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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS
SESSÃO N.º 129
EM 17 DE JULHO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Peneira Tida!
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Procede-se à chamada, à qual respondem 44 Srs. Deputados. Aberta a sessão, é lida a acta. Dá-se conta do expediente, que tem o devido destino.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Hermano de Medeiros realiza a pua interpelação ao Sr. Ministro dor Trabalho, sôbre os hospitais civis de Lisboa. É aprovada a acta. O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva) apresenta uma proposta solicitando autorização para o Sr. Deputado capitão António Maia cumprir uma pena disciplinar. Usam da palavra os Srs. Pedro Pita, Carvalho da Silva Álvaro de Castro, Almeida Ribeiro, Cunha Leal, Ministro da Justiça (Abranches Ferrão), Joaquim Ribeiro, Agatão Lança, Sá Pereira e António Fonseca.
Antes de se encerrar a sessão. — Os Srs. Morais Carvalho e Álvaro de Castro protestam contra arbitrariedades cometidas pelas autoridades da, Madeira, respondendo o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior, Seguidamente, o Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão, às 15 horas e 22 minutos.
Presentes à chamada, 44 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 68 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à chamada:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Serafim de Barros.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
Júlio Gonçalves.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
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Diário da Câmara dos Deputados
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António do Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severinoo
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Salema.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís Ajrtónio da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Faltaram à sessão os Srs.:
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
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Francisco Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo
Jaime Duarte Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Barros Capinha.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomé José de Barros Queiroz.
Às 15 horas e 20 minutos o Sr. Presidente declara aberta a sessão, estando presentes 44 Srs. Deputados.
Leu-se a acta e o seguinte
Expediente
Ofícios
Do presidente do Tribunal Mixto Militar Territorial e de Marinha, pedindo a comparência no dia 20 do Sr. Agatão Lança para depor em audiência e julgamento.
Negada autorização.
Comunique-se.
Do Embaixador de Portugal no Rio de Janeiro agradecendo a saudação da Câmara que, por proposta do Sr. Ministro do Comércio, lhe foi dirigida em 22 de Maio findo o
Para à Secretaria.
Pedido de licença
Do Sr. Pires Monteiro, 3 dias. Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Representações
Dos empregados do comércio e indústria, pedindo isenção do pagamento de contribuição industrial, nos termos duma moção que juntam.
Para a comissão de finanças.
Da associação de classe União dos Operários Panificadores, pedindo que no novo regime cerealífero lhe seja dada uma remuneração de 100 por cento para aumento de salário.
Para a comissão de agricultura.
Do Sindicato Agrícola de Faro, reforçando a representação da Associação Central de Agricultura sôbre regime cerealífero.
Para a Secretaria,
Da Câmara Municipal do Seixal, pedindo que os municípios sejam isentos de vários pagamentos, que indica.
Para a comissão de administração pública.
De Aníbal Filipe Álvaro Viegas, capitão de cavalaria, pedindo que um recurso que tem pendente desta Câmara seja resolvido antes do encerramento do Parlamento.
Para a comissão de guerra.
De José António da Cunha Vale, tenente-coronel, reformado, protestando contra designados abusos de autoridade, praticados pelo general- Sr. Sim as. Machado e pelo tenente-coronel Sr. João António da Costa.
Para a comissão de guerra.
Telegramas
Dos empregados do comércio do Silves, protestando contra o decreto que os tributou e pedindo aprovação do projecto de lei do Sr. Bartolomeu Severino.
Para a Secretaria.
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Diário da Câmara dos Deputados
Dos oficiais de justiça de Tôrres Vedras, pedindo a revogação do parecer n.º 502 e que seja posta era vigor a tabela judicial de 1896.
Para a Secretaria.
Da classe piscatória de Esposende, pedindo que não seja consentido o desembarque de peixe recebido de vapores estrangeiros no alto mar. por pescadores da Póvoa e Ancora.
Para a Secretaria.
De Amélia Vidigal Silva, professora da Igreja Nova, pedindo aprovação da cota obrigatória a favor do Instituto do Professorado.
Para a Secretaria.
Apoiando as revindicações dos católicos
De Paulo Machado, pelo semanário independente O Zêzere.
Do presidente das associações do Apostolado da Oração, e S. José de Marco de Canaveses.
Da Confraria de Nossa Senhora das Neves, de S. Salvador, do concelho de Visou.
Para a Secretaria.
Admissão
Projecto de lei
Dos Srs. Joaquim Ribeiro e Joaquim Brandão, revogando o artigo 7.º do decreto n.º 902, de 30 de Setembro de 1914.
Para a comissão de administração pública.
Antes da ordem do dia
O Sr. João Bacelar (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª o favor de me informar se, depois de feitas as duas interpelações marcadas, e no caso de ainda restar algum espaço do tempo determinado para antes da ordem do dia, V. Ex.ª concede a palavra aos Deputados que desejem tratar de quaisquer assuntos, ou passa imediatamente à ordem do dia.
O Sr. Presidente: — Restando ainda algum tempo, esgotar-se há asando da palavra os Srs. Deputados que se tenham inscrito.
O Orador: — Então peço a V. Ex.ª que me inscreva para quando esteja presente o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente: — Vou inscrever V. Ex.ª
Devo porém observar que há já outros oradores inscritos.
Vai realizar-se a interpelação do Sr. Hermano de Medeiros ao Sr. Ministro do Trabalho.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.ª e à Câmara a circunstancia de, mercê do Sr. Carlos Pereira e do incidente ontem aqui levantado, eu poder realizar hoje uma interpelação que anunciei em Setembro do ano passado.
Não por mim, que nada mereço, mas pelo assunto, que é tudo, e visto eu não ter voz para me fazer ouvir melhor, pois que me encontro doente, rogo a V. Ex.ª que solicite dos Srs. Deputados o favor da sua atenção, tanto mais que de assunto grave se vai tratar.
Peço em especial a atenção do Sr. Ministro do Trabalho e dos Srs. Vasco Borges e Carlos Pereira.
Sussurro.
O Orador: — Sr. Presidente: nestas circunstâncias, desistirei de falar.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção dos Srs. Deputados.
O Orador: — Estou doente, não podendo falar alto, o há cousas que V. Ex.ªs vão ouvir com pasmo.
Sr. Presidente: feitos os meus agradecimentos a V. Ex.ª e à Câmara, pelo favor de permitirem que realize hoje a minha interpelação, interpelação que já tem cabelos brancos, porque se acha anunciada desde Setembro do ano passado, eu direi que ela nasceu de um despacho do Sr. Vasco Borges, ao tempo Ministro do Trabalho, despacho iconoclasta, se V. Ex.ª me permite o termo, e a Câmara mo releva.
O Sr. Vasco Borges caiu.
As circunstâncias políticas eram instáveis e S. Ex.ª desapareceu.
Surgiu outro Ministro do Trabalho, a minha interpelação não se realizou, até
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que, felizmente para mim, foi sentar-se naquele lugar o Sr. Rocha Saraiva que, depois de lhe pedir quási de joelhos que se dêsse por habilitado, anuiu ao meu desejo.
E um belo rapaz, um excelente carácter, mas se S. Ex.ª não tivesse outras qualidades que o recomendassem, e tem-nas, bastava a de ser honesto e leal para se impor.
Essa justiça não lha recuso.
Não é contra S. Ex.ª que eu realizo a minha interpelação.
Sr. Presidente: os factos passaram-se pela forma que a Câmara vai ouvir.
Por minha infelicidade, fui pelo Sr. Lima Duque nomeado director geral dos hospitais, em comissão extraordinária e gratuita.
Não o digo para que me agradeçam, porque eu posso fazer todas as tolices que quiser e essa foi uma das maiores da minha vida.
Tive porém nesse lugar que defrontar-me com uma situação tremenda, como o Sr. Carlos Pereira nem sequer avalia, e foi por tal motivo que ontem disse que S. Ex.ª não sabe nada disto.
S. Ex.ª que veio aqui por insinuação de quem quer que seja — perdoe-me o meu ilustre colega — disse absolutas tolices que não devia ter dito nesta sala.
Sr. Presidente: encontrei-me dentro dos hospitais e não havia director do banco.
Na minha frente tinha a lei n.º 4:563.
E o que é que diz essa lei, que é taxativa e está em vigor?
E lei de Sidónio, mas seja de quem fôr, é do país, porque a República, a velha, a manteve e a mantém.
Diz a lei n.º 4:563 que o director dos hospitais não o pode ser sem que tenha sido eleito pelo corpo clínico.
Fui durante um ano director interino e em comissão gratuita.
Estava certo, mas outro director remunerado, fora da lei, não sei o que é.
Havia da parte do Sr. Ministro do Trabalho a indeclinável obrigação de fazer cumprir a lei, boa ou má, ou trazer ao Parlamento uma lei de circunstância que modificasse aquela.
Nem a trouxe o Sr. Vasco Borges, que é uma pessoa muito inteligente, mas insciente em assuntos de assistência, nem a trouxe o actual Ministro.
Q actual Sr. Ministro do Trabalho limitou-se apenas a continuar a situação anterior, que é verdadeiramente angustiosa para os hospitais, e eu vou provar que o é.
Como disse, não tinha director de banco.
As razões podem V. Ex.ªs preguntá-las.
