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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 148
EM 12 DE OUTUBRO DE 1923
Presidência ao Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Paulo da Costa Menano
Sumário. — Chamada e abertura da sessão.
Leitura da acta e do expediente.
O Sr. Presidente ocupa-se do pedido de renúncia do Sr. Plínio Silva.
Usam da palavra sôbre êste assunto os Srs. Vitorino Guimarães, Américo Olavo, Cunha Leal e Nuno Simões, resolvendo-se nomear uma comissão para procurar o Sr. Plínio Silva e demovê-lo do seu pedido.
Fala ainda o Sr. Fausto de Figueiredo.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Américo Olavo pede providências para o mau estado das estradas de Viseu, respondendo o Sr. Ministro do Comércio.
Êste Sr. Ministro responde ainda ao Sr. António Maia sôbre a construção de um aeródromo em Cáceres e ao Sr. Nuno Simões sôbre o boato da alienação dos Pavilhões da Exposição do Rio de Janeiro.
O Sr. Carlos de Vasconcelos trata das notas de Angola que circulam em Cabo Verde.
O Sr. Lúcio de Azevedo manda para a Mesa o parecer da comissão de finanças n.º 506.
O Sr. Cunha Leal ocupa-se do convénio luso-transvaaliano, respondendo o Sr. Ministro das Colónias.
É aprovada a acta.
É aprovado um parecer relativo ao Sr. António Maia, depois de falar o Sr. Carvalho da Silva.
Ordem do dia. — Prossegue a discussão sôbre o parecer n.º 302 (Companhia dos Tabacos), falando o Sr. Francisco Cruz, que manda para a Mesa uma moção.
O Sr. Nuno Simões requere a discussão na sessão imediata de determinadas propostas.
Sôbre a admissão da moção do Sr. Francisco Cruz, que foi votada, requere o Sr. Carvalho da Silva a contraprova, verificando-se não haver número.
O Sr. Presidente encerra a sessão, depois de designar a mesma ordem do dia para a imediata.
Abertura da sessão, às 15 horas e 15 minutos.
Presentes à chamada, 43 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 31 Srs. Deputados.
São os seguintes:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António de Sousa Maia.
Artur Brandão.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis do Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
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Diário da Câmara dos Deputados
José Novais de Carvalho. Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
João José da Conceição Camoesas.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo o Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José António de Magalhães.
José Miguel Lamartine Prazeres da, Costa.
Lourenço Corroía Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Pedro Góis Pita.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto do Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Mendonça. António Resende.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João do Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
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Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton do Matos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
ÁS 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 43 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Oficio
Do Ministério do Comércio, enviando os documentos pedidos em ofício n.º 327 para o Sr. Paulo Cancela de Abreu.
Para a Secretaria.
Telegrama
Do funcionalismo público do Pôrto, contra os termos das propostas de finanças. Para n Secretaria.
Requerimento
De António Joaquim Ferreira Dinis, major de infantaria, pedindo quê lhe seja aplicada a lei n.º 1:158, de 30 de Abril de 1921.
Para a comissão de guerra.
Carta
Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados: — Deponho nas mãos de V. Ex.ª o meu mandato de Deputado da Nação.
Afirmo solenemente e pela minha honra a V. Ex.ª e ao País que o que me leva a tornar esta resolução é o desejo que tenho de, neste momento grave que a nossa querida Pátria atravessa, ser apenas português.
Apresento a V. Ex.ª e a todos os meus colegas, sem distinção do cor política, os protestos da minha amizade incondicional e o agradecimento sincero pelas deferências com que me distinguiram durante o tempo em que tive a honra de ser representante da Nação, e subscrevo-mo com a mais alta consideração. De V. Ex.ª At.º Vor. e Obrig.º, Plínio Silva. — Lisboa, 11 de Outubro de 1923.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
V. Ex.ªs acabam de ouvir ler a carta que o Sr. Plínio Silva dirigiu ontem à Presidência desta Câmara apresentando a renúncia do seu mandato de Deputado.
Não dei conhecimento dela à Câmara ontem porque desejava informar-me se tinha havido qualquer motivo de natureza parlamentar que tivesse ferido as susceptibilidades de S. Ex.ª, e eu pudesse oficiosamente exercer qualquer acção que o demovesse do seu propósito.
Hoje, porém, recebi nova carta em que S. Ex.ª estranha não ter eu dado conhecimento à Câmara, e pede para que o faça hoje.
Dada a insistência do S. Ex.ª, não posso deixar de o fazer, esperando que as diligências empregadas pelos seus colegas o consigam demover do seu intento.
O orador não reviu.
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O Sr. Vitorino Guimarães: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar, em nome da representação parlamentar do Partido Republicano Português, que é com verdadeiro pesar que tivemos conhecimento da resolução tomada pelo Sr. Plínio Silva, porque, sejam quais forem as divergências de ordem política que possam, porventura, existir entre S. Ex.ª e vários Deputados desta Câmara, o que nenhum com certeza lhe pode deixar de reconhecer é a sua dignidade do carácter e a sua grande dedicação pela Pátria e pela República.
Sr. Presidente: é bastante ingrata a minha situação neste momento, porque o Sr. Plínio Silva não expõe os motivos que o levaram a tomar semelhante resolução; e eu, apesar de ser correligionário de S. Ex.ª, desconheço-os em absoluto.
Porém, como de maneira nenhuma desejamos ficar privados da assistência de S. Ex.ª, proponho que a Mesa fique encarregada de procurar S. Ex.ª e com êle insista para que não mantenha êsse propósito, prestando assim mais um serviço à República, que não pode dispensar o auxílio que lhe prestam homens que têm. o carácter e dignidade do Sr. Plínio Silva.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Américo Olavo: — Sr. Presidente: foi com surpresa que ouvi a comunicação que V. Ex.ª acabou de fazer à Câmara.
Tenho muita consideração pelo Sr. Plínio Silva, mas o que me parece é que a questão está deslocada.
S. Ex.ª é um Deputado, e portanto não pode ausentar-se desta Câmara sem explicar os motivos por que o faz.
Se S. Ex.ª tem algum embaraço na sua vida de administrador dos Caminhos de Ferro, peça a demissão dêsse lugar.
Se S. Ex.ª tem alguma questão adentro do seu organismo partidário, desligue-se dele. Mas V. Ex.ª vir comunicar-nos que o Sr. Plínio Silva quere ir-se embora, perdoe-me V. Ex.ª, mas acho uma falta, de consideração.
Parece-me que, antes das démarches que o Sr. Vitorino Guimarães propôs, a Mesa deve informar-se junto do Sr. Plínio Silva de quais as razões do seu pedido de renúncia, para a Câmara então tomar qualquer deliberação.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome da minoria nacionalista, me associar à proposta que foi feita no sentido de ser nomeada uma comissão para conseguir demover o Sr. Plínio Silva dos seus propósitos.
Faço isto, tanto mais que S. Ex.ª declara que apresenta o seu pedido de renúncia porque quero ser português; e por mim considero que entre as qualidades de português e Deputado não há incompatibilidade alguma.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: a doutrina exposta pelo Sr. Américo Olavo parece-me ser a única de aceitar.
O Sr. Plínio Silva tem sabido honrar o seu lugar. É um alto funcionário da República e uma figura de destaque no seu partido; e não consta a ninguém que êle tenha perdido a confiança dos seus correligionários.
É também de estranhar que o Sr. Plínio Silva, com as qualidades superiores que são seu apanágio, diga que quere deixar de ser Deputado porque quere ser português.
