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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 117
EM 27, 28, 29 E 30 DE JUNHO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
PRIMEIRA PARTE
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 42 Srs. Deputados, lê-se a acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Almeida Ribeiro requere que entre imediatamente em discussão o parecer n.º 411 — (e) referente ao orçamento do Ministério da Guerra. É aprovado o requerimento, em contraprova, depois de usar da palavra o Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Almeida Ribeiro requere que a sessão seja prorrogada até se discutir o parecer. Sôbre o modo de votar, usa da palavra o Sr. Carvalho da Silva.
A Câmara resolve, depois de se terem pronunciado os Srs. Almeida Ribeiro, Cancela de Abreu, Cunha Leal e Carvalho da Silva, que a proposta orçamental relativa às despesas do Ministério da Guerra se discuta apenas na especialidade, por já ter sido feita a discussão sôbre a generalidade de todos os orçamentos.
É aprovado sem discussão o artigo 1.º
Sôbre o artigo 2.º usa da palavra o Sr. Pires Monteiro (relator), que fica com ela reservada por se interromper a sessão até as 21 horas, a fim de os Srs. Deputados poderem comparecer no funeral do Sr. Leote do Rêgo.
Reaberta a sessão, o Srs. Pires Monteiro conclui as suas considerações, falando ainda sôbre o artigo 2.º os Srs. Pereira Bastos e Viriato da Fonseca, que ficam com a palavra reservada, visto a sessão ser de novo interrompida.
SEGUNDA PARTE
Reaberta a sessão às 15 horas e 20 minutos do dia 28, o Sr. Viriato da Fonseca, que ficara coma. palavra reservada, conclui as suas considerações enviando para a Mesa um projecto de lei. É admitida. Efectuada a contraprova, requerida pelo Sr Paulo Cancela de Abreu, que invoca o § 2.º do artigo 116.º do Regimento, verifica se ter sido admitido por 58 Srs. Deputados contra 1.
Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. António Fonseca, requerendo que o parecer n.º 520 baixe à comissão de guerra para que dê o mais ràpidamente possível o seu parecer.
Usa da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Francisco Cruz.
Após algumas explicações do Sr. António Fonseca, a Câmara aprova o requerimento dêste Sr. Deputado.
O Sr. Tôrres Garcia faz largas considerações sôbre o artigo 2.º do capítulo 1.º em discussão.
O Sr. Presidente faz uma comunicação à Câmara.
Seguem-se no uso da palavra os Srs. Vasco Borges, Aires de Ornelas, David Rodrigues, Dinis de Carvalho, Cunha Leal e Paulo Cancela de Abreu.
É interrompida a sessão, às 19 horas e 35 minutos, para reabrir às 21 horas e 30 minutos.
Reaberta a sessão, usa da palavra o Sr. Pinto da Fonseca, que termina enviando para a Mesa uma proposta.
Segue-se no uso da palavra o Sr. Lelo Portela, que promete mandar para a Mesa algumas propostas, e o Sr. António Maia, que fica com a palavra reservada.
O Sr. Presidente interrompe a sessão, para reabrir no dia seguinte, 29 de Junho, às 14 horas.
TERCEIRA PARTE
Reaberta a sessão, às 15 horas e 12 minutos do dia 29, o Sr. António Maia conclui as suas considerações.
Segue-se no uso da palavra o Sr. António Fonseca.
O Sr. Presidente, com autorização do orador, participa à Câmara que a reunião do Congresso se realizará às 17 horas e meia.
O Sr. António Fonseca conclui as suas considerações.
O Sr. Pires Monteiro usa em seguida da palavra respondendo como relator aos oradores que o antecederam.
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Diário da Câmara dos Deputados
O Sr. Presidente anuncia que vai interromper a sessão, para que se efectue a reunião do Congresso, e que a reabrirá às 21 horas e meia, ficando o Sr. Pires Monteiro com a palavra reservada.
Reaberta a sessão, o Sr. Pires Monteiro conclui o seu discurso.
Usa da palavra o Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria), que responde aos oradores que intervieram no debate.
O Sr. presidente interrompe a sessão para prosseguir às 15 horas do dia 30.
QUARTA PARTE
Reaberta a sessão, verifica-se não haver número sendo designada a imediata.
Abertura da sessão, às 15 horas e 20 minutos.
Presentes à chamada, 45 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ginestal Machado.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomás de Sousa Rosa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
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Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
ebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Xavier.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pires do Vale.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João de Sousa Uva.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais do Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
PRIMEIRA PARTE
Às 15 horas e 10 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 42 Srs. Deputados. Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Senado, devolvendo com alterações a proposta de lei n.º 350, que regula a aplicação das percentagens a favor dos corpos administrativos.
Para a comissão de administração pública.
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Diário da Câmara dos Deputados
Do presidente da comissão executiva da Câmara Municipal de Vila do Pôrto pedindo a satisfação das reivindicações católicas.
Para a comissão dos negócios estrangeiros.
Telegramas apoiando as reclamações dos católicos
Dum grupo de católicos de S. João da Pesqueira.
Das Juntas do Paroquia e párocos do Vales, Valepaços; Jou, Murça; e Sinde, Tábua.
Para a Secretaria.
Telegramas
Dos sargentos de Tavira, Valença, Pôrto, Viseu, Lamego e Chaves, pedindo a aprovação do parecer n.º 442.
Para a Secretaria.
Da Associação dos Proprietários e Agricultores do Norte de Portugal, protestando contra o pedido de suspensão de execuções e acções pendentes nos tribunais sôbre despejos.
Para a Secretaria.
Requerimentos
De Abel da Silva, contador do juízo de direito em Rio Maior, pedindo a modificação ao decreto n.º 8:495, de 20 de Novembro do 1922.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
De José Manuel Gonçalves Pereira, alferes chefe de música reformado, do Moçambique, pedindo a promoção a tenente.
Para a comissão de guerra.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 56 Srs. Deputados.
Vai entrar-se no período do
Antes da ordem do dia
O Sr. Almeida Ribeiro (para um negócio urgente): — Sr. Presidente: estamos a 27, ou seja a três, dias apenas do fim do ano económico. É indispensável que se completo a votação dos orçamentos, para que o Senado possa também discuti-los, e para que a lei de receita e despesa do Estado possa ser promulgada a tempo de começar a vigorar no começo do próximo ano económico.
Portanto, torna-se urgente que a Câmara dos Deputados complete a sua obrar no tocante a orçamentos, e para isso é necessário que comece desde já.
Nestas condições, requeiro a V. Ex.ª se digne consultar a Câmara sôbre se consente que entre desde já em discussão o orçamento do Ministério da Guerra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: pedi a palavra para afirmar a V. Ex.ª e à Câmara que não será nunca por nossa causa que os orçamentos, ou por outra, os pseudo-orçamentos que esta Câmara tem pseudo-discutido, não estarão votados dentro do prazo marcado pela Constituïção.
Nestas condições, não nos opomos a que se vote a proposta do Sr. Almeida Ribeiro, lavrando, no emtanto, o nosso protesto contra o facto de ainda nesta altura, não estarem discutidos os orçamentos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovado, em contraprova, requerida pelo Sr. Cancela de Abreu, com invocação do § 2.º do artigo 116.º, o requerimento feito pelo Sr. Almeida Ribeiro.
O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão o orçamento do Ministério da Guerra.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Requeiro a V. Ex.ª que consulte a Câmara sôbre se consente que a sessão seja prorrogada até se votar o orçamento do Ministério da Guerra, ficando a Presidência com a faculdade de a interromper quando entender.
O Sr. Carvalho da Silva (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: creio que o Sr. Almeida Ribeiro não pretende que o orçamento seja votado todo hoje.
O Sr. Almeida Ribeiro: — De modo nenhum.
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O Orador: — Nesse caso o requerimento de S. Ex.ª é anti-regimental, porque o artigo 20.º determina que todos os dias haja sessão.
Não pode, pois, haver sessão todos os dias, desde que há uma que dura uns poucos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à votação do requerimento para a prorrogação da sessão.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade o orçamento do Ministério da Guerra e o respectivo parecer.
É o seguinte:
Parecer n.º 411-(e)
Senhores Deputados. — A vossa comissão do Orçamento examinou, com o maior e mais rigoroso cuidado, todas as verbas inscritas na proposta orçamental do Ministério da Guerra para o ano económico de 1923-1924.
O seu principal e quási único trabalho, foi o de apreciar a previsão das despesas u fazer, segundo os quadros orgânicos efectivos e mais despesas criadas e autorizadas por diplomas legais.
Pela referida proposta está prevista a despesa em 139:287. 215$65 a fazer com o nosso, exército.
É uma cifra aterradora, que a vossa comissão desejaria ver muito reduzida, por assim o exigirem os supremos interêsses da Nação e os actuais recursos financeiros do Estado.
Embora a vossa comissão estivesse animada dêsse desejo, pouco pôde reduzir, porque ao contrário do que sucedeu nas propostas orçamentais dos anos anteriores, todas as verbas inscritas na actual estão calculadas pelo mínimo, e não será demais afirmar, que algumas até são escassas.
O rigor agora observado na determinação das verbas, revela bom a vantagem de o país viver no regime dos orçamentos, de cujo regime resulta uma incontestável economia nas despesas.
O facto de o país ter vivido no regime de duodécimos durante anos, agravado com o inesgotável saco «Despesas excepcionais resultantes da guerra», contribuiu para que quási todos aqueles que têm o dever de velar pela maior economia nas despesas do Estado se habituassem a gastar o que se lhes afigurava como necessário e preciso, sem limite nem justificação dessas necessidades, por vezes bem dispensáveis.
Pela proposta orçamental apresentada para o corrente ano, e que está em vigor, vê-se claramente quanto êsse regime era prejudicial aos interêsses do Estado, e o pouco espírito de economia a que obedeceu a organização dessa proposta na qual esta comissão abateu perto de 15:000 contos, quási somente pela redução de verbas inscritas com exagero.
E apesar dessa grande redução, não se reconheceu até hoje, nem virá a reconhecer-se, por certo, a necessidade de reforçar as verbas reduzidas, a não ser aquelas que se referem a alimentação, compra de materiais e diversas despesas, pela grande e inesperada elevação que sofreram os preços, logo apôs a entrada em vigor da referida proposta convertida em lei.
Não quere isto dizer que as despesas com o Ministério da Guerra não possam ser reduzidas. Podem o devem urgentemente ser reduzidas, ou pelo menos procurar evitar-se a elevação assustadora que de ano para ano se vem acentuando por efeito da actual organização do exército. Mas para isso, é necessário reorganizar o exército, por forma a torná-lo mais útil ao fim especial a que se destina, actualizando-o e aperfeiçoando-o, segunde os processos mais modernos e os ensinamentos que nos deu a Grande Guerra. Como está para pouco serve, a não ser para gastar muito e muito dinheiro ao País.
Temos muitas unidades, mas não temos nem podemos dotá-las com o material, animal e pessoal correspondente. Os cascos existem, mas o principal falta. Temos
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Diário da Câmara dos Deputados
completos e até excedidos, os quadros dos oficiais, sargentos e outras classes que também poderemos considerar como fazendo parte dos quadros permanentes.
Para que nos serve isso, se não lhes podemos dar aquilo do que necessitam? Assim, êsses quadros não desenvolvem a sua própria instrução, e muito menos podem instruir e preparar os soldados convenientemente para a defesa do País.
Para que nos serve ter muitos regimentos de artilharia sem o material correspondente, cavalaria sem cavalos, infantaria sem espingardas?
Para que nos serve manter milhares de soldados no efectivo, se distribuindo-os pelas actuais unidades, pertence a cada uma, um número tam restrito, que mal chega para as necessidades da vida interna dos quartéis?
É isto o que custa muito dinheiro e que pouca utilidade tem.
Manter e conservar quartéis, onde estão os quadros das unidades neles instalados, mas sem soldados, sem material e animal, é um luxo que fica muito caro.
Sabemos que as localidades onde existem êsses quartéis, com supostas unidades do nosso exército, querem a sua conservação, e protestarão, se lhas quiserem tirar ou reduzir.
Mas isso não deve ser razão que nos faça manter no estado actual, que é urgente que termine.
Todo o País protesta, e até por intermédio dos seus representantes no Parlamento contra a enorme despesa feita com o exército.
Amanhã, serão os mesmos que hoje protestam contra êsse facto, que protestarão contra a saída ou redução das unidades aquarteladas numa ou noutra localidade. Que importa isso?
Está ou não reconhecida a necessidade de reorganizar o exército, tornando-o mais útil e proveitoso ao País, quer sob o ponto de vista técnico, quer sob o ponto de vista económico?
Se assim é, só um caminho temos a seguir.
Para a frente, sem nos preocuparmos com os protestos injustificáveis, impertinentes e ruinosos para o País.
É esta a opinião, da vossa comissão do Orçamento, que entendeu não poder nem dever ocultar-vos, sem outra intenção, que não seja defender os interêsses da Nação, melhorando as actuais condições do exército.
Temos 1:439 oficiais a mais do quadro permanente, que com 417 milicianos perfaz 1:856. A reorganização do exército terá como consequência, a elevação dêsse número. Mas que importa isso?
Estude-se a forma de utilizar a acção dêsses oficiais, que muitos e úteis serviços podem prestar ao País, garantindo a todos as indispensáveis condições de vida o os meios de trabalho, que teremos como sempre, oficiais distintos e aplicados ao exercício das suas funções, de educar e instruir soldados para defesa do País.
Senhores Deputados: pelo estudo a que nos referimos no princípio dêste parecer, encontrámos verbas que necessitam ser corrigidas por êrro de operação e bem assim os quadros dos médicos e veterinários que não estão em harmonia com as leis em vigor.
Ao concluir o exame que fizemos à proposta orçamental à que nos vimos referindo, várias exposições nos foram oficialmente enviadas pelo Ministério da Guerra, no sentido, quási todas, de aumentar algumas das verbas inscritas.
Embora as razões dos aumentos pedidos sejam de atender, por todos serem justificados pelos excessivos preços a que tudo tem chegado nos últimos meses, a vossa comissão não os pôde tomar em consideração, por estar concluído o seu trabalho, que a ser alterado, teria como consequência uma maior demora em apresentar o seu parecer, demora que certamente ainda daria tempo a que muitas outras justificadas alterações nos fossem pedidas. Durante a discussão, se apreciarão êsses pedidos.
Reduzimos a 23:250 o número de recrutas a encorporar e a 6:680 o número de solípedes, por serem êstes os que actualmente estão no efectivo.
As alterações propostas pela vossa comissão do Orçamento são as seguintes:
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Capítulo 1.º
Artigo 2.º
Elevar a verba do 13. 400$ para 14. 400$, para pagamento de sôldos aos coronéis de engenharia. Êrro de cálculo.
Elevar a verba de 88. 800$ para 91. 800$ para pagamento de gratificações de patente aos capitães supranumerários de infantaria. Êrro de cálculo.
Corrigir os quadros dos médicos e veterinários, como se segue:
Médicos
[Ver valores da tabela na imagem]
4 coronéis:
Sôldo a 1. 440$
Gratificação a 840$
12 tenentes-coronéis:
Sôldo a 1. 200$
Gratificação a 840$
16 majores:
Sôldo a 1. 080$
Gratificação a 720$
71 capitães:
Sôldo a 960$
Gratificação a 660$
71 subalternos:
Tenentes:
Sôldo a 900$
Gratificação a 600$
174
Supranumerários
19 coronéis:
Sôldo a 1. 440$
Gratificação a 840$
18 tenentes-coronéis:
Sôldo a 1. 200$
Gratificação a 840$
8 majores:
Sôldo a 1. 080$
Gratificação a 720$
45
Veterinários
1 Coronel:
Sôldo a 1. 440$
Gratificação a 720$
2 Tenentes-coronéis:
Sôldo a 1. 200$
Gratificação a 660$
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[Ver valores da tabela na imagem]
10 Majores:
Sôldo a 1. 080$
Gratificação a 600$
14 Capitães:
Sôldo a 960$
Gratificação a 540$
54 Subalternos:
26 Tenentes:
Sôldo a 960$
Gratificação a 480$
28 Alferes:
Sôldo a 840$
Gratificação a 420$
81
Supranumerários
2 Coronéis:
Sôldo a 1. 440$
Gratificação a 720$
1 Tenente-coronel:
Sôldo a 1. 200$
Gratificação a 660$
6 Capitães:
Sôldo a 960$
Gratificação a 540$
Redução a 600. 000$ a verba de 1:000. 000$ para pagamento dos vencimentos a oficiais milicianos.
Artigo 18.º
Instrução militar
Reduzir a escola de recrutas a:
[Ver valores da tabela na imagem]
1:250 praças destinadas à arma de engenharia, no período de 175 dias
3:000 praças de artilharia de costa, guarnição e campanha, no período de 140 dias
1:250 praças de cavalaria, no período de 210 dias
16:500 praças de infantaria, no período de 105 dias
750 praças de administração militar, no período de 105 dias
500 praças das companhias do saúde, no período de 175 dias
23:250
Soma
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[Ver valores da tabela na imagem]
Fardamento de 23:250 praças
Rancho:
1:250 praças destinadas a engenharia, no período de 175 dias
3:000 praças destinadas a artilharia, no período de 140 dias
1:250 praças destinadas a cavalaria, no período de 210 dias
16:500 praças destinadas a infantaria, no período de 105 dias
500 praças destinadas às tropas de saúde, no período de 175 dias
750 praças destinadas à administração militar, no período de 105 dias
23:250
Soma
Artigo 22.º
Reduzir a 100. 000$ a verba de 200. 000 para pensões aos mutilados de guerra.
Capítulo 2.º
Artigo 28.º
Depósito Geral de Material Sanitário:
Redução a 35. 000$ da verba de 50. 000$, para aquisição de aparelhos destinados aos mutilados de guerra.
Inscrição da verba de 15. 000$ para reparação e conservação do material de transportes.
Artigo 45.º
Depósito Central de Fardamentos:
Reduzir a 3:952. 500$ a verba de 4:790. 600$, para fardamentos à Escola de Recrutas.
Capítulo 3.º
Artigo 46.º
Entre a palavra «alimentação» e o número do artigo deverão escrever-se as palavras: «Manutenção Militar».
Rancho:
Reduzir a 4:200. 000$ a verba de 5:339. 250$, para a Escola de Recrutas.
Artigo 47.º
Rações de pão:
Reduzir a 1:232. 000$ a verba de 1:556. 180$, para a Escola de Recrutas.
Artigo 48.º
Rações de forragens:
Reduzir o número de solípedes a:
227 solípedes de oficiais generais e oficiais não arregimentados.
371 solípedes de engenharia.
2:105 solípedes de artilharia.
1:479 solípedes de cavalaria.
784 solípedes de infantaria.
295 solípedes da administração militar.
1:419 solípedes do Depósito de remonta.
6:680
[Ver valores da tabela na imagem]
solípedes ou sejam 2. 444:880 rações de forragens a 5$75 cada ração, igual a
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[Ver valores da tabela na imagem]
Das alterações propostas, resulta a seguinte economia:
Capítulo 1.º
Capítulo 2.º
Capítulo 3.º
Feitas estas deduções, a despesa total ficará:
Despesa ordinária:
Capítulo 1.º
Capítulo 2.º
Capítulo 3.º
Capítulo 4.º
Capítulo 5.º
Capítulo 5.º -A
Capítulo 6.º
Despesa extraordinária
Total
Senhores Deputados. — Introduzidas na proposta orçamental do Ministério da Guerra, para o ano económico de 1923-1924, as alterações já referidas, é a vossa comissão do Orçamento de parecer que a mesma proposta merece a vossa aprovação.
Sala da comissão do Orçamento, 12 de Março de 1923. — Henrique Pires Monteiro (com a declaração junta) — António de Paiva Gomes (com declarações) — Adolfo Coutinho — Constâncio de Oliveira (com restrições) — Jaime de Sousa — Bartolomeu Severino — Tomé de Barros Queiroz (com restrições) — Tavares Ferreira — Vitorino Godinho — Albino Pinto da Fonseca, relator.
Declaração de voto
Reconhece o parecer a que se refere esta declaração, a necessidade premente de reduzir as despesas do Ministério da Guerra.
Procura realizar êste objectivo alvitrando a reorganização do exército e apresenta as dificuldades de tal solução.
Desde há muito que se usa afirmar a indispensabilidade de reorganizar o exército, aproveitando os ensinamentos da Grande Guerra.
Evidentemente êsses longos meses de luta armada provocaram transformações orgânicas, que necessitámos adoptar com critério, ao nosso exército, suprimindo determinadas despesas, modificando e criando meios de acção, atendendo sempre às circunstâncias financeiras do Estado e às condições económicas do país.
Declaro que será suficiente remodelar o exército, para alcançar o objectivo essencial de reduzir as despesas incluídas no respectivo orçamento.
Essa remodelação apresenta-se-me de tal maneira simples, que a julgo possível dentro das atribuïções do Poder Executivo.
Torna-se essencial descentralizar e desburocratizar as funções superiores, concentrar os efectivos, seleccionar os dirigentes, criar fortes estímulos, suprimir organismos que têm funções dispensáveis, ou que só atrofiam por falta de funções, estabelecer os quadros dos diferentes serviços, definindo claramente as obrigações e responsabilidades, dotar convenientemente os organismos existentes.
A êste conjunto de medidas chamo remodelação do exército, subordinado a um
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plano bem coordenado e banindo as disposições fragmentárias, que só têm agravado a situação pelos encargos financeiros e pelo desprestigio que trazem às instituições, militares.
Sala das Sessões, 23 de Março de 1923. — Henrique Pires Monteiro.
Pertence ao n.º 411 (e)
Senhores Deputados. — Em curto espaço de tempo, por circunstâncias de fôrça maior e independentes da vontade de todos, foi obrigada a vossa Comissão de Orçamento a elaborar êste parecer sôbre a proposta orçamental para 1923-1924, respeitante ao Ministério da Guerra, e ainda coagida a escolher novo relator por impedimento do nosso ilustre colega nesta Câmara, Sr. Albino Pinto da Fonseca, que relatou com notável proficiência e esclarecido critério o primitivo parecer (n.º 411-e).
Mantém a vossa comissão do Orçamento êsse bem elaborado parecer, conservando-o integralmente, pois que a competência e o estudo, revelados nas suas considerações, deverão merecer a maior ponderação dos ilustres legisladores. A maioria das propostas do aludido parecer são conservadas, modificando-se outras e aditando-se algumas. As modificações provêm de resoluções da Câmara, como adiante se expõe, e os aditamentos estão explicados no próprio parecer, relatado pelo ilustre Deputado Sr. Albino Pinto da Fonseca, que na última parte afirma:
«Ao concluir o exame que fizemos à proposta orçamental, a que nos vimos referindo, várias exposições nos foram oficialmente enviadas pelo Ministério da Guerra, no sentido, quási todas, de aumentar algumas das verbas inscritas.
Embora as razões dos aumentos pedidos sejam de atender, por todos serem justificados pelos excessivos preços a que tudo tem chegado nos últimos meses, a vossa comissão não os pôde tomar em consideração, por estar concluído o seu trabalho, que, a ser alterado, teria como consequência uma maior demora em apresentar o seu parecer, demora que, certamente, ainda daria tempo a que muitos outras justificadas alterações nos fossem pedidas. Durante a discussão se apreciarão êsses pedidos».
Reconheceu a Câmara a conveniência de apreciar novamente a proposta orçamental referente ao Ministério da Guerra, aprovando a proposta do Sr. Ministro da Guerra, e, sobrevindo esta oportunidade, a vossa comissão do Orçamento apreciou as propostas de alteração de verbas, submetendo ao esclarecido critério da Câmara aquelas que julgou justificadas e que se apresentam neste parecer.
Ainda a comissão do Orçamento, na alteração de algumas verbas, atendeu à lei n.º 1:422, de 12 de Maio de 1923, que reforça algumas verbas e realiza a transferência de outras inscritas no actuai Orçamento do Ministério da Guerra.
As propostas mais importantes referem-se aos quadros permanentes do exército metropolitano; tendo o Sr. Ministro da Guerra reconhecido a necessidade de corrigir êsses quadros, submeteu à votação da Câmara a proposta seguinte:
«Proponho que o parecer n.º 411-(e) e respectiva proposta orçamental referente ao Ministério da Guerra, para o ano económico de 1923-1924, baixe à comissão do Orçamento para ser rectificada».
A propósito da discussão da referida proposta, o ilustre Deputado Sr. António Fonseca defendeu a do teor seguinte:
Considerando que é indispensável entrar definitivamente em regime de compressão de despesas, reduzindo as necessárias, eliminando as dispensáveis e estabelecendo a respeito de cada serviço as providências tendentes a evitar o crescimento das improdutivas, nomeadamente das que se referem a pessoal;
Considerando que a proposta orçamental do Ministério da Guerra não está orga-
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nizada em harmonia com os preceitos da contabilidade em vigor nem traduz e antes altera disposições legais vigentes, sobretudo no que respeita a fixação de quadros:
A Câmara dos Deputados resolve:
1.º Reduzir os quadros permanentes de oficiais e praças de pré da proposta orçamental aos fixados na legislação especial em vigor;
2.º Inscrever os supranumerários, que realmente existam e na situação em que devem ser considerados;
3.º Exprimir o desejo de que o Govêrno apresente ràpidamente ao Parlamento as providências necessárias para:
a) Reduzir os quadros permanentes aos fixados na legislação vigente em 1914;
b) Entravar definitivamente o crescimento, até agora constante, das despesas do pessoal do Ministério da Guerra;
c) Promover o regresso rápido do número de oficiais e praças do exército à normalidade da organização legal.
Tanto a proposta como a moção foram aprovadas, constituindo, portanto, uma deliberação da Câmara, à qual temos de subordinar o estudo da proposta orçamental para o ano económico do 1923-1924, referente ao Ministério da Guerra.
As considerações que vamos apresentar à apreciação da Câmara serão naturalmente orientadas pela declaração do voto, que o actual relator fez no precedente parecer. A proposta orçamental que nos cumpre analisar tem uma viciosa organização, pois não descrimina e não agrupa as diferentes verbas, do maneira a salientar exactamente o dispêndio dos diferentes estabelecimentos dependentes do Ministério da Guerra. Há verdadeiros serviços autónomos, cujos orçamentos do receita e despesa, devidamente descriminados, a Câmara deveria conhecer o apreciar, e que escapam ao conhecimento do próprio Ministro.
Torna-se indispensável evitar a continuação do tal estado do cousas o indispensável é que a fiscalização das despesas se realize de maneira diferente da actual, não escapando o Ministério da Guerra, na liquidação das suas coutas, à fiscalização superior do Conselho Superior de Finanças, por intermédio do um serviço especial que esteja subordinado tecnicamente a êste Conselho Superior de Finanças e constituído por um quadro recrutado entre oficiais do exército, que satisfaçam a determinadas condições.
Estas funções, em parte e com grandes restrições, que escapam à lei geral de contabilidade, são exercidas pelo nosso serviço de administração militar, que dirige, executa e fiscaliza, funções cuja incompatibilidade constitui uma das regras fundamentais de administração pública, principalmente a última. Dêste confusionismo resultarão necessàriamente prejuízos, pois que o facto da fiscalização não ser exercida por um organismo próprio, não lhe assegura a indispensável independência na apreciação da oportunidade o legalidade das despesas realizadas.
Impõe se, portanto, sem aumentar os quadros globais do exército, a constituição com um recrutamento idóneo dos serviços de intendência e de fiscalização, sendo inadiável êste último serviço, se desejamos sinceramente corrigir defeitos, que urge remediar. Não é uma inovação, que apresentamos, pois a maioria dos exércitos estrangeiros segue tal critério o em Portugal, que saibamos, pelo menos o ilustre relator do orçamento do Ministério da Guerra para o ano económico de 1919-1920, o antigo Deputado Sr. tenente-coronel do Serviço do Administração Militar, Francisco Pina Lopes, com a autoridade incontestável da sua opinião, defendeu calorosamente a criação do serviço de fiscalização (contrôle). Desenvolve largamente êste assunto, justificando o antigo relator a criação do serviço do fiscalização, entre outras, com as seguintes afirmações:
«Porque todos os países, que primam em administrar com inteligência e com impecável austeridade as suas finanças, têm organizados modelares corpos de contrôle,
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a quem incumbe uma assídua e proveitosa vigilância sôbre todas as suas despesas militares, incutindo ao mesmo tempo em todas as entidades encarregadas da administração das diferentes unidades e estabelecimentos militares o espírito de economia e zêlo que a todos devem merecer os haveres do Estado. Ainda recentemente, na guerra, se acentuou, duma forma bem sensível, a falta do contrôle, executado com sciência, competência, prestígio e com verdadeira e insofismável honestidade.
O comando, pelos seus múltiplos e completos afazeres, não pode, nem deve preocupar-se com tal serviço, e o Poder Central necessita de estar conveniente e constantemente informado das quantias despendidas, e naquilo em que o foram.
E se, no modo de ver da vossa Comissão de Orçamento, é, ainda, apesar de tudo, o Ministério da Guerra um dos Ministérios que bem administram as suas verbas orçamentais, parece-lhe, no entretanto, bem justificada a necessidade da criação dum órgão especial, escrupulosamente seleccionado, para fazer o respectivo contrôle superior.
Porque é também o exército, pela especialidade e pelo valor da sua missão, quem mais carece de provar a todos que a sua administração é modelar, austera e insofismàvelmente impecável».
A proposta orçamental, a que se refere êste parecer, é caracterizada por múltiplas verbas exíguas, correspondentes à disseminação de organismos parcelares, que urge concentrar para nos assegurarmos da possibilidade duma existência proveitosa, e por grandes verbas globais, que deveriam ser discriminadas. Seria desejo da vossa Comissão de Orçamento, fazer a análise demorada da aplicação destas importantes verbas, mas o tempo, que nos foi permitido, não só compadecia com um estudo assim desenvolvido.
Ainda no orçamento do Ministério da Guerra deveríamos atender às receitas próprias da taxa militar e outras; a taxa militar tem uma aplicação especial que se deveria assegurar, bom como se torna imperioso que a Câmara discuta uma proposta de lei do antigo Ministro da Guerra e venerando parlamentar, Sr. general Correia Barreto, que actualiza aquele imposto tam justificável e duma aplicação de tanto valor para a eficiência da instrução militar, em que o material moderno constitui um elemento apreciável e dispendioso, mas necessário pelas vidas, de maior apreço, que permite poupar.
Como bem afirma, com convicção e magnífica energia, o ilustre Deputado Sr. Albino Pinto da Fonseca, no parecer n.º 411-(e), é inadiável a reorganização do exército, aproveitando os ensinamentos da Grande Guerra e atendendo às condições económicas da Nação e às circunstâncias financeiras do Estado. A Sociedade das Nações não permite é desarmamento, sabe-o bem a Câmara, e pelos artigos 8.º e 10.º (o célebre artigo que evitou a adesão dos Estados Unidos da América), obriga os estados societários a possuir um organismo defensivo e impõe-lhes a participação nas ofensivas exigidas pela defesa dos seus participantes, cujos direitos sejam ofendidos. Ainda até hoje se não fez a remodelação do exército e, posteriormente ao armistício, mais se complicou a vida normal da instituição militar.
Não nos compete estudar as bases em que o exército deverá ser remodelado, mas, sob o ponto de vista orçamental e assegurando o maior valor profissional dos quadros e das tropas, julga a vossa comissão de guerra que os órgãos centrais do nosso exército deveriam ser desburocratizados e que a sua acção deveria ser de direcção superior e de fiscalização, descentralizando-se funções, o que estimularia proveitosas iniciativas. Embora mantendo as actuais oito regiões territoriais, como organismos de recrutamento, remonta e mobilização (nos seus diversos e interessantes aspectos), dever-se-ia adoptar o princípio da separação das funções de comando e de direcção territorial dos serviços, que estabelecem as necessárias relações entre o exército e a Nação, preconizado no projecto de lei que a Câmara dos Deputados de França estuda e que o Ministro da Guerra, autorizado parlamentarmente, já realizou nas suas linhas gerais.
Assim poderíamos organizar três divisões, com efectivos de paz convenientemente
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calculados, conforme as imposições da defesa nacional estudadas pelo competente organismo técnico superior e atendendo às possibilidades orçamentais. Êste critério asseguraria a concentração dos efectivos, o que facilitaria a execução dos importantes serviços de instrução das tropas e aperfeiçoamento dos quadros.
Não nos permite o tempo, nem é atribuição da Comissão de Orçamento o estudo das medidas necessárias, a que acidentalmente aludimos pela questão interessante, sob o ponto de vista orçamental, de se evitar a pulverização de verbas exíguas e a multiplicação de cargos, comandos e comissões, que caracteriza o sistema vigente.
A questão dos quadros permanentes do exército suscitou acalorado debate e originou a moção do ilustre Deputado Sr. António Fonseca, que já transcrevemos. Em harmonia com esta moção, aprovada pela Câmara, a vossa Comissão de Orçamento modificou os números inscritos na proposta orçamental, que também, segundo a proposta do Sr. Ministro da Guerra, atrás exarada, deviam ser rectificados. Êsses novos números constam do mapa B, anexo a êste relatório.
A lei fundamental do exército é o decreto de 25 de Maio de 1911, que fixou os quadros permanentes orgânicos das diferentes armas ou serviços. Posteriormente foram publicadas disposições emanadas do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, de natureza diversa e que influíram, directa ou indirectamente, nos números fixados naqueles quadros permanentes. Assim podemos agrupar essa variedade de diplomas, exigidos por circunstâncias diferentes e nem sempre justificados pelo interêsse geral da instituição militar, em três categorias:
a) Alterações de quadros;
b) Criação de comandos e comissões, som que os quadros fossem alterados;
c) Criação de serviços, sem que os quadros fossem alterados.
Não fatigaremos a atenção da Câmara, indicando os diplomas pertencentes a cada grupo, entre os quais estão incluídas todas as disposições impostas, aconselhadas ou julgadas necessárias pela nossa gloriosa intervenção militar na Grande Guerra. Nas rectificações indicadas pela Comissão de Orçamento atendemos ùnicamente às alterações de quadros, considerando como supranumerários todos os oficiais que excedem êsses números e existem em serviço, e aqueles que pela natureza das suas comissões devam ser supranumerários, nos termos do § 2.º do artigo 461.º do decreto de 25 de Maio de 1911, e ainda os que estão em serviço na guarda nacional republicana e excedem, pela actual organização dêste corpo, os números fixados no mesmo decreto.
No serviço do estado maior estão incluídos no respectivo quadro um oficial superior o um capitão em serviço na guarda nacional republicana, cargos que foram suprimidos pela actual organização dêste corpo, mas que a Comissão de Orçamento não podia alterar nos termos dum critério legalista.
Pelo que se refere a praças de pré a Comissão de Orçamento seguiu o mesmo critério na fixação dos números constantes das rectificações propostas, e que constam do mapa B, anexo a êste relatório.
O problema da constituição dos quadros está excepcionalmente agravado pelas promoções, que se fizeram sem um princípio equilibrado e considerando só os interêsses de cada quadro. O que se tem feito em matéria de promoções, com profunda mágoa o constata a vossa Comissão de Orçamento, só tem concorrido para o desprestígio do exército. Sabe-o a Câmara, conhece-o o país, que não só há um excedente de oficiais e graduados, como êsse excedente existe, principalmente, nos postos superiores. Durante a Guerra não se quiseram adoptar certas medidas, que, contrariando a tradição, evitavam os inúmeros inconvenientes, que depois surgiram; feito o armistício, um mau sestro inspirou as disposições fragmentárias ao abrigo das quais se realizaram as promoções, agravando extraordinariamente uma consequência inevitável da mobilização de importantes efectivos para as nossas campanhas em Angola e Moçambique e pela nossa cooperação na Flandres Francesa. Não nos compete fazer história, nem nos é
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agradável recordar pormenores de uma orientação anarquizante. A outra comissão parlamentar compete estudar as medidas que atenuem êste mal, e propor à apreciação da Câmara aquelas disposições, que permitam, o mais ràpidamente possível, normalizar os nossos quadros. O Sr. Ministro da Guerra tem meios, nas suas atribuïções, para deminuir os prejuízos orçamentais de semelhante situação, pois poderá reduzir ao fixado nos quadros o preenchimento dos respectivos comandos e comissões e atender aos serviços essenciais com o número mínimo de oficiais e graduados, que necessitem para o seu preenchimento. Os excedentes ficariam sem exercício, o que é mais económico do que o artificialismo de um exercício, que prejudica por faltarem funções bem definidas. Fizeram-se leis excepcionais, que suscitaram um reparo tam justificado. O excelente princípio orgânico da perequação nas promoções dos diferentes quadros das armas, foi alargado a todos os serviços (principais, auxiliares e secundários); a equidade dêsse princípio, que exige disposições moderadoras e que — é necessário acentuá-lo — atende aos interêsses gerais, converteu-se na situação actual, cujas causas ainda não foram destruídas. O rejuvenescimento dalguns quadros fez-se de maneira vertiginosa e sem vantagens ou garantias para o aperfeiçoamento da respectiva especialidade e outros quadros sentem-se ainda prejudicados. Para êste facto compete à vossa comissão do Orçamento chamar a esclarecida atenção da Câmara: as causas coexistem com os seus perniciosos efeitos já averiguados.
O excesso de quadros e o excedente de oficiais generais e oficiais superiores, além das desvantagens de ordem profissional e moral, têm consequências orçamentais, que dificultam a nossa missão. De ordem profissional e moral porque o estímulo das promoções, condição de prestígio para a instituição militar, é muito reduzido ou até anulado, e porque o princípio hierárquico da ligação entre o pôsto é a função não pode ser observado e até tem de ser abandonado em larga escala para o aproveitamento de todos os elementos disponíveis; de ordem orçamental, porque os quadros de oficiais e de graduados absorvem enormes verbas e as possibilidades financeiras não permitem outras despesas, que concorreriam para a necessária eficiência do exército.
As questões da instrução militar e da aquisição do material têm hoje uma maior importância. Evidentemente, houve sempre necessidade de cuidar da preparação militar, sendo conhecido o velho aforismo si vis pacem, para bellum e é princípio averiguado na história militar que os bons quadros fazem os bons exércitos, ou, como dizia o eminente historiador Latino Coelho, «os quadros são a alma dos exércitos»; mas depois da Grande Guerra, por circunstâncias de ordem social, moral e técnica, essa preparação tem merecido o mais desvelado cuidado em todos os exércitos, não só antigos beligerantes, como antigos neutros, cuja observação é, para nós, particularmente útil e imperativamente necessária.
Essa instrução absorve importantes verbas e a sua falta torna inúteis todas as outras despesas.
A atonia mental e a atrofia moral são as consequências inevitáveis de um organismo social, que não segue os seus progressos o abandona a sua função. A morte moral sobrevêm e as surpresas são inevitáveis, originando, então, mas com dificuldades, sobressaltos e maiores sacrifícios monetários, êsses belos gritos de um povo, que há oito séculos mantém a sua independência política, e em momentos críticos tem afirmado a fôrça ancestral da nacionalidade.
As fôrças morais continuam a ter o predomínio inevitável em toda a actividade dos agrupamentos sociais e na guerra foram, e serão, a poderosa alavanca do querer, que consegue prodígios. Mas não há fôrças superiores a impossibilidades resultantes de um notável desequilíbrio dos meios materiais em presença.
O material tem hoje uma importância tam notável, que uma escola doutrinária surgiu no exército, que regista nos seus gloriosos fastos os nomes de Napoleão, o grande psicólogo e propulsor de fôrças morais, e do marechal Foch, o nosso presti-
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gioso contemporâneo e que ao estudo dos factores morais dá extraordinário relevo, em que se afirma a importância decisiva dos elementos materiais de acção.
O material deve ser abundante, é muito caro e as condições económicas e político-estratégicas do nosso país exigem grandes reservas de material. A situação é bem conhecida, mas a Comissão de Orçamento salientando-a neste relatório cumpre um indeclinável dever patriótico. O material economiza vidas humanas.
Torna-se indispensável despender importantes verbas para a instrução dos quadros e das tropas e para a conservação e aquisição do material, o que justifica algumas minguadas verbas inscritas na proposta que a Comissão de Orçamento vos submete.
