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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 144
(EXTRAORDINÁRIA)
EM 26 DE SETEMBRO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Paulo da Costa Menano
Sumário. — Respondem à chamada 55 Srs. Deputados.
Procede-se à leitura da acta, que é aprovada, e do expediente. Admissão de proposições de lei.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Carvalho da Silva ocupa-se duma representação enviada à Câmara pela Associação de Construtores.
O Sr. António Maia dirige preguntas ao Sr. Ministro da Marinha acêrca da compra de dois aviões. Responde o Sr. Ministro da Marinha (Fontoura da Costa).
O Sr. Ministro da Justiça (Abranches Ferrão), responde ao Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. António Correia pede que seja melhoraria a situação do s funcionários civis.
É aprovada a acta. Expediente despachado.
O Sr. Presidente propõe um voto de sentimento pela morte de alguns antigos parlamentares, destacando os nomes dos Srs. Ferreira do Amaral e José Barbosa. Comunica também o falecimento dum filho do Sr. Mário Infante e do pai do Sr. Pina de Morais.
Associam-se os Srs. Vitorino Godinho, Carvalho da Silva, Ginestal Machado, Lino Neto, Carlos de Vasconcelos, Ministro da Justiça e Agatão Lança.
Ordem do dia. — O Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva) explica a convocação do Congresso e apresenta os novos Ministros das Finanças (Velhinho Correia), da Marinha (Fontoura da Costa) e da Agricultura (Joaquim Ribeiro).
Usam seguidamente da palavra es Sr a. Almeida Ribeiro, Ginestal Machado, Carvalho da Silva, Fausto de Figueiredo, Lino Neto, Ministro da Justiça (Abranches Ferrão) e Ministro das Finanças (Velhinho Correia), que não conclui o seu discurso.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Um projecto de lei do Sr. Pedro Pita.
Abertura da sessão, às 15 horas e 14 minutos.
Presentes à chamada, 55 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues do Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
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Diário da Câmara dos Deputados
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Dias.
António Lino Neto.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Dinis de Carvalho.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Cortês dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Lourenço Correia Gomes.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
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João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 15 horas principiou a fazer-se a Chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 55 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Pedido de licença
Do Sr. Alberto Xavier, 30 dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Cartas
Do Sr. Conde de Geraz de Lima, agradecendo o voto de sentimento pela morte do Sr. Conde de Folgosa.
Para a Secretária.
De D. Maria da Conceição Chofas dos Santos Oliveira, agradecendo o voto de sentimento pela morte do seu marido, Dr. Manuel Nunes de Oliveira.
Para a Secretaria.
Representações
Da Câmara Municipal de Paredes, pedindo a satisfação das reclamações dos católicos.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Monforte, pedindo a promulgação duma disposição legal para que os subsídios a expostos maiores de sete anos sejam pagos pelas Juntas Gerais.
Para a comissão de administração pública.
Da Junta de Freguesia de Belas, com a cópia duma acta sôbre a representação dos eleitores de Massamá e Pendão, contraia sua inclusão na freguesia de Queluz.
Para a comissão de administração pública.
Dos paroquianos da freguesia de Tuias, concelho de Marco de Canaveses, pedindo deferimento para as reclamações dos católicos.
Para a Secretaria.
Ofícios
Do Senado, devolvendo com alterações a proposta de lei n.º 571, que melhora a situação dos estropiados da guerra e a dos militares promovidos ao abrigo da lei n.º 1:158.
Para a comissão de guerra.
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Diário da Câmara dos Deputados
Do Senado, devolvendo com alterações a proposta de lei n.º 542, que regula a admissão ao concurso de aspirantes de marinha.
Para a Secretaria.
Para a comissão de marinha.
Do Senado, comunicando a rejeição da proposta de lei n.º 15, que revoga a faculdade concedida para a emissão de obrigações da União dos Viticultores de Portugal
Para a comissão de agricultura.
Do Senado, enviando a proposta de lei que regula a divisão e afixamento de baldios paroquiais e municipais.
Para a comissão de administração pública.
Do Ministério do Interior, satisfazendo ao ofício n.º 531, que transmitiu o requerimento do Sr. Bartolomeu Severino.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Guerra, comunicando que o general Sr. Pereira Bastos foi nomeado vogal do Conselho Superior de Disciplina do Exército.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Guerra, convidando o Sr. Presidente desta Câmara a assistir à parada de fôrças para entrega de condecorações a várias bandeiras por operações no sul de Angola.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Agricultura, satisfazendo ao pedido do Sr. Albino Pinto da Fonseca, comunicado em ofício n.º 146.
Para a Secretaria.
Do mesmo Ministério, satisfazendo ao requerimento do Sr. Jorge Nunes, comunicado em ofício n.º 551.
Para a Secretaria.
Do pároco do Souto de Lafões, com uma representação das freguesias de Oliveira de Frades e Souto de Lafões, pedindo deferimento para as reclamações dos católicos.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial de Lisboa, comunicando a eleição da nova direcção da mesma Associação e Câmara do Comércio.
Arquive-se.
Do juiz do direito do 4.º Juízo de Investigação Criminal, pedindo a comparência naquele juízo, no dia 13 de Agosto findo, dos Srs. Sebastião de Herédia e Lourenço Correia Gomes.
Arquive-se.
Telegramas
Da Câmara Municipal de Ourique, contra a criação da comarca da Almodóvar.
Para a Secretaria.
Da Junta de Freguesia de Ourique, idem.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Ambriz, pedindo a aprovação das medidas que o Alto Comissário de Angola, Sr. Norton de Matos, vem apresentar ao Parlamento.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal, Associação Comercial e Associação dos Empregados do Comércio de Benguela, idem.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Sá da Bandeira, Lubango, idem.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Mossâmedes, idem.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial de Malange, idem.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial de Angola, idem.
Para a Secretaria.
Do tesoureiro da Câmara de Vimioso, pedindo equiparação aos secretários.
Para a Secretaria.
Dos sargentos da guarnição de Angra e Horta, pedindo melhoria de vencimentos.
Para a Secretaria.
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Do Partido Nacionalista do Funchal, confirmando os factos referidos por Deputados, relativos à acusação às autoridades da Madeira.
Para a Secretaria.
De várias entidades da freguesia de Santa Cristina de Figueiró, pedindo deferimento para as reclamações dos católicos.
Para a Secretaria.
Admissões
São admitidas as seguintes proposições de lei, já publicadas no Diário do Govêrno:
Proposta de lei do Sr. Ministro do Comércio sôbre suprimentos pelo Estado, à Junta Autónoma das Obras do Pôrto e Barra da Figueira da Foz.
Para a comissão de finanças.
Projecto de lei do Sr. Agatão Lança, autorizando a Junta de Freguesia de Alpendurada e Matos, concelho de Marco de Canaveses, a vender os baldios dispensáveis, com designada aplicação do produto dessa venda.
Para a comissão de administração pública.
Do Sr. Viriato da Fonseca, concedendo às viúvas e órfãos de oficiais em designadas condições a pensão mensal de
Para a comissão de guerra.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
Antes da ordem do dia
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: visto que estamos no período de antes da ordem do dia, e não se vai apreciar já os motivos da convocação do Congresso, desejo referir-me a uma representação que hoje foi trazida a esta Câmara pela Associação de Classe dos Construtores Proprietários.
Não conheço nada mais justo do que a referida reclamação. A situação em que aquela classe se encontra, os actos verdadeiramente escandalosos a que tem dado lugar a maneira como se constróem prédios em Lisboa, são de molde a impor ao Parlamento uma resolução rápida a êsse gravíssimo problema, e para êle chamo também a atenção do Sr. Ministro da Justiça, visto que é pela sua pasta que êste assunto corre principalmente.
V. Ex.ª e a Câmara sabem que não há hoje em Lisboa quem mande construir prédios para si, ou antes, para ter como rendimento essa aplicação de capital. Pelo contrário, são os construtores, a quem tantas acusações se têm feito, se bem que algumas fundamentadas, muito injustas a maior parte delas, que têm edificado muitos prédios, pois se assim não fôsse bem mais grave seria a crise da habitação.
Sr. Presidente: quem hoje constrói u m prédio, em geral não tem um centavo de seu. São pessoas que recorrem imediatamente aos agiotas, para lhes emprestarem dinheiro, e o que a êste respeito se tem feito pode bem classificar-se de verdadeiras escroqueries.
Actualmente, empresta-se dinheiro para a construção de casas em Lisboa a 40 e 50 por cento ao ano, e êste facto não pode de maneira nenhuma passar despercebido ao Parlamento, porque êle é um dos factores principais da carestia, da habitação em Lisboa.
Mas o que é curioso é que êsses construtores começam por hipotecar é terreno destinado à construção, fazendo-se escrituras de empréstimos por quantias que os construtores não recebem logo. Pagam, é certo, o juro respeitante a essa importância, mas vão recebendo a pouco e pouco, conforme vão precisando.
Assim o prédio se vai construindo, e os materiais quando entram para a obra já estão hipotecados a um credor que sabe perfeitamente que vai roubar, não só o construtor mas o próprio fornecedor. Como a Câmara vê, esta situação é insustentável, e torna-se indispensável que se providencie ràpidamente.
Mas há mais. Êsses primeiros credores hipotecários, quando os prédios valem muito mais, fazem o que êles chamam o cambão, isto é, executam o construtor, obrigando o prédio a ir à praça, e compram por 200 ou 300 contos o que vale 700 ou 800.
Isto é um verdadeiro roubo.
Mas pregunta-se: Êste roubo vai beneficiar a população de Lisboa?
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Não. Porque, nas rendas que êles estabelecem, vão exigir o juro de importâncias que não despenderam.
Portanto, torna-se necessário providenciar ràpidamente, e ao Sr. Ministro da Justiça peço a sua atenção, dada a justiça enorme que assiste à representação da Associação dos Construtores Proprietários.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: pedi a palavra, para preguntar o que há a respeito da compra dos dois aviões.
Peço também a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para consultar a Câmara sôbre se concede a urgência para um requerimento que mandei para a Mesa.
O orador não reviu.
Requerimento
Do Sr. António Maia, pedindo o pagamento do subsídio relativo a trinta dias de prisão correccional.
