Página 1
REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 156
(EXTRAORDINÁRIA)
EM 26 DE OUTUBRO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João Vitorino Mealha
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 38 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante se aprovou com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
São admitidas proposições de lei, já publicadas no «Diário do Govêrno».
É aprovado um parecer de última redacção.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Carlos Pereira trata da greve marítima e da situação da frota do Estado.
O Sr. Sá Pereira reclama contra o facto de continuarem sob prisão, sem pronúncia além do prazo legal, certos indivíduos.
Responde o Sr. Ministro da Justiça (Abranches Ferrão).
O Sr. Carvalho da Silva deseja saber se é verdadeira a versão de se ter feito uma operação sôbre as reservas da prata.
Responde negativamente o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
O Sr. Juvenal de Araújo ocupa-se da greve marítima, pedindo que se apresse a sua solução, ficando o Sr. Presidente do Ministério de comunicar as considerações feitas ao seu colega da Marinha.
Ordem do dia. — Continua o debate político sôbre a crise ministerial, resultante da exoneração do Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia).
O Sr. Cunha Leal, que f cara com a palavra reservada, apresenta uma moção de ordem, que é admitida.
Usa da palavra o Sr. Lino Neto, que cumprimenta o novo Ministro das Finanças (Vás Guedes).
Responde aos oradores precedentes o Sr. Presidente do Ministério (António Maria da Silva).
O Sr. Álvaro de Castro apresenta e justifica uma moção de ordem, que é admitida.
O Sr. Ministro da Instrução (João Camoesas) protesta contra algumas palavras que foram proferidas.
Responde o Sr. Álvaro de Castro, replicando o Sr. Camoesas.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia 28.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Um parecer e um requerimento.
Abertura da sessão, às 15 horas e 20 minutos.
Presentes à chamada, 38 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 48 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Carreia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Página 2
2
Diário da Câmara dos Deputados
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Pires Cansado.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Juvenal Henrique de Araújo.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Góis Pita.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Ernesto do Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Ginestal Machado.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Página 3
3
Sessão de 26 de Outubro de 1923
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Corroía.
Francisco Manuel Homem Cristo.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João do Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Leonardo José Coimbra.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel do Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 15 horas principiou afazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 38 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Representação
Dos industriais de saboaria de Lisboa, representando acêrca das conclusões do parecer n.º 607 da comissão de finanças.
Para a comissão de finanças.
Telegrama
Da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, protestando contra o imposto sôbre vinhos.
Para a Secretaria.
Admissões
São admitidas as seguintes proposições de lei, já publicadas no «Diário do Govêrno":
Propostas de lei
Dos Srs. Ministros da Guerra e Marinha, autorizando o Govêrno a ceder o bronze e trabalhos de fundição para o monumento, em Vila Real, a Carvalho de Araújo.
Para a comissão de guerra.
Do Sr. Ministro da Maiinha, fixando o tempo do serviço a prestar como alistados aos oficiais de saúde naval e auxiliares do serviço naval.
Para a comissão de marinha.
Projecto de lei
Do Sr. Garcia Loureiro, dando nova denominação, e fixando-lhe o vencimento, ao ecónomo da Colónia Agrícola de Vila Fernando.
Para a comissão de administração pública.
Última redacção
Projecto de lei
N.º 550-E, que autoriza o Govêrno a rever o decreto n.º 7:880, que criou a
Página 4
4
Diário da Câmara dos Deputados
Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, e a introduzir-lhe as alterações necessárias.
Aprovada.
Para o Senado.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai passar-se ao período do «antes da ordem do dia».
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: vou ser muito breve, apesar do assunto que vou tratar ser muito grave; pode dizer-se mesmo que êle é gravíssimo.
É o caso que, há longos meses, as classes marítimas se declararam em greve, fazendo, a meu ver, algumas exigências inaceitáveis, mormente aquela que se refere ao facto de serem as associações de classe que devem escolher os tripulantes e estabelecer as condições de matrícula, ao contrário do que estabelece o preceitua o Código Comercial que, numa. disposição insofismável, dá essa atribuição ao capitão do navio.
A greve declarou-se, pretendendo-se depois sustentar que em vez dela tinha surgido um lock-out; mas quer estejamos em presença da primeira, quer do segundo, o que é verdade é que cessaram todas as comunicações da metrópole com as colónias.
Eu pregunto: o que tem feito o Govêrno para acabar com esta situação, que não se pode manter por mais tempo?
Apoiados.