O Sr. Presidente: — O Sr. Plínio Silva não diz que quere renunciar para ser português. Diz que quere renunciar para ser «apenas» português.
O Orador: — V. Ex.ª compreende que o «apenas» só serve para comprometer ainda mais a afirmação de'S. Ex.ª
Entendo, pois, que V. Ex.ª deve procurar o Sr. Plínio Silva e expor-lhe as razões por que não pode ser aceita a sua carta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Peço aos Srs. Deputados que, se fizeram alguma proposta, a concretizem.
O Sr. Vitorino Guimarães: — Eu propus que S. Ex.ª procurasse, o Sr. Plínio Silva
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e insistisse com S. Ex.ª para que desista do seu propósito.
O Sr. Américo Olavo: — Parece-me que êste assunto tem de ser observado por outro lado. A Câmara tem o direito de preguntar ao Sr. Plínio Silva o motivo por que se afasta, e S. Ex.ª tem o dever de responder.
O Sr. Presidente: — Em vista da segunda carta que o Sr. Plínio Silva me escreveu, eu estou inibido de procurar S. Ex.ª
O Sr. Vitorino Guimarães: — Acho que deve ser nomeada uma comissão para desempenhar as mesmas funções de que a Mesa foi incumbida.
Apoiados.
O Sr. Presidente: — Nomeio a seguinte comissão para procurar o Sr. Plínio Silva:
Almeida Ribeiro.
Sampaio Maia.
António Maia.
O Sr. Fausto de Figueiredo: — Eu tenho uma grande consideração pelo Sr. Plínio da Silva, mas temos que respeitar os princípios e temos que pugnar e manter a autoridade de V. Ex.ª Isto não modifica em nada o respeito e consideração que tenho pelo Sr. Plínio Silva, com cuja amizade pessoal me honro e que é alguém nesta Câmara; mas primeiro estão os princípios, e está V. Ex.ª
O orador não reviu.
O Sr. Américo Olavo: — Como não está presente o Sr. Ministro do Comércio, peço ao Sr. Ministro da Instrução o favor de transmitir ao seu colega do comércio as minhas considerações.
lontra na sala o Sr. Ministro do Comércio.
O Orador: — Visto já estar presente o Sr. Ministro do Comércio, eu direi a S. Ex.ª que há falta de zêlo do Sr. director das obras públicas de Viseu no exercício das suas funções. S. Ex.ª nada faz.
Não me move intuito algum pessoal contra S. Ex.ª, que não conheço, e só sei do abandono em que deixa os serviços da sua área em Viseu.
Há muitos anos que está intransitável a estrada que liga o Bussaco a Viseu. Por pedidos aos antecessores de S. Ex.ª, alguns recursos se conseguiram; mas só uns 1:500 metros se arranjaram, de forma que no tempo das chuvas estão interrompidas as comunicações entre o Norte e o sul da Beira.
Por mais diligências que se façam, o funcionário nada faz, conservando-se no mesmo silêncio e na mesma inércia.
A respeito dêste funcionário vou ainda citar outro caso a S. Ex.ª
Há muito tempo que é reclamada a obra da abertura de uma estrada por dentro da aldeia de Cabanas, porque assim se obtém uma mais rápida ligação entre o concelho de Oliveira do Hospital e a cidade de Viseu.
Com essa obra, além de um grande melhoramento para a vila de Cabanas, que é muito importante, encurta-se o caminho para a cidade de Viseu em 8 quilómetros, o que é precioso.
Ora está concedida há muito tempo ti verba indispensável para se fazer, pelo menos, uma parte da estrada; mas, apesar dos muitos meses decorridos, eu posso assegurar a V. Ex.ª que não estão ainda iniciados nenhuns trabalhos.
Eu compreendo que V. Ex.ª, Sr. Ministro, não pode dentro do orçamento do seu Ministério e com os recursos que tem à sua disposição, acudir a todas as estradas do País; mas o que não compreendo é que V. Ex.ª não chame ao rigoroso cumprimento dos seus deveres os funcionários que estão na direcção das Obras Públicas e que têm à sua disposição os recursos necessários para fazer os trabalhos pedidos. Quem não quiser ser funcionário, que o não seja, mas quem o fôr fica na obrigação de cumprir exactamente aquilo que está a seu cargo, e tem V. Ex.ª o dever de lhe exigir o cumprimento dessa obrigação.
Eu não quero que V. Ex.ª faça juízo exclusivo pelas minhas palavras; e por isso peço a V. Ex.ª que inquira pelo seu Ministério e mesmo junto do chefe dos serviços de estradas, do que se tem passado nas obras públicas de Viseu.
E assim, se de facto V. Ex.ª verificar que as minhas palavras correspondem inteiramente à verdade, só quero que V. Ex.ª aplique ao funcionário referido a sanção que êle merece, pedindo ao Parlamento
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as medidas indispensáveis, se entender que as suas atribuïções são insuficientes para o punir como fôr de justiça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Vaz Guedes): — Sr. Presidente: desde já comunico ao Sr. Américo Olavo que, desconhecedor dos factos que S. Ex.ª alegou, imediatamente vou inquirir deles. Mas desde já posso também dizer que por motivo semelhante, por motivo do queixas vindas do Algarve, foi transferido o respectivo chefe de divisão.
Eu vou inquirir do quê há a respeito do que, S. Ex.ª se queixou, porque há uma cousa com que não transijo: é deixarem-se de reparar estradas dentro dos limites das verbas existentes; eu vou inquirir e direi depois ao Parlamento o que apurar.
Tenho dito.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: li ontem no jornal O Século que se estava construindo em Caceres um aeródromo que servirá para a linha aérea a estabelecer entre Lisboa e Génova.
Mas eu desejava que o Sr. Ministro do Comércio me informasse se há alguma cousa estabelecida a respeito dessa linha, porquanto sei que há várias propostas para o estabelecimento de carreiras várias, o era conveniente que elas não- fossem resolvidas de forma a não só cair em monopólios ou em qualquer cousa prejudicial à nossa, defesa militar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Vaz Guedes): — Sr. Presidente: comunico ao Sr. António Maia que não sei nada de teve a respeito do que S. Ex.ª me preguntou.
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: desejava fazer ao Sr. Ministro do Comércio algumas preguntas sôbre assuntos que é necessário esclarecer, para que a Câmara e o País fiquem sabendo com exactidão o que se passa acêrca deles; chamo, por isso, a atenção do S. Ex.ª
Sr. Presidente: veio nos jornais a notícia do que o Govêrno cedera os pavilhões da Exposição do Rio de Janeiro: o da indústria, à colónia portuguesa do Brasil; o de honra, ao Govêrno brasileiro.
Desejo preguntar ao Sr. Ministro do Comércio, em primeiro lugar, em que lei se baseou o Govêrno ou o titular da pasta do Comércio para fazer essas cedências; e, em segundo lugar, em que termos elas foram feitas.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Vaz Guedes): — Sr. Presidente: tenho a honra de comunicar ao Sr. Nuno Simões que a respeito da cedência dos pavilhões portugueses da Exposição do Rio de Janeiro nada foi deliberado pelo Govêrno.
Se os pavilhões ainda fossem do Estado, seria talvez oportuno trazer ao Parlamento qualquer proposta no sentido da insinuação, aliás muito patriótica, feita pelo Sr. Ricardo Severo, o de que o Sr. Deputado se fez eco. Parece, porém, que aqueles pavilhões foram vendidos ao abrigo dum diploma legal, pertencendo hoje ao Banco Ultramarino.
