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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 128
EM 16 DE JULHO DE 1823
Presidência do Exmo. Sr. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 46 Srs. Deputados. É lida a acta, que adiante é aprovada. Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Presidente dá conta de uma carta do Sr. Fernando Freiria, comunicando ter pedido a demissão de Ministro da Guerra, facto pelo qual se não podia apresentar a responder à interpelação que lhe anunciou o Sr. António Maia. O Sr. Maia pede para realizar a sua interpelação perante qualquer membro da Govêrno. Usam da palavra os Sra. Álvaro de Castro, Carvalho da Silva e Almeida Ribeiro.
Voltam a usar da palavra os Srs. António Maia, Álvaro de Castro e Almeida Ribeiro, explicando o Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas) a ausência do Sr. Presidente do Ministério, que neste momento entra na sala e que depois usa da palavra.
O Sr. Carlos Pereira trata da questão dos hospitais civis, instando o Sr. Hermano de Medeiros péla realização da sua interpelação sôbre o mesmo assunto, e resolvendo a Câmara que ela se realize no dia seguinte, antes da ordem do dia,
Ordem do dia (Primeira parte). — Contínuos, a interpelação do Sr. Cunha Leal sôbre a política geral do Govêrno.
Usa da palavra o Sr. Moura Pinto, que apresenta e justifica uma moção de ordem, que é admitida.
Segue-se o Sr. Vasco Borges que, com autorização da, Câmara, prossegue no uso da, palavra com prejuízo da ordem do dia. Seguem-se os Srs. Cunha Leal e Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira). O debate continua pendente.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Paulo Cancela de Abreu insiste no empenho de examinar os relatórios enviados do estrangeiro pelo Sr. Afonso Costa. Responde o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Agatão Lança reclama contra uma revista teatral, onde se ofende a Marinha Portuguesa. Responde o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão. -Projecto de lei, pareceres, requerimento.
Abertura da sessão às 15 horas e 25 minutos.
Presentes à chamada 46 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 61 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto do Oliveira Coutinho.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Amadeu Leito de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Artur Rodrigues do Almeida Ribeiro»
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.

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Diário da Câmara dos Deputados
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
José Cortês do Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Dias.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa:
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Limpo de Lacerda.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Não compareceram à sessão os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires do Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.

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Sessão de 16 de Julho de 1923
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia do Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Rodrigo José Rodrigues.
Pelas 15 horas e 25 minutos, com a presença de 46 Srs. Deputados declarou o Sr. Presidente aberta, a sessão.
Leu-se a acta, que adiante foi aprovada com número regimental. Dá-se conta do seguinte.
Expediente
Representação
Da Câmara Municipal de S. Pedro do Sul, pedindo para ser alienada de determinados encargos municipais.
Para a comissão de administração pública.
Carta
Do Sr. Fernando Freiria, de que não comparece hoje na Câmara para assistir à interpelação do Sr. António Maia, por ter pedido a demissão de Ministro da Guerra.
Para a Secretaria.
Ofícios
Das Câmaras Municipais de Mafra e Alpiarça, secundando o protesto sôbre encargos municipais.
Para a comissão de administração pública.
Do juiz sindicante às polícias de segurança e de investigação criminai de Lisboa, pedindo autorização para ser inquirido, como testemunha, o Sr. Adolfo Coutinho.
Concedida.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do Sr. Ministro da Guerra, satisfazendo ao requerimento do Sr. Garcia Loureiro, comunicado no ofício n.º 506.
Para a Secretaria.
Requerimentos
Do Sr. Alfredo de Sousa Azevedo, terceiro oficial dos correios, ao serviço militar, pedindo lhe sejam pagos os seus sôldos de Junho e seguintes.
Para a comissão de guerra.
Do mesmo, protestando contra a sua ilegal e arbitrária convocação extraordinária por ordem do Sr. Ministro da Guerra.
Para a comissão de guerra.

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Diário da Câmara dos Deputados
Telegramas
Dos hóspedes do Hotel da Penha, em Guimarães, protestando contra abusos de autoridade da Comissão de Turismo.
Da classe dos caixeiros do Pôrto, protestando contra o diploma n.º 1:368, que não acatarão.
Da Associação dos Empregados do Comércio e Indústria de Olhão, Guarda, Vila Real, Covilhã, e Associação dos Caixeiros de Elvas, Beja, Montemor-o-Novo, Leiria, Évora, pedindo a aprovação das alterações à lei n.º -1:368, isentando-os da contribuição industrial.
Da Associação Comercial e Industrial de Alenquer enviando pêsames pela morte de Guerra Junqueiro.
Para a Secretaria.
Apoiando a reclamação dos católicos
Da maioria do Senado Municipal de Soure.
Junta de Paróquia de Rebordões (Santo Tirso).
Câmara Municipal de Miranda do Douro.
Junta da Freguesia do Requeixo.
Paróquia e Junta das Alhadas (Figueira da Foz).
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Para antes da ordem do aia está dada a interpelação do Sr. António Maia ao Sr. Ministro da Guerra, mas a êsse respeito acabo de receber uma carta do Sr. Fernando Freiria.
O Sr. Presidente lê a carta, em que se comunica que, estando demissionário, não pode comparecer para- responder à interpelação do Sr. António Maia.
O Sr. António Maia: — Pedi a palavra para requerer que seja consultada a Câmara a fim de eu poder fazer a interpelação perante qualquer Ministro que se dê por habilitado a responder a ela.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: pedia a palavra precisamente sôbre o incidente originado pela carta do Sr. Ministro da Guerra, que me causou profunda estranheza, pois entendo que S. Ex.ª devia vir aqui para bem da disciplina do exército.
Apoiados.
Eu protesto e não me abstenho de fazer as minhas considerações logo que se apresente qualquer membro do Govêrno; e mostro a minha estranheza por não estar presente membro algum, do Govêrno, (Apoiados), abandonando assim o Parlamento neste momento (Apoiados). O Sr. Ministro da Guerra neste momento não tinha o direito de pedir a sua demissão. (Apoiados). Devia vir ao Parlamento, pois êste lhe daria a fôrça suficiente, como já de outra vez o fez.
Apoiados.
O Sr. Ministro da Guerra tinha de vir perante o Parlamento explicar as suas razões e pôr a coberto a disciplina do exército.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — A minoria monárquica, tendo sempre em mim o princípio da ordem e da disciplina, ao acabar de ouvir ler a carta do Sr. Ministro da Guerra afirma mais uma vez que sendo adversária- do regime e do Govêrno, não mantendo nenhuma moção de confiança, dá no emtanto todo o seu apoio ao Sr. Ministro da Guerra, para que S. Ex.ª possa manter íntegra a disciplina do exército.
Nós entendemos que essa interpelação deve ser feita na presença do Sr. Ministro da Guerra.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — V. Ex.ª, Sr. Presidente, diz-me se a interpelação é dirigida ao Sr. Ministro da Guerra, e em que termos é redigida essa nota.
O Sr. Presidente lê a nota de interpelação, já publicada neste «Diário».
O. Orador: — Pelos termos em que é redigida, parece-me que só o Sr. Ministro da Guerra pode responder (Apoiados) a essa interpelação.
Se outros fossem os termos em que ela estivesse formulada, eu nenhuma dúvida teria em associar-me ao mesmo ponto de vista; mas dados os termos que foram

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lidos, e que são restritos, como a Câmara acaba de ouvir, absolutamente limitados, sem amplitude nenhuma que permita considerar envolvido nela todo o problema da nossa vida parlamentar, não posso aceitar o ponto de vista de S. Ex.ª
Creio que não pode razoavelmente decorrer essa interpelação, nem mesmo iniciar-se, sem a presença do Sr. Ministro da Guerra.
Há o facto de o Sr. Ministro da Guerra ter mandado para a Mesa uma carta, quê V. Ex.ª leu, e na qual S. Ex.ª se desculpa da sua não comparência aqui hoje por estar demissionário...
O Sr. António Fonseca: — É a primeira vez que o Parlamento tem conhecimento da demissão de um Ministro por uma carta, sem que o Presidente do Ministério o tenha anunciado.
Apoiados.
Uma voz: — Já não há praxes.
O Sr. António Maia: — Nessa carta não há a mais pequena atenção pelo Deputado interpelante.
O Orador: — Eu entendo que há a máxima atenção pelo Deputado e pela Câmara» A carta de S. Ex.ª não significa outra cousa. Se S. Ex.ª não quisesse manifestar essa consideração pelo Sr. Deputado interpelante e mais Deputados, abstinha-se de escrever a carta dirigida à Câmara. Nada tinha de comunicar senão ao Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. António Maia (interrompendo): — Era natural que S. Ex.ª se dirigisse especialmente ao Deputado interpelante.
É assim que fazem as pessoas delicadas.
O Orador: — A carta não podia ter outro significado que não fôsse a consideração do Sr. Ministro da Guerra pelo Deputado interpelante e mais Deputados. Se não tivesse essa consideração; não escrevia essa carta, repito. Tinha-se apenas dirigido ao Sr. Presidente do Ministério ou ao Sr. Presidente da República. A mais ninguém tinha de se dirigir.
O facto de se ter dirigido à Mesa demonstra a sua consideração pela Câmara
e em especial pela pessoa do Sr. António Maia, Deputado interpelante. Poderá ser contra as praxes, mas é natural.
O que é facto é que na vida política de qualquer Estado e em qualquer regime pode haver um momento em que um Ministro esteja demissionário e ainda não haja substituto.
Se sob o ponto de vista dos princípios e do direito constitucional há sempre Ministro, a verdade é que há muitas vezes situações em que um alto funcionário, ou um Ministro, se obstina em sair do seu lugar e em que o chefe ou o Govêrno se obstinem em não lhe dar a demissão. De facto — e não de direito — há um momento como que de suspensão da vida política do Estado.
É apenas uma circunstância.
Parece-me que o melhor que há a fazer é ùnicamente mandar avisar o Sr. Presidente do Ministério de que a interpelação anunciada está a ponto de se realizar e que é indispensável a comparência do Sr. Ministro da Guerra ou quem o substitua. E mais nada.
Nada mais se pode exigir razoavelmente, e não se pode deixar de considerar que o Sr. Ministro da Guerra, Fernando Freiria, é absolutamente correcto em relação ao Sr. Deputado interpelante.
O orador não reviu, nem os àpartes foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. António Maia: — Os Srs. Álvaro de Castro e Carvalho da Silva vieram dizer à Câmara que nunca faltariam com o seu apoio ao Sr. Ministro da Guerra para manter a disciplina, mas esqueceram-se de dizer se de facto o Sr. Ministro da Guerra tem sabido constantemente manter a disciplina.
No meu entender os Srs. Álvaro de Castro e Carvalho da Silva não têm razão. Se o Sr. Ministro da Guerra tivesse razão, então estava certo.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Desejo apenas esclarecer as palavras que há pouco pronunciei.
Disse que, se se tratasse duma moção de confiança ao Sr. Ministro da Guerra, eu não a votaria, mas ante o facto concreto de não haver quebra de considera-

