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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 127
EM 13 DE JULHO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — A sessão abre com a presença de 41 Srs. Deputados.
Lê-se a acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Crispiniano da Fonseca manda para a Mesa um projecto de lei reorganizando a polícia de investigação criminal.
O Sr. Cunha Leal ocupa-se dos últimos atentados e da necessidade de os reprimir, lies ponde-lhe o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
O Sr. António Maio. interroga a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Carlos Pereira insta pela remessa de documentos e pede a publicação de outros no «Diário do Govêrno».
O Sr. Vasco Borges pede também a remessa de documentos que, sôbre os hospitais de Lisboa, há tempo reclamou.
O Sr. João Bacelar igualmente insta por documentos.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva) responde aos Srs. Carlos Pereira e Vasco Borges.
O Sr. Tôrres Garcia chama a atenção do Govêrno para a situação financeira dos hospitais de Coimbra. Responde-lhe o Sr. Ministro do Trabalho.
O Sr. António Maia volta a interrogar a Mesa. O Sr. Presidente do Ministério presta esclarecimentos e o Sr. António Maia tem a palavra para explicações.
É aprovada a acta da sessão anterior e fazem-se admissões.
Ordem do dia (primeira parte). — Prossegue o debate sôbre a interpelação do Sr. Cunha Leal ao Sr. Presidente do Ministério acêrca da política geral do gabinete.
Usa da palavra para explicações o Sr. Cunha Leal, ocupando-se de declarações feitas na sessão anterior pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira), o qual responde ao orador que volta a usar da palavra. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros replica ao Sr Cunha Leal. Ainda para explicações sôbre o mesmo assunto voltam a falar os Srs. Cunha Leal e Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Também para explicações usa da palavra o Sr. Jorge Nunes.
Seguidamente é encerrada a sessão, marcando o Sr. Presidente a imediata com a respectiva ordem.
Abertura da sessão às 15 horas e 38 minutos.
Presentes 41 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 39.
Srs. Deputados que compareceram à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Amaro Garcia Loureiro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro»
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
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Diário da Câmara dos Deputados
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Álvaro Xavier de Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abrancnes Ferrão.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José António de Magalhães.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio Henrique do Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques líourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso do Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur de Morais Carvalho.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
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Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Hermano José do Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel do Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Ventura Malheiro Reimão.
Às 15 horas começa a fazer-se a chamada, à qual responderam 41 Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: — Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Foi lida a acta.
O Sr. Presidente: — Vai ser lido o expediente.
Foi lido na Mesa o seguinte
Expediente
Ofícios
Do Senado, devolvendo com alterações a proposta de lei n.º 483, que regula as pensões de reforma do pessoal fabril dos Arsenais do Exército e Marinha e da Fábrica Nacional da Cordoaria.
Para a comissão de finanças.
Do Senado, enviando a cópia de um artigo que, por lapso, foi omitido na proposta de lei que regula a forma da desamortização dos bens da Misericórdia de Ovar.
Para a comissão de administração pública.
Cartas
Do Sr. Marques de Azevedo, desculpando-se de ter saído de Lisboa e não poder tomar parte nas homenagens do Parlamento a Guerra Junqueiro.
Para a comissão de infracção e faltas.
Do regedor, professor e Junta de Abragão (Penafiel), pedindo para serem atendidas as reclamações dos católicos.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da Associação dos Empregados do Comércio de Coruche, Castelo Branco, Setúbal, Associação dos Caixeiros de Tôrres Novas e Santarém, pedindo a aprovação do projecto de lei do Sr. Bartolomeu Severino.
Dos Sindicatos Agrícolas de Vouzela e Alcácer do Sal, reforçando a representação da Associação Central de Agricultura.
Dos oficiais de justiça de Vieira do Minho, pedindo melhoria de vencimentos.
Dos católicos de Nelas, apoiando as reclamações dos católicos.
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Das Associações de Proprietários e Agricultores do Norte de Portugal, protestando contra impostas ameaças do violências, a propósito da lei do inquilinato.
Para a Secretaria.
Representações
Da Câmara Municipal da Chamusca, secundando a reclamação da Câmara de Santarém, para que dispensem as câmaras municipais do vários encargos.
Para a comissão de administração pública.
Da Câmara Municipal de Tomar, idêntica à anterior.
Para a comissão de administração pública.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
O Sr. Crispiniano da Fonseca: — Peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Crispiniano da Fonseca: — Sr. Presidente: tratando-se neste momento da reorganização dos serviços públicos e estando pendente uma sindicância à polícia de investigação de Lisboa, julgo a ocasião própria para apresentar à Câmara um projecto de reorganização dessa polícia, com o que julgo prestar um grande benefício àquela corporação e um bom serviço à sociedade em geral, visto que se verifica que os serviços respectivos, conforme estão montados, não satisfazem de modo nenhum, nem sob o ponto de vista da disciplina interna, nem quanto à ordem social que está sendo constantemente alterada.
Para que a polícia do investigação possa cumprir cabalmente o seu dever é mester que deixe de estar subordinada ao Ministério do Interior, passando, portanto, da dependência dêste para a do Ministério da Justiça.
Que a polícia de segurança do Estado esteja subordinada ao Ministério do Interior compreende-se bem; é mesmo necessário que assim seja. Porém, a polícia de investigação criminal é que não está bem sob a jurisdição daquele Ministério. Tudo aconselha a que só faça a suai transferência para o Ministério da Justiça.
É também impróprio e inaceitável que na polícia de investigação possa dar-se a interferência das autoridades administrativas, porque elas não possuem aquela indispensável competência que permite uma boa função nos serviços respeitantes a investigações criminais.
Não podo, pois, essa interferência manter-se sem ofender a independência que tam importantes serviços devem ter.
A todos estos aspectos eu atendo na reorganização que apresento, e procuro unificar todos os respectivos serviços, submetendo-os a uma única direcção dependente do Ministério da Justiça, do qual já dependem actualmente alguns dêsses serviços.
Tal unificação impõe-se pela necessidade incontestável que há de se acabar com a diversidade de procedimentos, que presentemente se observa, de organismos que devem seguir em determinadas invés ligações a mesma orientação.
Sendo absolutamente recomendável que os funcionários encarregados dos serviços que pertencem à investigação criminal conheçam born o campo em que tenham de exercer a sua acção para que possam agir com toda a consciência no desempenho das suas funções, indispensável se torna limitar a cada um dêles o terreno em que devam desempenhar a sua missão.
Alvitro, por isso, que sejam extintos os actuais juízos de investigação estabeleçam quatro prefeituras sujeitas à direcção de um prefeito geral.
Para remediar em parte os inconvenientes da actual organização judiciária, em virtude de haver comarcas do grande extensão territorial, não podendo, portanto, os juizes exercer convenientemente as suas funções, sobretudo naquelas em que há mais de um concelho, eu atribuo as funções de investigação criminal aos oficiais e conservadores do registo civil, na qualidade de prefeitos, sujeitos da mesma forma ao prefeito geral da polícia.
Creio que esta organização, se merecer o voto favorável da Câmara, irá aperfeiçoar consideràvelmente os serviços da polícia e tornar possível uma investigação mais conscienciosa e mais útil do que e que se tem podido exercer até agora.
