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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 123
EM 9 DE JULHO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Pedro Pita ocupa-se de um assalto feito à Repartição de Fazenda de Santa Crus, da Ilha da Madeira. Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério, António Maria da Silva.
Voltam a usar da palavra, para explicações, os Srs. Pedro Pita e Presidente do Ministério.
São concedidas duas licenças.
São admitidas à discussão algumas proposições de lei.
O Sr. Presidente anuncia à Câmara o falecimento do grande poeta Guerra Junqueira, pronunciando palavras de homenagem, à memória do extinto e propondo que se lavre na acta um voto de sentimento por êsse triste acontecimento.
Associam-se a êste acto os Srs. Carlos Pereira, Aires de Ornelas, Ginestal Machado, Lino Neto, Carlos de Vasconcelos e António Maria da Silva (Presidente do Ministério) que envia para a Mesa uma proposta para a qual pede a urgência e a dispensa do Regimento.
Concedidas as dispensas pedidas, é lida na Mesa e aprovada, em seguida, sem discussão, na generalidade e na especialidade.
É dispensada a última redacção, a requerimento do Sr. Estêvão Águas.
Aprovada a proposta do Sr. Presidente, é encerrada a sessão, marcando-se a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 30 minutos.
Presentes à chamada 46 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 41 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.

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Diário da Câmara dos Deputados
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomás de Sousa Rosa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Jordão Marques da Costa.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Lino Neto.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo da Costa Menano.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Darão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António de Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Bernardo Ferreira de Matos.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
Joaquim José de Oliveira.

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Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Maximiano de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Pelas 15 horas e 30 minutos, com a presença de 46 Srs. Depurados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte:
Expediente
Ofícios
Do Ministério da Guerra, respondendo ao ofício n.º 507, satisfazendo assim à nota de interpelação, por escrito, do Sr. Henrique Pires Monteiro.
Para a Secretaria.
Do Ministério dos Estrangeiros, enviando uma petição do representante da Western Union Company, sôbre a amarração de um cabo submarino no Faial.
Para a comissão de correios e telégrafos.
Do Senado, devolvendo, com alterações, as propostas de lei n.ºs 470 e 530.
Para a comissão de finanças.
Telegramas
Dos sindicatos agrícolas de Santarém, Tôrres Vedras, Bombarral, Grândola, Cantanhede e Portalegre, perfilhando a representação da Associação de Agricultura.
Das Câmaras Municipais da Mealhada, Pôrto, Vila Real, Aveiro, Faro, Oliveira de Azeméis, pedindo aprovação do projecto de lei das percentagens para os corpos administrativos.
Da Câmara Municipal do Bombarral, pedindo a discussão do projecto do caminho de ferro do Carregado a Peniche.
Do Sindicato Agrícola de Santarém, pedindo que o preço do trigo da actual colheita parta da base estabelecida em 1922.
Do juiz de Fafe, pedindo para a actual tabela ser elevada ao dôbro, ou posta em vigor a de 1896 elevada ao 20.º
Da Câmara Municipal do Funchal, reclamando contra a base 8.ª do projecto de reforma de ensino.
De um grupo de republicanos de Viana do Castelo, protestando contra atentados.
Do Sr. Vasco Marques, do Gerez, reclamando um inquérito aos acontecimentos da Ilha da Madeira.
Aprovando as reclamações católicas:
Irmandade de Gondomar e sindicato agrícola.
Conferência de S. Nicolau, do Pôrto.
Regedor e Junta de Paus (Resende).
Junta de Esgueira (Aveiro).
Pároco e Junta do Barro (Resende).
Pároco, Junta e regedor de Urros (Mogadouro).
Pároco de Alijó, de Penela e Valongo dos Azeites.
Junta de Luzim (Penafiel).
Para a Secretaria.
Representações
Da Câmara Municipal de Arganil, pedindo que os municípios sejam desobrigados de designados pagamentos.
Para a comissão de administração pública.
Da Câmara Municipal de Proença-a-Nova, idêntica à anterior.
Para a comissão de administração pública.

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Diário da Câmara dos Deputados
Da Câmara Municipal de Alenquer, idêntica.
Para a comissão de administração pública.
Da Câmara Municipal de Alijo, declarando perfilhar a representação da Câmara de Santarém.
Para a Secretaria.
Carta
Do Sr. Vitorino Guimarães, agradecendo o voto de pesar desta Câmara pela morte de sua irmã.
Para a Secretaria.
O Sr. Pedro Pita: — Notícias que os jornais publicam comunicam que no concelho de Santa Cruz, na Ilha da Madeira, a população assaltou a Repartição de Finanças, ferindo gravemente o chefe da Repartição.
Acrescenta a notícia que há fundamento para supor que a política não é estranha a êsse assalto e a essa tentativa de assassinato, e diz também que o governador civil procura fazer um inquérito.
Êsse chefe da repartição de finanças é meu correligionário, e durante êstes dezoito ou dezassete meses que o Sr. António Maria da Silva está na presidência já foi indicado duas vezes.
Ambas as sindicâncias, sendo uma feita poraum democrático chegaram a esta conclusão: que êsse funcionário é zêloso e distinto. Como não conseguiram afastá-lo por esta forma açularam-lhe às pernas a multidão.