O nosso problema pedagógico-militar necessita de ser pôsto em solução; não é suficiente criar organismos de aperfeiçoamento; importa muito principalmente esquematizar a instrução, coordenar e graduar o ensino e atender à formação dos reflexos, que as sciências psicológicas, hoje num notável grau de aperfeiçoamento, permitem, e que, interessando a todos os leaders, é essencial aos condutores de homens em circunstâncias tam depressivas para um grau de civilização, que só, excepcionalmente, obrigará a política externa a abandonar os meios diplomáticos e a recorrer aos organismos defensivos dos direitos do Estado.
Não é ocasião de discutir a questão da duração das escolas de recrutas, início da preparação técnica, mas é interessante frisar que a questão da fixação do tempo de permanência efectiva nas fileiras, recentemente discutida em França quando o Parlamento votou a actual lei do recrutamento, promulgada em 1 de Abril de 1923, girou em torno da fixação dos efectivos de paz; em princípios do século XIX era a duração dos artigos de fardamento que prendia os preopinantes; durante a segunda parte do mesmo século e princípios do actual, conservadores e radicais bateram-se rijamente em todos os Estados contra ou a favor da redução do tempo de serviço exigido pela conveniente preparação do soldado; recentemente a questão tomou outro aspecto. O problema é, fundamentalmente, ama questão de bons quadros, instrutores e monitores e para cada exército, acessoriamente, um problema de efectivos de paz.
A vossa Comissão de Orçamento reduz o número de recrutas, previsto pela proposta orçamental, a 22:800 recrutas. É êste número apenas um efectivo orçamental, pois que as disposições da lei do recrutamento de 5 de Março de 1911 estabelecem o serviço pessoal obrigatório, como é hoje normal em todos os exércitos, excepto nos exércitos britânico e norte americano por tradição quebrada transitoriamente pelas exigências dos efectivos a mobilizar, e nos exércitos dos antigos impérios centrais, por imposição do Tratado de Versailles e outros. O Poder Executivo dispõe da lei n.º 623, de 23 de Junho de 1913, ainda em vigor, e poderá propor ou adoptar disposições que assegurem, como é de lei e determinação salutar, a encorporação do efectivo apurado.
Desde a publicação da actual lei do recrutamento que o efectivo orçamentado para as escolas de recrutas tem sucessivamente deminuído; em 1911-1912 foi de 36:000 recrutas e a partir de 1912-1913 até 1915-1916 de 30:000 recrutas. As estatísticas recentemente publicadas e referentes ao quadriénio 1915-1918 dão-nos 30:275, efectivo médio encorporado, entrando em conta com os máximos, e na recente encorporação apresentaram-se 22:247 recrutas.
A distribuïção proposta para as diferentes armas e serviços obedece às informações mais recentes, respeitantes ao assunto, e como ensinamento da Grande Guerra, que alterou sensivelmente a proporção das diferentes especialidades.
O fundamento do serviço reduzido nas fileiras, adoptado hoje em todos os exércitos, é a chamada Instrução Militar Preparatória, que após a Grande Guerra tem adquirido notável desenvolvimento sob a forma de educação física, cultura cívica e desenvolvimento desportivo, pelo conhecido processo do escotismo. Em Portugal não existe. As beneméritas e patrióticas sociedades da Instrução Militar Preparatória encerraram as suas portas, depois de terem dado provas tam brilhantes da sua actividade. O Orçamento do Ministério da Guerra continua a manter a verba de 27. 200$ (capítulos 17.º e 37.º) para manter uma inútil burocracia. Por isso a vossa Comissão de Orçamento propõe que essa verba seja aumentada e destinada exclusivamente a criar prémios colectivos e individuais, que com as disposições da lei n.º 623 ou outras de
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maior envergadura façam ressuscitar a chamada viciosamente Instrução Militar Preparatória (prémios de educação física e desportiva).
Ainda a questão da instrução merece uma referência às escolas de repetição. Reproduzimos as palavras tam vibrantes dum antigo e ilustre parlamentar, bem conhecido pela sua brilhante e profunda cultura sôbre os assuntos, que ao exército interessam. No notável relatório sôbre a proposta orçamental para 1915-1916, o Sr. tenente-coronel Helder Ribeiro, referindo-se ao facto de não se terem realizado as escolas de repetição em 1914, dizia:
«Foi exactamente essa ocasião (o início da Grande Guerra) que se julgou ser a propícia para a não realização das escolas de repetição que são o coroamento dum ano intensivo de instrução, vasto campo prático onde se manifesta o valor dos processos de ensino, se avalia dos métodos do comando, onde se experimentam os processos tácticos, onde se completa o soldado, onde se aperfeiçoa o oficial, onde as tropas adquirem coesão o homogeneidade, a acção dos comandos se uniformiza e a doutrina da guerra se completa.
Curioso seria estudar detalhadamente a influência que a sua não realização teria tido nas tropas que nesse ano e começos do corrente tivemos de enviar para a África».
A vossa Comissão de Orçamento, inteiramente de acôrdo com as judiciosas considerações transcritas, propõe-vos que seja inscrita a verba de 200. 000$ (artigo 18.º) e de 20. 000$ (artigo 38.º) para a instrução das escolas de repetição no próximo mês de Setembro. Sabemos que a verba é bem exígua, mas é um recomeço de vida nova, é um renascimento de actividades, é uma obra que dignifica a República e lhe deu os belos dias de 1912 e de 1913 e, mais tarde, em Tancos e na chamada Península de Tôrres Vedras permitiu essa confraternização tam salutar entre as populações das regiões onde se realizaram os exercícios e as tropas, além de concorrer, eficazmente, para a preparação profissional de quadros e tropas.
Ainda tratando do problema pedagógico militar, a Comissão de Orçamento se deve referir às escolas preparatórias, que constituem a obra tutelar o social dos exércitos de terra e mar, reconhecendo a boa orientação pedagógica que tem presidido à sua acção, mas entendendo que deve ser estudada a maneira de lhe ser dado mais largo desenvolvimento, sobrecarregar menos o orçamento do Ministério da Guerra, como obra de assistência e de solidariedade que aos interessados compete manter.
Acidentalmente diremos que o Colégio Militar não recebe subsídios dos Ministérios das Colónias e das Finanças, a deduzir no actual orçamento do Ministério da Guerra (artigo 36.º, p. 73) e que o critério para o rateio dêstes subsídios é variável nos estabelecimentos a que nos referimos.
Sente a Câmara que a vossa Comissão de Orçamento só alteraria as verbas respeitantes à assistência aos militares tuberculosos (artigo 27.º, p. 66), e as pensões aos mutilados da guerra (artigo 22.º, p. 62) e aos condecorados com as ordens especiais concedidas ao valor nos campos do batalha (artigo 50.º, p. 77), ao pagamento ao pessoal hospitalizado no Instituto de Reeducação dos Mutilados da Guerra (artigo 8.º, p. 36) e à aquisição dos aparelhos destinados aos mutilados da guerra (artigo 28.º p. 66), aumentando umas e reduzindo ou suprimindo outras por possuir sólidos fundamentos para o propor.
Os documentos em que a comissão do Orçamento se baseou ficam no nosso arquivo para serem consultados pelos ilustres Deputados. Desses documentos destacamos o relatório da Comissão Central de Assistência dos Militares Tuberculosos, que demonstra a necessidade de elevar a respectiva verba a 160. 000$ para realizar a sua carinhosa missão junto de 383 tuberculosos regressados da Grande Guerra.
Não esquece neste momento a vossa Comissão de Orçamento a generosa iniciativa dos sargentos do exército criando um sanatório para tuberculosos e sente que não lhe seja possível propor-vos um subsídio especial, pois já no orçamento do Ministério
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da Guerra está inscrita a importância de 50. 000$ para auxílio ao Montepio dos Sargentos (artigo 50.º, p. 77).
À Comissão de Orçamento não deixou de merecer reparo o grande número de hospitais. militares, sendo dois de 1.ª classe, seis de 2.ª classe e vinte e sete de 3.ª classe, não lhe sendo possível, no curto espaço de tempo que nos foi consentido, averiguar qual o movimento hospitalar de cada hospital e que justificaria a sua classificação ou a proposta de mudança de classe.
A verba de 1:700. 000$ para o fundo de tratamento hospitalar (artigo 11.º, p. 41), dá-vos idea bem nítida das medidas que uma boa administração do complexo departamento da guerra deverá tomar para reduzir as despesas orçamentais e atender aos. valores económicos, que depauperam a Nação.
Após a Lei Orgânica do Exército de 1911 foram organizados alguns serviços, cuja existência é perfeitamente justificável e que exigem mesmo mais largo desenvolvimento, adoptando, no emtanto, os processos mais económicos.
Assim, o Serviço Aeronáutico Militar despende, com a sua actual e deficiente organização, que não satisfaz às exigências de defesa nacional 3:797. 244$57 (artigos 12.º e 30.º).
É bem conhecida a luta para o domínio aéreo que vai travada entre os dois grandes Estados do Canal da Mancha e as preocupações dos seus dirigentes. A aviação e a aerostação, muito principalmente a primeira, adquiriram imprevisto desenvolvimento durante a Grande Guerra e, já depois do armistício, se têm realizado notáveis progressos técnicos, tendo Portugal a enorme honra de deixar na história da navegação aérea, como já o fizera na história marítima, um lugar de destaque. Um ilustre oficial francês, o general Hirschauer, distinto parlamentar, afirmou concisamente, parafraseando o aforismo clássico: si vis pacem, serva caelum. É indispensável guardar o nosso Ar e a vossa Comissão de Orçamento, permite-se chamar a atenção para o problema da aviação comercial, que tem já a Europa atravessada de rápidas estradas e tenta com êxito não só as grandes estradas africanas e americanas, mas as estradas intercontinentais; a mais extensa até hoje conseguida com êxito é a luminosa estrada Lisboa-Rio de Janeiro. Só pela criação da aviação comercial poderemos dar desenvolvimento à nossa rudimentar aviação, militar e naval.
A aeronáutica necessita ser não só uma quinta arma, mas um novo meio de acção que compreenda no seu conjunto a defesa das fronteiras terrestres e marítimas.
O Serviço Automóvel Militar consome a verba inscrita de 356. 035$48 (artigos 4.º e 24.º). É conhecida a opinião de alguns ilustres Deputados sôbre êste serviço. É serviço indispensável num exército moderno, mas necessita ser profundamente remodelado e a Comissão de Orçamento, não vos propondo a supressão da verba de 175. 685$48, artigo 24.º, p. 64, respeitante ao Parque Automóvel Militar, confia que o Poder Executivo adoptará a solução que melhor defenda os interêsses do Estado, referentes ao activo do mesmo Parque Automóvel Militar e à sua transformação, trazendo à Câmara dos Deputados a necessária proposta de lei, se os projectos de lei pendentes no Congresso não satisfazem convenientemente nos seus detalhes, para serem convertidos em lei.
Os Serviços Gráficos do Exército estão inscritos com 10. 120$ (artigos 12.º e 30.º), mas, além destas verbas, existe a importante verba de 32. 000$ (artigo 30.º) para pagamento à Imprensa Nacional. Junto dos Serviços Gráficos do Exército há a secção de fotografia e cinematografia, que presta bons serviços, mas é uma duplicação do gabinete fotográfico existente no Estado Maior do Exército (artigo 3.º). Além da inutilidade dêstes serviços, a sua criação feita ao abrigo do artigo 230.º do decreto de 25 de Maio é ilegal (decreto n.º 5:955, de 28 de Julho de 1919). Exércitos com maiores possibilidades, como o francês e o italiano, não têm serviços gráficos próprios, mas dispõem dos conhecidos livreiros militares editores e no exército espanhol,
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em que existe o chamado Depósito da Guerra, junto do estado maior, êste sistema é asperamente censurado.
As verbas para rancho (artigo 46.º, p. 76) estão sensivelmente alteradas, pois que o cômputo do rancho, a 1$50 diários, foi julgado deficiente e é, na revisão da proposta orçamental que vos submetemos à apreciação, avaliado em 1$60 diários; há o aumento de 716. 054)$ porque houve deminuïção nos efectivos (mapa B).
A verba de 250. 000$, inscrita no capítulo 5.º -A (artigo 54.º -A), destinada ao Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios, não se justifica, pois que não têm um efectivo em que se baseie, além de que os militares inutilizados em serviço têm direito a reformas extraordinárias e pensões, conforme as condições da sua invalidez. Além disso a soma das diferentes verbas, inscritas no orçamento do Ministério da Guerra, e que poderemos incluir na obra de assistência somam 7:849. 696$36 (artigos 8.º, 11.º, 22.º, 35.º, 40.º, 41.º, 50.º e 54.º -A) e a importante verba de 250. 000$ nunca foi sacada pelo I. S. S. O., não obstante a sua inscrição nos últimos orçamentos.
Feita a análise da despesa ordinária, que a proposta orçamental avaliava em 80:545. 715$65, e que, se as propostas apresentadas merecerem a vossa aprovação, fica em 79:956. 418$57, passaremos à despesa extraordinária.
Entende a vossa comissão do Orçamento que a actual situação financeira do Estado impõe as maiores reservas na realização de todas as despesas, mas muito principalmente das despesas extraordinárias, restringindo-as e adiando-as para melhor oportunidade.
Foi êste o critério que nos orientou e, em harmonia com êle, submetemos à vossa apreciação a respectiva proposta, que realiza uma economia de 5. 160$.
Êste parecer é acompanhado dos mapas seguintes:
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MAPA A
Alterações propostas pela Comissão de Orçamento à proposta orçamental do Ministério da Guerra para o ano económico de 1923-1924
[Ver tabela na imagem]
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[Ver tabela na imagem]
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[Ver tabela na imagem]
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[Ver tabela na imagem]
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[Ver tabela na imagem]
(a) Vide mapa R.
(b) Só os quadros das armas e serviços (efectivos o supranumerários); vide exemplar corrigido entregue na Mesa da Câmara, pp. 13 a 26.
(c) A deduzir, subsídio inscrito no Ministério da Marinha.
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Sessão de 27, 28, 29 e 30 de Junho de 1923
MAPA B
Desenvolvimento das alterações propostas a alguns artigos da proposta orçamental, cujo resumo vai incluído no MAPA A
Artigo 2.º
Quadros permanentes do Exército Metropolitano
a) Oficiais
[Ver tabela na imagem]
(a) Primeiros oficiais.
(b) 6 segundos oficiais e 1 terceiro oficial.
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b) Praças de pré
Inclui músicos, corneteiros e artífices
[Ver tabela na imagem]
Observação. — As importâncias estão descritas em um exemplar da proposta orçamental, quadros corrigidos, entregues na Mesa; a soma total é de 9:334. 193$99. (Mapa A — Quadros permanentes do exército metropolitano).
Artigo 18.º
Instrução militar
Escolas de recrutas (p. 60)
[Ver valores da tabela na imagem]
Pré diário a $04 (22:800 recrutas):
1:800 praças destinadas à arma de engenharia, no período de 175 dias
2:640 praças de artilharia de costa, guarnição e campanha, no período de 140 dias
1:000 praças de cavalaria, no período de 210 dias
16:500 praças de infantaria, no período de 105 dias
660 praças da administração militar, no período de 105 dias
700 praças das companhias de saúde, no período de 175 dias
22:800 (a)
Artigo 30.º
Subsídio pela «História do Exército Português» (p. 67)
Composição e impressão do IX volume na Imprensa da Universidade de Coimbra
Gratificação ao autor
(a) No relatório acentua-se que é um efectivo orçamental, pois que nos termos da lei deverão ser encorporados todos os mancebos apurados pelas juntas de inspecção. A boa administração dêste assunto permitirá dar à instrução fundamental das escolas de recrutas o maior rendimento.
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Artigo 45.º
Depósito Central de Fardamentos (p. 75)
Fornecimento de fardamento e calçado ao exército
[Ver valores da tabela na imagem]
Verbas descritas nos quadros permanentes e outros serviços do Exército:
Arma de engenharia — 2:797 praças
Arma de artilharia — 3:990 praças
Arma de cavalaria — 1:749 praças
Arma de infantaria — 7:884 praças
Serviços de saúde militar — 320 praças
Serviço de administração militar — 976 praças
Serviço veterinário — 163 praças
Estabelecimentos hospitalares — 702 praças
Escola de recrutas — 22:800 praças
Escola de Aviação Militar — 168 praças
Grupo de Esquadrilhas de Aviação «República» — 314 praças
Parque de Material Aeronáutico — 127 praças
Soma
Capítulo 3.º
Alimentação — Manutenção Militar (p. 76)
Artigo 46.º
Rancho
(Calculado cada rancho em 1$60)
Arma de engenharia — 2:797 praças
Arma de artilharia — 3:990 praças
Arma de cavalaria — 1:749 praças
Arma de infantaria — 7:884 praças
Serviço de saúde — 320 praças
Serviço veterinário — 163 praças
Serviço de administração militar — 976 praças
Estabelecimentos hospitalares — 712 praças
Escola de recrutas — 22:800 praças
Escola de Aviação Militar — 168 praças
Grupo de Esquadrilhas de Aviação «República» — 314 praças
Parque do Material Aeronáutico — 127 praças
Soma
Artigo 47.º
Rações de pão (p. 76)
(Calculada cada ração em $44)
Arma de engenharia — 1. 023:702
Arma de artilharia — 1. 460:340
Arma de cavalaria — 604:134
Soma e segue
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[Ver valores da tabela na imagem]
Transporte
Arma de infantaria — 2. 885:544
Serviço de saúde — 117:120
Serviço veterinário — 59:658
Serviço de administração militar — 357:216
Estabelecimentos hospitalares — 256:932
Escola de recrutas — 2. 731:400
Escola de Aviação militar — 58:926
Grupo de Esquadrilhas de Aviação «República» — 114:924
Parque de Material Aeronáutico — 46:482
Artigo 48.º
Rações de forragens
(Calculada cada ração de forragens em 5$75)
Reduzir o número de solípedes a:
227 solípedes de oficiais generais e oficiais não arregimentados.
371 solípedes de engenharia.
2:105 solípedes de artilharia.
1:479 solípedes de cavalaria.
784 solínedes de infantaria.
295 solípedes da administração militar.
1:419 solípedes do Depósito de Remonta.
6:680 solípedes, ou seja 2. 444:880 rações do forragens
Artigo 54.º
Adidos militares em Madrid e Paris
Além do vencimento, de 3 libras diárias, tem os seus vencimentos normais de efectividade em moeda portuguesa.
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MAPA C
Mapa comparativo da proposta orçamental apresentada e do parecer da Comissão de Orçamento (MAPA A)
[Ver tabela na imagem]
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[Ver tabela na imagem]
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[Ver tabela na imagem]
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MAPA D
Resumo da despesa inscrita na proposta orçamental e da despesa revista pela Comissão de Orçamento
[Ver tabela na imagem]
(a) A deduzir o subsídio do 3. 500$00, inscrito no orçamento do Ministério da Marinha.
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A) Alterações propostas pela Comissão de Orçamento à proposta orçamental para o ano económico de 1922-1923.
B) Desenvolvimento das alterações propostas a alguns artigos da proposta orçamental, cujo resumo vai incluído no Mapa A.
C) Mapa comparativo da proposta orçamental apresentada e do parecer da Comissão de Orçamento (Mapa A).
D) Resumo da despesa inscrita na proposta orçamental e da despesa revista pela Comissão de Orçamento.
A Comissão de Orçamento junta a êste parecer um exemplar da proposta orçamental devidamente corrigida, pela impossibilidade de ser impressa uma nova proposta orçamental com as rectificações propostas pelo Sr. Ministro da Guerra e aceitas pela vossa comissão.
Finalizando êste relatório, recordamos a palavras cheias de fé do ilustre relator do primeiro orçamento do Ministério da Guerra na vigência da República, o actual Ministro das Finanças, Sr. Vitorino Guimarães, e anima-nos a mesma confiança no prestígio das instituições militares, que devem merecer todo o interêsse aos governantes, colocando-as em condições de ser um elemento de ressurgimento moral e de defesa externa.
Pelas considerações expostas, a vossa Comissão de Orçamento é de parecer que a proposta orçamental da despesa do Ministério da Guerra para o ano económico de 1923-1924 merece a aprovação com as alterações propostas no mapa A.
Sala das Sessões da Comissão do Orçamento, 22 de Junho de 1923. — Abílio Marçal — Fausto de Figueiredo — Vitorino Godinho, vencido — José Cortês dos Santos — Tavares Ferreira — Lourenço Correia Gomes — Adolfo Coutinho — Mariano Martins -Bartolomeu Severino — Henrique Pires Monteiro, relator.
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2.º pertence ao n.º 411-(e)
ANEXO AO MAPA B
Quadros permanentes do exército, segundo a proposta orçamental para 1923-1924
a) Oficiais
[Ver tabela na imagem]
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O Sr. Presidente: — Suscita-se uma divida para a qual chamo a atenção da Câmara.
Quando se discutiram os orçamentos resolveu-se que haveria urna só discussão na generalidade que abrangia todos os orçamentos e há dias foram revogadas todas as medidas de excepção que tinham alterado o Regimento; nestas condições tenho dúvidas sôbre se foi ou não o orçamento da Guerra já discutido na generalidade.
Espero que a Câmara se manifeste sôbre o critério a seguir.
Trocam-se àpartes.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: embora se tenham revogado todas as alterações regimentais, entendo que, tendo já recaído sôbre o orçamento da Guerra a discussão na generalidade, êle já está discutido sôbre êsse aspecto. Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — É sempre desagradável quebrar a boa harmonia existente entre os dois partidos da República e ir mais uma vez levantar uma questão que fez com que a minoria nacionalista abandonasse esta casa do Parlamento.
A minoria nacionalista já está do acôrdo com a maioria; muito bem, mas quero que fique assente que nós, os monárquicos, é que continuamos a estar no mesmo campo em que sempre estivemos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Não estamos aqui para transigências com a maioria democrática, nem com os monárquicos. Embora não votássemos, consentimos que houvesse uma só discussão na generalidade para todos os orçamentos.
Ficámos com os nossos princípios e por forma alguma deixamos de ser coerentes.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — A aceitar-se a doutrina do Sr. Cunha Leal, também o Partido Nacionalista votava a proposta do Sr. António Fonseca. Nós é que mantemos a mesma coerência.
O Sr. Presidente: — Está em discussão o artigo 1.º do orçamento do Ministério da Guerra.
O Sr. Mariano Martins: — Requeiro que a discussão do orçamento do Ministério da Guerra se faça por capítulos e a votação por artigos.
Vozes: — Não pode ser!
Tais alterações só podem ser feitas por propostas.
O Sr. Presidente: — Não posso aceitar o requerimento de V. Ex.ª
Só se V. Ex.ª o quiser transformar em proposta.
O Sr. Mariano Martins: — Desde 1912 que se faz assim por requerimento. Todavia, não teria dúvida em modificar o meu requerimento se não fôsse prejudicar a discussão do orçamento com a discussão que se faria sôbre essa proposta.
O Sr. Presidente: — Está em discussão o artigo 1.º
Foi aprovado sem discussão.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se o artigo 2.º
O Sr. António Maia: — Requeiro a dispensa da leitura do artigo 2.º
Foi aprovado.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: em primeiro lugar compete-me agradecer à comissão do Orçamento o ter-me encarregado de relatar o orçamento do Ministério da Guerra.
Sôbre o artigo 2.º é que se levantou acalorado debate por o Sr. Ministro da Guerra ter apresentado à Câmara dos Deputados uma proposta para que os quadros de que trata o artigo 2.º fossem convenientemente remodelados.
A questão da fixação dos quadros foi largamente debatida nessa ocasião na comissão do Orçamento e ao apresentar-se a moção do Sr. António Fonseca, moção que foi aprovada pela Câmara, teve de se orientar em harmonia com essa moção.
O Sr. Tôrres Garcia apresentou um projecto de reorganização do exército que tem uma excepcional importância e do
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Diário da Câmara dos Deputados
qual pode advir economia e eu entendo que se deve discutir conjuntamente êste parecer n.º 520.
O Sr. Vitorino Godinho: — O parecer n.º 520 não está em discussão.
O Orador: — A Câmara reconheceu urgência e dispensa do Regimento, e a acta pode confirmar as minhas palavras.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Não me parece de aceitar a opinião de V. Ex.ª A Câmara resolveu prorrogar a sessão até ser votado o orçamento do Ministério da Guerra.
O Orador: — A Câmara resolveu que a discussão se fizesse conjuntamente.
Julgo que toda a razão tenho em crer que êste projecto de lei devia ser discutido antes do orçamento do Ministério da Guerra.
O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): — Estamos já a 27 de Junho e, portanto, não haveria tempo para isso.
Não devemos demorar a aprovação do orçamento, com a discussão dêsse projecto que é muito importante e que demanda por isso mesmo um prolongado estudo.
O Orador: — O projecto pode ser discutido conjuntamente com o orçamento.
O Sr. Presidente: — Desculpe-me V. Ex.ª o interrompê-lo no seu discurso.
Grande número de Srs. Deputados desejam assistir aos. funerais do almirante Leote do Rêgo e por isso sou forçado a interromper a sessão desde já, para reabrir às 21 horas e 30 minutos.
Está interrompida a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Às 21 horas e 45 minutos o Sr. Presidente declara reaberta a sessão.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (para interrogar a Mesa): — Pregunto a V. Ex.ª se está ou não em discussão o parecer n.º 520.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Continua em discussão o orçamento do Ministério da Guerra. Continua com a palavra o Sr. Pires Monteiro.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: quando a sessão foi interrompida estava eu no uso da palavra procurando demonstrar que a discussão dêste artigo é fundamental na organização do Ministério da Guerra, pois neste artigo está incluído todo o pessoal.
Estou convencido que a Câmara em 15 ou 16 de Maio próximo passado se pronunciou no sentido que a proposta orçamental porventura fôsse discutida agora, mas o Sr. Almeida Ribeiro afirmou hoje que tal resolução não fora tomada. Peço a V. Ex.ª que esclareça êste assunto.
A discussão do projecto n.º 250 não pode em nada demorar a discussão da proposta orçamental, porque estabelece um princípio que é aceito peia maioria da Câmara, que tem por base os quadros de 1911.
O parecer que tive a honra de elaborar foi feito com aquela urgência que as circunstâncias reclamaram e não tive ocasião de o desenvolver como era o meu desejo.
Nesse parecer faço salientar graves inconvenientes que resultam de não ter sido alterado o sistema pelo qual se regulam as promoções no exército.
V. Ex.ª e a Câmara sabem que umas célebres leis alteraram profundamente o sistema de promoções e introduziram a anarquia nas instituições militares pelo que se refere a promoções.
As leis n.ºs 771, 1:319 e 1:290 ficaram tristemente célebres na nossa legislação, mas — e para êsse facto chamo a atenção da Câmara — as causas que produziram êsse mal subsistem. Não se estabeleceram as normas que deviam regular as promoções.
Não desejo cansar á atenção da Câmara, mas desejo chamar a sua atenção para êste facto e muito especialmente o do Sr. Ministro da Guerra, pois tem muita importância.
Há armas muito adiantadas na promoção, não se estabelecendo aquelas normas que era essencial estabelecer, desde a primeira hora.
É preciso que o Sr. Ministro da Guerra, ou qualquer dos ilustres Deputados tome a iniciativa de remediar o mal que
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se está agravando dia a dia, e por isso não admira que venha outra lei 1:250, moldada no mesmo espírito desprestigiante para as instituições militares.
É exactamente isto que é necessário evitar, e para evitar êste mal é necessário que o Sr. Ministro da Guerra ou qualquer ilustre Deputado use da sua iniciativa, apresentando uma lei de promoções.
A situação existente é verdadeiramente prejudicial para o exército e para as instituições.
Qualquer Deputado pode apresentar o projecto de lei, estabelecendo a promoção para qualquer pôsto, independente da permanência do oficial no pôsto anterior.
É indispensável que se tome uma medida rápida, e por isso para êsse projecto de lei deve ser requerida a urgência e dispensa do Regimento.
Assim evitava-se que no orçamento se inscrevessem certas verbas para pagamento a civis que vêm fazer serviço como médicos, veterinários, etc. havendo muitos oficiais que podem desempenhar êsses cargos.
Se o Sr. Ministro da Guerra quiser tomar essa resolução, presta um serviço ao país.
É preciso determinar que o pôsto seja independente da função, evidentemente respeitando todas as ligações hierárquicas necessárias à nossa organização social.
É necessário que ao Parlamento seja trazida qualquer proposta de lei, nos termos da organização do exército, visto que já não espero que venha uma nova organização do exército.
É preciso que acabem tantas comissões que são absolutamente inúteis.
É preciso que se evitem estas dispersões de oficiais, a fim de que a instrução seja mais proveitosa.
Peço desculpa de estar falando apressadamente, mas entendo que é meu dever expor êste ponto de vista.
Estudei o orçamento, porque a maioria da comissão deu-me a honra de nomear-me relator, e por consequência vi-me forçado a estudá-lo com maior minudência.
Estou convencido de que é necessário acabar desde já com muitas comissões que existem no exército que não servem para nada.
Os segundos comandantes de unidades, os chefes de distrito do recrutamento e outros altos cargos que complicam a função do exército devem cessar.
É necessário, além disso, desenvolver aquelas qualidades de iniciativa, que são indispensáveis aos dirigentes do exército.
Foi apresentada no dia 15 de Janeiro a proposta orçamental, onde vinha incluída a parte respeitante à despesa do Ministério da Guerra.
No impedimento do Sr. Pinto da Fonseca, vi-me forçado a ler os números que essa proposta de lei fixava.
Declaro que estavam errados.
Foi necessário fazer um novo estudo e elaborar um novo parecer.
Foi por essa razão que a comissão me deu a honra de nomear-me relator, e não porque ao Sr. Pinto da Fonseca falte aquela competência que se patenteia no seu primeiro parecer, e ùnicamente porque a comissão e vários Srs. Deputados entenderam dever aceitar a proposta do Sr. Fausto de Figueiredo.
Portanto está explicado o motivo de se ter elaborado um novo parecer sôbre o orçamento do Ministério da Guerra, que foi feito sôbre outras bases.
Não espere a Câmara que o meu parecer seja digno do parecer apresentado pelo Sr. Pinto da Fonseca.
Para elaborar o meu parecer, fiz os meus estudos e investigações constantemente ajudado pelo Sr. Ministro da Guerra. E se bem que não esteja filiado em nenhum partido político, o que é certo é que ser me-ia extremamente desagradável vir para aqui apresentar um parecer fundamentalmente diverso da orientação do Sr. Ministro da Guerra.
Repito, ser-me-ia muito desagradável encontrar-me aqui em conflito com o Sr. Ministro da Guerra, a cuja competência eu sou o primeiro a prestar aqui a minha homenagem, porém algumas divergências existem, as quais a Câmara na sua altura as apreciará e resolverá como julgar melhor.
Quanto aos quadros do exército, creio que o assunto se acha já devidamente explicado pela proposta orçamental; que não foi possível imprimir pela falta de tempo, tendo a comissão tido o maior cuidado sôbre o assunto.
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Li com a máxima atenção, as considerações feitas pelo ilustre Deputado Sr. António Fonseca, num jornal da manhã e declaro francamente, que se bem que S. Ex.ª não seja um profissional, que me causou uma agradável impressão por ver que S. Ex.ª é da opinião daqueles que desejam o prestígio e o engrandecimento do exército.
Uma cousa há, Sr. Presidente, em que S. Ex.ª não tem razão, e é na parte que diz respeito aos capitães médicos, pois a verdade é que, segundo eu já tive ocasião de verificar, não existem dois capitães médicos a mais, conforme S. Ex.ª diz.
Nesta parte V. Ex.ª não tem razão no que afirma, pois a verdade é que o quadro dos médicos militares não é de 56, mas sim de 58.
Interrupção do Sr. António Fonseca.
O Orador: — Há uma diferença que S. Ex.ª anão notou, devendo ler-se a emenda que a comissão mandou para a Mesa.
Eu mando para a Mesa uma proposta reduzindo o sôldo à gratificação de que se trata.
Dentro da lei-travão, posso apresentar esta proposta, à qual, se não estiver nas devidas condições, o Sr. Ministro da Guerra fará as necessárias emendas.
Sr. Presidente: mais uma vez chamo a atenção da Câmara para o facto de continuarem em vigor, leis que prejudicam o exército.
É necessário que a Câmara tome providências para acabar com esta situação, o espero que os trabalhos parlamentares não findem sem que sejam apresentadas medidas nesse sentido.
Há quem a favor do exército tenha empregado toda a sua boa vontade para que êle melhore de situação.
A Câmara deve ter presente que os assuntos militares não podem ser esquecidos, e que os seus serviços têm de ser modificados.
Na verdade, deve se dizer que os oficiais do exército se encontram reconhecidos ao Parlamento português, que tem achado boas as razões por êles alegadas em favor do exército; mas é necessário apresentar ainda modificações que, favorecendo o exército, concorram para o bem da nação.
Desejava também agradecer à maioria da comissão do Orçamento, que me honrou nomeando-me relator do orçamento do Ministério da Guerra, tanto mais que fiz a declaração de que de forma alguma seguiria a maioria democrática e que manteria a minha independência política e a independência necessária para estudar o assunto conforme os interêsses da nação.
Nesta questão há duas políticas a seguir: ou uma política de condescendência com tudo e com todos, ou uma política firme e decidida, com uma orientação traçada, de modo a trazer à República melhores dias que aqueles que têm corrido.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vejo-me embaraçado para dar ao Sr. Pires Monteiro a explicação que S. Ex.ª deseja.
Parece-me que S. Ex.ª deseja que o projecto que foi apresentado, e a que se referiu, fôsse discutido ao mesmo tempo que êste orçamento.
A Câmara votou a urgência e dispensa do Regimento, como consta do despacho que se encontra exarado no dito projecte, mas consta da acta que êle baixou à comissão.
Àpartes.
Eu não estava presente e não sei o que se passou.
Sôbre o projecto do Sr. Tôrres Garcia e não há outra resolução, e, mesmo que a houvesse, a sessão está prorrogada somente para se discutir o orçamento, e não se pode discutir outra cousa que não seja o orçamento.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (interrompendo): — E se a Câmara resolver outra cousa?
O Sr. Presidente: — Não pode resolver outra cousa, porque uma sessão prorrogada, é só para o fim com que foi prorrogada.
Àpartes.
Continua a discussão do Orçamento.
O Sr. Pereira Bastos: — Sr. Presidente o Srs. Deputados; são tantas as cousas que eu queria dizer acêrca do orçamento do Ministério da Guerra, sobretu-
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do neste momento, que me encontro embaraçado sem saber por onde hei-de começar.
Não desejava cansar a Câmara, tanto mais que sei que os assuntos militares não são daqueles que mais lhe merecem a sua atenção.
Vozes: — Não apoiado.
O Orador: — Parece chegado o momento em que êsses assuntos começam a merecer a atenção daqueles mesmo que não são militares, e a êsse respeito aproveito a ocasião de estar com a palavra para dirigir os meus cumprimentos ao Sr. António Fonseca, que, sendo civil e um distinto ornamento desta Câmara, tem dedicado todo o seu interêsse aos assuntos militares como se viu.
Sr. Presidente: não há dúvida que nos encontramos numa situação em que o exército não está económico.
Julgo-me numa situação especial de estar à vontade para falar neste assunto, porque creio que não sou culpado de ter contribuído nem para que êle esteja tampouco eficiente nem tampouco forte como está.
Pelo contrário, quando há muitos anos tive a honra de sobraçar a pasta da guerra, arrostei com aquelas más vontades que muito honram, fui cruel talvez, mas não me excedi nas verbas do orçamento.
Mas com a guerra começou-se a pôr de parte a lei, e depois da guerra deram-se acontecimentos que todos conhecem, e depois ainda outros para repor as cousas onde deviam estar; e esta velocidade adquirida de desrespeitar a lei durou muito tempo e não sei se ainda hoje dura.
Mas a falta de respeito e o descontentamento a que se referiu o Sr. Pires Monteiro têm só uma causa: a falta do cumprimento da lei.
Nem no tempo da guerra, nem no período que lhe seguiu, desde que acabou a guerra, estavam postas de parte as condições exigidas pela lei para a promoção, e nisto não vai censura absolutamente nenhuma para o Sr. Ministro da Guerra.
Parece-me, porém, ser preciso atender que o estado, de velocidade adquirida passa de certa maneira como se fôsse lei, e não há remédio senão proceder mais ou menos em harmonia com o que se está fazendo.
Nestas circunstâncias, as cousas não se passam naquela atmosfera de fôrça, prestígio e respeito que era de desejar.
Eu, que sou oposição ao Govêrno, e que não sou, portanto, partidário do Govêrno, não posso deixar de reconhecer que os Govêrnos, que há tempos a esta parte ocupam as cadeiras do Poder, não têm tido a fôrça e o prestígio para poderem cumprir a lei.
Assim ainda hoje se encontra no exército um coronel que, durante aquele período chamado da traulitânia, procedeu de maneira censurável.
Sucede isto, porque não foi presente ao Parlamento um projecto de lei, diz-se. Mas não era preciso projecto de lei algum para resolver êste caso.
Apoiados.
Mas dada esta circunstância de não se cumprir a lei com toda a crueldade como se devia cumprir, como podemos estranhar que os quadros dos sargentos e oficiais estejam excedidos?
Em tempo de guerra em toda a parte os quadros são excedidos.
E após a guerra sucedeu entre nós aquele período desordenado que tanto nos deu que pensar.
O resultado foi êste: grande quantidade de oficiais e sargentos, não se sabendo ainda hoje bem qual é o remédio para lhes reduzir o número.
Mas o Sr. António Fonseca fez considerações que impressionaram, e eis a razão do meu dever de dar explicações à Câmara.
Vou dizer à Câmara as razões da existência de tantos oficiais e sargentos, e se S. Ex.ª foi ouvido com toda a atenção por ser um grande parlamentar, eu também deverei ser ouvido agora com um poucochinho de atenção.
Falarei pouco por dever, e no cumprimento dum dever.
A verdade é esta: estão hoje no exército muitos oficiais e sargentos a mais por motivo de se não ter cumprido a lei.
Para um coronel ser promovido era preciso que êle tivesse certos comandos; pois têm sido promovidos vários coronéis sem esta condição, e sem terem o tempo de permanência, no pôsto, segundo a lei.
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Em tempo de guerra, as autorizações dadas aos Govêrnos também deixam estes saltar por cima da lei.
Apoiados.
Tivemos ocasião de dar aos Govêrnos autorizações, que, em vez de alterarem a lei equitativamente, aumentaram os direitos de uns e deminuíram os de outros.
Daí deriva êste mal estar, que hoje todos sentem.
Há aspirações legítimas; mas há ambições que podem ter um efeito nocivo, se não se atender às responsabilidades.
Cada profissão tem os seus defeitos, tem as suas virtudes, e por vezes aquilo que é defeito numa classe é virtude nas outras.
Na classe militar quem não tiver a ambição de mandar, de conduzir os outros, quem não tiver a ambição de subir pode servir muito bem para cabo, pode ser esplêndido para sargento, mas é decerto um mau oficial.
No exército português há muita cousa má, sem dúvida, e a Grande Guerra demonstrou que em todos os exércitos há muita cousa má, mas ficou também plenamente demonstrada a necessidade absoluta de se modificar a maneira de recrutar e promover oficiais.
Ainda há pouco, vi, a propósito da guerra última, que uma publicação inglesa disse acêrca de um determinado país o seguinte: não há maus soldados, o que há é maus oficiais.
Ora no exército português há maus oficiais, mas devo dizer claramente, com muita honra, que no exército português há também muitos e muitos bons oficiais, que provaram sê-lo durante a guerra, que provaram sê-lo antes e depois da guerra.
Êsses bons oficiais, tendo, evidentemente, todas as qualidades que um oficial deve ter, não podem deixar de ter uma que é virtude na tropa, a ambição do comando.
E, por isso, dói-lhes muito verem passar à sua direita pessoas que o não tem.