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A comissão de reorganização dos serviços públicos, se o julgar conveniente, chame a si êste projecto, utilizando-o como bem quiser. Eu, ao apresentá-lo, fico com a consciência dê que, tendo exercido durante sois ou sete meses um cargo na polícia, embora muito apagado o sem vantagem nenhuma para o público (não apoiados), procurei dar-lhe todo o meu esfôrço e toda a minha boa vontade. Nestas condições e para não cansar a Câmara, visto que, se pretendesse fazer a análise completa do projecto, muito longe iria, limito-me por agora a enviá-lo para a Mesa, terminando as minhas considerações.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: pedi ontem a palavra, quando o Sr. Joaquim Ribeiro se referia aos atentados que têm ocorrido nas roas de Lisboa com perfeito e preciso conhecimento da polícia, e ora meu desejo nessa ocasião abordar o mesmo assunto. Faço-o apenas hoje, porém, embora tenha perdido um pouco a oportunidade, para afirmar que não acredito que a criminalidade, que se tem desenvolvido de uma maneira tam assustadora entre nós, venha a ser remediada apenas pelo simples uso de processos de polícia scientífica.
Um àparte do Sr. Crispiniano da Fonseca.
O Orador: — Sr. Presidente: o que é facto é que nós estamos à mercê de atentados que são anunciados pela polícia. Por mais que o Sr. Presidente do Ministério queira explicar o contrassenso que resulta de vários Deputados serem avisados pela polícia de que estão para ser mortos, sendo-lhes por ela enviados os nomes o moradas dos indivíduos que os hão-de assassinar, isto ainda acompanhado dos respectivos retratos, por mais explicações que o Sr. Presidente do Ministério dO, ninguém duvidará que, se houvesse um bocadinho mais de energia ou mesmo um bocadinho de ferocidade na repressão, assim como existe no atentado, estaríamos um pouco mais tranquilos, o que não quer dizer que um de nós não pudesse vir a ser sacrificado por qualquer Ar ante, cujos serviços a polícia, porventura, houvesse já utilizado. O Sr. Presidente do Ministério, que realmente pratica um acto meritório, avisando previamente as criaturas que estão para ser mortas, talvez procedesse melhor empregando a máxima energia em remediar tais acontecimentos.
Não mo ocupei logo no primeiro dia do último atentado que se deu, porque o Sr. director da polícia de investigação me disse que seria porventura melindroso fazê-lo nessa ocasião, visto que se estavam fazendo diligências importantes. Efectuaram-se essas diligencias? Deram algum resultado? E preciso que alguma cousa se faça, aliás estamos todos dando a impressão de que estamos com medo de que nos matem.
Um àparte do Sr. Júlio Gonçalves.
O Orador: — Há uma confusão da parte do Sr. Júlio Gonçalves. Diga-se o que se disser, o número do criminosos no nosso país não é, felizmente, muito grande, de modo que é, também, limitado o número de probabilidades de se ser morto.
B esta mesma circunstância que me faz crer que um acto de energia nos pode pôr a coberto dêstes atentados que se anunciam, porque isto de ser morto não é agradável para ninguém.
Estamos em presença de uma organização criminosa delimitada pela polícia e de tal forma que, quando algum de nós está para ser morto, ela tem a amabilidade de enviar à provável vítima o retraio do provável assassino para que dele não fique com saudades.
Temos uma polícia que conhece os assassinos, mas que os não prende. Porquê? Por falta de energia do Govêrno? Mas o Govêrno nunca encontrou nesta casa senão a mais absoluta solidariedade em questões de ordem pública. (Apoiados). Esta talvez seja por cumplicidade da polícia com os criminosos, visto que muitas vozes tem utilizado os seus serviços. Ainda me lembro que, sendo Presidente do Ministério, fui uma voz avisado pelo meu amigo o ilustre Deputado Sr. Agatão Lança, então governador civil de Lisboa, do que o soldado da guarda republicana que estava encarregado de me vigiar a casa andava por vezes a dizer em conversa: a vontade que nós temos do dar um tiro naquele homem! O resultado é que acabamos por ter mais
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receio dos próprios polícias do que dos apontados assassinos, cujos serviços utiliza.
Em lugar, porém, da utilização dos serviços dêsses criminosos, que reconheço serem às vezes necessários, especialmente para certas investigações, o que deve haver é a máxima energia na repressão.
Se se conhecem os criminosos, porque se não prendem? Por falta de leis? Tantas vezes o Govêrno tem praticado abusos por falta de leis que não será desta que nos havemos de zangar se, para exercer a necessária repressão, tiver que sair um pouco da legalidade.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Respondendo ao Sr. Joaquim Ribeiro, creio que fui suficientemente claro usando daquela clareza que é indispensável, sem dar informações que fossem inconvenientes.
Declarei que tinha. chegado a oportunidade de proceder por forma diversa daquela que até agora se tem usado.
Declarei que a s crie de leis que o Parlamento tem promulgado no sentido de evitar crimes da natureza dos cometidos tinha dado o resultado que todos conhecem. Ainda não há muitos dias o Parlamento, com toda a razão, se revoltou, sem querer intervir na esfera de acção de um poder independente do Estado, contra determinada decisão que ninguém tem o direito de atribuir ao Govêrno. E abstenho-me de fazer mais considerações sôbre êste assunto.
O Govêrno não mandou aviso a qualquer pessoa, nem enviou o retrato fôsse de quem fôsse. E um processo a discutir por certo, cuja responsabilidade pertence à entidade que adoptou êsse proceder e até a algumas das pessoas que, depois de salientarem a vigilância muitas vezes se sentem incomodadas pela acção das pessoas encarregadas de evitar, tanto quanto possível, qualquer dos actos a que temos assistido.
Então com tais pessoas procedesse por essa forma, avisando-se e mandando os nomes dos indivíduos que a polícia não pudera prender.
O Govêrno não tem responsabilidade nos actos que se têm dado. Cada um dos membros do Poder Executivo dos vários govêrnos que se têm sucedido no poder tem tido a energia precisa.
Não me acusa a consciência de não ter procedido sempre pela forma que me parece mais conducente a evitar êsses casos.
Num determinado momento não tenho que pensar se a lei A ou o § único não permitem ao Govêrno proceder de qualquer forma que se não julgue dentro da Constituïção.
Quando se dêsse um certo número de factos e não tivesse maneira de vir imediatamente ao Parlamento pedir a modificação de qualquer diploma, o Govêrno não deixaria de agir e traria depois ao Parlamento o bill de indemnidade pelo acto praticado.
Já sei o tempo que demora a discussão de medidas de circunstância o que mais urge em determinado momento o Govêrno proceder, pela forma que julgar conveniente, sem estar a discutir se pode ou não pode proceder, ficando depois ao Parlamento a responsabilidade de não aprovar qualquer acto que o Govêrno pratique para defender a, sociedade.
Não posso afastar-me das considerações que fiz ontem. O Govêrno tem do proceder. Se em qualquer momento não estiver habilitado com qualquer medida que dê eficiência na expressão não deve prejudicar a defesa da sociedade por êsse motivo. Mais tarde entregará a resolução ao Parlamento para que lhe dê ou não a sua
Apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Pedia a V. Ex.ª que me informasse se o Sr. Ministro da Guerra vem hoje ao Parlamento.
O Sr. Presidente: — Não posso informar V. Ex.ª
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente; pedi pelo Ministério do Trabalho que me fossem enviados vários documentos respeitantes aos hospitais civis, porquanto preciso tratar do que se está passando nesses hospitais, que constituem uma vergonha para a República e para o país.
