medidas necessárias à vida económica do País, não podendo, portanto, encerrar-se o Parlamento sem discutir essas medidas, tenho a honra de mandar para a Mesa uma proposta em que a Câmara toma a iniciativa da reunião do Congresso da República pura deliberar sôbre uma nova prorrogação da sessão parlamentar, proposta para, a qual pego urgência e dispensa do Regimento.
Foi concedida a urgência e dispensa do Regimento.
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A proposta é a seguinte:
Proponho que nos termos da alínea f) do artigo 23.º da Constituïção, esta Câmara tome a iniciativa duma convocação do Congresso para em sessão conjunta das duas Câmaras deliberar sôbre a prorrogação da actual sessão legislativa. — Abílio Marçal.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: não tomarei muito tempo à Câmara, mas não posso deixar de pôr em relevo que nós tínhamos razão quando dissemos que era insuficiente a prorrogação votada.
É indispensável que se estabeleça quais os projectos principais que devem ser discutidos nesta prorrogação, projectos de interêsse nacional e não projectos de política local.
Entre essas medidas deve figurar o projecto da redução das despesas, a redução dos quadros do funcionalismo.
Nós não mandamos para a Mesa uma proposta nesse sentido pois sabemos a sorte que ela tinha, mas o ilustre Deputado Sr. Abílio Marçal ou qualquer Deputado da maioria devem fazê-lo e nós assim dar-lhe hemos o nosso voto.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: é lamentável que se chegue a êste período da sessão legislativa sem estarem discutidos os orçamentos.
Apoiados.
Falta votar nesta Câmara o orçamento da Guerra, e no Senado, se me é permitido fazer referência a essa Câmara, faltam vários.
Isto tudo por culpa da maioria.
Apoiados.
Viu-se que a pressa de discutir de afogadilho os orçamentos deu êste resultado.
Apoiados.
Vamos por consequência, Sr. Presidente — e nisto mostro à maioria e ao Govêrno como fui sincero na sexta-feira passada, dizendo que só faria dêste lado da Câmara, uma clara oposição, mas de Govêrno — votar a proposta que veio daquele lado da Câmara, para que o Congresso se reúna e seja prorrogada a sessão.
Sr. Presidente: desejo ainda frisar que viemos encontrar o período de «antes da ordem do dia», completamente pejado com uma série de projectos de todos os tamanhosa e importâncias (Apoiados) com prejuízo dos oradores que pretendam trazer a esta casa do Parlamento, qualquer incidente ou acontecimento de ocasião.
Lembro a V. Ex.ª e à Câmara, que é de toda a conveniência reservar determinado espaço de tempo para os Srs. Deputados tratarem dêsses assuntos, pois evita-se que constantemente sejam pedidos para em «negócio urgente» tratar desta ou daquela questão, com manifesto prejuízo do bom andamento dos trabalhos parlamentares.
Seria igualmente de toda a conveniência que o Govêrno e a maioria nos indicassem quais aqueles projectos para que necessitam da assistência parlamentar, pois não se compreende que a prorrogação se faça, simplesmente para discussão de projectos de deminuta importância, e que podem muito bem esperar pelo inverno que vem.
São estas as deficiências que noto na proposta apresentada.
No emtanto, para que se não diga que êste lado da Câmara pretende de algum modo tolher o bom exercício da administração do país, êste lado da Câmara, repito, vota a proposta apresentada.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Abílio Marçal: — Sr. Presidente: a minha proposta não contém mais do que a inidiativa da Câmara dos Deputados para a convocação do Congresso, a fim de resolver a prorrogação dos trabalhos parlamentares.
E nela que se há-de apreciar o tempo da prorrogação, e sem dúvida marcar os projectos que pela sua importância devam ser discutidos, conforme as declarações dos grupos parlamentares.
De resto, pouco tempo terão de esperar o Sr. Ferreira de Mira e os seus ilustres correligionários, para saberem quais as medidas de que o Govêrno necessita.