É preciso ver os antecedentes e que êsse governador civil forneceu fôrças para assaltar a Junta Geral.
Eu já calculo a resposta do Sr. Presidente do Ministério; S. Ex.ª vai dar ordens; mas o que sei é que não fazem, caso das ordens que o Sr. Presidente do Ministério de cá manda.
O inquérito agora feito pelo Sr. governador civil é destas cousas de se receberem à gargalhada. O Sr. governador civil é a pessoa que todos suspeitamos de ter patrocinado os factos que se tem dado.
Foi êle quem forneceu a fôrça publica que permitiu o assalto à Junta Geral do Distrito. O Sr. governador civil a sindicar — êle que precisa também ser sindicado!
Sei que ao Sr. Presidente do Ministério foi apresentada uma reclamação no Senado e já sei também que o Sr. Presidente do Ministério respondeu que aguardaria as indicações do Sr. governador civil. É como se o juiz para julgar estivesse à espera de que o réu fizesse o relatório dos factos que se. tinham passado. Não é só no assalto da Repartição de Finanças de Santa Cruz que o Sr. governador civil é réu.
Apresento em termos bem claros a minha reclamação, aguardando que o Sr. Presidente do Ministério me diga quais foram as medidas que tomou para castigar êsses desmandos, que são crimes; e espero que S. Ex.ª consiga ter a energia necessária para ao menos neste caso procurar evitar que se repitam factos desta ordem contra funcionários como aquele que foi assaltado e que só o foi por ser um funcionário zeloso, cumpridor dos seus deveres.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — O assunto versado pelo ilustre Deputado já o tinha sido no Senado. A resposta que dei não é absolutamente a que foi referida pelo Sr. Pedro Pita.
Tive conhecimento dos factos anormais, a que se referiu o ilustre Deputado, por telegrama do Sr. governador civil. Foi essa autoridade que me participou que o povo tinha pretendido assaltar a Repartição de Finanças, e que a fôrça pública, intervindo a tempo, ferira um popular.
Perante êstes acontecimentos o Sr. governador civil mandou fazer um inquérito, como era seu dever, sem dependência de ordem. minha. Estranho seria que essa autoridade não tivesse mandado proceder a êsse inquérito, dada a importância dos acontecimentos. Seria estranho que um governador civil, perante um assalto a uma Repartição de Finanças e tentativa de assassinato do chefe dessa Repartição, não fizesse o inquérito.
Parece (não posso afirmá-lo, porque não tenho a certeza, visto que o assunto pertence a outra pasta e o Sr. Ministro nada me disse ainda a êsse respeito) que

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o povo assaltou a Repartição de Finanças por motivo de contribuições.
E o mesmo que tem sucedido várias vezes na metrópole.
Ainda ultimamente em Peniche foi assaltada a Repartição de Finanças em consequência do povo atribuir aos funcionários o agravamento dos impostos.
Foi exactamente o que sucedeu em Santa Cruz.
Mas para julgar precisa-se de ter informações seguras; e por isso é que se mandou proceder ao inquérito.
Eu coloco-me superiormente às lutas políticas da Madeira.
O Sr. Pedro Pita acusou-me de enviar simples telegramas para a Madeira chamando a atenção das autoridades e indicando-lhes o caminho a seguir, por simples reclamação de uma das partes.
O Sr. Pedro Pita sabe muito bem que me interessa simplesmente a ordem do Funchal.
Disse o ilustre Deputado que o governador civil mandou fazer o inquérito aos acontecimentos passados com a Junta Geral do distrito, a que chamou o assalto à Junta Geral do distrito.
Ora êsse inquérito foi feito na ausência do governador civil.
O inquérito foi feito quando o Sr. governador civil não estava na Madeira. O oficial de marinha encarregado do inquérito foi escolhido pelo comandante do barco, e só mais tarde soube quem era, quando o Sr. Procópio de Freitas o disse no Senado.
O inquérito foi feito no local, para evitar despesas de transportes.
Mais tarde o Sr. Procópio de Freitas pediu-me que mandasse do continente uma pessoa para proceder ao inquérito; respondi que não tinha verba para isso.
Havendo insistência a êsse respeito, respondi que não teria dúvida na devida oportunidade em enviar ao local um magistrado da Madeira, pois havia de existir na ilha qualquer magistrado respeitável que se encarregasse do inquérito.
Quando recebi a reclamação, apressei-me a enviar ao Sr. Ministro das Finanças a nota dos telegramas que havia mandado ao Sr. governador civil para que S. Ex.ª providenciasse.
Foi êste o meu proceder, que me parece absolutamente claro.
O Sr. Pedro Pita: — V. Ex.ª não ouviu a afirmação que eu fiz de que êste funcionário, durante o govêrno de S. Ex.ª, foi já sindicado duas vezes?
O Orador: — Não posso estar ao facto de todos os assuntos que se dão nos diferentes departamentos da administração pública. Êsse funcionário depende do Sr. Ministro das Finanças, e por isso não posso estar a formar um juízo sôbre êste.