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Preciso demonstrar ao país que existe desleixo, incompetência e falta de disciplina nos hospitais.
A noção administrativa que elos têm ajuíza-se bem pela seguinte frase: Não há escrita e as contas são de saco.
Ali não há outras contas que não sejam contas de saco.
Desfeita a habilidade com que se pretendia fazer supor que determinados documentos eram uns outros, desfeita a habilidade com um novo requerimento que mando para a Mesa, espero que êsses documentos me sejam enviados com a máxima brevidade.
Já que estou no uso da palavra, peço ao Govêrno que mande publicar no Diário do Govêrno os relatórios dos nossos delegados às várias conferências internacionais, porque muitas vezes, através das notícias dos jornais, ficamos com a noção de que os nossos representantes, se manifestam apenas em brindes de um certo sabor literário, como ainda ontem o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros teve ocasião de ler nesta casa.
A acção dos delegados nossos nas conferências internacionais, segundo as afirmações de S. Ex.ª, têm-se limitado por proposta sua a modificar as conclusões que haviam sido votadas na conferência internacional de Génova.
Não é, pois, demasiado, que o Parlamento conheça as ideas dêsses representantes, para, porventura, as elogiar, se de elogios carecerem, ou para as censurar, se censura merecerem.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Vou tratar de um caso semelhante àquele a que acaba de referir-se o Sr. Carlos Pereira e que tem a mesma origem.
No dia 2 do mês passado mandei para a Mesa um requerimento, em que pedia que me fossem enviados determinados documentos relativos aos hospitais civis, porém, até hoje, apesar do tempo que já passou, não recebi êsses documentos. Nem se quer podem alegar que a extensão dos documentos era de tal ordem que se tornava demorado copiá-los.
Êsses documentos eram: cópia de uma participação que, quando eu era Ministro do Trabalho, me fora enviada sôbre factos
gravíssimos passados no Hospital do Rêgo, e também cópia dos resultados do inquérito a que mandei proceder sôbre êsses factos, se êle já estivesse feito, ou então a afirmação de que êle ainda não estava feito.
Afirmo a V. Ex.ª e à Câmara que, essas cópias já me podiam ter sido entregues, porque não representam grande trabalho, mas porque não me foram entregues, eu suspeito que há o propósito, por parte de quem me devia enviar tais documentos, de me impossibilitar de tratar o caso no Parlamento, e assim o país desconhecer os factos gravíssimos que se passam no Hospital do Rêgo, e tanto mais graves quanto é certo que, já depois de se passarem aqueles que chegaram ao meu conhecimento, outros já se deram.
Efectivamente, tenho informação, entre outros casos, de que uma doente há pouco ali internada contra sua vontade, como geralmente sucede às pessoas atacadas de doenças epidémicas, sucumbiu ao fim de quarenta e oito horas sem ter tido assistência médica, porque directores o médicos do hospital, com conhecimento do director geral dos hospitais, abandonam, os serviços a seu cargo, embora recebam todos os meses os seus vencimentos ainda aumentados com melhorias.
Sr. Presidente: esta demora de envio dos documentos pedidos impossibilita-me de tratar do caso com toda a largueza que êle merece e representa uma falta de consideração pelo Parlamento.
Peço, por isso, providências.
Apoiados,
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. João Bacelar: — Sr. Presidente s já que estamos em maré de reclamações, desejo também que V. Ex.ª me diga se tem conhecimento, ou se isso consta de algum dos registos da Mesa, das vezes que tenho pedido a V. Ex.ª e ao Sr. Ministro do Comércio relação circunstanciada de todos os indivíduos que foram à Exposição do Rio de Janeiro, bem como dos salários que os mesmos foram vencer e das situações oficiais que tinham cá e das que foram representar lá.
Eu venho há seis meses instando para que me seja fornecida uma nota acêrca dêsse assunto, e, como sucede com o Sr.
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Vasco Borges, parece que pessoa interessada tem impedido que tais documentos me sejam fornecidos.
Novamente eu peço a V. Ex.ª e ao Sr. Ministro do Comércio que me seja enviada com toda a urgência a nota que há tanto tempo pedi.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer aos Srs. Carlos Pereira o Vasco. Borges que tomo na devida consideração, que é muita, as reclamações de S. Ex.ªs Evidentemente,que o Parlamento tem o direito pleníssimo de estar ao par da forma como funcionam os serviços públicos.
Não tenho eu obstado a que sejam fornecidas, com a urgência possível, as cópias dos documentos pedidos (Apoiados), nem tem chegado reclamações até mim acêrca de irregularidades no funcionamento dos serviços dos hospitais, porque, se porventura tivessem chegado, ou já teria tomado providências.
Mas chegam agora essas reclamações, e por isso estejam V. Ex.ªs certos de que eu vou tomar as necessárias providências a fim de me inteirar do que se passa, assim como vou providenciar para que os documentos pedidos sejam entregues o mais ràpidamente possível.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Guerra, mas como S. Ex.ª não está presente e se está fazendo um pequeno debato sôbre assuntos hospitalares, aproveito o ensejo para chamar também a atenção do Govêrno para a situação dos hospitais de Coimbra, que estão em circunstâncias deploráveis.
Eu pertenço também à comissão administrativa dos serviços municipalizados da Câmara de Coimbra. Sei, por isso, com conhecimento directo, a situação em que ela se encontra; só pelo fornecimento de água, gás e electricidade os hospitais devem a êsses serviços quantia superior a 40 contos.
Se o Govêrno não acudir eficazmente a tal situação deficitária, os serviços municipalizados da Câmara de Coimbra ver-se hão na dura necessidade do cortar êsse fornecimento, mau grado os possíveis e costumados apelos aos nossos sentimentos de altruísmo, com o acolhimento dos quais se não compadeceria a situação económica e financeira dos mesmos serviços.
Ainda há bem pouco tempo foi votado um crédito de 500 contos para fazer face aos encargos e débitos dêsses hospitais todavia da dívida que têm p ara com o município apenas foi satisfeita uma pequena porcentagem.
Não tem pois razão o município do Coimbra para impedir que essa dívida, longe de desaparecer, se avolumo cada vez mais?
Termino, Sr. Presidente, convencido do que conseguirei chamar para o assunto a atenção do Govêrno e, muito especialmente, do Sr. Presidente do Ministério, que eu sei tomar sempre um particular interesso pela situação dos hospitais de Coimbra.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Trabalho (Rocha Saraiva): — Em resposta às considerações que acaba de fazer o Sr. Tôrres Garcia, considerações que eu ouvi com a maior atenção, devo dizer que o Govêrno tem tratado com a maior solicitude da situação dos serviços hospitalares de Coimbra, e que dela continuará a ocupar-se por forma a que os seus encargos possam em breve ser solvidos como é reclamado.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: tive notícia pelos jornais de ontem e hoje que tinha havido um grave acto de indisciplina praticado pelo capitão António Maia. Até hoje êsse oficial ainda não teve o mais leve castigo e como isto é um caso muito grave peço ao Sr. Ministro do Interior que mo informo sôbre o que há.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Não é da minha pasta o assunto a que se referiu o Sr. António Maia, não mo incumbe tratar dele, mas não posso supor outra cousa senão que o Sr. Ministro da
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Guerra não deixará de proceder como fôr de justiça e nos termos do regulamento disciplinar do exército.
