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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 153
(EXTRAORDINÁRIA)
EM 23 DE OUTUBRO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Lúcio de Campos Martins
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 46 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Carvalho da Silva trata dos cheques de 500:000$ cobrados na Caixa Geral de Depósitos.
O Sr. Cunha Leal refere os termos da sua conferência com o Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia) para o fim de averiguar do montante da circulação fiduciária. Responde o mesmo Sr. Ministro aos Srs. Carvalho da Silva e Cunha Leal.
Em «negócio urgente», o Sr. Lúcio de Azevedo protesta contra a companha, que classifica de criminosa, que lhe é movida, como director da Casa da Moeda, relativamente à nova amoedagem projectada.
O Sr. Vasco Borges requere a generalização do. debate, requerimento que é aprovado, depois de usarem da palavra alguns Srs. Deputados sôbre o modo de votar, para explicações e para interrogar a Mesa.
O Sr. António Mata requere, e é aprovado, que a sessão se prorrogue até à liquidação do incidente.
É aprovado um requerimento do Sr. Carlos de Vasconcelos para serem publicados no «Diário do Govêrno» todos os documentos referentes ao incidente.
O Sr. Vasco Borges manda para a Mesa uma proposta, que é admitida, sendo admitida igualmente uma moção de ordem apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro.
Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Álvaro de Castro, Vasco Borges, Almeida Ribeiro e Juvenal de Araújo.
É rejeitada uma moção do Sr. Carvalho da Silva, mas, procedendo-se à contraprova, verifica-se não haver número, procedendo-se a chamada.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Abertura da sessão, às 15 horas e 15 minutos.
Presentes à chamada, 46 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 39 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à chamada:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
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Diário da Câmara dos Deputados
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
João Luís Ricardo.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João José da Conceição Camoesas.
Joaquim Brandão.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Faltaram à sessão os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Américo da Silva Castro.
António Correia.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
David Augusto Rodrigues.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
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João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófiio Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 15 horas principiou o fazer-se à chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 46 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 18 minutos.
Leu se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Pedido de licença
Do Sr. Sá Cardoso, 20 dias.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Ofícios
Do Sindicato Agrícola de Alenquer, contra a extinção do Ministério da Agricultura.
Da Federação de Sindicatos Agrícolas do Norte, idêntico ao anterior.
De D. Inês Camilo de Carvalho Sousa Beça, agradecendo o voto de sentimento pela morte de seu marido o general Adriano Madureira Beça.
Para a Secretaria.
Telegramas
De muitos habitantes de Melgaço, pedindo todo o apoio para que o Alto Comissário de Angola prossiga no ressurgimento daquela província.
Dos assistentes do Instituto Industrial do Pôrto, contra a transferência para aquele Instituto do professor Paiva Manso.
Da Câmara Municipal de Matosinhos, pedindo providências contra a permanência de barcos espanhóis, de pegça, em águas portuguesas.
Dos presos por delitos políticos de S. Julião da Barra, sôbre a sua situação, que dizem ilegal.
Para a Secretaria.
Requerimento
De José de Anunciação Silva, tenente de infantaria n.º 19, pedindo para continuar no serviço activo.
Para a comissão de finanças.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: pouco tempo tomarei à Câmara,
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porquanto em face da declaração ontem feita pelo Sr. Cunha Leal, seguramente S. Ex.ª terá de dar informações acêrca do estado da circulação fiduciária, visto que, para êsse fim, foi hoje ao Ministério das Finanças pela uma hora da tarde.
Tenho a certeza de que o Sr. Cunha Leal não deixará de nos dizer o que se passou.
Mas, o assunto para que pedi a palavra é outro, e para êle chamo a atenção do Govêrno, para que nos dê as informações convenientes.
Refiro-me ao caso do homem dos óculos azuis e falinhas mansas, isto é, ao caso dos 500 contos em que o Estado está defraudado.
Sr. Presidente: há já 10 ou 15 dias que a imprensa se ocupou de. um roubo de 500 contos, feito à Caixa Geral de Depósitos, por meio de um cheque da Exploração do Pôrto de Lisboa, que levava o sêlo branco dêste estabelecimento.
Tem havido várias divergências entre as afirmações da Exploração do Pôrto de Lisboa e as da Caixa Geral de Depósitos, a principal das quais é um ofício que a Exploração diz ter enviado à Caixa, recomendando que nenhum cheque devia ser pago sem conter duas assinaturas.
Porém o que é certo é que o homem dos óculos azuis e falinhas mansas não foi ainda preso, sendo de estranhar que nesta terra os roubos se dêem sem que nunca sejam descobertos.
Não quero lançar insinuações sôbre ninguém, pois isso não está nos meus hábitos, mas quero que o Estado defenda os cofres públicos pára que não se repitam constantemente êstes roubos, que ficam na mais completa impunidade.
Desejava, pois, que o Sr. Ministro das Finanças me elucidasse e à Câmara sôbre o caso, pois com certeza não foi pessoa estranha â Exploração quem forneceu o sêlo branco.
Espero, pois, as informações do Sr. Ministro.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: fui chamado à pedra pelo Sr. Carvalho da Silva, e quero desobrigar-me de uma missão, nos termos que ontem prometi à Câmara.
Fui hoje ao Ministério das Finanças para preguntar ao Sr. Ministro o que havia sôbre circulação fiduciária, e para saber se poderia ir à Direcção Geral da Fazenda Pública preguntar tudo o que me apetecesse sôbre êsse assunto.
S. Ex.ª declarou-me estar pronto a dizer tudo, armando-me em confessor, mas com a condição de eu guardar segredo.
Ora, eu declarei ao Sr. Ministro das Finanças que não desejava que me fôsse dito nada que não pudesse dizer em público, porque ficava impossibilitado de me referir a determinados factos que colidissem com declarações de S. Ex.ª, e ainda porque se poderia haver qualquer inconfidência, e S. Ex.ª suspeitar que fôsse da minha parte.
Nestas condições não ouviria qualquer cousa que não pudesse expor nesta casa.
Assim, o Sr. Ministro declarou-me que só a Câmara, me poderia autorizar a ver tudo, mas que em todo o caso que escrevesse num papel as preguntas que queria fazer.
A isto respondi pouco mais ou menos o seguinte: ou êle tinha poderes para me autorizar a ver aquilo que eu quisesse ou não tinha poderes, e. então não era preciso escrever.
Nesta hipótese, parece que a única cousa era dirigir-me ao Sr. Presidente, para que fôsse autorizado a ver determinados documentos.
No emtanto, declarei ao Sr. Ministro das Finanças que necessitava desde já fazer duas preguntas:
Qual o estado da circulação fiduciária e qual o débito do Estado ao Banco de Portugal?
Acrescentei que da resposta destas duas preguntas se devia derivar outras preguntas, mas que isso eu só faria quando do início da discussão das propostas de finanças.
Nessa ocasião disse o Sr. Ministro das Finanças, que a quando se fizesse a discussão daria todas as explicações à Câmara.
Aqui terminou a conversa oficial, principiando outra de carácter particular que não interessa à Câmara.
E aqui têm V. Ex.ªs, sem comentários, o resultado das minhas démarches junto do S. Ex.ª
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia): — Ouvi as considerações do Sr. Carvalho da Silva acêrca do caso dos cheques falsificados.
Devo dizer a S. Ex.ª que, na parte que respeita à Exploração do Pôrto de Lisboa, transmitirei as suas considerações ao meu ilustre colega do Comércio e Comunicações.
Quanto à Caixa Geral dos Depósitos, o caso está naturalmente entregue à polícia, que é entidade competente para averiguar dos culpados e dos seus cúmplices.
Respondendo ao Sr. Cunha Leal, eu não tenho senão que confirmar o que S. Ex.ª disse.
Nada mais tenho a dizer senão que aguardo a discussão na generalidade das propostas de finanças para explicar à Câmara as minhas responsabilidades e as do Govêrno de que tenho a honra de fazer parte.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo (em negócio urgente): — Sr. Presidente: com a consciência e serenidade de um verdadeiro homem de bem, vou hoje dizer à Câmara e ao País qual foi a minha atitude na acquisição dos celebrados flans que deu origem a esta baixa campanha que contra a minha individualidade se iniciou há tempo.
Como homem público entendo que se deve dizer tudo ao País.
Antes de entrar em considerações, devo dizer num brado de indignação que é necessário modificar o regime da imprensa, não para coartar a liberdade e a expansão da crítica, mas para que se punam os desmandos.
Sr. Presidente: ao fazer estas considerações devo dizer que lamento que há mais tempo não tenha podido dar esclarecimentos, assim como disse ao Sr. Carlos de Vasconcelos que estou prompto a reunir todos os elementos e a justificar as minhas palavras, para o que bastava a comissão ouvir-me uma ou duas horas, e que lamentava que essa comissão, composta por bons republicanos meus adversários, não estivesse resolvida a ouvir-me e que fôsse o sou presidente, o Sr. Fausto de Figueiredo, que é de entre os parlamentares desta casa e mais o Sr. Mariano Martins quem há mais tempo me conhecem, que fôsse S. Ex.ª que viesse a esta Câmara dizer o que disse, sabendo S. Ex.ª que eu toda a minha vida tenho trilhado o caminho recto, e que nunca me encontrei em negociatas nem antes, nem depois da guerra.
Mais ainda: o ilustre parlamentar Sr. Jorge Nunes quere que o Sr. Ministro anule o concurso, como querendo mostrar à Câmara ter sido eu o culpado da abertura dêsse concurso.
Pois eu vou provar que culpa alguma tive.