O nome a que me vou referir — o do Sr. Azevedo Gomes — por já aqui ter sido pronunciado pelo Sr. Carlos Pereira...
O Sr. Carlos Pereira: — Foi V. Ex.ª que me pediu para o pronunciar.
O Orador: — Acho que V. Ex.ª fez muito bem.
Quando eu entrei para a direcção chamei o Sr. Azevedo Gomes ao meu consultório e pedi-lhe para aceitar a direcção do Banco. O Sr. Azevedo Gomes foi nomeado.
Sr. Presidente; eu não sei se está presente o Sr. José Domingues dos Santos, Ministro do Trabalho ao tempo. Se estivesse presente. S. Ex.ª viria em meu auxílio.
O Sr. José Domingues dos Santos foi um dos melhores Ministros do Trabalho que têm passado por aquelas cadeiras.
Não tínhamos o deficit hospitalar e aqui eu presto a minha maior homenagem ao Sr. José Domingues dos Santos, homenagem prestada do coração, alma e cérebro, apesar de adversário político de S. Ex.ª
O Sr. Azevedo Gomes foi por mim nomeado director do Banco e eu não lhe pedi outra cousa senão a sua leal cooperação.
O director do hospital fez tudo quanto pôde para remediar a situação deficitária dos hospitais.
Depois recebi reclamações dos Srs. D rs. Gentil, Monjardino, Cruz, Ricardo e muitos outros.
Eu vou contar à Câmara um caso que se passou no Hospital de S. José.
Havia uma enfermeira que era obrigada a passar as guias de roupa suja, para o que tinha de indicar a tinta encarnada o numero de peças que iam para lavar. Um dia foi apanhada a falsificar essas guias.
Essa mulher, Sr. Presidente, tinha falsificado quatro guias, tendo confessado o
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crime, pelo que me vi obrigado a demiti-la imediatamente como era do meu dever.
O que é um facto é que eu, antes de a demitir, entreguei o assunto a um advogado, e em face de um parecer da Procuradoria Geral da República é que procedi contra ela.
Demiti essa enfermeira em vista do parecer da Procuradoria Geral da República, e contrariamente à opinião do Sr. João Luís Ricardo, devendo o lugar ser ocupado pela substituta Maria do Carmo Lopes.
Moveram-se vários empenhes para que tal se não fizesse, tendo-se por fim chegado ao ponto de o director dizer que não a nomeava em virtude de razões de ordem moral.
O director do Banco procedeu até certa altura, dentro das normais legais, mas chegou depois a um ponto em que S. Ex.ª parecia dono da casa. Admitia ou recusava doentes conforme entendia e queria. Podia citar testemunhas, como, por exemplo, o Sr. Dr. Arruda Furtado.
Não nego ao Sr. Azevedo Gomes as suas faculdades profissionais, mas nego a sua competência como administrador.
Encontrei na minha presença um homem que era chefe, fiel da lavandaria, e êsse homem tem um desfalque nos hospitais de 11:000 lençóis e 4:000 camisas.
Foi castigado pelo conselho apenas em 10 dias de suspensão!
Êste facto sabe-o o Sr. Dr. João Luís Ricardo. Pus sôbre a questão a minha pasta, e disse não querer ser mais director dos hospitais.
É lamentável que o caso dentro dos hospitais, Sr. Ministro do Trabalho...
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª tem 5 minutos para terminar as suas considerações.
Se quiser, fica com a palavra reservada,
O Orador: — Terminarei hoje.
Em dez minutos termino.
Não tenho o propósito de agravar o Ministro, se bem que seja intransigentemente contra a política de S. Ex.ª
Tenho, porém, o desejo de elucidar os Srs. Carlos Pereira e Vasco Borges.
O Sr. Ministro do Trabalho, que era o Sr. Vasco Borges, disse que se pudesse,
e felizmente não podia, repunha o Sr. Azevedo Gomes no seu lugar.
V. Ex.ªs sabem que tenho as minhas mãos lavadas. Só ganho dinheiro lavando as mãos; e acabando de as lavar calço luvas.
Não conheço os homens.
Tinha mais a dizer, mas...ficarei com a palavra reservada.
Vozes: — Fale, fale.
O Orador: — Agradeço a V. Ex.ª Sr. Presidente, e à Câmara a gentileza de me permitirem terminar as rainhas considerações. Não ó, evidentemente, no curto espaço de 10 minutos de que disponho para usar da palavra, que eu poderei apontar e comentar a série de factos irregulares e criminosos que se têm cometido adentro dos serviços hospitalares de Lisboa, tantos e tam graves êles são. Limito-me, porisso, a louvar a atitude do ilustre Deputado Sr. Carlos Pereira levantando a questão nesta casa do Parlamento e a pedir ao Govêrno a sua enérgica e urgente intervenção no assunto, do forma a pôr termo a todos os escândalos, dos quais cito dois à Câmara para que ela veja quão justificados são os brados daqueles que de há muito vêm reclamando providências.
O ecónomo dum determinado hospital tem recebido dinheiro à ordem dos bancos para auxílio dêsse mesmo hospital. Pois êsse indivíduo, que ganha 800 escudos mensais, sem nada fazer porque toda a sua actividade a emprega nos seus afazeres pessoais e na administração duma casa particular, desvia os dinheiros que estão à sua guarda para os empregar em seu proveito.
Noutro hospital existe uma enfermeira que, tendo cometido um roubo, foi demitida para mais tarde, por protecção dum determinado médico, ser readmitida por um Ministro meu correligionário com a indemnização de 10 ou 12 contos.
Êstes dois casos não são mais do que uma simples amostra do que vai pelos hospitais de, Lisboa. Muito haveria ainda, que dizer, mas os 10 minutos vão quási passados e ou não desejo abusar da concessão que a Mesa me fez, e, por isso tenho dito.
O orador não reviu.
É aprovada a acta.
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O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: em virtude de o capitão António Maia ter tomado uma certa atitude em relação ao Sr. Ministro da Guerra, atitude que é já do conhecimento do público pelas notícias publicadas a, tal respeito na imprensa, o titular dessa pasta aplicou a êsse oficial a pena de 30 dias de prisão correccional.
Porque o caso reveste uma especial importância, dado o facto de êsse oficial ser ao mesmo tempo Deputado da Nação, entendeu o Govêrno tomar conta da questão, não só no que ela tinha em si, mas ainda pela publicidade que lhe havia sido dada.
Reuniu o Conselho de Ministros e, por unanimidade, foi resolvido solicitar da Câmara a necessária autorização para que a punição imposta, ao capitão António Maia possa ser cumprida.
A instituição militar precisa de ser rodeada de todo o prestígio e é fundamental que a disciplina se mantenha absolutamente (Muitos apoiados) sob pena de nos afundarmos todos.
Muitos apoiados.
Nos termos da resolução tomada pelo Conselho de Ministros, eu envio para a Mesa a necessária proposta, para a qual requeiro urgência e dispensa do Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Lê-se na Mesa.
É a seguinte:
Tendo o capitão António do Sousa Maia sido castigado, em 13 de Julho corrente, com 30 dias de prisão correccional por, num requerimento em que pedia a demissão do oficial, que foi transcrito no n.º 695 do Diário de Lisboa, de 12 do Julho do corrente ano, se ter dirigido ao Ministro da Guerra em termos inconvenientes, com o que infringiu os deveres n.ºs 2.º e 24.º e última, parte do n.º 47.º do artigo 4.º do Regulamento Disciplinar do Exército, não lhe sendo aplicado maior castigo atendendo aos servidos prestados por êste oficial, cumulativamente Deputado da Nação, a bem da disciplina militar gravemente ofendida, proponho que a Câmara autorize, nos termos do artigo 17.º da Constituïção Política da República Portuguesa, o cumprimento imediato da punição aplicada.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 17 de Julho de 1923. — António Maria da Silva.
O Sr. Pedro Pita: — Requeiro que o pedido de urgência e dispensa do Regimento seja dividido em duas partes: urgência e, depois, dispensa do Regimento.
É aprovado.
E aprovada a urgência e, seguidamente, a dispensa do Regimento.
O Sr. Cunha Leal: — Requeiro a contraprova e invoco o parágrafo 2.º do artigo 116.º
Procede-se à contagem.
O Sr. Presidente: — Aprovaram 59 Srs. Deputados e rejeitaram 33.
O Sr. Pedro Pita (para uma questão prévia): — Sr. Presidente: a minha questão prévia é fundamentada nas seguintes razões:
Quando foi solicitada a esta Câmara a prisão do sr. Cortês dos Santos, eu apresentei uma moção que foi aprovada por esta Câmara em que se determinava expressamente que nenhum pedido dêsses poderia ser submetido à apreciação desta Câmara sem previamente sôbre êle se pronunciarem as respectivas comissões parlamentares.
Ora, eu careço, antes de prosseguir nas minhas considerações, que a Mesa me indique quais os precisos termos dessa resolução...
O Sr. Presidente: — Eu vou mandar pedir à Secretaria os elementos necessários para poder atender os desejos de V. Ex.ª
Pausa.
O Orador: — A resolução tomada pela Câmara é no sentido de que todos os pedidos de autorização para se prender ou manter proso qualquer Deputado sejam submetidos à comissão de legislação civil e criminal, e ainda à comissão de guerra ou do marinha, conforme o Deputado pertença ao exército ou à marinha.