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Diário da Câmara aos Deputados
cão por ninguém, acho indispensável que o Sr. Ministro da Guerra ficasse a bem da disciplina do exército.
Sem discutir a acção do Sr. Ministro da Guerra, damos o nosso voto para que se mantenha no seu, lugar, pois que consideramos isso indispensável à disciplinei do exército. É claro que neste voto não há qualquer cousa que represente menos consideração para com o Sr. António Maia.
Neste momento, repito, a minoria monárquica dá incondicionalmente o seu voto para o Sr. Ministro da Guerra ficar, a bem da disciplina.
O wador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro (para explicações): — Sr. Presidente: ouvi as considerações do ilustre Deputado Sr. Almeida Ribeiro, a quem aproveito a ocasião para prestar as minhas homenagens de muita consideração e de muita estima, mas devo declarar que discordo inteiramente do ponto de vista de S. Ex.ª, porquanto não levantei a questão, dizendo que o Sr. Ministro da Guerra tinha mostrado menos consideração para com a Câmara. O que fiz foi salientar o princípio constitucional do que quem deve vir à Câmara participar a demissão de um Ministro, uma crise no Gabinete — e até parece que estamos em crise total — é o Sr. Presidente do Ministério.
Apoiados.
Um Ministro, qualquer que êle seja, não tem que enviar à Câmara carta a participar a sua demissão; mas se a enviou, se realizou êsse acto, a Câmara toma nota dele, mas tem o direito de preguntar ao Sr. Presidente do Ministério se efectivamente o Sr. Ministro da Guerra está ou não demissionário, se pensa remodelar o Gabinete e em que condições, se concordou com as razões que originaram o pedido de demissão do Sr. Ministro, etc., etc.
Tudo isto são pontos de vista políticos, fórmulas constitucionais que derivam dos textos expressos da Constituïção e das praxes parlamentares.
O sairmos dêste regime perfeitamente regular, perfeitamente estabelecido, é entrarmos na anarquia — é pior do que isso, porque é a anarquia que começa pelo Govêrno, o qual não teia o direito de dizer
que não está totalmente demissionário, porque, com excepção do Sr. Ministro da Instrução, êle está completamente ausente.
Talvez, porém, o Sr. Ministro da Instrução se ache autorizado a representar o Sr. Presidente do Ministério demissionário e a expor-nos as razões determinativas da crise.
Para terminar, devo dizer que não considero, como aliás porventura nenhum outro Deputado considera, que o procedimento do Sr» Ministro da Guerra tenha tido qualquer cousa de desagradável para a Câmara. Julgo-o antes desagradável para a disciplina do exército, porque, tendo S. Ex.ª praticado um acto que julgou legítimo, eu quereria, como Deputado, manifestar-lhe o meu acôrdo e porventura a Câmara também.
Não compreendo que um Ministro que pratica um acto com a consciência de que êle é justo e necessário não assuma perante a Câmara a responsabilidade dêsse acto e não chame a Câmara a dar-lhe, com o seu voto, a fôrça de que carece, sendo Ministro da Guerra.
Apoiados.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taguigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas): — Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para, em resposta às considerações do ilustre Deputado Sr. Álvaro de Castro, declarar que a circunstância de o Sr. Presidente do Ministério não se achar presente — e S. Ex.ª acaba de chegar — foi motivada por um facto conhecido de toda a Câmara e do País.
S. Ex.ª não se encontrava em Lisboa, visto que tinha ido de visita ao Sr. Presidente da República. Desejava apenas apresentar esta razão que, por ser de facto, invalida todas as do dialéctica aqui expostas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro (para explicações): — Sr. Presidente: ao ilustre Deputado, Sr. Álvaro de Castro, a quem agradeço mais uma vez o favor da sua muita

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amizade e a quem igualmente presto as minhas homenagens muito sentidas e muito sinceras, não atribui que da carta do Sr. Ministro da Guerra tivesse deduzido uma demonstração de menos apreço ou de menos consideração pela Câmara.
Se a êste ponto me referi foi porque o ilustre Deputado, Sr. António Maia, tal manifestação quis ver nessa carta.
Com o Sr. Álvaro de Castro mostrei-me eu de acôrdo na parte em que disse que os princípios eram absolutamente firmes, no sentido de haver sempre um Ministro da Guerra e, portanto, de o haver sempre para se apresentar perante o Parlamento.
Mostrei-me de acôrdo com S. Ex.ª A êste respeito, e nem podia deixar de assim acontecer, de tal modo inegáveis êsses princípios são.
O que, porém, eu disse foi que, muitas vezes, embora fora dos princípios, os factos conduzem a esta situação constitucional em que nos encontramos.
Um àparte.
O Orador: — Não acontece agora por uma modalidade especial do caso.
Não; acontece a cada passo.
Em qualquer momento pode um Ministro querer demitir-se e os seus colegas ou o Sr. Presidente da República não concordarem e fazerem diligências para que se não demita.
Emquanto estas diligências — chamemos-lhes assim, não se resolvem, há, naturalmente, uma pequena interrupção, que não chega a ser crise, nos negócios do Estado.
De facto, na nossa vida constitucional, o que é que se considera crise?
E o tempo que decorro entre a aceitação da demissão de um Ministro e o momento em que essa demissão deixa de produzir efeitos, visto já haver um novo Ministro.
O Sr. Álvaro de Castro tinha mesmo chegado ao extremo de dizer que o Sr. Ministro dá Guerra não tinha o direito do se demitir sem vir primeiro à Câmara comunicar-lho.
Um àparte do Sr. Álvaro de Castro.
O Orador: — Não sei quais são os motivos da demissão do Sr. Ministro da Guerra.
Podem mesmo ser muito estranhos aos serviços a que a interpelação se referia.
Por isso não sei como é que se possa razoavelmente afirmar que o Sr. Ministro da Guerra não podia deixar de vir à Câmara, embora demissionário, dar conta dos seus propósitos.
O Sr. Ministro da Guerra não tinha, efectivamente, que comunicar à Câmara o seu pedido de demissão, mas não foi isso o que S. Ex.ª fez.
A carta de S. Ex.ª não visou a comunicar a sua demissão, mas apenas a isto que é absolutamente humano e correcto: a dizer que não podia vir à Câmara assistir à interpelação marcada, visto estar de missionário.
Não comunicou a sua demissão; ùnicamente participa que não pode comparecer na Câmara, e nada mais.
Parece-me, Sr. Presidente, que coloquei, a meu ver, no bom pó, a doutrina constitucional a respeito do que se trata, salvo melhor juízo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: sinto bastante não ter ouvido as considerações feitas por alguns Srs. Deputados relativamente a uma interpelação que estava mareada para hoje ao Sr» Ministro da Guerra.
Devo esclarecer, em abono da verdade, que ignorava completamente que o Sr. Ministro da Guerra tivesse enviado uma carta a V. Ex.ª, assunto êste que me foi comunicado quando entrei na Câmara.
Compreendo que se bem que essa carta representa uma prova de consideração pela Câmara, no emtanto, desde que S. Ex.ª ase considerava demissionário, a quem se tinha de dirigir era a mim, como Presidente do Ministério.
Como a Câmara vê, não posso por emquanto dizer mais nada sôbre o assunto, esperando, no emtanto, demover S. Ex.ª do propósito em que se encontra, tanto mais quanto é certo que êle se prende com assuntos de carácter militar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: todos sabem, o esta Câmara mui-

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to especialmente, que nunca me servi desta tribuna para injuriar ninguém, pois a verdade é que me tenho servido dela somente para defender os interêsses do País.
Estou, portanto, tranquilo com a minha consciência; mas, Sr. Presidente, porque alguém supôs que nas minhas palavras havia acusações contra um funcionário do Estado, êsse alguém servindo-se de um ardil fácil, mas grosseiro, pensou em levar a questão para uma pendência, para um duelo.
Sr. Presidente: eu pedi há bastante tempo, pelo Ministério do Trabalho, uns documentos respeitantes aos Hospitais Civis de Lisboa, desde 1912 até hoje, e isto com o intuito de fazer um estudo de uma obra, para ver o que a República tem feito quanto se refere a hospitais. Porém até hoje tais documentos ainda me não foram fornecidos.
Se bem que ainda não possua documentos, e eu não queira fazer a análise de uma obra por aquilo que vi particularmente, eu posso, no emtanto, dizer desde já que o actual director dos hospitais é pessoa a menos indicada para aquele lugar, pois a verdade é que um homem que tem bastantes faltas nos hospitais de. Lisboa não está indicado naturalmente para seu director. 0m homem que durante dois anos fez apenas dezasseis operações, demonstra logo que não tem muita competência para estar dentro dos hospitais, sendo além disso indisciplinador, conforme o demonstram uns documentos que tenho aqui presentes.
Há pouco tempo na enfermaria n.º 4, de Arroios, encontrava-se um dos médicos mais distintos de Portugal a tirar a história de um doente:
O Sr. Hermando de Medeiros: — V. Ex.ª pode indicar o nome dêsse médico.
O Orador: — Êsse médico era o Sr. Azevedo Gomes, o qual se encontrava, como ia dizendo, tirando a história de um doente quando o director entrou pela enfermaria acompanhado de um outro médico, por sinal estranho- aos hospitais, dizendo que êle ia proceder a êsse serviço, o que levou o dito médico a declarar que isso era desnecessário, pois que êle já tinha tirado a história do doente.
Quere a Câmara saber qual foi a resposta do director, foi a seguinte:
«Quem a mandou fazer? O senhor não sabe que êsse doente não está a seu cargo?»
Pois, Sr. Presidente, tendo êsse médico apresentado a sua reclamação, foi-lhe dado um despacho, que é uma verdadeira monstruosidade.
Êsse despacho representa uma irregularidade, porém, ainda há mais o que vou ler.
Já vê, portanto, a Câmara a indisciplina que existe nos hospitais.
Tem porventura a coragem de castigar, se castigo merece, o director daquela enfermaria?
Não tem; e vem dizer que há um depoimento só do próprio interessado que lhe deixa dúvidas do inquérito.
O próprio director dos hospitais vem dizer que êsse médico é interessado e inábil para depor. E perante êste documento não tem coragem de fazer justiça.
Como as pessoas dê valor médico são inimigas do verdadeiro valor, é preciso que se inutilize êsse médico distinto que é o Sr. Azevedo Gomes.
Então, perfeitamente à vontade, o director dos hospitais, por meio dum despacho, calunioso pelas insinuações que contém, fecha a enfermaria. Faz isto na ocasião em que a população hospitalar é maior e tende a aumentar, numa altura em que o número de hospitalizados é maior; e só quando foi necessário, à reabertura, só depois de na imprensa se terem levantado os clamores dos doentes, é que vem dizer que nada tem com as tricas dos médicos.
Isto excede tudo quanto podia pensar-se e conceber-se.
O funcionário procurou calar-me. Não há forma de me calar.
O funcionário, se tivesse aquele pudor que é necessário aos homens para ocupar um lugar daqueles, teria até feito com que eu tivesse os documentos que por intermédio do Ministério do Trabalho pedi, e não vinha com as espertezas saloias.
Eu pedi os orçamentos dos hospitais de Lisboa; que me digam quanto custa cada doente.
Tenho esclarecimentos de valor da capacidade e produtividade dêsse médico.