Por ventura, o Sr. Ministro respectivo Já se avistou com os corpos gerentes das associações dos tripulantes ou com os delegados dos armadores? Ou tem permanecido numa inércia que. a subsistir, não podemos deixar de considerar como criminosa?
Sr. Presidente: esta minha reclamação é tanto mais oportuna, quanto é certo que, havendo um diferencial de bandeira a favor da navegação portuguesa, a manter-se a situação tal como hoje se encontra, as colónias ver-se hão forçadas a carregar os seus produtos em navios estrangeiros, o que muito vem contribuir para o agravamento da economia, não só da metrópole como das colónias, visto os
seus produtos chegarem aqui imensamente sobrecarregados.
Mas apesar de isto já ser grave, colónias há que não podem servir-se dêste recurso, como S. Tomé e Príncipe e Guiné, que estão em absoluto privadas de comunicar com a metrópole e de exercer o seu intercâmbio comercial com os pôrtos do norte.
Veja, pois, a Câmara como êste assunto é grave e como necessita de ponderação.
Eu quero crer que o Govêrno já tomou qualquer providência a êste respeito, efectuando qualquer démarche no sentido do conseguir um acôrdo entre armadores e tripulantes, o que, de resto, em nada pode deminuir um Ministro da República, que apenas pretende defender os interêsses nacionais.
Como disse, estou convencido que o Govêrno já está tratando do assunto e, não acredito que seja necessário que o comércio das províncias ultramarinas tenha de reclamar, dizendo que é preciso tratar esta quês Lao não só com carinho, mas ao mesmo tempo com dedicação.
Êsse apoio, que eu quero secundar nesta Câmara, fazendo-me eco dele, já por certo o Govêrno ouviu, porquanto o comércio de Loanda, protestando contra a greve marítima, pede urgentes providências para evitar que as ligações com a metrópole tenham de ser feitas por navegação estrangeira.
Neste momento, em que ainda se fala de navios, nós assistimos ao espectáculo de ver uma frota, que era de alto valor económico nas mãos de quem a soubesse utilizar, verdadeiramente morta.
E o certo é que os navios dos Transportes Marítimos do Estado, alguns utilizados por entidades particulares, outros simplesmente amarrados, transformados em verdadeiras ostreiras, estão a depreciar-se dia a dia. Por isso urge resolver o problema da adjudicação dessa frota.
Já se cumpriram aquelas disposições legais que obrigavam à abertura de um concurso que, no caso dê ficar deserto, tinha de repetir-se com as mesmas formalidades, disposições estas que na lei se enxertaram, convencido talvez o legislador de que a água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Tudo isto porque se não quis estudar
Página 5
5
Sessão de 26 de Outubro de 1923
o problema e encará-lo naquele aspecto de utilização imediata, fazendo uma lei que o cercasse do todas as cautelas e ao mesmo tempo promovesse inteligentemente e facilitasse a transferência dos navios. O que é certo é que se cumpriram essas disposições legais.
Fez-se o primeiro concurso, que ficou deserto, por serem inaceitáveis as propostas a êle apresentadas. Abriu-se segundo concurso nas mesmas condições; foram novamente apresentadas propostas também inaceitáveis todas elas. e hoje. adentro das disposições do artigo 13.º da lei que regula a transferência da frota mercante do Estado, o certo é que o Govêrno tem a faculdade de fazer essa alienação de preferência em concurso.
Mas urge preguntar se, tendo terminado há tanto tempo o segundo concurso, e havendo-se em nota oficiosa dito que não tinha havido concorrentes, e tendo-se — o que é mais — em nota oficiosa descoberto esta solução lapidar, de que, à falta de propostas, o Conselho de Ministros resolveu continuar a executar a lei, como se porventura pudesse fazer qualquer outra cousa, como se para resolver esta questão fôsse preciso reunir o Conselho de Ministros.
E o que é certo é que, apesar de tam extraordinária afirmação, os navios continuam amarrados e o País não sabe o que é que se pensa fazer deles. Mas urge também encarar — e para ganhar tempo — um outro problema, qual é o de saber se o Govêrno rejeita as avaliações feitas dos navios, porquanto em meu entender o certamente quem tem, competência para fazer avaliações — é bem natural — são os Transportes Marítimos do Estado, nos expressos termos em que a lei lhes atribui tal faculdade.
O que é certo é que há uma avaliação anterior, avaliação que já então pecava por ser um êrro, mas que hoje peca por ser um êrro fundamental. E que de então para cá, e há mais de dois anos foi feita, os navios se têm desvalorizado.
Pensa o Govêrno, porventura, em fazer a venda dêsses navios, tomando para base da licitação essa avaliação?