Sr. presidente: isto é que é justo. Não
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se compreende que a Câmara possa resolver levantar as imunidades a qualquer dos seus membros,, pelo simples pedido apresentado pelo Govêrno. Acima do Govêrno estão as garantias que os Deputados têm pela Constituïção.
Apoiados.
Deve ainda notar-se que estamos em vésperas de usar um dos mais importantes direitos que a Constituïção nos confere, qual é o de eleger o Chefe do Estado; não se compreende ainda por esta circunstância que a Câmara possa ir de ânimo leve afastar das suas funções um dos seus membros.
Muitos apoiados.
Ainda mais: é quando está marcada para debate a interpelação que o Sr. António Maia anunciou ao Sr. Ministro da Guerra que o Govêrno vem à Câmara pedir que sejam levantadas as imunidades parlamentares a êsse Deputado...
Muitos e prolongados apoiados da minoria nacionalista.
Sr. Presidente: pessoalmente acho muita graça a que o Govêrno se vá embora. Não me deixa saudades. Nem ao menos me acompanha o desejo de que a terra lhe seja leve ou fria.
A atitude que tomo neste caso é a mesma que marquei quando se tratou da prisão do Sr. Vergílio Costa e do pedido para se manter a prisão do Sr. Cortês dos Santos. Sou coerente. Não se pode dizer que estou a fazer uma especulação política.
Termino apresentando a minha questão prévia, que vai assinada por cinco Deputados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa a questão prévia e entrou em discussão.
É a seguinte:
Questão provia
A Câmara, reconhecendo que, em face duma resolução anterior, não pode tomar conhecimento da proposta do Govêrno, sem que sôbre ela se pronunciem as comissões de guerra e de legislação criminal, passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 17 de Julho de 1923. — Pedro Pita — Sampaio Maia — Jaime Pires Cansado — Lúcio Martins. — Lelo Portela.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: é melindrosa a questão de que se trata. Se por um lado o nosso espírito de camaradagem nos diz que se deve recusar o pedido feito pelo Govêrno, por outro lado temos de olhar às conveniências da disciplina e ao respeito pelos princípios, que. se nos impõem.
A minoria monárquica desejaria não ter de votar o pedido do Govêrno; mas como os nossos procedimentos são sempre baseados nos princípios que nos guiam, não podemos deixar de o aprovar, embora o Govêrno não nos mereça a mais leve sombra de confiança. E com esta nossa atitude só damos mais uma prova de que não sacrificamos os princípios à política partidária.
Acima de tudo, o que nos preocupa é a disciplina.
Nestas condições, sem apreciarmos por nenhuma maneira agora o procedimento do sr. Ministro da Guerra, reservando-nos por completo o direito de o apreciar posteriormente, no acto restrito da disciplina, no acto do castigo aplicado pelo Sr. Ministro da Guerra, nós, adversários políticos intransigentes de S. Ex.ª e do regime, não hesitamos, se bem que para isso tenhamos de ir contra aquilo que os sentimentos de camaradagem nos indicam, não hesitamos em nome da disciplina em dar o nosso voto à proposta do Govêrno.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: desejava que V. Ex.ª me esclarecesse, antes de iniciar as minhas considerações. O Regimento diz que a questão prévia se discute e vota antes da questão principal; ora desejava saber se nós vamos discutir e votar a questão prévia para depois discutirmos e votarmos a proposta governamental.
O Sr. Presidente: — Eu sigo as disposições do Regimento, § 1.º do artigo 109.º O que está em discussão é a questão prévia.
O Orador: — Sr. Presidente: o Sr. Pedro Pita pôs com muita clareza a questão prévia e defendeu-a sem possível contestação por parte de ninguém. Não deve,
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portanto, restar dúvidas a alguém de que a proposta do Govêrno não pode hoje ter uma discussão da Câmara, porque tem de ir primeiro às comissões propostas para sôbre elas darem o seu parecer. Eu, por consequência, não tinha necessidade depois do que disse o Sr. Pedro Pita de usar da palavra para procurar o que se pode chamar abrir uma porta aberta; mas como militar, embora aqui seja só Deputado, não quero deixar de chamar a atenção de todos os Deputados da Câmara para uma garantia que a mesma Câmara quis dar a todos aqueles de entre nós que amanhã porventura possam estar sob a sanção do artigo 17.º da Constituïção, garantindo-lhes que o seu caso seria estudado com minúcia e cautela.
Apoiados.
Sr. Presidente: não se diga que êste caso de agora é ùnicamente uma punição disciplinar, por se tratar da ordem militar, que aqui não pode ser discutida. A disciplina do Exército, mantida por meio de punições, necessárias sempre, não perde com a discussão ampla e aberta da justiça que lhe assiste feita no alto Parlamento da República por homens que têm a consciência das funções que desempenham.
Apoiados.
A disciplina do Exército e a acção do respectivo Ministro só podem ser prestigiadas com essa discussão, porque seria temeroso dentro duma democracia que isso se não fizesse com largueza e que não se pudesse votar uma moção dizendo que o Sr. Ministro da Guerra aplicando uma sanção dos regulamentos militares fê-lo inteiramente de harmonia com a justiça.
Apoiados.
O que é necessário afirmar perante o País é uma de duas cousas: ou que o Sr. Ministro da Guerra procedeu absolutamente dentro dos regulamentos, ou que S. Ex.ª não procedeu com justiça e com critério; mas de qualquer das formas o Exército e a função ministerial prestigiam-se.
Apoiados.
Sr. Presidente: tendo eu pelo Sr. coronel Fernando Freiria a mais alta consideração, já demonstrada por mim com inequívocas provas de estima e de amizade, não posso deixar, contudo, de aqui proferir palavras do censura a S. Ex.ªs por nesta hora nem sequer a proposta do Govêrno ser trazida por sua mão, rnas pela mão do Sr. Presidente do Ministério.
Apoiados.
O Sr. Ministro da Guerra aplicou uma sanção que tenho a certeza que em sua consciência reputa justa; devia, e outra cousa não se compreende, vir apresentar à Câmara a proposta que o Sr. Presidente do Ministério apresentou. E ainda menos compreendo que o Sr. Presidente do Ministério, com uma incompreensão absoluta do seu papel e da sua função, mande retirar para bastidores o Sr. Ministro da Guerra, apoucando o na sua dignidade, para vir êle assumir uma função que lhe não pertence e não lhe cabe.
Apoiados.
Eu como oficial não podia deixar de falar, porque sinto que a Câmara tomando neste assunto uma resolução precipitada coloca todos os oficiais que aqui estão à mercê dum Ministro da Guerra qualquer...
Apoiados.
Uma voz: — E até dos revolucionário? civis!
Apoiados.
O Orador: —...e se garantias que a Constituïção estabelece desaparecem pela acção de qualquer Ministro menos correcto e digno.
Apoiados.
Por consequência, não darei o meu voto à proposta ministerial, e no momento oportuno direi as razões porquê. Por agora, direi ùnicamente que dou a minha aprovação à questão prévia proposta pelo Sr. Pedro Pita, na certeza do que interpreto não só o sentido da Câmara, mas cumpro aquilo que devo fazer, que é cumprir uma deliberação que a Câmara já adoptou.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: V. Ex.ª esclareceu ainda há pouco que está em discussão apenas a questão prévia.
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A ela, efectivamente, limito as poucas palavras que vou pronunciar.
Sr. Presidente: eu tive há dois minutos uns segundos de celebridade por citar de cor a data em que esta Câmara resolveu que qualquer pedido para algum Deputado ser ou continuar preso teria de ser objecto, antes da Câmara o apreciar, do estudo das comissões permanentes da mesma Câmara.
Êsse facto de eu mesmo ter rememorado a data em que a Câmara tomou essa deliberação, mostra que no momento. em que aqui hoje, sôbre o pedido do Sr. Presidente do Ministério, se deliberou dispensar o Regimento, a deliberação anterior não me era desconhecida; mas entendi e entendo ainda que a Câmara com a mesma amplitude de atribuïções constitucionais, com a mesma competência com que deliberou em 19 de Julho do ano passado, pode hoje deliberar o contrário.
Apoiados da esquerda e não apoiados do centro e direita da Câmara.
Um àparte do Sr. António Fonseca, que não se ouviu,
O Orador: — Ouvi com muito agrado a interrupção do Sr. António Fonseca, e são sempre interessantes as considerações que S. Ex.ª faz, mas sinto muito mais uma vez estar em divergência com S. Ex.ª
Certamente não terei razão, mas eu estou convencido, porque é a verdade, que esta Câmara não tem a facilidade de fazer outra constituição só por deliberação sua.
Pode tomar deliberações para uso interno de carácter regimental, mas deliberações de carácter constitucional não, segundo o meu modo de ver.
Por isso eu considerei a deliberação referida de 19 do Julho apenas regimental visto que ela não foi deliberação das duas Câmaras.
Não posso deixar de considerar essa deliberação como regimental, e a deliberação de hoje como uma alteração da anterior.
O Sr. António Fonseca não tem certamente a intenção de me lisonjear dizendo que eu era a única pessoa que se lembrava da data em que foi tomada a referida deliberação, quando é certo que todos que aqui estão e que intervieram nessa deliberação se lembram da resolução tomada.