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O director fez o record das faltas e só fez dezasseis operações.
Hei-de tratar, custe o que custar, dêste assunto dos hospitais, mas baseado em documentos oficiais. Quero tratá-lo sem olhar para os homens que não conheço, nem quero conhecer.
Mas quero, quando os funcionários mereçam, acusá-los, e hei-de procurar saber tudo.
Hei-de saber quanto se gasta em gasolina nos automóveis dos hospitais de Lisboa.
Hei-de saber os motivos por que os hospitalizados de peste se encontram dias e dias sem assistência médica.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Não é verdade. É falso!
O Orador: — É tanto verdade que o Sr. Vasco Borcos, quando Ministro do Trabalho, mandou fazer um inquérito a êsse respeito.
V. Ex.ª vê que tenho informações que bastam para fazer a análise da obra do director dos hospitais, e com tristeza infinita o digo, isto não pode ser.
Quando ao querer fazer a análise dessa obra, tenho necessidade de referir-me a homens, porque vejo que um dentista basta para ser director dos Hospitais Civis de Lisboa.
Não pode permanecer se nesta situação de interinidades que não dignificam ninguém, antes enxovalha sobretudo qualquer regime.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Não é legal.
O Orador: — Insisto novamente pelos documentos requeridos, para que possa fazer a análise desta obra, que tenho que fazer custe o que custar, para bem do País.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Requeiro a V. Ex.ª seja consultada a Câmara sôbre se permite me seja concedida a palavra para explicações.
O Sr. Presidente: — Não posso tomar em consideração o requerimento de V. Ex.ª visto que é já tarde. V. Ex.ª ficará com a palavra para amanhã.
Tem a palavra o Sr. Cunha Leal para continuação da interpelação ao Govêrno.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente: requeiro a V. Ex.ª consulte a Câmara sôbre se consente use da palavra para me referir ao que acaba de dizer o Sr. Carlos Pereira.
Aprovado.
O Orador: — O Sr. Carlos Pereira trouxe aqui uma questão irritante, e que merece ser considerada.
Não pretendo defender nem acusar.
O ano passado anunciei uma interpelação ao Sr. Ministro do Trabalho sôbre assuntos hospitalares, e ainda V. Ex.ª, permita-me que o diga, a não marcou.
Desejo tratar dêsse assunto, não com inteligência e mais conhecimentos do assunto que o Sr. Carlos Pereira, mas sem insinuações.
Declaro que não tem razão o Sr. Carlos Pereira e que o assunto é um assunto de honra pessoal e dignidade do regime.
Requeiro, portanto, para tratar dêste assunto e que seja marcada a minha interpelação logo a seguir à interpelação do Sr. Cunha Leal.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Não marquei ainda o dia para a interpelação de V. Ex.ª por estar ocupado o tempo da ordem do dia, e o tempo de antes da ordem igualmente.
Por isso não me foi possível marcá-lo, mas fá-lo hei na primeira oportunidade.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Requeiro que a realização da minha interpelação seja amanhã antes da ordem dia.
O Sr. António Maia: — Pedia para V. Ex.ª me informar se a minha interpelação poderá ser realizada no período de antes da ordem do dia.
O Sr. Presidente: — Continua dada para ordem do dia.
É aprovado o requerimento do Sr. Hermano de Medeiros.

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ORDEM DO DIA
Continua a interpelação sôbre a política geral do Govêrno
O Sr. Moura Pinto: — Nos termos regimentais mando para a Mesa a minha moção de ordem.
Sr. Presidente: eu desejava ouvir o Sr. Presidente do Ministério, sôbre a sua política religiosa. Não desejo ofender grandemente as susceptibilidades de S. Ex.ª que à última hora e nesta interpelação se mostrou de génio irritável e de temperamento colérico. Eu estava habituado a considerar o Sr. António Maria da Silva um estadista calmo, imperioso e vago, mas S. Ex.ª, nas considerações que já fez sôbre o debate político, manifestou a sua cólera, dando-me um pouco a impressão de querer fugir aos seus velhos processos.
Ora convém estabelecer, talvez, doutrina em matéria de interpelações.
As interpelações não são pròpriamente feitas, quando um partido, como o Partido Nacionalista, as faz, no sentido de irritar o Poder Executivo.
São feitas no sentido ou de obrigar o Govêrno a prestar contas ao País ou de o obrigar a mudar de orientação, se a política seguida não fôr a mais adequada às circunstâncias.
Não pode, pois, o Sr. Presidente do Ministério tirar conclusões diversas daquelas que resultem ou da sua incompetência para governar em determinada hora ou da falta de apoio da parte da sua maioria; e então o problema já não é pròpriamente o problema da oposição, mas é o problema a considerar da parte do Govêrno e da sua maioria.
Portanto, eu não creio que nas minhas considerações vá despertar as cóleras do Sr. Presidente do Ministério; mas reputo indispensável que no fim de dezoito meses de Govêrno S. Ex.ª preste contas ao País sôbre a sua política em matéria religiosa, política tam interessante, tam valiosa e porventura gravo, se não fôr resolvida como deve ser, como qualquer outro aspecto grave da política de um país.
Não fica mal fazer um pouco de história, e eu não cansarei em demasia a Câmara, fazendo uma resenha de história que é de há poucos anos.
Todos sabemos que nos últimos tempos do regime monárquico a monarquia se sentiu enfraquecida por variadíssimas causas, de entre as quais avultava a falta de coesão dos partidos, e nessas condições procurou encontrar uma forte fôrça de apoio nas congregações religiosas. E a monarquia aproveitou então êsse apoio, e dele de foi arte se serviu, que, ao passo que apressou a sua queda, do mesmo passo apressava a queda do seu bordão de apoio; e convém dizer, porque é êsse o meu pensamento, e creio que é também o do meu partido, que os católicos devem sentir que, tendo direito ao livre exercício de todas as manifestações religiosas, dentro de uma bem entendida liberdade, dentro. das tradições e da moral, não podem pensar em que as congregações religiosas possam existir no País.
Necessitamos esclarecer esta situação, para que não se diga que um partido da República faz promessas que seriam insensatas, porque iriam contra as aspirações que o País tem em matéria religiosa.
Sr. Presidente: a Lei da Separação foi feita numa natural atmosfera de ressentimentos e de ódios, porque nos últimos tempos da monarquia a religião fora aproveitada por maus católicos, sem dúvida, para se fazer a pior luta dos elementos liberais e republicanos.
Em tais condições, a Lei da Separação foi mais um instrumento de desforra e de agressão do que pròpriamente um instrumento de legítima defesa.
O legislador, em vez de dominar a corrente que, naturalmente, nos primeiros momentos foi bastante impetuosa, sobrepondo-lhe a calma do homem de Estado, deixou-se ir ao sabor dessa corrente.
A Lei da Separação foi feita, tendo mais em conta o espírito sectarista do que o sentimento religioso.
E porque a Lei da Separação foi assim elaborada, ela não deixou de constituir um elemento de discórdia agravado pela circunstância de ser executada por alguns indivíduos que largavam a opa para empunharem a bandeira do livre pensamento.
Assim, logo de começo, se manifestaram desejos da revisão de tal lei.
E certo que para os católicos resultaram vantagens de um tal estado do cousas, porque a verdade é que perderam,

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sim, alguns milhares de adeptos que vieram colocar-se ao lado dos que defendiam os novos ideais, mas» também puderam ver que nessa altura se reconciliavam com a igreja muitas centenas de católicos e de monárquicos em evidência, arrependidos dos seus erros no passado o desejosos, talvez, de beberem na religião a forte seiva das conspirações.
Mas dentro dos arraiais republicanos começaram também a surgir desejos de revisão da lei, e nesse sentido se pronunciaram dois partidos: o «evoluciouista» e o «únionista».
Sr. Presidente, foi então que se estabeleceu um dogma que serviu para os inimigos do regime, êsse dogma foi a Lei da Separação, lei considerada intangível, lei que fez com que em Portugal ficasse existindo uma lei um pouco mais superior à Constituïção, pois esta pode ser revista de certos em certos períodos, e ser assim modificada. Ficou pois em Portugal existindo uma lei considerada, como intangível, dogma que serviu maravilhosamente aos adversários do regime.
A monarquia em oitenta anos de constitucionalismo aproveitou-se da igreja, e quando veio a República, alguém o disse, ela teve o propósito de acabar com a religião em duas ou três gerações. A monarquia encontrou os seus melhores soldados, os seus mais aguerridos capitães para as suas conspirações, para as suas incursões dentro da igreja.
Estavam as cousas neste pó, quando se deu a revolução do 5 de Dezembro. Depois dessa revolução, eu fiz parte do primeiro Ministério, que s(c) organizou, sendo Ministro da Justiça. Toda a Câmara me fez justiça à forma como eu entrei para o Ministério, para o que não fiz o mínimo esfôrço, nem manifestei desejo.
Desejando eu fazer algumas modificações na Lei da Separação, encontrei grandes dificuldades, a começar dentro do próprio Gabinete, mas procurando saber de onde vinham, eu apurei que essas resistências vinham do fora, e muito principalmente dos arraiais monárquicos.
A sua tática não direi que fôsse boa, mas confesso também que era natural, e que dentro do seu ponto de vista era legítimo.
Alguém que tinha uma alta situação dentro dos arraiais adversários, me disse claramente: as suas modificações não serão aprovadas porque nós precisamos da Lei da Separação, em toda a sua dureza, como campanha eleitoral, precisamos dos motivos da Lei da Separação, para levantar juntamente com a religião alguma cousa que nos interessa um pouco mais do que isso, e eu comecei imediatamente a sentir todas as dificuldades e tantas que em certo momento
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Da maçonaria, talvez.
O Orador: — A S. Ex.ª que disse que da maçonaria talvez tivesse partido qualquer indicação, devo declarar por minha honra que não recebi indicação de quem quer que fôsse.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Eu falei de dificuldades levantadas aos seus propósitos.
O Orador: — Essas dificuldades vinham dos arraiais de V. Ex.ª
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Era conveniente que dissesse da parte do quem.
O Orador: — E vinham de tal forma que em certo momento eu tive de declarar que faria crise, que abandonaria o Poder, e eu sabia bem a altura em que o fazia porque era na altura em que o Chefe do Estado vinha de fazer uma viagem ao norte e pretendia fazer uma viagem ao sul.
Procurei o momento azado para fazer prevalecer a minha vontade, que não era a minha, mas a aspiração do País, e digo a V. Ex.ª que, correndo nesse momento várias atoardas, publicadas até nos jornais, de que me recusava a fazer essa lei e subscrevo Ia depois de feita — porque a omnipotência do Chefe do Estado me impunha fazê-la e subscrevê-la — eram tam exactas essas atoardas, que aproveito o ensejo para ler à Câmara um documento, que pode ser testemunhado pelo então chefe do meu gabinete, Sr. Emídio Mendes, que se encontra ausente, e pelo Sr. Dr. Brito Camacho, chefe do Partido Unionista.
As dificuldades, como já disse, vinham do lado de S. Ex.ª, porque se não vies-