O Sr. António Maia (para explicações): — Folgo muito com que S. Ex.ª venha a tomar essa atitude, porque é uma prova de que S. Ex.ª está em condições de poder continuar na sua cadeira de Ministro para manter a disciplina.
Admissão
Proposta de lei
Do Sr. Ministro da Guerra considerando mutilados de guerra os militares abrangidos pela alínea a) do artigo 6.º da lei n.º 1:170, de 21 de Maio de 1921.
Para a comissão de guerra.
Foi aprovada a acta.
ORDEM DO DIA
Primeira parte
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na 1.ª parte da ordem do dia, continuação da interpelação do Sr. Cunha Leal ao Sr. Presidente do Ministério.
Tem a palavra para explicações o Sr. Cunha Leal.
O Sr. Cunha Leal (para explicações): — Sr. Presidente: agradeço ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros as suas boas palavras de cortesia. Estava tam pouco habituado a fórmulas de cortesia, que não posso deixar de endereçar a S. Ex.ª os meus sinceros agradecimentos. S. Ex.ª foi tam correcto para mim como eu o fui para S. Ex.ª
A atitude do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros veio demonstrar que se pode ser adversário político sem quebra das relações pessoais.
Apoiados.
S. Ex.ª não foi avisado de que eu me iria referir ao problema das reparações e das nossas relações comerciais com o estrangeiro.
A culpa não é minha, mas do Sr. Presidente do Ministério que se esqueceu de «o comunicar; eu é que não me esqueci de avisar o Sr. Presidente do Ministério.
Quis dar-nos, e muito especialmente a mim, uma lição de tacto diplomático, e nem por isso eu ficaria zangado, porque de S. Ex.ª posso sempre receber lições, porque S. Ex.ª é uma pessoa bem educada, e as lições de S. Ex.ª nunca nos ferem.
Mas a verdade é que S. Ex.ª precisa demonstrar que é falso o que eu disse.
Eu não faiei com leviandade. Disse o que devia dizer, e não disse mais do que devo dizer.
Apoiados.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — S. Ex.ª parece que ficou com uma impressão menos exacta das minhas palavras. Eu não disse que S: Ex.ª tinha tratado a questão com leviandade; disse que, em vez de aguardar resoluções, procederia com leviandade.
O Orador: — Agradeço as explicações de S. Ex.ª como Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Demonstrarei à Câmara o seguinte: que S. Ex.ª precisa de dizer mais alguma cousa do que disse.
Apoiados.
O seu silêncio pode significar que a nossa situação não seja aquela que desejamos.
S. Ex.ª invocou alguns momentos da boa camaradagem que existiu entre nós em dois Ministérios em que havia sido meu companheiro.
Não esqueço êsses bons momentos de camaradagem, não esqueço os serviços do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros prestador ao país, e até lamento que, ao rememorá-los, se tivesse esquecido do maior que praticou quando Ministro dos Negócios Estrangeiros: as negociações havidas no Ministério Bernardino Machado para que os 2 milhões de libras da dívida ao Banco de Inglaterra ficassem incluídos na nossa dívida de guerra.
Representa isto uma vantagem.
Não desmereço as qualidades de S. Ex.ª nem tenho em menos apreço as suas faculdades de inteligência.
A nossa política, porém, tem sido demasiadamente pouco escrupulosa nas nossas relações externas, o que não é próprio de quem quere bem servir os interêsses do país.
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Permita-me o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que inverta a ordem, das minhas considerações para me referir ao problema das reparações.
S. Ex.ª disse que o assunto lhe impunha a reserva diplomática. Sem dúvida que em determinadas negociações possa haver, em certo momento, falando sôbre certos assuntos, melindres de natureza diplomática. Mas não pode haver êsse melindre sôbre o problema das reparações.
A França pode não estar ao facto das negociações ocorridas, mas sabe qual é a sua política e as aspirações do seu govêrno.
Não venho invocar qualquer circunstância de reserva, que tenha sido mantida, para justificar as minhas opiniões.
O que não sei é como se possa justificar a afirmação feita por S. Ex.ª quanto à situação das pequenas potências.
Permita-me S. Ex.ª que lho diga que isso não é verdade;
Á situação de Portugal entre as pequenas potências é única.
As pequenas potências são todas devedoras da. França.
Nós só devemos à Inglaterra.
A França definiu a situação e declarou que as dívidas da guerra tinham uma característica excepcional em relação às outras dívidas.
Qual é, pois, a situação de Portugal?
A Inglaterra encara o problema da nossa dívida como o encarou a França, que pôs nitidamente o problema.
Mas a nossa situação é diferente como disse.
Esta questão das reparações é tam grave, que é o eixo de toda a nossa política externa neste momento.
Eu não ando a pedir publicações de artigos pelos jornais, e por muito meu amigo que fôsse o Sr. Dr. Augusto de Castro, para me ser. agradável, não publicaria um artigo que a Câmara decerto conhece.
Eu bem sei que em política não se procede às sacudidelas.
A Inglaterra mostra desejos de caminhar unida na questão das reparações, pode no emtanto amanhã negociar separadamente.
Àpartes.
Mas a Inglaterra pode pedir-nos o pagamento da nossa dívida.
Pregúnto: é isto uma cousa que seja indiferente à vida da Nação? £ É isto indiferente à política externa dum Govêrno? É isto alguma cousa que possa envolver qualquer melindre o explicá-la à Câmara?
Acaso o Govêrno tem a certeza de que quando a Inglaterra, como represália para com a França, fôsse negociar separadamente com a Alemanha, se é que vai negociar, ela respeitaria os nossos direitos?
Acaso o Govêrno tem a certeza de que, se um dia a Inglaterra tivesse de exigir as dívidas de guerra à França, ela não exigiria igualmente as dívidas a Portugal?
Acaso será isto diminuir em qualquer cousa o nosso Govêrno perante a Inglaterra?
O Sr. Ferreira de Mira: — V. Ex.ª dá-me licença?
O primeiro Ministro inglês, discutindo à mesma hora do dia em que discursava o Sr. Ministro dos Estrangeiros, dizia na Câmara dos Comuns que estava pronto a assumir a responsabilidade por si só da resposta a mandar à Alemanha.
O Orador: — Verifica-se, portanto, que á Inglaterra tenta um último esforço, mas tenta-o como uma espécie do sacudir responsabilidades, tenta um último esforço e acção combinada com a França, mas está disposta, porventura, a tratar directamente com a Alemanha. E em que posição estamos nós neste momento? Pensará a Inglaterra em tratar exclusivamente de si ou tratar também de nós?
Então não temos o direito de perguntar tudo isto?
Sabe V. Ex.ª, Sr. Presidente, qual foi a minha convicção quando ouvi a resposta do Sr. Ministro dos Estrangeiros, feita, aliás, com aquele brilho que é próprio da sua inteligência, mas com um cuidado extremo em não dizer uma palavra?
Cheguei a pensar que se tinha cometido o crime de não se terem entabulado negociações com a Inglaterra, que, porventura, a esta hora nem uma simples nota se tivesse trocado com o Govêrno Inglês para garantia de que êle não deixaria de respeitar os nossos direitos.
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Supondo que os factos se não tenham passado assim e que realmente tenha havido troca de notas, pregunto: qual o seu tema? Tenho o direito de preguntar e o Sr. Ministro dos Estrangeiros tem o dever de responder se efectivamente já só trocaram notas com o Govêrno Inglês para garantia dos nossos direitos.