Seja como fôr a questão prévia parece improcedente porque desde que não se trata duma lei constitucional mas duma disposição regimental, a Câmara pode alterar conformo entenda a sua deliberação anterior.
Pouco mais tenho a dizer e só quero recordar que a deliberação de l9 de Julho de 1922 foi tomada em face dum pedido de autorização para prisão de uns parlamentares que estavam envolvidos num processo que interessava a opinião pública.
A Câmara então entendeu não dever pronunciar-se sôbre a prisão dêsses parlamentares sem ter conhecimento dos pormenores do processo instaurado, que estava demorado já há meses e que era de difícil apreciação.
A proposta hoje apresentada pelo Sr. Presidente do Ministério respeita a um caso muito mais simples.
O Sr. Ministro da Guerra julgou-se desrespeitado por um acto do capitão Sr. António Maia, muito ilustre parlamentar e nosso colega nesta Câmara.
Êsse agravo do Sr. António Maia traduziu-se num requerimento dirigido ao Sr. Ministro da Guerra e que teve publicidade.
Àpartes.
O Sr. António Maia (interrompendo): — Êsse requerimento teve toda a publicidade para que não tivesse o mesmo destino que teve o requerimento que fiz relativo ao Sr. Freitas Soares.
Eu queria que o meu requerimento fôsse conhecido de todos.
O Orador: — A atitude do Sr. António Maia traduziu-se num requerimento, que os jornais publicaram, conforme o próprio Sr. António Maia acaba de nos confirmar claramente.
O Sr. Ministro da Guerra entendeu que êsse requerimento e a sua publicidade representavam uma infracção disciplinar.
Não há, portanto, nenhuma paridade entre êste caso e aquele que originou a deliberação tomada pela Câmara em 19 de Julho.
É esta a razão por que me parece quê a Câmara procedeu muito justificadamente dispensando o Regimento para a discussão
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da proposta do Sr. Presidente do Ministério.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: tenho — desnecessário é dizê-lo mais uma vez nesta Câmara — a maior consideração pelo Sr. ex Ministro da Guerra, coronel Freiria. Fui eu quem o chamou para a vida activa da política, demonstrando-lhe assim o apreço que S. Ex.ª me merece desde os bancos da escola.
Mas essa. circunstância me dá também autoridade para acompanhar neste ponto, como em todos os outros, aliás, as considerações do ilustre leader nacionalista, Exmo. Sr. Dr. Álvaro de Castro, e dizer que esta questão vem sendo mal colocada desde a sua origem.
O Sr. ex-Ministro da Guerra nunca deveria ter feito o que fez, enviando a esta Câmara o Sr. Presidente do Ministério como seu enviado; S. Ex.ª é que tinha o dever de vir aqui expor nitidamente a questão perante a Câmara.
Isto lê vá-me à conclusão de que se trata apenas de mais uma das numerosas habilidades políticas do Sr. Presidente do Ministério.
Por carta lida na Mesa nós sabemos que o Sr. Ministro da Guerra tinha dado a alma ao Creador, que S. Ex.ª tinha afirmado o propósito de não continuar na sua pasta nem mais uma hora; mas de repente o Sr. Presidente do Ministério aparece-nos aqui a declarar que essa questão era para liquidar ulteriormente, e então, urna vez morto o Sr. Ministro da Guerra, aparece agora o Sr. Presidente do Ministério a querer ressuscitá-lo.
O Chefe do Govêrno esqueceu-se, ao fazer esta habilidade, de que, ainda quando conseguisse arrancar a esta Câmara a aprovação draconiana da sua proposta, o Sr. Ministro da Guerra ficava ferido de morte.
O Sr. Presidente do Ministério colocou esta questão num pó em que nenhum de nós a quis colocar, pois a discussão imediata dêste assunto foi votada indiferentemente por Deputadas nacionalistas e por Deputados democráticos, que se pronunciaram contra a dispensa do Regimento, e parlamentares nacionalistas, que votaram a favor dela.
Quem pretende, portanto, fazer dêste caso uma questão política é o Sr. Presidente do Ministério, ao praticar mais esta habilidade política.
Mas eu, que conheço as qualidades de carácter do Sr. coronel Freiria, afirmo que depois desta discussão S. Ex.ª não volta à Câmara, e por isso reputo ineficazes e inábeis as habilidades políticas do Chefe do Govêrno.
Mas qual foi o desejo encoberto do Sr. Presidente do Ministério ao pretender efectuar a ressurreição do seu falecido Ministro da Guerra? — falecido como Ministro, e não como homem, felizmente.
Foi o de arrancar-nos um direito.
A sua habilidade consiste nisto.
Há tempos, levantando eu nesta casa do Parlamento, com indignação, a questão de estar preso o meu querido amigo Sr. Deputado Vergílio Costa, contra tudo aquilo que a justiça e a moralidade determinavam, a Câmara sentiu a necessidade de regulamentar um direito que é nosso, que nos é conferido pela Constituïção, no seu artigo 17.º
Como regulamentar êsse direito?
Regulamentámo-lo como entendemos, por meio duma moção, e nada temos com o Senado que, por seu turno, o pode regulamentar como entender.
Pois agora pretende-se regulamentar novamente êsse direito como uma mera disposição regimental.
Não pode ser; mas ainda que o pudesse, a isso obstava a nossa situação moral.
Ontem reconhecíamos que não se podia ferir injustamente a liberdade dum cidadão e reconhecíamos isso expressamente no caso do Sr. Deputado Vergílio Costa, e hoje, por mero capricho do Sr. Presidente do Ministério e para efectuar a ressurreição dum Ministro falecido, íamos eliminar um direito que nos assiste, afirmado pela própria Constituïção.
E fazíamos isto no momento em que o Sr. Almeida Ribeiro acaba de declarar que conhece insuficientemente a questão António Maia.
Os Deputados monárquicos e o Sr. Almeida Ribeiro cortam a liberdade dum dos seu iguais à simples condição dos acasos da luz que se faça.
Eu, por mim, invoco a autoridade que me provém de nunca ter defendido doutrina diferente.
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Recordo o caso do Deputado Sr. Teles de Vasconcelos, na Câmara dezembrista, que foi preso durante o interregno das sessões, e que, quando a sessão abriu, continuou preso, sem só dar a êsse Sr. Deputado as necessárias explicações, sobretudo sem se dizer à Câmara o motivo por que êsse Deputado tinha sido preso, tendo tido o desprazer, nessa hora, de constatar que me encontrava quási só na defesa dos direitos do Deputado monárquico desacompanhado até dos seus próprios correligionários.
Ontem como hoje estou defendendo os mesmos princípios, ontem como hoje estou pugnando por que não se deixe prender ninguém, sem se provar claramente que foram respeitadas as suas regalias, aquelas regalias que por uma moção regulamentar do artigo 17.º de Constituïção aprovámos nesta Câmara, e aprovámos para que injustiças se não podessem cometer.
Entendo, portanto, que a doutrina do Sr. Almeida Ribeiro não é de ser aplicada, porque não se trata duma disposição regimental que com uma simples dispensa se possa derrogar, mas porque se trata da regulamentação dum direito que uma simples dispensa regimental não pode de maneira alguma eliminar.
Digo isto porque quero que amanhã não se cometam abusos. Sabemos bem a terra em que vivemos e mais ainda a camaradagem que somos obrigados a manter uns com os outros em quanto não se prove que qualquer dessas pessoas é indigna do nosso convívio.
Creiam os Srs. Deputados monárquicos que se algum dia o raio lhes cair em casa, mau grado a sua atitude, me encontrarão na defesa dos seus direitos.
Não censuro os Deputados monárquicos pela circunstâncias de darem, porventura, o seu voto para a prisão imediata do Sr. António Maia, censuro os por terem querido coartar ao Sr. António Maia o direito que êle tem de que nas comissões seja esclarecido o seu caso.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: vou fazer algumas considerações sob o ponto de vista jurídico, em resposta às considerações feitas pelo Sr. Cunha Leal.
Afirmou-se que pelo artigo 17.º da Constituïção se devia considerar que um Deputado tem direito a não ser preso senão seguindo-se uns determinados tramites, quando é certo que tal artigo não dá ao Deputado essa garantia.
O Sr. Cunha Leal: — V. Ex.ª dá-me licença?
O que eu afirmei foi que, reconhecendo-se que pela acção, porventura, por vezes atrabiliária do Poder Executivo, não estavam definidas as condições em que o artigo 17.º se devia aplicar, nós, Câmara dos Deputados, para regulamentar direitos que nos são dados por êsse artigo entendemos que os devíamos regulamentar duma maneira clara, isto até serem derogados por uma moção egual.
O Orador: — De maneira que em face do artigo 17.º da Constituïção não há duvida que a Câmara possa autorizar que qualquer Deputado seja ou esteja preso durante o período das sessões.
Ora na verdade quando se tratou aqui da autorização dada pela Câmara, para serem presos determinados parlamentares a quando do processo de 19 de Outubro, a Câmara concedeu algumas dessas autorizações sem previamente cuidar de cousa alguma; depois reconheceu que era legítimo que a Câmara não concedesse essa autorização sem conhecer das razões que levaram certas autoridades a requerer a prisão de determinados parlamentares.
Chamo a atenção da Câmara para êstes dois pontos.