O concurso foi aberto por ordem do Ministro e em virtude de bases que foram estudadas por uma comissão, em que entrava o Sr. Aboim Inglês, homem honrado e cidadão dos mais dedicados à República, e o Sr. Teixeira, sumidade em leis.
Abriram se as propostas com a presença do delegado da República.
A criação dos fonds vem já de Janeiro de 1923 quando era Ministro o Sr. Vitorino Guimarães.
Eu vou ler.
Leu.
Depois viu-se que era necessário tomar uma deliberação: ou comprar os discos no estrangeiro ou fabricá-los em Portugal.
Convertida a proposta em lei, viu-se que com a reserva que havia de metal, se podia fazer a amoedação, quási sem dispêndio para o Estado.
Vejamos os termos do decreto n.º 8:940.
A moeda é uma liga de bronze e alumínio, seguindo-se a orientação da França e do Brasil.
Em volta disto tem-se feito suspeições, dizendo-se que esta liga é da minha simpatia.
Eu peço ao antigo Ministro Sr. Vitorino Guimarães que diga se eu alguma vez, directa ou indirectamente, lhe solicitei qualquer cousa neste sentido.
O Sr. Vitorino Guimarães: — São verdadeiras as afirmações de V. Ex.ª
O Orador: — Como V. Ex.ªs vêem, as afirmações que contra ruim se fazem não traduzem a verdade; são calúnias.
O antigo Ministro das Finanças, homem de bem e grande republicano, diz o que
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V. Ex.ªs ouviram, e nem era de esperar outra cousa de S. Ex.ª
Sr. Presidente: tendo eu ido a Leipzig e a Berlim, era natural que visitasse as casas das moedas dessas terras.
Fizeram-me ali a história dessa moeda, resultado de. muitos trabalhos e de muitas experiências, só obtida depois de dois anos de infrutíferas tentativas à custa da inutilização de algumas toneladas de metal, umas vezes porque os óxidos produzidos pela liga 4e determinados metais impedia o seu fabrico e o seu emprego, outras pelo fracasso da sua resistência.
Pelos deveres do meu cargo, investiguei è informei-me, e não porque eu previsse então a necessidade de profundar o assunto para a sua adaptação em Portugal. Essa necessidade nasceu, porém, algum tempo depois.
Imediatamente me apressei em dirigir-me ao director da Casa dá Moeda, de Paris, pedindo detalhadas informações, porquê eu queria ter a garantia dum fornecimento capaz de satisfazei as exigências da nossa amoedação.
Preguntei-lhe se duas ou três casas, cujas firmas citei, estavam ou não nas condições do o poderem fazer; o director da Casa da Moeda de Paris respondeu-me afirmando que não só as casas por mim apontadas estavam em condições de satisfazer êsse fornecimento, mas que ainda mais umas quatro ou cinco casas francesas o poderiam fazer também.
Em face de tais informações, eu dirigi às casas indicadas e, também, a algumas firmas portuguesas, um convite para apresentarem as suas propostas, sem precisão de o fazerem em carta fechada ou em determinado dia e hora.
A circular que dirigi a essas casas era concebida nos termos que vou ler.
Como V. Ex.ªs vêem, trata-se dum convite feito nos termos correntes e usuais, mas sem data fixada, nem a exigência da carta fechada.
Ao convite responderam os concorrentes e as suas propostas diferem sensivelmente entre si.
Em presença duma tam flagrante e inexplicável desigualdade, eu procurei saber quanto poderia custar o fabrico dessa liga em Portugal.
Procedi aos estudos necessários u cheguei à conclusão de que, com o fabrico dessa liga em Portugal, se poderia fazer uma economia de 35 a 40 por cento, dada a grande existência de cobre que a Casa da Moeda possui.
Apresentei ao Sr. Ministro das Finanças a questão e o resultado dos meus estudos. S. Ex.ª, em face das minhas afirmações e dos meus cálculos, resolveu que os discos fossem feitos em Portugal. Nesse sentido iniciei as minhas diligências.
Passou o tempo, o um dia foi aberto concurso artístico para a cunhagem da moeda, concurso a que só apareceu um concorrente, que convidado a apresentar novo modelo, não mais voltou...
O Sr. Presidente: — Deu a hora de se passar à ordem do dia.
Vozes: — Fale, fale.
Q Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, pode V». 'Ex. a continuar.
O Orador: — Recentemente, porém, fui chamado pelo actual Ministro das Finanças, Sr. Velhinho Correia, ao seu gabinete, a fim de lhe eu expor o que havia a respeito da projectada amoedação.
Eu contei a S. Ex.ª o que se tinha passado entre mim e o Sr. Vitorino Guimarães, e a minha opinião de que essa amoedação se deveria fazer em Portugal, dada a economia que de tal facto resultaria.
S. Ex.ª, pelas vazões que forçosamente há-de expor à Câmara, declarou-me que tinha imperiosa necessidade d& adquirir os discos no estrangeiro...
O Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia): — Eu adquiria ràpidamente os discos para a cunhagem; foi o que eu disse.
O Orador: — Apressei-me a redigir uma proposta nesse sentido, proposta concebida nos termos que vou ler:
Leu.
Esta foi a minha proposta, em virtude das ordens dimanadas do Sr. Ministro das Finanças.
Uma vez aberto o concurso, o programa foi publicado nos jornais, e devo dizer a V. Ex.ª e à Câmara que logo que êsse concurso foi publicado no Diário do Go-
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nesse mearão dia foram expedidas para todas as casas francesas a tradução em francês n para as casas portuguesas dos intermediários a indicação do anúncio no Diário do Govêrno.
Devo dizer que o caderno de encargos, como era de prever, foi quási a cópia do caderno de encargos do director da Casa da Moeda de Paris, que a meu pedido enviou as cláusulas que mereceram tantos reparos, dizendo-se que tinham sido feitas assim para excluir concorrentes, quando tinham sido apenas feitas no intuito de acautelar os interêsses do Tesouro, sendo a cópia autêntica das cláusulas do caderno de encargos apresentado pelas casas francesas.
Algumas dessas cláusulas eram tam severas, que mereceram a declaração, de que nenhuma casa concorreria em tais condições.
Quem resolvia em última instância era o. Sr. Ministro das Finanças.
Outra cláusula determinava a garantia dos ensaios.
O pagamento dos discos só se realizava depois de realizada a cunhagem. Isto não foi feito por mim, mas pela comissão, e não se fez para afastar concorrentes, visto que concorreram todas as casas que tinham idoneidade para o fazer.
Concorreram as mais importantes fábricas.
Isto apenas deu em resultado os intermediários não aparecerem. Pois são êsses intermediários que têm dado origem a essa Campanha formidável que se vem fazendo, como vou demonstrar.
Na conserta prévia que se fez, eu habilitei S. Ex.ª o Ministro das Finanças, Vitorino Guimarães, a pronunciar-se sôbre se os discos seriam feitos fora ou fabricados em Portugal.
Encontrei-me por acaso com um político que agora vem a lume, o Sr. Kemp Serrão.
Disse-me o Sr. Kemp Serrão que tinha agora à representação de uma casa do discos, e preguntou-me se ora boa ocasião de apresentar a proposta à Moeda.
Eu respondi o que vou ler.
O Sr. Kemp Serrão procurou entregar-me um papel e passou a visitar-me amiudadas vezes.
Uma dessas vezos veio procurar-me à saída do Parlamento, pedindo-me para favorecer a proposta de um seu amigo de nomo Almeida Brandão que, dizia êle, durante a guerra tinha entrado em grandes negócios.
Disse-me que êsse Almeida Brandão era um bom vivant, homem educado e que, se en me aproximasse dele, não tinha nada a perder; que era um homem que estava nas melhores condições de concorrer.
Disse a êsse cavalheiro que só tinha que apresentar a soa proposta, como os outros, o que tinha de haver o mesmo cuidado em saber se as entidades que forneceriam os discos, tinham á idoneidade para o fazer; se conheciam o segredo da, liga, pois tal segredo ora uma descoberta francesa.
Quando recebi as propostas, vi que se não tinha cumprido essa formalidade e, como representante de uma das casas de Paris, convidei-o a fazer essa declaração.
Pois é êsse cavalheiro que vem agora insurgindo-se contra as bases do concurso que se fez em virtude de ordens dimanadas do Ministro.
Vou ler as suas afirmações.
Diz êle que eu tenho feito o concurso com dia e hora marcada.
Nem hora, nem dia. Eu tinha apenas feito convite para apresentar proposta.
Eram cinco as casas de Paris.
Sucede que êsse cavalheiro revoltado diz agora que não foi ao segundo concurso por entender que a sua dignidade assim o exigia.
Ora o cavalheiro não foi ao concurso pelas razões que expus.
Cheguei a ver o nome do Sr. José de Abreu, como pessoa indignada contra o concurso que me tinha sido imposto pôr uma comissão nos termos ordenados pelo Sr. Ministro das Finanças.
Mas, Sr. Presidente, ontros concorrentes apareceram, entre os quais o Sr. Emídio Pereira, que reside em Paris, que parece que queria que se fizesse um fornecimento sem cláusulas nem condições, o insurge-se contra mim. Porquê?
Porque entendia que ao país só convinha dirigir-se directamente ao fabricante. Que culpa tenho eu disso?
Disse-me êsse senhor que tinha também fornecido a amoedação do Brasil.
A circunstância de ter fornecido o Brasil como intermediário não lhe dava di-
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reito a exigir de Portugal a mesma cousa, vista que neste país se atendiam de preferência as várias fábricas indicadas pelo próprio punho do director da Casa da Moeda de Paris.