Pregunto: qual a situação da dívida de guerra para com Portugal no caso da Inglaterra negociar separadamente?
Não podemos estar à mercê desta ameaça, de que o Govêrno se tenha esquecido do negociar com a Inglaterra a nossa posição neste momento. Se acaso o Sr. Ministro só esqueceu de negociar com a Inglaterra a nossa posição neste momento, então ò caso para lhe dizer, e desculpe-me V. Ex.ª que o faça, que neste ponto não serviu também, como devia, os interêsses do seu país.
Esta pregunta, Sr. Presidente, é muito clara, porem nenhum resultado deu, pois a verdade é que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não disso o que devia para o país poder saber qual a nossa situação relativamente à questão das reparações.
S. Ex.ª nada nos disse sôbre se já se iniciaram ou não negociações com a Inglaterra acêrca do assunto, o que se não compreende de modo nenhum, visto que o país tem o direito e até o dever de saber o que se está passando.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros abordou depois vários pontos, dizendo que ou também tinha responsabilidades na situação actual com a França, pois a verdade é que um dos motivos que tinham influído na criação desta situação tinha sido a resolução da Conferência Vinícola de Bordéus, em que eu, com o Sr. António da Fonseca, como representantes de Portugal, tínhamos emitido o voto do que os Govêrnos deviam executar medidas rigorosas de protecção às marcas dos vinhos.
Devo dizer, Sr. Presidente, que mo sinto muito satisfeito por ter defendido em França o princípio de protecção das marcas dos nossos vinhos; com isso não fiz mais do que bem servir o meu país.
O que eu tenho infelizmente de constatar, Sr. Presidente, é que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não quis responder às prrguntas que lhe fiz.
As preguntas que eu lhe fiz, Sr. Presidente, não foram levianas, porquanto que lhe preguntei aquilo que é necessário, visto que o país tem o direito de saber o que se está fazendo relativamente a negociações.
S. Ex.ª, assim, ficará com a responsabilidade dessa atitude, por não ter querido responder às minhas preguntas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Sr. Presidente: afinal tenho do me julgar insuficiente para convencer o ilustre Deputado Sr. Cunha Leal do contrário daquilo de que S. Ex.ª está convencido.
Supus ou ontem, quando tive ocasião de usar da palavra nesta Câmara em resposta ao discurso do Sr. Cunha Leal, que havia produzido as afirmações suficientes para que S. Ex.ª se convencesse de que não tinham razão as suas apreensões acêrca da política externa do actual Govêrno.
As minhas palavras, porém, foram infelizmente perdidas, de nada tendo valido o esfôrço que eu desenvolvi sinceramente para convencer o Sr. Ganha Leal e a Câmara de que não havia motivo para alarmes e preocupações quanto à nossa política internacional.
O Sr. Cunha Leal entende que eu disse pouco.
Pois eu declaro à Câmara que não posso dizer mais.
Não faço «política de silêncio», afinal uma frase como outra qualquer, de grande retumbância, mas que tem um deplorável efeito na opinião pública.
Não tenho feito, repito-o, política de silêncio e é até curioso eu ter sido acusado de haver falado demais na sessão de ontem.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — Eu pregunto a V. Ex.ª simplesmente se já foram iniciadas quaisquer negociações com a Inglaterra.
O Orador: — Respondo a V. Ex.ª com toda a simplicidade: houve, há e continuará a haver negociações com a Inglaterra.
Estou convencido de que o Sr. Cunha
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Leal, que neste momento, como simples Deputado, não tem de manter grandes reservas, quando foi Presidente do Ministério e quando sobraçava a pasta das Finanças não podia deixar de manter todas as reservas que as circunstâncias lhe impunham, como o seu colaborador, Sr. Júlio Dantas, meu professor nesta pasta e a quem eu presto a minha homenagem de admiração e amizade, doutro modo não» podia proceder.
O Sr. Cunha Leal: — O que eu tinha a dizer estava dito na conferência de Spa.
O Orador: — Permita-me V. Ex.ª que discorde.
Na altura em que o Sr. Júlio Dantas exerceu brilhantemente as funções de Ministro dos Negócios Estrangeiros, já se faziam, quer na imprensa quer em conversas particulares entre pessoas que se interessam por êstes assuntos, interrogações sôbre determinados pormenores da nossa política internacional, nomeadamente sôbre o problema das reparações.
Eu desejo, todavia, que me façam a justiça, aliás rudimentar, de me suporem uma pessoa capaz de dizer só aquilo que deve e quere dizer. Não vai, evidentemente, no silêncio que propositadamente faço em volta de determinados assuntos, menos consideração nem pela Câmara nem pelos Deputados que sôbre êles me interpelem. Vai apenas o desejo de não ir além daqueles naturais limites que os melindres da situação que ocupo claramente estabelecem.
Nestas condições, eu devo dizer ao ilustre Deputado Sr. Cunha Leal que sôbre o caso das negociações a que S. Ex.ª aludiu mais nada posso dizer.
Em matéria de reparações ninguém é capaz de sustentar que Portugal sente, pelas circunstâncias em que se encontra perante o mundo, a mesma necessidade de definir, tal como a Inglaterra, a França e a Itália, um determinado ponto de vista.
Há muitos países interessados na questão das reparações, segundo afirma o Sr. Cunha Leal: no emtanto S. Ex.ª não conseguiu citar mais do que três...
O Sr. Cunha Leal: — V. Ex.ª pode-me garantir que na Sérvia e noutros países se não tem tratado dêsse assunto?
O Orador: — O Sr. Cunha Leal esquece-se de que o Parlamento sérvio, por exemplo, pode muito bem citar o Parlamento português para sustentar que entre nós se tem ventilado com interêsse a questão das reparações.
Já em 1950 fui interpelado sôbre o mesmo assunto e, não podendo satisfazer então as exigências que me eram dirigidas, publiquei uma entrevista em que pormenorizadamente me ocupei do assunto.
Disse ontem aqui que a circunstância de não sermos forçados a definir um ponto de vista não impedia que Portugal se interessasse pela sua participação.
Pode S. Ex.ª ficar tranquilo que a política portuguesa, em relação a êsse assunto, tem sido cuidadosamente dirigida.
Eu falo a um Parlamento e sei bem as responsabilidades que tomo quando falo, porque os Srs. Deputados, quando falarem, podem ainda vir ocupar estas cadeiras e eu não quero recear o côntrole.
Disse o Sr. Cunha Leal que eu não sou capaz de quebrar a minha linha moral pois outra qualidade terá S. Ex.ª que, reconhecer, que, quando eu sentir que o meu estudo e o meu trabalho não são suficientes para suprir a falta das minhas qualidades, abandonarei esta cadeira, porque preferiria isso a sacrificar às minhas vaidades os altos interêsses dopais.
A comissão de reparações indicou já uma importância que foi paga de 11 milhões, pouco mais, de marcos ouro; posso acrescentar que à disposição de Portugal estão 200 vagões para os Caminhos de Ferro do Estado, que se não vieram ainda foi por causa da questão do Ruhr, para onde já foi enviado um funcionário, delegado português, para remover dificuldades, a fim de que o material venha para, Portugal.
Leu.
Não é tudo, mas pelo simples enunciado, já se pode avaliar o que tem sido a política de reparações, devendo-se tudo ao cuidado e dedicação com que o Govêrno tem acompanhado êste assunto.