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sem eu não teria necessidade de escrever a carta.
Depois de me ter sido negado o estudo e a apreciação do diploma que eu já tinha feito, declarei ao Sr. Presidente da República que me considerava demissionário, que não podia contar mais comigo, prometendo vir cá fora dizer que tinha encontrado obstáculos para que se fizesse uma obra de pacificação, e depois de ter dado conta dêste incidente, como devia, ao chefe do meu partido, na sua presença, já depois de a ter escrito, li a carta.
A carta, que acabo de ler, enviada para Belém pelo meu chefe de gabinete, deu em resultado que o Sr. Brito Camacho seguiu também para ali, e voltava algumas horas depois para me comunicar que, em boa verdade, as modificações à Lei da Separação seriam discutidas e apreciadas em Conselho de Ministros, e que eu poderia ficar seguro de que nada se resolveria de fundamental na vida do Ministério sem que eu fôsse ouvido.
Por êsse facto mantive-me no Ministério, e estou convencido de que fiz uma obra útil, que fiz uma obra necessária, e. que essa obra, acima de tudo feita com sinceridade e com fé republicana, tinha o merecimento da oportunidade e da justeza daquilo que eu concedia. Não concedi dedais porque não sou dos que entendem, nem pertenço a partido que assim o entenda, que nas horas de adversidade tenhamos de mendigar solidariedades e apoios e nas horas de glória tenhamos o direito de escravisar os que se encontram debaixo, e, porque assim pensava, não quis fazer senão aquilo que reputava indispensável, entendendo que se fizesse obra no sentido de destruir, com o desejo de agradar àqueles que querem o Poder como cajado para bater, então teria procedido mal, assim como a obra não teria resistência nem consistência.
Por outro lado se concedesse mais, e nisso estou inteiramente de acôrdo com os católicos, não teria concedido nada. Concedi o indispensável porque tive o cuidado de no relatório dividir o aspecto por que considerava a questão religiosa da seguinte forma: Primeiro, o que nesse diploma houvesse de essencial, princípios representativos de conquistas liberaes de que nenhuma democracia pode abdicar...
Leu.
Sr. Presidente, remetendo esta última parte para o Parlamento, para o Poder Legislativo, eu julgava prestar ainda, e estou convencido que prestei à República um alto serviço, porque era chamar para o terreno das nobres Jutas políticas toda a matéria prima católica, toda a matéria prima, que tendo crenças dentro de si, entendesse que neste campo tinha direito de as defender e que fazendo movimentos de opinião dentro da ordem e das leis tinha o direito de ser ouvida e respeitada.
Tinha, pois, o propósito de atribuir à vida política do País tudo quanto andava arredado e, digamos com franqueza, conspirando, pela confusão deplorável de duas causas numa só causa, duas causas: uma delas causa morta, causa perdida, mas que ia vivendo à custa da seiva que a outra encontrava no seio do País.
Sr. Presidente: dentro dêste propósito estou inteiramente convencido de que se abria uma era de conciliação, uma era de promessas a que há o direito de corresponder.
Quem, como eu, fazendo em nome de um partido o modesto trabalho que fiz e que afecto à Câmara, não é intangível.
Chegou o momento de preguntar ao Govêrno como é que tem correspondido às necessidades desta nova época de conciliação.
E necessário que o Sr. Presidente do Ministério afirme uma política, porque não pode, em matéria religiosa, estar constantemente a responder como respondeu ao ilustre leader dêste lado da Câmara, quando se referiu a um certo acto que se praticou em Viana do Castelo, em que participou o Sr. Presidente da República; como se isso fôsse uma resposta ao que se passou no Seixal, em que um acto religioso só foi permitido porque um outro administrador de concelho, não daquele em que êle se realizou, interferindo,, conseguiu que se realizasse êsse acto.
O Sr. Presidente do Ministério é uma figura política detestável, porque, emquanto todos os homens de Estado procuram viver no conceito da opinião, S. Ex.ª desinteressa-se, dando a impressão do contrário.
S. Ex.ª não tem quem o apoie; todavia, se a sua maioria procura substituí-lo por outro pior, Deus nos livre de tal.

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Dentro da República, os católicos podem ser elementos de colaboração, de inteligência e ordem.
Tem-se verificado que os parlamentares católicos têm, com cautela, separado a religião das questões políticas.
Esta cautela temos nós verificado no decurso dos debates parlamentares.
V. Ex.ª sabe quê ainda há poucos dias Roma confirmou essa pastoral em condições do se sentir que essa política tem um apoio.
V. Ex.ª não pode, a maioria não pode, de nenhuma maneira, manter-se nesta política dúbia e imprecisa, porque esta política conduz à decepção, e a decepção vem com certeza gerar cousas graves dentro do País.
Apoiados.
É indispensável, Sr. Presidente, ter em linha de contado facto de que, tendo sido a Lei da Reparação urna lei de circunstâncias, precisa de ser revista.
Havemos de partir do princípio de que essa lei deve continuar como está? Havemos de partir do princípio de que as modificações que não foram outra cousa senão o principio dalguma cousa que eu fiz à Lei da Separação, não hão-de ser mais nada do que isso? Havemos de ficar tendo em Portugal duas cousas intangíveis, uma porque o orgulho dum homem e o espirito sectário dum partido, ou imposições de natureza que eu não quero consentir dentro do Poder Legislativo assim o dispõem; outra, que eu confesso que não é senão o início de qualquer cousa, simplesmente porque, não se podendo mexer na intangível n.º 1, se não pode mexer na intangível n.º 2?
E depois, dir-se há que as leis não são tudo, e que a sua execução é um pouco mais.
Realmente, aqui há dias referiu nesta casa do. Parlamento o Sr. Lino Neto, e referiu dentro duma compreensível alteração, porque é católico, o caso da portaria de 24 de Novembro sôbre legislação congreganista.
S. Ex.ª invocou aqui para ataque à nomeação do Sr. Borges Graiuha, meu colega na Comissão Jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas, o artigo 9.º do decreto de 8 de Outubro de 1910, e o Sr. Ministro da Justiça respondeu-lhe não inteiramente mal. Foi êste o diploma e o artigo que o Sr. Lino Neto citou para dizer que S. Ex.ª não podia nomear, para o cargo que nomeou o Sr. Borges Grainha, senão as pessoas nele estabelecidas. Ora não é inteiramente exacta a conclusão de S. Ex.ª, porque para êsse aspecto a portaria não é constitucional nem inconstitucional, é o que é: não é nada.
A comissão de que faço parte com o Sr. Borges Grainha foi criada por portaria de 21 de Dezembro de 1910, e com o fim de julgar sôbre todas as reclamações acêrca de direitos de propriedades dos antigos edifícios das congregações religiosas. A comissão cumpriu rigorosamente esta obrigação, e sabe V. Ex.ª com quanto brilho, com quanta competência, amor e zêlo pelas cousas do País ela levou a cabo a sua missão no tribunal de Maia, onde foram os Srs. Vicente Luís Gomes e Afonso de Melo resolver a favor do Estado o grave litígio das congregações religiosas, que dentro das poucas cousas que em matéria de economia para o Tesouro o regime tem feito é talvez a â nica de resultados concretos.; Foram muitos milhares de contos os que entraram nos cofres do Estado e os que estão ainda nas mãos da comissão!
Por decreto de 31 de Dezembro de 1910 estabeleceu se o processo para o julgamento gracioso das reclamações, mas depois, como se começassem a notar-se determinados excessos e se sentisse a necessidade duma fiscalização, veio outro decreto que alargou as atribuïções da comissão; e entro as atribuïções novas que lhe concedia figurava a atribuição política, que consta do artigo 1.º, n.º 1.º, dêsse decreto.
Quere dizer: a entidade que foi investida do poder de fiscalização foi a Comissão Jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas. Êsse poder foi dado a esta única entidade, ainda que a Comissão da Lei da Separação o tivesse, mas para outro efeito, e não se pode argumentar que nestas duas comissões não esteiam bons republicanos e homens que prezam acima de tudo o cumprimento rigoroso dos seus deveres.
Apoiados.
Mas porque veio o 19 de Outubro, e porque o 19 de Outubro, como todos os motins que se fazem em Portugal, teve

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na primeira hora uma espécie de invocatória, que foi «restituir a Lei da Separação à sua primitiva pureza», lembrando aquela outra frase muito conhecida e usada, que é continuarmos nesta obra de redenção em que andamos todos empenhados» — são duas espécies de orações! — então, vá de abordar o Sr. Ministro da Justiça para que êle restituísse a Lei da Separação à sua primitiva pureza. Na altura em que êste Ministro se empenhava a fazer isso, caiu. O novo Ministro, espírito que eu muito prezo e amigo que muito, estimo, foi também abordado para aquele fim. Confessou-se embaraçado, porque, dizia êle, o movimento naquele momento ainda tinha fôrça, e então pensou que o que era preciso era arranjar forma de quebrar essa fôrça, sem atentar contra o que êle entendia que não seria mais do que uma grave perturbação na ordem perturbada no País.
As reclamações consistiam na revogação pura e simples das alterações feitas por mim à Lei da Separação.
Deu-se a circunstância de nessa altura se dirigir a êsse Ministro creio que o Sr. Borges Grainha.
Fazendo um relato das circunstâncias em que se encontra o País em matéria religiosa, com jesuítas por todos os lados, há a necessidade absoluta de organizar um organismo do qual nem o Sr. Afonso Costa tenha nada a dizer.
Logo que o Ministro da Justiça de então teve conhecimento desta moção, entendeu, sem desprimor para essa comissão, onde não está ninguém suspeito de não ser republicano, entendeu, sem inconveniência dêsse diploma, publicar uma portaria pela qual o Sr. Borges Grainha e a comissão constituída ficariam na obrigação de controlar as declarações.
O Sr. Borges Grainha acaba o seu relatório dizendo que é necessário, de uma vez para sempre, acabar com uma tal situação.
Depois dêsse relatório, que foi publicado, estamos ainda colhendo elementos de investigação por todo o País, por meio das autoridades administrativas que não desmerecem da confiança nelas depositadas.
Pregunto eu ao Sr. Presidente do Ministério e ao Sr. Ministro da Justiça se há direito de manter actos que não podem continuar, apesar de alguns serem
de momento, mas que não podem continuar a estar na legislação com o aspecto irritante que agrava.
Àpartes.
Se é essa a política que se quer seguir, êste lado da Câmara não a pode seguir porque conduz a maus resultados.
Mas há casos que são previstos tanto na Lei da Separação, como em outras leis que constituem uma afronta.
Pela Lei da Separação ninguém pode exercer missão religiosa sem ter o devido direito, e se a praticar, faz um crime.
Poderia haver dúvidas sôbre quem seria a autoridade competente para ver até que ponto se dava a usurpação.
Nos termos do artigo 1.º, nas modificações à Lei da Separação nada há que altere o seu espírito, e que possa concorrer para que sejam ofendidas as crenças dos adeptos.
Há porém no País templos abertos, nos quais existem padres que não acatam as determinações dos respectivos bispos, sem a devida competência, e que praticam actos que ofendem os sentimentos religiosos dos crentes verdadeiros.
Isto não é querer enxovalhar os sentimentos religiosos de ninguém, e o que eu. quero é que se respeitem os verdadeiros sentimentos como quero que se respeite a bandeira da República, da Pátria, e as normas dentro das quais os homens estabelecem a sociedade, e assim como se não permite que se enxovalhe a Pátria, também não se admite que se ofendam as crenças, como o faz certas gentes que se dizem democráticas, livres pensadoras, e que só praticam os seus actos para arreliarem os talassas.
Ora êstes factos e outros é que são a política do Ministério, mas em matéria desta natureza é necessário não ofender, os sentimentos que estão dentro da moral e não ofendem a Constituïção.
Quando fiz as alterações à Lei da Separação, eu procurei o mais possível evitar o que ao tempo era uma melindrosa questão — a neutralidade do Estado em matéria religiosa — que dizia respeito à hierarquia da Igreja.
Se eu não tivesse relações oficiais com Roma eu não poderia, evidentemente, reconhecer uma hierarquia, da qual eu não reconhecia o chefe. E eu fui cauteloso nas alterações à Lei da Separação.