Devo dizer que depois que se iniciou essa campanha contra mim, como sendo eu o culpado da abertura do concurso, fui procurado por um redactor do jornal A Tarde, que me disso:
«Eu sei que alguém procurou o Sr. Afonso Costa para obter dêste senhor uma recomendação para você, mas o Sr. Afonso Costa declarou imediatamente que cousas dessas não se podiam a Lúcio de Azevedo».
O Sr. Mateus Palermo de Barros comunicou-me que tinha conhecimento de que de facto em Paris corria que um tal Sr. Perestrelo havia procurado uma fábrica dessa cidade, exigindo 500:000 francos para lhe dar a preferência no fornecimento dos flans.
Que culpa posso eu ter de que um Sr. Perestrelo qualquer se intitule em Paris director da Casa da Moeda é que com êsse título cometa uma burla?
Eu admito que o Sr. José de Abreu procedeu na melhor intenção, com absoluta boa fé, convencido de que ia advogar uma causa justa.
São estas as minhas declarações, afirmando mais uma vez, sob minha palavra de honra, que nem directa nem indirectamente recebi qualquer recomendação do Sr. Afonso Costa.
Não fiz há mais tempo estas declarações à Câmara porque queria munir-me dêstes documentos que tenho sob os meus olhos, porque tinha de citar números e factos, e para isso era necessário entregar a direcção da Casa da Moeda a um substituto.
O Sr. Vasco Borges (interrompendo): — O facto de se entregar o fornecimento dos flans a uma casa estrangeira abreviava a cunhagem?
O Orador: — Era preciso trabalhar de dia e noite para acompanhar a fundição com a laminação.
Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Carvalho da Silva,
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior, (António Maria da Silva) (interrompendo): — V. Ex.ª disse que os discos levavam, em média, treze meses a fabricar; não é assim?
O Orador: — Com o horário normal.
Eram estas, Sr. Presidente, as declarações que eu tinha a fazer perante o Parlamento e o país, terminando declarando que continuo e continuarei sempre trilhando a linha recta, não havendo insinuações de qualquer espécie que me possam atingir.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer uma simples observação, e é que a Câmara, depois de ouvir as declarações feitas pelo Director da Casa da Moeda, e a ser concedida a palavra ao Sr. Ministro das Finanças, que acabou de ouvir ler documentos oficiais, e até confidenciais, de um estabelecimento do Estado, sem autorização da Câmara e sem autorização do mies-mo Sr. Ministro, ver-se-há naturalmente na necessidade de pedir que se abra uma inscrição especial para discutir êsse assunto, discussão essa que aliás será inútil e desprestigiosa, visto que a Câmara não possui os documentos necessários tendo apenas ouvido ler uns documentos oficiais que o Director da Casa da Moeda quis escolher.
Não me parece, Sr. Presidente, que o Parlamento seja para divertimento pessoal de qualquer dos seus membros, ou para defesa do Director da Casa da Moeda, que tem o seu lugar próprio para se defender, e que é o inquérito a que se vai proceder.
Não, Sr. Presidente, o Parlamento nada tem com isso, pois, a verdade é que a questão tem o seu campo onde deve ser tratada, que é o Poder Judicial.
O Sr. Lúcio de Azevedo (interrompendo): — Eu devo dizer a V. Ex.ª que já
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solicitei a intervenção do Poder Judicial, tendo mesmo já entregue o caso a um advogado para tratar do assunto.
O Orador: — A meu ver, Sr. Presidente, estamos praticando uma cousa inútil, pois a verdade é que vamos tratar de um caso com que nada temos.
Se o Sr. Ministro das Finanças entender que depois do inquérito a Câmara tem que só pronunciar, S. Ex.ª o dirá à Câmara, e ela resolverá, tanto mais que não é a Câmara que teria de julgar o Director da Casa da Moeda.
Assim entendo que não devemos ouvir mais declarações sôbre o assunto.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe forem enviadas.
O Sr. Lúcio de Azevedo não fez a revisão das suas declarações.
O Sr. Jorge Nunes (sôbre o modo votar): — Sr. Presidente: senão estou em êrro, na última sessão em que se tratou do assunto relativo à cunhagem de moedas, a Câmara declarou duma forma clara que não desejava ouvir as declarações do respectivo, funcionário.
Eu compreendia que hoje o Sr. Lúcio de Azevedo viesse declarar os nomes dos políticos a que aludiu, mas um debate sôbre o assunto, como o que requereu o Sr. Vasco Borges, não é de aceitar.
Foi encarregado um magistrado de proceder a um inquérito à Direcção da Casa da Moeda, e eu pregunto ao Sr. Ministro das Finanças se nada tem de opor ao requerimento, do Sr. Vasco Borges.
Nós, discutindo porventura êste caso amplamente, não colocaríamos em boa situação êsse sindicante, e certamente poderíamos ir influir no ânimo dêsse magistrado.
Iríamos exercer uma coação sôbre êsse magistrado, e assim, para prestígio do Parlamento, eu entendo que devemos pedir ao Sr. Vasco Borges para retirar o seu requerimento, que em nada interessa ao Sr. Lúcio de Azevedo.
A Câmara só terá que apreciar as providências do Sr. Ministro das Finanças na devida altura.
Àpartes.
Desde que se fizeram aqui insinuações, não é, Sr. Presidente, o Parlamento que se tem de ocupar do assunto, mas sim o Sr. Ministro que tem de mandar inquirir dos factos e depois vir ao Parlamento dar conta do mesmo.
Entendo, pois, Sr. Presidente, que a Câmara não deve por princípio algum votar a generalização do debate, pois a verdade é que ela não possui os elementos necessários para tratar do assunto convenientemente, e assim, não possuindo êsses elementos, toda a discussão que se possa fazer é a meu ver inconveniente o desprestigioso para o Parlamento.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que não posso de maneira nenhuma estar de acôrdo com o que disseram os ilustres Deputados Álvaro de Castro e Jorge Nunes, pois a verdade é que não é o director da Casa da Moeda o Sr. Lúcio do Azevedo que tem de responder perante o Parlamento, mas sim o Govêrno, isto é o actual Ministro das Finanças, tanto, mais quanto é certo que S. Ex.ª não procedeu como o seu antecessor o Sr. Vitorino Guimarães, dando ordem para que os discos fossem feitos lá fora, importando isso um aumento de 40 por cento.
O Parlamento não pode, Sr. Presidente, deixar de pedir ao Sr. Ministro das Finanças que explique imediatamente as razões que o levaram a proceder da forma que acabei de expor à Câmara.
O Sr. Ministro das Finanças, a meu ver, não pode deixar de explicar imediatamente à Câmara as razões que o levaram a mandar fabricar lá fora êsses discos com o aumento de 40 por cento, e assim, Sr. Presidente, eu entendo que a Câmara deve aprovar que o debate seja generalizado de forma a que o país saiba a verdade toda.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: se porventura as palavras pronunciadas pelo Sr. Álvaro de Castro foram feitas
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em nome do Partido Nacionalista, eu, Sr. Presidente, não posso deixar de estranhar o facto, e digo isto em vista da atitude que o Parlamento assumiu quando pela primeira vez tratou aqui da questão.
Foi então um Deputado nacionalista, o Sr. Carlos de Vasconcelos, que veio pedir e propor uma comissão de inquérito.
Bem sei que essa comissão de inquérito se destinava apenas a ouvir a declaração dos nomes dos políticos que estavam envolvidos no assunto.
É certo que a comissão nomeada não quis desempenhar o seu mandato, alegando a restrição dos seus poderes.
O Sr. Ministro das Finanças entendeu que êsses poderes deviam ser nmis amplos.
Está determinado o inquérito, e julgo que hoje nada mais é necessário fazer até inteiro esclarecimento dos factos.
Se eu estivesse nessa, mostraria que essa comissão não devia abandonar a sua missão.
Àpartes.
Eu entendia que essa comissão não devia renunciar à sua missão, porque se tratava de políticos republicanos, e a situação moral de republicanos não podia ser indiferente a todos os republicanos, por amor à moral republicana.
Mas estou de acôrdo, entendendo que essa comissão de inquérito deve ter missão mais ampla.
Disse-se que a Câmara não tem competência para julgar, mas não se pediu à Câmara que faça êsse julgamento.
Àpartes.
O que o Parlamento tem que fazer, para honra do regime, é tratar dos assuntos de moralidade, porque o contrário seria fazer uma política de hostilidade ao regime, e isto para conveniência de todos nós.
Á Câmara e a República não podem estar sob uma tal atmosfera de suspeições que é necessário desfazer.
Interrupções.
A sessão torna-se agitada.
O Orador: — O que o Parlamento tem a fazer é esperar os resultados da sindicância, para depois apreciar os factos.
Àpartes.
O facto é que essas pessoas apontadas foram depois convidadas para um banquete oficial no Palácio da Ajuda.
Apoiados.
Eu sofri, mas estive calado para não falar.
Hoje, para bem da República, é preciso que tudo se esclareça e para averiguar eu não sei se o sindicante tem competência, pois talvez o próprio Sr. Ministro das Finanças tenha de responder a essa sindicância.
A situação tem de ser esclarecida nesta Câmara.
O que mais admira é que fôsse do lado dos monárquicos que comigo se viesse reclamar.
É preciso esclarecer êstes pontos para prestígio da República.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as, notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Não posso deixar de emitir a minha opinião, porque fui eu quem deu causa a êste incidente, pedindo ao Sr. Lúcio de Azevedo os nomes dos políticos que quiseram exercer, pressão sôbre S. Ex.ª com o requerimento do Sr. Vasco Borges, quanto às declarações do Sr. Lúcio de Azevedo.