Quanto aos orçamentos, estão quási todos votados, faltando apenas o do Ministério da Guerra, e aproveito a ocasião para pedir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para o marcar na ordem do dia de ámanhã, e
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assim a Calmara terá dentro do período constitucional cumprido a sua obrigação.
Relativamente à outra Câmara, não sei o que nela se passa, nem me é lícito tratar agora dêsse assunto, devendo apenas afirmar que muitos orçamentos já ali foram votados.
Julgando assim ter respondido às considerações do Sr. Ferreira de Mira, dou por findas as minhas considerações.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: foram inteiramente justificados os reparos do Sr. Ferreira de Mira.
S. Ex.ª com muita razão, mostrou a sua estranheza por ter vindo encontrar á tabela dos trabalhos desta Câmara preenchida com inúmeros projectos, a maioria dos quais da mais absoluta inutilidade.
Sr. Presidente: eu quero dizer a S. Ex.ª que não foi sem o nosso veemente protesto que se cometeu êsse abuso.
É de estranhar que da parte de muitos Deputados da maioria, que no ano passado muitas vezes protestaram contra semelhante prática, tivesse partido o voto que tornou possível essa infracção do Regimento.
Não julgue o Sr. Ferreira de Mira, pelo facto de S. Ex.ª e dos seus colegas correligionários terem estado ausentes, que nós defendemos sempre o cumprimento do Regimento e deixamos de lavrar o nosso protesto contra o abuso que se tem praticado, de serem incluídos antes da ordem do dia, com prejuízo dos oradores inscritos, projectos e projectículos, quási todos de campanário, sem qualquer vantagem para o país.
Nós protestamos sempre, repito-o, contra êsse abuso que a Mesa tem tolerado generosamente demais, e que estou convencido de que não tornará a dar-se, porque realmente não faz sentido que estejamos, contrariamente ao que nos faculta o Regimento, quási há um mês privados de usarmos da palavra antes da ordem do dia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: per parte da minoria católica não temos dúvida em votar a nova prorrogação, embora gostássemos de saber quais os motivos a que ela obedece.
Pomos no emtanto a condição de que seja para a discussão de assuntos de interêsse para o país e não pequenos projectos cujo interêsse não é tam grande que exija que continuemos aqui extra-oficialmente, com prejuízo da nossa vida particular.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovada a proposta do Sr. Abílio Marçal.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se para entrar em discussão, o artigo 1.º do projecto do Sr. Paulo Menano.
Leu-se e entrou em discussão.
O Sr. João Bacelar: — Sr. Presidente: é realmente lamentável que mais uma vez a Câmara queira tratar dêste modo um problema tam importante como aquele do que trata êste projecto.
O caso que motivou o projecto do Sr. Paulo Menano é talvez o resultado duma propaganda feita pela imprensa, unas o mal é que deve ser atacado na sua origem.
O modo como se quere resolver o assunto talvez traga inconvenientes que já eram conhecidos antes da implantação da República.
Eu já sôbre êste assunto manifestei o meu medo de ver, e por isso vou mandar para a Mesa uma proposta nos seguintes termos:
Proponho que no artigo 1.º sejam eliminados os algarismos 1:144 e 1:145. — O Deputado, João Bacelar.
Parece que a Câmara quere pôr novamente em execução os antigos relatórios dos presidentes dos tribunais, e todos sabemos que êsses relatórios representavam uma nova acusação, não dando direito a defesa.
Parece-me que o projecto não dará os resultados que se deseja, e que o problema deve ser atacado de frente e em conjunto para acabar com um estado de cousas que não deve continuar.
Espero que o Sr. Ministro da Justiça, que tem entre mãos uma proposta sôbre a aplicação da justiça, a apresente quanto
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antes, e termino mandando para a Mesa a minha emenda.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: vou dizer algumas palavras sôbre o objectivo dêste artigo.
Deseja-se que no fim da discussão das causas se restabeleça o antigo relatório leito pelo juiz.
O Sr. João Bacelar não quere que se restabeleça o direito de o juiz fazer um relatório esclarecendo o júri.