Dêste mal-estar resultou ser presente ao Senado um projecto de lei que lá foi aprovado e que é hoje a célebre lei n.º 1:239 contra a qual a Câmara dos Deputados se pronunciou.
Se nessa ocasião tomei a palavra, foi só para defender os galões daqueles que os tinham já recebido.
O que é certo é o seguinte, não obstante a opinião contrária, da Câmara: a lei n.º 1:239 ficou completamente em vigor quanto a galões, quanto a vencimentos e quanto a outras consequências que dela derivaram, e, se foi uma cousa vantajosa para alguém, foi desprestigiosa para o exército quanto possível.
Sr. Presidente: neste ponto não estou de acôrdo com o Sr. Pires Monteiro, meu ilustre amigo e camarada e ilustre professor de orgânica da Escola Militar. Permita-me S. Ex.ª a ousadia da minha discordância, mas...
O Sr. Pires Monteiro: — É a única forma que encontro de atendermos a êste mal maior de haver oficiais que não fazem serviço.
O Orador: — Tenho as minhas dúvidas.
Pela muita experiência que tenho das tropas, por isso que andei por elas em todos os postos, e se não fui à guerra não foi minha a culpa, porque nada fiz que me impedisse de lá ir, estando ainda hoje por saber a razão por que não fui numa missão aos campos da batalha.
O Sr. Brito Camacho: — E indicado por mim.
O Orador: — Exactamente, indicado pelo Sr. Brito Camacho, e S. Ex.ª sabe que eu estive desde logo pronto para marchar.
Ia eu dizendo, Sr. Presidente, que, pela muita experiência que tenho das tropas, não julgo de vantagem que num regimento haja dois ou três coronéis, sendo um dêles o comandante, o outro o segundo comandante e o outro não sei o quê.
O Sr. Pires Monteiro: — Eu não me referi aos oficiais que têm comando, referi-me simplesmente aos oficiais que o não têm, isto é, médicos e veterinários, e para os quais há verbas inscritas no orçamento, 40 contos para os médicos, verba que, segundo creio o Sr. Ministro da Guerra tem necessidade de aumentar, e 35 contos para os veterinários.
O Orador: — Sob o ponto de vista militar não me importa nada que o médico do meu regimento seja major, coronel ou
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tenente-coronel; para mim o que êle é sobretudo, é médico; agora o coronel de artilharia, de cavalaria, emfim, de qualquer das armas combatentes, só deve ser um em cada regimento, porque, creiam V. Ex.ªs quando o recruta vê entrar no quartel um dêsses coronéis não sabe se é o primeiro comandante aquele que manda.
Trocam-se vários àpartes.
O Sr. Vasco Borges: — Há mais oficiais que soldados.
O Orador: — Isso de haver mais oficiais que soldados é também fôrça de expressão.
A maior parte dos oficiais não está nos regimentos e não está porque assim tem menos responsabilidade e menos aborrecimento.
Nós estamos hoje numa situação muito irregular; a maior parte dos oficiais, para honra sua, não tem política, não pertence a partido algum político, mas há militares de postos mais modestos que parece pesarem um pouco nos partidos políticos.
Há oficiais que não comandam, porque sentem receio de que no seu regimento haja alguém que, fazendo parte de qualquer partido político, lhe possa ser desagradável.
Há oficiais com grande renome, com autênticos serviços à Pátria e à República e que têm grande receio de ser disciplinadores, de ser zeladores da Fazenda Pública, muito embaraçados em lutar com o trabalho de sapa que militares de modesta condição lhes podem mover, simplesmente porque alguma vez foram castigados por êsses oficiais.
A muita, gente, pois, pertence a culpa de se encontrarem excedidos os quadros dos oficiais e dos sargentos e de não poder haver aquela subordinação que permita aos Ministros cumprirem só a lei, e não vale a pena pensar agora em discriminar responsabilidades.
Do que podemos ficar certos é de que tudo isto resultou do não cumprimento da lei.
O orçamento da guerra é sempre increpado por consignar uma desposa assaz importante. O próprio Sr. relator da proposta orçamental que se discute diz no seu parecer que é aterradora a despesa.
Na verdade, a despesa é muito grande, mas se estabelecermos comparações com a que se efectuava em 1913, estando no Poder o Govêrno do Sr. Afonso Costa, que apresentou o Orçamento com superavit, verifica-se, tendo em consideração a desvalorização da moeda, que essa despesa não chega a ser dez vezes mais do que era.
Sr. Presidente: todos falam em que é necessário reorganizar o exército, para reduzir a despesa que com êle se faz mas não se apresentam alvitres para conseguir a redução.
Devo dizer que na sub-comissão da grande comissão nomeada para remodelar os serviços públicos existem já umas bases para se tratar da reorganização do exército, mas não nos iludamos supondo que o facto de se modificar o existente conseguirá para o próximo ano económico uma importante redução de despesas. Não é possível.
As grandes despesas do Ministério da Guerra provêm exclusivamente de estarem excedidos os quadros dos oficiais e sargentos. Emquanto existirem êsses oficiais e êsses sargentos, não há maneira de deminuir essas despesas.
O Sr. Pires Monteiro: — Há uma maneira. É a do projecto do Sr. Plínio Silva.
O Orador: — A interrupção do Sr. Pires Monteiro leva-me a passar imediatamente para a discussão dos meios pelos quais poderão ser reduzidos os quadros.
Os meios que tenho visto apontar são os do projecto do Sr. Plínio Silva.
O projecto do Sr. Plínio Silva não tem viabilidade alguma, como já aqui o demonstrei.
Os oficiais não têm necessidade de deixar o exército para exercer funções civis. Pois quem é que deixa de receber o seu sôldo quando pode acumular o seu serviço oficial com o serviço particular, visto que o serviço do exército não o impede de ter outras funções cá fora?
Com respeito a prestar serviço no ultramar, acho muito bem a idea, mas ela dá emprêgo para poucos oficiais, assim como o cadastro predial também não emprega os mil e tantos oficiais que há a mais.
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Há um outro alvitre que seria eficaz se porventura as circunstâncias políticas fossem diversas, que é o da selecção por meio de provas de saber, mas tenho muitos receios de que os seleccionadores sejam aqueles que devem ser seleccionados.
Só há uma maneira eficaz de reduzir os quadros: são os exercícios militares.
Dêem V. Ex.ªs que fazer ao exercito, e V. Ex.ªs verão fazer-se automàticamente a selecção; mas para isso é necessário gastar dinheiro.
Já sabem V. Ex.ªs a que me quero referir: às escolas de repetição.
A razão da grande campanha que em tempo se fez contra as escolas de repetição, é que essas escolas seleccionavam, faziam baixar à junta e faziam com que se reformasse quem não estava em condições de prestar serviço.
O que se fez em Tancos, como preparação para a guerra, não foi senão escolas de repetição, e foi por isso que o nosso Corpo Expedicionário Português se portou da maneira como se portou, apesar de todos os defeitos que teve.
Êste é o único meio de seleccionar os quadros, já em quantidade, já em qualidade.
Outro meio que também deve levar à redução dos quadros, é o cumprimento das leis de promoção.
Não tem o direito de comandar, nem de ocupar aqueles postos, que indicam a confiança da República, o depósito duma parte dos poderes do Estado quem não provou ou, não adquiriu a confiança bastante de que seria capaz de cumprir o seu dever no momento próprio, nem inspirou aos outros essa confiança.
Isto de ser coronel e general sem nunca ter comandada, e ter fugido sistematicamente a todas as situações de comando, entendo eu que é perigosíssimo.
Imaginem V. Ex.ªs que há um decreto com fôrça de lei, publicado durante a guerra, que considera como comando todas as situações que sejam dependentes do Ministério da Guerra e do Ministério, das Colónias. De maneira que da aplicação dêste decreto resultou o seguinte: haver militares que durante a guerra andaram por vários pontos do país a tomar ares, por não serem pessoas, que inspirassem confiança ao Govêrno de então, e a quem se contou êsse tempo para a promoção como comando de tropas.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — V. Ex.ª sabe que os oficiais, para efeito de promoção, têm de fazer uma escola de recrutas. Mas V. Ex.ª sabe como é que se fazem essas escolas de recrutas? E com ajudas de custo!
O Orador: — Os oficiais que têm ajudas de custo são aqueles que vão fazer as escolas de recrutas em localidades diferentes daquelas onde têm residência.
V. Ex.ª compreende que um oficial que está num regimento e que tem de fazer a sua escola de recrutas, desde que não tem lugar para a fazer na localidade onde reside, tem de a fazer em outra parte, e nestas condições não pode deixar de ter direito a ajudas de custo.
Se, porém, fôr êsse oficial que peça para ir, fazer a escola de recrutas em localidade diferente daquela onde reside, êle não têm direito a ajudas de custo.
Eu pertenço ao exército, faço dessa corporação a mais alta idea e tenho por ela a mais elevada consideração.
É uma corporação em que há defeitos a corrigir, em que há faltas a emendar, mas permitam-me V. Ex.ªs que lhes diga que assim [mesmo com todos os seus defeitos é uma das corporações do país mais honradas.
As circustâncias é que não têm permitido que os Govêrnos tenham aquela fôrça necessária para que a lei seja severamente cumprida, e é muito difícil lutar com qualquer hábito inveterado, principalmente quando se trata de colectividades.
Durante o ano de 1918 houve o saco de despesas de guerra, fizeram-se despesas extraordinárias e não foi possível fechar o saco em 1919 tam depressa como era para desejar.
Eu estou de acôrdo com muitas das considerações que o Sr. Pires Monteiro fez no seu parecer, mas antes de me referir às considerações de S. Ex.ª eu desejo repetir uma afirmação que já fiz, porque eu não quero que amanhã sejam deturpadas as minhas palavras.
É indispensável realmente introduzir, na maneira como está o exército actualmente, grandes modificações. Essa maneira de ser não é a determinada pela organização de 1911, porque a guerra levou-nos a introduzir-lhe muitas altera-
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e a criar serviços novos que em 1911 não se conheciam, e que são serviços que não se podem deitar fora porque a última guerra demonstrou que êles são indispensáveis.
É absolutamente necessário fazer a concentração de efectivos, de que há pouco falou o Sr. Pires Monteiro. E, nessa ordem de ideas, eu, no ano passado quando se discutiu o Orçamento, apresentei à consideração da Câmara uma proposta reunindo as unidades do exército em três regiões militares.
Mas estas cousas que dizem respeito a um organismo tam sensível como é o exército, não se podem fazer de ânimo leve nem deixar de ter uma base que de autoridade ao Ministro da Guerra, porque, de contrário, saem no Diário do Govêrno cousas que não são o que devem ser.
Mas não julgue a Câmara que se porventura se fizer essa grande reorganização do exército será possível fazer redução de despesas importante.
Não.
É preciso gastar até mais alguma cousa, porque desde que o pessoal custa 116:000 contos e para o resto há só 22:000 contos, evidentemente se conclui que com 22:000 contos não se pode obter o material que é preciso.
Também não é um facto para pôr de lado a circunstância de não haver promoções, e mais uma vez eu volto ao ponto de partida.
É absolutamente necessário cumprir a lei e dar que fazer ao exército, aumentar a intensidade de instrução para ver só se reduzem os quadros.
Aumente-se o trabalho dos militares, aumente-se a intensidade da instrução, para que aqueles que não podem com ela, que não têm resistência física, ou que têm interêsses cá fora, se vão embora para se restabelecer a normalidade e poder haver promoções.
Um exército sem promoções, um exército sem bons oficiais, não vale nada.
V. Ex.ªs compreendem como é desolador para um oficial, que se interessa a valer pela sua profissão, dizer:
«Eu nunca mais sou promovido; amanhã cai sôbre mim como um raio o limite de idade e vou-me embora».
Se amanhã se disser a um sargento que êle não pode chegar a oficial, como é que se lhe pode exigir um interêsse grande pela sua profissão?
É preciso não tirar a esperança das promoções.
Eu entendo também que é absolutamente necessário separar as funções de intendência das funções de contrôle.
Isso já existiu em tempos, mas devido a várias reformas as duas funções juntaram-se.
Esta junção não deve continuar.
A sub-comissão tomou êste facto em consideração e alguma cousa propôs a êsse respeito.
Há uma parte a que o Sr. Pires Monteiro se referiu e que é bom não deixar passar, pois não é exacta.
É a que respeita ao excedente de oficiais generais.
Se é certo que sou general, não o é menos que me não julgo atingido.
S. Ex.ª não tem razão.
Pelo contrário: os generais que há não chegam e vou fundamentar a minha opinião.
O Sr. Pires Monteiro (interrompendo): — Eu provarei a V. Ex.ª que chegam.
O Orador: — E que o número de funções varia por vezes. Depois, há funções que, em vez de serem exercidas por um só general, são exercidas por grupos de cinco.
Os generais são o pôsto mais alto da hierarquia militar, e se oficialmente são competentes para desempenhar todas as funções próprias do pôsto, a verdade é que há uma só a que todos têm obrigação de satisfazer: é a de comandar tropas; essa sim, e efectivamente não tem o direito de ser general da República quem não tiver provado a sua competência de comando. Mas o general pode ser nomeado para exercer outras funções e essas são do tal ordem, que nem todos têm as aptidões necessárias para as exercer.
Não tenho autoridade própria, mas permita-se-me que eu invoque uma grande autoridade, que é a do Sr. general Morais Sarmento.
Houve um Ministro da Guerra que tinha o costume de não nomear comissões,
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e, dêste modo, quando tinha um caso grave a resolver julgava dever aconselhar-se, chamava um general ou uma pessoa de competência técnica e especial. Êsse Ministro chamou um dia o Sr. general Morais Sarmento, e êste, depois de informado do que pretendia o Ministro, tendo aberto o Almanaque do Exército disse:
«Êste livro é o que maior incómodo dá a um Ministro; a gente lê-o para encontrar o homem necessário para exercer uma determinada função e não o encontra».
O Sr. Joaquim Ribeiro (interrompendo): — Ora aí está para que serve o exército.
O Orador: — E o que sucede em toda a parte. É preciso sempre encontrar o homem que convém para o seu lugar. Dizem os ingleses: The right man, in the right place.
Mas no nosso país não se liga ao general a importância que se lhe deve ligar, e isso só é para lamentar.
É preciso ainda contar com uma reserva para certos imprevistos que aparecem, e por vezes para substituir alguns generais que estão noutras funções.
O Sr. Brito Camacho (interrompendo): — Era pôr lá o chefe do Estado Maior.
O Orador: — Mas isto está na lei; o que há no nosso país é uma errada interpretação da lei.
O Sr. Brito Camacho: — Em favor de alguém.
Orador: — Não é a favor de ninguém; é que na lei não há nada que impeça um Ministro de nomear A, B ou C e ainda mais o princípio que já aqui tenho ouvido alvitrar em conversas particulares de que os generais não têm antiguidade, e não é preciso decretá-lo porque está no nosso regulamento disciplinar que tem fôrça de lei e diz claramente que a obediência é devida ao mais graduado e ao mais antigo com excepção dos casos em que funções de serviço ou nomeação especial determinam o contrário.
Por vezes estabelecem-se na opinião pública correntes que não são fundamentadas mas que às vezes não permitem que se cumpra exactamente a lei, quando dentro da lei um Ministro tem toda a competência para nomear um general para qualquer comissão; a questão é que tenha fôrça para o fazer.
No, orçamento da guerra, Sr. Presidente, que toda a, gente acha sempre um orçamento enorme, ninguém repara que estão incluídas instituições que muito honram a República e que pesam nas despesas do Ministério da Guerra.
Neste orçamento estão verbas importantes para o Instituto dos Pupilos do Exército, Colégio Militar e Instituto feminino de Educação e Trabalho de Odivelas, e, cousa curiosa, não estão as deduções da parte com que devem concorrer os Ministérios da Marinha, das Colónias e o da Instrução.
Pois, Sr. Presidente, êstes três estabelecimentos podem orgulhar-se de ser modelares no país, assim o tenho ouvido dizer a pessoas autorizadas que não são militares, a ponto de ter havido já quem os, queira tomar para modelos de outros estabelecimentos de ensino a criar.
Mas, se assim é, pregunto: qual a razão por que os outros Ministérios não concorrem para êstes estabelecimentos?
Por que razão não é aliviado o Ministério da Guerra com algumas destas verbas, que muito concorrem para Sarem depois aqui dizer que o orçamento do Ministério da Guerra é enorme?
Outro assunto para que desejo chamar a atenção da Câmara, dos mais importantes nesta ocasião e que não pode de maneira alguma ser económico, é o da aviação.
Sr. Presidente: se não podemos passar sem exército de terra, nem exército do mar, também não podemos passar sem exército do ar.
Houve tempo, até à guerra última, em que se dizia que quem era senhor do mar, era senhor da terra e ganhava a guerra. Hoje, quem fôr senhor do ar é que ganha a guerra. É a prova é que a Inglaterra, que durante muito tempo confiou nas suas esquadras, hoje vê-se muito incomodada e procura competir com a França no seu exército do ar.
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Eu sou daqueles que não concordam com o chamar-se à aviação a 5.ª arma; a aviação é um terceiro exército. Assim como há um exército de terra e outro do mar, tem de haver o exército do ar, e por isso eu não tenho pejo em dizer que era absolutamente necessária a existência do Ministério da Aeronáutica. É-me indiferente que haja um Ministro só de aeronáutica ou que a aeronáutica seja um departamento de algum dos Ministérios existentes, mas o que eu garanto a V. Ex.ªs é que não pode ser essa aeronáutica só do Ministério da Guerra ou só do Ministério da Marinha.
O que era indispensável era que a nossa aeronáutica fôsse só uma, e não haver como há agora, aeronáutica militar, uma aeronáutica naval, já se falando numa aeronáutica comercial e dentro em pouco teremos uma aeronáutica fiscal, e depois uma aeronáutica policial dependente do Ministério do Interior, além da colonial, dando uma multiplicação de oficinas, de comissões técnicas de tipos de aparelho a comprar, etc. E se o Govêrno precisar de aeronáutica para a defesa nacional, não sabe a que porta há-de ir bater, se à aeronáutica naval, se à militar, se à colonial, se à policial, se à fiscal, se à do Diário de Notícias, como diz o Sr. Vasco Borges.
Num país pobre como o nosso, que não pode gastar muito dinheiro, não é demais lembrar que Lisboa não é só o primeiro pôrto militar do país, mas também o primeiro ponto estratégico do país, e, para ser defendido como deve ser, precisa que haja uma só aviação.
Uma comissão técnica que existe no país, já há muito tempo apresentou ao Govêrno uma proposta em que se mostrava que era necessária a criação dum Ministério de Aeronáutica. E, nos países em que não existe Ministério da Aeronáutica, existe pelo menos um sub-secretariado de aeronáutica nalgum Ministério, que não é privativo do da Guerra ou da Maninha porque não pode ter a feição dêstes dois organismos.
O Sr. Pires Monteiro disse que bastava publicar uma lei de promoções, para se conseguir qualquer cousa.
Sr. Presidente: bastava cumprir as leis que há para se conseguir o que era necessário.
S. Ex.ª também falou nos distritos de recrutamento de reserva e nos regimentos de reserva.
S. Ex.ª foi injusto para com os chefes dos distritos de recrutamento. Alguém tem de fazer aquele serviço, que é um serviço exaustivo, que dura o ano inteiro e que exige uma certa estabilidade.
Estando entregue a oficiais de reserva, não podia estar em melhores mãos; quando não cumprem as suas obrigações, deixam de ter a respectiva gratificação, e depois são pessoas que não estão dependentes de comandante algum que possa prejudicar-lhes a promoção e executam um serviço que é compatível com as suas condições físicas.
Com relação aos regimentos de reserva, não sei o que o ilustre Deputado pensa disso. Por mim, tenho a opinião de que dos dois primeiros escalões se faça só um escalão, e isso consta do meu projecto de lei.
Em resumo, Sr. Presidente, o orçamento tal como esta terá de ser talvez aprovado, mas eu reservo-me o direito de falar a propósito doutros artigos. O que eu desejo é, com as minhas palavras, pôr as cousas no seu devido pé.
Embora se diga que o exército custa muito dinheiro para o que faz, o certo é que se êle nada mais faz, é porque lhe não dão que fazer.
Sr. Presidente: dêste lado da Câmara o que se deseja é que se fique bem sabendo que, se se reconhece que efectivamente os efectivos e quadros estão excedidos, e há necessidade de quaisquer providências no sentido de os reduzir, também se reconhece que essas providências não devem ser tomadas de animo leve, de modo que, em vez de depurar os quadros do exército, se vá pôr alguém fora dêles sem ser nos devidos termos.
Dêste lado da Câmara entende-se que é absolutamente necessário dar ao exército os meios necessários, embora com aquela modéstia que o nosso meio financeiro exige, para que o exército se prepare para o cumprimento da sua missão, e, no cumprimento dessa missão, automàticamente se produza aquela redução, eliminação e selecção que são absolutamente necessárias.
Uma das cousas que são necessárias é,
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com efeito, modernizar a lei de promoções.
Não podemos continuar a viver neste sistema de antiguidades, porque se viu quando Portugal entrou na guerra que êsse sistema não era o melhor. Tanto assim foi, Sr. Presidente, que se deu o caso de o Govêrno se ver na necessidade de graduar oficiais no pôsto imediato, sem terem as condições de promoção, porque precisava deles.
Devo dizer mais, Sr. Presidente, que durante a guerra teve de se criar a Escola de Oficiais Milicianos. Houve turmas inteiras que tam depressa se acabaram de preparar, marcharam para a guerra, e lá se portaram de tal maneira, que o adjectivo «miliciano» não foi usado, emquanto que houve oficiais do quadro permanente que não marcharam nem para a África nem para a França.
Muitos apoiados.
Com relação à lei n.º 1:239, que foi aquela que maior quantidade de promoções produziu, nunca devia ter sido lei, porque para ela nunca devia ter sido aplicado o artigo 32.º da Constituïção, que tinha sido feito num período em que não havia dissolução parlamentar.
Sr. Presidente: vou terminar.
Resumindo, êste lado da Câmara deseja que se façam o mais depressa possível as modificações necessárias à actual organização do exército, de maneira a ser possível realizar os ensinamentos possíveis na maneira de ser da defesa do nosso país.
Êste lado da Câmara reconhece a existência de excesso dos quadros e entende que é preciso procurar os meios de os reduzir, mas não concorda com processos violentos, prefere o uso de processos eficazes, fazendo com que os excedentes, por sua vontade, automàticamente se vão embora.
De qualquer outro sistema eu tenho muito mêdo.
Peço desculpa à Câmara de lhe ter tomado tanto tempo, mas, se o fiz, foi porque não podia deixar de pé certas afirmações que aqui se tinham feito, sem terem a devida contestação.
Foi êsse facto que me levou a intervir no debate, com a minha modesta palavra.
Não apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. Viriato da Fonseca: — Sr. Presidente: dá-se a infelicidade de me ser concedida a palavra a uma hora tam avançada da noite, em que a Câmara já está mais ou menos cansada.
Tal facto, porém, não me impedirá de fazer algumas considerações, a que eu me julgo obrigado, depois das considerações brilhantes de dois distintos oficiais, um, que ou conheço desde os bancos da escola, porque é do, meu curso, o general Sr. Pereira Bastos, no qual todos reconheceram sempre desde essa data um oficial competentíssimo, homem de muito estudo, inteligência e ponderação.
As suas considerações lograram convencer a Câmara de urna forma extraordinária.
O outro é o ilustre oficial Sr. Pires Monteiro, distinto como Deputado e distinto como professor, que produziu também considerações brilhantes, e portanto descabido será que eu queira fazer agora considerações semelhantes às que S. Ex.ª explanaram.
Se o quisesse fazer, aconteceria o mesmo que acontece a uma luz pouco intensa, que sendo 64 vezes menos intensa que outra, que esteja próxima, deixa de se ver, como tendo-se apagado.
Se eu uso da palavra, é em virtude de razões muito especiais, e faço-o um tanto ou quanto forçadamente, e não julgue ninguém que eu me proponho analisar detalhadamente, profundamente, o orçamento que ora só discute, no sentido de vir em arremetida fazer qualquer ataque, seja a quem fôr.
Não.
Num assunto de tanta monta, assunto que foi pôsto em foco, com uma nitidez extraordinária, pelos dois ilustres Deputados que falaram, eu procurarei simplesmente justificar o meu voto e também definir alguns princípios, porquanto eu entendo que o devo fazer na minha dupla qualidade do oficial superior do exército e membro da comissão de guerra, desta casa do Parlamento.
Todos sabem que nos últimos tempos eu tenho dedicado toda a minha atenção e toda a minha actividade e pouca inteligência ao estudo dos vencimentos dos funcionários públicos, civis e militares, procurando resolver um certo número de problemas referentes a êsse assunto e procu-
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rando dar solução às reclamações que às centenas têm vindo.
Todos sabem também que o partido a que eu tenho a honra de pertencer não assistiu às sessões em que se discutiram os orçamentos.
Assim, assoberbado por êsse estudo, em que ando metido há cinco meses, e também porque hão supunha que voltasse tam cedo a esta Câmara, a tempo de poder entrar na discussão dos orçamentos, eu só tive algumas horas para poder fazer um estudo sôbre o orçamento do Ministério da Guerra.
Na emtanto, essas poucas horas foram suficientes para eu formar um critério e para justificar o meu voto.
Assim, eu serei lacónico, mas procurarei ser preciso.
Para fazer êsse estudo em tam poucas horas eu servi-me dos seguintes elementos:
Primeiro, da proposta orçamental; depois, dos dois pareceres da comissão do Orçamento e do parecer n.º 520, em que, segundo vejo no relatório que o precede, se diz que a Câmara tinha resolvido que fôsse discutido ao mesmo tempo que a proposta orçamental.
Hoje, porém, ouvi dizer na Mesa que assim não era.
Mas mais alguma cousa serviu para o meu estudo: foram os brilhantes artigos publicados há dias no jornal O Século pelo ilustre Deputado Sr. António Fonseca, artigos que li com todo o cuidado, para tirar algumas ilações e melhorar o critério que eu formei, e que desejo apresentar à Câmara.
Ao analisar o parecer da comissão do Orçamento, com franqueza o digo, foi com grande satisfação que eu vi que aí se preconizava uma cousa que é a aspiração suprema do exército e do país: que se faça urgentemente, inadiàvelmente, uma reorganização do exército.
Efectivamente a reorganização de 1911 é um documento modelar, que honra sobremaneira o estadista que o subscreveu e os oficiais que nele colaboraram.
Êsse documento dou realização à máxima aspiração dessa época, qual era a de democratizar o exército e ao mesmo tempo dar a máxima eficiência a todas as modalidades da nossa defesa interna e externa.
Tendo-se nesse tempo adoptado um regime miliciano, isso constituiu na história da nossa vida militar uma etapa de realizações práticas e tradicionais que bem marcaram e que fizeram dêste documento uma cousa brilhante, sem o qual talvez não tivesse sido possível realizar êsse esforço dignificante de mandar para a África o para a Flandres os nossos soldados combater os exércitos alemães.
Mas essa lei, como todas as leis, quer matemáticas, físicas ou sociais, perdeu com o rolar dos tempos uma parte da sua oportunidade o eficácia, não se podendo adaptar às novas modalidades da civilização e do progresso.
À medida que o progresso ia desenvolvendo tudo o que dizia respeito à arte militar, a reorganização de 1911 ia a pouco e pouco sendo modificada para que se pudesse ajustar às modalidades e fenómenos que iam aparecendo.
Veio depois a guerra, êsse cataclismo medonho, êsse terramoto que teve origem na ambição desmedida de um povo e na atitude vesânica de um monarca, e então os fenómenos apareceram em catadupa, originando e dando lugar a uma confusa série de novas leis, amalgamadas à pressa, consoante o desenrolar prodigioso dêsses fenómenos jamais vistos, jamais observados.
Todos os países se viram envolvidos nessa luta, e tiveram de inventarieis novas, sem pensar em cousa nenhuma mais e sem outro fim que não fôsse a vitória.
Depois da vitória veio a paz, e viu-se com espanto que o mundo social e militar tinha deslocado os seus eixos e a reorganizarão militar do 1911, sujeita a modificações, tornou-se uma cousa confusa que agora é preciso alterar e modificar, para a amoldar a fenómenos novos que apareceram à face da terra.
E por isso que rejubilei quando vi proclamar neste parecer a necessidade de fazer uma reorganização do exército.
Reduzir quadros, separar funções, regulamentar de forma diversa e reduzir funções, constituirá a nova reorganização do exército.
Mas essa reorganização não deve ser sujeita ao capricho desta ou daquela região, nem sujeita ao interêsse pessoal dêste ou daquele, ou de qualquer camarilha, mas deve ser uma organização que
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permita que a Pátria tenha um exército disciplinado, completo, capaz de ser aquilo que todos desejam, e em que a Nação possa ter confiança.
Assim, basta de leis de ocasião, parcelares, incongruentes e abusivas.
Em vista disso é necessário que esta Câmara se deixe de leis de ocasião, de leis de promoção esporádicas, que a propósito de tudo e de nada vêm pejar os quadros do exército com oficiais supranumerários, leis de excepção que afectam a disciplina e o prestígio do exército e só servem para satisfazer aspirações pessoais ou de camarilhas.
É necessário que a Câmara se deixe de mais benesses, que não podem, em geral, ser tomadas como prémios de serviços.
É necessário que não mais se julgue que a comissão de guerra é uma agência de pretensões de toda á casta, de toda a espécie, por vezes as mais inconfessáveis e inauditas.
É necessário que se abandone o caminho por onde se tem seguido há um tempo a esta parte, sem, por isso, me querer referir aos actos do Poder Executivo.
E assim que a nova orgânica do exército poderá servir e prestigiar a Nação, contendo, em si tudo quanto necessário para a plena eficácia da fôrça armada, para o seu robustecimento, instrução e cultura profissional, abrangendo um completo conjunto de regras que integralmente lhe permita o exercício da sua missão, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra.
Eu quero que êsse organismo seja formado de maneira que em si contenha todas as suas modalidades e meios de vida, isto é, que êle contenha em si o necessário para fazer promoções do toda a espécie, e dar pensões e galardões de toda a natureza, premiando a heroicidade, e não haja necessidade do estarmos constantemente a fazer leis especiais a propósito de tudo.
Conforme disse o Sr. António Fonseca, e muito bem, as conclusões que se tiram hoje ao lermos o orçamento do Ministério da Guerra são estas:
1.ª Reconhece-se que há um aumento constante de oficiais;
2.ª Reconhece-se que há um maior excesso de pessoal nas patentes superiores;
3.ª Reconhece-se que há deminuïção de despesa com a instrução militar, conservação e reparação de material e construções militares.
Quere dizer, anda tudo ao contrário!
É preciso, portanto, que haja equilíbrio. Para isso é necessário que os quadros voltem a ser aquilo que eram noutro tempo e que a instrução e o material sejam aquilo que devem ser.
Realmente, para que serve o regimento como aquele que comando, se a instrução do pessoal, que devia ser feita com persistência e amor durante todo o ano, é tudo quanto há de mais utópico, por falta de todos os elementos materiais?
Para que serve um regimento onde o material para pouco presta e os solípedes não estão tratados e ferrados convenientemente e o seu número é deficiente?
Esta é a verdade, e eu como oficial superior do exército e membro da comissão de guerra não tenho pejo em afirmá-lo.
É preciso arrepiar caminho, e quem nos diz isso é o próprio orçamento; é a lógica dos números que nos indica que devemos fazer do exército português uma cousa honrada e que possa caminhar avante com o respeito dos nacionais e dos estrangeiros.
É isso que quero, e por isso, mais uma vez repito, fiquei satisfeito por ver que é a própria comissão de guerra que nos vem dizer que é necessário fazermos inadiàvelmente uma melhor organização do exército.
Mas fazer uma melhor organização do exército não é só mexer no pessoal e no material. Há muitas cousas mais a que é preciso atender. Uma delas é a questão dos vencimentos arbitrados ao pessoal militar. Esta questão tenho-a eu estudado com cuidado. Podia sôbre ela falar muitas horas, mas simplesmente direi que actualmente os vencimentos que se destinam a pagar a função militar estão bolchevizados — permita-se-me a palavra.
Realmente, as tarifas de 1887 davam a um general oito vezes mais do que tinha um alferes; hoje um general tem apenas vez e meia mais do que tem um alferes.
É preciso modificar êste estado de cousas, porque V. Ex.ªs sabem como os vencimentos influem muitíssimo na organização do orçamento.
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Há uma comissão, a que pertenço, que está incumbida de fazer uma remodelação completa de todos os vencimentos do exército. Elos hoje são, efectivamente, qualquer cousa de caótico. Ás anomalias são imensas, e podem dar lugar a graves questões de disciplina.
É mais um ponto para que chamo a atenção da Câmara.
O Sr. Presidente: — Pregunto a V. Ex.ª se deseja terminar ou ficar com a palavra reservada, porque vou suspender a sessão.
O Orador: — Se S. Ex.ª me permite, ficarei com a palavra reservada.
O Sr. Presidente: — Está suspensa a sessão, que continua hoje às 15 horas.
Eram 0 horas e 5 minutos.
SEGUNDA PARTE
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
O Sr. Viriato da Fonseca: — Sr. Presidente: nas breves considerações que ontem fiz nesta Câmara a propósito do orçamento do Ministério da Guerra, entendi dever estabelecer alguns princípios para justificar o meu voto.
Assim, eu disse que era necessário e urgente fazer uma remodelação dos serviços militares, que não só acabasse com a confusão e a desordem que há muito existe no exército, mas se adaptasse aos novos ensinamentos da guerra e à nossa situação geográfica, económica, social, e sobretudo colonial.
São estas as características que entendo deve ter a reorganização do exército.
Sr. Presidente: disse ainda que a reorganização deve conter todos os elementos necessários para livremente e sem peias poder-se caminhar, de modo a colocar o exército na situação de poder desempenhar cabalmente a sua altruista missão.
Frisei também quanto eram extraordinárias as conclusões que o Sr. António Fonseca tirou da sua apertada e inteligente argumentação, relativamente ao número de oficiais superiores.
Ainda, Sr. Presidente, me referi também aos inconvenientes que há em estarmos a legislar a propósito de tudo, sôbre promoções, benesses, pensões, etc., quando é certo que a reorganização deve conter todos os elementos para a resolução dêsses assuntos, excepção feita para qualquer questão importante, como por exemplo o raid ao Rio de Janeiro, que será então esta Câmara que deliberará sôbre o galardão a dar a êsses indivíduos, ou quando o progresso determinar, a mudança da lei existente.
Sr. Presidente: foram êstes os princípios que eu pretendi estabelecer e que resultam com a máxima evidência da análise que fiz ao orçamento que agora está em discussão.
De tudo isto conclui-se que é preciso arrepiar caminho e enveredar por outra política mais nacional e patriótica, porventura mais radical e semelhante àquela dos tempos medievais ou do tempo do Conde de Lippe.
Referi-me ainda, Sr. Presidente, à orgânica dos vencimentos que se continuam a pagar ao pessoal da fôrça armada.
Esta orgânica, tal como se encontra hoje, é caótica, sendo de toda a urgência baseá-la em princípios scientíficos, com, uma proporcionalidade justa, e que não seja eivada de bolchevismo, que, como todos sabem, é contrário à disciplina que deve existir no exército.
Sr. Presidente: como português que sou, como amante da profissão que adoptei, eu desejo que o exército seja alguma cousa de grande e que mereça a estima e consideração de todos.
Para terminar, deixe-me V. Ex.ª fazer algumas considerações a respeito do projecto que eu supunha que se discutisse ao mesmo tempo que a proposta orçamental.
O parecer n.º 520 foi um dos que eu estudei conjuntamente com os pareceres do orçamento do Ministério da Guerra.
Ora, Sr. Presidente, depois das considerações do Sr. Pires Monteiro é que eu tive conhecimento de que tinha sido concedida a urgência e dispensa do Regimento para o referido projecto, mas não para ser discutido conjuntamente com a proposta orçamental.
Mas, sendo assim, eu tenho de dizer que êle deve baixar à comissão de guerra
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a fim de que ela lhe dê também o seu parecer.
Esta é a minha opinião.
Sr. Presidente: eu não quero tomar mais tempo à Câmara, pois julgo ter já justificado suficientemente o meu voto, e por isso vou mandar para a Mesa uma proposta em que sintetizo o meu modo de ver sôbre esta questão, e eu pela minha parte não tenho dúvida em o lazer, mandando para a Mesa uma proposta relativa ao parecer n.º 520, que se não discute agora com o orçamento, proposta esta que tem por fim reduzir os quadros do exército àquilo que eram em 1914.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Viriato da Fonseca.
Foi lida e admitida.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 1.º do artigo 116.º
O Sr. Presidente: — Estão sentados 58 Sr s. Deputados e em pé 1.
Está admitida.
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente: a Câmara pronunciou se ontem no sentido de que não era possível fazer-se a discussão do parecer n.º 520, por isso que a sessão havia sido prorrogada somente para se discutir o assunto para que fora prorrogada, isto é, exclusivamente para a discussão do orçamento do Ministério da Guerra.
Parece-me, todavia, Sr. Presidente, que o parecer n.º 520 não pode deixar de ser discutido; e se bem eu sinta a máxima consideração pela competência especial que tem sôbre o assunto o Sr. Pires Monteiro, devo dizer que a entidade competente e legal que deveria ser ouvida sôbre o assunto é a comissão de guerra.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer em abono da verdade que sou absolutamente favorável a êste projecto de lei, por isso que entendo que êle resolve em parte o problema; e assim entendo que êle deve baixar à comissão de guerra.
Nesta ordem de ideas, peço a V. Ex.ª o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que o parecer n.º 520 baixe imediatamente à comissão de guerra a fim de que ela possa dar o seu parecer no mais curto prazo de tempo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar à Câmara que estou inteiramente de acôrdo com as considerações apresentadas pelo Sr. António Fonseca.
E, assim, atendendo à enorme competência que S. Ex.ª tem mostrado sôbre o assunto, não só aqui na Câmara como nos jornais, peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que S. Ex.ª seja agregado à comissão de guerra para lá expor as suas opiniões.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer ao ilustre Deputado Sr. Francisco Cruz as suas palavras; porém, devo dizer que elas não têm razão de existir visto que em questões militares há duas espécies de questões: uma de natureza técnica — de que eu não compreendo nada — e outra de natureza orçamental — de que eu conheço alguma cousa.
O Sr. Francisco Cruz (àparte): — Estou convencido de que êste problema só se resolve à paisana.
O Orador: — Creio que o meu requerimento é o que é mais útil neste momento.
O orador não reviu.
Foi aprovado o requerimento.
O Sr. Tôrres Garcia: — Pedi a palavra para repelir uma afirmação feita pelo Sr. Ministro da Guerra quando respondeu aos oradores que falaram sôbre êste orçamento.
Afirmou S. Ex.ª que nesta casa do Parlamento se tinha agravado o exército e que S. Ex.ª, como chefe do exército, tinha de o desagravar.
Como fui um dos que criticaram a situação do exército, talvez as palavras de S. Ex.ª me digam respeito. Eu fiz a crí-
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tica do assunto, mas não agravei ninguém apenas tive o intuito do repor as instituições militares na altura em que devem estar.
Quem tem agravado o exercito não são os paisanos que aqui levantaram a voz, mas aqueles que o colocaram na situação em que está, imprópria do sou prestígio e da sua tradição.
Todos nós sentimos na alma a dolorida surprêsa de que esta é a verdade.
Um exército sem moral de nada serve.
Pode V. Ex.ª apetrechar todo o exército; mas se não tiver todas as armas servidas por homens que não tenham apenas a ambição do mando, mas a ambição do cumprimento do dever, V. Ex.ª não terá exército.
Não é o estralejar da metralhadora, nem o troar do canhão que vencem batalhas, porque essas vencem-se por uma fôrça moral, e mais nada.
As palavras do Sr. Ministro da Guerra suponho que foram motivadas pelo que eu aqui disse acêrca da promoção dos oficiais pela lei n.º 1:239.