O Sr. Pedro Pita: — Esse homem foi duas vezes sindicado, como há pouco disse, e das pessoas que o sindicaram, algumas correligionários do Sr. Presidente do Ministério, não teve senão palavras de louvor e elogio. Êste facto deve, por certo, influir no espírito de S. Ex.ª para o pôr de aviso contra quaisquer informações que pretendam justificar a atitude da população do Funchal.
Quanto à apreciação do Sr. Presidente do Ministério, de que o governador civil da Madeira não estava no exercício do seu cargo quando se deu o assalto à Junta Geral, devo dizer, que de facto essa afirmação é exacta, mas a verdade é que foi à ordem dessa autoridade que a fôrça militar interveio pela forma que é de todos conhecida, obrigando os membros da Junta legalmente eleita a abandonar os seus lugares.
Eu chego a supor, em face de todos êstes acontecimentos, que o governador civil da Madeira não teria feito o que fez se uma prévia combinação com o Sr. Presidente do Ministério o não tivesse autorizado a tal.
Os factos são os factos. Emquanto o presidente da Junta Geral não veio a Lisboa falar com o Sr. Presidente do Ministério, ninguém se atreveu a assaltar a Junta, mas logo que isso se deu, a Junta foi assaltada. Agora veio a Lisboa o Sr. governador civil, que conversou demoradamente com S. Ex.ª, e poucos dias depois produzia-se o assalto à Repartição de Finanças.
Os factos que ultimamente se têm produzido na Madeira são criminosos. Sucessivamente se têm praticado as maiores infâmias. Não há respeito algum pelo direito dos outros, há simplesmente o posso, quero e mando. O Sr. Presidente do Ministério promete providenciar, en-

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via telegramas nesse sentido, mas o certo é que êsses telegramas de nada servem e tudo continua na mesma.
Não vale a pena, Sr. Presidente, insistir neste ponto. Procurarei na altura própria apresentar à Câmara os elementos necessários para que ela bem possa reconhecer como os factos se passaram.
Então se verá que, de duas, uma; ou o Sr. Presidente do Ministério foi consultado sôbre êsse facto, ou não tem querido ou podido evitá-lo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Eu não costumo arrepender-me do que faço; mas as palavras do ilustre Deputado Sr. Pedro Pita quási me levam, desta vez, a arrepender-me do que disse de tal forma. S. Ex.ª deturpou as minhas afirmações.
Não houve por parte do governador civil da Madeira desrespeito aos telegramas que lhe enviei, como pretende o Sr. Pedro Pita. Se o tivesse havido, eu não hesitaria um momento em o demitir.
Depois, a leviandade com que o distinto parlamentar afirmou que eu tinha combinado com o governador civil em questão os assaltos que se produziram no Funchal...
O Sr. Carlos Olavo: — Diz V. Ex.ª muito bem: verdadeiros assaltos.
O Orador: — A responsabilidade do termo não me pertence; eu não faço mais do que empregar um termo, a tal propósito já consagrado.
Ora, se eu fizesse dos correligionários de S. Ex.ª que porventura se encontrassem nestas cadeiras um tal conceito, eu não estaria à altura da minha missão.
Mandei efectivamente fazer um inquérito aos factos relatados e mandei-o fazer por uma entidade absolutamente insuspeita, um oficial de um navio que se encontrava na Madeira e que foi nomeado pelo seu comandante.
O inquérito chegou anteontem a Lisboa, mas está por concluir, visto o barco a que pertencia o sindicante ter abandonado o local dos. acontecimentos.
O governador civil do Funchal ao darem-se os acontecimentos a que se referiu o Sr. Pedro Pita estava no continente e, porventura, com desejos de não voltar a assumir o seu cargo. Vejam V. Ex.ªs a injustiça das acusações que lhe foram assacadas.
Estava em exercício o governador civil substituto.
O Sr. Pedro Pita: — Não se prestou a isso.
O Orador: — Eu não podia obrigar S. Ex.ª a continuar no exercício do seu cargo, e como me parece absolutamente inaceitável êste estado de cousas, mandei chamar a Lisboa o governador civil para lhe dizer que era indispensável voltar ao seu lugar.
Foram estas as únicas instruções que dei ao governador civil e não há ninguém que possa dizer o contrário. Ordenei mantivesse inteiramente a ordem, dando todas as facilidades a todos os governadores, qualquer que fôsse a sua proveniência política.
Nada tenho com que outros procuradores entrassem no govêrno civil.
Devia estar lá o Sr. Pestana Júnior.
Pelas reclamações que até mim chegaram pelo Sr. Américo Olavo, as cousas passaram-se duma certa forma e imediatamente mandei dizer ao governador civil que entrassem na Junta Geral todos os que tivessem mandato.
As chaves seriam fornecidas, a fim de tomarem posse os procuradores.
Emfim, a questão tem de ser resolvida pelos tribunais, porque não sou autoridade própria para dizer se os corpos administrativos podem reunir por direito próprio.
O Sr. Pedro Pita: — Os factos são outros.
O Orador: — V. Ex.ª tem o direito de expor os factos como entender, e eu igual direito.