Eu devo dizer à Câmara que modesto advogado sou, mas posso afiançar que se alguma cousa ainda existiu que contribuísse para lazer justiça imparcialmente era o relatório do juiz. Eu contra mim falo, porque ponho acima dos interêsses dos advogados os interêsses da justiça.
O Sr. João Bacelar (interrompendo): — Devo esclarecer V. Ex.ª que desde que sou director dum estabelecimento penal nunca mais advoguei.
O Orador: — Mas eu não me quis referir a V. Ex.ª, nem em especial a ninguém. O que eu estava era a fazer a defesa do meu ponto de vista.
Disse S. Ex.ª que o relatório era uma segunda acusação, porque há juizes que não sabem cumprir o seu lugar.
Talvez assim seja, mas posso afiançar, a V. Ex.ª que tenho visto relatórios que são verdadeiros documentos forenses, e demais, se é parcial o juiz quando faz o relatório, já não o é quando aplica a lei?
Se nós fôssemos a tomar como certa esta afirmação genérica, teríamos de condenar a justiça, porque não há a possibilidade de encontrar um juiz imparcial.
Nunca fui partidário da magistratura recrutada entre os delegados do Ministério Público, mas é necessário, para se fazer justiça, que a magistratura portuguesa possa classificar-se como modelar.
Apoiados.
Vários Srs. Deputados que cercam o orador interrompem-no, simultâneamente, não sendo por isso possível tomar notas.
O Orador: — Da existência dêsse relatório feito pelo juiz adviria grande vantagem para a boa aplicação da lei.
Êsse relatório tiraria de embaraços o júri, que muitas vezes se vê confundido entre a acusação e a defesa.
O Sr. Amadeu de Vasconcelos: — Se fossem feitos, imparcialmente, estava bem.
O Orador: — Nesse caso declare V. Ex.ª a falência dá magistratura.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Nesse caso V. Ex.ªs declaram a falência da magistratura! Se V. Ex.ªs querem que nós declaremos que não há em Portugal um juiz que tenha o carácter preciso para fazer um relatório imparcial, então acabem com os magistrados.
O Sr. João Bacelar: — É que o juiz, tendo de lavrar à sentença, não pode por isso deixar de se pronunciar.
O orador: — Mas isso prova exactamente o contrario. O que o juiz faz...
D Sr. Brito Camacho: — Perdão; o que êle devia fazer...
Trocam-se àpartes.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
O Orador: — Sr. Presidente: diz-se que os juizes não têm imparcialidade; eu entendo que ainda podemos fazer justiça aos juízes dizendo que se alguns não a têm, muitos, pelo menos a possuem.
Agora apenas mais umas palavras. Estou convencido de que bastam estas medidas do projecto para remediar os inconvenientes que se notaram no julgamento que provocou êste debate? Francamente, devo dizer que não estou convencido disso. Acho que não bastam estas medidas, mas acho que é político e um começo de boa vontade mostrado por parte da Câmara que alguma cousa se faça neste momento.
O Sr. Lopes Cardoso: — V. Ex.ª dá-me licença?
Mas o Sr. Ministro da Justiça disse que trazia a esta Câmara um projecto de lei remediando a situação, e foi por isso que estranhei que se tivesse votado a ur-
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gência e dispensa do Regimento para êste projecto de lei, aliás dum correligionário meu que muito prezo. E nem percebo porque se está a fazer esta discussão há dois dias.
O Orador: — Eu não assisti à parte da sessão em que S. Ex.ª fez essa afirmação, porque se tivesse assistido já teria afirmado o meu completo acôrdo com S. Ex.ª em se votarem medidas mais completas, pois entendo que isto que aqui está é pouco, e apenas servirá para demonstrar que o Parlamento e a opinião pública não ficaram satisfeitos com a impunidade de um indivíduo que toda a gente reconhecia como criminoso.
Neste sentido entendia que alguma cousa que se fizesse era vantajoso.