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Depois de introduzidas na lei essas modificações, estabeleceram-se oficialmente as relações entre o Govêrno Português e Roma. E se êsse facto se realizou £ que dificuldade tenho, que dificuldades tem a Câmara, em reconhecer a restante hierarquia, aquela que se encontra dentro do território nacional inteiramente subordinada às leis do País?
E como verifiquei que não havia razões que me impedissem de reconhecer o que lá estava fora, eu não podia deixar de reconhecer com mais forte motivo aquilo que cá estava dentro.
Apoiados.
Sr. Presidente: está pendente da apreciação desta Câmara um projecto apresentado pela minoria católica, projecto sôbre o qual já foi elaborado parecer pela respectiva comissão parlamentar. Porque se não discute êsse projecto, quanto, mais não seja para que se não diga que influências estranhas ao Parlamento o impedem?
Eu acho que talvez valesse a pena à maioria considerar o quanto seria vantajoso para ela e para todos nós.
Seria melhor assumir uma atitude de mais tolerância, de mais respeito, de mais consideração e até de mais parlamentarismo, que permitisse a votação dêsse projecto ainda na presente sessão legislativa de forma a acabar com essa scie que está fazendo muito mal ao regime, qual é a de que os católicos parlamentares nada têm conseguido obter não obstante a sua atitude de transigência.
Eu termino, Sr. Presidente, declarando a V, Ex.ª que se me não é agradável, nada agradável, uma religião que ofenda a liberdade, também nada me agrada uma liberdade — se lhe podemos dar tal nome — que não permite o livre exercício da religião.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador foi muito cumprimentado.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
É aprovada a acta.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: começo por mandar para a mesa a minha moção de ordem.
Sr. Presidente: em Portugal nem os ensinamentos da experiência nem as lições da história perduram longamente.
Parece-me até que é já uma questão de moda que faz com que periodicamente esqueçamos êsses ensinamentos e essas lições!
Todos se lembram, decerto, que em 1919 todos os políticos sentiram e defenderam a necessidade de se conseguir dentro da República a estabilização ministerial.
Impunha-o o descrédito que a vertiginosa mudança de Ministérios acarretava no estrangeiro; impunha-o o desalento que começava a formar-se no espírito dos patriotas; impunha-o a indisciplina que invadia os serviços públicos existentes.
Pois agora nós vemos com espanto apontar essa mesma estabilização como sendo um mal!
Provou-se acaso que êste Govêrno tenha exercido uma acção nociva ao País e à República?
E assim pretende concluir-se que esta estabilização no Poder, que felizmente se tem constatado, é um mal.
O Sr. Cunha Leal: — É muito difícil consegui Io, e V. Ex.ª o reconheceu, sentindo-se obrigado a privar do seu esfôrço, que era bastante benéfico para o País, e da sua inteligência, que é muita, o Govêrno do Sr. António Maria da Silva.
Porque se admira V. Ex.ª que eu generalize a todo o Govêrno o que sucedeu consigo?
O Orador: — Agradeço a amável referência que V. Ex.ª acaba de fazer às minhas modestas qualidades pessoais, mas devo dizer a V. Ex.ª que não saí do Govêrno porque me sentisse desalentado com a sua obra. Abandonei o Ministério apenas por circunstâncias políticas, devido ao incidente da eleição do Sr. Presidente da Câmara.
Mas, reatando o fio das minhas considerações, continuo a afirmar que nada prova que tenha sido nefasta e perniciosa para o País a acção dêste Govêrno.
Se assim não fôsse, acima da maioria parlamentar com que o Govêrno conta estaria a opinião pública, que saberia opor-se à continuação dêste Govêrno nas cadeiras do Poder.

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Efectivamente, porém, as afirmações da minoria nacionalista estão em desacôrdo com a opinião pública, que se encontra divorciada dêsse Partido.
Como pode dizer-se que êste Govêrno tenha estado inactivo?
Êle subiu às bancadas do Poder com um programa. ^Não tem trabalhado para o cumprir?
Pois então não é certo que êste Govêrno, no curto espaço de dezassete meses, já conseguiu fazer aprovar dois Orçamentos, cousa que há muitos anos não sucedia em Portugal?
Será isto inacção? Será isto praticar erros?
Pois então não é certo que êste Govêrno conseguiu que fossem votadas as medidas de finanças, cousa que ninguém acreditava que fôsse possível?
Será isto ainda inacção?
O Sr. Cunha Leal: — Veja V. Ex.ª a situação do câmbio e os resultados do empréstimo.
O Orador: — Daqui a pouco referir-me hei ao empréstimo, para demonstrar que é cedo ainda para se avaliar das suas consequências e resultados.
O Govêrno tem um programa quê tende a restabelecer em boas normas a vida financeira do País, e se até esta hora não cumpriu êsse programa é porque tem sido impedido de o fazer.
O Grovêrno propõe-se extinguir o deficit.
O Sr. Cunha Leal: — A tiro?
O Orador: — É necessário, para êsse efeito, aumentar as receitas.
Alguma cousa se conseguiu já com a aprovação das medidas de finanças, mas outras propostas o Sr. Ministro das Finanças aqui trouxe que mostram claramente que S. Ex.ª não está inactivo.
É de crer que, conseguida a aprovação da proposta de remodelação da contribuição de registo e do imposto de sêlo, nós consigamos ver extinto o nosso deficit, sem termos de recorrer a tiros, pois é êsse um processo de que o Partido Democrático nunca usou.
Também êste Govêrno deseja ver aprovado o novo regime cerealífero, que há-de contribuir para o nosso equilíbrio orçamental.
Entretanto, êste objectivo governamental é com extraordinária vantagem facilitado por essa medida que o Sr. Ministro das Finanças conseguiu ver aprovada, qual é a do empréstimo.
Ainda outras medidas houve da parte dêste Govêrno que contribuirão afinal para conseguirmos êste desideratum, sem termos visto mais agravada a situação financeira.
Uma dessas medidas é o decreto das sobretaxas, a cuja existência eu atribuo o facto de o nosso câmbio se conservar ainda na casa dos 2.
Como é, portanto, que pode dizer-se que êste Govêrno se tem mantido inactivo?
Ao mesmo tempo que o Govêrno desenvolvia esta obra, não se desinteressava do aspecto alarmante dos outros problemas.
Assim, extirpou o cancro dos Bairros Sociais, eliminou a fonte de desperdícios que eram os Transportes Marítimos do Estado, acabou com o escândalo da nossa exposição do Rio de Janeiro, escândalo que provinha duma organização de que o Partido Democrático não é responsável, e afinal é a êste Govêrno que se deve o facto dessa exposição ter obtido um êxito brilhante.
E ainda obra dêste Govêrno a reforma do ensino, que alguns mestres no assunto consideram uma obra monumental, e que por si só bastava para prestigiar o Govêrno.
Pois é sôbre estas bases que se afirma que êste Govêrno apenas tem praticado erros!
Como espécie de contrapeso, já usado muitas vezes, dito e redito, e que não impressiona ninguém, argumenta-se com as truculências do Partido Democrático, com as perseguições dêste Partido.
Nunca o Partido Democrático foi tam acusado de truculento como no período da guerra, e eu pregunto onde estão as vítimas dessas truculências e perseguições.
O Sr. Sampaio Maia: — Algumas estão nos cemitérios.
O Orador: — Os sacrificados foram simplesmente vítimas da traição.

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O Sr. Presidente: — É a hora de passarmos à segunda parte da ordem do dia.
Vozes: — Fale! Fale!
O Sr. Presidente: — Vou consultar a Câmara sôbre se permite que o Sr. Vasco Borges continue no uso da palavra.
O Sr. Almeida Ribeiro: — V. Ex.ª não procedeu assim nos dias anteriores dêste debate. Desde que a Câmara se manifestava, não se considerava necessário consultar a Câmara.
Não percebo porque é que V. Ex.ª agora está adoptando um critério diverso.
O Sr. Presidente: — Não tenho sido eu quem tem presidido a estas últimas sessões.
O Orador: — Sr. Presidente: onde estão os factos que demonstrem a perseguição e intransigência do Partido Democrático?
Pregunto: onde estão êsses factos?
O Sr. Cunha Leal. — Foram os próprios correligionários de V. Ex.ª que o disseram no Congresso. O próprio Sr. João Luís Ricardo disse no Congresso que se não tivesse medo que o matassem, muitas cousas teria a dizer.
Muitos àpartes.
O Sr. João Luís Ricardo: — V. Ex.ª está a referir-se a notícias vindas em jornais, que eu nunca desmenti, pois nunca me dou a êsse trabalho. Espero que o, tempo esclareça a verdade e me faça justiça.
V. Ex.ª não tem autoridade para fazer essas referências.
Muitos àpartes.
O Sr. Cunha Leal: — Eu fico esperando que V. Ex.ª demonstre a minha falta de autoridade.
Muitos àpartes.
O Sr. João Luís Ricardo: — V. Ex.ª deve conhecer-me bem para saber que eu, quando quero responder, o faço directamente, mas no caso presente nunca foi minha intenção melindrá-lo. A falta de autoridade a que me referi é autoridade política.
O Orador: — Dizia eu, Sr. Presidente, que, não obstante tudo isso, se insiste na velha acusação de chamar ao Partido Democrático perturbador e truculento, como se tal obra perturbadora e truculenta fôsse compatível com aquela tranquilidade de que o País goza há já dezassete meses, e de que, infelizmente, já estávamos tam desacostumados; como se essa obra de perseguição fôsse compatível com êsse espírito de moderação, do sacrifício pela causa pública, pelo interêsse de todos nós de que o Govêrno tem constantemente usado para conseguir essa estabilidade de ordem pública.
Sr. Presidente: eu há pouco preguntava onde estavam as vítimas dessas perseguições, onde estavam êsses casos perturbadores, e quando a esta questão, a estas acusações se dá um volume tam grande, nós vemos com surpresa que a montanha dá à luz um ratinho, porque a concretização dessas truculências resume-se a um caso passado no distrito do Funchal, a outro em Bragança e a outro em Oliveira de Azeméis, casos de carácter local, de resto, tradicionais da política dessas regiões, que sempre, em todos os tempos, foram assim, casos que já vêm do tempo da monarquia, porque já nesse tempo, nessas regiões, houve dêsses conflitos e incidentes, e a propósito me lembra agora que no Funchal, na Ribeira Brava, em 1880 e. tal, houve morticínios numas eleições.
O Sr. Pedro Pita: — Há um ôrro de memória de V. Ex.ª
E preciso reconhecer o direito de prioridade para o tempo em que era chefe do Govêrno o Sr. Barros Queiroz, ocasião em que o Sr. Américo Olavo foi lá quási chacinado.
O Orador: — São paixões típicas dessas regiões, que sempre, em todos os tempos e através de todos os regimes, deram lugar a que a política fôsse uma cousa conflituosa a que os Govêrnos têm procurado constantemente obtemperar e que talvez, devido à prudência dos governantes, ao seu bom sonso, se deve que êsses conflitos não tenham tido piores consequências,