Pois bem: telegrafo ao governador civil dizendo-lhe que nada tinha com isso, mas com os tribunais. O que havia a fazer era dar ordens terminantes para a entrada ser facilitada a todos os procuradores no dia da posse.

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Um outro grupo de procuradores declarou que não nomeava a comissão administrativa porque não havia quorum.
Mandei dizer claramente ao governador civil que era acusado de não deixar entrar essas pessoas.
Por esta maneira provou-se que elas tinham entrado.
O Poder Judicial tem a queixa da parte do Sr. Vasco Marques e outras autoridades da Madeira.
Mandei buscar os documentos que estão juntos ao processo e estou a estudá-los. Mais tarde hei-de chamar à responsabilidade as pessoas que a tiverem.
E êste o único caminho que tenho a trilhar.
Quando preguntava ao Sr. governador civil a razão por que a tropa estava lá, êle respondia-me: «Há grande agitação de ambos os lados. Se os deixar livres teremos cousas sérias a lamentar, o que pretendo evitar, visto que tenho a responsabilidade do que possa suceder».
Todavia, os procuradores, quaisquer que sejam, têm entrada livre.
Logo que os ânimos serenaram a tropa retirou.
O caminho a seguir é ultimar o processo junto das autoridades competentes, para se ver quem tem direito a estar na comissão executiva. Não posso proceder doutra forma.
Disse o ilustre Deputado que o Sr. governador civil se encontrava em Lisboa e que fora devido a instâncias minhas que S. Ex.ª voltara para lá, e que êsse mesmo é que fizera o assalto à Junta.
Eu estou estudando o processo e, logo que tenha concluído o meu estudo, direi à Câmara o que entendo dever fazer-se.
Quem tiver culpas, seja quem fôr, será punido nos devidos termos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Posta a acta em discussão, foi aprovada.
Pedidos de licença
Do Sr. Sá Cardoso, cinco dias, a principiar em 9.
Do Sr. Cancela de Abreu, dois dias.
Concedidas.
Comunique-se.
Para a comissão de infracção e faltas.
Admissões
São admitidas as seguintes proposições de lei, já publicadas no «Diário do Govêrno":
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros da Instrução e do Trabalho, concedendo autonomia administrativa ao Hospital Escolar.
Para a comissão de saúde e assistência pública.
Projecto de lei
Do Sr. Américo da Silva e Castro, autorizando as repartições do Estado e estabelecimentos de ensino a mandar executar nas escolas técnicas comerciais ou industriais, com oficinas gráficas, os trabalhos tipográficos e de encadernação de que careçam.
Para a comissão de instrução especial e técnica.
O Sr. Presidente: — Comunico à Câmara o falecimento do grande xpoeta Guerra Junqueiro. O desaparecimento dêste grande vulto da nossa literatura contemporânea representa uma verdadeira perda nacional. É que Guerra Junqueiro não foi apenas o inspirado lírico de Os Simples, o vigoroso moralista e agitador de idéas da Morte de D. João e da Velhice do Padre Eterno, êle incarnou o génio de Tyrteu que, na velha Grécia heróica e mestra, levou as armas da sua Pátria à vitória, fazendo os cantos guerreiros que transformaram os soldados em heróis.
Junqueiro foi era Portugal o que Vítor Hugo foi para a França. Hugo ergueu a si próprio e à sua Pátria um monumento mais duradouro que o bronze, porque no Napoléon, le Petit e nos Châtiments interpretou as aspirações da sua raça, fustigando os erros dos homens e erguendo os corações para o altar da sua Pátria.
Junqueiro, entre nós, foi o intérprete do sentimento nacional sôbre as desgraças da Pátria portuguesa, e empunhando o látego vingador produziu páginas como as da Pátria, onde perpassa um sopro épico e ressalta inspiração trágica. As musas de Eschylo, de Juvenal e de Camões deram-se as mãos e tocaram com o seu génio divino o altíssimo poeta português. Agitou como Tyrteu, fustigou como Juvenal, cantou como Camões e João de

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Deus, assombrou como Eschylo. Que mais é preciso para ter bem merecido da Pátria, a ditosa Pátria que êle amou como o grande épico? Junqueiro pertenceu por vezes a esta casa do Parlamento; representou a Nação, como diplomata, no estrangeiro; são-lhe devidas, segundo penso, honras nacionais. Por isso proponho:
1.º Que se lance na acta um voto de profundo sentimento;
2.º Que se encerre imediatamente a sessão.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: Os factos traduzem as idéas, os monumentos cristalizam-nas, mas só os homens as exprimem. Expressão que, para ser vívida, não lhe basta ser eco: é preciso e antes de tudo ser voz, ser reincarnação, ser alegria e dor, ser espanto e revolta. Mas quem há-de realizá-la assim?
Dizer a alegria e a dor, o espanto o a revolta próprias e dizer tudo isto no ouro das melhores formas, não basta e é pouco. Porque embora o homem seja artista, só porque a forma humilde se dê aos seus desejos, a forma e as ideas continuarão apenas a ser dele e só o homem aparecerá.
E há quem imponha como método e quem siga como escola, êste processo de descobrir beleza.