Para a comissão de finanças.
O Sr. Presidente: — A urgência limita-se à expedição no próprio dia.
Posso garantir a V. Ex.ª que o seu requerimento será expedido hoje mesmo.
O Sr. António Maia: — Mas se fôr concedida a urgência, evidentemente que a Comissão de Finanças terá de dar o seu parecer mais ràpidamente.
O Sr. Presidente: — Mas eu transmito à Comissão de Finanças a urgência pedida por V. Ex.ª
O Sr. António Maia: — Muito obrigado a V. Ex.ª
O Sr. Ministro da Marinha (Fontoura da Costa): — Sr. Presidente: em resposta ao Sr. António Maia, tenho a declarar que os aviões foram adquiridos na Holanda com o dinheiro da subscrição aberta no Brasil.
O Estado não despendeu dinheiro, e os aviões serão para a aviação marítima se a viagem se não fizer, que, para mim, é quási certo não se realizar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Mas eu fiz uma pregunta muito importante, e que é a seguinte:
Foi ouvido o Conselho Técnico e êsses oficiais foram ao estrangeiro à custa do Estado?
O Sr. Ministro da Marinha (Fontoura da Costa): — Foram à custa do Estado, mas o dinheiro para a compra dos aviões é da subscrição.
O Sr. António Maia: — Mas foi ouvido o Conselho Técnico?
O Sr. Ministro da Marinha (Fontoura da Costa): — Neste momento não posso responder a V. Ex.ª, mas vou informar-me e depois esclarecerei V. Ex.ª
Nem o Sr. Ministro da Marinha, nem o Sr. António Maia fizeram revisão das suas palavras.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: respondendo às considerações do Sr. Carvalho da Silva, devo declarar que recebi uma representação da Associação dos Construtores Proprietários, em que se expõe as dificuldades com que lutam, motivadas também pelas dificuldades monetárias que a praça atravessa.
Vou estudar o assunto, e ver se realmente se pode encontrar qualquer providência donde derivem resultados rápidos.
Mas quero dizer ao ilustre Deputado Sr. Carvalho da Silva que esta situação não se remedeia com a facilidade com que parece e S. Ex.ª tem suposto. Efectivamente não se pode remediar, porque a causa é esta: há falta de dinheiro na praça. Emquanto essa situação não se modificar, que eu espero que não tardará a modificar-se, a situação não melhorará, e tanto assim que o ilustre Deputado, quere-me parecer, apenas chamou a atenção do Govêrno para a questão, não indicando qual o remédio de que podia lançar-se mão para resolver de pronto uma situação desta natureza.
O Sr. Carvalho da Silva: — Já há muito tempo que venho pedindo previdências para êste assunto, apontando que se devia isentar essas propriedades dos direitos de
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transmissão e do imposto de registo, e que se devia facilitar dinheiro barato a essas novas construções, a fim de se evitar a agiotagem.
O Orador: — Êsse caminho é mais razoável e pode traduzir-se em factos. Porém os outros meios não me parecem fáceis neste momento.
Como disse, vou estudar a questão e ver o que se pode fazer, para evitar os casos que se estão dando.
O orador não reviu, nem o Sr. Carvalho da Silva fez a revisão do seu àparte.
O Sr. António Correia: — Não tencionava usar da palavra nesta sessão no período «antes da ordem do dia», se êsse tempo fôsse destinado para a discussão das importantes propostas de finanças que o Govêrno vem trazer à Câmara, para o que convocou a reunião do Congresso da República, mas visto que alguns dos meus colegas me antecederam no uso da palavra, vou tratar de um assunto importante, que requere urgente resolução.
Não posso neste momento deixar de levantar o meu protesto contra a maneira como têm sido tratados os funcionários dos govêrnos civis, que desde 1919 vêm pedindo ao Parlamento que lhes faça justiça, melhorando a sua situação financeira, que é absolutamente precária, para não dizer vergonhosa.
Em 1919 foi presente a esta Câmara um projecto de lei, que cria determinadas- receitas nos govêrnos civis do País para aumentar os vencimentos dos funcionários dêsses mesmos govêrnos civis, e não sei por que malas-artes êsse projecto dorme o sono dos justos, nesta Câmara, há alguns anos.
Parece-me que foi em Julho que êsse projecto de lei teve o parecer favorável por unanimidade. Então o Sr. Presidente do Ministério, reconhecendo a justiça que assistia a êsses funcionários, apressou-se a declarar que contribuiria para que fôsse discutido e transitasse imediatamente para o Senado, e ali, junto dos seus colegas, exerceria a sua influência para que êle fôsse aprovado o depois voltasse à Câmara dos Deputados.
Não sei por que malas-artes, repito, no Senado êsse parecer não chegou a ser votado.
Vieram as subvenções e os funcionários dos govêrnos civis, alguns com cursos superiores, porque são graduados pelas universidades, os secretários gerais e outros que por circunstâncias de momento estão desempenhando altas funções no País, como de governadores civis e secretários gerais, funções para as quais se exigem determinados conhecimentos funcionários êsses que encontram hoje numa situação que é desprimorosa para as funções que desempenham na sociedade.
Êsses funcionários — com lealdade o digo — desempenham com competência as suas funções e, contudo, recebem como honorários quantias inferiores àquelas que recebem alguns polícias das aldeias mais sertanejas.
É contra as iniquidades que se vêm praticando com êstes funcionários que eu levanto o meu protesto, pois êles podiam ser aumentados nos seus vencimentos, e sem gravame para as despesas do Estado, pois no citado projecto de lei se criam as receitas destinadas a fazer face às novas despesas com o aumento dos seus vencimentos.
É lastimável que êsses funcionários não tenham sido beneficiados pela lei n.º 1:452, que se discutiu há pouco tempo, e que o projecto de lei, aprovado nesta Câmara, fôsse aprovado no Senado tal qual estava, evitando que êsses funcionários tenham vencimentos inferiores aos que têm os polícias e soldados da Guarda Republicana, não ouvindo as reclamações ordeiras que têm sido feitas, como é próprio da educação dêsses funcionários.
Êsses funcionários têm o direito de usufruir as mesmas regalias que usufruem todos os funcionários públicos.
Nos jornais veio há dois dias a notícia de que se lhes ia fazer justiça.
Por isso tenho ensejo mais uma vez de tratar desta questão, pedindo providências e que o Sr. Presidente do Ministério efective a notícia publicada nos jornais, a fim de tranquilizar êsses funcionários que continuam com os mesmos vencimentos que tinham desde que o Govêrno do Sr. António Maria da Silva está à fronte dos destinos do País.
Isto não é uma questão política, é uma questão de alta moralidade, e uma questão que tem de ser resolvida por qualquer Govêrno.
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A Câmara aumentou o vencimento a todos os funcionários, sem mesmo para isso ter verba, esquecendo-se dêstes modestos servidores, cujo aumento não agravava o Tesouro.
É contra êste facto que eu levanto o meu mais veemente protesto e espero que o Sr. António Maria da Silva, Presidente do Ministério e Ministro do Interior, que tam solicitamente atendeu as reclamações dêsses funcionários, as torne electivas para êsses funcionários poderem desempenhar as funções de responsabilidade que lhes são confiadas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Durante o interregno dos nossos trabalhos faleceram alguns ilustres parlamentares:
Proponho que se lance na acta um voto de sentimento pelo seu falecimento, destacando de entre êles o nome de Ferreira do Amaral, que foi Presidente do Ministério, sempre liberal, no antigo regime e que prestou ao País serviços relevantes.
Destaco também José Barbosa, publicista distintíssimo, homem de rara envergadura, parlamentar que faz falta nesta Câmara.
Igualmente comunico à Câmara o falecimento do pai do nosso colega Pina de Morais e do filho do Sr. Mário Infante, sentindo as suas mortes igualmente.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Vitorino Godinho: — Pedi a palavra para em nome dêste lado da Câmara me associar ao voto de sentimento proposto por V. Ex.ª e como V. Ex.ª eu destaco também alguns nomes: Ferreira do Amaral, José Barbosa e Gaudêncio Campos.
Ferreira do Amaral teve um alto papel na política portuguesa, sempre liberal, e a sua acção foi nitidamente marcada quando da proclamação da República.
Foi nosso colega nesta casa do Congresso, e os seus serviços foram grandes.
José Barbosa foi de todos nós conhecido, estimado e respeitado; e não só pelos republicanos, mas por todos os portugueses.
José Barbosa conheceu horas amargas, sacrificando-se pela República, a que deu os seus melhores esfôrços, dedicando-se sempre à causa que êle reputava santa, revelando em todos os actos da sua vida uma grande fé republicana, deixando um nome respeitável, sendo um exemplo digno de seguir-se.
Também destacarei Gaudêncio Pires Campos, que foi nosso colega nas Constituintes, sendo o maior elemento de propaganda no distrito de Leiria; e como sou Deputado por êsse círculo, cumpro o meu dever destacando êsse nome.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Associo-me sentidamente ao voto proposto por V. Ex.ª e seja-me lícito também destacar dois nomes: Francisco José Machado, sempre fiel ao seu credo, que nunca deveu nada, à política e que foi sempre respeitado por correligionários e adversários.
José Barbosa, apesar de eu ser seu adversário político, não posso deixar de reconhecer que êle era um grande estudioso.
Associo-me em nome dêste lado da Câmara aos votos propostos por V. Ex.ª
O orador não reviu.
O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome do Partido Nacionalista, me associar ao voto de sentimento que a Mesa acaba de propor e às palavras sentidas que V. Ex.ª há pouco proferiu a propósito do falecimento dalguns parlamentares e para me associar, ainda, à participação na dor do nosso colega Pina de Morais pela morte de seu pai e do nosso correligionário Sr. Infante da Câmara pela brutalidade trágica que arrancou a vida de seu filho.
Sem querer fazer distinções, porque quando a pedra do túmulo pesa sôbre os indivíduos a igualdade é uma palavra real, eu não posso deixar de distinguir um nome de alguém, que tendo sido meu correligionário, foi um republicano de sempre, que pela sua coerência e pelo seu carácter tem jus à consideração e ao respeito de todos os portugueses.
Apoiados.