Tenho aqui presente a consulta da Procuradoria Geral da República, que não foi considerada, pois por um simples despacho da Direcção Geral dos Serviços fez-se o contrario.
Mas há mais: uma informação que não foi pedida foi dada pela 2.ª Repartição, que tinha à sua frente um oficial promovido pela lei n.º 1:239!
Estão nas fileiras do exército os oficiais que foram condenados em Lourenço Marques; e estão nas fileiras do exército os oficiais que se reformaram para não irem para a guerra!
O que sucede?
Todos estão desconfiados uns dos outros.
Os oficiais do primeiro regimento que foi para a guerra fizeram todos os esfôrços para não irem.
O comandante dêsse regimento dirigiu-se ao comandante do Santarém declarando que não ia para guerra. Pois foram os sargentos que tocaram a reünir; e lá foram para França levando tudo completo, pois até os recrutas embarcaram.
O Sr. Ministro da Guerra deve saber isto.
Êsse batalhão chegou a França sem oficiais.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Ignoro-o.
O Sr. Pires Monteiro: — O batalhão n.º 34 desembarcou em França comandado pelo capitão Freitas.
O Orador: — Os factos que eu aponto são absolutamente verdadeiros.
Quem queira certificar-se nada mais tem a fazer do que ir consultar os documentos que pertencem ao arquivo do Corpo Expedicionário Português.
O Sr. Pires Monteiro: — Está de certo, V. Ex.ª mal informado.
Garanto, sob minha palavra de honra, que o batalhão de infantaria n.º 34 desembarcou comandado pelo capitão Freitas, como já disse.
O Orador: — Esse oficial era o comandante militar do navio que transportou o referido batalhão.
Mas a verdade é que êsse batalhão portou-se dignamente na guerra.
Das ordens do Corpo Expedicionário Português constam várias distinções concedidas a êsse batalhão. Foi mandado formar à direita da brigada por feitos praticados na frente, e foi nomeado para fazer a guarda de honra na festa de 14 de Julho em França.
Pois êsse batalhão ainda não foi condecorado com uma Cruz de Guerra.
Porquê?
Porque êsse batalhão contrariou a acção dos defectistas, que ainda hoje mandam, como mandaram sempre.
O Sr. Lelo Portela: — Então o Govêrno e defectista.
O Orador: — Pode sê-lo o Ministério da Guerra.
Não quero com isto dizer que seja defectista o Sr. Ministro da Guerra; mas são defectistas os homens que no Ministério da Guerra exercem a sua influência.
Mas, Sr. Presidente, isto não passa de um incidente; o que eu quero frisar é que não somos nós, os paisanos, que, intervindo nas questões militares, procuramos agravar o exército.
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Falaram aqui paisanos que durante a guerra levaram ao exército não digo maior eficiência técnica, mas uma melhoria às condições morais em que êle se encontrava.
Refiro-me aos milicianos.
Tenho assim respondido às palavras de injustiça pronunciadas pelo Sr. Ministro da Guerra a propósito das considerações que, nesta Câmara, foram feitas por paisanos a respeito do exército.
Nunca houve, nem podia haver, da parte dêles o menor propósito de agravar o exército.
Só existe neles o desejo de elevar ao máximo prestígio essa instituição fundamental da Pátria.
Quem agrava o exército são aqueles que, exercendo adentro dele as suas funções, se esquecem do que lhe devem para só se lembrarem dos seus apetites de ordem estomacal.
São êsses quem tem levado o exército à triste situação em que êle está hoje.
Já demonstrei que o exército não tem condições materiais que possam corresponder aos faustosos quadros de mobilização que constam do papel.
Dizia ontem o general Sr. Pereira Bastos que se tem de gastar mais com o exército se o quisermos devidamente apetrechado.
Pois gaste-se mais, mas gaste-se bem.
Ninguém recusa ao exército os elementos precisos para que êle seja colocado à altura da sua nobre missão. O que eu disse, inspirado pelo patriotismo que me anima, foi que era necessário arrumar as cousas no capítulo das despesas militares, no sentido de se dar ao exército tudo que êle precise para ser um valor efectivo e eficiente, praticando-se através do Ministério da Guerra apenas aqueles actos que possam nobilitá-lo.
E dentro dessa dureza de acção não foram cereiados todos aqueles elementos que podem levar o oficial a aspirar a subir.
Essa aspiração tem de ser sempre condicionada com o interêsse geral, porque só assim o interêsse particular é legítimo.
Na discussão, acêrca das medidas a adoptar para a solução do problema dos quadros, ao passo que o tenente-coronel do estado maior Sr. Pires Monteiro, defende a necessidade de se tomar uma atitude militar enérgica e decisiva, atacando o mal directamente e de frente, os generais Srs. Correia Barreto e Pereira Bastos optam, ou parecem optar, pela adopção de medidas de carácter emoliente.
O Sr. Pereira Bastos (interrompendo): — V. Ex.ª dá-me licença?
Eu não defendo essa doutrina; apenas a ela aludi como explicação do facto de não se cumprir a lei.
De maneira nenhuma estou de acôrdo com êsses meios emolientes.
O Orador: — Folgo com essas palavras.
O Sr. Pereira Bastos, referindo-se às várias tentativas que se têm pôsto em prática para a resolução do problema, disse que umas eram quiméricas e outras feitas no ar, fixando-se nas grandes vantagens que encontra nas escolas de repetição e na observância rigorosa do desempenho dos serviços que estão permanentemente a cargo do exército.
Com o devido respeito que tenho pelo general Sr. Pereira Bastos e pela sua reconhecida competência em assuntos da sua profissão, eu permito-me dizer a S. Ex.ª que essa teoria, é também muito quimérica.
Os regulamentos militares são bem expressos nas suas disposições que obrigam os oficiais à permanência nos respectivos quartéis.
E contudo todos nós sabemos que essa determinação não é cumprida.
Se o Sr. Pereira Bastos voltar a ser Ministro da Guerra, não anuncie nunca as suas visitas aos corpos da guarnição, porque assim terá, ocasião de constatar que nos quartéis não se encontra murtas vezes nem o oficial de serviço, sequer.
O Sr Pereira Bastos: — Aí tem V. Ex.ª a prova do que eu afirmei. Os oficiais não têm nada que fazer e, por isso, não estão nos quartéis.
O que é necessário é dar-lhes que fazer.
O Orador: — Há sempre que lhes dar a fazer.
Basta que se apliquem as disposições regulamentares.
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Apelou o Sr. Pereira Bastos para as escolas de repetição. Esqueceu-se S. Ex.ª porém, de que quando quiserem fazer as escolas de repetição não há efectivos para isso.
O licenciamento dos recrutas nas juntas hospitalares ó, aproximadamente, de 50 por cento.
Onde se vai, portanto, arranjar soldados?
Desejarão fazer um destacamento mixto?
Mas, então, não se conseguirá nunca nada que se pareça com tropa; arranjar-se há apenas um amontoado de indivíduos sem qualidades militares de espécie alguma.
Eu entendo que há, de facto, uma maneira de atacar o problema dos quadros do exército.
Nós temos os quadros orgânicos de 1911. Recorramos a êles.
Dum lado aparecem oficiais que excedem os quadros, e doutro lado foram criados, depois de 1911, alguns serviços que é absolutamente indispensável manter, como os serviços da aviação.
Os oficiais a mais passam à situação de supranumerários, e os serviços do exército criados posteriormente a 1911 são mantidos provisoriamente até nova organização militar.
O que sucede algum tempo depois de posta em prática esta determinação?
Começa o Ministério da Guerra a sentir a necessidade absoluta de recorrer à extinção das comissões de serviço que têm sido criadas exclusivamente para arrumar oficiais, colocando êstes nos serviços que foram criados posteriormente aos quadros orgânicos de 1911.
Em certa altura já não há oficiais supranumerários; e então o Ministério da Guerra restringe o seu número às necessidades indispensáveis do exército em tempo de paz.
Êste sistema, sem ser atentatório dos interêsses do ninguém, garante ao Ministério da Guerra os meios de resolver por si só êste problema.
Há, no emtanto, um ponto grave a atender: é a questão das promoções.
Quem pode aproveitar dêste método, da aplicarão dêste processo, são os tenentes. Todos os outros oficiais podem aguardar o tempo bastante para que o assunto seja resolvido. Digam-me o Sr. Viriato da Fonseca, o Sr. Presidente, o Sr. Pereira Bastos quanto tempo estiveram em tenentes? Hoje os tenentes têm de esperar 2, 3 ou 4 anos — o tempo bastante para equilibrar os quadros; mas os oficiais superiores podem esperar. Fizeram-se promoções com a máxima velocidade...
Àparte do Sr. Ministro da Guerra.
O Orador: — Todos os que são patriotas têm de pugnar pela redução dos quadros; e eu detendo e sustento em toda a parte que ás promoções que se fazem em Portugal não foram consequência da guerra, nem por necessidade dela.
O meu ponto de vista é ensaiar os quadros de forma que, pelo menos, durante quatro anos não se fizessem promoções. Os oficiais superiores já estão colocados tam alto, que se não fôsse o pretexto da guerra não chegariam lá tam cedo.
Não se compreende que para o funcionalismo público se aplique a lei n.º 1:344 e para os militares não aconteça o mesmo. Ora isto não é patriótico, não é democrático; e se a Nação é una, não é justo que se estabeleça esta diferença,
Apoiados.
Vários àpartes.
O Orador: — Nós tanto fizemos que já mandámos para a Mesa uma proposta de remodelação de serviços públicos. Mas — caso extraordinário — tomaram-se disposições ùnicamente para o funcionalismo civil.
O Sr. Pinto da Fonseca: — V. Ex.ª quere que para o exército se aplique desde já o princípio dos quadros de 1911; mas para os serviços do funcionalismo civil, para êles espera-se.
O Orador: — Nós temos que determinar uma atitude.
Para a classe civil adoptámos uma determinada atitude.
Estabelece se discussão entre o orador e os Srs. Pinto da Fonseca e Cancela de Abreu.
O Orador: — Não fizemos nada tendente a aplicar êste método ao funcionalismo civil; mas votámos a lei n.º 1:344, votámos a constituição de uma comissão en-
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carregada de remodelar os serviços públicos; e, pela aplicação da lei n.º 1:344, temos hoje 2. 824 lugares vagos, quando, pela aplicação do processo que o Sr. Pinto da Fonseca classificou de violento, temos cêrca de 1:300 oficiais a mais dentro do exército. Se, portanto, alguém tem o direito de reclamar, é o funcionalismo civil que está actualmente pretendo em muitas, promoções, havendo mil e tantos oficiais a mais.
Uma voz: — Consequências da guerra.
O Orador: — Consequências da paz, direi eu, mas paz anti-patriotica que se dirige mais ao interêsse pessoal e de classe que ao interêsse geral. Em Portugal não se pode argumentar com a guerra, como em França, na Bélgica ou na Itália, visto que nós não empregámos na guerra nem a quinta parte dos efectivos que os nossos quadros do mobilização permitiam.
Parece-me ter demonstrado — já que para tal campo me chamaram — a inferioridade da situação em que se encontra o funcionalismo civil em relação ao militar, bem como a necessidade de atacarmos o problema dos quadros, e a virtude que tem o meu método do ser humano, de ser prático e de dar ensejo ao Ministro da Guerra de trabalhar eficazmente; porque, o Ministro da Guerra — refiro-me à entidade e não à personalidade — como aliás todos os demais, é frequentemente obrigado a alegar que a lei o impede de fazer isto ou aquilo. É sempre a lei, a lei, a lei! Temos, evidentemente, do entrar em caminho seguro, que é dar ao Ministro da Guerra esta autorização para realizar uma obra justa para todos, de modo a encontrarmos ràpidamente a solução apontada pelo Sr. Pereira Bastos.
Não imagino ter descoberto o ovo de Colombo; mas apresento uma idea. E, junto da comissão de guerra, hei-de insistir para que o meu ponto de vista seja tomado em linha de conta. E estou convencido de que presto um serviço — não à Nação, que dos meus serviços não precisa, visto que está escudada nas altas virtudes da raça — mas ao exército.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja revisto as notas taquigráficas.
O Sr. Presidente: — Comunico à Câmara a seguinte substituição relativa à comissão de comércio e indústria:
Substituir o Sr. José Domingues dos Santos pelo Sr. Jaime de Sousa.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: parece-me que aquilo a que se pode chamar a intervenção dos civis na discussão do orçamento do Ministério da Guerra teve já uma virtude, a qual foi a de, efectivamente, ter essa discussão conseguido prender a atenção da Câmara, durante êste debate, pelos assuntos do Ministério da Guerra e pelos que interessam à nossa defesa nacional. Com efeito, o problema do nossa defesa militar, a que está ligada a instituição do exército, entre nós justificam amplamente que por êsse problema todos os portugueses e, entre êles, todos os parlamentares se interessam.
Como a Câmara sabe, não sou militar, isto é, não sei se a estas horas ainda sou sargento miliciano. Também não sou militarista; mas isso não obsta a que eu tenha o culto do exército, o amor pelo exército, e que seja partidário de uma organização militar, embora modesta, eficaz, que nos possa fazer respeitados como nação livre e garantir a nossa soberania em qualquer ponto do território nacional onde seja ameaçada. Penso até que o amor pelo exército é a expressão máxima do patriotismo de um povo, e que aqueles povos que se alheiam das suas necessidades militares são povos que, antes que outros executem a sentença, a si próprios se condenaram a um desaparecimento mais ou menos próximo. Nestas condições, são de louvar todas as despesas que legitimamente se façam com o exército e não há que discutir sacrifícios que as necessidades militares exijam. Simples monte, o que ninguém pode consentir, o que não é legítimo é que as despesas com o exército apenas representem um esfôrço perdulário, devido à eficiência da organização militar não corresponder às somas gastas. Êsse é, infelizmente, o nosso caso, caso lamentável que faz com que o orçamento do Ministério da Guerra tenha tido uma longa discussão, em que intervieram parlamentares que, embora civis, a tal se julgaram obrigados pelos seus deveres de patriotismo.
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A actual organização do exército é, como V. Ex.ª sabe, a organização de 1911, baseada no chamado «modêlo suíço». Não quero discutir neste momento as vantagens ou inferioridades da organização miliciana. Se isso fôsse permitido, como leigo que sou, permitir-me-ia desejar uma maior permanência nas fileiras, por tal julgar vantajoso para a eficiência militar, para a instrução e preparação dos soldados.
A instrução militar normal dos cidadãos dava-se em três etapas: instrução militar preparatória, escolas de repetição e escolas de recrutas. Etapas estas essencialmente necessárias para a instrução de soldados.
Esta instrução não será completa sem estas etapas. Sem elas, a instrução resulta deficiente, senão nula.
O que se tem visto, e entre nós eu vejo, é que há umas vagas sociedades de instrução preparatória em Lisboa. No mais é letra morta e há muito tempo.
Pelo que respeita às escolas de recrutas temos visto que os contingentes actualmente chamados para essas escolas, em vez de aumentarem como seria mester, têm deminuído e estão reduzidos a 50 por cento. O prazo tem sido reduzido também.
Quanto às escolas de repetição também é cousa que há muito tempo se não cumpre. Não se fazem, portanto.
Êste é o estado de prosperidade do regime miliciano entre nós.
Êste é um aspecto; mas sendo também certo que um exército digno dêsse nome é sempre função dêstes três factores: pessoal, instrução e material, o que há, o que temos nós sob êste aspecto?
A respeito de instrução é o que acabo de dizer à Câmara: virtualmente não é cousa nenhuma. Pelo que respeita a material não é mesmo nada.
Desistiu-se, é o termo, de dar instrução nas escolas de recrutas nas armas técnicas, e isto precisamente porque não há subalternos.
Na arma de engenharia sucede que apenas se ministra instrução de infantaria, porque não há pessoal técnico.
O mesmo sucede com artilharia: não funcionam por falta de verba.
Interrupção do Sr. Ministro da Guerra que se não ouviu.
O Orador: — Não há falta?
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Há falta de subalternos na engenharia. No próximo mês de Julho há exercícios finais.
O Orador: — Uma escola que tem do ser desempenhada por um engenheiro, está sendo desempenhada por um oficial de cavalaria.
O Sr. Ministro dá Guerra (Fernando Freiria): — Isso só vem em meu reforço.
O Orador: — Seria interessante que S. Ex.ª nos informasse sôbre se no regimento de artilharia há o material necessário e gado para as necessidades exigidas.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Há para a escola.
O Orador: — Seria interessante que S. Ex.ª nos informasse se a escola de engenharia tem material necessário para telegrafia sem fios para o exército em campanha...
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Há quinze postos de telegrafia para as necessárias ligações telegráficas entre as unidades. Evidentemente, o material não é bastante.
O Orador: — Creio mesmo que não há material, se houver necessidade de mobilizar.
Sr. Presidente: afirmo que há falta de material. Não é novidade para a Câmara que ao passo que no orçamento se gastam 116:000 contos com o pessoal, o gasto do material que é tam necessário à instrução do exército, está reduzido à expressão mínima. E, já que falo na instrução, permito-me lamentar que essa instrução não seja dada em harmonia com os ensinamentos resultantes da guerra.
Nas unidades de infantaria não existem fogueteiros de trincheiras. As praças selecionadas não é dada a instrução necessária, de maneira que o exército, quando seja necessário, possa cumprir o seu dever.
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Mas a instrução militar não pode limitar-se às escolas de recrutas.
Cada regimento, ou cada unidade, deve, ser uma escola militar, em que todos os oficiais trabalhem, dedicando-se ao aperfeiçoamento dos serviços.
Nessas unidades devem os oficiais, dia a dia, completar a sua instrução, adquirindo novos conhecimentos pelo contacto de uns com os outros e através de conferências e trabalhos orientados pelos respectivos comandantes.
Em vez disso, entre nós, as guarnições militares, onde se devia trabalhar dêste modo, em termos de os oficiais não terem senão um escasso descanso, fazem dos regimentos um lugar de comodidade para os oficiais.
Resulta desta falta de instrução e da carência mais absoluta de material, que o exército em Portugal actualmente se reduz quási a um organismo que funciona no Terreiro do Paço que só tem servido para aumentar o pessoal, com detrimento do que se devia gastar em instrução e material.
Quere isto dizer que se deve encarar esta questão de frente, não a adiando sucessivamente, do modo a constituir uma ilusão em que se faz viver o País, que contribui para o exército e que assim não pode encontrar no exército aquele apoio que nele devia ter.
Assim como o Sr. Ministro das Finanças já iniciou uma política tendente a melhorar o nosso estado financeiro, assim como no Ministério do Comércio também há já uma larga orientação de política económica, que deve ser seguida, assim como no Ministério das Colónias se adoptou uma política colonial, urge que no Ministério da Guerra se adopte uma política militar.
Infelizmente ainda teremos de esperar algum tempo pelo início dessa política.
Portanto, havemos ainda de ver durante algum tempo pesar no orçamento inutilmente o pessoal, emquanto que por outro lado se descura a instrução do exército inscrevendo-se no orçamento 800. 000$ que para nada chegam.
Assim, a não se iniciar essa política militar, absolutamente instante, teremos de nos resignar a que o exército continue no mesmo caminho, embora com o protesto meu.
Disse o Sr. Pereira Bastos que era legítima a ambição de mandar nos oficiais, justificando se o seu desejo de serem promovidos.
Não estou de acôrdo neste ponto, com o Sr. Pereira Bastos.
Êsse desejo e ambição seriam legítimos, se os oficiais os pudessem alcançar, satisfazê-los através de um esfôrço permanente de aperfeiçoamento profissional.
Mas êsse trabalho é que não existe no exército.
Essas promoções só se deviam alcançar pelo trabalho constante.
Se se obrigasse os oficiais a trabalhar, o seu esfôrço daria lugar à selecção.
O Sr. Pereira Bastos: — Mas dando-lhes os meios.
O Orador: — Êsses meios também os reclamo, Sr. Presidente, pois a verdade é que se não pode admitir que um dêstes factores esteja a prejudicar o outro.
Torna-se, portanto, absolutamente necessário reduzir o pessoal, deixando lá ficar aqueles que trabalham, aqueles que possam per bons militares, pois a verdade é que todos aqueles que assim não sejam não podem ser considerados como bons cidadãos.
Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações; e, felicitando a Câmara, pelo interêsse que êste debate revestiu, faço votos para que o assunto seja encarado de frente, de forma a que o país possa ter um exército capaz de bem o defender.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Aires de Ornelas: — Sr. Presidente: devo dizer, em abono da verdade, que não veio possibilidade de definir com mais energia o estado em que se encontra o exército do que o fazem os dois relatores dos dois pareceres que, sôbre o orçamento do Ministério da Guerra, nos foram distribuídos.
Eu creio, Sr. Presidente, que, quando se classifica de aterradora a cifra a que sobem as despesas militares, quando se classifica de anarquizante a orientação se-
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guida com as promoções, quando se declara que o exército para pouco serve, nada mais se pode dizer.
Eu não sei realmente, Sr. Presidente, o que mais será preciso dizer para definir a situação actual do exército português.
A cifra aterradora das despesas militares não existe, visto que a administração militar não se fiscaliza a si própria, sendo a maior parte dessas verbas, as mais despropositadas do orçamento, devidas a fardamentos, a rações e passagens, o que nos leva à conclusão de que um exército assim, para pouco serve.
Entrando, Sr. Presidente, na apreciação discriminada das diversas verbas de despesa, chegamos à conclusão da superabundância das despesas supérfluas e inúteis, em confronto com as que são aprovativas, pois não faz sentido, Sr. Presidente, que se gastem para cima de 200 contos com um instituto de meninas, quando aparecem 9 ou 12 contos, para reconhecimentos militares.
Sr. Presidente: nós vamos ver que o número dos oficiais supranumerários é igual ao dos quadros, e daí também, Sr. Presidente, a situação alarmante em que se encontra o exército, e a absoluta necessidade que há de reduzir as despesas.
Nada se tem aperfeiçoado e melhorado, e só os quadros têm crescido por forma que para os pagar é preciso suprimir os soldados.
E, assim, os pareceres constatam ainda que êsses quadros superabundantes, nem a si próprios se instruem, por pletora, nem aos outros podem instruir, por falta.
Vê-se claramente, Sr. Presidente, que, dos ensinamentos da Grande Guerra, lição alguma foi ainda aproveitada no exército.
Há ensinamentos, Sr. Presidente, que só lentamente podem ser tornados profícuos; mas nem assim se procuram aplicar, sendo o exército português, creio eu, o único dos da Grande Guerra, cuja constituição não sofreu ainda uma só das modificações que ela quási taxativamente impôs.
Referindo-me, Sr. Presidente, à aeronáutica militar, ainda há pouco aplaudida pelos membros desta casa do Parlamento, e com razão, eu direi que a tentativa da viagem à volta do mundo dará por certo novo realce ao nome português.
Isto basta, Sr. Presidente, para que nem eu nem êste lado da Câmara lhe possamos regatear os nossos louvores.
Porém, isso não impede que eu sinta não ver ou saber estudar o que eu reputo da máxima importância para o futuro da nossa vida nacional.
Refiro-me, Sr. Presidente, à ligação aérea da metrópole com as colónias africanas, por meio de linhas periódicas e regulares; pois; estou certo de que possivelmente se podiam aproveitar as escalas Madeira, Cabo Verde, Guiné, Congo e Loanda, atravessando a África e estabelecer a ligação com Moçambique.
Reputo isto, Sr. Presidente, muito mais útil e muito mais proveitoso do que a viagem à volta do mundo, sem querer no emtanto com isto censurar por qualquer forma a idea dêsses dois grandes homens que estão acima de tudo o que eu não posso deixar de admirar.
A razão por que estamos numa situação melindrosa não é porque não se nos reconheça nem qualidades de coragem nem qualidades mentais, como é costume agora dizer-se, mas porque nos falta aquela política que se pode reduzir à palavra juízo. Não mostramos muitas vezes na nossa administração nem no nosso modo de proceder político aquele bom senso que caracteriza os povos que tem juízo, e eu estimaria mais que mostrássemos essas qualidades não só cá dentro mas lá fora, porque muita da confiança que falta para os nossos compreendimentos provém de se nos reconhecer essas qualidades do que envolver o País em emprêsas de largo alcance e que directamente para o interêsse e proveito nacional não vejo qual seja a vantagem a tirar.
Sr. Presidente: é certo que os dois relatórios do projecto em discussão são absolutamente unânimes em concordar na necessidade da reforma das instituições militares, reforma que, suponho, representa uma aspiração nacional, pelo menos de todos aqueles que se interessam pela defeza do nosso País. Se me fôsse permitido juntar a minha voz à dos Srs. relatores eu chamaria muito especialmente a atenção do Sr. Ministro da Guerra para êsse facto, preguntando ao mesmo tempo: está qualquer cousa em preparação?
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Podemos esperar que S. Ex.ª dentro dum período transitório trará mais leis basilares, sem as quais não haverá exército não só na parte referente á orgânica mas quanto a promoções é quadros?
É necessário ainda adquirir aquele material que nos falta por completo, parque dêsses relatórios se depreende que êsse material é inexistente e o estado em que êle ficaria depois da guerra é muito fácil de supor. Creio que o material de artilharia é deficientíssimo. Do de infantaria basta dizer que é o que fez a guerra.
Assim, Sr. Presidente, caminharíamos para qualquer cousa que tendesse a melhorar as instituições militares; o assim também a nossa situação seria diferente dispensando-nos de estar a fazer críticas que não podem ser senão duma maneira genérica, porque não há tempo para discutir artigo por artigo.
Sr. Presidente: não tenho feitio para mo eternizar nas discussões; e se pedi a palavra, foi porque a crueza das palavras do relator me impressionou como antigo militar e porque desejava chamar a atenção da Câmara, do País e muito especialmente do Sr. Ministro da Guerra para esta situação que é traçada por correligionários de S. Ex.ª
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. David Rodrigues: — Sr. Presidente: apresento a V. Ex.ª os meus cumprimentos e os protestos da minha mais alta consideração pelo alto cargo que exerce. A toda a Câmara apresento igualmente os meus cumprimentos.
Sr. Presidente: encontro-me aqui com o desejo de colaborar com toda a Câmara por uma forma honesta, não podendo dizer por uma forma eloquente, porque o não sou.
Não poderei oferecer à Câmara uma grande soma de conhecimentos, porque os não tenho; mas ofereço à Câmara uma grande soma de sinceridade e de desejo de ser honesto. Ofereço também à Câmara o respeito pelos homens, porque isso faz parte integrante dos meus princípios do educação, mas tendo respeito pelos homens, procurando respeitar os homens, não quero dizer que eu, quando me encontrar em conflito com êles dentro dos princípios não discuta êsses princípios com a correcção que prometi, procurando sempre, repito, não confundir os princípios com os homens. E se esta promessa que eu fiz se tornar necessária, julgo que não poderia ter ocasião mais oportuna para a fazer do que neste momento; porque neste momento discute-se um princípio que, contra minha vontade, me vai obrigar a discutir a obra dum homem.
Preciso referir-me ao trabalho dum ilustre Deputado que eu não tenho a honra de conhecer pessoalmente mas que reconheço pelo seu trabalho, pelo que sempre tenho ouvido, que reconheço até pelo que a minha simples observação me dá, que é um homem duma alta inteligência, duma rara envergadura. Dizendo isto, creio que V. Ex.ª já sabem que me refiro ao Sr. António Fonseca.
Tem-se dito que S. Ex.ª é uma das figuras mais brilhantes do Parlamento; pois eu, por aquilo que conheço, pelo que tenho ouvido e pressentido, não terei dúvida em dizer que o reputo uma das figuras mais brilhantes da nossa política.
Os artigos que S. Ex.ª tem escrito são fulgurantes; a inteligência do autor dêsses artigos transpira de palavra a palavra; e eu, fazendo justiça ao homem, e faço-o muito sinceramente e muito convictamente não posso deixar de dizer que em muitos pontos discordo das afirmações que S. Ex.ª fez.
Em toda a discussão dêste orçamento creio que sou a primeira pessoa que tem êste arrojo.
Não sou um homem arrojado, mas sou um homem convicto; e desde que as minhas convicções me autorizam a fazer esta afirmação, faço-a e procurarei demonstrá-la.
S. Ex.ª fez a crítica dos quadros e fê-la bem feita, com aquela competência a que já me referi.
S. Ex.ª fez a crítica, fez a análise, olhou às consequências, mas naquilo que ouvi não notei que lhe fizesse a história. E tudo neste mundo tem a sua história.
Essa história é necessária fazer-se; não só porque é uma verdade que é necessário que se ponha a claro, mas também porque há factos que se não forem acompanhados duma verdade histórica muita gente suspeita do seu espírito de justiça.
Julgo que é o caso presente.
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Essa história não se fez, e portanto creio que não está nitidamente pôsto em evidência o seu espírito do justiça.
O que aqui tem sido debatido tem uma causa verdadeira e uma causa fictícia.
Durante a guerra publicou-se um decreto pelo qual o Poder Executivo tomou a deliberação de promover os oficiais que julgasse necessários para o serviço da mesma guerra.
Tratava-se, sem dúvida, duma necessidade obrigatória, porque a guerra trazia comsigo necessidades novas. A verdade, porém, é que à sombra dêsse decreto — que correspondia de facto, repito-o, a uma necessidade imperiosa — fizeram-se promoções que não oram precisas.
Eu não gosto do discutir apresentando, como corroboração do que afirmo, os factos que sucedem comigo próprio; mas neste caso cito como exemplo o que se passou com a minha pessoa, demonstrando assim a V. Ex.ª Sr. Presidente, e à Câmara que falo sempre com isenção, sem qualquer interêsse particular ou reservado.
Eu estava número 10 ou 12 para ser promovido a tenente-coronel e como as promoções eram aceleradas, ou estava-me preparando para seguir para França, por isso que são sempre os mais novos numa patente os primeiros chamados.
Mas num determinado dia — com grande assombro da minha parte — porque foi para mim uma verdadeira novidade — eu encontrei-me promovido a tenente-coronel, tendo uns 50 ou 60 camaradas à minha esquerda.
O que aconteceu comigo passou-se com muitos outros oficiais. E eu posso declarar à Câmara que nem eu nem a grande maioria dos meus camaradas tivemos a mínima interferência nestas promoções, porque as não pedimos.
É que era preciso favorecer algumas pessoas, livrando-as de ir para a guerra.
Daqui uma desigualdade tremenda nas promoções.
Os anos passaram, essa desigualdade mais se acentuou, e em determinado dia foi necessário remediar essas injustiças, porque o equilíbrio social e a disciplina militar, se não se mantém empregando a justiça absoluta, carecem essencialmente da justiça relativa, isto, é, da equidade.
Eu estou convencido de que o intuito do legislador da lei n.º 1:239 é aquele que fàcilmente transparece; mas, em vez de remediar o mal, como se propõe fazê-lo, antes o agrava, o que é verdadeiramente lamentável.
Êsse defeito, evidentemente, não pode ser atribuído à culpa dos oficiais do exército, mas sim a quem fez a lei.
Êste facto teve, como é natural, as suas consequências, e são essas consequências que a Câmara tem estado a discutir: o número exagerado de quadros e o congestionamento dêsses quadros.
Toda a gente tem apontado remédios para esta enfermidade de que sofre o exército; e a êsse respeito tenho ouvido referências a factos pessoais, que muito me têm magoado, porque, não concretizando as pessoas que se pretende alvejar, essas referências pode parecer que dizem respeito ao exército inteiro.
Eu, que me prezo de ser animado dum grande espírito de justiça, entendo que se há oficiais que cometeram irregularidades durante a guerra ou depois da guerra, aos meus ilustres colegas desta Câmara que a elas fizeram alusão assiste o dever de as tornarem públicas, a fim de que o Sr. Ministro da Guerra, como alto chefe do exército, proceda contra os delinquentes com a energia que exigem o brio e o decoro militares.
O Sr. António Fonseca afirmou nos seus artigos que tinham entrado oficiais a mais.
Donde vieram êsses oficiais a mais?
Também não sei bem responder a esta pregunta, embora não ignore que está funcionando na Escola de Guerra um curso de oficiais do secretariado militar, e que alguns dos alunos dêsse curso, em número de 40, que perderam o ano por falta de frequência, passados tempos foram promovidos a oficiais. Tenho visto também que são reintegrados algumas vezes oficiais e não conheço a razão dessas reintegrações.
Mas, venham como vierem, venham de onde vierem, o que é certo é que têm entrado oficiais a mais.
Diz-se que é necessário dar um remédio a êste facto.
Eu também quero apontar um dêsses remédios.
Antes, porém, de o fazer vou demons-
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trar à Câmara que aos artigos do Sr. António Fonseca — e foi êsse o motivo que me levou a fazer uma referência especial a S. Ex.ª — falta o espírito de justiça.
O projecto do Sr. António Fonseca faz a seguinte afirmação: que essas promoções a mais, que se fizeram nos vários postos, quadros e comandos, dão um aumento de 816 contos.
S. Ex.ª, para chegar a esta conclusão, confronta o estado actual dos quadros com a lei de 1911.
Interrupção do Sr. António Fonseca que não pode ser ouvida.
O Orador: — A minha argumentação é que se não fossem essas promoções o que se gastaria a menos eram 816 contos.
Creio bem que interpreto o pensamento de S. Ex.ª
Por consequência, há um desperdício de 816 contos.
S. Ex.ª apresentou a sua proposta quando eu ainda não tinha a honra de fazer parte da Câmara, e agora tenho visto faiar na constituição dos quadros conforme a legislação de 1911.
Àparte do Sr. António Fonseca.
O Orador: — O que se vê é que, mantendo-se a legislação em vigor com todos os seus quadros, há uma diferença de 816 contos.
Mas essa quantia, para a verba total dêste orçamento, não haverá ninguém nesta Câmara que não diga que representa um grão de areia a mais no deserto.
Interrupção do Sr. António Fonseca que não foi ouvida.
O Orador: — Sr. Presidente: o exército aceitou êsse excesso porque era lei do país, e não compreendo como agora, se lhe pretende lançar a responsabilidade disto.
O Sr. António Fonseca: — Perdão! Eu não lancei as responsabilidades ao exército; lancei-as às circunstâncias e ao Parlamento.
O Orador: — Mas então se as responsabilidades são do Parlamento e, porventura, do Govêrno, por que razão se faz referência apenas ao exército?
Porque razão se não fazem referências aos Ministros responsáveis?
Assim é que se faz justiça.
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª dá-me licença?
Como V. Ex.ª está orientando as suas considerações num sentido crítico às feitas por mim, devo dizer que quando V. Ex.ª ainda não fazia parte desta Câmara eu afirmei aqui bem claramente que não acusava ninguém, nem o exército, nem os Ministros, mas sim as circunstâncias, porque essas é que têm a principal responsabilidade.
O Orador: — Muito obrigado a V. Ex.ª pelo seu esclarecimento.
Sr. Presidente: as questões militares, porque são muito complexas, têm de ser estudadas em conjunto. E por que o Sr. António Fonseca assim não fez é que chegou a conclusões que têm um carácter muito particularista, um carácter que não é reservado, mas que lá fora, para as pessoas que não conhecem estas questões, dá a impressão de que se pretende magoar os oficiais do exército.
Ora eu estou convencido de que êsse não é o propósito da Câmara, nem do ilustre Deputado.
Apoiados.
Se V. Ex.ªs querem fazer obra útil e perfeita, se querem fazer obra que não dê a ninguém a suspeita de qualquer intenção reservada, então têm de fazer uma lei que por completo modifique o exército, à qual eu não tenho dúvida em me associar. Só assim se pode fazer obra útil, repito, e que não vá ferir susceptibilidades de ninguém.
De contrário, o que se pretende fazer é modificar o orçamento de maneira a que certos e determinados oficiais vão para casa, perdendo dinheiro.
O Sr. António Fonseca: — Mas ninguém propôs isso.
O Orador: — Perfeitamente, mas passam para supranumerários.
Sr. Presidente: eu devo dizer à Câmara que falo com a maior isenção, por isso que a situação de supranumerário em
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nada me vem afectar pessoalmente. Todavia, não deixo de reconhecer que isso representa uma injustiça.
Mas para um outro ponto desejo ainda chamar a atenção da Câmara.
Tem-se dito aqui que em certo regimento há setenta e tantos oficiais a mais, sem, contudo, se frisar se êles são do quadro activo ou miliciano.
Não quero com esta afirmação desdenhar dos milicianos, a quem reconheço todos os direitos; mas o que entendo é que seria uma injustiça muito grande que por motivo da aplicação desta lei. oficiais que fizeram as campanhas de África e França tivessem de passar para a situação de supranumerários e vissem os seus lugares dentro dos regimentos ocupados por milicianos.
Como V. Ex.ªs estão a ver, isto pode dar lugar às mais tremendas injustiças. V. Ex.ªs têm de estudar a questão em conjunto, e não cingirem-se apenas aos quadros, porque a parte fundamental não é essa.
Se o Parlamento quere fazer obra que nobilite o exército e dignifique a República, tem de elaborar uma lei que reforme tudo quanto diga respeito a organização militar.
V. Ex.ª tem na guarda republicana um efectivo de 12:000 homens, para quê?
Para estarem pulverizados pelo País fora sem que prestem serviço algum.
No orçamento encontra-se uma verba para a totalidade de 19:000 homens; mas se formos ver êsses regimentos não encontramos ninguém ou quási ninguém.
Para se fazer um trabalho perfeito é necessário fazer a remodelação dos serviços em conjunto.
É necessário que as escolas de recrutas funcionem como deve ser.
Licenceiem nos depois.
Nas épocas das escolas de repetição tornem a chamá-los, mas que as escolas de repetição se façam não como até aqui: um passeio de aldeia em aldeia, cantando canções, mas dando-lhes uma vida da guerra.
Também aqui se disse que era necessário para as estações de instrução criar três divisões.
Confesso que não sei como isso possa ser, principalmente com um carácter de permanência.
Isto com carácter de permanência não é mais do que uma cousa parecida com o comando em chefe. Creio que essa instituição não se coaduna com as necessidades do momento nem com as do regime.
Se é necessário desenvolver a instrução, se é necessário remodelar os quadros, faça-se tudo isso devagar, mas com regra e vontade; porque se assim se fizer, ninguém tem de que se queixar. Se, porventura, fôr prejudicado alguém, isso é consequência da própria vitalidade do exército.
O caso de que enferma o exército é o de ter sido remodelado por leis fragmentadas. Portanto, o remédio que se apresenta na proposta orçamental não me parece que sirva para alguma cousa.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (àparte): — E apenas uma mudança de rótulo!
O Sr. António Fonseca (interrompendo): — Mas há as consequências futuras!
O Orador: — Mas se as vantagens são futuras para que estamos a discutir já isto o não se espera por uma ocasião própria para se fazer um trabalho perfeito?
O que eu desejo é que alguma cousa se faça que dignifique o exército e a República.
Tenho dito.
O orador foi muito cumprimentado no final do seu discurso.
O discurso será publicado na íntegra, quando o orador haja revisto as notas taquigráficas.
O Sr. Dinis de Carvalho: — Sr. Presidente: vou referir-me a êste orçamento muito ligeiramente, porque, se lhe fizesse um demorado exame, levaria muito tempo à Câmara. E eu não desejo cansá-la.
Quem consultar o orçamento verifica que êle foi elaborado por quem da matéria não tinha o menor conhecimento.
Cita por exemplo o seguinte: mantém-se aqui a mesma organização da 5.ª Repartição, a qual, vejam V. Ex.ªs, já foi extinta em 1919.
O que digo com respeito à 5.ª Repartição sucede com outras cousas.
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Na farmácia do exército há um procurador do conselho que eu não sei que funções exerce.
Chamo também a atenção do Sr. Ministro da Guerra para o facto que se pode dar na farmácia do exército de amanhã o sub-director deixar de exercer as suas funções e ter de ser substituído por um capitão dando ordens a mais graduadas.
Reputo isto anti-disciplinar.
Eu tinha pensado em fazer várias propostas, mas dispenso-me de me dar a êsse trabalho, visto que seria tempo perdido, porque não seriam aceitas.
Também devo dizer que não existem hoje supranumerários na Administração Militar. Todos os oficiais pertenceu ao quadro efectivo.