Nestes termos, em quanto a questão não é liquidada, não pode o Govêrno dispor daquilo que por uma escritura, que eu verifiquei, foi cedido, embora eu não conheça ainda em definitivo da sua legalidade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões (para o Sr. Presidente): dar-me-ia por satisfeito com as explicações do Sr. Ministro do Comércio, que aliás só se referiram à sua acção, só das fossem de aceitar. Mas os Govêrnos não tem solução de continuidade, o por isso eu desejo saber peremptòriamente o seguinte:
A que título ou a que pretexto o Sr. Ministro do Comércio disse que tinham sido mandados alienar pavilhões que eram propriedade do Estado?
Porque é que não se anulou a venda dêsses pavilhões só realmente ela foi feita indevidamente, e não se pediram responsabilidades aos autores dessa venda ilegal?
Como é que o Sr. Ministro do Comércio, tendo, como tem tido, uma acção, discutível em certos pontos, mas de energia, no caso da nossa representação na Expo-
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sição do Rio do Janeiro, não chamou a si o assunto para o resolver definidamente?
Era a isto que eu desejava que S. Ex.ª me respondesse.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Queiroz Vaz Guedes): — Em resposta ao Sr. Nuno Simões, devo informar que há realmente um diploma legal que autorizou a venda dos pavilhões. Foi dessa autorização que o comissário se serviu para alienar êsses pavilhões ao Banco Nacional Ultramarino, pela quantia de 1:000 contos brasileiros, sem, contudo, deixar de existir a possibilidade da rescisão do contrato, passando para o Estado os mesmos pavilhões mediante o pagamento de 1:100 contos brasileiros.
Se o Govêrno não tem usado dêsse direito de remissão é porque tem verificado que faria uma operação talvez gravosa para o Tesouro, uma vez que o valor da sucata dos pavilhões desmontado s. é calculado em verba não superior a um têrço daquilo que deveria ser pago ao Banco Ultramarino.
Aqui está porque, na expectativa de se trazer para o Estado uma operação ruinosa, o Govêrno se tem mantido 110 ponto do vista de, pelo menos, não impugnar, por ora, salvo indicação em contrário do Parlamento, o contrato em questão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: numa entrevista concedida pelo Sr. Alto Comissário em Angola, Sr. Norton de Matos, S. Ex.ª fez as seguintes afirmações:
Primeiro, que estava fazendo compra de cambiais em Cubo Verde.
Segundo, que as notas de Angola tinham curso forçado em Cabo Verde.
Não nos trouxe S.. Ex. a nenhuma novidade com essas afirmações, produzindo ainda a de que as transferências feitas de Cabo Verde para a Metrópole estavam sendo oneradas, com uma porcentagem de 20 por cento. E necessário lembrar que o contrato celebrado entre o Banco Ultramarino e o Estado limita o montante da circulação fiduciária em todas as colónias a 30:000 contos.
O Sr. Alto Comissário de Angola, legal ou ilegalmente, não aprecio isso agora, fez um novo contrato com o referido Banco elevando a circulação fiduciária em Angola a 50:000 contos.
Há já muito tempo que em Cabo Verde apareço, grande quantidade de notas da circulação de Angola. Não há dúvida de que isso é absolutamente abusivo.
O Sr. Alto Comissário de Angola, fazendo um novo contrato com o Banco Ultramarino, não podia tornar de curso forçado nas outras colónias as notas postas em circulação por êsse novo contrato.
Se é certo que S. Ex.ª tem poderes extraordinários, não é menos certo que êsses poderes se entendem circunscritos à província de Angola. Não os pode exercer em relação às outras colónias, levando-as para a ruína, e digo ruína porque as notas que circulam em Cabo Verde, tem já uma depreciação de 25 por cento, e não do 20 por cento, como S. Ex.ª declarou.
A circulação fiduciária de Cabo Verde está aumentada seis vezes, porque o Sr. Alto Comissário de Angola, abusando dos poderes que lhe foram conferidos, encarrega entidades particulares de em Cabo Verde obterem cambiais a todo o preço. As últimas notícias que tenho dizem-mo que em S. Vicente se estão comprando libras a 146$.
Está sendo criada uma grave situação pura a província de Cabo Verde. Urge que o Sr. Ministro das Colónias intervenha perante o Banco para que, cumprindo-se a lei, mande, pelo menos, lançar nas notas de Angola, em circulação na província de Cabo Verde, a sobrecarga de Cabo Verde, proibindo-se seguidamente a circulação forçada das notas de Angola.
Se assim não se fizer, chegaremos a uma situação desastrosa, porque não pode qualquer província desenvolver-se quando as necessidades do importação se acentuam, estabelecendo uma moeda privativa que intensificaria imediatamente a sua depreciação.
Esperando que o Sr. Ministro das Colónias lance sôbre o assunto mais alguma luz, tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Lúcio de Azevedo: — Em nome da comissão de finanças mando para a Mesa o parecer sôbre as propostas apresentadas há dias pelo Sr. Ministro das Finanças.
Atendendo à urgência que há em as discutir, eu peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o favor de instar com a Imprensa Nacional para que a impressão dêsse parecer se faça ràpidamente, a fim de ser distribuído o mais depressa possível.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: começo por agradecer ao Sr. Ministro das Colónias a gentileza que significa para mim a sua comparência nesta Câmara com grave risco da sua saúde.
Sei o quanto isso representa do sacrifício para S. Ex.ª Não ignoro que foi Durante a interpelação realizada pelo Sr. Álvaro de Castro, ilustre leader do meu partido, que S. Ex.ª, atacado de doença, se ausentou dos trabalhos parlamentares.
Apesar de S. Ex.ª entender que a sua presença neste momento, em que se encontra ainda doente, pode, porventura, melindrar o Sr. Álvaro de Castro, a verdade é que o assunto de que desejo ocupar-me é de tal magnitude que S. Ex.ª se viu forçado ao duplo sacrifício de aqui comparecer.
Segundo Vi, porém, há pouco, no jornal A Pátria, é intenção do Sr. Álvaro de Castro ocupar-se também do assunto. Se eu há mais tempo tivesse lido êsse artigo, certamente teria esperado dois ou três dias, aguardando a presença de S. Ex.ª Mas como só tive conhecimento do seu propósito depois de ter pedido a palavra, eu resolvi usar dela para que se não atribuísse o meu inesperado silêncio a quaisquer conluios com o Govêrno.
O assunto é realmente, entre todos os grandes assuntos que neste momento interessam à vida nacional, o mais importante, porque afecta directamente a sua soberania. É preciso, portanto, que êle seja inteiramente esclarecido.
Eu creio que o Sr. Ministro das Colónias mantém ainda sôbre as cousas de Moçambique a mesma opinião que me manifestou um dia no seu gabinete, numa entrevista que se dignou conceder-me. Ora essa opinião é absolutamente contrária aos pontos do vista que acaba de defender o actual Alto Comissário dessa província.
Para V. Ex.ªs compreenderem a gravidade do caso, devo esclarecer que, quando eu era Presidente do Ministério, o então Ministro das Colónias, em Conselho de Ministros, a que pertenciam mais três colegas nossos nesta Câmara, o Sr. Vitorino Guimarães, o Sr. Nuno Simões e o Sr. Mariano Martins, comunicou ao Conselho que tinha recebido um telegrama ou carta (não me recordo bem) do general Smuts, dizendo pouco mais ou menos que a pessoa que pelo Govêrno português deveria ser nomeado para representante das negociações do Convénio com a União Sul-Africana seria o general Freire de Andrade.