Se o Sr. Ministro da Justiça nos afirmasse que dentro de dois ou três dias traria a esta Câmara medidas mais completas, mais perfeitas, concordaria que não seria necessário que precipitadamente estivéssemos a votar um ou dois artigos que julgo insuficientes; mas, a não se fazer mais nada, faça-se isto. Repito, se alguma cousa mais de proveitoso e completo viesse á Câmara, concordaria em que não se votasse êstes dois artigos, porque tal como estão poucos resultados poderão dar e ainda porque seria inconveniente prejudicar uma cousa melhor.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Devo repetir a mesma cousa que já tive ocasião de dizer.
Tenho intenção de trazer em breves dias à Câmara uma proposta que remedeie tanto quanto possível situações contra as quais a Câmara se tenha levantado, mas, desde que apareceu um projecto tendente no mesmo fim, não tenho senão que aguardar a decisão da Câmara. De resto deixe-me V. Ex.ª dizer, o facto dum juiz em determinada ocasião proceder de determinada forma não é razão que me leve a trazer à Câmara uma proposta que represente uma violência a uma restrição dos direitos individuais. Não o faço nem farei nunca.
De maneira que, repito, qualquer cousa que eu trouxesse à Câmara seria fundamentalmente aquilo que está em discussão.
De resto se S. Ex.ª entende que certas medidas especiais se podem trazer à Câmara a aprovar tendentes a conseguir que situações como aquela que aqui foi aprovada não tornem a aparecer, faria S. Ex.ª uma grande obra se as indicasse.
O Orador: — Devo dizer a V. Ex.ª o seguinte: Eu entendo que todas as medidas legítimas que se votarem se porventura não houver funcionários honestos a cumpri-las, serão absolutamente inúteis. O princípio que se pretende estabelecer tanto no nosso País como nos outros países, é de que a lei pode tudo, mas a lei não pode nada desde que não haja um espírito de rectidão e de justiça a presidir ao seu cumprimento.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Digo mais a V. Ex.ª se porventura os organismos encarregados de aplicar as leis o fizessem duma maneira enérgica e razoável, elas seriam suficientes; não era preciso mais nada.
O Orador: — Por isso, digo, os princípios não bastam, mas se aqueles que estão em execussão não são suficientes ou se porventura se reconhecer que a lei não basta por si só, modifique-se a forma nela estabelecida.
A sociedade defende se dos criminosos não reconhecendo direito de praticar o crime.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Isso não é sequer um direito.
O Orador: — Em França quando Bonot se organizou em quadrilha foi aplicada a pena violenta.
O Sr. Ministro da Justiça é dos Cultos (Abranchos Ferrão): — A França nessa altura aplicou a lei vigente; não fez excepção.
O Orador: — Foi revogada a pena de morte; mas foi aplicada a guilhotina ao bandido.
Bonot deu que fazer à polícia, polícia modelar de todo o mundo. Mas não se reconheceu o direito à prática de crimes.
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V. Ex.ª, portanto, faz muito bem em sustentar êste projecto, que é uma étape adentro da lei, para ver se é possível terminar com êste mal da sociedade portuguesa.
O crime sempre existiu e há-de existir, mas o que é alarmante é quando, o crime de natureza geral deixa de provocar indignação na sociedade; quando repugnantes mesmo, encontram defensores e moleza nos sentimentos gerais que o afagam, tornando o criminoso uma espécie de herói; quando o meio, que o deve repelir, o protege. É êste estado perigoso que é preciso acabar e não vejo outro remédio senão a moralidade social.
Agradecendo ao Sr. Ministro da Justiça as informações que se dignou dar-me, direi que V. Ex.ª parece me estar na intenção da mais completa repressão.
Apoiados.
Vejo que V. Ex.ª apresentou um projecto que julgo bastante para que não haja impunidade.
O orador não reviu.
O Sr. Amadeu de Vasconcelos: — Não tencionava voltar a fazer uso da palavra; mas vejo-me constrangido a usar da palavra para explicar um àparte que dirigi ao Sr. Dinis da Fonseca e que S. Ex.ª com certeza não pôde compreender, porque não ouviu as considerações que fiz.
Êste caso tem para mim a importância de afectar a sorte e o destino do acusado que tem de responder perante a justiça do meu País.