Declarou o Sr. Cunha Leal no decurso das suas considerações que fora afirmado por mim que as pequenas nações não conheciam a sua posição em lace do problema das reparações.
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Peço licença para contrariar S. Ex.ª nessa sua declaração, o que faço, dizendo peremptòriamente que não fiz semelhante afirmação.
O que eu disse foi que as pequenas nações, como a nossa, não sentiram a necessidade de proclamar perante o mundo uma atitude exclusiva, uma atitude própria.
Não significa isto que essas nações não se interessem pelo problema das reparações e por êle nós nos não interessemos também.
Diz o Sr. Cunha Leal que a Inglaterra está na disposição de definir, em relação à Alemanha, uma política isolada da dos aliados.
O que eu vejo sob êsse ponto de vista é que tudo quanto tem vindo nos jornais não passou ainda ao campo dos factos.
O que se verifica é que a Inglaterra procura todos os possíveis entendimentos, porque sabe muito bem que da desunião do bloco dos aliados graves complicações poderiam surgir para todos.
Se a Inglaterra se visse forçada a tomar semelhante atitude de isolamento, só a adoptaria com pesar, estou certo disso; todavia essa atitude não poderia jamais implicar qualquer prejuízo para os interêsses de Portugal, pois estão feitos estudos para prevenir qualquer hipótese por forma a termos assegurado o reconhecimento dos nossos direitos e a satisfação dos nossos legítimos interêsses.
Insistiu ainda o Sr. Cunha Leal na questão relativa às relações comerciais entre Portugal e a França, e então classificava de frouxa a acção do Govêrno e de improfícuos os esfôrços que êle tenha empregado,, na hipótese, que considerava duvidosa, de alguns terem sido feitos.
Neste ponto, as considerações de S. Ex.ª deram-me a impressão absoluta de que o ilustre Deputado está obedecendo ao propósito de traduzir pelas suas palavras uma conduta de oposição intransigente e sistemática ao Govêrno.
Está S. Ex.ª no seu direito.
No tocante às relações comerciais entre Portugal e a França, eu disse ontem nesta Câmara que tenho a convicção A& que a França, nação amiga e aliada, ao lado da qual tanto sangue perdemos na Grande Guerra, como foi hoje aqui recordado eloquentemente, pelo Sr. Cunha Leal, não pode deixar de considerar os interêsses de Portugal e de reconhecer o fundamento justo das- nossas reclamações.
Mal supunha eu então que hoje, em resposta ao novo discurso de S. Ex.ª, podia já fornecer alguns elementos que por certo tranquilizarão o seu espírito.
Hoje mesmo recebi uma comunicação do Govêrno Francês que mostra bem que os nossos interêsses começam a ser reconhecidos.
Toma assim uma nova fase esta questão, e tam prometedora que hoje estou certo de que Portugal há-de ver reconhecidos por completo os seus interêsses.
São êstes, Sr. Presidente, os resultados dos esfôrços improfícuos empregados pelo Grovêrno.
São êstes os resultados frouxos da acção do Parlamento.
O Sr. João Bacelar: — É também a consequência da campanha feita em França pelos interessados no assunto.
O Orador: — Sabe então S. Ex.ª mais do que eu de política internacional.
Não é, porém, difícil que alguém conheça mais do que eu de tal política, sobretudo quando êsse alguém tenha passado a vida preocupado no estudo dos problemas que lhe respeitam, como S. Ex.ª tem passado a sua.
Todavia, se podesse explicar todos os detalhes dessa tal campanha a que S. Ex.ª se referiu, agitada em França, e da qual, certamente, S. Ex.ª tem conhecimento pelo que tem vindo na imprensa francesa e portuguesa, eu, que me confesso ignorante, mas que dêste ponto conheço mais do que S. Ex.ª, pelo acaso de circunstâncias que colocaram S. Ex.ª na cadeira de Deputado e a mim na de Ministro, mostraria que alguma cousa o Govêrno tem feito junto do, Govêrno Francês, que vale mais do que essa campanha a que S. Ex.ª aludiu.
Voltando pròpriamente às considerações que vinha bordando em resposta ao Sr. Cunha Leal, devo declarar que me regozijo por S. Ex.ª nenhuma alusão ter feito no tocante às nossas relações com os países estrangeiros, senão às relativas à França, visto que isso me prova que S. Ex.ª se deu por satisfeito com a expo-
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sição que ontem fiz sôbre as nossas relações comerciais com outros países a que S. Ex.ª no seu primeiro discurso se referiu.
Pelo que respeita à França, deve também ficar hoje S. Ex.ª satisfeito, e desta maneira eu tenho de sair dêste debate com aquela tranquilidade de consciência que S. Ex.ª disse que eu não posso deixar de ter. Saio efectivamente dele mais do que nunca, tranquilo e satisfeito, na certeza de que começo a ter em parte, na política por mim seguida neste ponto, a concordância do Sr. Cunha Leal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Vozes: — Muito bem.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: como sou uma pessoa tenaz, pedi a palavra novamente, prometendo comtudo não roubar muito tempo à Câmara.
Pergunto: é um crime interrogar o Sr. Ministro dos Estrangeiros para saber o que exigimos como mínimo em matéria de reparações?
E um crime desejar saber, não o resultado das negociações, mas a maneira como pomos o nosso problema das reparações perante o estrangeiro?
É um crime perguntar se nos cingimos ao ponto do vista francês, se nos cingimos ao ponto de vista italiano, ou se adoptamos o ponto de vista inglês? E, pregunto, aceitando nós o ponto de vista inglês, as percentagens que nos foram atribuídas em Spa continuam a ser aquelas que nos são. atribuídas agora?
A Inglaterra fez-nos já uma proposta para liquidação da nossa dívida de guerra, proposta separada da Conferência de Paris e que dizia o seguinte: ou nos resolvemos abster de todo e qualquer direito que temos nos 17 biliões de marcos ouro que constituem a segunda série dos compromissos da Alemanha, segundo o plano inglês na Conferência de Paris, em 1922, ou continuamos a exigir a nossa parte nesses 17 biliões de marcos ouro, mas então temos de pagar a nossa dívida, e eu já fiz as contas.
O que em Spa nos tinham atribuído era- 0. 75 por cento de 17 biliões de marcos ouro, o que dá um total de libras de, 6 milhões e 37o mil. Portanto se se aplicasse a percentagem de Spa aos 17 biliões de marcos ouro nós teríamos direito a 6 milhões e um têrço aproximadamente do libras. E o que é que nos diz o Govêrno Inglês?
Que façamos uma troca que equivale a uma alteração das disposições de Spa.
Diz-nos o Sr. Ministro dos Estrangeiros que está seguindo com interêsse, com cuidado, a questão das reparações.
Permita-me S. Ex.ª que lhe diga que nem sempre tem seguido com êsse cuidado, dia a dia, a política de reparações, e visto que tanto se fala naquilo que recebemos pelo acôrdo Bemelmans, lembre-se a Câmara de que quási até o último dia não sabíamos o que se dizia nesse acôrdo Bemelmans, lembre-se a Câmara de que várias companhias tiveram de, de um instante para o outro, enviar a Paris delegados para podermos receber mais 500:000 libras, visto termos direito a 1 milhão e no Ministério dos Estrangeiros não se sabia que tínhamos direito a êsse milhão de libras. Não era então Ministro dos Estrangeiros o Sr. Dr. Domingos Pereira, mas o Sr. Dr. Barbosa de Magalhães. Era assim que se defendiam os nossos interêsses.