Cumpre-me ainda chamar a atenção do Sr. Ministro da Guerra para o facto de vir aqui o quadro de enfermeiros militares com a indicação de serem 28, quando êles são apenas 21, acrescentando que devido ao mau recrutamento esta instituição não faz senão desprestigiar o exército, pois como está é inconveniente para o serviço e contrário à disciplina.
No quadro auxiliar dos serviços de saúde vêm indicados mais elementos do que aqueles que realmente existem.
Para os serviços veterinários, vejo aqui a verba de 50 contos destinada à compra de aparelhos para fazer ferraduras. Julgo que esta verba era dispensável, porque o preço das ferraduras fabricadas, até hoje no Hospital Veterinário é superior 50 por cento ao preço que custam as fabricadas nos corpos montados. Estas custam $40 e as fabricadas no Hospital Veterinário custam $60.
Não compreendo a razão; mas o facto dá-se.
O Sr. Pires Monteiro: — Tenho fundamentadas para poder afirmar que, uma vez montadas convenientemente as máquinas para fabrico de ferraduras no Hospital Veterinário, estas ficarão por um preço mais reduzido do que as que se adquirem cá fora.
O Orador: — Mas hoje saem mais caras as ferraduras no hospital.
O produto daquela diferença de 50 por cento poderia servir para custear a compra dos aparelhos; e, assim, esta verba de 50 contos deveria desaparecer.
Com respeito aos serviços de saúde verifico, com mágoa, que êles continuam a ser tratados por parte dos Poderes Públicos com um deprêzo absolutamente condenável.
Todos reconhecem a conveniência que há em tê-los convenientemente montados; mas, quando se pede aquilo de que êles realmente carecem, todos torcem o nariz.
O que está no orçamento não chega; mas não vejo que se procure aumentar a verba.
Não seria demasiado que se inscrevessem mais seis contos anuais.
Também vejo aqui suprimida a verba para abono de $50 diários aos ferradores.
Porque não foi igualmente suprimida a verba de $50, destinada aos cabos enfermeiros?
Fui sempre defensor da idea de que se devem dar as melhores vantagens às praças da companhia de saúde, visto que, de contrário, não teremos pessoal habilitado; mas na proposta de melhoramento dos vencimentos dos funcionários públicos já se atende á situação dos cabos enfermeiros, de modo que não se torna já necessária a verba de $50, verba que nenhuma lei autoriza, e que muitas vezes tem servido apenas para satisfazer simpatias e beneficiar afilhados.
Por consequência, desde que é retirada aos ferradores, entendo que também o deve ser aos cabos enfermeiros.
Com respeito à verba de 1:700 contos para os hospitais militares, devo dizer a V. Ex.ª que estou de acôrdo em achá-la demasiada.
Tanto assim é que há três meses ainda se não tinham despendido 1:000 contos e frequentemente os vários géneros e artigos tiveram os seus preços aumentados.
Não tenho dúvida de que, havendo boa administração, ainda serão mais reduzidas as despesas.
E, a propósito, devo referir-me à necessidade que há de evitar o excessivo número de baixas, que há aos hospitais militares, especialmente na época da encorporação, e que em 50 por cento, seguramente, nenhuma razão há para se da-
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rem, tanto mais que em cada unidade deve haver uma enfermaria regimental, havendo até uma gratificação especial para o respectivo médico.
Muitas praças, que só quando precisassem de um tratamento mais cuidado deveriam vir para os hospitais militares, nem sequer chegam a entrar nessas enfermarias regimentais, porque os colegas não estão para as aturar e ainda por outros motivos especiais, concorrendo assim apenas para o agravamento dos encargos hospitalares.
Para terminar, devo observar que o certo de 10 contos, feito na verba de material sanitário, se não justifica.
O Sr. Pires Monteiro (relator): — Eu mantive a proposta do Sr. Pinto da Fonseca, a êsse respeito.
O que fiz foi deminuir a verba destinada à aquisição de aparelhos para mutilados.
O Orador: — Desejaria que o global da verba ficasse íntegro, passando-se a material cirúrgico o que se retiraria do material para mutilados.
Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Pires Monteiro, relator.
O Orador: — Portanto, Sr. Presidente, terminando, direi que só desejo que estas minhas observações tivessem calado no ânimo do Sr. Ministro da Guerra, para que S. Ex.ª, que tanto tem cuidado da instrução militar, cuide também da disciplina, que bastante está faltando dentro do exército e que se tem evidenciado em factos frequentes que para quem anda nesta vida conhece perfeitamente.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: a dificuldade de discutir o orçamento, no tempo marcado pelo Regimento, provém de uma simples cousa: é que o orçamento deve ser um registo exacto de todos os fenómenos de despesa do Estado; e, como há inúmeras complicações a respeito de cada um dos problemas de administração pública, a hora própria para essas questões surgiram, no Parlamento, é evidentemente aquela em que se discute o orçamento.
Em tempos normais, em que ávida administrativa é regrada, cautelosa, em que não há largas transformações, nem dificuldades de adaptação, a discussão do orçamento é uma cousa simples e fácil, e podia-se fazer num curto prazo de tempo.
Simplesmente tudo está muito complicado, e tudo já muito baralhado pela guerra.
Com o tempo de que hoje dispomos, para lazer a discussão do orçamento, sucede que os orçamentos são aprovados, sem que a ninguém seja permitido discuti-los, que essa discussão se faça com tanta cautela o portanto de tal forma demorada que tenhamos de recorrer ao regime dos duodécimos.
Veja V. Ex.ª como qualquer destes dois aspectos é grave.
Ou não se discute, como aconteceu com o orçamento do Ministério da Agricultura, que foi aprovado em meia dúzia de minutos, ou faz-se uma discussão, demorada e isso impede que o orçamento esteja aprovado nos prazos legais.
Não podendo nós fazer nem uma cousa nem outra, procuramos apenas varrer a nossa testada.
Sr. Presidente: a discussão levantada pelo Sr. António Fonseca tem absoluta razão de ser.
O que foi que S. Ex.ª disse?
O facto é que por meio de circulares, de decretos, por todos os meios, até na discussão do orçamento só tem alargado os quadros.
O que é que se pretende? O que pretende o Sr. António Fonseca?
Pretende que o orçamento seja o que de deve ser.
Sob o ponto de vista em que S. Ex.ª argumenta, eu estou de acôrdo: o orçamento tem apenas que registar os quadros que as leis publicam.
Não há mal sem remédio; e eu vou fazer algumas considerações.
Verifica-se que os quadros estão imensamente excedidos em relação aos quadros de 1911.
Há duas soluções para êste caso.
Uma das causas do congestionamento é o objecto dum dos considerandos do parecer n.º 408-A.
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A Escola do Exército devia estar fechada para os oficiais cujos quadros estão excedidos.
Os Srs. Brito Camacho e Júlio Ribeiro já apresentaram projectos nesse sentido, promovendo a passagem do exército da metrópole ao colonial, que deve ser criado.
É preciso que os oficiais se convençam da própria utilidade da sua missão, para que os oficiais se não aproveitem da sua situação, disse há pouco com extraordinário brilho o Sr. coronel Rodrigues.
O que é necessário é que a sua actividade seja devidamente empregada, e êles não pesem, no orçamento apenas como despesa.
Lembrarei ao Sr. Ministro da Guerra, um dos mais brilhantes espíritos militares do País, e professor militar, que não é de mais que se estude a fixação dos quadros.
Não é demais lembrar que é preciso tratar dêstes aspectos: é preciso dar ao oficial um emprêgo condigno.
Doutra maneira pode o orçamento ser um registo completo das leis em vigor; mas o que não há dúvida nenhuma é de que o exército se encontra em situação anormalíssima.
É necessário que não se continue a dizer que êle não é preciso em tam grande número, e antes que êle é útil, sim, para a Pátria e para a República.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: vem a propósito reproduzir a frase, proferida há sessenta anos já, por um Ministro das Finanças francês: «C'est la guerre et toujours la guerre qui reduit aux budgets».
A glória tem o seu preço; aos povos fica sempre muito cara, mas é um mar em que até os naufrágios seduzem!
A espantosa despesa ordinária e extraordinária com o Ministério da Guerra que, na proposta orçamental do ano económico de 1922-1923, era de 103:640. 615$56 e foi elevada pela comissão do Orçamento em mais 15:295:057$40, figura no orçamento de 1923-1924 com a cifra de 139:287. 215$65!
Estando as receitas gerais do Estado orçadas em 674:074. 163$06 só o Ministério da Guerra absorverá 20 por cento destas receitas!
E como as do Ministério da Marinha estão computadas em 47:645. 573$60, as despesas dos dois Ministérios, num total de 186:932. 789$25, representam nada menos de 28 por cento de todas as receitas previstas!
E, apesar disto não há material, não há munições, não há a bem dizer instrução, porque, diz-se, as suas verbas são insuficientes.
Em contraste, fazendo o confronto com as despesas produtivas, chega-se a uma conclusão eloquentemente significativa.
O Ministério da Agricultura absorve apenas 3,8 por cento das receitas e 3,1 por cento das despesas totais.
E, apesar disto, o Ministério da Agricultura — tam importante e que tam útil podia vir a ser ao fomento nacional — está condenado a desaparecer!
É assim que a República administra o Estado: suprimindo o útil e produtivo e mantendo; e agravando o inútil e supérfluo!
Apoiados.
Não estranhe a Câmara e não estranhem especialmente os militares que dela fazem parte, que eu intervenha num assunto em que sou leigo, metendo assim foice em seara alheia.
O precedente da intervenção de civis na discussão de assuntos militares está há muito tempo estabelecido.
E, desde que aqui me encontro, vários parlamentares que não pertencem ao exército têm versado desenvolvidamente assuntos militares.
É que, com efeito, em certos casos, como acentuou o Sr. António Fonseca, é um mal de funestas consequências deixar ùnicamente a cada classe o cuidado de organizar a sua própria legislação.
Apoiados.
Não irei, porém, intrometer-me detalhadamente em assuntos de carácter técnico. Como jurista que sou, encarei os importantes problemas em debate especialmente sob o sou aspecto legal, tanto mais que êle é interessante e ainda não foi versado com o desenvolvimento merecido.
O ponto jurídico palpitante consiste em saber se no orçamento podem ser incluí-
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das dotações para serviços ou lugares que não tenham sido previamente criados por lei.
São bem expressas a êste respeito as normas da contabilidade estabelecida no regulamento de 29 de Agosto de 1881, que, à semelhança do regulamento, de 4 de Janeiro de 1870, dos decretos franceses de 31 de Maio de 1862 e 12 de Dezembro do 1863, determina que «o Orçamento Geral do Estado é o documento onde são previstas e computadas as receitas e despesas anuais, competentemente autorizadas».
E a lei de meios de 9 de Setembro de 1908 no seu artigo 11.º ainda é mais explícita, pois que define do seguinte modo:
«A lei da receita e despesa que aprova o Orçamento Geral do Estado, autoriza a arrecadação das receitas e descreve as despesas do Estado constantes das leis preexistentes».
E o artigo 44.º proíbe o pagamento de vencimentos por nomeações, promoções, etc., sem que tenham sido previamente fixados em lei.
Ainda o regulamento de 1881 proíbe a inclusão no orçamento do Estado de toda e qualquer alteração nos quadros e vencimentos dos funcionários das diversas repartições dos serviços públicos, sem lei especial que o autorize.
Nenhuma alteração faz a semelhantes disposições o decreto n.º 5:519 nem qualquer outro diploma da legislação atrabiliária da República.
Nestas condições, leigos e profissionais verificam que não pode haver dúvida de que a lei é bem expressa.
Apoiados.
A mesma é a orientação da doutrina. O orçamento é simplesmente o rol das receitas e das despesas, dizem uns; é o repositório das dotações dos serviços, dizem outros; é, na frase de Jennerk, o plano de gestão; «destina-se a verificar a conformidade das verbas inscritas com as leis vigentes».
E, se assim não fôsse, fácil seria compreender os inconvenientes, os gravíssimos perigos que resultariam, dada a própria estructura do Orçamento, e a inteira impossibilidade da sua análise, discriminar muitas verbas; acrescendo a circunstância comprovadamente gravíssima do modo como, na República, se discutem e votam os orçamentos.
Assente isto, vejamos o que se fez.
A comissão do orçamento que elaborou o parecer n.º 71-(d) do anno passado, declarou: que não se devem esquecer os recursos financeiros do País, que então, mais do que nunca, deviam ser atendidos; que o País não pode suportar as despesas resultantes da actual organização; que temos mais unidades, e que os quadros dos oficiais e graduados estavam completos e até excedidos.
Pois, apesar destas formais e significativas afirmações, como entendeu a comissão devia sanar os males que apontou? Do seguinte modo: elevando pelo menos a 4:618 o número de oficiais do exército (3:174 do quadro efectivo e 1:444 supranumerários) que na proposta orçamental era de 3:958!! Aumentou em nada menos 760 o número de oficiais do quadro permanente que confessara estar excedido em muito!!
Os argumentos que a comissão propôs foram, entre outros: engenharia, mais 31 oficiais no quadro e menos 9 supranumerários; cavalaria, mais 11 oficiais no quadro e menos 8 supranumerários; infantaria, mais 32 no quadro e mais 87 supranumerários; serviço de saúde, mais 34 do quadro e menos 28 supranumerários; veterinários, mais 40; administração militar e seu quadro auxiliar, mais 153 no quadro e menos 88 supranumerários, etc.
Pois, a parte republicana da Câmara dos Deputados acoitou tudo isto como bom; e não o discutiu sequer; aprovou-o numa enternecedora unidade de vistas republicanas! Rejeitou o apenas a minoria monárquica; e não o discutiu, porque, pelos motivos constantes de uma declaração que previamente enviara para a Mesa, motivada no facto do não querer colaborar em mistificações, não interveio no ano passado, na discussão do Orçamento.
E, entretanto, constituiu um verdadeiro escândalo o que se praticou.
Disse o Sr. Ministro da Guerra que provavelmente a comissão do orçamento se teria baseado, quanto à Administração Militar e a um outro serviço, em disposição legal que deixara a fixação do quadro dependente de deliberação parlamentar. Sôbre o assunto foram publicados,
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com efeito, nos imortais 30 suplementos ao Diário do Govêrno de 10 de Maio de 1919, entre outros, os seguintes decretos:
N.º 5:787 G., G., G., G., G., G., publicado na página 1:346 P., P., P., P., P., P., P., P., P., do Diário do Govêrno;
N.º 5:787 J., J., J., publicado na página 1:346 Q., Q., Q., Q., do Diário do Govêrno;
N.º 5:787 Q., Q., Q., Q., Q., Q., na pagina 1:346 Z., Z., Z., Z., Z., Z., Z., Z., Z., do Diário do Govêrno.
Com eleito, o socando decreto, no artigo 23.º e o terceiro, no artigo 22.º deixaram a fixação dos quadros dependentes de deliberação parlamentar. Mas evidentemente que, pelas razões que expôs, os quadros só podem ser fixados em lei especial e não no orçamento.
O Sr. Pinto da Fonseca: — O quadro dos serviços farmacêuticos foi fixado por lei posterior ao decreto.
O Orador: — Mas não foram o da Administração Militar e os outros, e o que se fez quanto aos farmacêuticos demonstra bem que se entendeu que só lei especial, o não o orçamento, podia fixar os quadros.
Apoiados.
Cometeu-se, portanto, uma tremenda arbitrariedade que fica cara à nação e desprestigia o exército.
Pois saiba a Câmara e saiba, o país que, longe do se ter procurado remediar a tremenda ilegalidade cometida ou neutralizar os seus efeitos, no corrente ano, pretendeu-se agravá-la ainda mais.
Primeiramente apareceu uma edição bera do parecer n.º 411-(e), que o próprio Ministro da Guerra enjeitou. Neste parecer, que baixou aos sarcófagos das comissões, mais uma vez se disse que as despesas do Ministério da Guerra constituem, uma cifra aterradora, que a comissão desejava ver muito reduzida, por assim o exigirem os supremos interêsses da nação e os actuais recursos financeiros do Estado. E acrescenta que as despesas deste Ministério «podem e devem urgentemente ser reduzidas».
Falou como um livre aberto! Mas, virando a fôlha; a insaciável comissão do Orçamento punha em prática a urgência...apressando-se a fazer um aumento do 32 oficiais no quadro dos médicos contra menos 6 nos supranumerários e mais 40 no quadro dos veterinários contra apenas menos 11 nos supranumerários!
O Sr. Pinto da Fonseca: — É preciso averiguar se não eram necessários.
O Orador: — Tanto não o eram e tam ilegal era a sua inclusão no orçamento que êles vêm eliminados no novo parecer. E como eram precisos mais 40 veterinários se no mesmo parecer que os estabelecia se reduziam a 6:680 os 7:080 solípedes indicados na proposta ministerial? Então a necessidade dos veterinários está na razão inversa do número de cavalos?
É assombroso tudo isto!
Iniciada a discussão do orçamento do Ministério da Guerra, surgiu, além da proposta do Ministro para que ela voltasse à comissão, a proposta do Sr. António Fonseca, que em síntese, mandava reduzir os quadros ao que as leis em vigor fixam e passar a supranumerários os excedentes, e preconizava uma nova reorganização do exército. Aprovada ela, a comissão do Orçamento, escolhendo outro relator, elaborou novo parecer. É a segunda edição do parecer n.º 411-(e). E aí, com as costumadas reservas republicanas, pinta-se a situação em termos tais que são suficientes para se concluir o caos, a «orientação anarquizante que o regime tem imprimido aos serviços do exército».
Êste parecer suprimiu as verbas destinadas a 239 oficiais do quadro efectivo e 244 supranumerários; que figuravam ilegalmente na proposta orçamental, mas que de facto ainda não estavam promovidos.
Quanto aos demais, isto é, quanto aos que excediam o quadro dos efectivos, o parecer propõe á sua passagem a supranumerários, ficando assim ainda, segundo o mapa B. 2:935 efectivos e 1:200 supranumerários, ou seja o total de 4:135 oficiais, no exército metropolitano! Pois, mesmo sem contar 417 milicianos, o número legal de oficiais ainda fica excedido em muito mais de 1:000!
Não se pode fixar precisamente a cifra, porque se dá a circunstância curiosa
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de serem desencontrados e imprecisos os dados a êste respeito. Assim, ao passo que o primeiro parecer diz que existiam, sem incluir milicianos, 1:439 oficiais a mais no quadro permanente, o Sr. António Fonseca computou o seu número em 1:791.
Parece-me, porém, que estas críticas são, talvez, inferiores à realidade. Mas não haja ilusões. Se é certo que o novo parecer elimina as verbas destinadas a permitir a promoção de 483 oficiais que do facto ainda só não tinham dado, mas que se pretendia levar a efeito pela porta falsa do Orçamento, certo é também que, quanto ao número de oficiais já existente em grande excesso, não o reduziu: limitou-se a evitar promoções e a fazer uma mudança de rótulo, que, como no ano passado reconheceu o Sr. Pinto da Fonseca, nada representa para o Tesouro Público.
Sim, porque a passagem de electivos para supranumerários não altera os vencimentos desde que estejam, como estão, em exercício; influi apenas no modo de promoção à patente imediata. E assim, nesta parte, não sofre redução a verba do excesso ilegal de despesa originada pela referida pletora, e que está computada num total de mais de perto de 16:000 contos.
Convém notar ainda que a nova tabela do oficiais que só pretende estabelecer pelo mapa B está errada, pelo menos quanto aos supranumerários do quadro auxiliar de engenharia, visto que os que de facto existem são mais do que os ali indicados.
E não se compreende que, não se querendo abater os galões aos oficiais ilegalmente promovidos, por outro lado as desigualdades se elevam ao ponto de não estar sequer preenchido o quadro legal dos efectivos do mesmo serviço auxiliar.
Apoiados.
Uma das causas do gravíssimo mal, de que se vem ocupando, está na vergonhosa lei n.º 1:239, de 24 de Fevereiro de 1922, e dos escandalosos incidentes em torno dela ocorridos, e cujo principal responsável foi o general Sr. Correia Barreto, então Ministro da Guerra e agora Presidente do Senado e director do Arsesal do Exército, com dispensa do limite deidade, graças a uma imoral lei de favor votada na ausência da minoria monárquica!
A propósito da interpretação do artigo 32.º da Constituïção Política, foi a lei n.º 1:239 largamente discutida durante inúmeras sessões, quer quanto à sua validade, quer pelo que respeita à legitimidade e efeitos das suas disposições. O debate foi longo.
Nele intervieram militares e jurisconsultos dos vários lados da Câmara. E a conclusão a que todos chegaram foi a de que semelhante lei era inconstitucional, devido a não poder ser considerada daquelas que o artigo 32.º da Constituïção dispensa do votação de uma das Câmaras, decorrido que seja certo prazo. E neste sentido foi votada uma moção. Inteira unanimidade de vistas houve também quanto à necessidade de ela ser imediatamente suspensa, pois que, visando a determinadas equiparações, agravava de facto certas injustiças o vinha aumentar esta espantosa anomalia: subalternos a menos e oficiais superiores a mais!
Apoiados.
Os Srs. António Maia e Lelo Portela apresentaram projectos suspendendo a lei.
A comissão de guerra deu-lhes parecer favorável, servindo de relator o actual Ministro da Guerra.
E o que fez o Sr. Correia Barreto?!
O Sr. Barreto, que já antes mandara publicar, ou fora levado a mandar publicar, a famosa lei, precipitadamente, com todas as recomendações de urgência, no Diário do Govêrno, não teve escrúpulo, que o mais elementar dever moral e o próprio instinto de defesa impunham, de fazer sair a toda a pressa a Ordem do Exército em que precisamente ao abrigo da condenada lei n.º 1:239 eram promovidos de entrada 124 coronéis, 115 tenentes-coronéis e mais de 30 majores! E isto foi feito tam precipitadamente que, segundo declarou o Sr. Pinto da Fonseca, não foi possível fazer logo todas as promoções a que a lei dava logar, porque não chegaram a tempo ao Ministério da Guerra todas as informações necessárias.
Apoiados.
E isto fez-se, a Ordem do Exército foi publicada depois de a Câmara ter aprovado, creio que por unanimidade, a mo-
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ção que considerava inconstitucional a lei n.º 1:239, e depois de a comissão de guerra ter dado parecer favorável à sua suspensão imediata.
Veja a Câmara, veja o País como todos os indícios, todas as provas se conjugam no tremendo corpo de delito que em tudo esmaga a administração republicana, ora ruinosa, ora imoral.
A situação embaraçosa, o verdadeiro gâchis que êste escandaloso procedimento criou ao Parlamento, vieram alongar ainda mais o debato e dificultar enormemente a solução.
Da parte dos republicanos de todos os matizes, em vez da acrimónia contra o Ministro, partiu um unânime ou quási unânime protesto de muita consideração pessoal e demais partes, embora vários tivessem estranhado e censurado a forma precipitada como na Ordem do Exército foram feitas as promoções.
Apenas os Srs. Joaquim Ribeiro, António Maia e Agatão Lança declararam que tinham a informação de que tinha havido serão na Secretaria da Guerra para se apressarem as promoções e que houvera gratificações para ser abreviada a impressão da Ordem do Exército. Só a minoria monárquica, por intermédio do brilhante parlamentar Sr. Morais Carvalho, pôs a questão no seu verdadeiro lugar, censurando energicamente o espantoso procedimento do Ministro Sr. Barreto.
Apoiados.
Dividiram-se as opiniões quanto à solução a dar à situação de facto criada.
Assim, ao passo que os Srs. Pereira Bastos, Álvaro de Castro e Sá Cardoso opinaram que não se podia fazer voltar à situação anterior os oficiais promovidos, os Srs. Almeida Ribeiro, António Maia, Rocha Saraiva, Agatão Lança e Lelo Portela manifestaram-se no sentido contrário, tendo os Srs. António Maia e Lelo Portela apontado vários precedentes.
E então o Sr. Barreto, alarmado com a atitude de parte da Câmara, vendo perigar a sua inédita manobra, levou a sua audácia ao cúmulo: pôs a questão política!
Declarou que se a Câmara despromovesse os oficiais êle abandonaria o Govêrno!
O Sr. António Maria da Silva, instado pelo Sr. Moura Pinto para se pronunciar, secundou o Sr. Correia Barreto!
Era a pasta do Ministro servindo de escudo a uma imoralidade.
Apoiados da direita.
O ardiloso truc produziu o desejado efeito.
A tempestade amainou como por encanto, houve os costumados salamaleques da oposição republicana, e o Sr. António Maria da Silva, fértil na imaginação de tais expedientes para se aguentar no Poder, ganhou mais uma vez a partida!
Lá arrumaram o caso com a condição de que os oficiais promovidos pela lei n.º 1:239 perceberiam apenas os vencimentos da patente anterior. Assim se evitava o que chamavam o vexame da despromoção e se ressalvavam os interêsses do Tesouro.
Mais expressa ficou esta condição na lei n.º 1:250, de 6 de Abril de 1922, que anulou a lei n.º 1:239, e na lei n.º 1:340, de 25 de Agosto do mesmo ano, como acertadamente acentuou nos interessantes artigos que publicou no Século o Sr. António Fonseca, a quem presto homenagem pela sua atitude no caso em debate.
Pois, apesar de tudo isto, surgiram depois as tentativas, aliás fáceis de prever, para que aos oficiais promovidos fossem dados os vencimentos correspondentes às suas novas patentes.
A Contabilidade duas vezes se opôs.
O Ministro — sempre o Sr. Barreto — ouviu por duas vezes a Procuradoria Geral da República. Esta deu sempre parecer contrário. O Sr. Correia Barreto conformou-se, por despacho, com êstes pareceres.
Como mostrou aquele ilustre Deputado, terceira tentativa surgiu da parte dos serviços administrativos. E, então, o Ministro da Guerra — ainda o Sr. Barreto! — atropelando a lei, desprezando os pareceres da Contabilidade e da Procuradoria da República...
O Sr. António Fonseca: — E os seus próprios despachos...
O Orador: — Mandou pagar os vencimentos correspondentes às novas patentes alcançadas ao abrigo da decantada lei n.º 1:239! Se isto, em relação ao total de 639 oficiais promovidos por êle, tem im-
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portância para o Tesouro, por que equivale a um aumento de despesa superior a 800 contos, maior importância tem ainda como sintonia do estudo de degradação a que se chegou em regime republicano. É demais! E, como é demais o castigo que o Parlamento da República aplicou ao general Sr. Correia Barreto consistiu...em o consentir no logar de director do Arsenal do Exército, com automóvel e tudo, além da idade que a lei marca para a reforma!
Apoiados.
Como cerejas, os escândalos da República vêm uns atrás dos outros.
Disse já que o novo parecer da Comissão de Orçamento, relatado pelo Sr. Pires Monteiro, se limita a suprimir os oficiais, ou então, as dotações para oficiais...que não existem, e quanto aos restantes que excedem os quadros do efectivo, passou-os para supranumerários, dizendo que o Sr. Ministro da Guerra tem meios, nas suas atribuïções, para deminuir os prejuízos orçamentais de semelhante situação, pois poderá reduzir ao fixado nos quadros o preenchimento dos respectivos comandos e comissões e atender aos serviços essenciais com o número mínimo de oficiais e graduados que necessitem para o seu preenchimento. Os excedentes ficariam sem exercício.
Com efeito, os artigos 3.º e 8.º do decreto n.º 5:570, de 10 de Maio de 1919, determinavam que há sôldos, gratificações e ajudas de custo e que as gratificações são de patente, serviço e comissão; e o § 2.º do artigo 3.º estabelece que as gratificações de serviço e de comando ou comissão só são abonadas pelo desempenho efectivo dos serviços ou comissões que são destinadas a remunerar. De modo que, não se querendo adoptar solução mais radical, parece que o Sr. Ministro bem fará em aproveitar o alvitre da comissão, estudando o modo de o tornar eficaz e pondo-o em prática sem hesitações. Daí resultará uma certa economia para o Estado, evitar-se há o inconveniente que muitos encontram na prática que se está seguindo de se não respeitar a relação entre a patente e a função, e não se dará a anomalia autenticamente republicana do se criarem serviços ou comissões destinados a oficiais que existam a mais, como sucede, por exemplo, com um projecto apresentado para dar que fazer a dois capitães.
Os oficiais, desembaraçados dos ocupações profissionais, encontrarão fàcilmente na vida civil compensação larga para suprir as gratificações do exercício, e, em muitos, o estímulo e os interêsses criados podem até despertar o desejo do abandono voluntário da vida militar. Não sucederá assim? Digam-no os técnicos.
Também o general Sr. Pereira Bastos apreciou várias soluções que têm sido indicadas para o descongestionamento do exército metropolitano. Julgou-as S. Ex.ª quási todas ineficazes.
Não estou de acôrdo. Bem sei que muitas delas, por si só, não são suficientes; mas todas ou quási todas, adoptadas em conjunto, podem dar resultado. A votação do projecto do Sr. Plínio Silva, destinado ao estabelecimento de uma agência encarregada de obter colocações, igualmente ou mais remuneradora em qualquer das múltiplas modalidades da vida civil, para os oficiais que o desejassem, o preenchimento de certos logares do ultramar de preferência por oficiais do exército, o seu emprêgo nos serviços do projectado cadastro da propriedade, que se torna indispensável, etc., são soluções que podem, sem dúvida, remediar em grande, parte a irregularíssima situação criada.
Apoiados.
Os meios directos, como sejam a selecção por provas gerais, ou afastamento, com vencimentos, durante o tempo provavelmente necessário para obterem outra colocação, como se terá de fazer quando forem reduzidos os quadros do outro funcionalismo, são porventura mais eficazes; mas os anteriormente apontados recomendam-se de preferência como tentativa, por serem mais suaves.
A solução que muitos do métier preconizam como mais eficaz consiste, na expressão do Sr. Pereira Bastos, em obrigai- os oficiais a trabalhar. E como meio mais excelente para êste fim, apontam-se as escolas de repetição, que há anos se não realizam.
Para mim, leigo e civil, a primeira impressão causada pela revelação de que é preciso dar trabalho aos oficiais foi de agradável surpresa, pois que estava convencido de que aos oficiais não faltava que fazer. Mas, depois, convenci-me de
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que o ilustre Deputado que em tais termos se exprimia quis significar a vantagem que, para a selecção do aptidões físicas e profissionais, advém de uma mais intensa vida do quartel e das provas a que obrigam as escolas de repetição.
Emfim, tudo o que tenda a uma justa e equitativa selecção é digno de ser ponderado. Menos oficiais, só os indispensáveis, mais bem pagos, é o dilema. Além de muitas outras vantagens, resultará a de não os haver que evitem ser colocados em unidades onde o serviço mais os prenda, a fim de poderem procurar cá fora outros recursos, indispensáveis para viver.
Apoiados.
Ouvi dizer e repetir que as ambições do oficial são os galões, é subir, é comandar; que sem promoções não haveria exército e que é indispensável antes de tudo uma lei de promoções.
O Sr. Pereira Bastos: — Eu não quis dizer que os oficiais tivessem ùnicamente essa preocupação, que, de resto, é absolutamente legítima.
O Orador: — De acôrdo desde que se respeitem as leis. Mas, como ou ia dizer, as palavras de V. Ex.ª, de que tomei nota, traíram o seu pensamento. E a prova está em que V. Ex.ª declarou aqui, no ano passado, que a ambição primordial do exército é servir a sua Pátria. Tenho a convicção de que assim sucede, e disto êle tem dado provas; mas, com efeito, não podemos levar o seu puritanismo ao ponto de o supormos obrigado a renunciar a outras aspirações legítimas, que não consistem em obter promoções ilegais e não levem, à existência de um exército...de oficiais, e que, como os de reserva, reformados e milicianos, se elevam já a cêrca de 10:000!
Tenho ouvido apregoar repetidamente o decreto de 25 de Maio de 1911 como um padrão de glória da República. Chamou-lhe o Sr. Tôrres Garcia um dos diplomas as mais notáveis, salientando especialmente as vantagens do regime miliciano por elo introduzido no exército, importado da Suíça, ou mais pròpriamente, copiado da Suíça. Ora, se o tempo mo permitisse, mostraria detalhadamente à Câmara, baseado na opinião insuspeita de técnicos abalizadíssimos, autênticos valores no exército português, os defeitos do tal sistema, tal como está organizado, e os gravíssimos inconvenientes a que tem dado lugar. Indicaria também, se me permitissem o arrojo, a solução para o mal, para a gravo crise que atravessa o exército, apesar do valor, do prestígio e da boa vontade de muitos dos seus componentes.
Mostraria que, como escreveu um ilustre oficial, o decreto de 1911 «nos anulou militarmente o financeiramente, e tem sido um dos principais factores da nossa ruína».
Mas deu a hora; e como, até segundo a opinião do um técnico ilustre, a reorganização de 1911 faz endoidecer, é à altura de dar por findas as minhas modestas considerações para não correr semelhante risco.
Vozes: — Muito bem! Muito bem!
O orador foi cumprimentado pelos Deputados da extrema direita.
O Sr. Presidente: — Estão suspensos os trabalhos, e a sessão reabre às 21 horas.
Está levantada a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente (às 21 horas e 55 minutos): — Está reaberta a sessão.
O Sr. Pinto da Fonseca: — Sr. Presidente: sempre que nesta Câmara vem à discussão qualquer proposta ou projecto de lei sôbre assuntos militares, é certo que se trava um debate mais ou menos violento, mais ou menos agitado, e por vezes apaixonado, de que nem sempre resulta qualquer cousa de mais útil para o país ou para as instituições militares, mas que traz como consequência a deminuïção do prestígio do exército.
Discute-se o orçamento do Ministério da Guerra, orçamento que já apaixonou uma parte da opinião pública, em resultado do longo debate aqui feito, quando da primeira vez veio à discussão esta proposta de lei, e principalmente em artigos publicados nos jornais, onde se faziam referências ao exército e se citavam factos nem sempre exactos, e de onde se tiravam conclusões que não são legítimas.
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Para não tomar muito tempo à Câmara, dispenso-me de apreciar artigo por artigo os que foram publicados pelo Sr. António Fonseca. Todavia, eu não posso deixar de me referir a um dos assuntos neles tratados, porque, sob o aspecto em que é apresentado, parece ser duma grande gravidado, quando, de resto, não tem importância nenhuma.
S. Ex.ª o Sr. António Fonseca, no seu artigo publicado ontem, faz uma crítica sôbre a forma como se liquidam as várias contas do exército, como se faz o processo o a aplicação das diferentes verbas. E citava o facto de ter visto uma verba destinada a pagamento de pré que era consumida na alimentação.
Conquanto seja oficial da administração militar, quadro a que pertenço há vinte anos, poucas vezes, na minha já longa carreira, tenho exercido o papel de oficial do processo. Portanto, não vou defender actos a que porventura esteja ligado o meu nome.
Os títulos vão ao processo ao Ministério da Guerra, onde são verificados e liquidados pelo respectivo oficial da administração militar, e baixam depois à repartição de contabilidade, que não é da administração militar, mas que é uma repartição do funcionários civis subordinada ao Ministério das Finanças, repartição que faz a aplicação, segundo o destino que têm, das respectivas importâncias e os lançamentos em couta corrente.
Ora o Sr. António Fonseca só poderia ter visto que essa verba se destinava a pré por qualquer nota em que, porventura, o comandante do estabelecimento militar fizesse sentir a necessidade e urgência dessa verba ter sido aplicada à alimentação, por ainda não ter recebido a importância respectiva.
Em volta dêste facto pretende-se tirar conclusões que não são legítimas e regulares, o que delas só pode resultar o agravar o exército.
Sr. Presidente: todas as vezes que se têm discutido assuntos militares nesta Câmara tenho sido sempre um dos militares, visado por vezes, que tem tomado, parte nesses debates, chegando por vezes a ser considerado como suspeito do que estou aqui não a defender os altos interêsses do país, porventura até os da instituição militar, mas os interêsses dêste ou daquele quadro, ou daquele que me interessa directamente. É por isso necessário e indispensável que, cada um de nós diga aquilo que tem a dizer para assumir inteira responsabilidade das suas palavras o dos seus actos.
Diz o ilustre relator dêste orçamento, Sr. Pires Monteiro, no primeiro período do seu parecer, que foi a comissão do Orçamento coagida a escolher um novo relator por o primeiro estar impedido de o ser. A simples vista parece que estava em outra comissão de serviço afastado da Câmara.
É natural que S. Ex.ª, amável como é, escrevesse êste período com o fim de me deixar ao abrigo de qualquer suspeita ou de que eu pudesse ser considerado menos competente para relatar de novo a proposta orçamental.
De facto, se a intenção foi essa, eu só tenho de lho agradecer, mas a verdade é que se não passaram assim os factos.
Eu disse aqui bem claramente que não concordando nem aceitando a moção do Sr. António Fonseca, não podia relatar novamente a proposta orçamental, a não ser que a comissão do Orçamento concordasse com os meus pontos de vista. Seguidamente procurei conseguir reunir a comissão do Orçamento para com ela trocar impressões.
Devo dizer que nessa altura já estava substituído na comissão do Orçamento, mas eu, que não queria reassumir o meu lugar nessa comissão sem saber a opinião da maioria da comissão, pedi a sua reunião para se manifestar sôbre a orientação que devia ter o novo parecer a apresentar à Câmara.
Quando reunimos foi precisamente o Sr. Pires Monteiro que apresentou uma questão provia sôbre se eu podia ou não assistir a essa reunião, visto que já não pertencia a essa comissão. Apresentada esta questão prévia, eu não tinha outra cousa a fazer senão abandonar a comissão e entregar os documentos que tinha em meu poder ao Sr. presidente da mesma comissão.
O Sr. Pires Monteiro: — V. Ex.ª não me informou das condições em que estava nossa reunião da comissão, porque se mo tivesse dito particularmente, ou não teria apresentado essa questão prévia.
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Levantei essa questão prévia não só em relação a V. Ex.ª como ao Sr. Abílio Marçal porque não sabia em que condições se apresentavam.
O Orador: — Eu faço justiça a V. Ex.ª de que não apresentou essa questão prévia com o fim de me expulsar da comissão.
O que é certo é que eu tinha feito a declaração de que não relataria, segundo a orientação expressa na moção do Sr. António Fonseca. Portanto eu não relatei por dois motivos: por já não pertencer à comissão do Orçamento, e por não concordar com a moção do Sr. António Fonseca.
Depois de algumas palavras amáveis que me dirigiu o novo relator do orçamento, palavras que aproveito a ocasião para lhe agradecer, diz S. Ex.ª que o primeiro parecer de que eu tenho a honra de ser autor, era mantido integralmente no parecer apresentado por S. Ex.ª Ora eu tenho a impressão do contrário; e acho que S. Ex.ª seria mais exacto dizendo que o tinha pôsto absolutamente de parte.
Mas isto não me magoa, nem significa para mim menos consideração, porque conhecendo eu bem o temperamento do Sr. Pires Monteiro sei que êle, em regra, está em oposição; e até quando não tem com quem estar em oposição, o está comsigo mesmo.
Já por mais duma vez eu expus à Câmara, e julgo necessário tornar a fazê-lo, qual a razão por que foram fixados os quadros do exército no orçamento que está em vigor.
Depois da organização de 1911 foram publicados vários diplomas legais e decretos que criavam organismos e novos lugares dentro do exército. Quadros houve que, à medida que se publicavam essas várias disposições legais, se iam actualizando, ao passo que outros se mantinham.
Isso deu em resultado que na proposta orçamental apresentada nos últimos anos, os quadros não eram os de 1911, raros eram os que estavam actualizados e outros, eram de 1917.
Entendi eu, e julgo que bem não obstante a opinião em contrário o autorizada de vários Srs. Deputados (mas para mim mais autorizada é a da Procuradoria Geral da República), entendo eu, digo, que, tendo sido publicadas essas várias disposições legais que criavam diferentes lugares e organismos do exército, os quadros podiam ser fixados. E foi por isso que eu apresentei a proposta para a fixação dos quadros para o ano de 1922-1923.
Temos mais alterações ao artigo 152.º e muitas outras que me dispenso de referir à Câmara para não perder tempo.