Deixai que vos não fale de escolas, de métodos, de sistemas, para vos recordar na humildade da minha voz as ideas do grande morto, as suas expressões, ideas que não eram dele, expressões que também o não eram, porque numas e noutras só a Pátria existe. O sol que doura e morena tornou a pedra branca da Batalha, não doura nem amorena apenas um templo, mas doura o voto popular da liberdade que o erigiu. É a idea da liberdade de um povo cristalizada em pedra na mesma iluminura de sonho de que se orgulham Colónia. Strasburgo, Notre Dame e York.
Batalha, Jerónimos, Mafra, a liberdade, a expansão, o nada. Sino, a eça monumental de Mafra é uma obra sem pensamento; à falta de idea ou crença que a vivificasse, deu aquilo: uma mole de pedra.
Aqui tendes idéas cristalizadas, mas para melhor as sentirmos, preciso foi que a Voz da Pátria cantasse nos lábios de Camões. Não há por certo quem conceba que nas oitavas dos Lusíadas só possa haver a voz de Camões, quando nelas há tudo que é grande, desde as imprecações dos monstros às fúrias dos mares, desde as pugnas dos deuses ao cantado orgulho de um peito que todas as façanhas manda calar.
É a voz da Pátria rolando harmonias, é o peito de bronze dos seus heróis feito oitavas.
E em Junqueiro o que há? A Pátria também, e só a Pátria. O drama da sua vida é o drama da Pátria. É a sua humildade religiosa e cristã nos Simples, que é a bondade do Povo cantada em rimas doces. E a sua crítica do luz na Velhice do Padre Eterno, amedrontando o dogma e não atacando a religião do Cristo.
E a sua grandeza e a sua revolta na Pátria, e por fim, é a sua implacável justiça condenando na Morte de D João.
A lira de ouro, a grande lira da Humanidade, tem apenas três cordas que correspondem a idades que se sucedem e completam. Na primeira, a lírica, canta o Génesis; na segunda, os tempos heróicos, enchida toda pela Ilíada na voz de Homero; na terceira contorce-se a vida em riso e dor; é o drama, fala alto nela Shakspeare.
Foi nessa lira tricorde que Junqueiro tocou, ora conjuntamente, ora alternadamente, nas suas cordas mágicas, e tocou assim porque assim viveu a Pátria, ora em simplicidade, ora em grandeza e revolta, ora em drama, em luta, em vida, emfim.
Ainda agora eu vejo as mãos divinas do Poeta elevando-se, não num gesto do adoração aos deuses, mas em adoração à Pátria, seguro o coração dela no alto, em glória que êle lhe deu.
O orador não reviu.
O Sr. Aires de Ornelas: — Sr. Presidente: a geração a que pertenci viveu e criou-se na admiração de três nomes da nossa gloriosa e brilhante literatura, Antero, João de Deus e Guerra Junqueiro.
Não me esqueço dos tempos inolvidáveis da escola em que todos nós sabíamos de cor a Morte de D. João que tanta discussão provocou entre nós; não me esquece aquela obra imortal que são Os Simples.
O grande pensador italiano Guilherme Ferrero, ainda há pouco disse que a tra-

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gédia que se está passando em todo o mundo tem por causa principal a decadência da inteligência humana nos últimos cinquenta anos.
É consolador saber-se que Guerra Junqueiro fizesse mentir Ferrero.
Eu posso ter a mais alta admiração por uma das mais legítimas glórias nacionais, e insisto neste ponto quando infelizmente para nós elas vão sendo tam raras, eu posso como português e mesmo como católico ter a mais alta admiração pelo génio poético de Guerra Junqueiro; basta que tivesse escrito Os Simples. Mas o poeta deu-nos uma lição nos últimos momentos da sua vida, querendo morrer abraçado à religião de seus maiores; e não é por isso que estou falando desta maneira, mas entendo que naquela hora em que a alma se apresenta diante do Criador, para quem tem a fé que me honro de professar, é uma consolação íntima pensar que o poeta morreu abraçado a essa mesma fé.
Êle tinha pelo seu país um sentimento de apaixonada dedicação. Êsse sentimento inspirou-lhe versos absolutamente imortais, ainda que a tendência da época e a sua, nesse tempo, o fizessem ser injusto talvez; e se eu digo talvez é porque me consta, creio que de boa fonte, que o poeta tinha preparada uma nova edição da Pátria, onde os ataques especiais, dirigidos na primeira a quem na altura da sua publicação era rei de Portugal, desapareciam.
Êsse pensamento de apaziguar as paixões políticas com que Guerra Junqueiro procurou terminar a sua vida, parece-me poder servir a todos de lição, que é a de que devemos colocar sempre os interêsses e glória da Nação acima das opiniões e tendências políticas de cada um.