Eu entendo que S. Ex.ª deve vir a esta Câmara defender-se das acusações contra a sua honra, representando êsse facto uma satisfação dada aos seus colegas, mas a nós não compete apreciá-las e muito menos julgá-las, generalizando o debate sôbre as suas declarações.
Mas há um ponto de suprema gravidade e que, envolvendo responsabilidade ministerial, pode dar razão à generalização do debate: é o que se refere à forma como foi aberto êsse concurso e as cláusulas que foram seguidas.
No processo há dois despachos: o do Sr. Vitorino Guimarães, que manda fazer a cunhagem na Casa da Moeda, e outro do Sr. Velhinho Correia, que manda abrir concurso de fornecimento de flans.
Ao que se diz, constando ao Sr. Vitorino Guimarães que interêsses escuros fervilhavam em torno do fornecimento dos flans, S. Ex.ª cortou o mal pela raiz. Mandou proceder à cunhagem na Casa da Moeda por proposta — afirma o Sr.
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Lúcio de Azevedo — do director da Casa da Moeda.
O actual Sr. Ministro das Finanças, Sr. Velhinho Correia, mandando ouvir o director da Casa da Moeda e sabendo que a fabricação e cunhagem da moeda nas condições normais levariam uns treze meses, mas que, estabelecendo três turnos de operários, êsse trabalho se efectuaria em seis meses, deveria, antes de lançar o despacho para que fôsse aberto concurso, certificar-se do tempo que as fábricas estrangeiras levariam a fazer êsse trabalho, para ver se o fariam em menos de seis meses, ou deveria, pelo menos, fixar, nas condições do concurso, que a entrega de todo o trabalho deveria ser feita no prazo de seis meses.
Para que se reconheça a razão do que deixo dito, bastará que se faça uma rápida leitura das propostas apresentadas no concurso. De facto a melhor dessas propostas é na base de ser feita a entrega do trabalho no prazo de dezasseis meses e meio, e assim a Casa da Moeda estava em melhores condições quanto a prazo de entrega.
Por isto se constata que há uma grande falta de senso prático da parte daqueles que dirigem a administração do Estado, o que é sempre para lastimar e muito mais lastimável é a respeito de um assunto que joga com quantiosas somas. Eu sei que êstes casos já são banais, mas nem por isso deixam de desacreditar os nossos estadistas e de darem lugar a campanhas de difamação baseadas sôbre fraquezas, e digo fraquezas não propositadas, na elaboração dos diplomas basilares de concursos.
Afirmo, pois, em essência, o seguinte. O concurso aberto para o fornecimento dos discos metálicos representa não só um prejuízo, em dinheiro, para o Estado, como também o não satisfaz absolutamente nada as intenções que S. Ex.ª o Ministro das Finanças tinha em obter êsses discos o mais ràpidamente possível.
Dito isto, eu peço licença para aludir às palavras do Sr. Lúcio de Azevedo, quando se referiu à comissão que há dias foi nomeada pela Câmara para inquirir dos nomes dos políticos o que haviam exercido pressões sôbre S. Ex.ª
Cumpre-me então dizer que a comissão, reunindo e discutindo a amplitude dos poderes que teria, encontrou-se em face de urna dúvida sôbre a latitude dêsses poderes. Eu, ao apresentar o requerimento que deu lugar à nomeação dessa comissão, nenhuma dúvida tinha a tal respeito. Quando apresentei o requerimento disse, quási, textualmente o seguinte:
É necessário que se nomeie uma comissão para inquirir dos factos apontados, pelo director da Casa da Moeda e tomar todas as providências necessárias para que ao nome de políticos se não junte o epíteto de maitre chanteur.
A Câmara, à qual foram presentes as dúvidas da comissão, manifestou-se claramente contra a amplitude de poderes que a mesma comissão entendia dever ter para exercer a sua missão, e a comissão teve o único gesto que lhe era próprio, o de pedir a demissão.
Com estas minhas considerações ficará também devidamente elucidado o Sr. Vasco Borges que, segundo as suas palavras de há pouco, mostrou não ter. completo conhecimento do que se passara, pois, conforme depreendi, S. Ex.ª julga que a comissão se demitiu simplesmente por não querer ouvir o Sr. Lúcio de Azevedo, e muito menos por, reconhecendo que parlamentares não estavam envolvidos no caso, se julgar incompetente para o apreciar.
Tenho dito.
Apoiados.
O Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia): — Sr. Presidente: na questão que está travada tem-se falado muito na atitude, do actual Ministro das Finanças. Nestas circunstâncias eu devo à Câmara e ao País...
O Sr. Vasco Borges: — O meu requerimento para a generalização do debate já foi aprovado?
O Sr. Presidente: — Ainda não.
O Sr. Vasco Borges: — Então como se compreende que fale o Sr. Ministro?
O Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia): — Eu pedi a palavra para explicações.
Vozes: — Só poderá falar sôbre o modo de votar.
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O Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia): — Peço a palavra sôbre o modo de votar.
O Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia): — Sr. Presidente: eu não posso deixar de fazer, desde já algumas considerações, embora duma maneira resumida.
Eu encontrei êste processo pendente e orientado num certo sentido.
O Poder Legislativo tinha autorizado o Executivo a fazer a cunhagem de 40:000 contos de moeda subsidiária.
Como Ministro das Finanças, eu necessitei, em determinado momento, de recorrer a essas moedas, que tinham no seu montante relação com a situação financeira dos últimos meses, visto que era com elas que eu devia satisfazer algumas imperiosas e urgentes necessidades do Estado.
O Sr. Jorge Nunss (àparte): — Essas moedas antes de nascer já o eram!
O Orador: — Exactamente, antes de nascer já o eram.
Chamei o Sr. Lúcio de Azevedo, e disse-lhe que tinha absoluta necessidade de dispor, o mais ràpidamente possível, dessas moedas.
Informei-me com S. Ex.ª e outras pessoas interessadas acêrca do assunto, e concluí que, fazendo-se em Lisboa a cunhagem...
O Sr. Vasco Borges (interrompendo): — V. Ex.ª dá-me licença?
Porque é que V. Ex.ª não ouviu o Sr. Vitorino Guimarães?
O Orador: — Porque S. Ex.ª nesse momento não estava em Lisboa.
Como eu ia dizendo, ouvindo as pessoas competentes cheguei à conclusão de que não era possível, no curto prazo de tempo que ia até o fim do ano, pois é no fim do ano que se fecham as contas, fazer em Portugal a fundição e cunhagem dessas moedas.
Entendi, portanto, que deveria fazer-se em Portugal a cunhagem, comprando-se as rodelas lá fora, para o que seria aberto concurso público.
Mas, Sr. Presidente, eu não dei ordem nenhuma ao Sr. Lúcio de Azevedo.
Expus-lhe como amigo a minha situação e S. Ex.ª fez, de harmonia com as minhas palavras, a proposta que tenho aqui presente.
A única responsabilidade que eu tenho neste assunto, e não a enjeito, é a de ter pôsto o meu «concordo» na proposta.
O Sr. António da Fonseca: — Parece que o que V. Ex.ª acaba de declarar não está de acôrdo com o que disse o Sr. Lúcio de Azevedo.
O Orador: — Nem o Sr. Lúcio de Azevedo necessita de ligar a sua situação à minha, nem eu à de S. Ex.ª
Cada um de nós tem as sua posições, pelas quais responde perante o País e o Parlamento.
A minha responsabilidade neste caso resume-se a um «concordo».
O Sr. Vasco Borges: — Em burocracia isso representa uma ordem.
O Orador: — O Sr. Lúcio de Azevedo não seria capaz de cumprir uma ordem contrária aos interêsses do Estado sem que me manifestasse o seu desacôrdo.
De resto, depois de expor a situação a S. Ex.ª, não o forcei a orientar se por mim.
Combinámos as cousas.
O despacho está em harmonia com o que tenho dito.
Há duas cousas distintas: a cunhagem e a fundição.
Diz-se aqui que são precisos sete meses e dias de trabalho intenso.
O Sr. Cunha Leal: — Tudo isto é preciso que se esclareça; de outra maneira todos nós ficamos sem saber, o que há.
Uma das primeiras cousas a atender era o tempo, desde que o Ministro tinha urgência.
O Orador: — Nesse sentido está o meu despacho.
O processo está em ordem e à disposição de V. Ex.ªs
A minha responsabilidade é só do «concordo».
Vários àpartes.
O Orador: — Quanto ao custo, devo dizer que não consta que essas rodelas
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custem 40 por cento mais caras que no estrangeiro.
Nada faz prever que assim seja, e até indicação em contrário, eu não penso outra cousa, pois está tudo em harmonia com os processos mundiais.
Eu desafio V. Ex.ª que me prove o contrário.
Muitos àpartes.
O Orador: — Eu estou à disposição de V. Ex.ªs e pronto a dar explicações à Câmara e ao País.
Uma voz: — Assim está certo.
Àpartes.
O Orador: — Eu entendi que o concurso era a melhor forma e nessa conformidade fui ter com as pessoas mais idóneas, procurando por todas, as formas defender os interêsses do Estado.
Creio ter respondido aos dois pontos mais importantes.
Nada mais tenho a dizer.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Lúcio de Azevedo: — Falando neste assunto, eu cumpri um dever como parlamentar de dar explicações aos outros parlamentares, dos ultrajes que tenho recebido como Deputado.