Era boa a pessoa indicada para decidir acêrca do destino do caminho de ferro de Lourenço Marques e relativo pôrto, bem como o da Beira e relativo pôrto.
A questão trouxe-me uma impressão que, em poucas palavras; traduzirei à Câmara — o general Smuts, ao iniciar as negociações com o Govêrno Português, pretendia assenhorear-se da província de Moçambique, assenhorear-se, por assim dizer, do que representa riqueza. Isto é dito sem que deixe de haver o reconhecimento das altas qualidades morais e intelectuais do general Freire de Andrade.
De resto é um conhecedor dêstes assuntos que acompanhou desde o primeiro Convénio.
Entendo que o Govêrno deveria colocar o general Freire de Andrade acima das nossas suspeitas — colocá-lo na posição de não poder suspeitar-se do seu patriotismo e da sua inteligência.
Porque assim entendo, fui de opinião que o Sr. Freire de Andrade devia ser nomeado nosso representante, não por influência de S. Ex.ª, nem para afastar suspeitas.
Era esta a opinião do Ministério e do próprio Sr. Rêgo Chagas, quando deu posse ao Sr. Rodrigues Gaspar, único Ministro do Sr. António Maria da Silva sobrevivente do cataclismo dessa ocasião.
Se intercalo êste assunto é porque entendo que Portugal, para a realização do novo convénio, não mandou delegados propositadamente para defender princípios, pelo contrário, mas negociando do
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forma que nem sempre está no ânimo dos negociadores, dos que representam o principal papel com muita competência e inteligência.
Não foi ainda possível realizar uma negociação, chegando a um acôrdo, não porque não estivesse à frente dos destinos da colónia alguém, porque são realmente alguém o nosso camarada Sr. Brito Camacho e Joaquim Machado.
O Sr. Freire de Andrade entendeu que era preferível sobrestar nas negociações, não porque possa haver duas opiniões sôbre o assunto, mas porque eram excessivos os pedidos do general Smuts.
Não posso dizer quais eram, pois desconheço-os.
Entendo que aos representantes da Nação deve dar-se conhecimento claro dos movimentos que interessam a nacionalidade.
Não sou só eu que ataco a política de silêncio do Sr. Ministro das Colónias, quanto a assuntos relativos aos interêsses nacionais — V. Ex.ª pode testemunhar a lealdade com que aqui e na imprensa eu procedi- assim entendo, e aos relativos aos interêsses directos das nossas colónias.
Mas era o comandante Sr. Leote do Rêgo um dos que mais condenavam a política de silêncio.
O convénio tem uma orientação que é importante para a vida portuguesa.
Era, além de português e Deputado, director do jornal O Século, e tinha a obrigação naquele momento, não de fazer silêncio, o que era impróprio, mas de examiná-lo, prestando ao País um alto serviço.
Pertencia ao número das pessoas das minhas relações um indivíduo que estava relacionado com um dos mais íntimos amigos do general Smuts, e que podia solicitar assentimento da parte do general Smuts para uma entrevista.
O meu estratagema não foi mau.
Não sei qual o juízo formado a meu respeito pelo general Smuts, ao ter conhecimento de que um jornal português pretendia uma entrevista.
O que é certo, Sr. Presidente, é que passado algum tempo, um mês talvez, a pessoa a que acabo de me referir entendeu por bem tratar do assunto por meio de um telegrama que foi publicado no jornal O Século, o qual tenho aqui presente e cuja tradução, se bem que não possa garantir de uma maneira segura a sua exactidão, ponho no emtanto o original à disposição de todos aqueles que o queiram examinar.
Depois disto, Sr. Presidente, apareceu no jornal O Diário de Notícias a entrevista com o general Sr. Freire de Andrade, entrevista essa que com outras que têm aparecido nos jornais justificam quanto a mim as apreensões que eu tenho sôbre o assunto.
Depois disto, Sr. Presidente, apareceu ainda um outro telegrama que veio publicado nos jornais, para o qual ou entendi dever chamar a atenção do Sr. Ministro das Colónias, visto êle conter duas palavras que se não compreendiam, tanto mais quanto é certo que o assunto mais interessava a S. Ex.ª do que pròpriamente a mim.
De tudo isto, Sr. Presidente, se pode antever determinado critério sôbre a administração do pôrto e caminho de ferro de Lourenço Marques, que considero na verdade altamente abonatório dos direitos e interêsses nacionais.
Depreende-se de tudo isto que há o1 propósito de fazer a entrega do pôrto e caminho de ferro de Lourenço Marques a uma companhia particular, entrando o Govêrno com o valor equivalente à avaliação que foi feita do pôrto e caminho de ferro, e a outra entidade com a importância que se julgar necessária para o complemento das obras e alargamento do pôrto.
O Sr. Presidente: — Devo prevenir V. Ex.ª que faltam apenas três minutos para se entrar na ordem do dia.
Vozes: — Fale, fale.
O Orador: — Agradeço à Câmara â sua atenção permitindo que eu continue no uso da palavra, e no intuito de corresponder a essa gentileza eu vou procurar ser o mais breve possível.
Pode-se, Sr. Presidente, admitir a hipótese do pôrto e caminho de ferro de Lourenço Marques virem a ser entregues a uma companhia particular em que tenham ingerência elementos da África do Sul?
Esta era a situação.
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Eu tive ensejo de conversar com o Sr. Ministro das Colónias, que quis ter para comigo n amabilidade de comunicar-me as suas impressões, e creio hão praticar nenhuma inconfidência dizendo que S. Ex.ª foi de opinião que ôste facto constitui um tentativa de alienação duma parto do nosso território.
Isto era o que eu conhecia do assunto, quando de repente começaram surgindo notícias nos jornais afirmando que o general Smuts estava gentilíssimo para connosco. Estas notícias eram levadas ao conhecimento de todos nós pela imprensa mundial, que dizia que o general Smuts tinha usado duma gentileza extrema para com o Sr. Teixeira Gomes, ilustre Presidente da Republica Portuguesa.
E claro que essa gentileza, derivou apenas da enorme consideração que o Sr., Teixeira Gomes, pelas suas altas qualidades de inteligência e de carácter, merece à Inglaterra; e êsse procedimento da, parte da Inglaterra não representa senão uma justa consagração às altas qualidades do Sr. Teixeira Gomes.
Para o público português essa, manifestação pode ser interpretada, a serem verdadeiras as notícias dos jornais, como uma amabilidade com que o general Smuts queria pagar a cedência duma parta da nossa soberania, o que é absolutamente incomportável com o nosso patriotismo.
Duvidei, portanto, dessas notícias; e ontem, quando pedi a palavra sôbre êste, assunto, não o fiz para arrancar ao Govêrno segredos acêrca das negociações entabuladas, mas tam somente para obter um desmentido àquelas afirmações que dizem que, depois de tantos sacrifícios, nós que tínhamos, comparticipado na guerra, íamos fazer a vontade ao general Smuts, alienando, ou discutindo sequer, a alienação duma parte da nossa soberania.
No meu sentir isso era absolutamente impossível, isso tinha de ser absolutamente falso.
Quando ontem anunciei que ia pedir a palavra — repito-o — outro intuito não me moveu do que o de provocar um desmentido do Govêrno, para tranquilidade da nossa consciência e do nosso patriotismo alvoroçado.