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porque não tem faltado quem lá e cá os tenha soprado.
Mas, Sr. Presidente, vem ainda a terreno essa maravilha do dia, que é a questão religiosa, para desencadear paixões, chegando a ter-se a impressão de que cada um procura pôr a religião ao serviço dos seus interêsses políticos e eleitorais, para assim obter maiores vantagens sôbre os adversários, como se efectivamente êsse não fôsse o terreno mais perigoso, mais anti-patriótico em que se pode colocar a questão religiosa.
É preciso não confundir a espiritualidade de cada um com interêsses materiais, procurando transformar a questão religiosa, aliás tam respeitável, numa espécie de zurrapa que se engarrafa para ter na prateleira, a fim de se servir em determinadas ocasiões.
Sr. Presidente: são as reclamações, são as queixas dos católicos justificadas?
Esqueceu-se o Sr. Presidente do Ministério do ter feito uma política de equilíbrio, uma política hábil? Não respeitou S. Ex.ª todas as crenças, sem deixar que se passassem certas fronteiras?
Não.
Há pouco referiu-se o Sr. Cunha Leal ao que se passou em Viana do Castelo, que afinal foi o mesmo que se passou no Seixal.
O Sr. Moura Pinto (interrompendo): — Em Viana verificou-se que isso estava de harmonia com a Lei da Separação?
O Orador: — Houve em França um cirurgião célebre que era livre-pensador, conhecido pelas suas afirmações, mas a êsse homem, que começara a sua vida nas mais desgraçadas condições, valeu um homem que o auxiliou nos seus estudos, mas que era católico militante.
Formado o médico, passou a viver com o seu bemfeitor, que morreu pouco tempo depois.
Mais tarde foi censurado por ter assistido a uma missa por alma do seu bemfeitor, e êle respondeu que passando o aniversário do sua morte e sabendo que êle era um católico militante, não exitou em mandar dizer uma missa e assistir a êsse acto do culto.
Foi o mesmo que sucedeu com o Sr. Presidente da República, assistindo a um
acto religioso sufragando as almas dos soldados da brigada do Minho.
Não tinha o Sr. Presidente do Ministério melhor forma de prestar essa homenagem do que comparecer a essa cerimónia, bem como o Chefe do Estado, que o é, também, de todos os portugueses.
Apoiados.
Acima de tudo, manifestou os seus sentimentos patrióticos.
Apoiados.
Mas isso tem sido apontado como se pudesse ser matéria de escândalo!
Uma outra velha forma de discórdia é a afirmação constantemente feita da intangibilidade da Lei da Separação.
Apoiados.
Já o seu autor declarou que nunca fez semelhante afirmação, e êle é bastante honesto para jamais negar uma afirmação que tenha feito.
Àpartes.
Ainda há dias ouvi referencias a uma afirmação de S. Ex.ª, de que considerava essa lei susceptível de ser alterada.
Àpartes.
Eu não tenho presentes as verdadeiras expressões que S. Ex.ª empregou na sua afirmação; não me é possível repetir a afirmação do Sr. Afonso Costa, tal como a preferiu, pois que cito de memória, mas tanto se poderá atribuir dúvidas às minhas palavras, de não exprimirem a verdadeira idea, como às do Sr. Cancela de Abreu, que também citou de memória no seu àparte.
Sr. Presidente: já se chamou a essa lei uma lei de circunstância e todavia sinto-me convencido que as palavras do Sr. Moura Pinto atraiçoaram o sou pensamento, porque S. Ex.ª, republicano de sempre, não podia classificar essa lei de lei de circunstância.
Lei de circunstância é uma lei de ocasião e o Sr. Moura Pinto sabe como eu que de modo algum a Lei da Separação se pode considerar uma lei de ocasião, de momento e de circunstância, por isso que não houve nem haverá melhor maneira de estabelecer uma diferença basilar entre o actual regime e a monarquia, que tinha a religião do Estado, do que por essa lei, que é uma lei basilar da República, tam necessária à República que nenhum republicano, digno dêsse nome, até hoje a repudiou.

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O Sr. Moura Pinto: — V. Ex.ª dá-me licença?
Eu não quis dizer, chamando à Lei da Separação lei de circunstância, que ela é uma lei do acaso, mas sim que a reputo uma lei feita dentro da atmosfera de uma determinada ocasião, e portanto não isenta de parcialidade.
O Orador: — A Lei da Separação tem de ser considerada em bloco; pelo menos os republicanos têm de a considerar assim, e nessas condições, vista na sua estrutura, não pode ser tida como lei de circunstância.
De resto, as disposições da Lei da Separação são muito mais liberais que as do regime concordatário estabelecido com Roma nos últimos tempos da monarquia, e é por isso que quando aqui ouço os monárquicos dizer que representam o regime concordatário, eu não compreendo como haja católicos que queiram novamente êsse regime, muito mais opressor que as disposições da Lei da Separação.
Apoiados.
Mas nem sequer a maioria parlamentar se encontra em antagonismo a respeito da sua intangibilidade com o seu autor, porque na tabela dos trabalhos da Câmara se encontra um projecto de lei que diz respeito a uma das reivindicações solicitadas pelos católicos. E não se pode considerar que seja falta de atenção pela minoria católica o facto dêsse projecto de lei não chegar a discutir-se nesta sessão legislativa, conclusão que há pouco procurava tirar o Sr. Moura Pinto, porque todos nós sabemos como é escasso o tempo de que dispomos, sendo até preciso trabalharmos muito para que de aqui possamos sair com a consciência de que cumprimos o nosso dever. Acima da salvação das almas está a salvação da Nação!
O Sr. Dinis da Fonseca: — Essa agora! Pode V. Ex.ª ter a certeza que sem salvar as almas dos indivíduos, não salva a alma da Nação!
O Orador: — Isso é uma tese muito interessante, mas para discutir num congresso eucarístico!
O Sr. Dinis da Fonseca: — S. Ex.ª está a falar numa coisa que não entende!
O Orador: — E por isso que prefiro falar em coisas que percebo, que são os problemas que interessam à salvação nacional!
Apoiados.
Eu, Sr. Presidente, devo dizer, em abono da verdade, que sou muito respeitador, não tendo por isso o costume de dizer blasfémias ou inconveniências, seja a quem for.
Nesta altura trocam-se àpartes entre o orador e os Srs. Dinis da Fonseca e Lino Neto, que não foi possível reproduzir.
O Orador: — Mas, Sr. Presidente, o próprio Govêrno, a dizer a verdade, tem tratado do assunto como a Câmara sabe.
Não posso pois deixar de defender aqui a política seguida pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, a. qual, a falar a verdade, tem sido de uma grande vantagem para os interêsses nacionais, pois a verdade é que a nossa situação, comparada com a de outras nações, não é tam má como a muitos se lhes afigura.
Falou-se também aqui na Câmara com menosprezo de um decreto publicado por mim, chamado de proteção à marinha mercante.
Interrupção do Sr. Cunha Leal que se não ouviu.
O Orador: — Esse decreto foi, a meu ver, de uma grande vantagem, apesar das acusações e de todos os ataques que me foram feitos, decreto êsse a que deram o nome de decreto da fome.
Mas essa mensagem mostrou bem como são defendidos os interêsses do País.
Acusa-se o Govêrno de política de silêncio, especialmente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
A política de reserva ou política de discrição impõe-se em todas as negociações diplomáticas, e o Parlamento não têm o direito de intervir nelas; nunca os Parlamentos discutem negociações diplomáticas pendentes.
Muitos apoiados.
A política de reserva impõe-se, muito especialmente quando essas negociações