Como funcionário, já entreguei nas mãos do Sr. Ministro das Finanças o meu pedido de demissão, e como cidadão já procurei um advogado para perante os tribunais fazer castigar os caluniadores.
Foi esta a razão por que usei da palavra.
O Sr. António da Fonseca (interrompendo): — Segundo a declaração, do Sr. Ministro das Finanças, parece que foi a administração da Casa da Moeda que propôs que se abandonasse a idea do Sr. Vitorino Guimarães para se fazerem em Portugal as moedas, mas pelas afirmações do orador parece exactamente o contrário!
O Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia) (interrompendo): — O Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo mente!
Sussurro.
O Orador: — Sob minha honra afirmo que foi V. Ex.ª, Sr. Ministro das Finanças, quem me ordenou!
O Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia) (interrompendo): — Isso é falso!
Vozes: — Venha uma sindicância para todos!
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os fizeram, nem o Sr. Ministro das Finanças fez revisão das palavras que pronunciou.
Trocam-se àpartes de todos os lados da Câmara.
O Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia): — Sr. Presidente: tenho a declarar que acoito todas as sindicâncias à minha vida e aos meus actos como Ministro.
As palavras do Sr. Lúcio de Azevedo não tem significação; são palavras de uma pessoa, como as de um náufrago, que, vendo-se perdido, se agarra a uma tábua de salvação!
Trocam-se àpartes que dificultam a tiragem das notas taquigráficas.
O Sr. Tôrres Garcia: — Pedi a palavra para demonstrar à Câmara a minha discordância com a doutrina do Sr. Álvaro de Castro, porque entendo que a moralidade dos homens públicos é que sustenta a moralidade do regime.
O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo): — Eu demonstrarei que V. Ex.ª agora está de acôrdo comigo.
O Orador: — Sinto-me à vontade neste debate, e na função de julgar, porque não me importo de submeter à Câmara a apreciação de todos os actos. Ainda não chegou o momento em que os réus se arvorem em juizes e com peto ao Parlamento estabelecer o equilíbrio moral!
Apoiados.
Como o debato assumiu um aspecto grave, compete à Câmara generalizá-lo, para que se tome uma atitude, porque
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acima de tudo temos de levantar a dignidade nacional.
Tenho dito.
Apoiados.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, guando, nestes ter-mos, restituir as notas taquígráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Álvaro de Castro: — Quero pôr nas minhas palavras, Sr. Presidente, a maior calma, no meio. da agitação e intranquilidade desta assemblea. Justa agitação e justa intranquilidade que nos hão-de certamente conduzir à decisão rápida que se impõe no sentido de que nem mais uma hora ocupe as cadeiras do Poder o Sr. Ministro das Finanças, depois do espectáculo a que a Câmara acaba de assistir.
Tendo feito declarações, sôbre o modo de votar, que inteiramente mantenho, mas careço, contudo, de as tornar mais extensas, visto que os factos posteriormente produzidos demonstram que o incêndio não está circunscrito ao director da Casa da Moeda, mas envolve, também, e com maior intensidade, o Ministro das Finanças.
Há pouco, sôbre o modo de votar, eu disse que o fancionário acusado em alguns jornais ou em quaisquer publicações de ter praticado actos menos regulares no desempenho do seu cargo só tinha, se quisesse defender-se dessas acusações, um caminho a seguir: pedir aos seus superiores hierárquicos uma sindicância aos seus actos. Êsse seria o caminho indicado; o que não está indicado é que êsse funcionário se possa servir da sua qualidade de parlamentar para vir levantar na sua Câmara a defesa de actos que ela, por falta de elementos próprios, não pode com justiça julgar.
O Ministro que falta à verdade, o Ministro que se serve de todos os subterfúgios e embustes para a sua defesa não pode continuar nas cadeiras do Poder. Essa sanção tem o Parlamento de aplicar imediatamente, mas há sanções penais, porventura, a aplicar e essas estão fora da alçada do Parlamento.
É necessário que as responsabilidades sejam tomadas a quem de direito.
Está nomeado o juiz sindicante para o facto de averiguar as responsabilidades do funcionário em causa; carece de haver uma comissão parlamentar com poderes de inquérito para levar, se fôr preciso, êsse Ministro aos tribunais. Torna-se até necessário que essa comissão seja não só de inquérito, mas com poderes judiciais até mesmo depois que o Ministro deixe de ser Ministro e passe a ser mero cidadão.
A minha doutrina estava aliás inteiramente de acôrdo com a maioria parlamentar desta casa, quando há dias, a propósito de elucidações ou esclarecimentos que fizeram os membros da comissão nomeada para ouvir as palavras de acusação a respeito de vários políticos, o Sr. Lúcio de Azevedo negou que essa comissão tivesse poderes judiciais, e se a Câmara tinha votado de forma que a comissão não tivesse poderes judiciais, não havia o direito de aqui fazer uma discussão que a nada nos conduziria.
Proporei, portanto, visto que votei a generalização do debate, para que a comissão nomeada tenha poderes judiciais.
Respondendo agora ao Sr. Lúcio de Azevedo, relativamente às considerações que fez no sentido de defender a tese de que qualquer funcionário com assento nesta Câmara pode vir defender-se de actos de que seja acusado no exercício das suas funções, devo dizer que estou em desacordo.
S. Ex.ª tem um correligionário que é oficial superior do exército e que foi atingido na sua honra pelas acusações mais graves que se podem fazer a um português e a um militar: a traição e cobardia; pois êsse oficial, conhecedor da delicadeza da sua situação, nunca veio aqui procurar agitar a opinião dentro do Parlamento para entrar na sindicância.
Aguarda serenamente que o oficial encarregado dessa investigação dê por findos os seus trabalhos para então exercer a sua defesa.
Aquilo contra que eu protestei foi contra o processo que é fácil de adoptar de agitar uma assemblea, procurando arrancar-lhe um voto de qualquer natureza quo' pode influir na investigação de actos graves que existam a respeito do funcionário de que se fala.
Não quero ser solidário em actos que conduzam a prejudicar a acção do juiz sindicante; não colaboro em actos que procurem deminuir a autoridade dêsse juiz,
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nem de arrancar um voto que possa persuadir o público que a Câmara quere fazer ^silêncio ou tornar de tal maneira escura a água cristalina para que nada se veja através dela.
Não é numa assemblea essencialmente política, numa assemblea que não tem nem pode ter as qualidades de julgadora, que o assunto pode ser estudado. A parte meramente política que nos cabe nos termos da Constituïção, isto é, fazer com que os Ministros assumam as responsabilidades dos seus actos, aceito porque é essa a nossa função de parlamentares; mas tudo que só traduza em responsabilidades de ordem jurídica, só aos tribunais de justiça incumbe não quero contribuir nem inicialmente nem de maneira alguma que possa parecer prejudicar a acção dessa justiça.
Estou inteiramente de acôrdo com o Sr. Tôrres Garcia, nem podia estar em desacôrdo com um republicano que tem pôsto ao serviço da República o seu melhor e mais sentido esfôrço, mas isso não me leva para um caminho que seria a destruição do regime republicano.
Eu quero também a dignificação da República e o prestígio dela pela prática cada vez mais eficaz dos termos constitucionais, cada vez mais solidária com, os preceitos da lei, porque acima de todas as perturbações momentâneas que resultam do estado de excitarão da opinião pública, da própria opinião da Câmara, quero pôr a serenidade, a tranquilidade da pessoa que vê que a República através de todos os erros dos homens não deixa de ser um alto princípio encarnado não em A, B ou C, mas em gerações que o defenderam, que o hão-de defender e que através de todos os erros há-de sair mais purificada, mais alta, mais dignificada, para nos impor a todos o respeito mútuo e o respeito à lei.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráiicas que lhe foram enviadas.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: nem como republicano nem como português, e eu ponho a minha qualidade de português acima da minha qualidade, de republicano, embora tenha nascido republicano e embora haja de morrer, porque hei-de morrer republicano, nem como português nem como republicano, repito, eu me regozijo com o espectáculo a que acabamos de assistir.
Sinto-me vexado.
A verdade é esta: produziram-se afirmações contraditórias entre um alto funcionário e um Ministro, e isto é mais importante que todas as acusações que lá fora, porventura, tenham sido feitas.
Um Ministro desmentiu o seu director geral, e o director geral desmentiu o Ministro.
Pronunciaram-se estas palavras no Parlamento: mente, mente, parecendo cada um querer afastar de si certas responsabilidades para as entregar a outro.
O Parlamento Republicano não pode ser indiferente a estas cousas.
Poderá tudo isto ser um equívoco, não o discuto; poderá o Ministro estar ansioso de fugir a certas responsabilidades, e poderá o director geral querer fugir a certas responsabilidades, não curo de o averiguar, mas há afirmações que hão-de sair desta Câmara e que merecerão lá fora os mais ásperos comentários.
Para que não se diga lá fora que somos indiferentes.
Disse ainda o Sr. Ministro das Finanças que havia criado perante o Banco de Portugal uma situação irregular, pois dele obtivera uma importância correspondente à emissão da nova moeda metálica, e que era necessário, portanto, regularizar essa situação até Dezembro.
Era conseqúentemente preciso dispor ràpidamente das novas moedas e daí as suas pressas em obter as novas moedas até o fim do ano.
Quando a gente medita que são necessários uns dois anos para se conseguir pôr a nova moeda em circulação, sentimos quam desastrosa é a posição do Sr. Ministro que, negando ontem, confessa hoje ter criado uma situação irregular perante o Banco, situação que S. Ex.ª não pode regularizar senão daqui a dois anos.