Tive já ocasião, junto da campa de José Barbosa, de dizer algumas palavras
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de saudade e de justiça à sua memória e de ali evocar os serviços prestados à República por êsse prestimoso cidadão.
Não podemos — ali o disse o aqui o repito — esquecer que José Barbosa fez parte do directório do antigo Partido Republicano Português, do directório que fez a República e que a proclamou em 5 de Outubro.
Se na República há títulos de nobreza, êsse é um dos que, de entre os melhores, podemos relembrar.
Além, disso, José Barbosa, num meio de fáceis competências e em que para se ser grande homem basta apenas benevolência, José Barbosa era alguém de verdade, alguém pela sua inteligência, pelo seu valor e pelo seu carácter.
Apoiados.
José Barbosa era um sabedor, era um estudioso e, em muitos assuntos, uma verdadeira autoridade.
Associo-me, pois, sentidamente às homenagens prestadas por V. Ex.ª, Sr. Presidente, aos parlamentares falecidos durante o interregno parlamentar, àqueles que foram meus correligionários e, também, aos que o não foram; para todos vai o preito da minha saudade e do meu respeito.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: — Por parte da minoria católica, associo-me ao voto de sentimento pela morte dalguns colegas nossos desta Câmara.
Reconheço que todos êles fazem falta ao País e por isso acompanho a manifestação de pesar proposta pela Mesa.
Associo-me, também, ao voto de sentimento pelo falecimento do pai do nosso colega Pina de Morais e do filho do nosso colega Infante da Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Como Deputado por Cabo Verde, não posso deixar de me associar, muito especialmente, ao voto de pesar que acaba do ser proposto pelo falecimento do ilustre republicano que foi José Barbosa.
Três dias antes da sua morte, ainda José Barbosa afirmava a sua inquebrantável fé nos destinos da República, mau grado o desânimo de algumas pessoas que o rodeavam.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Em nome do Govêrno associo-me comovidamente ao voto de sentimento que a Mesa acaba de propor, e digo comovidamente, porque na verdade se trata de pessoas que à Pátria prestaram os mais relevantes serviços.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: pedi a palavra para em meu nome pessoal me associar ao voto de sentimento proposto pela morte de todos aqueles que desapareceram durante o interregno parlamentar.
Sr. Presidente: associo-me a esta manifestação da Câmara, sincera e comovidamente, não podendo deixar de, como marinheiro, salientar o nome de Ferreira do Amaral, que foi um dos oficiais mais distintos da nossa armada, pois a verdade é que a sua folha de serviços, o zêlo e a inteligência que soube manifestar nos altos cargos adentro da marinha, mostram bem os altos serviços por êle prestados à Pátria.
Para mostrar o que êle foi como marinheiro, bastará citar a célebre viagem que êle fez em que teve de passar o Cabo da Boa Esperança em condições de temporal bastante perigosas, viagem esta que foi transcrita nos anais militares do Club Naval de Inglaterra, razão por que, Sr. Presidente, toda a marinha de guerra portuguesa não pode deixar de sentir profundamente a sua perda.
Não posso, também, Sr. Presidente, deixar de me referir ao ilustre e antigo parlamentar Sr. José Barbosa, de quem tive a honra de merecer simpatia, tendo recebido dele as maiores provas de estima e consideração.
José Barbosa foi um velho republicano, um republicano no tempo da monarquia, pelo que teve de sair de Portugal após o 31 de Janeiro.
Êle prestou à República os maiores serviços e a maior dedicação, tendo, no emtanto, já adentro da República, isto é, adentro do regime que êle ajudou a im-
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plantar com tanto sacrifício, sofrido um castigo, qual foi o da prisão que teve de cumprir no Forte de Elvas.
Se bem que êle estivesse ultimamente um tanto ou quanto desanimado pelo caminho que a República tem seguido, tinha, no emtanto, uma grande fé de que os governantes haviam de mudar de processos e que a República entraria naquele caminho que todos nós, republicanos e patriotas, desejamos sinceramente que ela entre.
Sr. Presidente: para terminar, devo dizer, repito, que me associo sincera e comovidamente às homenagens de V. Ex.ªs, lembrando que a melhor maneira que temos de lhes prestar a nossa homenagem é mudarmos de caminho, empregando os maiores esfôrços no sentido de que êle seja o que todos nós, republicanos e bons patriotas, desejamos sinceramente que êle
Tenho dito.
O orador não reviu.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: pedi a palavra para em primeiro lugar cumprir um dever constitucional, qual seja o de apresentar à Câmara os novos Ministros.
Desnecessário se torna dizer à Câmara os motivos que levaram o Sr. Vitorino Guimarães a abandonar a pasta das Finanças, visto que S. Ex.ª teve ocasião de dizer que o fazia pelo facto de a Câmara lhe não ter discutido e aprovado certas medidas que êle tinha pendentes nesta Câmara.
Quanto ao Ministro da Agricultura, o Sr. Fontoura da Costa, já a Câmara sabe que êle havia manifestado o desejo de abandonar aquela pasta, razão por que foi substituído pelo Sr. Joaquim Ribeiro, que muito brilhantemente tem estudado êstes assuntos.
Não foi, Sr. Presidente, só para isto que eu pedi a palavra, mas sim também para demonstrar à Câmara, se bem que resumidamente, devido ao meu estado de saúde, as razões que levaram o Govêrno a pedir ao Sr. Presidente da República a convocação desta sessão extraordinária, a qual tem por fim resolver questões da mais alta importância e do mais alto interêsse para o País.
V. Ex.ª vê, Sr. Presidente, como os Srs. parlamentares souberam manifestar o seu alto patriotismo, comparecendo a esta sessão.
Por outro lado, mesmo para aqueles que poderia contrariar determinada situação política, êste facto proporciona-lhes o ensejo de a esclarecerem, com vantagem para todos.
Mais de uma vez tenho referido, quer no Parlamento, quer lá fora, o meu grande respeito à instituição parlamentar, e mal me ficaria, sendo parlamentar, se o não fizesse. Por muito mau que seja o regime parlamentar, para mim êle é superior a qualquer outro. E por isso que eu tenho essa opinião, envidarei todos os meus esfôrços para que sempre esta instituição se prestigie.
Eu bem sei que uma instituição não se desprestigia pelo facto de determinados membros dela não cumprirem alguma vez o seu dever; mas não poderá dizer-se dêste Congresso o mesmo, porque de facto os parlamentares de agora souberam provar na sessão legislativa passada que correspondiam às necessidades que o País tinha, trabalhando e fazendo qualquer cousa de útil.
Foi por isso que eu, pondo o problema aos meus colegas e dando dele conhecimento ao supremo magistrado da Nação, tomei a iniciativa desta reunião do Congresso, para que sejam aqui debatidos os problemas de capital importância que o Parlamento tem obrigação de considerar e resolver.
Há muita gente que diz que eu não tenho horror ao Poder. De facto nunca o tive, mas quando o Poder serve dalguma utilidade ao País e ao regime, porque a minha pessoa e a dos meus colegas, neste caso, são uma cousa mínima.
Pouco me interessa que o Govêrno se componha desta ou daquela nuance política; o que me interessa é que a Nação sinta bem que o Poder Legislativo e o Executivo sabem compreender as necessidades públicas, e a opinião pública manifesta-se duma forma tal que não é dado fechar os ouvidos àquilo que ela requere. Quando não se dá ouvidos às necessidades do País, passam-se cousas que eu.
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partidário do regime e da Constituïção, não desejo que sucedam.
Eram estas as explicações que tinha a dar à Câmara, e na devida altura o Sr. Ministro das Finanças apresentará as suas propostas à análise desta e da outra casa do Parlamento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério, no cumprimento duma boa praxe parlamentar, que é ao mesmo tempo um dever constitucional, acaba de dar conta à Câmara das alterações havidas, durante o intervalo das sessões legislativas, na organização do ministério a que preside e ainda dos motivos que, no entender do Govêrno, justificam a convocação extraordinária do Congresso.
Sr. Presidente: pelo que respeita às alterações havidas na constituição do Govêrno da presidência do Sr. António Maria da Silva, eu escuso de dizer à Câmara que os novos membros do Ministério — embora um dêles seja alheio à agremiação partidária de que faço parte — merecem a esta agremiação partidária a maior consideração, o maior apreço, e terá para as suas propostas, para os seus actos, a atitude do estado, do colaboração, que os interêsses nacionais reclamam.
Sr. Presidente: tratando-se do alterações havidas no preenchimento das pastas da Marinha, da Agricultura e das Finanças, o Govêrno não entendeu oportuno usar da autorização concedida pela lei de Setembro do ano passado, para reduzir os serviços públicos, suprimindo qualquer dos Ministérios.
Sr. Presidente: eu calculo não falsear o modo de ver ministerial afirmando que êste procedimento não significa por parte do Poder Executivo a declaração de que todos êsses Ministérios são necessários ao bom expediente dos negócios que actualmente por êles correm; mas sim, porventura, o escrúpulo de não querer, sem a intervenção do Podei Legislativo, suprimir órgãos tam importantes da administração pública.
Sr. Presidente: eu não digo nenhuma novidade à Câmara recordando que por vezos só tem aventado a possibilidade de, sem perturbações para os serviços do Estado, ser suprimido o Ministério da Agricultura, associando os respectivos serviços a outros que actualmente pertencem a Ministérios diversos.
Há muito que se fala entre republicanos na supressão do Ministério da Marinha, fundindo-o com o da Guerra, ficando assim apenas um único Ministério, mas o assunto é de tal magnitude, que o Poder Executivo deixa ao Poder Legislativo a resolução sôbre tal assunto.
Esta atitude é tanto mais justificada quanto é certo que depende do estudo desta Câmara a proposta referente à remodelação dos serviços públicos, organizada por uma comissão a que tive a honra de pertencer. O assunto será largamente debatido.
Passou o Sr. Fontoura da Costa do Ministério da Agricultura para o da Marinha.
Êste lado da Câmara confia em que S. Ex.ª, professor distinto, e que mais duma vez tem dado na administração pública provas de mérito incontestável, consiga, na gerência da pasta da Marinha, prestar ao País, e à própria marinha, os serviços que são reclamados, e que estão absolutamente dentro das suas faculdades de trabalho, sobretudo na parte que colide com a administração dos dinheiros públicos, havendo a necessidade de pôr em ordem a contabilidade dêsses dinheiros, como é absolutamente urgente e necessário.