É por isso, Sr. Presidente, que com calor e com o mais profundo e íntimo sentimento, vendo desaparecer um dos homens que mais levantaram a tam gloriosa literatura portuguesa e, portanto, o nome da Nação, eu me associo em nome dêste lado da Câmara às palavras por V. Ex.ª pronunciadas e às manifestações que a Câmara votar acompanhando a proposta de V. Ex.ª
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: nestes últimos tempos e cada vez mais acentuadamente vem-se usando com tanta liberalidade dos altos epítetos, dos grandes qualificativos, para engrandecer tudo o todos, que francamente, quando nos encontramos em frente de alguém que possui real e verdadeira grandeza, sentimos um certo acanhamento, sente-se o nosso pudor intelectual um tanta ferido, em ter de empregar aquelas mesmas palavras para o qualificar, para o definir, que têm sido usadas para vestir de roupagens e louçanias tanta insignificância pretenciosa.
Morreu Guerra Junqueiro! Morreu alguém e o seu lugar vazio deve ficar por muito tempo. Era Guerra Junqueiro um dos raros sobreviventes daquela plêiade de portugueses que na última metade do século XIX tanto iluminaram o mundo espiritual da nossa nação. Como disse, e muito bem, o Sr. Aires de Ornelas, Guerra Junqueiro com dois outros altíssimos poetas, João de Deus e Antero de Quental, formavam uma trindade que, pode dizer-se sem blasfémia, era uma trindade divina. Não teria Junqueiro aquela profundeza estranha de Antero, não teria talvez aquela emotividade perfeita de João de Deus, mas tendo como êles atingido, sob o ponto de vista da técnica, maravilhosa perfeição, excepcional era em Junqueiro o colorido do ritmo e, sobretudo, o poder de expressão, tam prodigioso êste como admirável era o seu extraordinário poder de síntese.
Diferente, sem dúvida, de Antero e de João de Deus, a nenhum dêles era inferior em. grandeza e elevação. E grandes são os três, mesmo quando considerados tomando pontos de referência dentro das maiores literaturas, quer seja a da velha Grécia, mãe genial das que se lhe seguiram entre as europeias, quer seja a da moderna França, entre as contemporâneas a mais rica, a que melhor sabe evidenciar as nobres características da estirpe comum às gentes latinas.
Sr. Presidente: não posso fazer a análise da obra de Junqueiro. Aqui, numa assemblea essencialmente política, nunca mesmo essa análise poderia ser feita como é mister que se faça, como a mais elementar justiça à memória de Guerra Junqueiro exige que ela seja feita.

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Não vou, sequer, Sr. Presidente, tentar pôr em evidência, sumariamente, as características dominantes das produções mais conhecidas entre as várias que a literatura portuguesa fica devendo ao estro de Junqueiro, tanta vez tocado pelo génio. Falo quási de improviso; quando entrei na Câmara não pensava que tivesse de ser eu a falar em nome dos nacionalistas. E, falando assim, sem prévia preparação, o meu respeito pela obra de Junqueiro e também pela minha própria inteligência impede-me de dizer mais que a minha profunda admiração pelo grande poeta que Portugal acaba de perder.
Com a morte de Junqueiro estão de luto as letras portuguesas, luto de que participam todos aqueles para quem a vida intelectual da Nação não pode ser indiferente, luto que a própria Nação deve reconhecer.
Mal dos povos que não sabem glorificar aqueles que lhes espiritualizam â vida, que lhes sabem criar sensível beleza. E de todas as artes nobres, sem nenhuma querer deminuir, a mais espiritual e também a de mais fácil e directa divalgação é incontestavelmente a poesia Musicadas almas,, como lhe chamava Voltaire o autor querido de Junqueiro, durante uma das fases da sua evolução mental.
À poesia deu Junqueiro o melhor do seu privilegiado, talento. Poeta êle foi no significado próprio, essencial, do termo. Poeta êle próprio com justificado orgulho se reconhecia e confessava. E agora que as suas mãos, para sempre inanimadas, já não podem voltar a tanger a lira de onde tantos sublimes acordes soube desferir, justo é quê o país inteiro signifique à memória do poeta perdurável gratidão.
Sr. Presidente: altíssimo poeta foi Junqueiro, mas poeta visando a difundir ideas, a condicionar sentimentos com directa, intenção social. Mesmo nas suas produções mais acentuadamente líricas, a intenção social transparece claramente. Sob é ponto de vista político os sentimentos democráticos demonstram, na obra de Junqueiro, superior e viva expressão.
Como aconteceu com muitos da sua geração, Junqueiro, seduzido também pelo desenvolvimento das, sciências físicas, acreditou que com os métodos usados nessas sciências se poderia vir a determinar o que transcende os dados dos sentidos, se poderia vir a dar plena satisfação só por intermédio da razão à eterna curiosidade humana a respeito da verdade absoluta. Racionalista, ataca a igreja. Corresponde a essa fase do espírito de Junqueiro a sua obra satírica, irreverente como poucas, mas poeticamente admirável.