No Ministério dos Estrangeiros não se conhece completamente o problema das reparações. É por isso que quando ouço agora afirmar que êsse assunto não tem sido descurado, que se têm trocado notas com a Inglaterra sôbre a nossa situação relativamente à dívida de guerra, eu tenho o direito de pensar que êsse assunto está tam bem estudado como estava o que se referia ao acôrdo Bemelmans.
Diz o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que não sabe oficialmente que a Inglaterra vá negociar separadamente com a Alemanha.
Mas a missão de um Ministro, não é necessário dizê-lo, é ser previdente.
Dizer o que se tem dito é dar a impressão que realmente não se tem pedido nada.
é Mas é crime dizer que se deve declarar ao país o que se entende como mínimo sôbre as reparações da Alemanha e se foi apresentada alguma nota sôbre êsse ponto particular? É crime preguntar isto?
Interrupção do Sr. Vasco Borges que não foi ouvida.
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O Orador: — Ouvi o que disse o Sr. Vasco Borges, mas mantenho a minha afirmação.
Quando foi da assinatura do contrato foi necessário que o Sr. Vergílio Costa fôsse a Paris levar o contrato e foi necessário que da parte da Alemanha houvesse muito boa vontade para se chegar a um resultado.
Àpartes.
A quem disser que isto não é exacto eu posso dizer que tenho a certeza.
Há ainda negociações, porque determinadas casas não querem entregar o material.
Eu conheço a maior parte dos processos e só por um milagre não perdemos es nossos direitos.
Só à última hora é que a missão portuguesa fez indicações.
Àpartes.
Interrupção do Sr. Vasco Borges.
O Orador: — Sr. Presidente: vinte e quatro horas de demora no conhecimento dum problema foram tam importantes que obrigaram toda a gente a não ter contratos fechados na hora própria.
O Sr. Vergilio Costa: — V. Ex.ª dá-me licença? Do facto, V. Ex.ª tem razão mas como o Sr. Vasco Borges disse, houve uma ligeira confusão na comissão de reparações aqui, acêrca da finalidade dos 10 milhões de marcos que nos foram destinados. A comissão só se esclareceu muito tarde, o por isso tiveram de fazer-se contratos à última hora.
O Orador: — Mas eu continuo a afirmar que digo absolutamente aquilo que é.
O Sr. Vasco Borges: — Estamos todos de acôrdo.
O Orador: — Então, se é como S. Ex.ª diz, se estamos todos de acôrdo, porque é que S. Ex.ª se encarniça contra mim? Continuo a afirmar, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros sonegou à Nação o conhecimento daquilo que decidiu com a Inglaterra, e tinha obrigação de nos dizer aquilo que está para se resolver, isto é a forma de se liquidar a nossa dívida de guerra.
Então nós não temos direitos? £ Somos um escravo a quem só sonega o direito de conhecer qual dos dois pontos de vista que há sôbre reparações a Nação aceita, por intermédio do Govêrno, ou só até não aceita nenhum? Quero dizer, o Parlamento não tem o direito de se pronunciar sôbre se nós abstraímos da maior parte dos nossos direitos de guerra, ou os mantemos na íntegra?
E agora dizem que se anda negociando! Negociando o quê? O que é que querem?
Eu não tenho o desejo de atacar o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, mas desejo que o País seja, elucidado. (Apoiados). Não se mandam...carneiros para a guerra, e depois aos pais dêsses carneiros sonega-se uma indemnização como mínimo de reparação do sangue derramado pelos seus filhos! (Apoiados) Não se faz isso!
Apoiados.
Mas a política portuguesa está esclarecida. O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros recusa-se a dizer à Câmara aquilo que Portugal aceita dos oferecimentos da Inglaterra, ou se os rejeita completamente, e aquilo que pede no caso dessa rejeição.
S. Ex.ª recusa-se, mas essa recusa não fica sem o meu protesto; o meu protesto é superior à amizade que tenho por S. Ex.ª! Êle manifesta-se até porque era meu desejo que S. Ex.ª saísse mais honrado, se é possível, desta Câmara, dizendo como defende os interêsses da Nação e até que ponto vão as suas exigências, que não são suas aliás, e eu como Ministro nunca quereria assumir a responsabilidade de diminuir muito pouco que fosse aquilo que a Nação entende que lhe é devido.
Apoiados.
S. Ex.ª não chegou a responder às preguntas que lhe fiz; não chegou a dar conhecimento à Nação de que se passa.
S. Ex.ª fica satisfeito, com a sua consciência, isto é, de que procedeu segundo o seu critério, que é sempre louvado, porém, S. Ex.ª ficará com o seu critério que eu fico com o meu protesto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Vejo, Sr. Presidente, que êste debate é interminável, devo, porém, dizer que não posso ser res-
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ponsável pelas conclusões a que S. Ex.ª chegou; conclusões que são apenas e exclusivamente da responsabilidade de quem quere chegar a elas.
Não disse aqui, Sr. Presidente, uma palavra que pudesse de qualquer forma denotar recusa da minha parte em fornecer à Câmara e à Nação o conhecimento do que há relativamente à política externa em matéria de reparações.
Não posso, pois, deixar de protestar contra esta afirmação do Sr. Cunha Leal.
Apoiados.
O que disse e repito agora é que o ponto de vista de Portugal continua sendo o que tem sido até aqui, o de se marcar uma posição de absoluta defesa dos nossos interêsses.
Sr. Presidente: se manifestei reservas e prudência, foi em falar sôbre negociações em curso.
Muitos apoiados.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — Se está a negociar, o país tem o direito de conhecer o ponto de vista das negociações.
O Orador: — Tomo, Sr. Presidente, a devida nota do seu critério para quando S. Ex.ª ocupar estas cadeiras proceder de igual forma.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — É um crime preguntar se nos mantém o que foi fixado em Spa?
O Orador: — O que eu posso dizer a S. Ex.ª é que as percentagens que foram distribuídas às nações não foram ainda alteradas.
O Sr. Cunha Leal: — Mas a Inglaterra já nos fez uma proposta diferente.
O Sr. Velhinho Correia: — Mas não a aceitámos nós.
O Sr. Cunha Leal: — Estamos então contra o ponto de vista inglês.
Há apoiados e não apoiados, tendo-se nesta altura trocado vários àpartes que não foi possível reproduzir.
O Orador: — Sr. Presidente: eu tomo nota das próprias palavras de S. Ex.ª
Diz S. Ex.ª que estamos contra o ponto de vista inglês.
E esta, Sr. Presidente, uma afirmação de S. Ex.ª, e não minha.
Muitos apoiados.
Não temos, Sr. Presidente, necessidade alguma de nos anteciparmos, dizendo se estamos ou não de acôrdo com êste ou aquele ponto de vista.
Venha S. Ex.ª para estas cadeiras; defina logo ao entrar essa orientação, e eu lhe pedirei contas ali daquelas cadeiras.
Interrupção do Sr. Cunha Leal, que se não ouviu.
O Orador: — Até agora, o que está estabelecido é a distribuïção de 172 biliões de marcos, ouro. As percentagens não foram alteradas.
Há apenas uma proposta que não foi aceita.