Apoiados.
É preciso que os dinheiros do Estado, escassos, sejam geridos e aplicados sobretudo com o critério que exigem os mais altos interêsses da Nação.
O Sr. Joaquim Ribeiro, que não tenho a honra de contar entre os meus correligionários, tem dado nesta Câmara, em questões agrícolas, testemunho repetido do máximo interêsse que elas lhe merecem, e do que é capaz do as resolver.
Êste lado da Câmara congratula-se com a escolha do Sr. Joaquim Ribeiro para Ministro da Agricultura, precisamente porque espera que êle, no exercício dos seus poderes constitucionais esteja absolutamente dentro dêsses, poderes, podendo aplicar as suas faculdades em benefício do toda a colectividade.
Apoiados.
Pelo que respeita á pasta das Finan-
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ças, o Sr. Velhinho Correia, novo titular dessa pasta, tem dado relevantes provas nesta Câmara da sua capacidade, e do seu amor por questões financeiras e económicas, questões que estuda e acompanha, procurando tirar dos diversos problemas as melhores soluções, e defendendo-as no Parlamento.
Tem dado provas brilhantíssimas, que bem justificam a sua chamada para o novo exercício ministerial, em que já não é a primeira vez que tem dado as suas provas.
Os novos Ministros podem, pois, contar com a nossa colaboração.
Pelo que respeita aos motivos que o Poder Executivo invocou para a convocação extraordinária do Congresso da República, êste lado da Câmara não pode deixar de concordar com a urgência apontada, reconhecedendo-a absolutamente procedente, como necessária para resolução de alguns aspectos de questão nacional.
Defendemos a prorrogação, e não podíamos deixar de concordar com a necessidade e oportunidade da presente convocação extraordinária.
Concluo as minhas breves considerações afirmando que êste lado da Câmara colaborará, tanto quanto puder, nos termos das boas praxes parlamentares, dentro desta Câmara com o Ministério António Maria da Silva em todas as medidas que tendam à resolução de problemas urgentemente, reclamadas pelo interêsse do Tesouro Público.
O orador não reviu.
O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome dos parlamentares nacionalistas, responder às considerações feitas pelo Sr. Presidente do Ministério.
Pesa-me que S. Ex.ª não esteja na sala e que assim eu tenha de responder às suas considerações na ausência de S. Ex.ª
É sempre desagradável fazer referências a pessoas que não estão presentes, e muito mais tratando-se de uma pessoa sôbre quem pesam tantas responsabilidades políticas, como são as responsabilidades de S. Ex.ª
Certamente qualquer motivo do fôrça maior obrigaram S. Ex.ª a ausentar-se da Câmara nesta ocasião, e não foi, de certo, por menos respeito para com a oposição que o fez: faço-lhe essa justiça.
O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): — S. Ex.ª ausentou-se por motivo de falta de saúde.
O Orador: — Lamento muito êsse motivo, porque tenho as melhores relações com S. Ex.ª, e faço votos pelas suas melhoras.
O Sr. Presidente do Ministério dividiu o seu discurso em duas partos, realmente distintas.
Na primeira parte pretendeu justificar as razões por que tinha remodelado o seu Ministério, explicando a entrada dos novos Ministros.
Tenho a maior consideração pelos novos Ministros, e S. Ex.ªs não devem levar a mal que não lhes faça referências especiais, tendo como tenho por todos a maior estima e por isso desejaria muito mais que S. Ex.ªs ocupassem um lugar a que têm direito, até pela sua coragem cívica, num Ministério novo.
Feitas estas considerações, quero referir-me à substituição da pasta das Finanças.
O Sr. Velhinho Correia vem substituir o Sr. Vitorino Guimarães, e p Sr. Vitorino Guimarães, a quem presto toda a minha homenagem, não quis deixar o Govêrno sem se esquecer de atirar uma pedra ao Parlamento.
S. Ex.ª disse que se tinham votado aumentos de despesa, mas esqueceu-se de que o Govêrno tinha concordado com êsses aumentos de despesa, e se assim não fôsse êles não teriam sidos votados.
Isto é que é necessário lembrar e acentuar.
As oposições têm muitas vezes que combater certas medidas, pois que mais vale às vezes que elas não sejam leis do País.
É essa, até, a melhor colaboração da oposição.
Em política não é dos lugares do Govêrno que melhor se vêem as questões.
O dever das oposições, repito, é muitas vezes evitar que cortas disposições sejam leis do País e esta deve ser a sua melhor colaboração, como também disso.
E entro agora na segunda parte da declaração ministerial sôbre a convocação do Congresso, que realmente muito
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me surpreendeu, e da qual só tive conhecimento pelo Diário do Govêrno e pelos jornais.
O Govêrno não quis consultar os partidos, principalmente o Partido Nacionalista.
O Sr. Presidente do Ministério não quis dar essa consideração ao Partido Nacionalista e, certamente, não foi porque dispense a sua colaboração.
Esperava ouvir do Sr. Presidente do Ministério a explicação da necessidade desta convocação, mas depois de ouvir S. Ex.ª fiquei na ignorância em que estava.
Estava certo que o Parlamento ocorreria quando fôsse chamado para acudir às necessidades da vida nacional.
O Sr. Presidente do Ministério apresentou-nos um problema económico e financeiro de grande importância, que tem que ser resolvido imediatamente.
S. Ex.ª disse que lá fora ia uma campanha contra o Parlamento, mas não me parece que assim seja, pois estando fechado o Parlamento ninguém se lembra dele, a não ser alguém que preciso do falar a um Deputado.
O Parlamento vem aqui cumprir o seu dever.
O Parlamento não é uma instituição muita perfeita, mas é ainda assim a melhor.
O Sr. Presidente do Ministério afirmou o seu amor à Constituïção que nós também muito amamos, defendendo-a.
É preciso esclarecer a situação política.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Não sei se é de pasmo ou de revolta a impressão que aos representantes do País dá a apresentação do actual Govêrno.
É de todos nós conhecida a situação gravíssima que o País atravessa e as dificuldades que atravessam as pragas de Lisboa e Pôrto e as fôrças produtoras do País; pois o Sr. Ministro das Finanças fecha os olhos o não quere ver!
Sr. Presidente: talvez seja preceito constitucional estar aqui serenamente a discutir-se a saída de um Ministro e a entrada de outro, mas quem tiver amor à sua Pátria não pode ver discutir-se assim a crise.
É tempo do cada um pôr de lado as suas paixões políticas o olhar como português o que devo ao sou País. Não pode continuar assim um País à mercê dos erros e incompetências dum Govêrno.
A situação financeira do País é a ruína das indústrias e o Sr. Ministro das Finanças mantém-se.
A lavoura está à mercê da agiotagem com um juro enorme.
Que situação é esta?
Veio o Sr. Presidente do Ministério a esta Câmara explicar esta crise, como se fôsse uma cousa banal, uma crise vulgar.
São estas as medidas que se têm apresentado a esta casa do Parlamento e cujos resultados são aqueles que toda a gente conhece, pois a verdade é que é gravíssima a situação que o País atravessa.
Os resultados têm sido verdadeiramente ruinosos para o País, como ruinosa foi essa operação do empréstimo, que tam largamente foi defendida nesta casa do Parlamento pelo actual Ministro das Finanças, o Sr. Velhinho Correia.
Se bem que S. Ex.ª tivesse defendido largamente essa operação do empréstimo, o que é um facto é que ela foi verdadeiramente ruinosa para o País, conforme os factos o têm demonstrado até hoje.
Até hoje, Sr. Presidente, tem-se aumentado consideravelmente a circulação fiduciária, não se pensando em adoptar medidas úteis, de utilidade geral.
Tem sido esta a administração republicana, e é devido a ela, exclusivamente a ela, que nos encontramos no estado verdadeiramente deplorável em que nos encontramos.
Não se compreende que tendo sido esta até hoje a administração republicana, que tendo sido esta a ruinosa administração, não sei mesmo como classificar, dos dinheiros públicos, se venha agora defender até certo ponto um momento de revolta contra o alargamento da circulação fiduciária, quando é facto que até hoje se não tem feito outra cousa.
Todos sabem quanto nós dêste lado da Câmara mostrámos à evidência os inconvenientes que resultariam para o Taís dessa ruinosa operação do empréstimo, que o Sr. Velhinho Correia aqui tam largamente defendeu, pois a verdade é que S. Ex.ª, como relator dêsse empréstimo, disse que se o câmbio não melhorasse
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essa operação seria na realidade tudo quanto havia de mais ruïnoso.
Foi isto o que S. Ex.ª aqui disse, e os resultados dêsse empréstimo são aqueles que toda a Câmara conhece, isto é, os mais ruinosos para o País.
Sr. Presidente: sabe V. Ex.ª que os impostos têm dado dezenas de milhares de contos.
V. Ex.ª sabem que a redução dos escudos tem feito com. que os bancos reduzam os seus descontos, que os depósitos vão faltando, e assim sucessivamente.
As fábricas não podem continuar a sua laboração, e o Govêrno devia ter convocado o Parlamento imediatamente. Quanto maior fôr a demora, mais graves serão as consequências. Pois há um Ministro com êstes antecedentes, que se senta naquelas cadeiras, que vem apresentar-se ao Parlamento e há um Parlamento que não lhe diz que só vá embora já, para não fazer mais mal ao seu País.
Êsse Ministro não pode continuar nas cadeiras do Poder e tem que sair já para não se dar um desastre nacional.
Eu, Sr. Presidente, dêste lado da Câmara tenho pugnado sempre pela ordem; hei-de continuar na mesma, e agora mais do que nunca, depois destas propostas de finanças que são a ruína dum país.
É preciso que êsse Ministro se vá embora e já, hoje mesmo, pois estas medidas são o verdadeiro bolchevismo, medidas que o País não pode aceitar, medidas que talvez o Parlamento, na mais extraordinária leviandade, vai aprovar.
Uma voz: — As propostas não estão em discussão.
O Orador: — Isto é bem claramente a acção do Sr. Afonso Costa a exercer-se sôbre o Govêrno.
Vários àpartes.