No primeiro caso trata-se dum processo em marcha, não estávamos em face duma sentença, havia na opinião pública certos receios de que se não fizesse justiça ou se fizessem certas acusações infundadas que levassem a justiça a ser um pouco precipitada nas suas resoluções e então a Câmara procedia bem, querendo conhecer as razões por que qualquer parlamentar era preso.
Mas agora trata-se dum caso perfeitamente diverso.
Há uma sentença já dada.
O Sr. Pedro Pita: — Tenho muita admiração pelo talento e carácter de V. Ex.ª, mas o que eu desejaria era que V. Ex.ª
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me provasse que a moção que votámos não se aplica ao Sr. António Maia.
O Orador: — Eu digo que a moção aprovada pela Câmara o foi pelas circunstâncias especiais, que se davam no momento.
Eu pregunto à consciência de V. Ex.ª se necessitamos hoje de possuir êsse exame prévio para provar que não houve falta de disciplina.
Já vêem, portanto, V. Ex.ªs que ocaso é muito diverso.
No primeiro caso compreendia-se que a Câmara quisesse averiguar das razões por que era preso um Deputado; mas hoje essas razões são conhecidas, estão expostas na própria proposta do Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Pedro Pita: — O que eu pregunto é se está ou não de pé a resolução da. Câmara.
O Orador: — A êsse respeito devo dizer que essa disposição regimental pode ser alterada.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — V. Ex.ªs vêem que regimental também é qualquer projecto apresentado a esta Câmara ter de seguir certos trâmites, e a Câmara pode dispensar êsses trâmites.
V. Ex.ª compreende que há muitas disposições regimentais que podem não estar contidas dentro do Regimento aprovado numa determinada altura.
Apelo, pois, para os conhecimentos dos meus ilustres colegas formados em direito, esperando que não poderão deixar de reconhecer que tenho razão.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Se é um regulamento ou uma lei, pregunto ao meu querido amigo se, porventura, o Senado também contribuiu para aprovar essa lei.
Fazendo estas considerações com toda a lealdade, só compreendo, na verdade, que a Câmara não esteja de acôrdo com a proposta do Sr. Presidente do Ministério, se porventura entender que não é razoável que se dê um castigo imediato por um acto indisciplinar grave. Se assim o entender, está bem, podendo a sua consciência jurídica ficar perfeitamente tranquila de que não praticou qualquer facto contra a Constituïção, nem contra a disposição legal que se invoca.
Um àparte do Sr. Moura Pinto.
O Orador: — O que me parece é que a Câmara, para tomar a sua resolução, está em face duma situação como aquela que resultaria duma sentença condenando um indivíduo a penitenciária, e em tal caso teria apenas de resolver se essa sentença se deveria executar imediatamente ou se depois de terminada a sessão legislativa.
O Sr. Moura Pinto (àparte): — Se o Poder Executivo viesse dizer-nos que queríamos modificar a pena ou evitar que ela se executasse e que, por tal motivo, ficava deminuído o seu prestígio, êle tinha toda a razão.
Nós, porém, não queremos modificar ou evitar a execução dessa pena. No que não estamos dispostos é a tolerar que o Executivo nos imponha uma oportunidade que pode representar apenas uma impertinência ou uma injustiça.
O Orador: — Como jurisconsulto eu também não poderia concordar com que se autorizasse a prisão de qualquer Deputado sem que se soubessem as razões determinativas da sua prisão, como, por exemplo, se se tratasse de um processo em curso.
Estamos, porém, em face de um castigo já determinado e cujas razões a Câmara conhece.
O Sr. Cunha Leal (àparte): — Não as conhece a Câmara, como as não conhece o Sr. Almeida Ribeiro.
O Orador: — Essas razões constam até da proposta do Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Cunha Leal: — E que inconveniente há em quê as comissões dêem o seu parecer?
Estabelece-se discussão entre o orador e vários Srs. Deputados.
Vozes: — Ordem! Ordem!
O Sr. Presidente: — Peço aos Srs. Deputados que ocupem os seus legares.
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O Orador: — Ainda me permito chamar a atenção da Câmara para uma circunstância que não pode deixar de ser ponderada.
É que a Câmara, aprovando a moção do ilustre Deputado Sr. Pedro Pita, a propósito dos acontecimentos de 19 de Outubro, aprovou, também, os seus considerandos, e dêles se deduz que a Câmara, aprovou essa moção porque não se podia pronunciar sôbre se eram justos ou não os motivos que porventura originaram às prisões pedidas.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo): — Está V. Ex.ª dizendo que a Câmara conhece o assunto; a Câmara não conhece o assunto, como V. Ex.ª não conhece.
O Sr. Ministro da Guerra não ouviu a pessoa que queria castigar, como manda o artigo 8.º do Regulamento.
Apoiados.
O Orador: — A Câmara não é competente para julgar, e creio que há tribunais de recurso.
Sussurro.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Estou convencido que a consciência da Câmara está comigo.
Tenho dito.
Trocam-se àpartes.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Sr. Presidente: surgiu contra a minha vontade uma questão política motivada pela recusa do Sr. Ministro da Guerra, em assistir à interpelação do Sr. António Maia.
Creio que a disciplina do exército não ficava deminuída com a aprovação da questão prévia do Sr. Pedro Pita.
Apoiados.
Para crimes, como o 19 de Outubro, foi necessário que o pedido de dispensa das imunidades parlamentares fôsse às comissões.
Não se compreende que apenas por uma questão disciplinar não possa essa proposta ir às comissões!
Apoiados.
Folgo bastante em me encontrar independente para poder apreciar, livre das preocupações partidárias, êste assunto, conforme a minha consciência.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: — Pedi a palavra para responder a uma afirmação feita pelo Sr. Ministro da Justiça.
É uma competência nova a do Sr. Ministro!
É porventura S. Ex.ª o consultor jurídico do Parlamento?
Não se compreende que o Govêrno tenha pôsto a questão por tal forma que o Sr. Ministro da Justiça se tenha visto na necessidade de expor a sua opinião àx Câmara, nos termos por que o fez.
Então nós podemos consentir que se arranque a esta Câmara um colega nosso simplesmente por assim o impor o capricho de um Ministro ou o capricho do Sr. Presidente do Ministério em manter no seu lugar êsse Ministro?
Mau foi, Sr. Presidente, que a questão tivesse sido deslocada do campo disciplinar, e parlamentar para um terreno estreitamente político.
Mau foi que se tivesse querido pôr à prova o nosso sentimento de camaradagem.
Mau foi que tivesse havido o propósito de solucionar uma questão ministerial à custa da prisão de um colega nosso.
Muitos apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança: — Lamento profundamente a ausência do Sr. Ministro da Guerra, e lamento-a pela muita consideração que tenho por S. Ex.ª, que é, incontestavelmente um dos mais distintos ornamentos do exército português e que eu supunha ter um conhecimento exacto de todos os seus deveres militares.
Estimaria imenso que S. Ex.ª estivesse presente para ouvir as palavras que vou proferir.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos vem dizer à Câmara que conhece a questão e afinal vê-se bem que a desconhece; pois, fazendo eu a mais alta justiça ao critério de S. Ex.ª estou certo que se S. Ex.ª a conhecesse não viria falar pela forma por que falou.
Apoiados.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos vem confundir faltas disciplinares e crimes.
Lamento que S. Ex.ª falasse sem ter lido os artigos do Código do Processo Militar, para ver a diferença que há entre
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crimes e faltas por infracções disciplinares.
Apoiados.
É preciso que V. Ex.ª saiba que há liberdade dentro das próprias fórmulas militares.
A disciplina militar mantém como base a lealdade e o respeito mútuo.
É preciso que os superiores mandem, mas que também saibam executar.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — A Câmara não tem que se constituir em tribunal (Apoiados) para determinar o castigo.
O Orador: — O àparte do Sr. Ministro da Justiça em nada modifica o meu raciocínio.
Se entrei na análise do processo a culpa foi de S. Ex.ª, que falou sôbre o artigo em que se baleia o processo.
Se querem ordem e disciplina não se consinta que sejam os Poderes Públicos os primeiros a darem o exemplo do desrespeito pelas leis e pelos regulamentos.
Se tomo calor nesta questão é porque tenho respeito pelos regulamentos.
Não posso conservar-me calmo perante arbitrariedades.
Já o Sr. Ministro da Marinha Vítor Hugo de Azevedo Coutinho praticou uma arbitrariedade quando castigou — e nisso foi também apoiado pela actual maioria democrática — o distinto oficial de marinha Sr Cerqueira.
Não foram então respeitadas, como agora também o não são as disposições regulamentares.
Êsse oficial, que é uma das mais belas figuras de herói, foi castigado por defender os interêsses do Estado, não querendo permitir que fossem banquetear-se a bordo do navio que foi ao Brasil, por ocasião da exposição do Rio de Janeiro, de bem tristes recordações para nós, pessoas que não iam ali senão para receber libras do Estado.
Se a maioria não tivesse abafado as nossas vozes, recusando que se generalizasse o debate que pretendíamos travar a respeito de semelhante castigo, ter-se-ia relatado aqui tudo para se ver quem tinha razão.
Agora, Sr. Presidente, trata-se duma habilidade política para que o Ministério
não sofra no seu conjunto, para conseguir mais uns dias ou meses de estabilidade governamental.