Não foi, portanto, um princípio novo estabelecido entre nós. A própria organização do exército tinha sido alterada por intermédio do orçamento. Foi por essa razão e em atenção aos princípios que acabo de referir que eu me permiti apresentar a idea da fixação dos quadros. O que eu não posso, Sr. Presidente, é concordar com o parecer agora apresentado pela comissão do Orçamento, de que é relator o ilustre Deputado Sr. Pires Monteiro, a qual apresentou uns quadros que não são os de 1911 nem os de 1923.
Quere dizer, mantém-se precisamente a mesma desigualdade que existia em 1922, o que me levou a expor o alvitre da fixação dos quadros.
Seria então preferível o aceitar-se a organização de 1911. Ficariam todos os quadros absolutamente em igualdade de circunstâncias.
O Sr. António Maia: — Não foram disposições legais que alteraram êsses quadros?
O Orador: — O ilustre relator manifestou a necessidade da criação dum alto corpo de fiscalização, uma espécie de conselho financeiro do Estado.
Já essa falta foi notada muitas vozes nesta Câmara; e tanto assim que o ilustre Deputado Sr. Estêvão Águas apresentou em 1920 um projecto de lei tendente a criar êsse alto organismo.
Diz mais S. Ex.ª no seu parecer que o quadro dos oficiais do estado maior fica com mais dois oficiais e que, não existindo já hoje êsses lugares, êles não encontram fundamento nem critério legalista para eliminar êsses dois oficiais.
Eu pregunto pois, se tendo sido criados êsses dois lugares por uma reorganização da guarda republicana, e, tendo si-
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do eliminados por uma reorganização da mesma guarda, qual a razão por que há motivo legalista para aumentar o quadro e não há para o deminuir?
Diz o ilustre relator no seu parecer:
Leu.
Faz S. Ex.ª aqui uma insinuação; vá ela a quem cabe, que eu não me julgo atingido.
Tive ocasião de ser relator do orçamento durante quatro anos e o que deixai exposto é bem claro e revela bem os intuitos patrióticos que o inspiraram.
Estranho que o Sr. Pires Monteiro venha ferir essa nota e que S. Ex.ª venha referir-se constantemente a êste facto da forma pouco criteriosa como têm sido feitas as promoções do nosso exército, quando S. Ex.ª sabe muito bem que o quadro a que pertence é muito pior...
Não citou isto ainda S. Ex.ª e é pior que a lei n.º 1:239...
O Sr. Pires Monteiro (interrompendo): — Quantas vezes o tenho feito...
O Orador: — Quere-se lei mais monstruosa que é a lei n.º 798? Essa lei interessa só ao estado maior; e oficiais houve que, sendo capitães, foram parar a coronéis no mesmo dia.
O Sr. Pereira Bastos (interrompendo): — Eu tenho responsabilidade nessa lei, mas não lucrei absolutamente nada com ela. E peço licença para dizer a V. Ex.ª que ainda hoje não estou arrependido do que fiz, apresentando nesta Câmara o respectivo projecto. Do que eu não tenho culpa é de que ela não fôsse interpretada como devia sê-lo.
O Orador: — Devo dizer que eu não quero atingir quem quer que seja. Apenas me quero referir aos factos; e foi um facto a promoção de capitães a coronéis no mesmo dia.
O Sr. Pereira Bastos: — Um dos objectivos da lei era estabelecer um quadro que não existia.
O Orador: — Foi exactamente o objectivo da lei n.º 1:239, com uma diferença: é que a lei n.º 1:239 exigia todas as condições de promoção e a outra não.
Lamento êstes factos porque, como disse, todos êstes debates trazem sempre como consequência o desprestígio para o exército; e assim, devido a estas insinuações feitas pelo Sr. Pires Monteiro, sou obrigado a referir-me a outros factos, porque não é legítimo que se façam insinuações a quem quer que seja.
Quero referir-me, Sr. Presidente, a um projecto apresentado há pouco mais de 15 dias pelo Sr. Pires Monteiro, projecto que reduz o quadro de oficiais generais de 20 a 12.
Evidentemente que êste gesto da parte de S. Ex.ª só poderá determinar louvores de todos os lados da Câmara e do País; porque, sendo S. Ex.ª oficial do estado maior, oficial cuja maior aspiração será porventura ascender aos postos superiores do exército, havendo no quadro 20 generais e reduzindo-os apenas a 12, revela bem a sua isenção e o sacrifício do seu futuro em beneficio dos altos interêsses do País.
Mas vamos a ver o que resulta da redução a 12 generais. Ao mesmo tempo que se propõe a redução, reduz-se o limite de idade a 62 anos.
Isto dá o seguinte resultado: todos os generais que existem passam à reserva com excepção de 7; como o quadro é de 12, promovem-se já 5 coronéis a general; passam à reserva imediatamente 94 coronéis, 14 tenentes-coronéis, 14 majores, 16 capitães e 3 tenentes!
Mas há mais. Em Setembro de 1924 todos aqueles coronéis que estão na escala estariam na reserva.
Sr. Presidente: não desejo tirar daqui outra conclusão que não seja esta: é que, tendo sido apresentadas várias soluções para a redução dos quadros ou só para fazer desaparecer os supranumerários, se só aprovar a proposta de S. Ex.ª em Setembro de 1924 não teremos ao serviço um único coronel dos que hoje estão na respectiva escala.
Sr. Presidente: no desejo de contribuir para que mais ràpidamente se aprove o orçamento do Ministério da Guerra, porque o tempo urge, eu vou resumir as minhas considerações e manei ar para a Mesa uma proposta. As razões que me levam a apresentar tal proposta são as que já referi à Câmara.
Nos quadros havia uma grande desigualdade até 1902.
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Já disse que parte dêsses quadros era a de 1911 e 1922 e outra parte provinha do período entre 1911 e 1922.
Ponderando que era justo acabar com essa desigualdade, eis a razão que me levou a apresentar a fixação dos quadros, que a meu ver devia ser mantida até a reorganização do exército.
Ao ilustre Deputado Sr. Pereira Bastos não agradou e eu dizer no meu parecer que tínhamos muitas unidades do artilharia sem artilheiros, muita cavalaria sem cavalos, infantaria sem material, etc.
Devo dizer qual a opinião que sôbre o assunto tenho.
Entendo que com o nosso exército se estão a gastar enormes quantias, quantias que eu não julgo absolutamente necessárias e que se podiam perfeitamente economizar em benefício do material e da instrução.
Cito, por exemplo, o que se passa com a guarnição do Pôrto.
Há três regimentos de infantaria que têm normalmente 120 praças por regimento, tendo o 31 apenas uma caserna onde estão todas as companhias. O efectivo regula por 80 homens, mas hoje anda por 500.
E o que acontece? Acontece que as guardas estão sendo feitas pela guarda republicana, não obstante haver lá três regimentos de infantaria.
O Sr. Pereira Bastos: — Peço desculpa para uma interrupção.
Eu manifestei a minha discordância das referências que V. Ex.ª faz no seu parecer, que são da mesma natureza das que foram apresentadas por um outro Sr. Deputado, porque quem das mesmas tenha conhecimento, e não esteja bem ao facto do espírito da nossa organização militar, depreende que é justamente a existência dessas unidades, com efectivos reduzidos, a causa das nossas grandes despesas com o exército.
Está muito em voga o emprêgo da palavra «miliciano».
Pois o que é certo é que, se o exército fôsse miliciano, a valer, ainda mais reduzido êle estaria.
Tratando-se de um orçamento de despesas, não se deve dar a impressão do que a causa das mesmas é o facto da existência dessas unidades com poucos soldados, porquanto os gastos avultados provêm exactamente de os quadros de oficiais e sargentos estarem consideràvelmente excedidos.
O Orador: — O que é certo é que para a vida interna de qualquer quartel são indispensáveis umas 100 praças aproximadamente.
Ora se uma unidade dispõe de um efectivo de 100 ou 150 praças, e se 100 são necessárias à vida interna do quartel, com que fôrça conta o comandante se se vir na necessidade de mandar soldados para a rua?
Se temos 400 ou 500 homens numa guarnição militar, distribuídos por três unidades, que para nada servem, porque não havemos de ter todos êsses homens concentrados num só quartel?
Parecia-me isso muito mais lógico e razoável.
Termino por agora as minhas considerações.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taguigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Lelo Portela: — Sr. Presidente: há aproximadamente um ano, com algumas horas talvez de diferença, que eu me lembro de, neste mesmo lugar, ao tomar parte da discussão do orçamento do Ministério da Guerra, ter mostrado quam ridícula e inútil era a discussão nas condições em que era feita.
Seria ocasião agora de fazer idêntica afirmação.
Reconhecendo eu a inutilidade da discussão, deveria quási abster-me de nela tomar parte; contudo, não posso deixar de fazer algumas considerações de ordem geral e a afirmação dos princípios que julgo indispensáveis neste momento.
Assim, Sr. Presidente, como Deputado, apesar da grande consideração, estima e amizade pessoal que tenho pelo ilustre relator, Sr. Pires Monteiro, eu não posso deixar de estranhar e de criticar o facto de S. Ex.ª ter publicado o relatório do orçamento do Ministério da Guerra, nos jornais, antes de êle ter sido apresentado à Câmara.
Estou convencido de que isto não re-
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presenta, da parte do Sr. relator, menos consideração para com a Câmara, mas é um princípio contra o qual eu me insurjo.
A discussão do orçamento do Ministério da Guerra tem-se limitado a tuna afirmação de princípios por parte dos técnicos e a uma crítica da parte daqueles que o não são, crítica que só tem sido prejudicial ao bom nome e ao prestígio do exército.
É fácil criticar, é fácil mostrar defeitos, mas é muito difícil organizar.
Eu tenho ouvido, sobretudo da esquerda da Câmara, não direi insinuações, mas. uma crítica contra a classe militar, querendo atirar sôbre os oficiais o labéu de que êles têm uma ambição exagerada para subir de pôsto, para o que têm lançado mão de todos os recursos.
Vários oradores que me precederam, quiseram demonstrar essa excepção de promoções que existe nos quadros do exército, dizendo que essas promoções são devidas aos oficiais que têm trabalhado para isso.
É contra essa afirmação que eu protesto.
Dizia há pouco um nosso colega que tudo tem a sua história.
De facto, é conveniente fazer-se a história do que têm sido as promoções no exército; e depois dela feita, se conhecerá a verdade.
Pouco tempo depois de proclamada a República, determinados partidos políticos, quando lhes faltavam os elementos constitucionais para poder governar, quiseram criar um novo apoio na classe militar.
Vemos então levantar-se essa campanha entre o exército republicano e o exército monárquico, campanha que chegou ao ponto de considerar como adverso ao regime todo o oficial que não estava filiado num partido da República.
Mais tarde, vemos que já nem para todos os partidos da República êles ofereciam essa garantia, porque cies passavam a ser mais do que hostis ao regime, passavam a ser hostis à nação e eram tidos como oficiais germanófilos.
É assim, o que fez a República para salvar a nação dêsses oficiais anti-patriotas?
Fez aquilo que se chama a republicanização do exército, fazendo um grande número de promoções.
Foi como que o subôrno.
Depois acontecia o seguinte:
Havia comandos que não davam aquela garantia necessária à defesa da República; e como era indispensável encontrar a pessoa idónea para exercer êsses comandos, o que é que se fazia?
Faziam-se promoções até se chegar à pessoa a quem se pretendia entregá-lo.
E assim se obtêm adeptos; e eis a razão por que nós vemos os quadros dos oficiais subalternos todos excedidos.
Além disso, Sr. Presidente, deu-se ainda o seguinte caso: é que, havendo comandos que não davam aquela garantia necessária para a Defesa da República, ou para melhor dizer, ao tal partido, foram-se fazendo promoções até êsses indivíduos.
Veio depois a guerra, Sr. Presidente, tendo-se dado então as exigências naturais da mesma.
Nós vemos porém que, por exemplo, a cavalaria, que não teve de fornecer elementos para a guerra, se encontra com um quadro de oficiais muito elevado, tendo um quadro de 34 oficiais, quando êle deve ser de 12.
Todos os militares que me escutam, Sr. Presidente, sabem perfeitamente que o que acabo de expor é verdade, tendo essas promoções sido feitas não para servir êsses oficiaes, mas sim o interêsse de uma determinada política.
Com que direito vêm agora, Sr. Presidente, êsses políticos falar sôbre o assunto, quando é facto que são êles os únicos responsáveis pela situação em que se encontra o exército?
Não, Sr. Presidente, quem tem responsabilidades sôbre o assunto não tem o direito de vir agora criticá-lo.
O Sr. Carlos Pereira: — Não apoiado.
O Sr. António Maia: — Apoiado, apoiado!
O Orador: — Sr. Presidente: eu não podia deixar de referir êstes factos, e de protestar contra êsses que fizeram com que metade do exército esteja contra a outra metade.
Estamos hoje, Sr. Presidente, sofrendo as consequências dêsses actos que têm
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criado, até êste ponto, uma má vontade do país contra o exército.
Eu, Sr. Presidente, não faço estas declarações para censurar ninguém; mas sim porque entendo que é essa a minha obrigação, desafrontando aqui uma classe que se não pode defender neste lugar.
Diz-se, Sr. Presidente, que a critica é fácil, mas que a argumentação é difícil; porém, eu devo dizer que está na nossa mão remediar êsse mal, procurando trabalhar.
Procuremos, Sr. Presidente, saber quais as necessidades do País, qual o organismo que mais convém à sua defesa, a fim de com os elementos que temos podermos fazer alguma cousa de útil.
Falou-se aqui, Sr. Presidente, na falta de trabalho de diferentes organismos militares; e a isso devo eu dizer que necessário se torna saber quais os elementos que êsses organismos possuem para trabalhar, e saber a situação em que estão, isto é, se podem ou não trabalhar.
Não basta dizer que não trabalham; é preciso saber-se se podem ou não trabalhar.
O exército de um país deve estar em harmonia com a sua política internacional. Segundo o objectivo nacional, assim devemos organizar a sua fôrça armada. A política internacional de um país depende de várias cousas. Em primeiro lugar, depende da política geral de todo o mundo e muito especialmente do continente onde êsse país se encontra; em segundo lugar depende das suas relações internacionais, e em terceiro lugar do valor económico do mesmo país.
Nestas condições o valor da fôrça armada do país deve estar em harmonia com estas necessidades.
E quem é que dirige a política de um país?
É por acaso o estado maior do exército que sabe qual é a política e objectivos internacionais do país?
O responsável pela política do país é o Govêrno.
O Govêrno é que deve dizer ao estado maior qual o objectivo nacional para êsse estado maior organizar as suas fôrças armadas no sentido de serem mais consentâneas com a política do país.
Em geral vemos nas relações ministeriais, no que diz respeito à política internacional, dizer-se que seguimos a política tradicional da aliança inglesa. Isto diz tudo, ou não diz nada. Sob o ponto de vista de se organizar a defesa nacional não diz nada.
Se Portugal algum valor tem no conceito das nações, êsse valor vem da sua situação eminentemente estratégica, da situação geográfica do continente, das suas ilhas e das suas colónias que o tornam um ponto eminentemente estratégico, ponto indispensável para a vida de algumas nações.
Se olharmos de facto à situação geográfica de Portugal, se quisermos estudar o que é o célebre triângulo estratégico de Portugal, continuado pela Madeira e Cabo Verde, vemos que Portugal tem posição para garantir â chave do Atlântico.
No caso de um conflito na Europa, Portugal pode decidir-se para um lado ou outro, e intervir de maneira eficaz na decisão dêsse conflito.
Mas o que é preciso?
É tomar as posições que são orgânicas, municiando-as convenientemente e meter êsses valores dentro do organismo da defesa.
Se tivermos devidamente organizada essa defesa, se elas constituírem uma grande base de submarinos, de aviões, com artilharia de costa, está suficientemente garantida a defesa durante três ou quatro dias, para intervir, para um ou outro lado.
Emquanto não tiver organizada a defesa, Portugal não pode livremente escolher, Portugal não pode negociar a sua intervenção.
É êste ponto de vista que quero apreciar; e a meu ver é um dos pontos que deve ser fixado.
Porque se nós passamos a nossa vida inteira a discutir, se havemos de ir para a guerra ou não, alheando-nos por completo de tudo quanto se passa na política internacional, abstraindo-nos por completo dos conflitos que se podem dar, ou dos acontecimentos, quando êsses acontecimentos se realizam encontrando-nos desprevenidos, não podemos negociar a nossa neutralidade ou intervenção.
E eu pregunto: o que dá mais valor à fôrça armada de Portugal, se a organização de um exército metropolitano importante, ou a organização sólida de to-
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dos êstes pontos, a que acabo de me referir?
Isto tem por fim mostrar a V. Ex.ª quanto é absolutamente indispensável que no nosso organismo haja um chefe que mande, uma cabeça que pense.
Falo assim para defender o organismo superior do exército, para defender aquele organismo que todos atacam fàcilmente, mas que ninguém conhece, nem ninguém sabe se tem elementos necessários para trabalhar.
Há um organismo que se chama Conselho Superior de Defesa Nacional e está sob a direcção do Presidente do Ministério. É êsse organismo que dirige a política internacional, ou melhor que orienta os Ministérios da Guerra, Marinha e Colónias sôbre os intuitos ou fins políticos de Portugal, em face doutras nações. Só depois de êste organismo reünir e ter comunicado ao estado maior qual o nosso objectivo nacional, é que o estado maior poderá trabalhar.
Temos um Ministério que está nas cadeiras do Poder há mais de ano e meio e êsse organismo nunca retiniu. E eu pregunto se neste período de ano e meio, em que tantos acontecimentos se têm dado na política internacional, a nossa política se tem conservado a mesma, ou se tem variado. E esta pregunta que faz o estado maior e é a esta pregunta que o Govêrno tem de responder.
Vários Srs. Deputados técnicos e não técnicos em assuntos militares, sobretudo não técnicos, se têm referido a cousas técnicas. Ouvimos falar de pessoal, material e instrução e de cousas várias. Não obstante estas revelações mais ou menos no ar, dizendo-se que temos pessoal a mais e não temos material, nem temos instrução, o que queria que se dissesse é qual a qualidade do pessoal, instrução e material. Não me disseram isso.
Por consequência não estudando o desenvolvimento de cada uma dessas organizações é fácil falar.
Não posso deixar de dizer aquilo que entendo necessário e indispensável para a organização do nosso exército.
Já me referi à necessidade da defesa das nossas costas e determinados portos.
Não posso deixar de me referir às palavras proferidas pelo Sr. Pereira Bastos, que duma maneira cabal expôs o que é a aviação.
Disse que não há aviação de terra nem de mar: só há uma aviação, a do ar.
É exacto; assim vemos os aviões de terra e mar.
São dois elementos a favor um do outro.
A organização depende da instrução máxima; e isto é comum, quer se trate do mar ou de terra.
As oficinas constróem aviões.
A instrução é idêntica.
A escola de pilotagem é igual, quer para terra, quer para mar.
Assim só temos, em terra e no mar, uma aviação, e pilotos que são de terra e do mar.
Há dois ensinamentos: o primeiro, o valor de exercícios de aviação durante a guerra, isto é, o valor moral; o segundo, o valor do material na guerra actual.
Devemos ter uma especial atenção neste assunto; e eu proponho-me tratar dele devidamente, em cada um dos seus serviços, para provar a necessidade absoluta duma organização militar.
Sr. Presidente: eu quero mostrar as deficiências do nosso exército e a necessidade absoluta que há de se fazer uma reorganização, a fim de tornar a fôrça armada capaz dê desempenhar cabalmente a sua missão.
Assim, quatro anos após a guerra, nós vamos encontrar a infantaria perfeitamente nas anteriores condições, quando é do domínio de todos que a infantaria moderna nunca ataca senão apoiada por carros de assalto. Entre nós, êsses carros nunca existiram.
Igualmente, devemos dotar a nossa infantaria com canhões, o que aliás está sendo feito em outros países.
Nós temos uma cavalaria sem cavalos.
É facto que se encontra constituída uma comissão de recenseamento, para que dum momento para o outro se possa saber qual o número de solípedes que se pode mobilizar; mas a verdade é que essa comissão não funciona, ignorando eu as razões de semelhante facto.
Sr. Presidente: devo dizer a V. Ex.ª que temos uma organização perfeitamente miliciana.
Se hoje se quisesse fazer a mobilização do exército, eu posso afirmar a V. Ex.ª
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que o estado maior não possui os elementos precisos para êsse fim.
Mas, reatando o fio das minhas considerações, devo dizer que a cavalaria combate como a infantaria.
Antes da guerra, a cavalaria adoptava como elemento de combate o cavalo; mas actualmente tal não acontece, pois na maioria das vezes os combates são corpo a corpo. Pois, Sr. Presidente, apesar de os combates serem como acabo de referir, ela não possui baionetas.
É claro que, quando a cavalaria está a pé, ela usa dos mesmos processos de combate que a infantaria e necessita das mesmas armas; irias o que é certo é que não as tem.
Sr. Presidente: referindo-me à arma de cavalaria é de absoluta verdade dizer o que já tive ocasião de dizer no ano passado e vou repetir para provar a necessidade que há de a Câmara olhar para estas cousas, e para que se para o ano não houver verba alguma a Câmara não mostrar o seu espanto.
Os cavalos tendo mais de nove anos já não estão novos, e tendo catorze já não estão aptos.
No ano passado eu disse que a última remonta tinha sido em época tal que os cavalos tinham já nove anos, e portanto este ano têm dez.
Deveríamos fazer êste ano nova remonta.
Sussurro na sala.
Pausa.
Eu sei que a Câmara se interessa pouco por estes assuntos que estou tratando, e que se se ventilasse um caso escandaloso o interêsse seria maior.
Não costumo falar para as paredes e se não sou escutado calo-me.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
O Orador: — Mas, Sr. Presidente, vejo com surpresa que não figura no orçamento verba para a compra de cavalos; e assim daqui a dois anos havemos de ler uma arma de cavalaria sem cavalos, e uma arma de infantaria sem armas.
Chamo a atenção da Câmara e bem assim do Sr. Ministro da Guerra para êste assunto, pois estou convencido de que se S. Ex.ªs tivessem proposto na lei orçamental uma verba de 2:000 contos ou 2:500, contos para satisfazer as necessidades do exército, a Câmara não deixaria de a votar.
Refiro-me, Sr. Presidente, à cavalaria, pois, a verdade é que examinando a sua organização actual, a sua situação material, nós vemos que ela se encontra incapaz de desempenhar, a sua missão na guerra.
O que se dá com a cavalaria, dá-se igualmente com outras armas, muito especialmente com a artilharia, pois, nós sabemos muito bem, a ligação que existe entre a arma de infantaria e a de artilharia; o apoio directo que a artilharia dá à infantaria.
O que é um facto, Sr. Presidente, é que a guerra moderna veio mostrar-nos que não há combate de infantaria que não seja apoiado pela artilharia, principalmente artilharia pesada de campanha.
Nós vemos, Sr. Presidente, que lá fora a infantaria tem dois grupos de obuses; pois em Portugal, país essencialmente montanhoso, país por consequência em que o emprêgo dela poderá ter uma especial aplicação, não possuímos artilharia desta.
Nós vemos, Sr. Presidente, por exemplo, conforme a guerra nos veio demonstrar, que para três regimentos de infantaria serão necessários quatro grupos de artilharia.
Relativamente à cavalaria ela não se encontra, repito, em condições de bem poder desempenhar a sua missão.
Chamo, Sr. Presidente, a atenção do Sr. Ministro da Guerra para o assunto, pois seria interessante para a defesa nacional a criação de fábricas, de estabelecimentos, que em tempo de guerra pudessem fabricar explosivos, e em tempo de paz fabricassem produtos químicos.
Parece-me, Sr. Presidente, que seria duma grande vantagem o desenvolvimento de fábricas que em tempo de guerra fabricassem explosivos, e no de paz pudessem fabricar os produtos necessários à agricultura.
Mas, Sr. Presidente, o que eu vejo é que todas as vezes que discutimos aqui o orçamento do Ministério da Guerra, notamos a sua má organização, e a falta de material de que êle dispõe; porém, depois de êle votado, nós vemos que nin-
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guém mais pensa em o melhorar de forma, a êle ser útil ao país.
Eu, Sr. Presidente, não me quero alongar em considerações de carácter técnico, porém, não posso deixar de chamar a atenção da Câmara para o assunto.
Já aqui foi levantada em tempos, pelo ilustre Deputado Sr. António Fonseca, a questão dos quadros que figuram no orçamento do Ministério da Guerra e que não existem nas leis; creio mesmo que essa discussão deu origem a que a proposta orçamental baixasse à comissão.
De lamentar é que tendo sido a origem desta demora na discussão o facto de existirem na proposta orçamental quadros que não estão expressamente determinados por leis, de lamentar é, repito, que a actual proposta em discussão continue trazendo quadros que não estão expressamente designados em leis.
Sr. Presidente: eu mal li a proposta orçamental; li contudo a parte que me interessa muito especialmente, que é a parte da aeronáutica militar.
Nessa parte noto a existência de quadros, de postos, de organismos que nenhuma lei determina, dando-se até um caso curioso e que talvez V. Ex.ªs não conheçam: é que na proposta orçamental não se fala de unidades que existem na lei.
Sr. Presidente: se faço êstes reparos não é porque eu concorde ou discorde ou porque julgue que êsses quadros existentes sejam excessivos. Faço até peremptòriamente esta declaração: considero-a insuficiente; mas agora, como questão de afirmação de princípios, o que não posso compreender é que se esteja a legislar pouco a pouco e sobretudo fora desta casa do Parlamento, o que não posso compreender é que se esteja a organizar unidades novas criando gratificações, criando postos diferentes, independentemente de qualquer lei.
Sr. Presidente: como me referi à aeronáutica militar e como não costumo fazer afirmações que não posso provar, chamo a atenção de V. Ex.ª para o decreto n.º 4:529 que organizou a aeronáutica militar. Êsse decreto criou uma Direcção Geral de Aeronáutica Militar, uma escola de aviação, uma escola de aerostação, uma comissão técnica, e fixou os respectivos quadros. Êsse decreto, que é um decreto com fôrça de lei, que é portanto uma lei, cria uma escola de aerostação; mas, na actual proposta orçamental, essa escola desapareceu; na lei existe, mas na proposta orçamental não há verba.
Mas, ao passo que desapareceu essa escola, aparece a companhia de aerosteiros que não existe em lei alguma.
Aparece, por exemplo, a Escola Militar de Aviação. Esta Escola é criada pela lei n.º 4:529, que no seu artigo 6.º fixa os respectivos quadros.
Vou buscar a proposta orçamental e vejo que temos 41.
Pregunto se serão precisos muitos mais; mas o que não é sistema é estabelecer numa proposta orçamental quadros que não existem na lei.
Mas há ainda cousa mais interessante que isto: há várias verbas relativas a gratificações e essas verbas têm uma dezena de a a pequenos e b b pequenos relativos a várias chamadas.
Fui ver essas chamadas e vejo que são determinações de Direcções Gerais.
Eu pregunto se uma Direcção Geral tem atribuïções para criar quadros e dar gratificações.
Sr. Presidente: chamo a atenção da Câmara para êste facto, não porque entenda que êsses serviços não foram bem pagos, mas por uma questão de princípio, não podendo deixar de apreciar êste sistema de criar quadros novos numa lei orçamental.
Sr. Presidente: de todas as considerações feitas pelos ilustres oradores que me precederam resulta uma cousa: a prova da necessidade indiscutível e imediata de procurar fazer uma reorganização nos serviços militares.
Já que falo sôbre o Orçamento, não posso deixar de criticar um sistema estabelecido neste Orçamento, pois vemos determinadas verbas com rubricas gerais que são aplicadas não se sabe porque, pois no Orçamento não vem a designação dessas verbas.
Vemos uma rubrica lançada a uma unidade e que é destinada a outra unidade.
Criámos um sistema de contabilidade dupla. Vamos criar um sistema para o Ministério da Guerra com respeito a vencimentos e a gratificações.
Não é próprio um orçamento ser elaborado dêste feitio.
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Entendo que para o Parlamento poder fiscalizar com rapidez e ver fàcilmente as contas dos vários Ministérios é indispensável que as verbas sejam inscritas e designadas para os devidos fins.
Vou terminar as minhas considerações, reservando-me o direito de entrar novamente no debate, para mandar para a Mesa as propostas que julgue necessárias para evitar determinados erros que existem no Orçamento.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.
O Sr. António Maia: — Poucas e ligeiras considerações vou fazer sôbre o artigo 1.º da proposta.
Não aproveito a ocasião para fazer a discussão da generalidade.
Começarei por dizer que, estando hoje considerada a aviação como uma arma em todos os países e até entre nós, ela não figura, o que é de estranhar, neste capítulo dos quadros permanentes do exército.
Pregunta-se: em que capítulo e artigo é que a aviação tem as suas verbas?
É muito interessante: estão inscritas na Secretaria de Guerra. Quere dizer: a arma por excelência de combate, que precisa de muito espaço atmosférico, está metida numa Secretaria.
Isto prova a idea que ainda hoje se faz em Portugal do que é a aeronáutica militar.
No relatório da viagem a Madrid há uma frase em que se elogiam os olhos das mulheres bonitas.
Tenho uma interpelação pendente ao Sr. Ministro da Guerra em que hei-de versar êste ponto.
Já que me referi a êsse relatório quero citar um facto que é interessante.
Imagine V. Ex.ª que na viagem a Madrid foram três aviões sendo dois biplanos. Quando o avião do comandante teve uma pequena avaria, os dois biplanos retrocederam para prestar qualquer serviço. Pois bem; no relatório faz-se o elogio do pilôto pela sua dedicação. Está certo; mas pasmar! faz o elogio do observador pela sua solidariedade para com o pilôto!
Quanto ao segundo avião, repete-se o elogio ao pilôto, mas não se faz referência ao observador!
Pois quem tudo isto faz é o Director da aeronáutica.
Quero ainda chamar a atenção da Câmara para os documentos oficiais da Direcção da aeronáutica.
Leu.
Felizmente que isto não vem no Orçamento.
A Direcção da aeronáutica entendeu que devia dar uma compensação, e então fez uma nota para o Sr. Ministro da Guerra, dizendo que êsses oficiais tinham dado todas as provas necessárias para serem considerados pilôtos aerosteiros.
A Câmara e V. Ex.ª, Sr. Presidente, sabem o que isto é: sendo considerados pilôtos aerosteiros têm direito a estas gratificações e o Sr. Ministro da Guerra, leigo como é nestes assuntos, convencido de que o Director da aeronáutica não podia enganá-lo, julgando que êsse director se tinha fundado na opinião de uma comissão técnica, evidentemente, despachou favoràvelmente fazendo publicar na Ordem do Exército que êsses oficiais deviam ser considerados aerosteiros.
Referiu-se o ilustre deputado Sr. Lelo Portela, e com toda a razão, ao facto de existir no Orçamento de previsão uma verba para uma cousa que não existe — a escola de aerostação.
Êsse facto tem a seguinte explicação: de facto, na legislação existe a criação duma escola de aerostação; mas como o material que temos é insuficiente para fazer essa escola, o Sr. Ministro da Guerra deliberou criar essa companhia de aerosteiros. Numa emenda apresentada pelo ilustre relator do orçamento da Guerra, aparece, de facto, um aumento de quadro para a Escola Militar de Aviação. Também aí, nem o Sr. Relator nem o Sr. Ministro da Guerra têm culpa do aparecimento dessa verba. O único culpado sou eu. Chamo para mim essa responsabilidade, mas também entendo que a Escola Militar de Aviação não pode continuar como está.
Sr. Presidente: eu concordo com a doutrina expendida pelo Sr. Deputado Lelo Portela sôbre êste assunto; não estou, portanto, a refutar a sua argumentação, mas simplesmente a justificar as minhas razões.
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O Sr. Presidente (interrompendo): — V. Ex.ª dá-me licença? São horas de se interromper a sessão; se V. Ex.ª deseja, pode ficar com a palavra reservada.
O Orador: — Eu ainda desejo fazer mais algumas, considerações principalmente a respeito dos quadros do artigo 2.º Nestas condições, se V. Ex.ª me permite, eu ficarei com a palavra reservada.
O Sr. Presidente: — A sessão continua amanhã às 15 horas.
Está interrompida a sessão.
Eram 24 horas.
TERCEIRA PARTE
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão, continuando no uso da palavra o Sr. Deputado António Maia.
Eram 15 horas e 13 minutos.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: reatando as minhas considerações que ontem principiei a expor, não quero deixar de me referir ainda a um facto passado na aeronáutica militar.
Êsse lacto é que, determinando a lei que o lugar de director da Aeronáutica Militar seja ocupado por um pilôto, nele se encontra um indivíduo que não tem essa categoria. Mas ainda há mais: é que, determinando também a lei que dos dois adjuntos da Direcção da Aeronáutica Militar um seja pilôto e o outro observador, ambos êsses lugares estão ocupados por dois pilôtos. Como V. Ex.ª vê, não é só quanto ao orçamento que não se cumprem as leis. Por toda a parte assim sucede e é por isso que o exército está como está, pobre em disciplina, pobre em instrução, pobre em recursos, pobre, por assim dizer, em tudo, excepto em oficiais dos quadros superiores.
Quere dizer: nós temos absolutamente um organismo macrocéfalo, mas cujo corpo é tam pequenino, tam pequenino que nem com um poderoso telescópio conseguimos vê-lo. Se, porém, dentro dessa enorme cabeça, tam grande que é preciso um óculo de diminuir para a vermos, porque, de contrário, a nossa vista não pode de maneira nenhuma abrangê-la em conjunto, houvesse qualquer cousa como um grande cérebro, bem estava; todavia, êsse grande cérebro não existe, não porque as suas células não sejam boas, mas porque estão absolutamente mal dispostas, em enorme quantidade, encontrando-se, por assim dizer, comprimidas umas contra as outras, de modo que não podem realizar aquele trabalho que seria útil e necessário que se produzisse.
Sr. Presidente: entrarei agora na apreciação do artigo 2.º, que é aquele que trata dos quadros.
Um àparte do Sr. Pinto da Fonseca.
O Orador: — Respondendo ao àparte do Sr. Pinto da Fonseca, eu direi que os serviços da aeronáutica militar o aumento de quadros se deu apenas no papel, não tendo aumentado o número de oficiais, porquanto êsses oficiais que estão nos serviços da aeronáutica militar, quer sejam especializados, quer pertençam a outras armas, continuam pertencendo aos quadros dessas armas.
Um àparte do Sr. Pinto da Fonseca.
O Orador: — Quem encarar o argumento do Sr. Pinto da Fonseca em absoluto tem, evidentemente, de lhe dar razão; mas é preciso notar-se que êsses quadros estão por completo excedidos e, portanto, os oficiais que há a mais podem bem empregar-se naqueles serviços onde haja falta.
Dir-me hão que os oficiais que precisamos são capitães, tenentes e alferes e que nesses quadros não há excesso.
Eu direi, porém, que tem razão, mas o defeito foi do Parlamento aprovando a lei n.º 1:239.
Repito, pois, que a única razão por que não existem oficiais para ir desempenhar êsses lugares é o de ter sido promovida aos postos superiores uma quantidade enorme de oficiais que os respectivos quadros não comportam, que as necessidades do exército não exigiam e que, afinal, não tem absolutamente nada que fazer.
Não, Sr. Presidente — e eu chamo para o facto a atenção da0Câmara, porque êle é da maior gravidade — há um projecto que pretende que o orçamento seja regulado, apenas pondo-se de parte tudo o que não seja a organização de 1911.
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Sabe V. Ex.ª aonde isso nos pode levar?
Apenas a isto: é que um dos quadros que fica com a organização actual é o quadro dos farmacêuticos, no qual vai ser promovido a coronel um tenente-coronel.
É natural?
Não é, porque de tal facto resulta nada mais nada menos de que a promoção de todos os actuais tenentes-coronéis do estado maior a coronéis.
Dirá alguém que se podem ir desfazer serviços que estão criados.
Não é bem assim porque, pelo projecto do Sr. Tôrres Garcia, passando tudo à organização de 1911, não haveria mais promoções no exército.
Eu chamo a atenção para êste facto: fui eu o primeiro Deputado que levantou a questão da lei n.º 1:239 e eu nunca serei major com a derrogação dessa lei. Portanto sou insuspeito...
O Sr. António Fonseca: — Tenha V. Ex.ª esperança de que essa lei ainda o hei-de promover a major.
O Orador: — Apesar de tudo, desconfio que nunca serei promovido a major, e que moiro em capitão.
Sr. Presidente: nunca é demais rememorar os erros do passado para que isso sirva de. correctivo ao nosso futuro; e assim volto a falar na lei n.º 1:239.
É preciso que se diga que houve oficiais que pagaram salários a empregados da Imprensa Nacional para publicarem a Ordem do Exército antes que a lei fôsse aqui aprovada.
O Sr. Vasco Borges: — É espantoso. Oiçam.
O Orador: — Os nossos oficiais milicianos têm a idea fixa de que aos oficiais não podem ser tirados os galões.
É um êrro.
Então qualquer oficial promovido por engano ou por outro qualquer motivo há-de manter a sua promoção?
Evidentemente que a moral e a dignidade do próprio exército exigem a despromoção.
Isto sucede em todos os exércitos do mundo; e no nosso já se fez isso quando foi da guerra.
Eu pelo interêsse que a Câmara tem tomado pelo orçamento do Ministério da Guerra vejo que se vai entrar no bom caminho, no caminho da ordem...
O Sr. Pinto da Fonseca: — É pena que isso sucedesse só com o orçamento da Guerra.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — E êste não se discute sem número.
O Orador: — Eu vejo que vão passar à reserva todos os generais à excepção de sete.
Por esta forma, daqui a pouco o mais modesto pôsto no exército será o de major; e nessa altura talvez eu seja major.
E então não poderíamos ter um exército, gastando muito menos dinheiro e com mais proveito para o País?
Voltando ao assunto dos quadros: tendo nós tomado parte na maior guerra que se tem dado, era natural que dessa guerra, se tivessem tirado os ensinamentos necessários para o desenvolvimento das armas e quadros. Mas tal não sucedeu.
Não se aumentou a infantaria nem a artilharia, mas sim os quadros dos farmacêuticos, dos veterinários e do secretariado.
Quere dizer: o ensinamento da guerra diz-nos que tínhamos a artilharia e a infantaria completas, mas que nos faltavam farmacêuticos, veterinários e amanuenses!
Mas eu chego à conclusão de que os farmacêuticos no exército são muito precisos, pois é costume dizer-se de quem não tem muito juízo quê tem pílulas no capacete...
O Sr. Hermano de Medeiros (àparte): — Registem-se na acta as pílulas no capacete.
O Orador: — Compreende-se que sejam aumentados os quadros dos farmacêuticos para fazerem as pílulas para os capacetes desta gente.
Outro quadro que foi preciso aumentar foi o dos veterinários. Também não admira, pois deu agora uma doença nova nos cavalos, que é a falta de dinheiro; e é preciso maior número de veterinários para estudar essa doença.
Àparte do Sr. Denis de Carvalho que não se ouviu.
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O Orador: — Acaba de me dizer o Sr. Denis do Carvalho que há muitos cavalos de praça de oficiais que estão em cocheiras particulares; mas eu não vejo que mal venha disso para o Estado.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Não há nisso inconveniente; pois há uma disposição legal que permite que os cavalos estejam em cocheiras particulares.
O Sr. Denis de Carvalho: — Mas é que estão alugadas para carroças.
O Orador: — Nesse caso o Sr. Denis de Carvalho deve informar o Sr. Ministro da Guerra dêsse facto.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Desconheço êsse facto; mas se o ilustre Deputado quiser pode dar-me indicações mais concretas para eu proceder.
O Orador: — Desde que se levantou êste incidente o Sr. Denis de Carvalho tem obrigação de dar êsses esclarecimentos ao Sr. Ministro da Guerra.
Interrupção do Sr. Denis de Carvalho que não se ouviu.