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são passadas entre o País e países estrangeiros.
Apoiados.
Depois virão ao Parlamento os tratados definitivos.
Vários àpartes.
Uma voz: — Sim, quando já não houver remédio.
O Orador: — A Constituïção estabelece êsse preceito.
A responsabilidade é do Ministro dos Negócios Estrangeiros até o fim, não tendo o Parlamento de intervir no assunto, e só no fim a Constituïção presta homenagem ao Parlamento. Então é que o Parlamento deve ou não ratificar as negociações.
O Sr. Cunha Leal: — Na altura em que não fôr possível tomar qualquer deliberação.
Vários àpartes.
O Orador: — Terá V. Ex.ª muita razão, mas são os preceitos da Constituïção.
O que é preciso nestes casos é reserva e discrição para não prejudicar a marca das negociações.
Apoiados.
A nossa política de reparações não pode ser outra senão a da defesa dos nossos interêsses.
Apoiados.
Tenho a certeza de que se não poderá resolver sem que a nossa intervenção seja tomada em conta.
V. Ex.ª referiu-se a uma proposta feita pela Inglaterra sôbre pequenas percentagens.
Mas uma proposta para modificação de resolução tomada seria uma nova conferencia, e nós temos o nosso lugar, onde evidentemente temos de defender os nossos interêsses.
O Sr. Cunha Leal: — Quais são os nossos interêsses?
O Orador: — Todos que se votaram na Conferência...
Interrupção do Sr. Cunha Leal.
Creio que essas negociações são do conhecimento de todos.
O ataque foi mais longe no que respeita à situação económica da província de Angola.
Vejamos o que o Sr. Cunha Leal diz a êste respeito.
Sr. Presidente: permitam-me que leia ainda o que respeita aos empréstimos feitos pelo govêrno de Angola com as entidades.
Interrupção do Sr. Cunha Leal, explicando o que disse relativamente aos empréstimos, citando números.
O Orador: — Sr. Presidente: os empréstimos foram feitos à sombra de autorizações concedidas ao Senado pela lei n.º 1:131. Mas o Sr. Cunha Leal declarou que êsses empréstimos com o Banco Nacional Ultramarino tinham a característica de empréstimos forçados: eram inconstitucionais.
Eu devo dizer que o Conselho Colonial numa sua reunião de 14 de Novembro de 1921 emitiu o parecer de que o Alto Comissário de Angola, em face das leis orgânicas coloniais, tem competência para realizar tais contratos. Mas há o argumento de que os empréstimos eram forçados.
A êsse respeito sucede que a lei n.º 1:131 não faz tal distinção.
O Sr. Cunha Leal, perguntando para quem oram tantos empréstimos, dizia que, se na metrópole fôsse usado processo idêntico ao adoptado pelo Alto Comissário de Angola, de há muito que estaria extinto o deficit.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — O que eu disse foi: o Sr. Alto Comissário do Angola mandou imprimir cédulas e cunhar moedas de níquel e cupro-níquel, na Casa da Moeda. Depois viu as despesas com a emissão das cédulas, viu o valor parcial delas, e estabeleceu a diferença. Da mesma maneira fez em relação às moedas de, níquel e de cupro-níquel. No fim calculou em 11. 000$ uma das receitas extraordinárias.
Ora como temos feito face aos deficits com aumentos de circulação fiduciária, se usássemos do mesmo processo que adoptou o Sr. Alto Comissário, acabaríamos por acabar com os deficits.

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O Orador: — O argumento do Sr. Cunha Leal tem em contra-partida a circunstância de ser receita o valor das notas a queimar.
Sabe V. Ex.ª e sabe o ilustre Deputado Sr. Cunha Leal que nunca se usou doutro processo para obras de fomento.
O Sr. Cunha Leal: — As despesas com as obras do pôrto de Loanda são provenientes dum empréstimo o há transferências de verbas.
O Orador: — Mas eu tenho aqui uma nota que vou ler à Câmara.
Leu.
O Sr. Cunha Leal: — Mas V. Ex.ª não cita os últimos empréstimos com que foram feitas as obras, estando assim a dar uma informação errada.
O Orador: — Além dêste material há ainda o que se pagou aos trabalhadores e empreiteiros.
O Sr. Cunha Leal: — Pois não há lá nem uma pedra.
O Orador: — Mas as obras estão iniciadas!
O Sr. Cunha Leal: — Como pode ser isso se não há um projecto nem um plano!
O Orador: — Nestes termos eu vou dar por findas as minhas considerações, pois nem quero cansar a Câmara, nem alimentar êste diálogo, lamentando que a paixão política tivesse provocado um ataque que a obra do Govêrno não merece.
Na certeza de que os partidos só se impõem pelos resultados da sua obra política; na certeza de que o Partido Democrático não moveu quaisquer azedumes ao Partido Nacionalista, ao, qual, pelo contrário, nós desejamos as melhores prosperidades, como partido da República que é; na certeza de que o Partido Democrático confia em que muitos dos homens que fazem parte dêsse partido muito podem ainda fazer em prol da República e em benefício do País; na certeza de que o Partido Democrático só deseja a realização duma obra de ponderação, do engrandecimento e de justiça, sem animosidades, sem retaliações e sem ódios, em que iodos se encontrem e se auxiliem no mesmo ardente desejo da salvação da República, eu tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador foi muito cumprimentado.
Lê-se, é admitida e entra em discussão a moção do Sr. Vasco Borges.
õ discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nastes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Cunha Leal: — Eu tenho pela inteligência do Sr. Vasco Borges o respeito que ela me merece, mas isso não mo impede de ter o direito de dizer a S. Ex.ª que, a argumentos filhos do meu estudo, se não responda apenas com palavras.
Aquilo a que S. Ex.ª chamou impulsividade, não passa afinal de simples revolta.
Eu não acusei o Govêrno com palavras, acusei-o com factos, e tam eloquentes que o ilustre Deputado, apesar dos seus esfôrços, não conseguiu sequer deminuí-los.
Mas, de que acusei eu o Govêrno? De intolerância e de perseguição; de intolerância pelo desrespeito e ofensa dos sentimentos do povo português; de perseguição pelos crimes cometidos pelos seus apaniguados e pelos seus delegados.
Apontei casos concretos, mas o Sr. Vasco Borges, representante da maioria, achou pouco; as violências, os atentados, as mortos, cuja responsabilidade cabem íntegras ao Govêrno, não são nada para o Sr. Vasco Borges.
Que série interminável de crimes desejaria S. Ex.ª para o levarem a associar-se comigo à indignada revolta que o atrabiliário procedimento do Govêrno tem gerado no espírito de toda a gente do bem?
Ah! Sr. Presidente. Eu ainda me lembro das violências do Peral; eu ainda me lembro das inflamadas acusações feitas aos govêrnos da monarquia pelos seus indecorosos processos eleitorais. Mas em

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face do procedimento dêste Govêrno onde fica o Peral?
Política de equilíbrio...
É mentira! Só se fôr o equilíbrio de transigir ora com uns, ora com outros.
O Govêrno tem faltado a tudo que anunciou no seu programa ministerial.
Que tem feito o Govêrno em matéria financeira? Nada!
Procura extinguir o deficit. Mas como?
Como há-de extinguir o deficit se não procura comprimir as despesas, antes, muito ao contrário, procura por todos os processos arranjar mais pessoal, mais funcionários, não fazendo, portanto, e por forma alguma, a redução de despesas que era indispensável!
O câmbio está a 2 1/4 e o Govêrno nada faz para o melhorar.
O deficit, que era de 130:000 contos, passou para 157:000 contos, aumentou a circulação fiduciária, e assim a onda vai subindo, não se sabe até onde!
Fez a linda obra do empréstimo, a operação mais ruinosa que podia ter feito, como já tive ocasião de o demonstrar. A libra passou para 105$ e não descansam os governantes até ela chegar a 200$.
Isto é a felicidade suprema! É a felicidade no dizer do Govêrno. Mas basta de felicidade.
Que fez o Govêrno nos Transportes Marítimos? Os navios estão apodrecendo no Tejo.
A culpa é do Parlamento, mas o Parlamento é dominado pela maioria.
A vontade da maioria não passa dum capricho.
As estradas estão todas no bonito estado que por todos é conhecido. A culpa foi do Sr. Lima Basto, que não deu um vintém, para acumular êsse dinheiro para despesas com politiquices do seu ministério.
A política externa foi que mais me revoltou quando tratada pelo Sr. Vasco Borges.
Em que termos se nos fala da política de silêncio!
Ah, Sr. Presidente, sem ofensa para ninguém, digamos que, embora das palavras porventura há dias contidas pela reserva natural, pela reserva diplomática, pela discrição diplomática, transpareçam ou deixem transparecer a verdade, a minha convicção, a convicção do Parlamento é só uma, é que não há nenhumas negociações e que para nós se faz a política do silêncio.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Não apoiado.
O Orador: — Contra a minha convicção, contra as minhas afirmações invocam-se princípios de política diplomática que nem nos princípios do século XIX eram de admitir.
Então julgam os legisladores do meu país que qualquer Govêrno lá fora se atreveria a iniciar qualquer acção se não sentisse atrás de si um grande movimento de opinião pública a empurrá-lo?
Então julgam que em regime parlamentar a França iria ocupar o Ruhr se não fôsse empurrada por toda a Nação empenhada a imprimir aos governantes um grande élan, pura que fôsse para diante, arriscando porventura o futuro da França mas vivendo uma vida nobre de luta para salvar o País e salvar a França?
Então imaginam que a Inglaterra poderia fazer aquilo que fez, quási uma política isolada ida França, antes duma conjugação de esfôrços de toda a gente, procurando apoio no Parlamento, nos jornais, em toda a parte?
E querem vir com uma política de silêncio e discrição depois da guerra da conquista de todas as liberdades, quando em Inglaterra qualquer simples mortal obriga um Ministro a declarar as razões da sua política externa!
Eu sei que há negociações reservadas, mas não há princípios gerais de política reservada.
Só tenho uma cousa para justificar êste procedimento, é que não há negociações.
O Sr. Ministro diz-nos que as há; acredito, porque é S. Ex.ª a afirmá-lo, mas mal procede o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, mal procede o Govêrno ocultando à Nação quais são os princípios que presidem à nossa política externa, qual o nosso critério sôbre dívidas de guerra que nos podem ser exigidas.
Disse-se aqui que nós não temos voto no Conselho das Reparações; mas temos voto quando somos chamados a pagar.
E a última vez que tenciono tomar parte no debate, pois julgo que a Câmara está elucidada, e o Govêrno há-de vir perante o País, como Egas Moniz, de bara-

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ço ao pescoço, dizer que mal serviu o País e quando se der êsse facto, eu julgo que será o seu maior castigo.
Disse.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas,
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Sr. Presidente: não quero deixar de pé a afirmação repetida pelo Sr. Cunha Leal, de que Portugal não sabe qual a sua directriz em matéria de reparações, porque não deve esta sessão encerrar-se sem que eu declare ao País que os interêsses de Portugal têm sido defendidos, e não dou o direito a ninguém de os ter defendido mais do que eu.
Apoiados.
Portugal tem, defendido, e sempre, os seus direitos, e o Sr. Cunha Leal, quando voltar a dirigir um Govêrno ou a ocupar qualquer das cadeiras do Poder, poderá ter a certeza de que eu, como Deputado, lhe hei-de exigir o cumprimento duma doutrina que acaba de expender: de que não há segredos, de que não há reserva em matérias desta natureza.
Sabe-se claramente o que compete a Portugal em matéria de reparações, e isso não foi alterado até agora.
Porventura se alguma cousa tiver de ser alterado, estamos bastantemente prevenidos para defender desde já aquilo que nos compete.
Parece-me bastar isto para tranquilizar o espírito da Câmara e do País.
O Sr. Cunha Leal voltou a condenar aquilo que chama política do silêncio, proclamando que nos países estrangeiros se está expondo a situação dia a dia, como se se tratasse de um boletim de dia a dia para ser exposto ao público.
Pois ainda agora mesmo, o primeiro Ministro inglês, fazendo uma exposição a alguns Deputados que lhe atribuíram a pecha de ser demasiadamente vago, terminava o seu discurso por dizer que considerava inoportuna e inconveniente a discussão do assunto.
Àpartes.
Parece-me que nem a própria Inglaterra, a avaliar pelo que se diz, sabe bem qual a definitiva atitude que virá a adoptar, e não sabe se deve seguir a política do isolamento com a Alemanha; não sabe se o esfôrço que está mantendo com os aliados lhe dará resultado.
O que faz é dizer no Parlamento que se não devem fazer discussões inoportunas, e como o Parlamento inglês tem costumes diferentes do nosso, a discussão não se faz.
Àpartes.
O Parlamento não faz discussões, e o primeiro Ministro inglês, num seu discurso, prometeu que talvez, antes do encerramento das lerias parlamentares, aceitasse um debate sôbre o assunto.
Portanto, não se poderá classificar a política de silêncio como uma cousa extraordinária entre nós.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
Àpartes.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe forem enviadas.
Considerando que a liberdade de consciência em matéria religiosa é garantida pela Constituïção;
Considerando, porém, que dos diplomas vigentes reguladores das relações entre o Estado e a Igreja, ou contém preceitos, alguns impeditivos dessa liberdade, ou são actualmente insuficientes para assegurar a manifestação externa dos cultos única forma pela qual podem entrar no livre exercício e pleno gozo dos direitos consignados na Constituïção;
Considerando, pois, que sem prejuízo das disposições e sanções destinadas a evitar excessos e a punir actos delituosos é urgente esclarecer e modificar êsses diplomas, de modo a adequá-los ao momento presente, entrando definitivamente numa época de pacificação, que o País reclama como condição de trabalho e progresso;
Considerando que a política do Govêrno, em matéria religiosa, imprecisa, desigual e por vezes contrária à letra e espírito da Constituïção e das leis, não satisfaz as aspirações da grande maioria da Nação:
A Câmara reconhece a necessidade de rever toda a legislação que regula as re-