O Sr. Presidente do Ministério, apoiado pela sua forte maioria, não se preocupa em arrancar um Deputado ao seio da representação nacional, atirando com êle para o fundo duma prisão, na altura em que êsse Deputado tem aqui deveres a cumprir.
Mas porque, pregunto eu aos homens do Govêrno, pregunto à consciência honrada dos Deputados da maioria, porque há tanta pressa em fazer cumprir esta pena a um homem que é parlamentar, quando frequentemente sucede que homens que não são Deputados, que não são Senadores, que são simplesmente oficiais do exército ou da armada, que são simplesmente sargentos do exército ou da armada, que são simplesmente soldados ou marinheiros, não cumprem essas penas imediatamente ao ser-lhes aplicado o castigo, pregunto, porquê êste afan, porquê esta fúria que tem o Govêrno de querer arrancar daqui o Deputado António Maia, para ir já cumprir uma pena por uma leve falta disciplinar?
Ah, Sr. Presidente! Como é por vezes odienta a maneira como se fax política nesta terra, como é por vezes baixa a missão que seguem determinados homens ao ponto de, para satisfazerem os seus interêsses partidários não hesitarem por um só momento em cometer arbitrariedades, em cometer os mais vis atentados à liberdade, e, mais do que isso, fazerem pressão sôbre o seio do Parlamento para que um Deputado saia daqui para o fundo duma cadeia a fim de que o Ministro venha novamente ocupar a sua cadeira, mas só quando aqui dentro já não esteja o homem que tem uma interpelação marcada, que tem de pedir contas, não ao homem Sr. coronel Freiria, pessoa por quem, aliás, tenho a maior consideração e respeito, mas ao Ministro da Guerra, que como chefe do exército cometeu uma falta grave. Como político o Sr. Ministro da Guerra cometeu uma das maiores gaffes que podia praticar. Não conseguirá manter-se muito tempo nas cadeiras do Poder. O Sr. Ministro da Guerra não pode negar-se a dar à Câmara as coutas que ela lhe exigir.
Sr. Presidente, nisto tudo o que se vê
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é o seguinte: é que o Sr. Ministro da Guerra foi muito infeliz ao dirigir estas manobras. S. Ex.ª, em minha opinião, apesar da muita consideração que me merece, não mostrou aquelas qualidades que distinguem o oficial do estado maior.
Devia entregar o caso ao director geral do seu Ministério, e vinha para o seu lugar na Câmara responder à interpelação do deputado Sr. António Maia. Só depois é que dava ao oficial conhecimento do castigo que lhe era aplicado.
A Câmara não tem que discutir o castigo aplicado pelo Ministro da Guerra, mas a Câmara deve obediência às moções que aqui aprova, e neste caso a proposta tem de baixar à respectiva comissão.
Eu pregunto porque se há-de seguir agora um critério diferente do que se tem seguido das outras vezes?
Eu desejaria ouvir uma resposta clara, precisa, categórica, e não uma dessas respostas habilidosas, com muitas palavras, mas que nada diz. Uma resposta como um militar deve dar.
Sr. Presidente: termino as minhas considerações pedindo à Câmara que desculpe o calor que tomei.
O Sr. Presidente do Ministério o Sr. Ministro da Guerra fundam o seu procedimento no necessário prestígio militar, e fundados nele pedem a suspensão de garantias parlamentares pára prenderem um Sr. Deputado.
Estabelecido êste precedente, amanhã, quando um Govêrno se quiser ver livre de um Deputado da oposição, será extremamente fácil, sendo êsse Deputado militar, fazê-lo cair nas alçadas da lei e obrigá-lo a sair da Câmara.
Bipartes.
Sr. Presidente: nesta hora que atravessámos todos os homens públicos devem ver que é necessária toda a tranquilidade política.
Peio que se está passando eu tenho razão para dizer que os homens do Govêrno, sem respeito pelo prestígio do Parlamento, querem dar um golpe nas instituições parlamentares.
Àpartes.
Sussurro.
Sr. Presidente: penso o Govêrno e pensem os Sr. Deputados naquilo que vão fazer, ao dar o seu voto para a prisão do Sr. Deputado António Maia, porque nesta terra de paixões políticas alguém poderá vir a ser o último castigado pelas leviandades cometidas.
Àpartes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida e admitida a moção apresentada pelo Sr. Agatão Lança.
O Sr. Lelo Portela: — Requeiro que seja consultada a Câmara sôbre se entende que deve ser prorrogada a sessão até liquidação do assunto em discussão.
O Sr. Presidente — Vou pôr à votação o requerimento do Sr. Lelo Portela para ser prorrogada a sessão até a votação do assunto que se discute.
Pôsto à votação, o requerimento foi rejeitado.
O Sr. Álvaro de Castro: — Requeiro a contra-prova.
O Sr. Pedro Pita: — Invoco o parágrafo 2.º do artigo 116, do Regimento.
Procedendo-se à contra-prova foi novamente rejeitado por 52 Srs. Deputados e aprovado por 45.
O Sr o Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: duas palavras apenas referentes às considerações do Sr. Agatão Lança pela muita consideração que tenho por S. Ex.ª, pelas suas altas qualidades.
Em primeiro lugar direi que, em parte, as considerações de S. Ex.ª representam um pouco lutar contra moinhos de vento, porquanto me parece não ter dito que na falta cometida pelo Sr. António Maia havia um crime. Há apenas uma falta disciplinar.
Em segundo lugar as considerações de S. Ex.ª relativamente ao castigo do Sr. Ministro da Guerra estar mal aplicado não vêm a propósito.
O Sr. Agatão Lança: — Mas quero dizer que não i oram seguidas as respectivas regras.
O Orador: — A Câmara não pode, nem deve entrar nessa matéria, porque a questão disciplinar só pode ser tratada pelas autoridades competentes, e não dentro do
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campo político, porque isso seria a anarquia, e poder-se-ia dizer que a sociedade portuguesa teria os dias contados.
Nas considerações que fiz não pretendi, com elas, agravar ninguém, expus o meu pensamento com toda a sinceridade e lealdade.
Mas garanto a V. Ex.ª que, expondo com sinceridade, entendo que a Câmara pode votar como entender, sem cometer nenhum acto contrário ao Regimento, e até modificar a resolução primitivamente tomada.
Nada mais tenho a acrescentar às considerações que fiz.
O orador não reviu.
O Sr. Sã Pereira: — Pedi a palavra mais para fazer declarações que para tomar parte no debate.
O Sr. Presidente do Ministério apresentou nesta casa do Parlamento uma proposta que autorize a prisão imediata do nosso ilustre colega o capitão Sr. António Maia.
Para essa proposta pedia S. Ex.ª a urgência e dispensa do Regimento.
Não posso, em condições nenhumas, admitir que essa proposta tivesse sido apresentada como uma questão de caracter político.
Apoiados.
Entendo que o Govêrno não pode pôr a questão de confiança.
Rejeitarei a proposta.
Apoiados.
O Sr. Lopes Cardoso: — Faz muito bem, porque se vê que o Govêrno já não tem pressa.
O orador: — Rejeito a urgência e dispensa do Regimento para essa proposta.
Sr. Presidente: tenho por S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra aquela consideração que nós todos temos obrigação de ter pelos homens que julgamos pessoas de bem e que no desempenho das suas funções têm procurado bem servir a Pátria e a República.
Não discuto se S. Ex.ª procedeu bem ou mal; o meu ponto de vista é igual àquele já sustentado pelo Sr. Pedro Pita, qual seja o de que, estando para fechar o Parlamento, entendo que se o Sr. António Maia tiver de cumprir qualquer pena que lhe foi aplicada pelo Sr. Ministro da Guerra, é depois do Parlamento encerrado.
Apoiados.
O Sr. António Maia: — Tenho de cumprir a pena; devo cumpri-la!
O Orador: — Não discuto isso, não quero imiscuir-me nesse assunto sem o estudar devidamente.
O meu ponto é êste: não se pode considerar em condições nenhumas êste caso como uma questão política; ela é uma questão parlamentar, e estando em jôgo a liberdade de um parlamentar do meu país eu voto da maneira como já expus, isto é, a favor da questão prévia (Apoiados das direitas], tanto mais que não quero que se diga que os democráticos, pelo facto de estar no Poder um Govêrno democrático, consentem que o Poder Executivo se anteponha às prerrogativas parlamentares.
Muitos apoiados.
De resto, estou convencido de que o Govêrno não faz disto uma questão política; mas, se a fizer, tenho muita pena, porém não posso acompanhá-lo.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca: — Sr. Presidente: quando aqui foi lida a acta da sessão de 19 de Julho de 1923, verificou-se que a Câmara tinha resolvido, porque foi uma resolução, que todos os pedidos para ser ou continuar preso qualquer dos seus membros fossem remetidos logo após a sua entrada nesta Câmara à comissão de legislação civil e criminal.
Realmente, eu noto que a disposição que se votou foi para o futuro o não para um caso concreto ocorrente.
Resulta isso claramente de não ser possível sequer fazer a aplicação desta doutrina à proposta que estava então em discussão para a prisão dum Sr. Deputado, e resulta ainda das palavras contidas na deliberação da Câmara: «logo após a sua entrada nesta Câmara», o que significa que não era para a proposta em discussão, mas para todas as que viessem posteriormente.