Tudo isto é tremendo, pois temos de deixar de acreditar nas palavras ontem proferidas pelo Sr. Ministro.
É a desordem na administração pública e a possibilidade de, mercê dessa desordem, haver todas as suspeitas.
A República assim não pode viver!
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Eu, que nunca fui senão republicano, tenho suficiente coragem e bastante autoridade para dizer que esta República de desordem não a quero.
Poderei por romantismo republicano morrer por ela, mas sempre com a ilusão de que é a Republica que eu sonhei, pois — a realidade, é confrangedora, e o que eu quero é uma cousa absolutamente diversa desta.
Mas, finalmente, o que eu quero é o que todos os bons republicanos desejam; e se nenhum de nós se bate por uma República de escândalos repetidos o de desordem administrativa, que é pior do que o escândalo, porque o permite, porque havemos de manter a desordem e porque havemos de parecer encobridores do crime!
Pois quê! não sentiremos nós a revolta moral que deriva de haver acusações constantes de crimes sem que apareça um único criminoso?
Havemos de assistir indiferentes a tudo quando de vergonhoso se vai passando, a todos êsses factos que causam a indignação de quem é honesto, factos me escuso de relembrar, mas que são bem estranháveis como, por exemplo, aquele a que se referiu agora mesmo o Sr. Vasco Borges, de terem sido convidados para um banquete oficial os indivíduos indigitados de actos irregulares praticados no Brasil em cuja honra era dado o mesmo banquete?
Havemos de nos conservar indiferentes à glorificação daquilo que nós dizemos que é um crime?
Porque não havemos de facilitar a tarefa que se impõe?
Porque não havemos de impor uma sanção moral?
Àpartes.
Sr. Presidente: não se trata de fazer política neste momento.
Apoiados.
Juro sob minha palavra de honra, que não é o Partido Democrático nem o Govêrno que procuro atingir com as minhas palavras.
Eu sinto que a primeira atitude do Sr. Ministro das Finanças é a de que vai demitir-se e pedir uma sindicância aos seus actos, afastando-se da Câmara.
Apoiados.
Também o primeiro acto do Sr. Lúcio de Azevedo, vítima ou não duma cabala,
será afastar-se do Parlamento até final solução da questão.
O primeiro acto do Parlamento será também prestigiar-se a si próprio, e apressar todos os inquéritos a que se está procedendo, como, por exemplo, o dos Transportes Marítimos.
Apoiados.
O Parlamento obrigará mesmo os sindicantes a trabalhar de dia e de noite para êsse fim.
Nestas condições, não posso deixar de votar o requerimento do Sr. Vasco Borges.
O Sr. Vasco Borges no seu requerimento, sob o ponto de vista das atribuïções parlamentares, não se limita a isso simplesmente.
Vai mais longe, querendo que a justiça atinja todos os culpados, para que a República e o Parlamento se dignifiquem.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: quem ouvisse o Sr. Vasco Borges julgaria que dêste lugar da Câmara se quere abafar esta questão.
Àpartes.
Ninguém pode ver essa intenção na atitude tomada por êste lado da Câmara.
Apoiados.
Não foi também essa a intenção do Sr. Álvaro de Castro.
Apoiados.
Nós queríamos apenas que as palavras do Sr. Lúcio de Azevedo fossem ouvidas num inquérito extranho à vida parlamentar.
Àpartes.
Se é certo que continuo a entender que os Deputados, no exercício das suas funções públicas, não são obrigados a dar satisfação ao Parlamento, entendo também que quando o exercício das suas funções públicas toma um aspecto que contende com a moral, toma um aspecto que pode atingir a sua situação de parlamentar, nós não temos a possibilidade de cumprir o nosso dever abandonando a questão que se levante por tal motivo.
Àpartes.
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Eu, para esclarecimento da opinião pública, votaria o requerimento do Sr. Vasco Borges, quando êle pede uma larga discussão da questão em que já interveio o Sr. Ministro das Finanças, porque nessa altura já não discutimos um facto passado com a Casa da Moeda simplesmente, mas temos que apreciar factos em que a República pode ficar sob um ponto de vista deprimente.
Àpartes.
Assistimos a êste espectáculo edificante, que houvera a Deus não tivesse de de ficar registado nos anais parlamentares: houve um Ministro a desmentir um funcionário de elevada categoria, e em contra-partida êsse alto funcionário a desmentir o Ministro com tal violência, com tal calor que outra cousa não podemos fazer senão ficar numa situação de espectativa, aguardando serenamente a verdade, que só pode resultar do exame o mais ràpidamente possível aos actos de um e de outro.
Sr. Presidente: se não queremos que desta jornada infeliz resulte alguma- cousa de suspeitoso para a República, só há uma atitude a tomar por todos aqueles que estão em causa, um só caminho temos a seguir, e êsse todo o homem de honra não tem necessidade que lhe seja indicado.
É por isso, Sr. Presidente, que não venho neste momento dizer aos Srs. Lúcio de Azevedo e Velhinho Correia que se retirem, mas venho confiado em que o farão, tendo eu o único desejo de que para honra de S. Ex.ªs e para honra nossa, o veredictum seja dado o mais ràpidamente possível.
Tenho dito.
O discurso será publicado ma integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taguigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e Interino da Guerra (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: desde a primeira hora em que se levantou esta lamentável questão no seio da representação nacional, como em todos os casos idênticos, me tenho revoltado contra o facto do os Srs. Deputados serem ao mesmo tempo Deputados e funcionários.
Já num outro caso de carácter militar tratado nesta Câmara, e que não tinha a importância dêste, eu saí dêste lugar e fui para uma daqueles cadeiras revoltar-me, porque na Câmara já os Deputados se não tratavam senão pelo Sr. capitão, pelo Sr. major, pelo Sr. general, parecendo mais estar-se num quartel do que no Parlamento.
Revoltei-me ainda doutra vez, quando o Sr. Fernandes Costa aqui veio defender-se dumas acusações que lhe faziam como membro do conselho de administração da Junta do Crédito Público.
Sempre me revoltei contra êstes casos,, porque o resultado é sempre o mesmo: não se esclarecem os assuntos e perde-se sempre a serenidade, dando-se um triste espectáculo ao País.
Sempre que lá fora se tem invocado a minha qualidade de técnico para facilitar a discussão de qualquer projecto, sempre declarei que aqui era Deputado o só Deputado; se todos procedessem desta forma não teríamos hoje dado o espectáculo desta sessão como o das sessões anteriores.
O Deputado quando é funcionário público, o é acusado de quaisquer faltas no desempenho das suas funções, só tem uma cousa a fazer: pede uma sindicância aos seus actos e não mais se refere ao assunto. E o que se dou agora? Deu-se isto: leram-> = e documentos de natureza confidencial e, fez-se mais, generalizou-se um debate que só pode ter como consequência o coarctar a liberdade de acção do juiz encarregado da sindicância.
Para onde se vai com tais processos?
O facto é que o assunto veio à consideração desta casa do Congresso, o facto é que se insinuou um funcionário da República, o facto é que se insinuou um Ministro.
O Sr. Ministro das Finanças não precisa que eu seja seu procurador, êle dirá de sua justiça no local próprio, e só lamento que S. Ex.ª, tendo perdido a serenidade de Ministro, pronunciasse frases como as que acabamos de ouvir proferir.
O Sr. Ministro das Finanças, atenta a sua situação delicada e como o assunto era do seu próprio Ministério, acaba de depor a sua pasta; concordei com a sua demissão, porque nunca nenhum Ministro, nas condições de S. Ex.ª, daqueles que têm colaborado comigo, veio pedir a solidariedade dos seus colegas.
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A questão, pois, está posta de tal forma que não pertence a um partido, mas a todos os republicanos.
Como muito bem disse o Sr. Álvaro de Castro, nós não somos juizes.
Nesta questão temos duas cousas inteiramente separadas, uma é a averiguação que cabe a quem de direito, ao Poder Judicial, e a outra é a parte política e as consequência que dela derivam.
Estou certo que tudo se esclarecerá para bem do regime e (lê todos nós.
Tenho dito.
O discurso será publicado nu integra) revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: eu creio que todos nós que fazemos parto desta Câmara, pelo muito amor que temos por ela, e também pelo muito amor que temos pela Republica, temos ùnicamente um modo de ver, qual é o de que é preciso que a moralidade em todos os actos da administração pública seja absolutamente clara; e assim, desde, que por qualquer motivo possa aparecer uma sombra sequer, precisamos de justificar toda a verdade, e nesta situação se encontra o actual Ministro das Finanças o Sr. Velhinho Correia.
Eu também sou de parecer, Sr. Presidente, de que o Sr. Velhinho Correia não pode continuar no desempenho do seu lugar.
Muitos apoiados.
O Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia): — Eu devo dizer a V. Ex.ª que já pedi a demissão do meu lugar, e noto V. Ex.ª que o fiz em seguida ao meu discurso, sem indicação de quem quer que fosse.
O Orador: — Não pode, repito, continuar naquele lugar, não porque tenha praticado qualquer crime, pois, não sei se o praticou, nem necessito saber, visto que isso pertenço ao Poder Judicial, mas porque tem responsabilidades políticas, e assim não está em condições de continuar a gerir a pasta das Finanças.
Estou inteiramente de acôrdo com isto, tanto mais quanto é certo que temos de
apurar o que há de verdade sôbre o seu procedimento e as suas responsabilidades.
Nós temos na Constituïção, embora reconheçamos a necessidade da sua reforma, o caso previsto da responsabilidade ministerial.