Se pensa, digo ao Govêrno o que irá suceder: é que a praça fica fatalmente deserta, porque navios há, embora todos tenham sofrido desvalorização, cuja desvalorização é enorme, cuja desvalorização resulta até das entidades que os tinham fretado e que não quiseram suportar os riscos dêsses concertos, e tem-se chegado a esta cousa monstruosa: de se utilizarem os navios no regime de afrotamento de Berbot, que é o único regime adoptado pela comissão liquidatária, em. que os navios por vezes ficam quási inutilizados e, quando só tem inutilizado, as entidades fretadores põem-se a coberto de qualquer responsabilidade nos encargos por virtude de deterioração, em que êsses navios sejam computados.
Deixou-se abandonado êsse navio no molhe de Leixões, entregando-se ao Estado sem ter completado o tempo do afretamento.
Desejo saber o que pensa o Govêrno: se faz a avaliação na altura em que não tenha havido as avarias.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª já está a falar há mais tempo do que marca o Regimento.
Vozes: — Fale, fale.
O Sr. Francisco Cruz: — A culpada situação que V. Ex.ª está a condenar 6 dum Ministro do seu partido.
Vários àpartes.
O Orador: — O ilustre Deputado Sr. Francisco Cruz tem absolutamente razão, mas eu também tenho, pois sou o primeiro a combater o caso, e essa lei foi feita com votos dêsse lado, não digo com os de S. Ex.ª
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Sá Pereira: — Chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça para um caso que reputo gravíssimo.
Chegou ao meu- conhecimento que se encontram presas há mais de 4 meses diversas pessoas por delitos sociais. Não posso dizer se estas informações são a expressão rigorosa da verdade, pois não tive fonte segura de informação; mas entendo do meu dever chamar a atenção de V. Ex.ª para o caso, que é verdadeiramente melindroso.
Página 6
6
Diário da Câmara dos Deputados
A lei não pode deixar de ser respeitada, e se ao Govêrno falta qualquer meio, eu sou da opinião que deve vir às duas casas do Parlamento pedir que lhe modifiquem a legislação, dando-lhe as garantias de que carece.
Eu sei que o Govêrno não tem culpa, mas a responsabilidade é de alguém, a quem V. Ex.ª tem de chamar a atenção para o caso.
Sou partidário da lei, mas da lei com todas as garantias.
Estou absolutamente convencido de que V. Ex.ª vai dar as providências necessárias e portanto dou por concluídas as minhas considerações.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Em resposta às observações do ilustre Deputado, tenho a dizer que é sempre meu intento fazer cumprir a lei em geral, e, com respeito ao caso particular que S. Ex.ª tratou, trata-se de casos de vadiagem sujeitos ao julgamento do Tribunal de Defesa Social.
O Tribunal de Defesa Social, como V. Ex.ª sabe, não tardará a ser extinto. Foi apresentada uma proposta pelo Sr. Catanho de Meneses, apresentada na Câmara dos Deputados e aprovada, sôbre a qual o Senado ainda se não pronunciou.
Parece que será promulgada como lei, em virtude de o Senado se não haver pronunciado sôbre ela no tempo em que devia fazê-lo, em harmonia com a Constituïção.
Quanto aos presos, ainda não estão entregues ao Tribunal de Defesa Social, e ao que me consta a polícia está ultimando o processo para que sejam entregues ao referido Tribunal, se ainda existir, ou a outro que o substituir.
É o que posso dizer ao ilustre Deputado.
O Sr. Sá Pereira: — Devem mandar-se em liberdade os que não estiverem culpados.
O Orador: — No Ministério da Justiça não há acção sôbre êsses casos.
A polícia é que está organizando os processos.
Emquanto não forem entregues ao Tribunal, não posso ter interferência alguma no assunto.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Peço a atenção do Sr. Presidente do Ministério.
Sr. Presidente: vou dirigir ao Sr. Presidente do Ministério uma pergunta.
Tratando-se dum dos assuntos mais graves que porventura neste país pode suscitar-se, vou referir o que num jornal do partido de S. Ex.ª vem, informação essa de tal ordem que, confesso, ainda não acredito que ela seja verdadeira, porque, a sê-lo, agravaria ainda mais as declarações do Sr. Presidente do Ministério acêrca da circulação fiduciária.
O Rebate de ante-ontem traz um artigo intitulado «A circulação fiduciária», em que faz a afirmação de se ter feito uma operação sôbre as reservas de prata do Banco de Portugal.
Afirma-se que o Sr. Velhinho Correia realizou essa operação.