Peço ao Sr. Ministro das Colónias que não pense que neste momento existe da minha parte o mais levo propósito de especulação política.
Mas, Sr. Presidente, depois de ou ter pedido a palavra, produzirem-se dois factos antagónicos que me deixam absolutamente desnorteado.
Um dêsses factos foi a entrevista que o Sr. Vítor Hugo de Azevedo Coutinho, Alto Comissário de Moçambique — e se S. Ex.ª começa a sua acção por esta forma eu poderei classificá-lo de infeliz Alto Comissário — concedeu a um jornalista, e em que S. Ex.ª diz:
Leu.
Ponhamos de parto a insuficiência mental revelada nestas palavras, convencidos de que da não deve ser atribuída a S. Ex.ª, mas à pressa com que o jornalista nautas vezes tem de ouvir e transmitir ao público as palavras proferidas por pessoas tam inteligentes como o Alio Comissário de Moçambique.
S. Ex.ª arrepia-se com a idea de que digam que há intermediários na questão do empréstimo, mas S. Ex.ª, que começa por dizer que não se sabe ainda, onde e quando êsse empréstimo se realizará, não sente arrepios nenhuns com a idea do parágrafo da sua entrevista, que diz:
Leu.
S. Ex.ª começa por dizer que é preciso haver um contrato a respeito do caminho de ferro de Loureuço Marques e que depois seria constituída uma emprêsa para esto caminho de ferro. S. Ex.ª confessa ser verdade que pensa em alienar o caminho de ferro a uma emprêsa particular, e isto é uma obra anti-patriótica.
O Sr. Ministro das Colónias parece, desmentir esta notícia e estamos, portanto, em frente do dois factos antagónicos.
O Sr. Nuno Simões (àparte): — O Sr. Ministro das Colónias, fez um desmentido categórico.
O Orador: — O Alto Comissário afirma, e o Sr. Ministro das Colónias nega uma cousa que há nove ou dez meses anda pairando sôbre a sociedade portuguesa como um sobressalto acêrca dos destinos desta terra, como um crime que pretende fazer-se contra aquelas que ao lado do general Smuts, que ao lado dos sul-africanos, verteram o seu sangue em defesa
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duma causa que se diz que foi a Liberdade, o Direito e a Justiçai
Não!
O ditador da África do Sul não pode permitir-se amarfanhar-nos com a nossa cumplicidade!
Não há nas minhas palavras o mínimo ataque ao Sr. Ministro das Colónias.
Desejo simplesmente que S. Ex.ª, digno como tem sido sempre, português verdadeiramente amigo do seu País e da sua Pátria, nos diga que está de acôrdo com aquelas palavras que ainda hoje trocámos, quando ambos classificávamos de anti-patriótico qualquer cousa que se fizesse nestas bases.
Pelo muito que conheço S. Ex.ª e pelo culto que presto às suas qualidades, quero que S. Ex.ª afirme claramente que o Alto Comissário se enganou, que nem o Ministro, nem a Câmara, nem nenhum português lhe deixaria sequer emitir a idea de que é possível negociar sobra essas bases, que nos cobririam de vergonha e nos permitiria gritar ao mundo civilizado que o Direito e a Justiça são uma mentira que os fortes empregam para convencer os fracos a servirem-nos quando dêles precisamos, entregando-os depois manietados aos seus inimigos.
Isso representaria uma tal afronta feita pela Inglaterra — que ainda hoje discute com a França a questão do Ruhr, classificando-a de injustiça- contra aqueles que a ajudaram a vencer a Alemanha, que eu entendo que estas palavras ficam mal na bôca de um Alto Comissário, o que o que o Sr. Ministro das Colónias tem a fazer é repudiá-las.
Foi para ouvir de S. Ex.ª essa declaração que eu pedia a palavra, e não para pôr em cheque o Govêrno.
Que o Govêrno dure, que seja eterno, mas que não faça da República o que a monarquia era na mão dos monárquicos, e que a vergonha de 1891 não se repita.
Que morra a nossa Pátria, mas que nós não a deshonremos nunca.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — Vou dar a palavra ao Sr. Ministro das Colónias; e deve dizer que S. Ex.ª não respondeu imediatamente ao Sr. Carlos de Vasconcelos, porque o seu estado de saúde o impede de falar muito tempo.
Como S. Ex.ª não pode levantar a voz e fazer-se ouvir bem da Câmara, peço aos Srs. Deputados que se acerquem do S. Ex.ª
Quanto ao facto de falar em resposta ao Sr. Cunha Leal, estando pendente uma interpelação do Sr. Álvaro de Castro a que S. Ex.ª não acabou de responder, isso é devido à falta de saúde, motivada pelo esfôrço que fez nessa ocasião em que respondeu ao Sr. Álvaro de Castro, estado de saúde que não é ainda completamente satisfatório.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Colónias.
O Sr. Ministro das Colónias (Rodrigues Gaspar): — Sr. Presidente: tenho que agradecer a V. Ex.ª e à Câmara a benevolência com que me têm dispensado de usar da palavra, depois do incidente que me impediu de falar por falta de saúde.
Ainda neste momento não estou em condições de poder abusar; mas tencionava já prevenir a Presidência desta Câmara de que desejava continuar as minhas considerações em resposta ao Sr. Álvaro de Castro.
Tive porém conhecimento de que o Sr. Cunha Leal tinha pedido a minha comparência, porque entendia que era necessário e indispensável eu vir à Câmara esclarecer pontos que S. Ex.ª considera de alta importância.
Agradeço ao Sr. Cunha Leal todas as palavras de consideração que teve para comigo e que muito aprecio; e devo acentuar desde já que a acção do S. Ex.ª quando dirigiu um jornal do grande circulação foi a mais patriótica o elevada que se pode imaginar, porque compreendeu bem qual a situação especial do nosso país e os cuidados que era necessário ter era certas discussões.
Isto só sabe apreciar quem como S. Ex.ª esteve já no Poder.
Sr. Presidente: não tinha visto a notícia nos jornais de que várias negociações se estavam fazendo em Inglaterra com relação à província de Moçambique.
Eu tive porém conhecimento de uma
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cousa que me pareceu gravo; e foi então que eu disse que era necessário dar para os jornais um desmentido a tais notícias.
Devo dizer que quando recebi a pasta das Colónias da mão do Sr. Rêgo Chaves, S. Ex.ª disse-me que a pessoa que devia ir negociar com a África do Sul era o Sr. general Freire de Andrade, pois que eu não devia desconhecer o valor do Sr. Freire de Andrade e os conhecimentos que êle tinha da província de Moçambique.
As instâncias do Sr. Alto Comissário para que fôsse nomeado o Sr. Freire de Andrade também se produziram, declarando o Alto Comissário que o Sr. Freire de Andrade era conhecedor dos assuntos daquela província e até da intimidade e amigo do Sr. Smuts, indo assim êste Senhor encontrar para negociar pessoa que lhe ora agradável, podendo conseguir o que outra pessoa não conseguiria; e assim o Sr. Freire do Andrade poderia bem servir o seu país dadas essas condições.
São estas as razoes que influíram na nomeação do Sr. Freire de Andrade.
A idea do ligar o pôrto e o Caminho de Ferro de Lourenço Marques à direcção de uma companhia, já eu disse que a repudiava, repudio e repudiarei.
Apoiados.
Êste assunto foi aqui exposto pelo Sr. Leoto do Rêgo; mas eu já o sabia muito, bem e até da origem de onde vinha.