O Sr. Álvaro de Castro: — O que é preciso é saber-se, como se há-de iniciar o processo.
O Orador: — Temos uma lei a êsse respeito, que é a n:º 12:266 de 27 de Julho de 1914.
Dentro dessa disposição legal, Sr. Presidente, que ainda está em vigor.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Eu não posso ser acusado de não querer o Poder Judicial prestigiado, mas a Câmara pode pronunciar-se a propósito duma acusação dirigida a um Ministro, para o efeito do processo criminal.
É o que tem de fazer-se, é o que preceitua a Constituïção.
Parece-me que. fazendo esta afirmação, eu sou apenas coerente com a minha atitude, sem poder dar a impressão de que procuro impedir o apuramento das responsabilidades.
Eu quero que se apurem as responsabilidades, mas nos precisos termos da Constituïção.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: não se trata de acusação de crimes, ainda ninguém falou em crimes.
Essa palavra não; foi ainda proferida porque não houve lugar para isso.
O que todos nós desejamos é que o assunto se esclareça, e isso porque já são inúmeros os crimes insinuados sem que tenha resultado qualquer punição.
É necessário governar, agir em harmonia com a verdade.
É necessário que os políticos tenham a coragem moral para em qualquer momento preciso dizerem tudo.
E necessário não recuar; é necessário provar que o regime republicano ainda tem sôbre o monárquico a vantagem de não abafar escândalos.
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Na monarquia, em vez de se dizer tudo, abafavam-se os escândalos poio rocei o do que da verdade viés só mal ao regimo realista.
Na República é preciso fazer o contrário.
É necessário que só realizo o inquérito parlamentar a que se reabriu o Sr. Álvaro de Castro.
Mas, Sr. Presidente, o que não fazia sentido é que houvesse nesta questão só uma pessoa a ser sindicada.
E, Sr. Presidente, ou devo disser, em abono da verdade, que não fazia, sentido, pois a verdade é que, estando os dois envolvidos no mesmo caso, não é natural que o Ministro fizesse parto dos sindicantes.
A. minha opinião é de que se deve proceder a um inquérito parlamentar, e, assim, se o meu requerimento fôr aprovado para que o debate se generalizo, eu nessa altura apresentarei uma proposta nesse sentido, isto é, para que seja nomeada uma comissão de inquérito parlamentar, a fim de apurar o que há de verdade sôbre todo êste assunto.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra quando o orador tiver devolvido, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: eu devo dizer, em abono da verdade, que um país que chegou à situação aflitiva a que o nosso chegou, e que assiste a um espectáculo como êste a que temos hoje assistido, é caso, Sr. Presidente, para todos nós lamentarmos a sorte dêsse país, tanto mais quanto é certo que é êste o estado normal do regime em que vivemos.
Não vou usar do processo seguido por alguns republicanos, quando atacam os processos seguidos no tempo da monarquia.
Não, Sr. Presidente; nós dêste lado da Câmara não usamos dêsses processos, pois não desejamos, nem de leve, manchar a honra dos nossos adversários, porque entendemos que só respeitam a sua honra aqueles que respeitam a honra dos outros.
Disse o ilustre Imputado Sr. Cunha Leal, republicano de todos os tempos, e muito bem, a meu ver, que um país que sustenta aquilo que vem sustentando não tem o direito de viver.
Foi isto, pouco mais ou monos, Sr. Presidente, o que disse o Sr. Cunha Leal, num rasgo de sinceridade que muito o deve orgulhar.
Um- país que sustenta aquilo que vem sustentando é, na verdade, um país que não tem o direito de viver.
Além disso, nós ouvimos vários republicanos, e entro êles o Sr. Vasco Borges, o qual fez um brilhante discurso, dizendo tudo aquilo que é dito por todos os homens honrados como o Sr. Vasco Borges,
O discurso que o Sr. Vasco Borges fez sôbre os escândalos da Exposição do Rio de Janeiro pode S. Ex.ª entregá-lo novamente aos Srs. taquígrafos, substituindo as palavras «Rio do Janeiro» por «Casa da Moeda».
Os discursos que S. Ex.ª fez sôbre os escândalos dos Bairros Sociais pode o Sr. Vasco Borges, como pessoa honrada que é, mandá-los copiar à máquina para os distribuir, pois que terá muitas vezes de os repetir, quando se dão os repetidos escândalos desta República.
Àpartes.
Só faltaria ver que a República deixasse impunes, por paixão política, todos êsses escândalos criminosos, e que esta Câmara não tomasse agora uma acção dignificante para a República.
Sr. Presidente: Aquando chegará a hora em que todos os homens de bem, republicanos e monárquicos, se unam para afastar esta onda de lama que envolve o País?
O espectáculo da sessão do hoje é um espectáculo vergonhoso.
Àpartes.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (Interrompendo): — É um espectáculo edificante, porque se vê a República entregar ao Poder Judicial dois homens suspeitos.
Apoiados.
Àpartes.
Sussurro.
O Orador: — Lamento que a paixão política leve homens como o Sr. Carlos de Vasconcelos a dizer que a sessão de hoje é dignificante, quando as suas palavras deviam ser de condenação.
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Muitas vezes a paixão política leva os homens a esquecer aquilo que são os primeiros a condenar.
Àpartes.
Quando chegará a hora em que todos queiram viver num regime em que se respeitem os direitos dos homens honrados e não num regime sustentado à custa de escândalos?
Àpartes.
Quando será que a República deixará de se apoiar em fôrças, que, sendo no emtanto muitas vezes bem intencionadas, são todavia as escoras seguras daqueles que querem praticar uma obra má para os interêsses do País?
Sr. Presidente: na verdade nós não estamos aqui constituídos em. tribunal, e o Sr. Presidente do Ministério já declarou à Câmara que o Sr. Ministro das Finanças tinha pedido a demissão.
Porém, sem querer alongar-me em considerações, e porque os factos falam mais alto que as palavras, direi que êste lado da Câmara não concorda com o inquérito parlamentar.
Entendemos que a Câmara já apurou o que devia apurar, e concluiu que o Sr. Ministro das Finanças não pode continuar no seu lugar, devendo o resto ser entregue ao Poder Judicial, a fim de que se apurem as devidas responsabilidades.
Sr. Presidente: antes de terminar, quero frisar — visto que o Sr. Presidente do Ministério e o Sr. Vasco Borges se referiram à administração da monarquia — que cada vez mais nos sentimos orgulhosos de poder prestara nossa homenagem, a mais sincera, à honra dos homens públicos do regime deposto.
Devo ainda salientar neste momento o que há pouco disse um honrado republicano, o Sr. Francisco Cruz, quando discutia a questão dos tabacos.
S. Ex.ª disse que uma das armas de que os republicanos mais se serviam para caluniar os monárquicos fora a questão dos tabacos, esperando que a República, ao elaborar o contrato dos tabacos, procedesse com o mesmo' escrúpulo com que a monarquia tinha tido em 1906.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Aníbal Lúcio de Azevedo: — Sr. Presidente: pedi a palavra para afirmar a V. Ex.ª e à Câmara que foi com grande satisfação que acolhi o alvitre do Sr. Cunha Leal.
E com a cabeça bem levantada, e com a consciência dos meus actos, que eu peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para me retirar da Câmara emquanto durar o inquérito.
Mas tendo-me sido feita na imprensa, entre muitas acusações, uma de alta traição, e que diz respeito a um cabo submarino, eu peço a V. Ex.ª e aos meus ilustres colegas, que quando êsse assunto fôr aqui discutido, me seja permitido vir à Câmara mostrar qual foi a minha atitude.
Apoiados.
Não quero que alguém suponha que, com a minha ausência, me quero furtar à discussão, e por isso novamente peço aos meus colegas que me seja permitido vir aqui discutir a concessão da Wester Union.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
foi aprovado o requerimento do Sr. Vasco Borges.
Aprovou-se a acta.
O Sr. António Maia: — Requeiro a prorrogação da sessão até se liquidar o incidente.
Foi aprovado.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Requeiro que todos os documentos que se relacionam com o processo sejam publicados no Diário do Govêrno.
O orador não reviu.
Foi aprovado.
O Sr. Vasco Borges: — Limito-me a enviar para a Mesa a seguinte
Proposta
Considerando que a dignidade e o prestígio do regime que a chamada questão dos flans para amoedação, até pela proporção que as suspeições dela emergentes já atingiram, seja ampla e completamente esclarecida; considerando que as declarações do Deputado Aníbal Lúcio de Azevedo sôbre a referida questão estabelecem a necessidade de que a sindicância já ordenada aos actos daquele senhor, como ad-
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ministrador da Casa da Moeda e Valores Selados, pelo Sr. Ministro das Finanças, abranja os próprios actos dêste Ministro: proponho que a Câmara dos Deputados nomeie uma comissão parlamentar de inquérito, com todos os poderes judiciais necessários, que no menor prazo de tempo traga à Câmara dos Deputados a conclusão dos seus trabalhos.
Câmara dos Deputados, 23 de Outubro de 1923. — Vasco Borges.
Foi lida e admitida, ficando em discussão.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Coerente com às afirmações que produzi há pouco, vou mandar para a Mesa uma moção de ordem, que exprime, por parte da Câmara, o seu modo de ver.
Por mais de uma vez eu tenho de fazer sentir os inconvenientes de submeter a uma assemblea política assuntos de ordem judicial, e por isso julgo que se devem iniciar estas demarches para o levantamento do corpo de delito, e entregar o caso aos tribunais.