Disse então eu que não admitia o relatório do juiz pela simples razão de que julgo impossível que o juiz fizesse o relatório nas condições exigidas pela lei.
Sem deminuir a consideração que tenho pela magistratura eu entendo que o juiz não está nas condições de fazer êsse relatório, como tenho constatado pelas opiniões de todos os magistrados com quem tenho falado, pois todos estão contrários ao restabelecimento do relatório, não só porque se julgam na impossibilidade de o fazer, mas também porque não querem sôbre si a responsabilidade de decidir da sorte do acusado, porque receiam que o relatório possa influir na decisão do júri.
Como quere V. Ex.ª que um juiz ao fim duma discussão possa estar em condições de independência para fazer um relatório?
É preciso não esquecer que um juiz vem da magistratura do Ministério Público e no seu espírito ficou alguma cousa do hábito de acusar. Além disso o juiz organiza o processo, ouve testemunhas, ouve o acusado; e dá o seu despacho de processo, é claro que formou uma opinião que impera no seu espírito.
Nesta altura trocaram-se àpartes entre o orador e o Sr. Dinis da Fonseca, que não foi possível reproduzir.
O Orador: — Mas, Sr. Presidente, eu devo dizer em abono da verdade que não compreendo as vantagens que daí poderão advir, para evitar casos como aqueles que tanto sobressaltaram esta Câmara.
Eu creio, Sr. Presidente, que nós havemos de chegar a conclusões bem diferentes daquelas a que temos chegado.
O júri, Sr. Presidente, até hoje tem dado sobejas provas da sua independência, isto é, da forma como se tem sabido pôr acima da opinião pública, nas decisões que apresenta, e ainda não há muito, Sr. Presidente que num processo célebre, não só pela natureza do crime, como pelas pessoas que intervieram no caso; o júri proferiu uma sentença condenatória contra a opinião pública duma cidade inteira, e que foi a cidade de Coimbra.
Eu devo dizer com toda a franqueza que não assisti a essa condenação, porém, o que é um facto é que procuraram por todos os meios anular aquela decisão, o que é natural que se fizesse, muito principalmente por parte da família.
Isto, Sr. Presidente, passou-se em Coimbra, como a Câmara toda deve saber, o que prova bem o que eu acabo de dizer à Câmara.
O júri, Sr. Presidente, repito, tem dado até hoje sobejas provas da sua independência, o que aliás fácil é de averiguar, a meu ver, preguntando ao director da Cadeia Central qual o número de presos que ali dão entrada; qual o número de presos que dão entrada na Penitenciária e qual o número de condenados a penas correccionais.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer em abono da verdade que não compreendo alguns dos reparos que têm sido apresen-
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tados por parte de alguns Srs. Deputados.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer que tenho estado a falar sôbre o assunto com uma certa paixão, e muito principalmente pelo facto de já ter sido chamado a dar a minha decisão sôbre um determinado processo.
Fui nomeado defensor oficioso para uma causa que anteriormente havia rejeitado.
Assim, no decorrer do julgamento, fui-me dedicando ao réu e tomando bastante interêsse pela questão, e a determinada altura, o juiz que me tinha pedido para aceitar a defesa, porque em volta do crime se tinha estabelecido uma terrível atmosfera, e êle receava que tivesse de aplicar a pena máxima, dizia-me que receava já que a pena fôsse muito inferior à que devia ser.
Acabados os debates, o juiz principiou a fazer o relatório, que constituía uma perfeita acusação, pelo que tive de intervir. Todavia, o relatório continuava nas mesmas condições e eu tive novamente de o interromper- estranhando aquele procedimento, tanto mais que tinha sido êle quem me pedira para aceitar a defesa.
Pois sabem V. Ex.ªs o que me aconteceu, fui autuado.
Sr. Presidente: não me referi a êste caso para fazer qualquer censura ao juiz, mas tam somente para demonstrar que, muitas vezes, os juizes não fazem os relatórios em conformidade com a lei.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Mas V. Ex.ª nunca encontrou um júri parcial?