Um outro ponto que é preciso esclarecer por uma maneira clara e positiva é a questão do convénio.
O Sr. Augusto Soares tem procurado por todas as formas chegar a bom caminho, mas é preciso ver bem que nada tem o convénio com as negociações.
Tem-se falado aí no em prostituo alienando o caminho de ferro e o pôrto.
Isso não tem o mais pequeno fundamento.
As duas questões são completamente diferentes; só têm de comum o serem tratadas na mesma ocasião e como estas questões têm sido tratadas nesta ocasião o Sr. general Smuts vem à Europa.
Repito, repudio tudo e qualquer cousa não com isto tenha libação.
Eu tenho tido muitas conferências com o Sr. Alto Comissário. Mantemos os mesmos pontos do vista; o não posso atribuir essas notícias a que V. Ex.ª se referiu senão a qualquer precipitação do apontamentos.
Creio que tenho respondido por uma forma categórica.
Com respeito a Salónica, eu também não aceito e as condições são completamente diversas.
Ninguém pode acusar-me do não se fazer um bom convénio.
A nossa situação, Sr. Presidente, é deveras melindrosa; porém, ninguém poderá dizer, sôbre qualquer pretexto, que temos deixado de favorecer o Interland, cumprindo os nossos deveres de colonizadores, pois a verdade é que temos feito tudo quanto é possível para o seu desenvolvimento, assistindo-nos, pois, inteira justiça, e quem tem a fôrça de fiel cumpridor dos contratos; quando muitas vezes não foram respeitados pela outra parte. Dão pode ter receio.
Do que a Câmara pode estar certa é que tudo quanto representar um atentado contra a nossa soberania terá sempre o meu protesto e o meu voto contrário, e qualquer convénio que venha a fazer-se será aqui presente, a fim do ser devidamente analisado.
Creio, Sr. Presidente, ter respondido cabalmente a todas as considerações feitas pelo ilustre Deputado o Sr. Cunha Leal, e, para terminar, agradeço-lhe mais uma vez as referências amáveis que me fez.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer ao Sr. Ministro das Colónias as explicações que me deu, as quais aliás me satisfazem cabalmente, o que, na verdade, é bom que se diga, a fim de que senão possa dizer que a oposição tem o propósito de nunca se convencer.
A verdade é que os Deputados da oposição ficam satisfeitos quando, como no caso presente, se lhes responde claramente.
O que seria de todo o ponto conveniente era que a afirmação feita pelo Alto
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Comissário fôsse devidamente esclarecida, como aliás êle tem obrigarão de o fazer, pois a verdade é que se não compreende que se fale em negociações que nós sabemos muito bom serem os desejos da União Sul-Africana.
Só do facto o nosso Alto Comissário fez tais afirmações, não posso deixar de considerar, repito, o seu acto pouco feliz, pois a verdade é que tais palavras ficam mal na bôca dum Alto Comissário, sendo, portanto, do toda a conveniência que S. Ex.ª esclareça o assunto, como aliás é do seu dever.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.
Em virtude da penalidade imposta ao Sr. António Maia, S. Ex.ª ficou impossibilitado de receber, durante o tempo que esteve preso, os seus vencimentos, quer de oficial, quer de Deputado.
O Sr. António Maia requereu para lhe serem pagos os seus vencimentos de Deputado. A comissão de finanças deu parecer favorável.
O Sr. Carvalho da Silva: — Entre um pouco contrariado na apreciação do assunto em debate, porque é devorar, desagradável a situação em que me encontro, colocado como estou entro a defesa de princípios por mim já sustentados nesta Câmara e o desejo de não susceptibilizar quem quer que seja.
Não posso, porém, deixar de justificar em breves palavras a razão por que não dou o meu voto ao parecer em discussão.
Os parlamentares, em meu entender, não deviam receber vencimento, mas sim um subsídio. É certo que a Câmara, contrariando a minha opinião, votou a concessão dum vencimento anual. Isso não me impede, todavia, de continuar fiel ao meu ponto de vista. Esta circunstância inibo-mo do dar o meu voto ao parecer em questão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
A Câmara aprova o parecer da comissão de finanças.
É aprovada a acta.
ORDEM DO DIA
Continuação do discurso sôbre o parecer n.º [...] (Companhia dos Tabacos)
O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: tendo-se esgotado os exemplares do parecer sôbre a proposta do ex-Ministro das Finanças, Sr. Vitorino Guimarães, o tendo eu perdido aquele que me fora distribuído, vejo-mo na contingência do ter de falar um pouco de cór.
Não posso, porém, em primeiro lugar, deixar de louvar o Sr. Velhinho Correia, actual titular da pasta das Finanças, por ter apresentado a sua contra-proposta. O facto, só prova quanto S. Ex.ª se interessa pelas cousas do Estado, tanto mais que me parecia gravo a Câmara dar ao Govêrno autorização para negociar o acôrdo a estabelecer com a Companhia dos Tabacos.
O contra-projecto da comissão era mil vezes mais perigoso que a proposta do!Sr. Portugal Durão. Foi isso bem evidenciado pelos Srs. Ferreira de Mira e Morais Carvalho, que, ao tratarem do assunto, fizeram ressaltar que no relatório dêsse contra-projecto só continham afirmações tam imprudentes que poderiam servir de instrumento contra os interessem do Estado, logo que acabasse o prazo do contrato.
E, a propósito, seja-mo permitido exteriorizar o meu contentamento por ter verificado que, nem mesmo vencido, qualquer dos meus correligionários assinou êsse contra-projecto da comissão de finanças.
Reconheço o alto interêsse patriótico que há em regularizar o assunto, mas receio que o Parlamento conceda uma autorização que possa trazer embaraços ou mesmo prejuízos para o Estado.
Eu tenho os meus receios; e por isso é que desejava que o Sr. Ministro das Finanças de então, meu velho amigo Sr. Vitorino Guimarães, a quem presto as minhas homenagens, em vez de ter trazido as cláusulas muito imprecisas dum novo contrato, estudasse e truxesse o acôrdo completo a estabelecer com a Companhia.
Que elementos tenho eu para poder apreciar a proposta de lei em discussão?
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Sei apenas, pela leitura que dela fiz, que o Estado pretende arrancar 6:000 contos, para o que terá de permitir o aumento dos preços das diferentes marcas de tabacos e o aumento dos direitos do tabaco estrangeiro.
Para podermos estudar convenientemente êste importante assunto, falta-nos um relatório bem elaborado e elucidativo, faltam-nos os números estatísticos e todos os elementos indispensáveis ao caso.
É nestas condições que o Sr. António Maria da Silva quere uma autorização para negociar êste contrato!
Não pode ser, Sr. Presidente.
É necessário que o Govêrno aqui nos traga, o acôrdo completo e nós o discutiremos com elementos e números.
Já há muito que deviam ter sido fornecidos a esta Câmara os números que nos habilitassem a votar com consciência um assunto desta magnitude.
Tal, porém, não se fez, e os Ministérios, como disse o honrado e velho republicano Dr. Jacinto Nunes, arrogam-se o direito de legislar até sôbre aquilo que é privativo do Congresso.
Apoiados.
E então, sem. elementos de estudo, por maldade ou por incompetência, fazem-se os maiores disparates prejudicando a economia e os interêsses da Nação.
Ainda ontem tive oportunidade de afirmar à Câmara que foi feita a reforma da pauta aduaneira, trazendo-se graves prejuízos para a economia nacional, porque o Ministro, que faz o que lhe apetece, sôbre aquilo que já era proibitivo ainda lançou mais impostos.