Apoiados.
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Sr. Presidente: a Constituïção estabelece uma garantia para os Deputados não poderem ser presos sem licença da Câmara, mas a uma certa altura reconheceu-se que essa garantia não era suficiente, porque dava lugar a atropelos do várias ordens.
Foi atropelado, por exemplo, o Sr. Moura Pinto, que foi em tempo preso sem autorização da Câmara.
O Sr. Moura Pinto: — Com consentimento da Câmara, mas sem me levantarem as minhas imunidades, motivo por que eu requeri para elas me serem levantadas, a fim do Poder Legislativo não ser vexado pelo Executivo.
O Orador: — Destes dois pontos há uma conclusão a tirar: é que a disposição tomada na sessão de 19 de Julho de 1922 não é uma disposição qualquer do Regimento, porque o Regimento do que trata essencialmente é do modo de funcionamento da Câmara, e só nesse sentido é que o Regimento pode ser alterado; trata-se, sim, duma espécie de regulamentação interna para esta Câmara, do modo como nós podemos usar da faculdade de darmos ou negarmos autorização para serem ou continuarem presos alguns dos membros desta Câmara.
Apoiados.
Mas suponhamos mesmo que se tratava duma disposição caracterizadamente regimental.
Sucede que essa disposição pode ser alterada em qualquer altura?
Eu nego isso, porque há disposições que não se podem suspender, como, por exemplo, a disposição do artigo 29.º do nosso Regimento.
O contrário disto, Sr. Presidente, é anti-regimental, a meu ver, quer o assunto diga respeito a qualquer Deputado da maioria, como da minoria, poís a, verdade é que, segundo a Constituïção da República, nenhum Deputado pode ser preso sem autorização da respectiva Câmara.
O que se pretende fazer, repito, é ùnicamente uma questão política.
O Sr. Agatão Lança: — E tanto assim é, que a maioria, deve haver uns sete ou oito dias, adoptou êsse critério relativamente ao Sr. Delfim Costa, pois a verdade é que o pedido do tribunal para êsse Deputado ir depor baixou à comissão de legislação civil e criminal; a diferença que havia era que se tratava de um Deputado da maioria e não da oposição.
O. Orador: — Não vejo, repito, motivo para que agora se adopte um critério diferente daquele que se tem seguido até hoje.
Demais, Sr. Presidente, eu devo dizer em abono da verdade que me parece que sôbre êste incidente o Sr. Ministro da Guerra não cumpriu as disposições regulamentares, pois creio que para as cumprir não deveria castigar o Sr. António Maia directamente, mas sim comunicar êsse castigo para a divisão a que pertence o capitão Sr. António Maia.
Eu, Sr. Presidente, não discuto agora, nem mesmo o discutirei mais tarde, se êsse castigo foi bem ou mal aplicado, o que me surpreendo é que o Sr. Ministro da Guerra tivesse castigado o capitão Sr. António Maia e depois disso tivesse pedido a sua demissão, justamente na véspera em que se devia realizar a interpelação do Sr. António Maia.
Isto é que me surpreende e me leva a crer que o Sr. Ministro da Guerra pediu a sua demissão justamente para não vir aqui ouvir o Sr. António Maia.
O Sr. Agatão Lança: — Não resta dúvida que se trata de urna questão política, pois, se assim não fôsse quem devia ter feito essa comunicação para a prisão do Sr. António Maia era o comandante da divisão e não o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Cunha Leal: — Mas é que o comandante da divisão não podia pedir a urgência e a dispensa do Regimento.
O Orador: — Não se pode Sr. Presidente, ao que se vê, tirar outra conclusão do procedimento do Sr. Ministro da Guerra.
Não houve o cuidado de encarar desde a primeira hora esta questão como devia ser.
Nasceu torta esta questão e torta há-de ser até o fim. não me parecendo que qualquer, subterfúgio a possa endireitar.
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orla alguém que acredite que o Sr. Ministro da Guerra, mesmo que prenda o Sr. António Maia, possa entrar mais nesta casa, sentando-se novamente à vontade naquele lugar?
Não faço ao Sr. Ministro da Guerra a injustiça de supor que S. Ex.ª volte a sentar-se no seu lugar de Ministro.
Pois então S. Ex.ª amanhã, engole a interpelação, engole a carta que dirigiu a esta Câmara, engole o seu pedido de demissão, porque se enclausurou o capitão António Maia?
E curioso que esta deliberação tomada em 19 de Julho, logo à primeira vez que existe necessidade de dela nos servirmos, não seja cumprida.
Esta questão tomou um ar achincalhante, que é o que resulta duma espécie de conflito de natureza pessoal entre um Ministro e um Deputado.
E como se pretende resolver êste conflito?
Saltando por todas as leis e garantias e prendendo o Deputado para que o Ministro possa entrar nesta Câmara.
O aspecto que reveste êste conflito não me parece que possa prestigiar o Poder Legislativo nem o Poder Executivo.
Peço à Câmara que reflita, porque creio que não há necessidade de prender imediatamente o Deputado Sr. António Maia.
Antes de tudo, o que deveria fazer-se era respeitar u deliberação tomada por esta Câmara em 19 de Julho e, dentro do respeito por ela, o Partido Democrático, que tem a maioria nas comissões, fazê-las trabalhar para dar quanto antes o seu parecer sôbre a prisão do Sr. António Maia.
Há um Deputado que está pronunciado por um crime eleitoral e êsse caso foi para a comissão.
O Orador: — O que a Câmara não pode é tomar hoje uma atitude e amanhã, porque à maioria assim agrada, tomar outra deliberação.
Nós não ternos que discutir o castigo, mas sim a oportunidade da sua aplica:
E sôbre isso que têm que se pronunciar as comissões.
Parece-mo, pois, que a moção do Sr. Pedro Pita é de receber e de votar, e não o fazendo parece-me que ficamos numa situação difícil.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: aludiu o Sr. Cunha Leal à maneira como a minoria monárquica se tinha pronunciado sôbre êste incidente.
O Sr. Cunha Leal atacou o Sr. Ministro da Guerra por ter pedido a demissão; não somos nós quem louvo a atitude de S. Ex.ª, mas não somos nós também que nesta altura iremos atacar o Sr. Ministro da Guerra, porque agora só o vemos como chefe do exército.
Já nesta Câmara ouvi hoje expor a doutrina de que a queda do Govêrno é indiferente.
Nós, Deputados monárquicos adversários intransigentes do Govêrno, adversários irreconciliáveis do regime, a cuja política serve o esfacelamento das fôrças da República e a vida efémera dos seus govêrnos, não queremos que o Govêrno caia neste momento quando uma questão de disciplina militar se levanta pondo em cheque o prestígio e a autoridade do chefe do exército.
Indefectíveis defensores da disciplina, o Govêrno tem-nos a seu lado nesta conjuntura.
Exclusivamente em defesa dos bons princípios a nossa atitude não pode, pois, representar nem menos consideração, nem menos camaradagem pelo nosso ilustre colega nesta Câmara o Sr. António Maia.
Tenho ouvido falar já na incoerência da nossa atitude neste caso, em relação àquela que assumimos a quando da prisão dos oficiais parlamentares incriminados nos acontecimentos de 19 de Outubro. A acusação é insubsistente, porquanto o caso presente não tem, não pode ter qualquer espécie de paridade com o de então.
No caso dos Srs. Vergílio Costa e Cortês dos Santos estávamos em presença duma simples acusação de delito, dum processo em andamento; presentemente encontramo-nos em face duma sentença já proferida e proferida por quem de direito. E se ela foi proferida por quem de direito — creio que neste ponto não há
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dúvidas — como procurar impedir a soa natural execução?
O Sr. Pedro Pita: — Quere dizer: V. Ex.ªs são de opinião que a penalidade imposta ao Sr. António Maia deve ser cumprida imediatamente e não no interregno parlamentar.
Q Orador: — A nossa opinião é que antes de cumprir a pena, o Sr. António Maia não tem o direito de se arvorar em julgador. O reconhecimento dum tal direito implicaria uma quebra de disciplina a todos os motivos censurável.
A bem da disciplina colocamo-nos ao lado do chefe do exército, reservando-nos, porém, o direito de pedir contas na devida oportunidade.
Na nossa forma de proceder há só, como já disse, o respeito pelos princípios, e nada se poderá ver de desprimoroso para o Sr. António Maia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Morais Carvalho: — Quero tratar de um caso ocorrido no Funchal, chamando para êle a atenção do Sr. Presidente do Ministério.
Naquela cidade foi preso contra a lei e contra todos os princípios de liberdade, o Sr. Vieira de Castro. Êste senhor, como o seu pai, são candidatos nas eleições para a junta do distrito. Foi o Sr. Dr. Vieira de Castro em propaganda eleitoral à Ponta do Sol. Uma vez ali chegado foi preso pelo administrador do concelho e depois solto, mas sob a intimação de não voltar ali emquanto a eleição não fôsse realizada.
Facto extranho é êste, não pelo que tenha de original, visto que na República todas as perseguições têm sido possíveis, mas pelo que representa de desrespeito pelas garantias individuais. Contra êle eu protesto veementemente.
Onde está a liberdade que o Govêrno, pela Constituïção, tem de garantir aos indivíduos que queiram fazer propaganda eleitoral?