O racionalismo materialista não prende para sempre o maravilhoso espírito de Junqueiro. A história natural deixa de ser para êle a única história verdadeira, mas com a natureza confunde a fôrça criadora, aparecendo-nos panteísta, misticamente panteísta ato. fase esta de transição que o eleva ao puro deísmo, que acaba por o levar ao seio da igreja, à prática da religião católica. É o que pode e deve concluir-se das suas últimas disposições quanto ao funeral, disposições, que os jornais acabam de tornar públicas. Morreu cristãmente Guerra Junqueiro; há muito que a moral cristã inspirava a sua. obra poética, e não é de ontem que o espírito de Junqueiro se voltava para a igreja. Da atitude de Junqueiro há uma grande lição prática a tirar: a de que entre democracia e religião nenhuma antinomia real existe. E bom seria, para sossêgo da terra portuguesa, que todos reparássemos nessa lição, para ver se de vez a todos se garantia íntegra liberdade religiosa, única maneira de também de vez a República se integrar na Nação.
Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara, me associo às palavras justas e merecidas que V. Ex.ª quis proferir, e dou também o meu inteiro aplauso à proposta de V. Ex.ª
Tenho dito.
Vezes: — Muito bem, muito bem.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: escusado é dizer que a minoria católica aprova calorosamente a proposta de V. Ex.ª para que as exéquias do eminente, poeta Guerra. Junqueiro sejam nacionais.
Êste desejo ressalta naturalmente de todos os corações dos portugueses, como uma vibrantíssima afirmação patriótica.
E que Guerra Junqueiro, incontestavelmente, pairou como um génio na história literária contemporânea. Não foi um homem qualquer que tivesse tido apenas

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a aura dum momento; foi uma fôrça que, desaparecendo, deixou atrás de si um rasto de inextinguíval luz e enriqueceu a língua portuguesa de novos motivos de beleza, fazendo-a retumbar em sons de epopeia e fazendo-a gemer no sentimento do mais puro lirismo.
O seu poder de imagens exerceu-se com extraordinária fascinação, e o seu jôgo verbal não tinha nem conhecia dificuldades, parecendo bater às portas do infinito.
No emtanto, justiça é confessá-lo, a sua obra não pode ser lida sem reservas; dum lado por ser subversiva de alguns princípios da moral, e de outro lado por ser desrespeitadora duma das maiores organizações do mundo — a igreja. Êle próprio o reconheceu num dos seus últimos livros, dizendo: «Fui injusto para com a igreja».
Eu próprio tive a honra de ouvir uma confissão sua nesse sentido, quando êle afirmou: «Quem me dera ter algum tempo de vida para reeditar toda a minha obra sem a parte de blasfémia para com Deus e para com a igreja».
O seu livro Os Simples, porém, ficou como um dos melhores, tesouros da sua riquíssima joalharia literária, sem as sombras que velam quási sempre a beleza dos seus livros.
Dizia o grande poeta que não queria nem discursos nem coroas. E esta uma das melhores demonstrações do seu génio. A glória humana cousa alguma tem de consistente. O homem aos olhos de Deus é só realmente o que é e nada mais, dizia S. Francisco de Assis, um dos santos da sua maior devoção; no emtanto, se os discursos não acrescentam, nem deminuem a glória eterna do poeta, para nós servem de desabafo pelo grande ensinamento de virtude que nos trazem.
Constituindo nós a primeira assemblea política do país, não é demais lembrarmos que para o grande poeta o principal caminho para nobilitar as instituições vigentes era o das reivindicações dos católicos e sobretudo o ensino religioso.
Guerra Junqueiro, a êste propósito, deixou algumas frases célebres. Êle não encontrou nada melhor para satisfazer a sua alma do que o catolicismo, e professou-o com a abnegação, que é uma forma de compreender o catolicismo.
Nos últimos momentos da sua vida, êle dizia que se não fôsse a sua fé religiosa suicidar-se-ia de tanto sofrer.
Que esta atitude seja um exemplo para a orientação política do país. Reforcemos a fé religiosa de Portugal para que Portugal, longe de continuar caminhando para o suicídio colectivo, viva e progrida como nação de largos e supremos destinos.
Entretanto, de pé, curvo-me à passagem do féretro de um dos maiores homens do nosso tempo e da nossa terra.
Que a misericórdia de Deus seja com êle.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Eça de Queiroz definiu a arte, pela bôca de Fradique, como um resumo da natureza, feita pela imaginação.
Como todas as definições ainda que insufladas de talento, enferma esta da dolorida impotência humana em abarcar numa síntese perfeita aquilo que se não pode condensar em fórmulas áticas, porque encerrar num agregado de palavras a imensidade, é o mesmo que aprisionar um leão numa gaiola de pombos.
E é perante a morte de Junqueiro, neste momento, que a sua obra se ergue aos nossos olhos impersonalizada, numa evocação, forte e dolorosa, que a vacuidade sentimental dessa definição, que, tantas vezes, os moços da minha geração, entusiasmados, fizeram, como dizia Flaubert, passou pelo gueuloir.
Evocar a obra de Junqueiro, é como que seguir o voo, sereno e majestoso, de uma águia.
A ânsia da altura imprime à sua obra gigantesca, laivada de génio, uma curva ascensional de onde a beleza brota com uma harmonia eólia,
Seguir as evoluções do seu altíssimo espírito é percorrer a trajectória duma estrela de primeira grandeza, que aos nossos olhos se tornasse visível em toda a sua imensidade, em toda a sua esplêndida luminosidade.
Junqueiro ergue-se tam alto que pôde fitar «Deus, sem que os seus olhos mortais se cegassem da luz máxima.