Foi lida e admitida na Mesa a seguinte
Proposta
A Câmara, reconhecendo depois do debate aqui havido acêrca da tentada aquisição de discos de bronze de alumínio, para serem convertidos em moeda, nos termos da lei n.º 1:424, de 15 de Maio de 1923, debate em que interveio o Ministro demissionário, Sr. Velhinho Correia, que será indispensável, além da liquidação das responsabilidades políticas, inteiramente da nossa competência, apurar-se outras responsabilidades das previstas no artigo 55.º da Constituïção da República, existam ou não, convida os Srs. Presidente do Ministério e Ministro da Justiça a expedirem ao representante do Poder Executivo, junto do tribunal competente (magistrado do Ministério Público), as ordens necessárias para cumprimento imediato do artigo 15.º da lei n.º 266, de responsabilidade ministerial, de 27 de Julho de 1914, ou seja a instauração do processo judicial, em que êsse apuramento se efectue. — Almeida Ribeiro.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: já há pouco expus à Câmara o que a minoria monárquica pensa a respeito do assunto que está em debate e, portanto, em duas palavras explico a razão do nosso voto contrário à moção do Sr. Vasco Borges.
Entendemos, como também entende o Sr. Almeida Ribeiro, que êste assunto não deve ser entregue a uma comissão desta Câmara.
O assunto deve ser entregue ao Poder Judicial.
E, Sr. Presidente, desde já declaro, em nome dêste lado da Câmara, que se efectivamente fôr aprovado que se nomeie uma comissão de inquérito, formada por parlamentares, nenhum dos Deputados monárquicos consentirá em fazer parte dela, porque a nomeação de semelhante comissão pode ser até contrária à acção do Poder Judicial.
Segundo o alvitrado pelo Sr. Almeida Ribeiro, os Srs. Presidente do Ministério e Ministro da Justiça deveriam ser convidados a instaurarem o competente processo ao Sr. Ministro das Finanças, já demissionário.
Uma vez que essa iniciativa parte do Poder Legislativo, somos de opinião que deve ser V. Ex.ª, na qualidade de Presidente da Câmara, quem promova que se instaure êsse processo.
E tanto mais razão há para que assim seja, quando é certo que, depois do que se tem passado, o Sr. Presidente do Ministério não deverá manter-se nas cadeiras do Poder.
Nestas condições, mando para a Mesa a seguinte moção.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Moção
A Câmara, reconhecendo que a responsabilidade política dos factos revelados durante a sessão de hoje, e que originaram a inevitável demissão do Sr. Ministro das Finanças, pertence a todo o Govêrno, passa à ordem do dia.
Lisboa, 23 de Outubro de 1923. — Artur Carvalho da Silva.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: uso da palavra para declarar que estou de acôrdo com a proposta do Sr. Almeida Ribeiro.
A moção de S. Ex.ª é uma moção de ordem política.
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Quanto à parte dos tribunais, estou de acôrdo com S. Ex.ª e por isso não aprovarei a moção do Sr. Vasco Borges.
Qualquer cidadão português pode intervir no processo para o fazer seguir; quere dizer, a Câmara, aprovando a moção do Sr. Almeida Ribeiro, estabelece claramente que o processo não, deixará de marchar através de tudo, desde que haja um cidadão português que exija que êle marche.
Parece-me que é a primeira vez que a Câmara entra num campo estritamente legal, facilitando os meios a empregar para o castigo dos responsáveis.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: parece partir-se dum princípio de que neste caso há crime, havendo portanto necessidade de enviar, o processo para os tribunais,
Eu, Sr. Presidente, já disse que bem pode acontecer tratar-se apenas dum acto de má administração, e então considero que tratando se dum acto de má administração êle tenha um aspecto político que a comissão parlamentar, de inquérito a nomear tenha de considerar.
Está uma sindicância já ordenada, segundo creio, ao Sr. Administrador Geral da Casa da Moeda, e eu pregunto: essa sindicância vai prosseguir?
Uma voz: — Sim, senhor.
O Orador: — Então temos duas acções correndo paralelas.
Parecia-me então melhor juntar tudo e a comissão de inquérito averiguar se SB trata ou não apenas dum acto de má administração.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: ouvi atentamente as considerações que o Sr. Vasco Borges acaba de fazer.
Eu não afirmo que haja crime; o que afirmo á que a entidade, competente pela Constituïção para averiguar dos factos e formar o competente corpo do delito é o Poder Judicial. E eu pregunto: qual é a situação do Poder Judicial ou do membro do Poder Judicial que queira levantar asse corpo de delito, quando saiba que há uma comissão de inquérito parlamentar a levantar outro corpo de delito? Ou se há-de confiar desde já a investigação, ùnicamente a investigação, ao Poder Judicial, ou se há-de adiar a investigação do Poder Judicial para depois da comissão parlamentar de inquérito ter dado a sua decisão.
Respeito muito todos os parlamentares,, mas não estranharão que eu diga que não são profissionais da justiça, o por isso mesmo não têm competência jurídica que tem um juiz de carreira ou juiz profissional.
Parece-me, portanto, que as duas propostas colidem uma com a outra. É impossível pôr em movimento a acção da justiça ao mesmo tempo que aqui se nomeia uma comissão com poderes judiciais.
É uma entidade que não poderá trabalhar por o assunto estar sendo tratado por uma outra entidade, ou pelo facto dos documentos estarem em poder da comissão de inquérito.
De resto, Sr. Presidente, quero ainda dizer duas palavras acêrca da proposta apresentada pelo Sr. Carvalho da Silva, e é de que a julgo respeitável, pois a verdade é que a Câmara tem poderes, executivos e, absoluta competência para resolver o assunto, tanto mais quanto é certo que é essa a sua própria função.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Juvenal de Araújo: — Sr. Presidente; pedi a palavra para declarar à Câmara que não voto a proposta do Sr. Vasco Borges, aliás orientada nos nobres sentimentos que há pouco inspiraram a Nação, que todos acabámos de ouvir ao ilustre Deputado.
Com efeito, Sr. Presidente, depois do que se passou na sessão a que com tanta mágoa vimos assistindo, não me parece, por maior que — seja a consideração que tenhamos pelo Parlamento, que esta assemblea possua todo aquele espírito de reflexão, de serenidade, de isenção, para bom poder inquirir dos graves acontecimentos que se passaram.
Não é a uma assemblea essencialmente política, como é o Parlamento, onde se tam vivas paixões, que nós po-
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demos ir buscar os elementos capazes de melhor apreciar e julgar, com a frieza e a independência necessárias, tudo quanto se passou em volta dêste triste caso da Casa da Moeda.
A situação, demais, é esta: está nomeada uma comissão para analisar as propostas do concurso, composta de elementos de toda a idoneidade, um dos quais, especialmente, é um magistrado digníssimo, que infunde a maior confiança ao País. Por outro lado, está nomeado um sindicante, também magistrado, aos actos do Sr. Director da Casa da Moeda.
Não me parece conveniente que, além dêstes elementos nomeados para sindicar, nós- vamos, com o mesmo fim, fazer surgir mais um, que seria a comissão de parlamentares que o Sr. Vasco Borges propõe. Daí só adviria a confusão na instrução do processo, com desvantagem para o esclarecimento da verdade e, portanto, com prejuízo para a justiça da decisão final.
Só me resta, pois, aguardar o resultado da sindicância ordenada, desejando que ela se exerça com a maior independência e liberta de todas as influências. E é justamente por querer que a sindicância se exerça ampla e livremente nestas condições que não voto a proposta do Sr. Vasco Borges.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: — Está esgotada a inscrição, vai votar-se.
Os Srs. Deputados que aprovam a moção do Sr. Carvalho da Silva, queiram levantar-se.
O Sr. António Maia: — Requeiro a prioridade para a moção do Sr. Almeida Ribeiro.
O Sr. Presidente: — Está rejeitada.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.º
O Sr. Almeida Ribeiro: — Eu não sei qual a razão por que, tendo o Sr. António Maia requerido a prioridade para a minha moção, V. Ex.ª não lhe deu seguimento.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Pela razão simples de que êsse requerimento foi feito já depois de ter sido lida na Mesa u moção do Sr. Carvalho da Silva.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai pois, proceder-se à contraprova.
Os Srs. Deputados que rejeitam a moção do Sr. Carvalho fia Silva, queiram levantar-se.
Não há número, pelo que se vai proceder à chamada.
Procede-se à chamada.
Disseram «aprovo» os Srs:
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Paulo Cancela de Abreu.
Disseram «rejeito» Srs.:
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo do Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Francisco da Cunha Rogo Chaves.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
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Jaime Pires Cansado.
José Carvalho dos Santos.
José. Mendes Nunes Loureiro.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mariano Rocha Felgueiras.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
O Sr. Presidente: — Disseram «rejeito» 46 Srs. Deputados e «aprovo» 3.
Não há número e assim a próxima sessão será amanhã, 24, pelas 14 horas, sendo a ordem do dia a mesma que estava marcada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Declaração de voto
Os parlamentares do Partido Republicano Nacionalista, rejeitando a moção do Sr. Carvalho da Silva, declaram que o não fizeram porque o Govêrno lhes inspire confiança, mas porque entendem injusto generalizar a todos os Ministros as responsabilidades que possam caber ao Sr. Ministro das Finanças, único responsável conforme as declarações do Sr. Presidente do Ministério. — Álvaro de Castro — Cunha Leal.
Projecto de lei
Do Sr. Carlos Olavo, sôbre obrigações contraídas em moeda estrangeira.
Para o «Diário do Govêrno».
O REDACTOR — Sérgio de Castro.