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lações entro o Estado e a Igreja, e convida o Govêrno a orientar a sua política no sentido de permitir que se torne efectivo o exercício da liberdade religiosa nos termos da Constituïção, e continua na ordem dia. — Alberto de Moura Pinto.
Admitida.
Considerando o admirável esfôrço, que se verifica em todos os ramos da actividade nacional, sendo uma manifestação eloquente de que a Nação trabalha infatigavelmente para conquistar uma situação desafogada, asseguradora de um futuro florescente, atesta também a acção exercida pelos poderes públicos na criação duma atmosfera favorável à utilização de todas as energias no desenvolvimento e valorização da riqueza pública:
A Câmara dos Deputados, confiada em que o Govêrno prosseguirá porfiadamente na patriótica obra de ressurgimento nacional que se propôs realizar, passa, à ordem do dia.
Sala das Sessões, 16 de Julho de 1923. — Vasco Borges.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se ao período de antes de se encerrar a sessão.
Antes de se encerrar a sessão.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: no dia 20 do mês passado apresentei uma proposta para que fôsse convidado o Sr. Afonso Costa a vir a esta Câmara expor quais os resultados da sua acção no estrangeiro, proposta que não foi aprovada.
Requeri também que fossem publicados todos os relatórios enviados pelo Sr. Afonso Costa, e acabava êsse requerimento por dizer que, se não fôsse possível alcançar as cópias dêsse relatório, me fôsse facultado o seu exame no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Sr. Presidente: é preciso notar antes de tudo que ainda que fôsse verdadeira a doutrina sustentada pelo Sr. Ministro dos Estrangeiros, em três ou quatro discursos já feitos nesta Câmara, dê que em quanto houver negociações pendentes não é conveniente que o país saiba o que há sôbre assuntos tratados, no emtanto podem e devem fornecer-se êsses elementos referentes a assuntos já arrumados, e em que o Sr. Afonso Costa interveio.
Pois foi-me hoje mostrada uma resposta do Sr. Ministro dos Estrangeiros, dizendo que os relatórios dos nossos representantes diplomáticos são confidenciais.
Sem fazer comentários, eu pregunto a S. Ex.ª, concretamente, o seguinte:
Qual é a disposição da lei em que S. Ex.ª se baseou para me negar a cópia ou a leitura dêsses documentos? Existem no Ministério dos Estrangeiros relatórios de S. Ex.ª, omnipotente, Dr. Afonso Costa? Posso examinar alguns? E ainda que se considerem confidenciais certos documentos, que. eu não possa examinar, como foi autorizado o Sr. Álvaro de Castro a examinar no Ministério das Colónias documentos dessa natureza relativos às negociações com a União Sul-Africana?
Faço estas preguntas ao Sr. Ministro dos Estrangeiros, esperando qso S. Ex.ª responda a elas, para que se não diga, emfim, que a razão principal por que me não foram facultados os relatórios é porque êles não existem, ou existe apenas um pequeno relatório enviado ao Sr. Melo Barreto, quando Ministro, e que nada vale.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Domingos Pereira): — Sr. Presidente: o Sr. Cancela de, Abreu tem de partir do seguinte princípio: que quando faz confrontos entre a maneira como se procedo para com o Sr. Álvaro de Castro e a maneira por que se procede para com S. Ex.ª, o facto não significa de modo nenhum que perante mim, Ministro dos Estrangeiros, haja uma consideração diferente pelo Sr. Cancela de Abreu, da muita consideração, e da consideração pessoal e política que tenho pelo Sr. Álvaro de Castro. Mas o facto é que o assunto sôbre o qual pediu esclarecimentos o Sr. Álvaro de Castro não é o mesmo sôbre o qual pediu esclarecimentos o Sr. Cancela do Abreu. Ora, não sendo o mesmo, não é justo fazer-se o paralelo!

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Os relatórios que existem no Ministério dos Estrangeiros são: uns de natureza confidencial e outros não. Nos Ministérios dos Estrangeiros de todas as nações do mundo há documentos confidenciais que só são publicados quando se publicam os respectivos Livros Brancos.
A lei em que me baseei, para não permitir a leitura de certos documentos ao Sr. Cancela de Abreu, é a mesma em que se baseavam os Ministros da monarquia para negarem até aos seus correligionários, quanto mais aos republicanos, o exame do vários documentos. Não é lei nenhuma, ou por outra — é a lei da conveniência e da reserva, reserva que não pode deixar de ter quem venha para aqui só porque é empurrado para isso. E esta a lei em que me baseei,
Apoiados.
O Sr. Cancela de Abreu já tem pedido vários documentos e sabe bem que até agora lhe não tem sido negado o exame dos mesmos. Mas S. Ex.ª, adentro do Parlamento, representa o. partido monárquico, naturalmente adversário das instituições republicanas, e assim natural é que ao ter conhecimento deles, como representante da Nação, deseje torná-los públicos e do conhecimento de todos, o que por emquanto, repito, considero prejudicial.
Cumpre-me ter o máximo cuidado no assunto, não significando, repito, o não exame, por emquanto, dêsses documentos, nenhuma falta de consideração ou de respeito pelo ilustre Deputado.
O Sr. Paulo Cancela de abreu: — V. Ex.ª não pode dizer à Câmara se há relatórios do Sr. Afonso Costa, quantos, e se são todos confidenciais?
O Orador: — Devo dizer a V. Ex.ª que na verdade há relatórios do Sr. Afonso Costa que por emquanto são confidenciais.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Mas quando é que se publica então o Livro Branco, a fim de nós podermos ter conhecimento dêsses documentos?
O Orador: — Não posso por emquanto responder a V. Ex.ª, mas naturalmente essa publicação só se poderá fazer quando todos os elementos estiverem organizados.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe forem enviadas.
O Sr. Agaíão Lança: — Sr. Presidente: pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão a fim de chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério para a maneira cora o se estão exibindo algumas peças nos teatros de Lisboa, muito principalmente naqueles onde se representam revistas.
Lamento ter de usar da palavra no final da sessão, dispondo por isso de poucos minutos; porém, vou procurar, nesse pouco tempo de que disponho, tratar do assunto pára que pedi a palavra, qual é, repito, o que diz respeito à forma como se estão exibindo algumas peças nos teatros de Lisboa, como eu ainda ontem tive ocasião do presenciar.
Chamo, pois, para o assunto a atenção do Sr. Presidente do Ministério, pois na verdade é verdadeiramente deplorável o que se está passando, de mais a mais com o conhecimento das autoridades.
Não me quero referir a todos êsses escândalos que por aí se praticam, porém, não compreendo que as autoridades, que tam escrupulosas são numas cousas, de outras não façam caso, consentindo que se pratiquem Os maiores abusos e vergonhas.
Tenho dois minutos para falar, e não posso portanto alongar-me sôbre o assunto para que chamo a atenção da Câmara e do Sr. Ministro do Interior, para que dê ordens às autoridades para que procedam como devem proceder.
É preciso levantar o moral desta terra.
O facto é êste: é protestar contra a infâmia, contra uma pouca vergonha, permitam-me o termo que não é parlamentar, de figurar um marinheiro da República tendo ao lado a palavra revolução, num teatro chamado Maria Vitória.
Não compreendo que os delegados do Govêrno da República, que o governador civil, possam permitir esta exibição num teatro do Lisboa.
Isto demonstra a falta de critério dessas autoridades. Mostra que há falta de respeito da parte dessas autoridades pela marinha portuguesa, que tem sido uma

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defensora do regime, instituição que se tem salientado na defesa da República.
É preciso que o facto se não repita, e o Govêrno faça cumprir às autoridades os seus deveres.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Tomo conhecimento do facto revelado por V. Ex.ª, e por dever mesmo do meu cargo tomarei as medidas que o caso requere para prestígio da instituição da armada.
Quanto a êste caso, sim; agora se me criticarem a mim, isso não me importa nem que todos os dias o façam.
Pelo respeito que me merece a marinha portuguesa não posso deixar de tomar as medidas que o caso requere.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, à hora regulamentar. Antes da ordem do dia:
A que estava mareada para a interpelação do Sr. Hermano de Medeiros ao Sr. Ministro do Trabalho.
Ordem do dia:
A que estava marcada, e no final da segunda parte o parecer. n.º 569, que fixa o vencimento ao pessoal da Imprensa Nacional e da Casa da Moeda quando executa trabalhos extraordinários.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.
Documentos mandados para durante
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 509-A, que eleva ao dôbro as taxas da tabela do imposto de trânsito anexa à lei n.º 1:238.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.º 356-B, que regula a forma de testar a pensão do Montepio Oficial.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre uma representação dos artistas dramáticos portugueses, concedendo a pensão mensal de 100$, melhorada nos termos da lei n.º 1:355, à actriz Angela Pinto.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre as alterações do Senado à proposta de lei n.º 527-A, que abre um crédito a favor do Ministério da Instrução para reforço de designadas verbas inscritas no orçamento para 1922-1923.
Para quando fôr dado para ordem do dia.
Projecto de lei
Do Sr. Marcos Leitão, dividindo o concelho de Alenquer em cinco assembleas eleitorais.
Para o Diário do Govêrno.
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, com a maior urgência, me seja enviada cópia autêntica das conclusões do relatório de averiguações a que se mandou proceder no forte da Graça, sôbre a visita feita aos condenados pelos crimes de 19 de Outubro de 1921, pelos Srs. Carlos da Maia e Florêncio Ricardo Domingues, no dia 22 de Junho findo.
Sala das Sessões, 16 de Julho de 1923. — O Deputado, António Correia.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.

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