É de lamentar que os govêrnos, que devem possuir elementos de informação para saberem os preços por que os produtos estão nos mercados, por nada disso se interessem, legislando sôbre o joelho, como se tudo isto fôsse uma rapaziada, e dando-nos a impressão de que na República não há homens capazes de administrar.
Apoiados.
Basta! Já é tempo de termos juízo.
Que os homens públicos do meu País se compenetrem de que não é Ministro quem quere.
Mas pregunto eu ao ilustre titular da pasta das Finanças — não sabendo, aliás, só S. Ex.ª será o negociador dêste contrato, mercê das flutuações da política, que faz com que os Ministros se sucedam dia a dia numa velocidade de expresso nas cadeiras do Poder — mas pregunto ao Ministro das Finanças actual o seguinte: o que sabe a Câmara dos lucros recebidos pelo Estado até hoje da Companhia dos Tabacos? o que sabe a Câmara dos vencimentos do pessoal, quer do da recrie, quer do outro? o que sabe a Câmara do aumento dá fiscalização, dos sôbre-encargos industriais, etc.? Di-lo o relatório? Não; o relatório não diz nada.
É indispensável que em 1926, quando terminar o contrato, o Estado fique absolutamente livre para negociar outro.
Eu, se tiver tempo e a Câmara mo permitir, hei-de provar quanto representa ou pode representar para a economia do País um assunto da magnitude daquele de que nos estamos ocupando.
Sr. Presidente: lamento profundamente que assuntos desta importância sejam em regra tratados pelos nossos homens públicos com menos cuidado e carinho. Naturalmente, se se tratasse da nomeação de algum regedor ou a demissão de algum polícia, toda a Câmara estaria entusiasmada por essa questão.
Mas, voltando ao fio das minhas considerações, devo mais uma vez repetir que esta proposta foi presente à nossa apreciação sem os devidos elementos de estudo. Todavia, hei-de provar o alto valor que representa o assunto em discussão, para que a Câmara não vá votar uma autorização que amanhã, nas mãos da Companhia, pode ser uma arma tremenda contra os sagrados interêsses da Pátria.
Sr. Presidente: eu reconheço a urgência em se legislar sôbre êste assunto, já porque o Estado tem sido grandemente prejudicado nos seus interêsses,Já porque a Companhia necessita que lhe actualizem os preços dos seus produtos, visto os sôbre-encargos industriais serem bastante pesados.
Mas, pregunto: Em que condições se vai fazer isso?
Não sabemos, porque o Sr. Ministro não nos deu os devidos elementos de estudo.
Porém, tenho o direito de censurar semelhante atitude.
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Em muitos actos da vida administrativa portuguesa existem provas morais de tal natureza que em outro qualquer país seriam suficientes para levar alguns homens públicos aos bancos onde os criminosos costumam prestar contas das suas acções.
Entre nós, de há muito se adoptou o regime do segredo até em matéria administrativa; isto num país que se intitula democrático, mas onde afinal a democracia não passa de uma palavra vã, mesmo nociva, tanto ela tem servido de manto ao compadrio de meia dúzia de felizes que os acasos da sorte atiraram para as culminâncias do Poder.
Felizmente não perdi, ainda, inteiramente a fé nos altos destinos da República; a Nação há-de acabar por reagir contra a obra nefasta dêstes últimos anos, colocando à sua frente os valores capazes de administrar.
Faço parte desta Câmara há cêrca de 12 anos, e estou já farto de ver passar por aquelas cadeiras valores negativos e, o que é pior, valores absolutamente nefastos. E tempo de mudar de rumo; as circunstâncias impõem-no e o País exige-o.
Sr. Presidente: há na contra-proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças uma cláusula que eu gostaria de ver explicada por S. Ex.ª
Refiro-me à cláusula da alínea i) do artigo 3.º
Sabe o Sr. Ministro das Finanças que essa cláusula não faz parte do contrato actual e sabe, também, que essa obrigatoriedade desaparece por fôrça das circunstâncias.
A cultura do tabaco na região do Douro não daria, assim, qualquer espécie de remuneração aos proprietários.
O proprietário abandonou inteiramente o assunto, dedicando-se a serviços mais lucrativos.
Será para substituir essa arbitrariedade que no fim de três anos se vem incluir uma disposição nova na lei, que pode ser mais uma arma na mão da companhia contra a liberdade que o Estado deve ter quando acabar o contrato?
O Sr. Ministro deve saber que há uma lei especial relativa a tabacos com relação às colónias.
Que necessidade há de misturar assuntos que não têm ligação, e por isso eu chamo a atenção do Sr. Ministro.
A alínea i)...
Que significa essa alínea, que não traz vantagem para o Estado, o que só serve para baralhar a questão?
S. Ex.ª explicará decerto.
Eu não sei se S. Ex.ª tenciona importar tabacos das colónias.
Chamei a atenção da Câmara para êste assunto porque êle é de importância, e orgulhando-me de ser republicano, mas não como tantos que o dizem ser, eu desejo o assunto esclarecido o que se façam as respectivas negociações com todas as cautelas para honra de nós todos republicanos e portugueses.
O contrato que se fez no tempo da monarquia, apesar da história dos sobrescritos, foi um contrato que foi considerado dos mais belos o perfeitos.
Negociando o contrato dos tabacos, nós vamo-nos encontrar diante de um problema que comporta três soluções.
Nós optamos pelo regime da liberdade, ou pela régie, ou pelo exclusivo ou monopólio.
Nós necessitamos estar inteiramente livres para negociar o novo contrato.
Tenho modo de que isso não se dê, e por isso desejo que o Sr. Ministro tome todas as cautelas, e preferia que S. Ex.ª nos apresentasse o acôrdo completo, em vez do que nos apresenta, que é vago e que pode trazer prejuízos ao Estado.
Mas vejamos a importância dêste assunto.
Está hoje comportada a importação quer de tabaco em rama, quer de tabaco manufacturado em cêrca de quatro milhões de libras.
Digo isto não porque o saiba por qualquer relatório, porque o não tem nem a contra-proposta nem o contra-projecto.
Não há elementos para estudo.
Tive de colhê-los com o maior cuidado, seriedade e honestidade para poder apresentá-los à Câmara.
Toda a obra é imprecisa para as pessoas que se ocupam dêstes assuntos.
Mas, dizia eu, o valor da importação é computado em quatro milhões de libras.
A comissão de finanças estabelece, para algumas das suas bases, o valor dos direitos do importação em 36$, se me não engano.
Quero porém ser mais modesto, farei as contas apenas a 30$ que multiplicados
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por quatro milhões são 120:000 contos.
Sabe a Câmara quanto o Estado recebo, actualmente pelo contrato? 6:500 contos, o mais uns pòzinhos, que o Sr. Ministro das Finanças poderá informar a Câmara quanto representam.
Mas sabe também a Câmara qual é o encargo do empréstimo, por virtude do contrato? 33:000 contos aproximadamente.
Deve ficar em 26:000 contos o deficit.
Não há nada melhor do que falar em números porque elos são exuberantemente elucidativos.
Um contrato desta ordem não pode fazer-se de ânimo leve, e a Câmara deve saber bem o que vai votar.
Pausa.
A Câmara o V. Ex.ªs perdoarão, mas não enviei, como é dever regimental, a minha moção para a Mesa.