Sr. Presidente: é uma proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças e compõe-se de três artigos.
Eu pregunto quem é que pode votar uma autorização desta ordem.
Isto é o começo. S. Ex.ª vai criar selos para tudo e vai criar um aumento no imposto de rendimento.
Notem V. Ex.ª, se o Parlamento pode aceitar tudo isto, numa inconsciência pasmosa.
As taxas multiplicadas por 24, 27, 30.
Isto é assombroso, mais parece certo hospital que um Parlamento.
Protestos da esquerda.
Uma voz da esquerda: — Isso é discutir!
O Orador: — Estamos a discutir o plano do Govêrno.
Em nome dos interêsses do País, não posso deixar de dizer que a permanência do Sr. Velhinho Correia, na pasta das Finanças, é uma desgraça.
Hei-de continuar a discutir ante um perigo nacional, o de o Sr. Velhinho Correia ser Ministro das Finanças.
O Sr. Presidente: — Chamo a atenção da Câmara.
V. Ex.ª, Sr. Carvalho da Silva, está a discutir propostas que ainda não foram sequer apresentadas à Câmara.
Apoiados da esquerda.
O que está em discussão são as declarações feitas pelo Sr. Presidente do Ministério.
O Orador: — É a solução da crise, portanto.
Ora, dentro dessa solução, cabe a discussão que estou fazendo.
De resto, se as propostas a que me estou referindo ainda não foram apresentadas à Câmara, já foram distribuídas.
Apoiados das direitas.
Mas visto que estou ferindo a susceptibilidade Dalguns Srs. Deputados, vou entrar no caminho das hipóteses.
Suponhamos, assim, que o Sr. Velhinho Correia era capaz de apresentar ao Parlamento umas propostas que, além de tudo que eu já expus, dissessem mais o seguinte...
O Sr. Sá Pereira: — Invoco o Regimento.
O orador está fora da ordem!
O Orador: — Estranho a atitude do Sr. Sá Pereira, com quem tenho sempre mantido nesta casa e fora dela as melhores relações de amizade.
O Sr. Manuel Fragoso: — Mas que tem isso para o caso?!
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O Sr. Presidente: — Eu peço ao Sr. Carvalho da Silva que se circunscreva ao assunto em discussão.
O Orador: — É a solução da crise.
Suponha V. Ex.ª que o Sr. Ministro das Finanças era capaz de apresentar ao Parlamento uma proposta que consistisse no seguinte...
Protestos da esquerda...
Vozes da esquerda: — Está fora da ordem!
O Orador: — Eu julgo-me dentro da ordem.
V. Ex.ª Sr. Presidente, sabe quanto eu respeito V. Ex.ª, como quem se senta nessa cadeira e como toda a Câmara.
Julgo pois que, estando a discutir-se a crise ministerial, posso formular as hipóteses das propostas, que o Sr. Ministro das Finanças pode apresentar à Câmara, tanto mais quanto é certo que, se essas propostas ainda não foram apresentadas, já foram distribuídas à Câmara, para estudo, o que me leva a crer que S. Ex.ª sempre as apresentará.
Mas, partindo mesmo do princípio de que S. Ex.ª as não apresenta, eu posso discutir, creio eu, a hipótese de S. Ex.ª as apresentar.
Ora como eu além de tudo desejo que S. Ex.ª me diga se tenciona apresentar essas propostas, como se diz, e como o País tem o direito de saber qual o plano de S. Ex.ª, eu preguntando se é certo que S. Ex.ª vai apresentar as referidas propostas, continuo no meu dever de formular a S. Ex.ª as preguntas que entendo dever formular.
Assim, desejo que o Sr. Ministro das Finanças me diga se é verdade que tenciona apresentar propostas no sentido que tenho exposto.
Sr. Presidente: desejo saber se S. Ex.ª tenciona apresentar também uma proposta ao Parlamento no sentido da obrigatoriedade do seguro.
Protestos da esquerda.
O Sr. Presidente: — Chamo a atenção da Câmara!
O Sr. Manuel Fragoso: — Emquanto V. Ex.ª não mantiver aquele Sr. Deputado na ordem, nós também não nos manteremos na ordem!
O Orador: — Eu peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a fineza de me dizer se não posso formular ao Sr. Ministro das Finanças quaisquer preguntas.
O Sr. Sá Pereira: — O debate é político, não é económico.
V. Ex.ª está a abusar da nossa paciência.
O Orador: — Eu estou o mais possível dentro da ordem.
O Sr. Sá Pereira: — Só a Mesa está de acôrdo com V. Ex.ª!
O Orador: — Por isso, emquanto a Mesa não me retirar a palavra, eu continuo.
Mas, se ma retirar, eu fico bem com a minha consciência, porque cumpri o meu dever.
O Sr. Presidente: — Eu peço a V. Ex.ª que se circunscreva ao assunto em discussão.
O Orador: — Eu posso ou não fazer preguntas ao Sr. Ministro das Finanças sôbre o seu plano?
O Sr. Presidente: — Entendo que V. Ex.ª não pode prosseguir nas considerações que está fazendo.
Vozes da direita: — Não apoiado!
Essa agora!...
O Sr. Presidente: — O orador não pode discutir um assunto que não está em discussão.
O Orador: — Eu não estou a discutir; estou a fazer preguntas ao Sr. Ministro das Finanças.
Assim desejo saber se o Sr. Ministro das Finanças tenciona apresentar algumas propostas sôbre os seguros sociais.
Esta pregunta é muito importante, porque se fôsse verdade que o Sr. Ministro tencionava apresentar uma proposta destas, isso representava nem mais nem me-
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nos do que o Govêrno ficar com uma autorização para por meio das companhias de seguros estabelecer, além dos impostos a que me tenho referido, mais o imposto que quisesse nas taxas de aplicação de capitais por prémios de seguros.
Desejo saber, também, se é ou não certo que o Sr. Ministro das Finanças está na disposição de, ainda por cima, agravar os impostos sôbre a lavoura, por quanto se diz já que S. Ex.ª deseja ficar autorizado a multiplicar por 16 os coeficientes dêsses impostos e a elevar as taxas até ao ponto que julgar conveniente, sem qualquer espécie de limites.
É absolutamente indispensável saber quais as intenções do Sr. Ministro das Finanças, porque basta a confirmação dêsse propósito para que S. Ex.ª se veja obrigado a reconhecer que não pode continuar por mais tempo a gerir a pasta que lhe foi confiada. O contrário seria impelir o País a um levantamento unânime contra a permanência nas cadeiras do poder duma criatura absolutamente nefasta aos interêsses da Nação.
A atitude do Sr. Ministro das Finanças vem mais uma vez provar que a República para viver tem de matar o País; o País se quiser também viver tem de escolher, então, a única e inevitável solução.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem os «àpartes» foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Fausto de Figueiredo: — Sr. Presidente: eu creio que o momento é grave demais para que deixemos de encarar com a serenidade máxima as razões que levaram o Sr. Presidente do Ministério a convocar o Parlamento.
S. Ex.ª pouco disse, mesmo muito pouco, que nos possa habilitar a tal respeito.
É certo que pela imprensa nós temos tomado conhecimento do louvável propósito de S. Ex.ª em dar a determinados assuntos da maior magnitude uma solução harmónica com a Constituïção. Todavia aquilo que há pouco ouvi-mas da bôca do Sr. Presidente do Ministério pouco foi ou nada, que leve o Congresso ao perfeito conhecimento dêsses propósitos.
Referiu-se S. Ex.ª, também, à forma por que foi solucionada a última crise ministerial e à chamada ao Poder do ilustre parlamentar Sr. Joaquim Ribeiro.
Eu reconheço que o Sr. Joaquim Ribeiro encarou de frente os problemas da sua pasta, pôsto que discordo em absoluto da forma por que S. Ex.ª resolveu a questão do preço do trigo nacional.
Se até hoje temos vivido em regime de pão caro, pior será de futuro com o trigo a 1:500. Ainda há poucos dias ouvi dizer a um dos maiores produtores de trigo do País que o preço de 1:300 era já suficientemente remunerador para a lavoura.
Para quê, pois, pagá-lo a 1:500?
Dir-se-há que o Govêrno não tem processo de meter a lavoura na ordem. Não é assim, porque o Govêrno tem na sua mão a livre importação do trigo estrangeiro.
Em todo o caso eu não deixo, apesar da crítica ligeira que prometo fazer aos actos do Sr. Ministro da Agricultura, de felicitar o Sr. Presidente do Govêrno por ter levado para o seu gabinete alguém que pelo seu passado, talento e qualidades de patriotismo, insuflou alento a um Govêrno que já estava a cair aos pedaços.
Apoiados.
Foi feliz nesse ponto o Sr. António Maria da Silva conseguindo arrancar à Câmara, o Sr. Joaquim Ribeiro, a quem me apresso a prestar a minha homenagem legítima e sincera.
Mas o Sr. António Maria da Silva encontrou pela frente um problema muito mais complicado e importante a resolver, que era o preenchimento da pasta das Finanças, cujo problema vinha sendo arrastado por todas as formas e feitios há longos anos, por todos os titulares da pasta. Entendeu S. Ex.ª que para substituir o Sr. Vitorino Guimarães devia convencer o Sr. Velhinho Correia, meu querido amigo, a arcar com a responsabilidade tremenda de resolver a crise financeira. Efectivamente, o Sr. Velhinho Correia alia à sua inteligência uma faculdade de trabalho que não é vulgar encontrar-se na vida portuguesa. S. Ex.ª é um estudioso e um trabalhador. De facto, sem querer de nenhuma maneira, porque o Regimento não m'o consente, apreciar as
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propostas que S. Ex.ª tenciona apresentar à Câmara, sou forçado a reconhecer que num período tam curto S. Ex.ª demonstrou bem as suas qualidades de inteligência e de trabalhador incansável, apresentando-nos o seu trabalho.
Muito à vol d'oiseau acabo de ler as propostas e vejo que representam um trabalho interessante e complicado, que remodela todo o nosso sistema tributário, tendo S. Ex.ª a coragem de as apresentar à Câmara.
Se outras razões não tivesse para felicitar o Sr. António Maria da Silva pela escolha que fez, bastaria aquela que apresentei.