O Orador: — Tenho encontrado de tudo.
Se V. Ex.ª entende que, pelo facto dum júri ter cometido uma injustiça, se deve acabar com êle, para colocar alguém acima da sua forma de pensar, então direi que se deve acabar com todos os magistrados da 1.ª instância.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Então qual é a razão por que o juiz pode dar por iníquo quando condena, e não pode quando absolve?
O Orador: — V. Ex.ª sabe que a condenação ou absolvição é função do júri.
A mim o que me repugna é que se pretenda colocar acima da vontade de nove criaturas, a vontade de um homem que muitas vezes pode errar.
Trava-se diálogo entre o orador e o Sr. Dinis da Fonseca.
O Orador: — Então que garantias dá a justiça a êsse homem que sendo magistrado pratica a justiça mas com vontade de acertar?
Àpartes.
O Sr. Presidente: — Tenho a observar a V. Ex.ª que chegou a hora de se passar ao período de antes de se encerrar a sessão, e se deseja reservo-lhe a palavra para a sessão seguinte, caso não queira dar por findas as suas considerações.
O Orador: — Peço a V. Ex.ª o favor de me reservar a palavra.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se ao período de
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Maximino de Matos: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamara atenção do Sr. Presidente do Ministério para factos passados em algumas localidades do círculo que represento.
É o caso que os comandantes dos postos da guarda republicana, não satisfazem as requisições de fôrças das respectivas autoridades sem que sejam pagos uns certos escudos por hora às respectivas praças.
Essas requisições são para manter a ordem em localidades onde se fazem festas e romarias, e essas autoridades ou pagam, essas importâncias ou ficam impossibilitadas de manter a ordem.
Parece-me que a guarda republicana se organizou para manter a ordem no país e não faz sentido que as autoridades paguem para ela desempenhar as suas funções.
Assim é necessário que o Sr. Ministro do Interior tome providências para que os comandantes dêsses postos não façam tais exigências e as autoridades não se vejam impossibilitadas de manter a ordem pública.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: levarei todos êsses factos que o Sr. Maximino de Matos acaba de expor ao conhecimento do comandante da guarda republicana e farei o possível paru ser atendido, o pedido que S. Ex.ª faz.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 27, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de negócios estrangeiros, sôbre o n.º 540-B que aprova o Tratado de Paz, Protocolo e Declarações, anexas, entre Portugal e outras nações, assinado em Trianon em 4 de Junho de 1920.
Imprima-se.
Da comissão de administração pública, sôbre o n.º 492-A que anexa ao concelho e comarca de Setúbal a península de Tróia.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Da confissão de finanças, sôbre o n.º 477-A que revoga as isenções de direitos de importação constantes dos decretos n.ºs 4:906, 5:483, 6:898, 6:905 e 7:228 de 1918, 1919, 1920 e 1921.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 500-D, que abre um crédito à favor do Ministério da Guerra para construção dum cemitério em França para jazida de oficiais e praças mortos nos campos de batalha.
Imprima-se.
Documentos publicados nos termos do artigo 38.º do Regimento
Parecer n.º 462
Senhores Deputados. — Os serviços de estatística oficial encontram-se entre nós em atraso considerável, tornando-se indispensável a adopção, de medidas excepcionais para que êles sejam postos em dia, e para que, seguidamente, adquiram a celeridade conveniente e se aperfeiçoem progressivamente.
Para que, desde já, se possa dar um passo decidido para a consecução daquele primeiro objectivo, apresentou. O Sr. Ministro das Finanças a sua proposta de lei n.º 460-A, e se nos reportarmos a declaração ministerial, é de esperar que outras medidas ainda S. Ex.ª traga a esta Câmara.
A vossa comissão de estatística, fazendo votos para que assim aconteça, dá o seu pleno assentimento a esta proposta de lei.
Sala das sessões, 21 de Março de 1923. — Vitorino Godinho, presidente e relator — Valentim Guerra — José Joaquim Gomes de Vilhena — Constâncio de Oliveira — António de Mendonça — Delfim Costa.