Alguns resultados houve das conferências entre as diversas potências, e, portanto, pregunto se temos vantagem ou necessidade em nos anteciparmos para dizermos que aceitamos êste ou aquele ponto de vista, que abdicamos da segunda série das obrigações fixadas no Conselho Supremo de Londres.
O Sr. Cunha Leal: — Havia a proposta da conferência da Paz.
O Orador: — Não estamos na circunstância de abdicarmos disto ou daquilo; seja do que fôr.
Apoiados.
Sabem todos que o tratado de Versailles resolveu o Assunto, pelo direito de resolução que o tratado lhe confere, e que nós todos temos necessidade de porventura ter uma nova orientação em defesa dos nossos interêsses.
Não estou a fazer jôgo de palavras; estou a falar com sinceridade, e apenas tenho a preocupação de dizer a verdade. 1 Não posso inventar nem fantasiar.
O orador não reviu.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: não voltava ao debate se não fôsse a forma que deu ao seu discurso o ilustre Deputado Sr. Jaime de Sousa, em res-
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posta ao que eu disse sôbre política geral do Govêrno.
Se quisesse fazer largas referências à parte do discurso de S. Ex.ª, não tinha mais que felicitar S. Ex.ª por ter reforçado, apenas o que eu disse.
Apoiados.
O ponto do seu discurso em que se demorou largamente foi o respeitante à atitude, que temos.
Em face de certa imprensa, é indispensável falar claro à Câmara, porque não quero que as minhas palavras sejam deturpadas; em toda a parte entendo que devo tomar a responsabilidade completa daquilo que profiro, seja a respeito do que fôr.
Eu disse que compreendia que a imprensa, advogando princípios contrários aos meus, o fazia no uso legítimo de um direito, mas que não reconhecia autoridade a certa imprensa para se arrogar o direito de censurar e achincalhar os homens públicos quando não estão no Poder. Foi contra essa imprensa que eu me insurgi.
Eu compreendo que essa imprensa defenda, sistematicamente todos os Govêrnos e todos os regimes, mas o que não compreendo é que sistematicamente essa imprensa diminua e enxovalhe os adversários do Govêrno.
Começou o Sr. Jaime de Sousa por dizer que a lei dos lucros ilícitos, que ridiculamente caiu, era lógica, mas que os executores não cumpriram o seu dever.
Ora, eu devo dizer que a magistratura cumpriu o seu dever e foi vítima dos desconchavos da lei, porque ela assentava num êrro económico. Foi apenas uma poeira lançada aos olhos do público para que êle não dissesse que a situação aflitiva em que se encontrava era da culpa do Govêrno.
Um republicano de sempre, e que muita consideração me merece pela sua integridade moral, disse que, por vezes, chegamos a ter a noção de que o Estado é o chefe da esquadra da Alegria. De facto, a acção dêsse agente não é mais do que o espelho da obra do Govêrno.
Disse o ilustre Deputado que quando eu ataquei o Ministro do Comércio, ao tempo o Sr. Lima Basto, S. Ex.ª esteve sempre ao meu lado.
São êstes os argumentos que se empregam contra quem atacou um Govêrno de cara a cara, de frente a frente?
Então, o Sr. Jaime de Sousa, tendo reconhecido, permita-se-me o termo, que o decreto era grosso disparate, sentiu-se um pouco embaraçado e viu que efectivamente eu tinha razão.
Dessas e outras medidas resultou para o Estado uma quantia disponível de cêrca de 5 milhões de libras e eu pregunto onde se encontram essas libras.
O Estado não pode assambarcar libras.
O Estado tem o direito de exigir sacrifícios à nação, mas não lhe assiste a faculdade de fazer especulações.
Se o Estado tem à sua disposição 5 milhões de libras, eu pregunto ao Sr. Ministro das Finanças o que é feito delas, que aplicação lhes tem dado?
Igualmente pregunto a S. Ex.ª porque é que essas libras não conseguiram ainda valorizar um pouco mais o nosso tam depreciado escudo?
O Govêrno não apresentou um único argumento que possa desfazer os nosáòs.
O Govêrno, alheando-se do Parlamento, como o tem feito, não se preocupa cousa alguma com a representação nacional.
O Sr. Ministro do Comércio precipitadamente, como se a Câmara não existisse, publicou a reforma dos serviços dos Caminhos de Ferro do Estado.
Desde já declaro à Câmara que a reforma dos serviços da Exploração do Pôrto de Lisboa não será publicada no Diário do Govêrno sem o nosso mais veemente protesto.
Também até agora o Govêrno não deu qualquer resposta às preguntas que lhe foram feitas sôbre a sua atitude perante o pão político.
Porque é que o Sr. Ministro da Agricultura não diz qual a moagem que é honesta e qual aquela outra que vive numa situação verdadeiramente especulativa dos interêsses do país?
Se o Govêrno não tinha nas suas mãos os meios bastantes para impor o cumprimento da lei, só tinha um caminho a seguir: ou abandonar as cadeiras do Poder ou pedir à Câmara as providências indispensáveis.
Sr. Presidente: eu não quero cansar a atenção da Câmara, visto que pedi a pa-
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lavra para explicações e, por isso, termino pedindo a V. Ex.ª desculpa de ter ido um pouco além daquilo que; porventura, o Regimento me permitiria.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima, sessão é na segunda-feira, às 14 horas, com a seguinte ordem do dia:
Antes da ordem do dia:
Interpelação do Sr. António Maia ao Sr. Ministro da Guerra.
Ordem do dia:
A que estava marcada, e no final da segunda parte, o parecer n.º 91.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o parecer n.º 532-A, que autoriza o Govêrno a adiantar 300. 000$ à Junta Geral, do distrito de Angra do Heroísmo.
Imprima-se.
Da comissão de caminhos de ferro sôbre o parecer n.º 580-B, que cria o «imposto ferroviário», na importância de 6 por cento sôbre as receitas do tráfego das linhas férreas do continente.
Para a comissão de finanças.
Projectos de lei
Do Sr. Crispiniano da Fonseca, reorganizando a polícia de investigação criminal.
Para o «Diário do Govêrno».
Dos Srs. Joaquim Ribeiro o Joaquim Brandão, revogando o artigo 7.º do decreto n.º 902, de 30 de Setembro de 1914.
Para o «Diário do Govêrno».
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me seja enviado com a maior urgência:
1.º Nota discriminativa de todas as verbas extraordinárias mandadas abonar à Coudelaria Militar de Alter do Chão;
2.º A relação de todos os produtos vendidos pela Coudelaria e bem assim quanto rendeu a referida venda de cada um dêsses produtos nos últimos anos;
3.º A nota de quais as classificações que têm obtido os cavalos que foram apresentados nos diversos concursos últimos cinco anos;
4.º Quais as quantias que têm sido recebidas pela Coudelaria provenientes da venda de pastagens nos últimos quatro anos;
5.º Qual o número de carros e automóveis existentes ao serviço do referido estabelecimento.
Em 13 de Julho de 1923. — O Deputado. A. Garcia Loureiro.
Expeça-se.
Declaração
O Grupo Parlamentar Democrático- indica o Sr. Adolfo Coutinho para substituir na comissão de inquérito aos serviços dependentes do Ministério das Colónias o Sr. Júlio de Abreu. — Almeida Ribeiro.
Para a Secretaria.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
O REDACTOR — Avelino de Almeida.