Espero que o Sr. Presidente do Ministério providencie no sentido de não consentir que aquele senhor continue privado
Se exercer o direito que têm todos os cidadãos de irem a qualquer ponto do país em propaganda eleitoral.
O Sr. Pedro Pita: — A eleição já foi feita.
Os candidatos nacionalistas também foram presos e a eleição fez-se à porta fechada.
O Orador: — Não aludi a correligionários de V. Ex.ª porque, não sabia que houvesse candidatos do Partido Nacionalista.
Mas a verdade é que o caso não merece as nossas verberações pelas pessoas atingidas.
O caso merece as nossas censuras pelo que de per si representa como ofensa às regalias e direitos individuais.
Uma vez que a eleição se fez, como disse o Sr. Pedro Pita, à poria fechada, e depois de haverem sido arredados dela, violentamente os candidatos das oposições, o Sr. Presidente do Ministério só tem que mandar anular a eleição, para ser novamente feita, mas respeitando-se os direitos de todos, no sentido do que S. Ex.ª deverá também ordenar as precisas providências.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: em resposta às considerações produzidas pelo ilustre Deputado Morais Carvalho devo dizer que nas instruções que mandei a propósito» dessas eleições ordenava terminantemente que fôsse respeitada a liberdade dá urna, e dizia-o por uma forma tam peremptória que mandava chamar à, responsabilidade dos seus actos aquelas autoridades que não cumprissem as determinações que eu tinha dado.
S. Ex.ª deveria ter visto o comunicado dêsse telegrama nos jornais, antecedentemente & essas eleições.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro (para explicações): — Sr. Presidente: efectivamente os telegramas que chegam da Madeira são
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alarmantes e eu desejava tratar o assunto numa interpelação ao Sr. Presidente do Ministério a propósito dos acontecimentos na Madeira.
Há meses, há muitos meses que na Madeira se vêm praticando as maiores tropelias, as maiores infâmias, as maiores violências, sem que o Sr Ministro do Interior tenha tido o gesto único, dignificante da demissão do governador civil que está a sôldo de toda a malandragem, de todos os infames e bandidos para praticar toda a espécie de actos.
Apoiados.
Estava muito bem a política de equilíbrio dó Sr. Presidente do Ministério emquanto não havia sangue, mas, desde que há sangue que atinge já o Sr. Presidente do Ministério é necessário providências mais sérias do que as que têm sido adoptadas até aqui e de cujas providências o Sr. governador civil se tem rido.
Permita-me a Câmara que eu lembre o seguinte facto: em 1884 deu-se na Madeira um massacre por ocasião de umas eleições.
O Partido Republicano levantou-se todo em massa; tratava-se da eleição de Manuel do Arriaga e Latino Coelho.
Nomeou um advogado que foi à Madeira tratar com os homens que tinham sido presos.
Conheço êsse processo com muitos detalhes porque foi meu pai que teve a honra de ir à Madeira defender os republicanos envolvidos nesse assunto, mas é preciso dizer para honra da monarquia que foi imediatamente demitido o governador civil. Pois a República consente que um funcionário, a sôldo, como disse, de toda a malandragem da Madeira, esteja enxovalhando a República, os seus princípios e a nós todos republicanos, sem que o Sr. Presidente do Ministério tenha feito aquilo que lhe cumpre fazer: demitir o Sr. governador civil.
Se a República consente actos dêstes, se a República continua a ser capa política de toda a malandragem que a emporcalha, não é República.
E necessário ainda dizer, para cúmulo, que o sr. governador civil já tenta lançar sôbre um juiz a suspeita de que foi êle que instigou o povo de Santa Cruz à revolta, para que não seja êle a fazer as investigações e julgar os bandidos que à sombra da bandeira da República assassinam os republicanos.
As fôrças para Santa Cruz foram requisitadas com antecedência e os factos que se estavam dando eram do conhecimento do governador civil.
Vendo que as fôrças que vinham se alojariam num local que ficava perto da repartição de Finanças, o administrador não quis que aí ficassem e mandou-as para outro local; porque se ali ficassem não iriam assassinar o secretário de Finanças.
O povo correu armado de foices e outros instrumentos para a repartição de Finanças, e o administrador mente quando diz que não sabia que o secretário de finanças estivesse na repartição respectiva.
Interrupções.
O Orador: — Esse administrador é o faca de mato do governador civil.
Como ia dizendo, o secretário de finanças estava na sua repartição, e vendo o povo em hostilidade, reclamou a fôrça e depois sucedeu que o administrador mandou retirar a fôrça, dizendo que devia todo o povo entrar na repartição.
O secretário de finanças saiu do seu gabinete por uma porta que comunica com o gabinete do juiz, para o que foi necessário arrancar umas grades, e foi assim que de gabinete em gabinete saltou para um quintal onde estava o administrador.
Nesse momento foi visto por um dos bandidos, tendo sido atacado e ficando ferido.
Quando se espalhou a notícia de que o secretário de finanças estava morto, foi colocada uma sentinela para não deixar aproximar-se ninguém, ficando o secretário de finanças estendido no chão, a esvair-se em sangue.
Foi então que o magistrado referido, sabendo que aqueles bandidos haviam cometido êsse crime, disse à sentinela que o deixasse passar porque estava no exercício das suas funções.
Êstes factos foram conhecidos por um telegrama e pelos jornais da Madeira.
Muito a tempo, portanto, teve o Sr. Presidente do Ministério notícia de todos êstes actos, e até hoje não teve um gesto, até hoje o oficial que desempenha in-
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glòriamente o cargo de governador civil mantém-se no seu cargo em conluio com essa malandragem que pretendeu assassinar o secretário de finanças, enxovalhando assim a farda, que devia dignificar, de oficial do Exército.
Apoiados.
Êstes factos tiveram já sucessão de outros, que se não tiveram a gravidade daqueles sob o ponto de vista material; tiveram, entretanto, a mesma gravidade sob o ponto de vista moral e das legítimas liberdades dos eleitores. Houve, por exemplo, o caso da Ponta do Sol.
O sr. governador civil, ao serviço não sei de quem, procurou evitar, e evitou, que os eleitores exercessem com inteira liberdade, e até sem ela, os direitos que a República e a Constituïção lhes garantem.
Êstes factos, porém, são recentes, mas há outros anteriores e sôbre os quais tive ocasião já de protestar perante o sr. Presidente do Ministério, dizendo-lhe que o que se passava na Madeira simplesmente se sanava com a demissão do cavalheiro que está à frente do distrito.
O Sr. Pedro Pita: — V. Ex.ª dá-me licença?
O caso da Ponte do Sol é absolutamente típico, porque disputava a maioria uma lista patrocinada pelo governador civil e as minorias opunham-lhe apenas um candidato republicano e outro monárquico.
Pois foi posta polícia à porta da assemblea eleitoral para que os eleitores oposionistas não podessem votar, e os dois candidatos foram presos para o próprio palácio do governador civil!
Note bem a Câmara!
O Orador: — A seu tempo nós faremos maior referência a todos êsses factos.
Não peço providências telegráficas ao Sr. Presidente do Ministério; quis daqui apenas estigmatizar o seu procedimento, e parlamentarmente hei-de usar de todos os meios para que uma política nefasta, que envergonha a República não continue a praticar-se quási com a indiferença daqueles que estão à frente dos negócios públicos.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: tenho demonstrado à evidência que não sou solidário com quaisquer presumíveis porcarias que se tenham praticado na Madeira para quem quer que seja.
Tenho dado uma demonstração evidente dêste facto, a ponto de, descontando o que possa haver de paixão de parte a parte, determinar no meu último telegrama que expedi — e posso afirmar ao Sr. Álvaro de Castro que seja quem fôr não se rirá do mim — que se se não respeitassem as ordens que eu estava dando, enviaria para o Poder Judicial aqueles que as desrespeitassem.
E assim é evidente que, desde que tenha um conhecimento preciso de que isso se dá, demito quem quere que assim proceda.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não
õ Sr. Pedro Pita: — Registamos as palavras do Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã à hora regimental com a seguinte ordem dos trabalhos:
Antes da ordem do dia:
A que estava marcada. Ordem do dia:
Proposta do Sr. Presidente do Ministério para que a Câmara autorize nos termos do artigo 17.º da Constituïção o cumprimento imediato da pena aplicada ao capitão António Maia, Deputado da Nação; e
A que estava marcada.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de marinha, sôbre o n.º 375-D, que aprova o tratado com o Rio de Janeiro regulando a dupla nacionalidade e serviço militar dos dois países.
Imprima-se.
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Da comissão de finanças, sôbre as alterações do Senado ao n.º 453-D, que regula as pensões de reforma do pessoal dos Arsenais de Marinha e do Exército e da Fábrica Nacional da Cordoaria.
Para quando fôr dado para ordem do dia.
Da comissão de instrução especial e técnica, sôbre o n.º 432-D, que autoriza o Govêrno a orhanizar o ensino técnico
e profissional dos pescadores e a estabelecer escolas de pesca.
Para a comissão de instrução primária.
Da comissão de finanças, sôbre o n.º 386-A, que actualiza e esclarece a tabela anexa ao decreto n.º 7:172 relativa ao imposto do sêlo.
Imprima-se.
O REDACTOR — Herculano Nunes.