Senhores Deputados. — A proposta de lei n.º 460-A, da autoria do Sr. Ministro das Finanças que se refere a trabalhos extraordinários na Direcção Geral de Estatística, está prejudicada pela votação do projecto do parecer n.º 470.
Nestes termos a vossa comissão de finanças entende que esta proposta de lei deve ser arquivada.
Sala das sessões, da comissão de finanças, 25 de Junho de 1923. — Velhinho Correia — Viriato da Fonseca — A. Lúcio de Azevedo — Júlio de Abreu — Carlos Pereira — Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro — Crispiniano da Fonseca — Mariano Martins — Lourenço Correia Gomes, relator.
Proposta de lei n.º 460-A
Senhores Deputados. — Com o fim de actualizar algumas das estatísticas coordenadas pela Direcção Geral de Estatística, cuja falta bastante se tem feito sentir, foram publicados em 29 de Agosto de 1922, dois decretos, tendo em vista a adopção de medidas conducentes ao fim indicado.
Os serviços relativos à organização da estatística do nosso movimento comercial, atendendo à falta de funcionários em serviço nas alfândegas do país, não podem efectuar-se, dado o atraso que se encon-
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tram, durante as horas de serviço ordinário, pois todos os funcionários são poucos para atender as exigências de serviço de contacto directo com o público.
Os serviços de apuramentos do recenseamento geral da população só por empreitada se podem realizar por forma a ràpidamente se concluírem.
O artigo 33.º da lei n.º 1:355 não permite porém os abonos de serviços extraordinários, quer sejam praticados por excesso de horas do serviço ou pelos denominados «serões».
Atendendo ao grave prejuízo que está causando à economia nacional a falta das estatísticas oficiais actualizadas, facto êste que o Conselho Superior de Estatística, na sua última reunião, acentuou;
Atendendo a que o serviço não pode efectuar-se durante o período normal de trabalho diário:
Tenho a honra de apresentar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º O disposto no artigo 33.º da lei n.º 1:355, de 15 de Setembro de 1922, não é aplicável à Direcção Geral de Estatística, continuando em vigor os decretos de 25 de Agosto de 1922 publicados no Diário do Govêrno, 2.ª série, de 29 de Agosto de 1922.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das sessões da Câmara dos Deputados, 21 de Março de 1923. — O Ministro das Finanças, Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Parecer n.º 557
Senhores Deputados. — O projecto de lei n.º 477-D não merece o parecer favorável da vossa comissão de finanças.
A morte de Basílio Teles não trouxe a sua irmã precária situação, porquanto esta não era por êle alimentada, segundo as informações colhidas.
Por outro lado, Basílio Teles, tendo sido considerado como uma mentalidade da raça e tendo sido um grande elemento de organização republicana em Portugal, não pode ser considerado na situação de pela República, ter sacrificado a sua vida e pela causa ter perdido os meios indispensáveis que poderia legar aos seus para viverem.
Nestes termos, a vossa comissão de finanças é de parecer que o projecto deve ser rejeitado.
Sala das sessões da comissão de finanças, 25 de Junho de 1923. — F. Velhinho Correia — Viriato da Fonseca — Mariano Martins — Júlio de Abreu — Carlos Pereira — Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro — Crispiniano da Fonseca — Lourenço Correia Gomes, relator.
Projecto de lei n.º 477-D
Senhores Deputados. — Considerando que a República sempre procura honrar aqueles que lealmente a servem;
E sendo Basílio Teles um dos grandes homens da Republica, que muito a honrou pelo seu talento e carácter;
Considerando que êste cidadão deixa uma irmã solteira, de 57 anos de idade, sem mais família que a possa proteger e numa idade que lhe não permite trabalhar:
Apresento o seguinte projecto de leque tenho a honra de mandar para a Mesa:
Artigo 1.º É concedida a pensão mensal de 300$ a Carlota Emília Teles, natural do Pôrto, freguesia de Massarelos.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões, 18 de Abril de 1923. — O Deputado pelo Pôrto, João Pina de Morais.
O REDACTOR — Herculano Nunes.