O Sr. Carvalho da Silva: — Pelo contrário, é caso para pêsames.
O Orador: — À inteligência viva de V. Ex.ª é que lhe bastou uma rápida leitura pára ver que as propostas são péssimas.
O Sr. Carvalho da Silva: — A V. Ex.ª bastou-lhe uma simples leitura para as reconhecer interessantes; a mim, bastou-me uma leitura para as achar absolutamente ruinosas. De resto, o País dirá quem tem razão.
O Orador: — A interpretação do Sr. Carvalho da Silva obriga-me a dizer à Câmara que não me pronunciei sôbre as propostas do Sr. Ministro das Finanças, mas que me bastou uma ligeira leitura para ver que o seu trabalho denota uma grande inteligência e grandes faculdades de trabalho.
Um àparte do Sr. Carvalho da Silva.
O Orador: — O Sr. António Maria da Silva, teve, portanto, mais esta felicidade, de descobrir, pela primeira vez na vida da República, um Ministro das Finanças que em meia dúzia de dias estuda, resolve e apresenta ao Parlamento um assunto de tam grande magnitude, e até nos vera dizer que é preciso que, pela nossa parte, o resolvamos, também urgentemente, admitindo, ao menos por hipótese, que a Câmara irá, de olhos vendados, dar uma autorização para que o Govêrno possa pôr em execução um trabalho desta importância.
No princípio das minhas considerações disso eu que a hora é por demais grave para que não nos compenetremos todos da nossa missão. É, porém, de estranhar, como muito bem o disse o ilustre leader do Partido Nacionalista, que o Sr. Presidente do Ministério, em assunto desta importância, não tenha tido a leve atenção de sôbre êle falar com aqueles que para aqui poderiam vir já até certo ponto habilitados com o conhecimento das intenções do Govêrno.
Mas o Sr. António Maria da Silva não teve mesmo essa atenção para com os que, de facto, têm prestado alguma colaboração, como os Deputados independentes, para cujo grupo aliás, em determinada ocasião em que o Sr. Presidente do Ministério e a maioria careceram — permita-se me o têrmo — de uma cunhêta para se equilibrarem no Poder, tiveram toda a consideração, tendo-lhe dado nada menos de dois Ministros, que ainda hoje são independentes.
O grupo de Deputados independentes; de uma maneira geral, quási que desapareceu.
Formou-se no momento a que me referi, e hoje já não existe; todavia, existem, de facto, dois Ministros que foram indicados por êsse grupo para fazer parte do Govêrno, mas que não havia até hoje, sob o ponto de vista político, o mais ligeiro acto que representasse não digo já uma satisfação, mas um esclarecimento sôbre os assuntos interessando a vida do Govêrno e da Nação.
E assim que o Govêrno procede. Acho que procede muito mal.
Um àparte.
O Orador: — Sr. Presidente: não alongarei as minhas considerações. Quero no emtanto, dizer a V. Ex.ª que pela minha parte, e após as considerações que acabo de fazer, aguardo com serenidade aquele ar sorridente com que o Sr. Ministro das Finanças hoje entrou nesta Câmara, trazendo na sua pasta a solução dos problemas mais graves que nos assoberbam, para dar satisfação ao Parlamento e ao País.
Aguardo-o com essa serenidade, mas reservando-me o direito de apreciar as propostas de V. Ex.ª com aquela liberdade de acção de que todos os homens
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tem o dever de usar, pesando bem as consequências que dos seus actos podem advir para o País.
Tenho dito.
O orador não reviu, nem os àpartes foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: deu-nos o Sr. Presidente do Ministério conta de uma nova recomposição e das razões da convocação extraordinária do Parlamento para apreciação das propostas do Sr. Ministro das Finanças.
Quanto à recomposição ministerial, não nos disse o Sr. António Maria da Silva quais os motivos constitucionais que a justificassem, e tenho pena pelo País, porque tal facto só significa que, por vezes, os nossos homens públicos não hesitam em largar situações de responsabilidade por motivos menos graves.
Isto é dito sem intuito de melindre pessoal para ninguém, e quero aproveitar o ensejo para saudar os novos Ministros, especialmente o da Agricultura, a quem me ligam uma particular amizade e antiga estima.
Quanto às propostas de finanças que são prometidas pelo Sr. Presidente do Ministério, aguardo que sejam apresentadas pelo Sr. Ministro das Finanças. Foram distribuídas quando já estava aberta a sessão, e não tive ocasião de as ler porque acompanhava a marcha dos trabalhos, mas vou estuda-las e, comigo, a minoria católica que o fará com lealdade, patriotismo e abnegação.
Estamos aqui não para fazer oposição sistemática ou de apoio sistemático a qualquer Govêrno, mas para cumprir o nosso dever, bem servindo os interêsses nacionais.
É isto simplesmente o que tenho a dizer relativamente a esta parte das declarações do Sr. Presidente do Ministério.
S. Ex.ª, porém, ao concluir as suas considerações, disse que o Poder Executivo carece de ir de acôrdo com o Parlamento para a solução dos vários problemas nacionais que estão pendentes e que, se assim não fôsse, entraríamos fàcilmente num período de perturbações e agitações.
Muito bem, mas o momento é para acção e não para palavras ou para devaneios. O Govêrno, pela sua parte, cumpra o seu dever, o programa de quási todos os Govêrnos dos povos cultos do mundo: honestidade e economia na administração pública.
O Parlamento e, especialmente, a minoria católica, cumprirão o seu. Qual ó? Expor, gritando se necessário fôr, quais são as reclamações da opinião pública, repetindo-as com energia, com independência e com patriotismo. Estou certo de que da conjugação dos esfôrços de todos nós uma vida nova surgirá para a Pátria Portuguesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: uma circunstância meramente ocassional, devido ao facto da pasta da Justiça ser, na ordem hierárquica, aquela que se segue logo à pasta do Interior o devido ao facto de infelizmente, o Sr. Presidente do Ministério se ter encontrado bastante incomodado de saúde, determinou que fôsse eu incumbido de responder às considerações que acabam de ser feitas nesta Câmara.
Procurarei ser o mais breve possível e diligenciarei responder a cada um dos Srs. Deputados que usaram da palavra.
Relativamente às considerações do ilustre representante da maioria, Sr. Almeida Ribeiro, o Govêrno não tem mais do que agradecer as palavras de apoio por S. Ex.ª proferidas e a declaração feita em nome do seu partido de que tem confiança em que o Govêrno está resolvido a efectivar a obra que se torna absolutamente indispensável para salvaguarda dos interêsses mais sagrados da Pátria.
Julgou S. Ex.ª de pêso os motivos que levaram o Govêrno a convocar o Parlamento, e a Câmara e o País decerto compreendem que, se não houvesse realmente motivos dos mais graves e poderosos, o Govêrno não teria pedido esta convocação.
Com respeito às palavras do ilustre Deputado Sr. Ginestal Machado, que falou em nome do Partido Nacionalista, devo dizer que o Govêrno não deseja das oposições senão, aquilo que S. Ex.ª declarou dispensar a êste, isto é, uma oposição patriótica e fiscalizadora.
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Efectivamente o Govêrno, apresentando ao Parlamento as suas propostas de finanças, deseja apenas que o Parlamento, animado dum alto patriotismo, examine essas propostas e as discuta, nobre e alevantadamente, de forma a remediar a situação presente.
O Sr. Ginestal Machado parece ter dado a entender que o Govêrno não demonstrou o respeito devido pelo Parlamento.
Mas então S. Ex.ª não encontra no próprio acto da convocação uma prova de muito respeito pelas instituições parlamentares?
Pois então não indica isso que o Govêrno quere que o Parlamento se prestigie, numa conjugação de esfôrços comuns para a elaboração de medidas que façam com que melhores dias venham para a nossa1 Pátria?
De resto, não houve motivo algum oculto — como parece ter-se depreendido das palavras do Sr. Ginestal Machado — para a convocação do Parlamento.
Os motivos são claros, foram expostos ao País e são aqueles que constam da convocatória da reunião do Congresso.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Na convocatória não vem nada!
O Orador: — É porque V. Ex.ª não a leu. De contrário, saberia tanto como toda a gente.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Ninguém sabe nada!
O Orador: — Na convocatória da reunião do Parlamento o Govêrno dizia que ia apresentar ao Congresso medidas de carácter financeiro, que julgava indispensáveis à própria vida do Estado.
Com a sua leitura terá ocasião de ver quais são essas medidas.
Relativamente às considerações feitas pelo Sr. Carvalho da Silva, principiou S. Ex.ª por dizer que não sabia se o País deveria assistir com pasmo à apresentação do Govêrno ao Parlamento.
Devo, porém, responder que com pasmo deveria porventura o País notar que o Govêrno se não importava com a acção do Parlamento. Se o Govêrno vem sujeitar à sanção do Parlamento propostas que entende merecerem a sua análise, o caminho que adoptou foi o mais lógico e constitucional.
Um àparte do Sr. Carvalho da Silva.
O Orador: — Crises desta natureza têm-se dado em todos os países e, especialmente, naqueles de moeda desvalorizada como o nosso. Pareceu-me depreender que S. Ex.ª disse que o Govêrno teria debelado a crise se tivesse mandado fabricar mais notas. Êsse remédio viria, no entanto, a representar qualquer cousa que deveria produzir consequências bem mais desastrosas do que a crise que se quere combater.
Disse, também, S, Ex.ª que o empréstimo foi um êrro. Creio que não tem S. Ex.ª razão para nesta altura fazer tal afirmativa. O empréstimo teve por intuito saldar um deficit orçamental, e constituía apenas uma das medidas cuja aprovação o Govêrno desejava. Outras se lhe seguiriam e, se tivessem sido aprovadas, os seus resultados teriam sido altamente benéficos para a nossa situação.
O ilustre Deputado Sr. Fausto de Figueiredo afirmou que o Govêrno não deveria pretender que a Câmara, votasse de olhos vendados as propostas de finanças. O que o Govêrno deseja é que essas propostas sejam examinadas com patriotismo, como aliás é de esperar, e que seja votada qualquer cousa que possa melhorar a nossa situação financeira.