De toda a geração contemporânea foi êle o maior, e ouso dizer que foi o maior poeta contemporâneo da raça.

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Maior que Antero, o grande poeta indeciso, maior que Gomes Leal, que no desequilíbrio do seu voo poético, na desigualdade do seu génio, lembra os zigzagues desconcertantes dum condor ferido, Guerra Junqueiro teve todas as características da genialidade, afirmando-se pela pujança da sua produtividade anormal, pela unidade da sua obra, pela sua perfectibilidade crescente, pelo brotar inexplicável e surpreendente das imagens que por vezes roçaram a fronte de Vítor Hugo.
A arte de Junqueiro não é só um resumo da natureza, feito pela imaginação, é mais uma síntese do Universo feita pelo coração!
O criador do D. João moderno, «Marques de Priola», das alfurjas, o lírico humano e forte dos Simples, o profeta que ergueu o Pão nas suas mãos de santo para lhe entoar um hino.
O cantor divino da Luz, cujos versos soberbos fizeram esmaecer os de Edmond Rostand, no Chantecler, votados como que à compita, à mesma fonte perenal de vida, o aedo da Pátria, arrancando de uma história toda a sua energia viril, para vergastar a ignomínia dum momento histórico, o poeta satírico e compadecido da Velhice do Padre Eterno, morreu!...
Sr. Presidente: as minhas palavras descoloridas, onde eu quisera depor a angustia desta hora, saem-me banais e inexpressivas, recolhem-se humilhadas e impotentes, e, se alguma cousa digna do homem que perdemos eu posso dizer neste momento, pedirei licença à Câmara para repetir êsse epitáfio, por êle mesmo escrito:
Quando eu morrer...
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: é com a mais profunda mágoa que me associo, em nome do Govêrno da Republica, às palavras de V. Ex.ª pronunciadas nesta Câmara como homenagem ao egrégio poeta Guerra Junqueiro.
Ninguém, durante um período de mais de meio século, adquiriu como êle tanto nome.
A sua obra pode colocar-se ao lado de Camões, de Dante e de Vítor Hugo.
A sua obra é a mais imortal e assombrosa da época.
A sua modéstia igualava o seu amor pela pátria.
Foi êsse amor que o fez abraçar a República, quando da detenção de Jacinto Nunes e de Manuel de Arriaga, em 11 de Janeiro.
Mais tarde, com José Falcão, ocupou um dos mais altos lugares da República.
É cedo para examinar toda a genial obra de Guerra Junqueiro, o maior contemporâneo da raça latina. Curvo-me reverente perante a sua memória.
Em nome do Govêrno envio para a Mesa uma proposta de lei, pedindo para ela a urgência e dispensa do Regimento.
Foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento, entrando a proposta em discussão.
Seguidamente, como ninguém pedisse a palavra, foi aprovada por unanimidade.
E a seguinte:
A morte de Guerra Junqueiro, cuja obra maravilhosa constitui a mais alta expressão do génio da Raça, produziu em todo o país a mais pungente emoção. O Govêrno da República, interpretando os sentimentos da Pátria Portuguesa, tem a honra de apresentar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º Os funerais de Abílio Manuel Guerra Junqueiro, glória do Génio Português, serão feitos a expensas da Nação e considerados nacionais, devendo prestar-se-lhe todas as honras.
Art. 2.º O cadáver do poeta será depositado nos Jerónimos, junto de Camões, Garrett, Herculano e João de Deus.
Art. 3.º O dia dos funerais será feriado e considerado de luto nacional.
Art. 4.º É autorizado o Govêrno a abrir os créditos necessários para a execução desta lei, que entra imediatamente em vigor. — António Maria da Silva — Vitorino Guimarães.
Aprovada a urgência e dispensa do Regimento.
Para o Senado.
O Sr. Estêvão Águas: — Requeiro a dispensa da última redacção.
Foi dispensada.

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O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanha à hora regimental, com a mesma ordem do dia que estava marcada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de finanças sôbre o n.º 537-B, que autorizou o Govêrno a contrair um empréstimo para novas construções indispensáveis aos serviços aduaneiro e fiscal e outras obras.
Imprima-se.
Da mesma sôbre o n.º 371-B, que aprova emendas ao pacto da Sociedade das Nações, que faz parte do tratado de Versailles.
Imprima-se.
Da comissão de finanças sôbre o n.º 409-A, abolindo a contribuição industrial dos funcionários do Estado, criada pela lei n.º 1:368.
Imprima-se.
Da mesma comissão sôbre o n.º 540-C, que sujeitou ao visto consular os fornecimentos a realizar pelos industriais alemães por conta das reparações.
Imprima-se.
Da comissão de guerra, n.º 392, aumentando um parágrafo ao artigo 4,44-º da reorganização do exército.
Imprima-se.
Da comissão de finanças sôbre o n.º 250-A, que autoriza o inspector de Sanidade Marítima de Lisboa a ceder à Exploração do Pôrto de Lisboa o guindaste eléctrico do Pôsto Marítimo de Desinfecção.
Imprima-se.
O REDACTOR — João Saraiva.

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