A ela do seguinte teor:
Moção
A Câmara, reconhecendo que as várias propostas apresentadas não satisfazem à conveniente solução do assunto em discussão por não trazerem um elucidativo relatório que a habilite a pronunciar-se, convida o Govêrno a apresentar um acôrdo completo a estabelecer com a Companhia dos Tabacos e passa à ordem do dia.
12 de Outubro de 1923. — Francisco Cruz.
Como V. Ex.ªs vêem, a minha moção assenta sôbre raciocínios e afirmações que tenho feito.
Dizia eu que no regime da liberdade, julgo poder obter-se mais de 120:000 contos, elevando, é claro, o imposto do importação. Sôbre âste vício é que deve incidir grande imposto, pois todos os vícios se pagam bem, como V. Ex.ªs sabem, e até há o luxo de pagar muito para fazer boa figura.
Mas pode obter o Estado, seguindo os meus cálculos, mais 12:000 contos.
Assim, Sr. Presidente, nós teríamos mais 12:000 contos a juntar aos 120:000 o som encargos alguns para o Estado, pois os réditos aduaneiros estão mantidos por forma que o Estado não gastaria, mais com a guarda fiscal num com o B agentes fiscais.
Veja V. Ex.ª que operação tara importante que poderia servir de base a outras operações financeiras! O que se vê por tudo isto é que o Estado tem sido defraudado em muito dinheiro.
Eu reputo urgente e necessário que se faça esta operação, mas com toda a cautela. Eu já mostrei à Câmara a importância dêste assunto. Emquanto à régie oponho-mo a ela por todas as formas, pois tem-se visto o que o Estado é como administrador. Bastam os Transportes Marítimos; e não vamos nós buscar mais misérias para juntar a estas.
Mas, Sr. Presidente, o regime de liberdade, a meu ver, seria o mais favorável para o Estado.
Eu, Sr. Presidente, se um dia viesse a ocupar as cadeiras do Poder, o que tal não acontecerá, visto que não tenho competência para tal...
Vozes: — Não apoiado.
O Orador: — Mas se viesse a gerir a pasta das Finanças, para o que me considero ainda muito mais incompetente, mas por onde têm passado no em tanto muitos desconhecidos, talvez realizasse uma obra mais justa e proveitosa, isto é, introduzindo no futuro contrato o regime seguido pela Inglaterra, o qual é como toda a Câmara deve saber o do livre fabrico e importação,
Creio, Sr. Presidente, que isto seria muito mais proveitoso do que aquilo que se pretende estabelecer.
Se é de louvar, Sr. Presidente, o procedimento do Sr. Ministro, preferível seria que S. Ex.ª trouxesse a esta Câmara um projecto bem claro, e acompanhado dum relatório bem elucidativo sôbre as bases em que, realmente, convém assentar uma operação tam complexa e importante como esta ê.
O Estado, Sr. Presidente, actualmente apenas recebe pouco mais ou menos 6:000 contos, despendendo com os encargos cêrca de 30:000 contos, situação esta que se não pode manter do forma alguma.
Repito, Sr. Presidente, parece-me que o mais favorável seria a liberdade de comércio, com a qual o Estado poderá fazer, a meu ver, receitas aproximadas a 125:000 contos: — uma bela base para qualquer grande operação financeira...
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Não me mereço confiança o Govêrno que vai negociar esto contrato, porquanto os Govêrnos presididos pelo Sr. António Maria da Silva tem já apresentado o problema sob diversos aspectos. Achava mil vezes preferível que êsse acôrdo viesse à Câmara, completo, para que ela discutisse as suas cláusulas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões: — Requeiro que entrem em discussão na próxima segunda-feira, sem prejuízo das propostas de finanças, os pareceres n.ºs 501 e 506.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção do Sr. Francisco Cruz.
Foi lida na Mesa.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que admitem esta moção queiram levantar-se.
Pausa.
Está admitida.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
O Sr. Presidente: — Vai fazer-se a contraprova e a contagem.
Procede-se à contraprova e à contagem.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 34 Srs. Deputados e 1 em pé. Não há número. Vai fazer-se a chamada.
Procede-se à chamada, verificando-se que aprovaram a admissão 43 Srs. Deputados e, rejeitaram 1.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Voloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Amadeu Leite do Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Pinto Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio do Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
João José da Conceição Camoesas.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
José Carvalho dos Santos.
José Mendes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares do Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Artur Vergílio de Brito Carvalho da Silva.
Seguidamente foi lida na Mesa uma nota de interpelação.
O Sr. Presidente: — Como não há número, vou encerrar a sessão, sendo a próxima na têrça-feira, 16, com a mesma ordem do dia marcada para hoje o mais o parecer relativo à proposta sôbre imposto do solo.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
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Diário da Câmara dos Deputados
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja fornecida nota detalhada do estado da dívida pública em 30 de Junho último.
Em 12 de Outubro de 1923. — Nuno Simões.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja fornecida notados créditos em ouro do Estado, sôbre quaisquer Bancos ou casas bancárias, desde Outubro de 1919, com a indicação da data da sua constituição e das amortizações feitas e juros pagos.
Em 12 de Outubro de 1923. — Nuno Simões.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério das Finanças — Conselho Superior de Finanças, me seja fornecida cópia do relatório da gerência e contas que, nos termos da lei que o criou, lhe devia ter sido enviado até 30 de Setembro último pela Inspecção de Câmbios.
Em 12 de Outubro de 1923. — Nuno Simões.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Marinha, me seja fornecida cópia do despacho ministerial que readmitiu no serviço da armada o oficial Melo Guerreiro e quais os vencimentos em atraso por êle recebidos.
Em 12 de Outubro de 1923. — Nuno Simões.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, se me forneça nota dos pagamentos efectuados dos de Janeiro de 1922 por conta dos débitos dos Transportes Marítimos do Estado e dos da nossa representação na Exposição do Rio de Janeiro.
Em 12 de Outubro de 1923. — Nuno Simões.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, se me informe se o Govêrno Português autorizou a transferência da concessão hidráulica Rabagão a qualquer grupo estrangeiro; quais os termos dessa autorização se a houve; em que termos foi solicitada ou comunicada pela emprêsa primitiva concessionária; e qual a situação do Estado em relação ao capital da s aã participação na emprêsa primitiva.
Em 12 de Outubro de 1923. — Nuno Simões.
Expeça-se.
Desejo interpelar o Sr. Ministro do Comércio sôbre a liquidação dos interêsses do Estado Português na nossa representação na Exposição do Rio de Janeiro.
Em 12 de Outubro de 1923. — Nuno Simões.
Expeça-se.
Pareceres
Da comissão de finanças sôbre o s.º 606-G, que autoriza o Govêrno a tomar as medidas constantes de designadas bases, para regularização da vida económica do país e da situação financeira do Estado.
Imprima-se com a máxima urgência.
Da comissão de finanças sôbre um requerimento do Sr. António Maia em que pede que lhe seja pago o subsídio de parlamentar, durante o tempo que faltou às sessões, por motivo da pena disciplinar que cumpriu.
Aprovado.
Remeta-se ao Senado.
Últimas redacções
Do projecto de lei n.º 493, que substitui o artigo 25.º do Código Penal, sôbre penalidades a aplicar aos que jogarem jogos de azar.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Do projecto de lei n.º 606-H, mantendo para todo o papel comum do tipo ordinário do jornal, importado desde 26 de Agosto do corrente ano, a taxa de um décimo de milavo por quilograma.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.