Ainda se referia S. Ex.ª a um ponto interessante, ou seja à estada dos Ministros independentes no Govêrno. Êsses Ministros continuam estando no Govêrno como representantes de um grupo parlamentar independente, que ainda se não disolveu e que ainda não retirou o apoio que deu a êsses Ministros.
Um àparte do Sr. Nuno Simões.
O Orador: — Relativamente às palavras proferidas pelo Sr. Lino Neto, responderei repetindo que o Govêrno o que realmente deseja é que as medidas que propõe sejam analisadas patriòticamente.
Entendo, como membro do Govêrno, que nos encontramos na verdade num momento difícil e num momento dos mais graves, talvez, para a vida portuguesa.
O Govêrno entende que, se, porventura, se fizer neste momento um esfôrço pela conjugação dos esfôrços dos parlamenta-
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res com o Poder Executivo, a situação poderá melhorar consideràvelmente.
Se, porventura, êsse esfôrço se não fizer, então quanto aos resultados o futuro dirá quais sejam; mas não poderão ser senão profundamente desastrosos.
O Govêrno entendeu dever apelar para o patriotismo dos membros do Parlamento, para que o habilite com medidas indispensáveis para salvar o Estado, a Nação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia): — Sr. Presidente: tive a honra de ser convidado pelo Sr. Presidente do Ministério para gerir a pasta das Finanças. Não me sinto, porém, nem com faculdades, nem com competência para o exercício dêste cargo. Não me sinto com a soma de conhecimentos, necessários para poder cabalmente desempenhar-me da minha missão.
Mas os homens não são muitas vezes senhores livremente das suas acções.
Tinha tomado nesta Câmara uma, atitude a quando da proposta do empréstimo, atitude essa que me ligava ao seguimento da política do mesmo empréstimo.
À política dêsse empréstimo estavam obrigados não só o Govêrno mas todos os partidos políticos.
Eu, relator dessa proposta do empréstimo, entendi que era preciso continuar, a política dêsse empréstimo, e por isso aceitei a gerência desta pasta para de alguma maneira poder continuar essa política e seguir a obra do meu ilustre antecesssor, Sr. Vitorino Guimarães, que tem, com toda a justiça, mais qualidades e mais competência do que eu tenho para o exercício dêste logar.
A política do empréstimo não se afirmou ainda.
Foi das cadeiras do Poder que se ouviu o propósito de se não aumentarem as notas, não se aumentar a circulação fiduciária, mas sim o propósito de se fazer o equilíbrio do Orçamento e o saneamento das finanças públicas, reduzindo as despesas e recorrendo ao imposto de maneira a em curto prazo, se chegar ao referido equilíbrio.
Tinha o ex-mmistro bem mais competência do que eu para estar neste logar; mas entendi que devia fazer êsse sacrifício para, dentro das minhas fôrças, efectivar essa política do empréstimo.
Não ignoram V. Ex.ªs que é preciso enveredar por caminho diferente do que se tem seguido em política e administração financeira pelo que respeita a suprimentos ao Banco de Portugal.
Apoiados.
Aponta-se a necessidade que temos, o País e todos nós, de assentar numa política financeira no sentido de que maiores males não venham ao País.
Sr. Presidente: negociou-se um empréstimo e viu-se que o País acudiu ao chamamento feito pelo Estado, dando a sua confiança à República; e assim o empréstimo, foi coberto.
A verdade é que se não houvesse confiança no Estado, não haveria processo que levasse a Nação a cobrir o empréstimo dentro das nossas fronteiras.
Mas eu tenho sido muito infeliz no pouco tempo que tenho de gerência desta pasta, porque me encontro perante a situação difícil dos bancos, da praça e do alto comércio.
Tendo sido lançado o empréstimo, êle teve uma boa aceitação e produziu a refracção que tinha sido prevista.
Houve uma refracção do escudo, uma diminuïção dos descontos dos bancos e o comércio, a agricultura, a indústria, o País, em suma, começaram a sentir as dificuldades.
A situação que existia foi modificada pela política do empréstimo, e no mês de Agosto a falta de descontos dos bancos produziu uma grande crise e enormes dificuldades.
Todas as atenções se voltaram para o Govêrno e todos exigiram do Ministro das Finanças prontas providências.
Alegou-se a falta de escudos, mas eu deve dizer que nunca houve tantos escudos como agora.
A causa das dificuldades é que os preços estão desproporcionados com o valor do escudo.
Assim só se pedem providências para aumentar a circulação fiduciária.
Se há realmente falta de escudos para as operações, há dois remédios.
O primeiro seria lançar mais notas em circulação.
O segundo remédio seria baixar os pre-
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cos da vida, seria promover a venda dos stocks por preços mais baixos.
Nessas condições, o numerário existente é mais que suficiente para a vida económica da Nação.
Sr. Presidente: o Govêrno não tinha maneira de atender directamente às dificuldades que lhe apresentassem a alta indústria e o alto comércio.
Todos êsses elementos pediam providências.
Mas que providências podiam esperar do Govêrno, que não tinha autorizações parlamentares para proceder no que não fôsse a assinatura do simples expediente?
Não tinha possibilidade de atender a êsses pedidos que, mais ou menos, se cifravam em aumentar a circulação fiduciária ou em adoptar instrumentos circulantes, como o cheque cruzado, destinados a economizar moeda. Para isso seriam precisas autorizações parlamentares de1 que o Govêrno não dispunha.
Segui dia a dia a acção do Banco de Portugal na praça de Lisboa, e tive ocasião de verificar que as acusações que se faziam ao nosso primeiro estabelecimento de crédito não correspondiam à exactidão dos factos.
Êle não podia, evidentemente, descontar todas as letras que lhe eram apresentadas, mus não reduziu o montante destinado a descontos, a não ser naquele limite que lhe foi determinado pela circunstância de muitos dos seus depositantes terem levantado os seus depósitos, alguns montando a cifras importantes, tanto mais que êle é o banco em que os banqueiros, por via de regra, guardam os seus stocks do numerário. Era aí que devia incidir a minha atenção, verificando só neste momento de crise o Banco de Portugal cumpria ou não a sua missão de banco se descontos e de banco do Estado de harmonia com o seu regimento e com as suas possibilidades.
O Banco de Portugal descontou mais do que em igual período do ano passado, quer no número de letras, quer no seu montante.
No que diz respeito a letras descontadas sôbre Lisboa, verifica-se a exactidão do mesmo facto.
Cumpri inteiramente a minha missão fiscalizadora e, desde que constatei que o Banco de Portugal continuava empregando todas as suas disponibilidades em acudir à praça, eu não podia aumentar a circulação e mesmo que pudesse, não o deveria fazer, nem tampouco fornecer capital ao comércio e às indústrias.
Não assisti, porém, indiferente à crise da praça, visto que actuei dentro das faculdades e das possibilidades em que o poderia fazer.
Sr. Presidente: convém frisar que, apesar de todos falarem mal do Estado e dos Poderes Públicos, a verdade é que os organismos de crédito legados ao mesmo Estado não foram atingidos pela crise que passava, o que demonstra que ainda é aquele, apesar de todos os erros e defeitos, que é o maior detentor do crédito nacional e da confiança de todos.
Evidentemente quem ocupa êste lugar, e nas minhas condições, há-de encontrar dificuldades e más vontades.
Contudo, posso afirmar que, desde o primeiro dia em que tomei posse — e isto vai como desabafo — nunca tergiversei nem adoptei qualquer atitude de simpatia para êste em detrimento daquele; tenho seguido de uma forma rígida a minha orientação, e dela não me afastarei.
Sr. Presidente: ao assumir a pastadas Finanças, notei cousas extraordinárias; Certas indústrias que são potentados, realizavam as suas situações, mercê de favores que pelo Estado lhes eram concedidos continuadamente.
Porém, recusei-me terminantemente a aceder a pedidos dessa ordem e hei-de resistir, porque entendo que êsses organismos com capitais colossais devem procurar nestes os meios precisos para atender às suas necessidades próprias.
Uma voz: — Não fez mais do que o seu dever.
O Orador: — Cumprir o dever é para a nossa consciência, mas nunca teia do interêsses como esta. V. Ex.ª há-de calcular quantos dissabores acarreta tal atitude.
Sr. Presidente: a crise pode considerar-se passada, e o que se verifica é que o alto comércio e a indústria encontraram na sua solidariedade recíproca meios para resolver as dificuldades próprias, sem recorrer ao Estado.
Pede-se facilidade nos descontos.
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Ora eu devo dizer que, em minha opinião, essa facilidade deve ser concedida ao comércio honesto e não àqueles que enchem letras de acomodação ou de favor, porque isso não representa mais do que aumentos de capital à custa de uma situação nada recomendável para o desenvolvimento económico do País e do bem-estar geral.
Em todos os momentos de crise, e nos vários países em que ela se tem dado, como a Inglaterra, o único meio de a deliberar é resistir até que se atinja novamente a normalidade.
Sr. Presidente: as dificuldades das crises não se resolvem pedindo notas ao Estado, facilidades bancárias, aumento de circulação fiduciária, ou pedindo instrumentos circulantes destinados a guardar notas, mas, sim, vendendo os stocks por preços mais baixos, comportáveis com uma vida modesta e harmónicos com os nossos hábitos tradicionais.
Foi assim que a Inglaterra saiu das suas dificuldades.
Uma crise de numerário num País onde nunca houve tanto, não se resolve pedindo ao Estado mais notas; resolve-se, repito, realizando os stocks e a venda de mercadorias por preços inferiores aos actuais.
Mas, Sr. Presidente, não ignora V. Ex.ª que ao lado desta situação económica difícil existe a situação financeira do Estado, que infelizmente também é de ponderar.
Sabe V. Ex.ª que o Orçamento aprovado pelo Parlamento apresenta um deficit de 157 mil contos, que devem ser arredondados para 163 mil, visto ter havido um êrro a quando da sua elaboração.
Sabe V. Ex.ª, Sr. Presidente, que o Parlamento, nos seus últimos dias de trabalho, aprovou o projecto relativo à melhoria de vencimentos aos funcionários, o que agravou consideràvelmente as despesas em cêrca de 60 mil contos.
Não ignora também a Câmara que o ágio do ouro foi calculado na base em 1:500 por cento, quando está, pode dizer-se, a 2:300 por cento, do que resulta um aumento de perto do 80 mil contos, o que tudo somado dá um deficit de 300 mil contos.