Sr. Presidente: referi-me ontem a um facto, a que não posso deixar de me referir também hoje, qual é o que diz respeito à minha enorme estranheza por não ver incluídos no artigo 2.º do Orçamento do Ministério da Guerra os serviços de aeronáutica, serviços êstes, a meu ver, que deviam fazer parte de um artigo especial. Pois a verdade é que, Sr. Presidente, dispondo o nosso Planeta, por assim dizer, de três elementos principais, como sejam o ar, a terra e o mar, eu entendo que em todos êles deve existir o exército, visto que em todos êles se travam lutas.
Assim, por exemplo, V. Ex.ªs Vêem que o primeiro exército quê apareceu foi o do terra, por isso que o homem viveu principalmente em terra.
Não havendo por consequência navios, os combates, as guerras, faziam-se evidentemente em terra, motivo por que foi criado um exército de terra.
Mais tarde, Sr. Presidente, na ânsia de se aumentar os territórios o conquistá-los aos outros, viu-se a necessidade que havia de criar navios, foram-se criando pouco a pouco, de forma a que se pudessem travar combates no mar, — e daí a criação do exército no mar.
Hoje, Sr. Presidente, depois da terrível guerra que envolveu quási o mundo inteiro, verificou-se a necessidade que havia em combater no terceiro elemento, no ar, e daí a necessidade absoluta que houve em criar o terceiro exército, o exército do ar.
Eis aqui, Sr. Presidente, a razão por que eu digo que acho deveras para estranhar que não exista no orçamento do Ministério da Guerra, já não direi um outro orçamento por assim dizer; mas sim um órgão especial relativamente a tudo quanto diga respeito à aeronáutica.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer, em abono da verdade, que entendo que tudo quanto diz respeito à aeronáutica naval e militar deve ter uma ligação íntima, entre si, e tanto assim, Sr. Presidente, que, devendo as nossas costas ser defendidas por aeroplanos, é o próprio exército de mar que tem de os transportar.
É esta a razão, Sr. Presidente, por que eu digo, e afirmo, que nós o que devemos ter é apenas uma aeronáutica militar, pois a verdade é que a aviação comercial faz parte da aviação militar, visto que ela se destina em tempo de guerra a fornecer os necessários reconhecimentos.
Eu espero, Sr. Presidente, durante a nova sessão legislativa, apresentar novos projectos de lei neste sentido, esperando que a Câmara os tome na devida consideração, pois eu não posso deixar de frisar que hoje a defesa do País há-de ter como principal elemento a sua aviação.
Sem aviação, Sr. Presidente, por muito numerosas que sejam as armas de artilharia, cavalaria e infantaria, a defesa do País é absolutamente incompleta.
Assim, Sr. Presidente, num caso de guerra, quem nos diz a nós que antes da declaração do guerra os aeroplanos do inimigo não farão das suas, isto é, possam até certo ponto impossibilitar o estado maior de poder seguir os seus planos.
Torna-se por isso absolutamente necessário a aviação de caça e bem assim a de bombardeamentos, a fim de que num dado momento possam ser úteis ao País;
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pois, já disse e repito, que sem a aviação a defesa é incompleta.
Sr. Presidente: há um ditado muito velho que diz: «que santos de casa não fazem milagres», e assim eu serei um mau defensor evidentemente no Parlamento da aeronáutica, por a ela pertencer; porém, devo dizer que não é necessário ser-se um grande orador e dispor de grandes dotes intelectuais para fazer com que toda a gente compreenda que é absolutamente um facto o que acabo de expor à Câmara, não se devendo ela esquecer nunca de que a principal defesa do País há-de residir no exército do ar.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. António Maia: — Eu, Sr. Presidente, já tive ocasião de fazer aqui algumas observações sôbre a proposta orçamental que se discute, tenho feito com que um novo estudo se fizesse sôbre o assunto; pois, a verdade é que a organização militar em vigor não satisfaz aos fins que se tem em vista.
É preciso que se faça uma organização, mas completa e total.
Antes de continuar as minhas considerações cumpre-me agradecer a todos os deputados que fizeram referências aos meus modestos artigos que tiveram sempre em mim o prestígio e o bom nome do exército e da República.
Sr. Presidente: eu não tive ocasião de assistir às considerações que a propósito dos meus artigos fez o Sr. Pinto da Fonseca, mas fui informado de que S. Ex.ª classificou êsses artigos de prejudiciais. Foi injusta essa classificação.
O Sr. Pinto da Fonseca: — Eu não disse que eram prejudiciais, apenas disse que era uma discussão ilegítima.
O Orador: — Folgo com a declaração de S. Ex.ª dizendo que os meus artigos não eram prejudiciais. Folgo com isso por vir da bôca dum meu colega, um militar bravo, um ornamento do exército português. Agora direi a V. Ex.ª que o meu propósito é informar o País que tem direito a isso; e é minha obrigação dizer-lhe a verdade e informá-lo com inteira justiça. Nos temos aqui estatísticas e números pelos quais se demonstram os mais deploráveis erros; e é indispensável que se olhe mais atentamente para êste problema de defesa nacional.
O País precisa dum exército, mas não dum exército constituído quási exclusivamente de oficiais superiores.
Apoiados.
O que o exército precisa é de material e de soldados.
Apoiados.
Esta prática que se tem seguido adoptada pelo Ministério da Guerra, não tende a preparar um exército para a defesa nacional, mas ùnicamente a fazer oficiais superiores; e o que nós precisamos é um exército com bom armamento.
Apoiados.
Eu congratulo-me em ter uma opinião conforme à de distintos militares como o Sr. Viriato da Fonseca ilustre comandante dum regimento de artilharia: — não se compreende um exército sem soldados e sem material.
Apoiados.
Temos no orçamento do Ministério da Guerra duas questões: 1.ª a questão orçamental; 2.ª a questão da defesa nacional.
Eu vou fazer a seguinte pregunta ao Sr. Ministro da Guerra: Se os quadros fixados na lei orgânica são os que estão no orçamento actual ou são aqueles a que se referiu o Sr. Deputado Pires Monteiro elaborados segundo a Secretaria da Guerra?
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Em resposta à pregunta do ilustre Deputado, eu direi que os quadros foram elaborados pelo Ministro da Guerra em harmonia com a organização actual.
O Orador: — Agradeço a resposta que V. Ex.ª me acaba de dar.
O Orador: — Desde que o Sr. Ministro da Guerra declara que os quadros são aqueles que foram apresentados pelo Sr. relator, são êsses os que nós temos que considerar e mais nenhuns. A soberania parlamentar tem os seus limites. É costume dizer-se que a soberania parlamentar pode fazer do preto branco;
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mas isso não é assim, porque em Portugal há uma opinião pública, há uma imprensa e há mais quem pense sem ser o Parlamento. A fixação dos quadros tem inconvenientes graves. Por exemplo, o quadro de infantaria tem 54 tenentes-coronéis, pois o parecer da comissão propõe 89.
Não sei qual foi a disposição que autoriza êste aumento; mas creio que se trata de um decreto que estabelece a criação de segundos comandantes.
Mas a criação dos segundos comandantes é uma cousa e a alteração dos quadros dos tenentes coronéis é outra. E esta só se podia fazer quando a lei expressamente o declare. Mais ainda: as disposições do decreto eram emquanto durasse a guerra e não para vigorar quatro ou cinco anos depois.
O Orçamento estabelece concretamente a despesa que os quadros fazem. O que se fez o ano passado foi infelizmente cousa diversa.
Apoiados.
O Sr. Pinto da Fonseca (interrompendo): — V. Ex.ª tem aqui o Orçamento para consultar.
O Orador: — Se V. Ex.ª tivesse proposto uma lei orçamental para 1913 ou 1915, o caso era diverso. Não se trata duma tabela de despesa, que é puramente anual, mas duma disposição permanente. Mau sistema êsse, sem nenhuma espécie de justificação.
Não foram sòmente dois capitães promovidos em virtude do Orçamento...
O Sr. Presidente (interrompendo): — V. Ex.ª permite-me que o interrompa para fazer uma comunicação à Câmara? Vai ser lido um ofício que acabo de receber do Senado.
Lê-se na Mesa um ofício do Senado, comunicando ter sido designado o dia 29 de Junho, para reunião do Congresso, pelas 17 horas e 30, afim de deliberar sôbre o assunto do ofício n.º 87 e emendas introduzidas a designadas propostas de lei.
O Sr. Presidente: — Portanto ficam V. Ex.ªs avisados de que pelas 17 horas e meia reúne o Congresso, hoje.
O Orador: — Uma das provas de que, efectivamente, não pode nem deve ser o Orçamento para alargar os quadros, é que a comissão do orçamento não tem, sob o ponto legislativo, competência técnica para resolver assuntos de carácter parlamentar.
Apoiados.
Tem, sim, competência técnica a comissão de guerra, nas cousas orgânicas.
Não tem que fazer mais nada senão ver se o Orçamento está organizado pelas leis em vigor para melhor serviço do Estado, e redução de despesas. Mas aumentar despesas, excede absolutamente a competência legal.
Sr. Presidente: esta questão dos quadros parece me já suficientemente debatida, e presumo não haverá ninguém que persista na idea de se fazer um Orçamento assim.
Há serviços que tornaram indispensável um alargamento de quadros?
Então que se apresente ao Parlamento uma proposta de alteração de todos os quadros que se entenda necessário alterar. Há quadros que ainda hoje no regime da lei de 1911 foram alterados.
O que há a fazer? É completar essa legislação, ver qual o serviço que deve ficar, e então fazer uma proposta de alargamento de quadros do serviço de Administração Militar.
E nesse caso V. Ex.ª encontrar-me há aqui a reclamar com o mesmo calor para que os quadros sejam os fixados na nova lei, não para mais nem para menos.
Êste artigo 2.º parece me bastante debatido, e ninguém terá a intenção de apresentar propostas. Os técnicos já falaram com competência; e todos concordam ser impossível continuar no caos em que se encontra actualmente a dispersissíma legislação militar.
Parece-me que será a altura de a República se ocupar dos gravíssimos problemas para os colocar em harmonia com as nossas necessidades nacionais.
Eu, que sou um civil sem autoridade para dizer que o exército tal como está não está bem organizado, tenho a opinião dos técnicos que têm seguido a legislação militar, que é um caos fabuloso, que se não pode compreender.
Interrupção do Sr. Pereira Bastos que não pôde ser ouvida.
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O Orador: — As considerações que estou fazendo são de rosto conhecidas por quási toda a Câmara, e creio bem, por uma parte do país. Dispenso-me de insistir sôbre esta questão dos quadros, mas parece-me que seria justo e elementar o regresso a uma situação que considero legal.
A minha proposta sôbre o assunto é já uma deliberação da Câmara que tem de ser respeitada; e folgo que a comissão do orçam eu to a aceitasse de harmonia com o Sr. Ministro da Guerra.
Mas a minha proposta tinha outro aspecto que me parece interessante sob o ponto de vista moral.
É a questão da lei n.º 1:239.
Eu ouvi o Sr. David Rodrigues, numa estreia parlamentar que nos dá direito a atribuir a S. Ex.ª não só grande competência, mas brilho na sua palavra, e um grande desejo de servir o país, referindo-se ao meu artigo 2.º, queixar-se da falta de história sôbre êsse artigo.
A história é um grande elemento; mas uma cousa é fazer discursos parlamentares, outra é fazer artigos nos jornais, e ter a preocupação de fazer a história dessa lei.
Para fazer essa história teria perdido muito tempo, pois teria de fazer uma crítica imparcial dos factos que resultaram e motivaram essa lei.
Porém, deve dizer-se que essa lei foi uma lei funesta e imoral.
Não houve nesta Câmara quem pretendesse defender essa lei, e houve quem estivesse disposto, a votar a, sua revogação. Mas por várias circunstâncias essa revogação não foi votada. Não foi proposta a sua revogação, mas pelas palavras do Sr. Pereira Bastos e de outros oradores essa lei foi considerada funesta para a República.
O Sr. António Maia (interrompendo): — Houve cousas mais funestas ainda.
Àpartes.
O Orador: — Mas já que o Sr. David Rodrigues deseja, vejamos um pouco à história dessa lei.
Essa lei foi apresentada no Senado por um Sr. Senador militar; e depois de aprovada foi enviada para a Câmara dos Deputados.
Deram-se várias circunstâncias e essa não chegou a apreciá-la, sendo depois publicado à sombra dum artigo da Constituïção, que se refere a tais casos, não sendo porém aplicado ao caso da dita lei.
Todos estão lembrados dos esfôrços que fez a Mesa do Senado mandando quási sem consciência essa lei para a Imprensa Nacional para ser publicada no Diário do Govêrno.
Ninguém ignora que houve debates parlamentares para se suspender essa lei, e ninguém ignora também que nas várias sucessões dos Ministros da Guerra, todos tomaram o compromisso da eliminação dessa lei.
Posteriormente vários factos se deram como consequências dessa lei.
Chegou a levantar-se uma tormenta, nesta Câmara, que só serenou quando o Ministro da Guerra de então, fazendo a sua política, declarou que punha a sua pasta sôbre a questão obrigando-nos a calar a todos nós que preferimos essa situação à queda do Ministério, que estava no Govêrno, dizendo-se então que o artigo 2.º se cumpriria inexoravelmente, mas que se tratava só de galões. E foi realmente o que sucedeu.
Hoje estamos longe da primeira atitude em que nos encontrámos.
Passado pouco tempo, publicou-se uma lei, a lei n.º 1:250, que anulou disposições anteriores, colocando oficiais na disponibilidade.
Àpartes.
O Orador: — A lei n.º 1:250 dá a êsses oficiais...
As dúvidas, todavia, continuam, as pessoas interessadas mexem-se o então procura-se fazer o pagamento pela patente. A Contabilidade informa contra, a Procuradoria Geral da República informa contra, e é Ministro da Guerra concorda com a opinião dessas entidades. Vem, porém, a segunda tentativa, que é a questão das ajudas de custo de vida e de marcha. Igualmente, a Contabilidade e a Procuradoria Geral da República se opõem e o Ministro igualmente concorda; mas, a certa altura, surge uma cousa mais fabulosa. A Inspecção Geral dos Serviços Administrativos, falando nas mágoas, nas queixas, em desigualdades e iniquidades, vem dizer que o que se devia fazer era
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pagar a êsses oficiais pelas suas novas patentes. E o mesmo Ministro da Guerra, que é um homem por quem eu tinha tido uma altíssima consideração e que no meu foro íntimo fizera meu candidato à Presidência da República, pois que nele votei para tam elevado cargo, sem nenhuma espécie de preocupação, saltando por cima da Contabilidade e da Procuradoria Geral da República, com cujos processos tinha concordado, saltando por cima de tudo, concorda também com a nova e antagónica opinião que lhe é manifestada. E aqui está como esta pequena cousa de dar um galão a alguns oficiais...
O Sr. Pinto da Fonseca (interrompendo): — Conhece V. Ex.ª os nomes dêsses oficiais que se mexeram?
O Orador: — Para tranquilidade de V. Ex.ª, devo declarar que não me consta que V. Ex.ª se tenha mexido. Pela segunda ou terceira voz, desejo também frisar que não tenho intuito de o magoar, nem sequer de me referir a S. Ex.ª, considerando-o um militar distinto e brioso. O que tenho é o direito, de que não prescindo, de discutir um problema que me parece fundamental para a República, não havendo nas minhas críticas nenhuma espécie de má vontade seja contra quem fôr.
Mas, Sr. Presidente, sabe V. Ex.ª quanto é que custa êste pequeno despacho ministerial a que me referi? Custa cêrca de 800 contos, verba que poderíamos empregar nas escolas de repetição, realizando assim uma obra bem mais útil e mais moral. (Apoiados). Não o fizemos e andámos a ratinhar todas as verbas de instrução e material, porque não sabemos onde é que havemos de ir reduzir as despesas. Assim, tratamos de reduzir as verbas de material, porque êste não se queixa, como se não queixam os soldados que, no seu íntimo, talvez gostem de ficar em casa. Mas amanhã pode ser que haja uma voz um pouco mais forte que venha dizer-nos que procedemos mal.
Apesar de constantemente e desde há muitos anos manter nesta casa uma política de redução das despesas públicas, nunca foi meu propósito realizar essa redução à casta do que é absolutamente necessário à segurança e à tranquilidade da Nação. Não acho que o orçamento do Ministério da Guerra seja o próprio para reduzir, estando mesmo convencido de que, querendo-se estudar êsse orçamento com olhos de ver, em vez de reduzir teremos de aumentar as despesas.
Apoiados.
É, porém, Absolutamente necessário que procuremos reduzir as despesas inúteis ou improdutivas e, como disse o ilustre Deputado, Sr. Joaquim Ribeiro, moralizar os serviços e a aplicação dos dinheiros, em ordem a conseguir para o exército a sua maior e mais vasta eficiência. Êsse é que é o pensamento que deve orientar o Ministério da Guerra e que deverá guiar o Parlamento quando venha a tratar a sério — e espero que há-de chegar êsse dia — do problema da defesa nacional.
Para terminar, visto que não desejo fatigar a atenção da Câmara, não posso deixar de fazer algumas pequenas considerações que explicam inteiramente a minha atitude nesta questão. Eu sinto, por mo terem dito e por ver, que representou uma surpresa o facto de uma pessoa como eu tam afastado das questões técnicas de natureza militar, ter tomado pelo orçamento do Ministério da Guerra o calor que eu tomei. Em primeiro lugar, devo frisar que sou absolutamente contrário a que, tanto no Ministério da Guerra, como em qualquer outro, sejam os interessados os únicos encarregados de reformar a sua situação. Os erros têm resultado daí e as deploráveis consequências estão bem patentes, mas, ao lado desta há outras questões. Há, efectivamente, uma questão grave no Ministério da Guerra, que é a do aumento constante do número de oficiais, e especialmente de oficiais superiores. É uma questão que é preciso tratar de frente, parecendo-me bem que, só ela se referisse a quaisquer serviços civis, não teria havido as hesitações que tem havido até hoje com o exército. O Parlamento, porém, não tem de forma nenhuma que distinguir entre civis e militares, porque uns e outros, funcionários, são todos igualmente funcionários do Estado, todos com direito aos mesmos sacrifícios do Estado, todos com obrigação aos mesmos sacrifícios para com o Estado. O que é necessário haver antes de tudo é o estudo exacto das necessidades nacionais
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para criar o funcionalismo, quer civil, quer militar, que seja o suficiente, mas eficiente para o serviço. É isto o que acontece com o exército? Infelizmente, não é, tornando-se imprescindível que o problema se estude de uma vez. Como fazê-lo? Não creio que isto possa ser a obra de uma só pessoa, por mais alta que seja a sua categoria e por maior que seja a sua competência. Não creio sequer que possa ser a obra de um só Partido. Nós, os Partidos da República, temos de reconhecer que temos leito muitas revoluções a mais e, porque as fizemos, nos encontramos, em relação a certos problemas, numa situação de certa deminuïção de autoridade e de fôrça.
Devemos pensar que, inesperadamente, podem surgir para o País umas circunstâncias semelhantes àquelas que nos apareceram em 1917 e que tenhamos de fazer um esfôrço para realizar uma obra que não está nos nossos programas.
Ninguém pode estar absolutamente seguro de que amanhã não surja uma nova eventualidade dêsse género; e, por isso, temos o absoluto dever de nos encontrarmos, na possibilidade de fazer o que já fizemos.
Há alguém tão onisciente que possa garantir-nos que num futuro próximo não tenhamos de fazer novamente a nossa colaboração mima guerra?
Eu creio que não. Pelo contrário, tenho ouvido dizer a homens que nos merecem bastante confiança, que tal hipótese ninguém poderá prever que não suceda.
Será absolutamente uma loucura ou um feminismo a previsão da possibilidade dum conflito armado em que nos vejamos envolvidos?
Não há ninguém que o possa afirmar.
Se as pessoas que têm o dever de orientar a política nacional no sentido da defesa do País, não olharem a sério para esta eventualidade, quando amanhã as circunstâncias nos obrigarem a cumprir o sagrado dever de efectivar essa defesa, teriam cometido o maior dos crimes, porque teríamos de suportar ou a vergonha duma derrota ou a vergonha duma cobardia.
Há que fazer sacrifícios. Todos o reconhecemos. Pois façam-se êsses sacrifícios e organize-se o exército como deve ser.
Eu nunca fui partidário de que se desrespeitassem os direitos adquiridos ou as situações criadas. Não quero matar ninguém à fome nem condenar ninguém à miséria; simplesmente o que desejo é que num esfôrço comum haja um pouco de sacrifício do Estado e um pouco de sacrifício dos homens, porque só assim chegaremos a criar uma fôrça correspondente àquella que deve ter o exército português.
O que se gasta actualmente com o exército resulta em simples e pura perda. E por isso valia bem a pena valorizar êstes 139:000 contos, com mais 100:000, porque assim não correríamos a contingência de perdermos os 139:000 contos.
Há uma grande obra a fazer e efectivamente é preciso, disse-o já e repito agora, lançar as bases duma nova política militar.
A República precisa ter uma política internacional, precisa ter uma política de fomento e precisa ter uma política colonial; mas se é deplorável que não tenhamos uma política internacional, se é lastimável que não tenhamos uma política de fomento, e se é triste que não tenhamos uma política colonial, é verdadeiramente criminoso que não tenhamos uma política militar. É preciso arranjá la e essa tarefa incumbe aos políticos ligados aos técnicos e, sobretudo, aos homens que, sendo políticos, são também técnicos. Faça-se o estudo desta questão.
Não é a hora de fazer uma proposta nesse sentido, mas anuncio esta idea para que cada Deputado pense, no fôro da sua consciência, na maneira de a pôr em prática.
Acho que é indispensável, uma vez que a comissão de remodelação dos serviços públicos terminou as suas funções, que nós instituamos uma comissão de defesa nacional, encarregada do estudo das bases da política militar. É necessário que isso se faça.
Sr. Presidente: ao concluir estas minhas considerações, permita-me V. Ex.ª que repita o pensamento que me aninou em toda esta discussão. Longe de fazer um ataque ao exército português que a todos, a nacionais e a estrangeiros, merece a mais alta consideração, eu procurei prestigiá-lo, fazê-lo respeitado e torná-lo bem digno das suas altas funções.
Se, porventura, podem surgir lesados alguns interêsses particulares pela execução dêste meu plano, isso resulta simples-
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mente do facto de êsses interêsses se encontrarem em antagonismo com a moral e com o brio do exército. Mesmo um exército, para ser forte, deve afastar de si os instrumentos que querem sobrepor-se-lhe.
O meu desejo, não sendo pròpriamente o de um homem militarista, é o de encontrar a forma de termos uma instituição militar que sirva cabalmente a Pátria e a República, uma instituição em que possamos colocar inteiramente as nossas esperanças, os nossos interêsses, uma instituição em que possamos confiar, entregando-lhe a defesa numa hora de angústia, da nacionalidade portuguesa, da sua independência e da sua honra.
Tenho dito.
O orador foi muito cumprimentado.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: treze ilustres Deputados usaram da palavra acêrca da proposta orçamental do Ministério da Guerra.
O Sr. Ministro da Guerra respondeu às considerações de S. Ex.ªs, que versaram determinados factos sucedidos no Ministério da Guerra. Eu como relator escusar-me-ia de usar da palavra se não tivesse de responder a algumas referências de carácter muito pessoal que no decurso do debate me foram feitas.
A discussão feita sôbre o artigo 2.º foi tam larga que se pode classificar dama discussão na generalidade. Mas eu devo responder em primeiro lugar ao Sr. Pinto da Fonseca, esclarecendo a Câmara acêrca dos motivos por que me encontro relatando o orçamento do Ministério da Guerra.
Há quinze dias houve uma reunião da comissão do orçamento para a qual fui convidado. Era, pois, uma sessão da comissão do orçamento, que só poderia efectuar-se com número legal.
Ninguém teve a deferência de me informar que se tratava de uma conversa particular para serem esclarecidos diversos pontos de vista.
Eu levantei então na comissão a questão da sua legalidade.
Dava-se a circunstância de estar presente na reunião um ilustre Deputado que está interinamente substituído nessa comissão, é de se achar igualmente presente o Sr. Deputado que o substitui. Evidentemente, um dos dois estava a mais; e, desde que um se retirasse, a comissão não teria número legal para tomar resoluções.
Foi êste o facto que se passou e a que se referiu, ontem, o Sr. Pinto da Fonseca.
Eu ignorava que se tratava de S. Ex.ª ir saber a opinião da comissão para depois de conhecê-la, aceitar ou rejeitar a função de relator que com tanto brilho tem já desempenhado.
Em seguida reüniu a comissão do orçamento. Depois de terem sido discutidas a proposta do Sr. Ministro da Guerra e a moção do Sr. António Fonseca, trocaram-se várias impressões na comissão a cuja reunião assistiu o Sr. Ministro da Guerra. Usando da palavra eu disse com toda a sinceridade qual era a minha opinião sôbre o assunto que se debatia. Um ilustre membro da comissão propôs que fôsse eu o relator do orçamento do Ministério da Guerra. Recusei êsse encargo, alegando como motivo principal dessa minha recusa o facto de todos os orçamentos terem sido relatados por ilustres membros do Partido Democrático que constitui a maioria da Câmara, e não pertencer eu a êsse Partido, pois que reservo a minha situação de independente.
Fui instado para assumir a função de relator, sendo-me mostrada a necessidade de eu aceitar semelhante encargo. Aceitei e fi-lo, não só para atender às instâncias que me foram feitas, mas ainda porque não fazendo já parte da comissão o Sr. Pinto da Fonseca, êle não poderia ser o relator dêste parecer.
É esta a verdade. Por consequência necessito dar várias informações acêrca de várias reuniões que houve nesta casa do Parlamento, a propósito da discussão do artigo 2.º
Havia uma proposta para rectificar os quadros. Havia uma proposta que obrigava a comissão do orçamento. Não era essa a opinião de toda a comissão do orçamento.
As moções votadas nesta casa do Parlamento não obrigavam por forma alguma ao estudo e não indicavam qual havia de ser a orientação da comissão do orçamento.
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Ora a comissão foi de opinião que a moção do Sr. António Fonseca nos obrigava ao estudo do orçamento do Ministério da Guerra e fixação dos quadros que o artigo 2.º fixava e devia ser feita em harmonia com a moção.
Por consequência, creio que não é necessário cansar a atenção da Câmara, para responder aos ilustres Deputados Srs. Cancela de Abreu e António Fonseca.
A Câmara está suficientemente esclarecida sôbre a legalidade com que procedeu a comissão do orçamento. Procedeu legalmente, obedecendo inteiramente às deliberações desta casa do Parlamento que aprovou a moção do Sr. António Fonseca. Ao contrário do que brilhantemente expuseram os Srs. Cancela de Abreu e António Fonseca, a comissão cumpriu a lei.
No parecer submetido à consideração da Câmara, a comissão do orçamento indica as disposições das leis publicadas posteriormente ao decreto de 25 de Março de 1911 que permitiram as alterações introduzidas no quadro. Foi, pois, em obediência ao critério aprovado por esta Câmara que se alteraram os quadros de 1911 e se criaram os lugares: Êsses lugares serão preenchidos, se forem julgados indispensáveis, por oficiais supranumerários e os serviços, a que se referem as mesmas ordens do dia, serão desempenhados por oficiais e praças supranumerárias. Por consequência a comissão do orçamento obedeceu rigorosamente à lei, às deliberações desta casa do Parlamento, e essas deliberações foram tomadas em harmonia com o espirito da lei.
O ilustre Deputado, Sr. David Rodrigues, na sua estreia brilhantíssima, referiu-se ao orçamento do Ministério da Guerra, Segundo a confissão de S. Ex.ª, devem parar as promoções, até que se adoptem novas disposições orgânicas. É a forma de entrar em caminho novo. É parar com as promoções, até que se aprovem nesta casa do parlamento as bases, em que deve assentar a lei orgânica do exército.
Mas ainda antes de me referir a êste ponto devo responder ao ilustre Deputado Pinto da Fonseca.
Devo dizer que sempre procurei proceder regularmente em todos os actos da minha vida política.
Sempre condenei o sistema de promoções que se tem seguido no exército. Segundo a afirmação que faço no parecer que tive u honra de relatar, nessas promoções tem-se descurado o prestígio do exército.
Nas minhas palavras não se descobre a mais leve aprovação a qualquer das leis que tem introduzido sensíveis modificações no sistema adoptado.
O Sr. Pinto da Fonseca referiu-se à lei que promoveu os oficiais do estado maior. Já havia feito referências a essa lei, que, como todas as outras, não obedeceu ao princípio fundamental.
Essa lei, da responsabilidade do Sr. Pereira Bastos, não atendeu à boa harmonia que deve existir em todas as unidades.
A comissão foi de parecer que isso se deve manter.
Eu entendo que desde o momento que o quadro seja de 51 oficiais, corresponde àquilo que a comissão do Orçamento preconiza. Uma organização posterior da guarda republicana suprimiu os cargos de chefe e sub-chefe da mesma guarda, e a comissão do Orçamento não fez mais do que rectificar os quadros.
A questão fundamental da constituição dos quadros, discutida no artigo 2.º, creio que está suficientemente esclarecida. Ou a Câmara procede de forma a adoptar quaisquer medidas tendentes a evitar êste estado de cousas, que tantos prejuízos tem acarretado para o prestígio do exército e da República, ou deixa prosseguir esta situação e o mal ir-se há agravando cada vez mais.
Novamente chamo a atenção da Câmara para a afirmação que aqui se tem produzido de que a comissão do Orçamento não tem apresentado quaisquer medidas no sentido de reduzir o grande número excedente de oficiais graduados que existe no exército.
Esta afirmação carece em absoluto de fundamento.
Os remédios apresentados são muitos, e todos êles podem concorrer para dalguma maneira modificar esta situação.
Se cada um dêstes remédios, de per si, não são suficientes para o efeito a que se destinam, se forem aplicados todos em conjunto podem dar grandes resultados.
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Em todos os exércitos que entraram na guerra há um grande excesso de oficiais.
Esta é que é a verdade.
A França tem hoje, é certo, mais 2:000 oficiais do que tinha em 1914, mas o Ministro da Guerra francês declara que em 1919 o número de oficiais era de 47:098 e hoje está reduzido á 37:600. Isto quere dizer que a França conseguiu abater ao seu efectivo, em 4 anos, 9:498 oficiais.
Não é isto o que se tem feito em Portugal.
Nós estamos sofrendo as consequências dêsse mau sestro que orientou, num determinado momento da nossa história política, os governantes do nosso País.
Ainda não se adoptaram aquelas medidas que a moral impõe para, duma maneira insofismável; se acabar com êste estado de cousas em que permanecemos.
É absolutamente necessário que se trate da situação dos quadros dos diversos serviços, e se estabeleçam normas bem claras que regulem a promoção dos oficiais.
Emquanto isto se não fizer, estou inteiramente de acôrdo com o ilustre Deputado Sr. Abílio Rodrigues: pare-se com as promoções, quer haja vagas, quer não. É preciso que quem governa, governe com energia. É indispensável que os governantes assumam as responsabilidades dos seus actos. Governante não é apenas o Poder Executivo; todos nós somos governantes porque temos a responsabilidade dos nossos actos nas medidas para resolver o problema instante da reorganização do nosso exército.
Mas não me tenho cansado do dizer à Câmara que a comissão de guerra tem à sua disposição os elementos indispensáveis para regelar êste estado de cousas.
A comissão de guerra tem, desde o ano passado, aqueles dados que adoptados, quando fossem executados, poderiam já ter acabado com êste estado de cousas que tanto prejudica o exército e que tanta celeuma tem levantado no País com desprestígio para todos. A comissão de guerra ainda não deu o seu parecer.
Ir publicar diplomas, com as várias exigências do departamento militar, é impossível.
Todos os dias chegam reclamações de interêsses pessoais de quem se sente prejudicado em relação a outros mais favorecidos e...
O Sr. Presidente: — É precisamente a hora do abrir o Congresso.
Se V. Ex.ª quere, fica com a palavra reservada.
O Orador: — Fico então com a palavra reservada.
O Sr. Presidente: — Está interrompida a sessão até as 21 horas e meia.
Eram 17 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente (às 22 horas e 10 minutos): — Está reaberta a sessão.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: como tive ocasião de dizer, antes da sessão ser interrompida, quando se entrar na discussão na especialidade, eu terei então oportunidade de me referir a cada um dos pontos versados pelos oradores que têm discutido êste orçamento.
Alguns oradores, e entre êles o Sr. Lelo Portela, referiram-se à necessidade que temos de cuidar da defesa nacional. S. Ex.ª o Sr. Lelo Portela tratou também detalhadamente da falta de material.
Êsse assunto será por mim versado com a possibilidade de tempo que é dado a cada orador, quando se entrar na discussão do capítulo 2.º
S. Ex.ª aludiu ainda a deficiências de instrução por falta de verba orçamental.
A êsse assunto referir-me hei quando se discutirem os capítulos 16.º e 18.º que definem o que deve ser a política pedagógica militar do Ministério da Guerra.
S. Ex.ª o Sr. Aires de Ornelas referiu-se à questão da fiscalização do Ministério da Guerra.
Êsse assunto mereceu-me o máximo cuidado, e com todo o desassombro afirmo no meu relatório que a fiscalização do Ministério da Guerra não é aquela que mais se harmoniza com os bons princípios de administração. E é por isso que, ainda na sessão de outem, eu tive a honra de mandar para a Mesa um projecto de lei criando um serviço de fiscalização militar técnico dependente do Conselho Superior de Finanças, e constituído nas condições que me pareceram mais convenientes.
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Esta questão da fiscalização militar é das mais interessantes e é para ela que o Parlamento deve fazer incidir a sua maior atenção.
Também tive a honra de mandar para a Mesa um requerimento pedindo cópia de todas as fiscalizações feitas pelos oficiais da administração militar aos vários estabelecimentos dependentes do Ministério da Guerra. Espero que o Sr. Ministro da Guerra, com aquela brevidade que fôr compatível com as exigências do serviço burocrático, satisfará o meu requerimento, para que eu possa fazer um juízo seguro da forma como tem corrido a fiscalização nos serviços do exército, não obstante eu saber que a administração no exército é perfeitamente honesta. Se infelizmente algumas faltas são apontadas, isso não admira numa corporação com milhares de elementos; mas quando elas se dão, são reprimidas com toda a severidade.
A verdade é que é extremamente fácil no Ministério da Guerra gastar verbas que são inscritas no orçamento para pessoal, em obras nos edifícios militares e em compras de material.
Eu julgo que esta questão podia ser resolvida com o projecto de lei que eu tive a honra de enviar para a Mesa, caso êle mereça a distinção de ser convertido em lei do País — projecto que não é novo porque já em 1920 houve um ilustre deputado que apresentou um projecto idêntico — projecto êste que como muitos outros teve os pareceres das comissões respectivas e não foi convertido em lei.
Visto não estar presente ninguém da minoria monárquica e para êste facto eu queria chamar a atenção daquele lado da Câmara, por êste parecer ser anterior a 1910.
Não foram justas as palavras do Sr. Deputado Carvalho da Silva quando fez a análise do orçamento do Ministério da Guerra. Não está presente nenhum dos seus correlegionários, mas estranho que o Sr. Aires de Ornelas, que não está presente, se servisse duma sinceridade para salientar que o exército se encontrava em circunstâncias desfavoráveis.
O exército encontra-se em más e difíceis condições, mas o exército não se encontra em piores condições do que estava em 1910.
O Sr. António Maia: — V. Ex.ª dá-me licença? é que exactamente êste descalabro do exército foi provocado não por aqueles que tinham ido para a guerra mas pelos que cá ficaram.
O Orador: — Por consequência o que eu disse na sessão da tarde creio ser o suficiente para demonstrar que a comissão do Orçamento elaborou o seu parecer procedendo dentro da deliberação da Câmara o debaixo das leis rigorosas do País. Mas devo responder ao ilustre Deputado o Sr. Pereira Bastos. S. Ex.ª falou não só em nome pessoal, o que já era muito para atender, mas ainda fez as suas considerações em nome do Partido a que tem a honra de pertencer.
Eu não só a S. Ex.ª mas ainda ao Deputado Sr. Daniel Rodrigues quero responder; e por isso peço a atenção de S. Ex.ª para a maneira como eu expus como o exército pode ser reorganizado.
Não tenho, Sr. Presidente, o intuito de favorecer determinadas classes, nunca tive o intuito de favorecer determinados desígnios. O meu desígnio único é concorrer por todas as formas para o prestígio das instituições militares. E, assim orientado, porventura adoptando mau professo sob o ponto de vista da sua imediata realização em processos julgados extremamente radicais, a verdade é que tenho dado à comissão de guerra uma série de projectos de lei que, convenientemente estudados, poderiam talvez já ter melhorado a situação em que nos encontramos pelo que se refere a quadros do exército. Nenhum dêsses projectos teve parecer da comissão de guerra.
Posso afirmar a V. Ex.ª que êsses projectos de lei — e visto que tanto o ilustre Deputado Sr. Pereira Bastos e outros ilustres membros desta Câmara fazem a justiça de me considerar uma pessoa estudiosa, e que conhece os assuntos que verso aqui nesta Câmara — não têm, em minha consciência, qualquer êrro fundamental ou estrutural, estando convencido de que me não envergonham, nem me desonram. Se têm arestas, se têm deficiências, essas deficiências podem ser fàcilmente supridas, limadas; mas se êsses projectos de lei tivessem obtido o respectivo parecer e tivessem sido convertidos em lei, alterados, modificados ou re-
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modelados, não estávamos na situação em que actualmente nos encontramos.
O ilustre Deputado Sr. David Rodrigues, que há pouco tomou assento nesta Câmara e que já demonstrou conhecer bem o exercício da sua profissão, não conhece êsses projectos de lei, mas o Sr. Pereira Bastos, que os conhece, poderá dizer se êsses projectos, uma vez adoptados, não teriam, modificado as circunstâncias.
É esta a minha maneira dever.
Entendo que é necessário definir rasgadamente a política que queremos seguir, e não andar em constantes hesitações.
Disse alguém que as indecisões são origem de grandes catástrofes, e nós temos vivido numa permanente indecisão, sempre com o medo do que há-de vir.
Os governantes não devem ter êsses constantes receios. Os homens que estão na vida política de um país devem ter o desassombro de caminhar para a frente, tendo apenas o cuidado de saber bem o caminho por onde se segue.
Sei, Sr. Presidente, que foi esta a orientação preconisada pelo Sr. António Fonseca, e eu tenciono apresentar ao Parlamento medidas que permitam definir esta atitude pelo que respeita aos problemas nacionais. Não se tem procedido assim.
O Sr. Pereira Bastos: — Os projectos que V. Ex.ª tem apresentado aqui, juntamente com outros sôbre o mesmo critério, constituem uma base para estudo da sub-comissão de guerra que está encarregada da remodelação dos serviços públicos. Os trabalhos de V. Ex.ª não se consideram cada um de per si, mas como um conjunto a estudar.
O Orador: — Agradeço os esclarecimentos que, pela primeira vez, tenho a honra de ouvir do ilustre presidente da comissão de guerra, mas devo dizer que me não conformo com êsse critério. Parece-me que não é êsse o caminho mais harmónico e que todos os Parlamentos seguem.
Estou convencido de que, se se tivessem adoptado algumas medidas tendentes a solucionar êste caso das promoções, nós não tínhamos sofrido as acusações que temos ouvido acêrca das consequências das célebres leis que têm sido publicadas.
A lei de promoções estabelece a maneira como os quadros hão-de ser preenchidos e estabelece a forma como os funcionários, civis ou militares, hão-de ser seleccionados.
Isso nada tem com o quantitativo dos quadros e, por isso, não sei para que se esteja esperando que essa reorganização se faça. Mais ainda: se nós tratarmos do problema da reorganização do exército, êsse problema não tem aquela complexidade que muitos querem que êle tenha.
Há várias opiniões sôbre o problema da reorganização do exército, a radical, que o Sr. Barros Queiroz quere, em que o soldado deve ser feito nas suas casas.
Uma vez, em 1921, numa conferência realizada no Pôrto, e outra vez, numa das sessões do ano passado, disse S. Ex.ª que o recrutamento deve ser profundamente radical, que deve ser absolutamente local.