Deu-se até o caso extraordinário e único de o Parlamento encerrar os seus trabalhos dando ao Govêrno, ao Poder Executivo, um orçamento aprovado com um deficit de 300 mil contos, não tendo votado nenhuma medida para o Govêrno agir, isto é, para o Govêrno poder fazer face a essa situação deficitária.
É esta a situação em que se encontrou o Govêrno, sem uma única autorização legal para poder fazer face à situação em que, nos encontramos.
É êste, repito, um caso único, pois a verdade é que se têm dado sempre aos Govêrnos autorizações para êles poderem fazer face à situação económica.
Foi esta a situação que o Parlamento criou ao Govêrno, isto é, aprovando-lhe um orçamento com um deficit de cêrca de 300 mil contos, não lhe tendo votado uma única medida para êle poder fazer face à situação em que nos encontramos.
Nestas condições, Sr. Presidente, eu pregunto: o que é que o Sr. Ministro das Finanças, o que é que o Govêrno pode fazer?!
E ainda há quem pregunte para que é que o Govêrno solicitou do Chefe do Estado a convocação extraordinária do Congresso!
O Govêrno solicitou do Chefe do Estado a convocação extraordinária do Congresso justamente para isto, isto é, para lhe pedir os meios indispensáveis e necessários para fazer face à situação.
O Sr. Brito Camacho: — V. Ex.ª dá-me licença?
Eu faltei a poucas sessões, mas é possível que exactamente tivesse faltado naquela em que o Govêrno devia ter feito a declaração seguinte: que o Govêrno não consentiria que se fizessem aumentos de despesa sem que se aprovasse o correspondente aumento de receita, sob a ameaça de se ir embora.
O Orador: — Eu tenho a máxima coerência entre as minhas palavras e os meus actos.
Eu votei contra o aumento de vencimentos ao funcionalismo público, votei contra o encerramento desta Câmara; tenho, portanto, autoridade para fazer as declarações que estou fazendo.
E digo mais à Câmara, que não posso fazer aumentos de despesa em nenhumas circunstâncias.
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Não os tenho feito, não o farei.
A situação é desta gravidade. É pior que se não houvessem orçamentos aprovados, porque havendo orçamentos aprovados o Parlamento disse o seguinte: autorizo aquelas despesas, e não apresentou maneira de compensar essas despesas.
Antes, pois, o Parlamento não tivesse aprovado o Orçamento, porque então o Govêrno tinha autoridade para agir.
Mas julgam V. Ex.ªs que a situação se limita àquilo que acabo de expor?
Devemos dizer a verdade. Eu terei errado muito como homem público, estarei errando nos meus raciocínios, mas posso dizer que a minha vida pública tem sido sempre inspirada no desejo de bem servir o País.
Apoiados.
A situação é mais delicada, porque tendo o Parlamento aprovado um novo regime tributário, por motivos de vária ordem, que é ocioso agora enumerar, a verdade é que os impostos não estão produzindo aquilo que se esperava.
Como V. Ex.ª vêem, a situação do Ministro das Finanças é má, porque V. Ex.ªs não ignoram que há um sentimento de opinião que impõe aos homens públicos resolverem a situação sem aumentarem a circulação fiduciária e sem fazerem suprimentos ao Banco de Portugal.
Foi neste propósito que orientei as propostas de finanças que tive a honra de trazer a esta Câmara.
Sr. Presidente: a minha primeira preocupação nessas propostas é a redução de despesas.
Eu entendo que não há honestamente política financeira sem se dar ao País a certeza de que essa política é iniciada por uma rigorosa compressão de despesas, por um rigoroso saneamento dos serviços públicos, por uma rigorosa e estricta economia na administração do Estado.
O Sr. Nuno Simões: — É o que não temos visto fazer.
O Orador: — Não aumentadas despesas e não autorizarei despesa alguma que não esteja no Orçamento.
Àparte do Sr. Nuno Simões.
O Orador: — Se algum colega meu fez nomeações, foi sem o meu voto.
Eu não fiz nomeação alguma, e os meus colegas responderão a V. Ex.ª
Eu tenho-me oposto, tanto quanto posso, e entendo que não pode haver política financeira séria e honesta sem primeiro dar ao País a certeza de que não se aumenta a despesa; mas também direi que em país algum do mundo se fez o equilíbrio orçamental só pela redução das despesas.
Em França e em Inglaterra despediram muitos funcionários, mas funcionários contratados, funcionários dó tempo da guerra, e eu nesta medida trago o despedimento de todos os funcionários contratados, e, mais ainda, peço a redução dos próprios vencimentos dos funcionários.
É necessário ter coragem.
O Sr. Fausto de Figueiredo: — V. Ex.ª pode informar-me quanto rende o imposto sôbre transacções?
O Orador: — Deve estar em 105:000 contos, e com a sobretaxa de 75 por cento deve render qualquer cousa como 183:000 contos.
O Sr. Fausto de Figueiredo: — Só serve para quem vende, principalmente desde que se entrou no regime das avenças.
Muitos apoiados.
O Orador: — Foi uma das primeiras cousas que me preocupou foi êsse problema, e tenho um decreto em que o procuro resolver.
Sr. Presidente: eu não relatei as minhas propostas, não tive tempo, mas vou fazê-lo verbalmente.
Já tive ocasião de dizer qual era a situação da praça, situação que eu encontrei.
Agora vou dizer alguma cousa sôbre as propostas de finanças.
Eu entendo que em Portugal o sistema que mais convém é o da multiciplidade de impostos.
Sr. Presidente: asssim se explica o meu pesamento.
As minhas propostas começam pela afirmação e certeza de que, uma vez aprovadas se chegaria à compressão de despesas que o País reclama; do saneamento dos
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serviços públicos, que é igualmente exigido pelo País.
Entre as propostas há uma em que se procura fazer com que o Estado receba aquelas cifras previstas no Orçamento.
Transforma-se o imposto de quantidade em imposto de repartição. E um imposto dos mais produtivos em Portugal.
O Sr. Carvalho da Silva (àparte): — Foi por isso que o Govêrno acabou com êle.
O Orador: — Isto não representa senão que a propriedade em Portugal não pagava o que devia pagar.
Ainda é possível encontrar recursos nas emprêsas industriais, quando os seus lucros não se mantenham nos limites do bom senso.
Entendi que devia propor a elevação a 8, 12 e 16 para a propriedade rústica, que ainda assim pagará menos do que em qualquer outro país da Europa.
O Sr. Carvalho da Silva: — Não apoiado.
O Orador: — V. Ex.ª não está ao par disso, salvo o devido respeito.
O Sr. Carvalho da Silva: — Salvo o devido respeito, V. Ex.ª é que não está.
Não há nenhum país do mundo em que o sistema de contribuição de registo seja como em Portugal.
Não há Nação no mundo em que o rendimento colectável fôsse assim documentado. Há um imposto sôbre exploração agrícola que é espantosamente inferior ao que cá existe.
O Orador: — Eu proponho que seja actualizado o imposto, do sêlo o que levantou reparos ao Sr. Carvalho da Silva.
A verdade é que o Govêrno não pode estar à espera de qualquer autorização.
Não há inconveniente nesse aumento nem êle representa uma injustiça.
A situação tem de ser resolvida pelo Parlamento, comigo ou com outra pessoa, porque não pode haver demoras que a situação não comporta.
Eu tenho autoridade para falar porque não concorri com o meu voto para esta situação.
O Parlamento votou uma automação para a elaboração de uma nova pauta aduaneira.
Menos importância tem o aumento do imposto do sêlo, com faculdades de se fazer alterações e emendas do que a criação de uma nova pauta.
Um dêsses impostos é uma taxa a pagar sôbre várias mercadorias, outro é um imposto sôbre certos actos.
Àpartes do Sr. Carvalho da Silva.
Sr. Presidente: há taxas que são pagas pelo valor de antes da guerra, taxas irrisórias, e cobram-se certas taxas de um modo que não tem razão de ser.
Àpartes.
Sr. Presidente: a situação do Ministério das Finanças é difícil se o Parlamento não votar as devidas autorizações.
Por isso que não me convém fazer a política das notas, com que S. Ex.ª e os seus correligionários desejariam que eu asfixiasse é regime, é que eu entendo que é necessário ter a coragem de encarar o problema bem de frente, pedindo ao País os sacrifícios necessários para evitar que maiores agruras aflijam a nossa Pátria.
Uma das minhas propostas de finanças é referente ao exclusivo das pólvoras, procurando, nas bases que apresento, aliviar o Estado do encargo da fábrica de Barcarena, que custa mídias dezenas de contos ao País, sem necessidade alguma, visto que os organismos militares não utilizam a pólvora física, mas a pólvora química.
Se se adoptar o regime que eu preconizo, resultará para o Estado não só o benefício de deixar de fazer uma despesa importante, mas ainda um rendimento bastante elevado.
O Sr. Presidente: — Deu á hora de se encerrar a sessão. V. Ex.ª deseja ficar com à palavra reservada?
O Orador: — Sim, Sr. Presidente; peço a V. Ex.ª que me reserve a palavra para a próxima sessão.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 27, à hora regimental, sendo a ordem do dia a discussão das propostas de finanças e mais os seguintes pareceres:
Parecer n.º 212, que confere diploma de engenheiro industrial aos oficiais de artilharia a pé em designadas condições.
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Parecer n.º 412, que concede a promoção, a título honorário aos oficiais do exército e da armada abrangidos pela lei n.º 1:170.
Parecer n.º 356-A, que reintegra no serviço activo do exército o tenente de infantaria reformado, Mário Botelho da Mata e Silva.
Parecer n.º 286-B, que autoriza a Caixa de Socorros da Imprensa Nacional a equiparar as pensões dos seus antigos reformados às que actualmente são concedidas aos modernos.
Parecer n.º 294, que concede aos funcionários diplomáticos e consulares, quando parlamentares, abonos de viagem e a suas famílias.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Projecto de lei do Sr. Pedro Pita, substituindo o § 1.º do artigo 145.º, do decreto n.º 8:437 de 21 de Outubro de 1922.
Para o «Diário do Govêrno».
O REDACTOR — Herculano Nunes.