Evidentemente que os técnicos não podem compreender uma tal concepção no exército. Estou certo de que o Sr. general Pereira Bastos, que é hoje correligionário do Sr. Barros Queiroz, já teria tido algumas conversas com S. Ex.ª para o convencer de que não deve ser tal cousa.
Eu creio que o departamento fica fora dessas bases, que poderão servir para a reorganização do Ministério da Guerra, mas não servem em nada para a reorganização geral do exército. São problemas diferentes.
Eu não compreendo que o Sr. Pereira Bastos esteja à espera da reorganização dos serviços públicos para reorganizar o exército.
Era urgente que o exército fôsse reorganizado, mas essa reorganização não pode ser feita dum só jacto.
A França já tem a lei de 1 de Abril que diz respeito a êste assunto, e está esperando a chamada reorganização geral do exército, porventura o diploma mais importante da legislação militar francesa.
Até aqui os nossos Ministros da Guerra não se tem importado com êste assunto, devido a esta crise que se apresenta na República Portuguesa, crise essa que, como eu já tenho dito, é uma crise de confiança. Não há confiança nas diferentes organizações, há a tendência excessi-
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vamente absorvente, e que excessivamente consome todas as energias.
Segundo o plano do general Sr. Pereira Bastos, o país ficaria dividido em três regiões, e o ilustre Deputado relator do orçamento da Guerra, o Sr. Pinto da Fonseca, referiu-se também a êste assunto e previu a possibilidade de a organização do exército ter como consequência a elevação do número de oficiais.
Isto é de atender.
Eu assinei com uma declaração de voto; e devo dizer aqui ao ilustre Deputado, Sr. Pinto da Fonseca, que esta minha atitude não foi uma censura à opinião de S. Ex.ª — cousa que sou absolutamente incapaz de fazer — significava apenas que eu não concordava com as ideas de S. Ex.ª
Eu assinei com declaração de voto, é um dos pontos que eu acho absolutamente discutíveis, é êste de esta medida ter como consequência a elevação do número de oficiais.
O Sr. Pinto da Fonseca: — V. Ex.ª dá-me licença?
O que eu disse é que, se porventura uma reorganização fôsse reduzir o quadro permanente, se ia aumentar o número de oficiais milicianos.
O Orador: — Eu chamo a atenção do ilustre Deputado, Sr. Pereira Bastos, para que S. Ex.ª coloque, na consideração que lhe merecer, as considerações que vou apresentar para a necessidade de remodelar imediatamente o exército.
O plano que S. Ex.ª apresentou tem o perigo que o Sr. Pinto da Fonseca diz no seu parecer, tem o grave inconveniente de imediatamente provocar uma efervescência de carácter político a que há absolutamente de atender e se poderá evitar.
Eu, Sr. Presidente, chamo para êste facto a atenção de V. Ex.ª e da Câmara: penso, que se devem, manter as oito regiões de recrutamento; essas oito regiões serem organismos de carácter administrativo, organismos que tratem do recrutamento, mobilização e remonta. Essas oito regiões são as que actualmente existem subdivididas era pequenos distritos de recrutamento, destinadas a exercer a função natural de remonta e mobilização nas respectivas armas. Mas, Sr. Presidente, um dos grandes inconvenientes que encontro na actual organização do exército é a disseminação dos efectivos.
Temos 19:000 praças no quadro permanente do exército e, no emtanto, não temos nas mudados o indispensável para realizar a instrução e, por assim dizer, os próprios serviços de guarnições.
Ora, Sr. Presidente, desde que nós passemos a manter essas oito regiões e tenhamos efectivos concentrados em três divisões militares, necessàriamente teremos a possibilidade de realizar a instrução dos quadros. Não sei, Sr. Presidente, se explico bem a minha idea. Julgo que deve haver três divisões, mas, ao lado dessas três divisões comandadas por generais, deve haver as oito regiões de recrutamento. Mas, dir-nos hão, sobretudo aqueles que não são militares, que isso corresponde a uma redução de unidades. Não corresponde à redução de unidades, mas é que, ao passo que há unidades que estão hoje com os seus efectivos de paz mais aumentados do que antes, outras há que estão apenas reduzidas aos quadros. Essas unidades podem ter os seus comandantes, os seus segundos comandantes, os seus oficiais, mas êsses oficiais não têm praças na unidade.
Dir-nos hão: então como é possível trabalhar sem soldados? Êsses comandantes e oficiais das unidades, desde que estejam convenientemente seleccionados e desde que sejam oficiais competentes, podem ministrar a preparação dos quadros. Mas o que é necessário é que, pelo menos, durante quinze dias ou um mês em cada ano, essas unidades tenham os efectivos para efectuar aquilo a que entre nós se chama escolas de repetição.
Assim, Sr. Presidente, nós conseguiríamos ter unidades com efectivos apreciáveis, unidades que realizassem aquele serviço que compete ao exército.
Também pelo que se refere às escolas de recrutas, embora êsse assunto seja especialmente tratado nó artigo 18.º, eu chamo a atenção do Sr. Ministro da Guerra para a designação dos efectivos que o actual sistema permite, e é exactamente referindo-me a êste facto, e a outros a que não aludo neste momento, que eu dizia que o Sr. Ministro da Guerra, dentro das suas atribuïções, podia muito bem modificar a estrutura do exército,
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alterando o sistema vicioso e pernicioso em que êle funciona.
Creio que não há nenhuma disposição legal que impeça o Sr. Ministro da Guerra de realizar as escolas de recrutas e de reunir os recrutas em determinadas unidades que têm os seus aquartelamentos preparados para êsse fim. Não há nada na organização do exército, nem na própria Constituïção da República, que o iniba disso.
Creio, pois, ter dado uma idea da forma como julgo que o exército pode ser organizado sem mais dificuldades, e em contrário da opinião do Sr. Pereira Bastos, podendo-se economizar muito dinheiro, ou podendo-se aproveitá-lo em obras de interêsse para o País.
É possível realizar um exército miliciano porque o que actualmente existe nunca foi miliciano.
Eu chamo a atenção do Sr. Ministro da Guerra para o facto de, depois da guerra, nós desprezarmos êsse meio tam fácil de desenvolver o prestígio do exército.
Nunca mais só fizeram essas escolas preparatórias, nem essas escolas centrais de oficiais. É absolutamente essencial que êste estado de cousas não continue.
Disse o Sr. Pereira Bastos, a propósito do meu projecto, que o número de generais era pequeno em relação às necessidades do serviço.
Àparte ao Sr. Pereira Bastos.
O Orador: — Pois apresentei uma proposta que mereceu ao Sr. António Fonseca umas censuras muito acerbas, como se êle tivesse o objectivo reservado de promover muitos oficiais.
Essa proposta, que está na comissão de guerra, trata do número de generais, comissões que devem desempenhar tanto os em activo serviço como os da reserva, forma como devem ser organizados os órgãos do exército, significação do seu funcionamento, etc.
Não existe no exército uma entidade que era necessária, o inspector geral da instrução militar.
O sistema das leis intangíveis tem as consequências que todos vêem.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (em àparte): — E senão, haja em vista a Lei da Separação...
O Orador: — Mas, Sr. Presidente, parece-me que nem em tudo eu estou em desacôrdo com o Sr. general Pereira Bastos. S. Ex.ª pela primeira vez, que eu conheça, condenou a promoção por antiguidade.
O Sr. Pereira Bastos (interrompendo): — Pela primeira vez, não.
O Orador: — O Sr. Pereira Bastos condenou a promoção por antiguidade, porque — ninguém diria tal — S. Ex.ª é presidente da comissão de guerra o tem entregue nessa comissão um projecto em que se estabelece a promoção por selecção.
Salvo a opinião do ilustre Deputado e da comissão, trata-se dum projecto de lei que não tem dependência alguma com a reorganização do exército, e, no emtanto, está esperando-a.
Diga-se antes que há muito receio de se publicar uma lei estabelecendo promoção que não seja por antiguidade.
Não se apresentou um argumento sério sôbre quais eram os defeitos do meu projecto; e não se provou que êle não concorria eficazmente para o aperfeiçoamento das instituições militares. Êle obrigava à trabalhar, a estudar e a reflectir; e são exactamente êsses meios que servem para colocar o exército à altura em que êle deve estar e que sorvem para fazer a selecção.
Vou agora referir-me às considerações do ilustre Deputado Sr. Pinto da Fonseca. S. Ex.ª certamente não quis reproduzir um artigo que um jornal republicano publicou depois de eu ter apresentado o meu projecto de lei, porque se dá o facto do serem as mesmas considerações que S. Ex.ª fez...
O Sr. Pinto da Fonseca (interrompendo): — Eu afirmo a V. Ex.ª sob a minha palavra de honra que desconhecia êsse jornal.
O Orador: — Bem, mas é preciso que eu acentue à Câmara que me cumpre não deixar criar uma atmosfera malévola o de suspeição.
Devo dizer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara, que a parte essencial dêsse
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projecto de lei é reduzir o número de generais, de 20 a 12.
Outro ponto essencial também é a questão do limite, de idade e que merece também a nossa atenção.
Se êsse projecto fôsse aprovado, o serviço do estado maior e de saúde melhorariam consideràvelmente e todos os quadros se melhorariam de forma a se aperfeiçoarem mais.
É êsse o meu objectivo.
Tenho dito, Sr. Presidente.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.
O Sr. Ministro da Guerra (Fernando Freiria): — Sr. Presidente: permita-me V. Exa e permita-me a Câmara que, ao iniciar as minhas considerações sôbre o orçamento do Ministério da Guerra, eu comece por prestar as minhas homenagens sinceras e verdadeiras aos dois ilustres Deputados relatores dêste parecer.
Se o Sr. Pinto da Fonseca não trabalhou mais, não é sua a responsabilidade: pertence ao Ministro da Guerra, que não lhe forneceu os elementos necessários, como as verbas devidamente discriminadas e averbadas para que S. Ex.ª pudesse fazer e corrigir os capítulos, tal como se encontram actualmente corrigidos.
O Sr. Deputado, e também relator dêste parecer, o Sr. Pires Monteiro, a Câmara já lhe conhece as suas faculdades de trabalho, assim como eu que já tenho tido a honra de o ter como auxiliar. Devo ainda dizer a V. Ex.ªs que num período que não excedeu 48 horas S. Ex.ª produziu todo êsse trabalho que representa o parecer desenvolvido e os mapas respectivos; e só quem não fez mapas na sua vida é que não sabe o trabalho que isso dá. Só por aqui se pode ver as faculdades extraordinárias de trabalho dêste ilustre Deputado.
Prestada esta homenagem, eu entrarei pròpriamente no assunto.
Disse o Sr. Pereira Bastos, na sessão da tarde, que o orçamento do Ministério da Guerra tinha, de facto, de ser tratado com todas as honras.
E um orgulho para o exército, para o Ministro e para o Sr. relator a maneira como se tem discutido êste orçamento, e disse o ilustre Deputado que, estando em discussão o artigo 2.º, verificava que se fazia uma discussão, na generalidade, pela segunda vez.
Permita-se-me que eu faça uma rectificação: é pela terceira vez. Por ocasião da apresentação da minha proposta para que o orçamento fôsse revisto, durante uma semana se discutiu na generalidade; depois disso já voltou a haver outra discussão, e agora, nesta sessão prorrogada, a propósito do artigo 2.º do mesmo orçamento, foram os oradores nada menos de 15. E é, por consequência, a 15 Srs. Deputados que eu tenho de responder. Por mais breve que queira ser, nunca poderei faltar à consideração que me merecem todos êsses Srs. Deputados. E, assim, só que leve 5 minutos a responder a cada orador, 5 X 15 são 75, ou seja uma larga hora.
Perdoem, pois, S. Ex.ªs se eu os fôr fatigar, mas sirva-me de lenitivo a circunstância que se antepõe ao meu espirito de, tendo sido a questão já ventilada nos seus múltiplos aspectos, os artigos respeitantes ao pessoal serem discutidos com mais parcimónia.
Vou, na minha resposta, pela ordem cronológica dos oradores.
Começou a discussão o meu ilustre camarada, e que me prezo de contar como amigo, Sr. Pereira Bastos.
A religiosidade com que quási toda a Câmara ouviu S. Ex.ª, dispensa-me de fazer-lhe os maiores encómios, que, aliás, estão no meu espírito.
S. Ex.ª abordou os pontos que deviam ser considerados numa organização do exército. S. Ex.ª anunciou os seus trabalhos — e como Ministro eu folgo muito com isso — e anunciou a quási conclusão do seu estudo sôbre as bases em que devia assentar uma futura reorganização.
Deixou-nos S. Ex.ª a esperança de que essa organização será presente à Câmara ou por iniciativa de S. Ex.ª ou não, sendo também presente aquela anunciada proposta do Sr. António Fonseca relativa à defesa nacional.
São vários problemas difíceis que há de resolver com a solidariedade de todos os partidos políticos, atendendo que, em última análise, o País quere a fôrça armada como elemento defensivo.
Àpartes.
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Sr. Presidente: aludindo às deficiências do exército, o Sr. Pereira Bastos analisou os remédios a dar a êsses males de que enferma o exército. E, entre êsses remédios, apontou um que considera primordial, aquele que consiste em dar que fazer ao exército.
Evidentemente, um dos males de que enferma o exército é a estagnação que resulta da falta de recursos de materiais e de meios económicos que são necessários para que êle possa desempenhar a sua missão.
Para se conseguir isso é necessário muita instrução; e, a êste propósito, S. Ex.ª aludiu à selecção, que é uma das bases da reorganização de 1911, no que se refere às condições gerais de promoção exigidas na passagem de postos para postos.
Mas S. Ex.ª, que é um espírito esclarecido e justo, não atribuiu essas circunstâncias a culpas dos respectivos Ministros, mas a factos doutra natureza, encontrando também nos orçamentos razões das dificuldades de as leis não se cumprirem.
Entre as dificuldades das condições de promoção dum pôsto para outro estão as escolas do repetição, que não se têm feito, e isso não admira porque não tem havido verbas inscritas e os fundos existentes não chegam e têm outros destinos muito diferentes.
Outra condição para as promoções é a função de comando, que não se pode realizar com facilidade.
Tem de se atender aos postos superiores e aos postos subalternos e...
Interrupção do Sr. António Maia que não pôde ser ouvida.
O Orador: — São razões dos factos, entre outras a lei n.º 939. E a propósito de vários casos citados aqui na Câmara, seja-me permitido que, seguindo a tal ordem cronológica, eu trate de um caso citado num àparte pelo Sr. Joaquim Ribeiro, que tenho o desgosto de não ver presente.
Foi chamado um caso de imoralidade consentir-se que oficiais vão fazer escolas de repetição vencendo ajudas de custo.
Eu, tendo autorizado pagamentos a oficiais nessas condições, devo explicar à Câmara que dei essas autorizações no precisos termos da lei.
Os oficiais que estão nas condições de subirem aos postos imediatos têm de satisfazer à exigência de fazerem a escola de recrutas.
Êsses oficiais ou estão arregimentados ou não. Se estão arregimentados, a lei é clara, e dentro do seu regimento fazem a escola de recrutas; mas se não fizerem a escola de recrutas a culpa não é deles.
Aqueles que não estão arregimentados estão em determinadas comissões; e quando chega o tempo do ir fazer a prática do comando das escolas de recrutas, êles têm um prazo para requerer, e se não requerem são prejudicados.
Também de duas uma: ou indicam a unidade onde querem prestar êsse serviço por conveniência própria, ou não indicam, e o Ministério da Guerra tem de dar instruções nesse sentido; mas êsses oficiais têm, pela lei, direito às respectivas ajudas de custo.
Àpartes.
Foi esta imoralidade apontada pelo Sr. Joaquim Ribeiro, quando afinal estudo o que há de mais legal.
Também S. Ex.ª se referiu a factos passados no Corpo Expedicionário Português com relação à questão do batalhão n.º 34. Neste ponto também tenho que responder ao Sr. Tôrres Garcia que igualmente se referiu ao assunto.
Eu recordo-me como os factos se passaram, porque fazia parte do estado maior.
Como o batalhão n.º 34 se portou em Portugal, não sei porque estava em França; o só conheço os factos desde a entrada dêsse batalhão em terras de Flandres.
Não costumo falar da minha pessoa, mas para esclarecer a Câmara posso dizer que me recordo dêsses factos, porque se passaram na minha presença.
Estava fazendo serviço no Quartel General do Corpo Expedicionário Português; como tinha a honra de ser cheio da Repartição dos Serviços, tudo quanto dizia respeito a movimento de tropas e ao seu abastecimento corria pela minha mão.
Foi anunciada a chegada da primeira unidade, o batalhão do infantaria n.º 34, um dos que jazeram largos dias embarcados no Tejo, o qual ia num estado verdadeiramente lastimável.
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Era uma fria madrugada da Flandres. O comboio chegou a En-sur-Ly, desembarcando a unidade, que, se não me engano, era comandada por seis ou sete oficiais. Não sei se quem a comandava era o comandante; mas o que posso afirmar é que fui levá-los ao local dos acantonamentos.
O Sr. Lelo Portela: — V. Ex.ª dá-me licença? Um dos oficiais que nessa ocasião estavam na estação era eu.
O Orador: — Não havia, portanto, como a Câmara acaba de ver falta de oficiais para comandar o batalhão.
Relativamente a um outro ponto também bastante importante, e êsse é a afirmação aqui feita de que a Nação ao lado da qual combatíamos tinha intervindo a favor dêsse batalhão pelo estado em que êle se encontrava, devo dizer que, percorrendo os arquivos do Corpo Expedicionário Português e tendo consultado, muitos oficiais que lá estiveram e aqueles que o comandaram, não encontrei documento algum que se referisse a qualquer intervenção inglesa.
Seguidamente, usou da palavra o Sr. Viriato da Fonseca que advogou a necessidade de se dar ao exército uma nova organização. Estou plenamente de acôrdo com S. Ex.ª
Salientou S. Ex.ª depois a falta de material que o exército tem.
Sr. Presidente: são verdades que não se podem ocultar.
Na realidade é enorme a falta de matéria; e relativamente a gado essa falta é aterradora, não só no presente mas principalmente no futuro. Os solípedes, principalmente os cavalos, que se encontram ao serviço do exército, estão velhos e esgotados por campanhas e pelas necessidades do serviço interno.
E, para mostrar à Câmara quam importante é essa falta, basta dizer que há regimentos que têm apenas 44 solípedes, sendo o que tem mais o regimento de cavalaria n.º 2, que possui 190 cavalos, incluindo os de fileira, montadas de praças e oficiais.
O Sr. Pires Monteiro (em àparte): — Foi por êsse motivo que eu defendi a concentração dos efectivos.
Se V. Ex.ª tivesse apenas três regimentos de cavalaria, nada disso acontecia.
O Orador: — Aqui têm V. Ex.ª, com dados certos, os solípedes que fazem, parte dos onze regimentos de cavalaria.
O Sr. António Maia: — Seria talvez, bom que V. Ex.ª dissesse à Câmara qual o número de solípedes que deve ter cada regimento.
O Orador: — Eu sintetiso nestas palavras: o regimento que tem mais cavalos não tem os precisos para um esquadrão em pé de guerra.
Sr. Presidente: de facto é preciso olhar para êste ponto com toda a atenção, tanto mais que, sendo a verba para ocorrer a essa baixa de 250. 000$ e custando actualmente cada cavalo entre 3 e 4 contos, apenas se poderão adquirir umas dezenas do solípedes.
O Sr. Lelo Portela: — Mas porque é que V. Ex.ª não apresentou uma verba maior?
Interrupção do Sr. Cancela de Abreu que não se ouviu.
O Orador: — Se a falta do cavalos fôsse na mesma localidade, tinha V. Ex.ª razão, mas, como assim não acontece, o número do veterinários tem de ser o mesmo, porque, não sendo as unidades no mesmo local, evidentemente que o veterinário não pode estar ao mesmo tempo em toda a parte.
O Sr. Cancela de Abreu (interrompendo): — Mas eu não critico o actual parecer da comissão sôbre os veterinários.
O que acho extraordinário é que, não havendo cavalos, se pretenda criar uma oficina de ferradores.
O Orador: — Perdão! Não é uma oficina, mas máquinas de fazer ferraduras.
Como V. Ex.ª fàcilmente verifica, é uma despesa produtiva.
Os oficiais também se reduziram porque os quadros foram reduzidos com o máximo cuidado.
Sr. Presidente: após estas minhas considerações chega-se à esta conclusão: o exército tem necessidade de adquirir ca-
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valos. Se falarmos no gado muar, então a situação apresenta-se pior porque cada duas muares custa 10 e 12 contos.
O exército tem actualmente necessidade de adquirir, pelo menos, 800 cavalos e 800 mulas.
O Sr. António Maia: — Porque não apresenta V. Ex.ª essa proposta? Estou certo de que toda a Câmara a votaria.
O Orador: — Se o Ministro tivesse incluído essa proposta no Orçamento, o que resultaria era que as despesas aumentavam em muito, porque seriam mais 1:600 solípedes a alimentar, e, mais ainda, porque era preciso tratar da sua conservação, para o que seria necessário conservar mais homens nas fileiras.
Em resposta ao Sr. Tôrres Garcia, quero ainda dizer algumas palavras, embora S. Ex.ª não esteja presente; mas quero dizê-las com precisão e nitidamente, porque tenho por S. Ex.ª a máxima consideração, consideração que entendo que S. Ex.ª tem por mim, o que não justifica de forma alguma a maneira como S. Ex.ª se referia ao Sr. Ministro da Guerra.
S. Ex.ª fez uma série de considerações, declarando que as fazia para se desagravar, e indicou nesse sentido o que supôs ter eu dito, em resposta ao seu discurso, da primeira vez que se tratou dêste assunto na generalidade. Sucedeu êste caso lamentável: é que nem eu ouvi o discurso de S. Ex.ª, tendo dele conhecimento apenas pelos extractos dos jornais, nem tive a dita de S. Ex.ª me ouvir em resposta a êsse seu discurso, sucedendo também, naturalmente, ter S. Ex.ª lido nos extractos dos jornais essa minha resposta.
Ora eu quero afirmar, e quem me ouviu pela primeira vez poderá justificar esta minha afirmação, que, em resposta ao Sr. Tôrres Garcia, da primeira vez que falou na generalidade do Orçamento, apenas disse que S. Ex.ª tinha sido injusto para comigo porque, abordando as deficiências de material do nosso exército, disse, segundo li nos jornais, que eu não tinha correspondido àquilo que declarara nesta casa do Parlamento e àquilo que tinha feito inserir na declaração ministerial, isto é, olhar pelo bom nome e prestígio do exército, visto que não o tinha dotado com o material necessário e indispensável para que êsse prestígio se radicasse. Foi êste o ponto que eu versei, quer dizer, eu quis explicar a S. Ex.ª, que não estava, presente, como agora não está, o que, portanto, não me ouviu, que eu apenas lhe respondi neste ponto porque entendia que não tinha faltado ao que prometera.
S. Ex.ª leu quaisquer outras palavras ou foi mal informado, e disse então que o tinha agravado, sobretudo pelo facto de ser S. Ex.ª um antigo oficial do Corpo Expedicionário Português.
A S. Ex.ª, que é um carácter do eleição, que aprecio devidamente, não poderia nunca fazer um agravo de qualquer natureza.
Disse mais S. Ex.ª que eu tinha estranhado, que paisanos tivessem entrado na discussão do orçamento da guerra.
Sr. Presidente: de forma alguma se me pode atribuir semelhante afirmação, não fiz tal reparo e V. Ex.ªs far-me-hão justiça de acreditar que sou suficientemente delicado para o não fazer.
É com prazer, digo-o sinceramente, que vejo que todos os lados da Câmara, profissionais e não profissionais, se interessam o têm interessado a valer pela discussão do orçamento da Guerra, seja qual fôr o ponto de vista que tenham abordado.
Sr. Presidente: quero prestar esta homenagem ao Sr. Tôrres Garcia, antigo militar miliciano, e a todos aqueles que o têm feito com sinceridade e galhardia.
Por consequência se alguém poderia sentir-se agravado seria eu e não S. Ex.ª
S. Ex.ª tanto pode ter a convicção dêste meu sentimento a seu respeito que sendo S. Ex.ª o autor do projecto de lei em que se alvitrava o regresso aos quadros de 1911, projecto que relatado na comissão do orçamento pelo Sr. Pires Monteiro sofreu uma remodelação, S. Ex.ª vindo-me apresentar essa remodelação do Sr. Pires Monteiro e ao mesmo tempo aquilo que tinha em monte, eu disse-lho com toda a sinceridade que preferia o seu projecto ao do relator, isto sem desprestígio para ninguém, ficando S. Ex.ª convencido que eu em ocasião oportuna aproveitaria a sua idea, porque entendi ser essa a solução mais equitativa, mais mo-
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ral e mais justa de resolver êsse problema, o que não quere dizer que tal qual como está redigido no que respeita aos quadros não esteja dentro da legalidade; mas uma cousa é legalidade e outra é justiça.
Sr. Presidente: não tenho dúvida em afirmar que acho mais agradável, que se dá mais com a minha consciência, o voltar-se aos quadros de 1911.
Referiu-se o Sr. Pinto da Fonseca, e creio que também o Sr. António Fonseca, a um caso que eu desejo esclarecer porque, apresentado como foi, pode causar uma impressão desagradável, senão ainda perniciosa para as instituições militares. É o caso das promoções feitas no corpo do Estado Maior de capitães a tenentes-coronéis sem passarem por majores.
O Sr. António Fonseca: — Eu não me referi a isso.
O Sr. Pinto da Fonseca: — Eu aludi a êsse facto, mas não tive o intuito de atingir V. Ex.ª ou qualquer dos oficiais promovidos, fi-lo como critica geral à lei e aos efeitos dela.
O Orador: — Agradeço a explicação do V. Ex.ª, que está bem com a rectidão do seu carácter e com a simpatia que me tem dispensado.
Como, porém, o meu nome pode ser envolvido nesse caso, seja-me permitido esclarecer o assunto, pondo as cousas no seu devido pé.
Eu fui para o Corpo Expedicionário Português como capitão e de lá saí como tenente-coronel, é um facto.
Vejamos como as cousas se passaram, e eu vou expô-las desassombradamente, confiado na veracidade do rifão português que diz «quem não deve não teme».
Fui como capitão para o Corpo Expedicionário Português em fins de 1916. Era então o Corpo expedicionário Português uma divisão reforçada, que depois, por se reconhecer nisso vantagem para a obra dos aliados, foi desdobrada em duas divisões, constituindo um corpo. Estive desde fins de Dezembro dêsse ano até Maio de 1917 fazendo parte do Quartel General da tal primitiva divisão reforçada.
Quando se desdobrou o Corpo Expedicionário Português em duas divisões nasceu a necessidade de se nomear um chefe do Estado Maior para cada uma dessas divisões. Para uma delas, o primeiro a marchar para a frente fui eu, indigitado para cheio do Estado Maior, sem qualquer pedido ou intervenção meus. O Sr. comandante do Corpo Expedicionário propoz para a metrópole a minha graduação de major e o Estado Maior do Exército, que sôbre essa proposta foi consultado, deu-lhe a sua aquiescência e eu fui graduado em major e nomeado chefe do Estado Maior, mas fui-o na minha arma de origem — artilharia de campanha.
O Sr. António Maia: — Quero crer que V. Ex.ª não tivesse culpa do que se passou, mas permita-me V. Ex.ª que lhe faça uma pergunta. Havia na metrópole alguém que tendo êsse pôsto pudesse ir para o Corpo Expedicionário Português?
O Orador: — Certamente que havia.
O Sr. António Maia: — Então para que se foi criar um major?
O Sr. Vitorino Godinho: — V. Ex.ª deve saber que há cargos para que é necessário escolher as pessoas.
O Sr. António Maia: — Eu só conheço uma razão que pode inibir qualquer oficial de estar em condições de ser escolhido: — é a de não merecer confiança à República, e nesse caso não deve estar no exército.
O Sr. Pereira Bastos: — O serviço do Estado Maior é muito especial.
O Orador: — Os àpartes que acabam de ser trocados não invalidam a minha narrativa.
Fui graduado em major na minha arma de origem, como disse, em 7 de Maio de 1917, e quatro meses depois pertence-me a vaga de major efectivo na minha arma. Fui promovido e portanto fui major ao abrigo das disposições da lei. Publicou-se depois a lei n.º 978, em que não interferi, e em consequência dela fui promovido a tenente-coronel.
Como essa lei mandava contar determinadas antiguidades, para mim resultou
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o ser capitão duma data, major doutra e tenente-coronel doutra mais atrasada. Creio que está o assunto esclarecido.
O Sr. Agatão Lança: — Mas V. Ex.ª fez exame para o pôsto de major?
O Orador: — Quando regressei à metrópole, o Estado Maior, que me tinha graduado em major, convidou-me a fazer o exame para êsse pôsto, sendo eu já tenente-coronel. Fui ao exame a com isso estou satisfeito.
O que eu posso garantir a V. Ex.ª, pois que conheço muito bem o assunto, é que êsses oficiais não foram nomeados por escolha, tanto mais quanto é certo que nos serviços do Estado Maior não há nomeações por escolha.
Deu-me depois a honra de discutir o orçamento do Ministério da Guerra o ilustre Deputado Sr. Vasco Borges que já me tinha anunciado, e com o que muito folguei, pois a verdade é que S. Ex.ª em todas as discussões em que entra nesta casa do Parlamento, o faz sempre com uma grande elevação, a que eu sou o primeiro a prestar a devida justiça.
Disse S. Ex.ª referindo-se à instrução militar, que ela não é o que seria para desejar.
Assim será; porém, ela ainda felizmente não chegou ao ponto de falir por completo, tanto assim, Sr. Presidente, que a instrução, tanto da infantaria como da cavalaria e artilharia, se tem feito, claro está, com os elementos de que se pode dispor.
O Sr. António Maia: — V. Ex.ª esqueceu-se de citar a aeronáutica militar.
O Orador: — Não tem sido como V. Ex.ª desejaria, pois a verdade é que, se bem que eu tivesse recebido no meu gabinete uma proposta para um exercício combinado com a artilharia de um navio, o que é um facto é que a não atendi por isso que era necessário despender uma certa quantia e eu não a tinha no orçamento para tal.
Disse o ilustre Deputado Sr. Vasco Borges no calor da discussão que as nomeações dos oficiais tinham sido todas feitas no Terreiro do Paço.
Sr. Presidente: se os serviços militares não são o que devem ser, as culpas não devem ser atribuídas apenas ao Ministro da Guerra, pois é provável que eu tenha uma quarta parte de responsabilidade no assunto, e, se a tenho, não a renego; porém, entendo que a culpa de facto pertence à maioria do Parlamento.
O Sr. Agatão Lança: — O que eu posso garantir a V. Ex.ªs é que a culpa pertence única e exclusivamente à maioria da Câmara que não votou algumas leis indispensáveis à melhoria do exército, e nesta parte, Sr. Presidente, eu não posso deixar de prestar justiça ao ilustre Deputado o Sr. Almeida Ribeiro, que disso que, em face dos argumentos de ordem, técnica e morai apresentados nesta casa do Parlamento, não podia deixar de votar contra a opinião do seu Partido.
Já vê, portanto, a Câmara que a responsabilidade do facto pertence única e exclusivamente à maioria dos Deputados e não ao Sr. Ministro da Guerra.
O Sr. António Maia: — Foram os Srs. Pereira Bastos e Álvaro de Castro os que principalmente defenderam essa lei.
O Sr. Pereira Bastos — Eu não defendi a lei n.º 339.
O Sr. António Maia: — Foi exactamente o argumento do V. Ex.ª que levou o Sr. Ministro da Guerra a executar a lei.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — O principal responsável é o Sr. Correia Barreto. Coloca a Câmara num gâchis impossível, e a alguns dispensaram o limite de idade para continuarem escandalosamente no exército.
O Orador: — V. Ex.ªs compreendem que, tendo de responder a uma porção de Deputados, sem desprimor, eu lhes peça que me não interrompam; não porque os àpartes me possam perturbar, pois que estou senhor do assunto, mas há vantagem para a questão em ser tratada mais ràpidamente.
Tomei depois nota do discurso do Sr. Aires de Ornelas, que lastimo não ver presente. S. Ex.ª falou como parlamentar
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Parlamento, como aliás é êste o costume dos outros Srs. Oradores.
Mas S. Ex.ª fez uma afirmação a qual como oficial, como republicano e como militar emfim, considero injusta; porque S. Ex.ª não reconheceu a utilidade da obra social e tutelar do exército de terra e mar.
Magoou-me, porque tenho a honra de ser director dum dêsses estabelecimentos que prestam grandes serviços à República. É um estabelecimento que pertence à obra social e tutelar do exército, onde há elementos de valor para a sociedade que a tem honrado com os seus resultados. A forma como é ministrado o ensino, pela prática em que assenta, é que lhe tem grangeado e honrado a República.
Declarou ainda o Sr. Aires de Ornelas que seria interessante que o Ministro da Guerra dissesse à Câmara o que pensava sôbre a organização do exército.
Sr. Presidente: lamento que S. Ex.ª não tivesse ouvido a brilhante dissertação feita pelo Sr. Pereira Bastos, porque ficaria sabendo que a proposta da reorganização do exército de há muito se encontra pendente desta Câmara.
Vou agora referir-me a um ilustre Deputado, e camarada que muito considero, o Sr. David Rodrigues.
S. Ex.ª fez nesta Câmara uma auspiciosíssima estreia. S. Ex.ª falou com aquele brilho que o caracteriza, e que tenho ouvido por mais de uma vez, em discursos de larga envergadura.
S. Ex.ª fez história convincente, mas, no meio das suas considerações, fez uma interrogação a que entendo dever responder.
Assim, o Sr. David Rodrigues, apavorado com o número de oficiais, preguntou:
— Donde têm vindo os oficiais amais?
Ora, eu devo responder que muitos dos oficiais a mais são a consequência do decreto n.º 7:823, votado nesta Câmara.
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª dá-me licença?
Estou informado de que os milicianos não figuram nas tabelas do Ministério da Guerra. Têm uma verba àparte e não é a êsses oficiais que alguns Srs. Deputados se têm referido, mas sim àqueles que fazem parte da primeira tabela, quer como oficiais do quadro, quer como supranumerários.
O Orador: — Eu vou responder a V. Ex.ª; V. Ex.ª não ignora que há uma constante mudança de oficiais do Ministério da Guerra, para outros Ministérios, especialmente para o das Colónias, e na generalidade êsses oficiais ficam na disponibilidade ou supranumerários. Há também um êxodo constante para a Guarda Republicana, e a Escola Militar continua produzindo oficiais.
Por consequência, fazendo o somatório destas parcelas, V. Ex.ªs encontrarão um número que é bastante aproximado do dos oficiais que se notam a mais nos quadros, de ano para ano.
Mas há um outro ponto que também desejo esclarecer.
S. Ex.ª manifestou o receio de que os oficiais passados à situação de supranumerários não tenham os respectivos vencimentos.
A Câmara resolveu, pela moção do Sr. António Fonseca, que se incluíssem nos quadros permanentes e que todos os que excedessem fossem considerados supranumerários, mas sem prejuízo dos serviços que estavam desempenhando e com direito a todos os seus vencimentos.
Com o projecto tal como está ninguém fica prejudicado nos seus vencimentos; e a propósito eu aludirei a uma proposta aqui apresentada em que se estabelecia que os oficiais supranumerários que não fossem necessários ao serviço passassem a receber apenas o sôldo e a patente.
Isso era irmos para a situação do Estado Maior sem comissão, situação essa em que se recebe o sôldo e a gratificação e não se faz cousa nenhuma.
Eu tenho procurado acabar com êsse estado de cousas sem ferir os interêsses de ninguém, indicando os oficiais que estão nessas circunstâncias para os cargos a preencher.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — O que eu notei é que se estão criando lugares para dar que fazer a oficiais.
O Sr. Presidente: — Previno o Sr. Ministro da Guerra que deu a hora de se fechar a sessão e pergunto a V. Ex.ª só deseja ficar com a palavra reservada.
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O Orador: — Se V. Ex.ª permite, ficarei com a palavra reservada.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador haja devolvido as notas taquigráficas.
O Sr. Presidente: — A sessão continua amanhã às 15 horas.
Está interrompida a sessão.
Eram 21 horas e 10 minutos.
QUARTA PARTE
As 15 horas e 20 minutos do dia 30 de Junho.
O Sr. Presidente: — Não há número para continuar a sessão. A próxima sessão é na segunda-feira, à hora regimental, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia:
A de hoje.
Ordem do dia:
Parecer n.º 411-(c), orçamento do Ministério da Guerra. Emendas do Senado aos orçamentos já aprovados. Propostas, de lei das receitas e despesas, e a de hoje.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de administração pública, sôbre o n.º 424-A, que classifica as zonas de turismo e permite o jôgo em determinados casos.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 526-A, que autoriza a Câmara Municipal de Arouca a vender ou aforar os seus baldios.
Imprima-se.
Da comissão de legislação civil e comercial, sôbre o n.º 526-D, que cria designadas assembleas eleitorais no concelho de Odemira.
Imprima-se.
Da comissão de legislação civil e comercial, sôbre o n.º 492-A, que anexa administrativa o judicialmente ao concelho e comarca de Setúbal a península de Tróia.
Imprima-se.
N.º 520, determina que os quadros permanentes do exército metropolitano sejam os constantes do decreto de 25 de Maio de 1911.
Para a comissão de guerra.
Propostas de lei
Do Sr. Ministro do Comércio, concedendo aos engenheiros civis Afonso Pena Boeuf e Henrique Pereira Pinto Bravo, autorização para construção e exploração duma ponte que ligue as duas margens do Tejo, em frente de Lisboa.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Ministro da Instrução, autorizando o Govêrno a modificar os serviços de Sanidade Escolar do Ministério da Instrução Pública.
Para o «Diário do Govêrno».
Projectos de lei
Do Sr. Pires Monteiro, criando um serviço de fiscalização militar.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Deputado Constantino de Oliveira, concedendo o prazo de seis meses, desde a promulgação desta lei, para novamente serem contestadas as acções de investigação de paternidade ilegítima.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Deputado Sá Pereira, suspendendo por seis meses, da data da promulgação desta lei, as acções do despejo, suas execuções, incidentes e recursos.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Viriato da Fonseca, determinando que os quadros permanentes do exército metropolitano passem a ser os fixados no decreto de 25 de Maio de 1911, e que os oficiais e praças que excedam êsses quadros sejam considerados supranumerários até o ingresso nos mesmos quadros.
Para a comissão de guerra.
Para o «Diário do Govêrno».
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério do Interior, com a urgência possível, me seja fornecida cópia do processo disciplinar existente nesse Ministério contra o ofi-
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cial do Govêrno Civil de Castelo Branco, António Guilhermino Lopes. — Pedro Pita.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me sejam enviadas cópias autênticas das fiscalizações efectuadas aos estabelecimentos militares desde 1920, tanto pelos fiscais dos Serviços de Administração Militar como pelos oficiais das diferentes armas e serviços. Refiro-me aos estabelecimentos directamente dependentes do Ministério da Guerra.
Necessitava que as referidas cópias me fossem enviadas com a possível urgência e, começando pelos últimos anos, à medida que estejam concluídas.
Sala das Sessões, 28 de Junho de 1923. — Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
Requeiro que, pelos Ministérios das Colónias e Comércio, me seja fornecida com a maior urgência, cópia de todos os contratos, vendas e convenções actualmente em vigor entre o Estado e a Companhia Nacional de Navegação. — Vergílio Costa.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Instrução, me seja fornecida cópia do recurso apresentado por Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos contra a exclusão de um livro de física de que o mesmo é autor, da lista das obras destinadas ao ensino de física nas 6.ª e 7.ª classes dos Liceus, da informação que sôbre o mesmo recurso deu a comissão de livros e do despacho ministerial que sôbre êle foi lançado. — Sousa Coutinho.
Expeça-se.
Os REDACTORES:
Avelino de Almeida.
João Saraiva.
Herculano Nunes.