O orador fez a leitura do jornal o «debate» do dia antecedente, e continuou:
Desejo que o Sr. Presidente do Ministério me responda concretamente sôbre se, com a prata que estava no Banco de Portugal, era permitido que se fizesse qualquer sombra de operação.
Se, porventura, se fez qualquer sombra de operação com a prata que estava no Banco de Portugal, como garantia de circulação fiduciária. E qual foi o valor efectivo em ouro por que essa prata foi substituída?
Desejava muito que o Sr. Presidente do Ministério fizesse o favor de me interromper nas minhas considerações para depois eu nelas prosseguir.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Guerra (António Maria da Silva): — Interrompo a V. Ex.ª desde já. para dizer que estando nesta Câmara estabelecido um debate em relação a assuntos directamente ligados ao que respeita à lei n.º 1:424, é do estranhar que S. Ex.ª deseje também outra discussão antes da ordem sôbre o mesmo assunto.
Assim ficariam duas discussões: uma antes, outra na ordem do dia.
Página 7
7
Sessão de 26 de Outubro de 1923
O Sr. Carvalho da Silva: — Antes da ordem posso preguntar sôbre o que muito bem entender.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Guerra (António Maria da Silva): — Seria adoptar o sistema fantástico de haver duas discussões sôbre o mesmo assunto.
O Orador: — O Sr. Presidente é quem dirige os trabalhos.
Sr. Presidente: ao comunicar ao Parlamento que a prata que estava no Banco de Portugal, e que era garantia da circulação,fiduciária, havia servido para uma operação, ao fazer esta afirmação à Câmara, há um chefe do Govêrno que se não levanta para imediatamente negar essa notícia!
De duas uma: ou o chefe do Govêrno não sabe medir a importância duma afirmação desta natureza, ou essa notícia é então verdadeira.
Apoiados.
É que o chefe do Govêrno considera o País como massa falida, e está empenhando-o.
É êste um Govêrno que empenha a dívida externa, que lança papel no mercado, que aumenta os impostos e a circulação fiduciária.
É Govêrno a quem o País nestes termos não mais poderia perdoar, nem ao regime que em tal consente.
Procura liquidar o País, arrumando as suas finanças por completo, aumentando a circulação fiduciária, e tocando ainda na reserva metálica, ao mesmo tempo que aumenta essa circulação!
E nega as verdades aos representantes da Nação! E preguntado sôbre o que fez à prata, nada responde; não diz uma palavra!
De duas uma: ou S. Ex.ª não tem a noção dos seus deveres e a afirmação não tem desmentido, ou então é verdadeira a notícia!
Em qualquer dos casos, ninguém pode permitir que esteja nas cadeiras do Poder um Govêrno que desgraça o País. Não pode nem mais uma hora ocupar as cadeiras do Poder com prestígio e dignidade,
Era nosso dever expor ao Parlamento êstes factos; o tal afirmação é tanto mais importante, quanto é certo que vem formulada num jornal do partido de S. Ex.ª, órgão das comissões políticas dêsse partido.
Diz o Sr. Presidente do Ministério que para o debate político se reserva. Pois bem; no debate político intervirei para tratar do caso.
Tenho dito.
O orador não reviu nem o Sr. Presidente do Ministério fez a revisão das suas declarações.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Guerra (António Maria da Silva): — O Sr. Carvalho da Silva, seguindo o seu processo de catecismo de preguntas e respostas, entende que esta questão do aumento da circulação fiduciária, tam complexa e importante, se podia tratar também por sins e por nãos.
Propositadamente eu deixei que S. Ex.ª deitasse abaixo a prateleira dos tropos inflamados, para agora responder à sua pregunta simplesmente com estas palavras: não é verdade.
Mas se não fôsse assim, nem mesmo nestes termos eu poderia ser acusado, por quanto teria procedido ao abrigo da lei n.º 1:424, promulgada durante o dezembrismo, que os partidários do Sr. Carvalho da Silva apoiaram.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Juvenal de Araújo: — Sr. Presidente: o Sr. Carlos Pereira acaba de referir se aos profundos prejuízos que a demora da solução da greve marítima está causando aos nossos interêsses coloniais.
Desejo salientar que há um outro grupo de interêsses, não menos respeitável e não menos de atender, que está sendo rudemente ferido com êsse estado de cousas; refiro-me aos interêsses das ilhas adjacentes.
Apoiados.
Não ignora V. Ex.ª, nem ignora a Câmara, quanto é importante actualmente o movimento de importação e exportação que se faz normalmente entre as ilhas da Madeira e Açores, entre si, e sobretudo entre êstes dois arquipélagos e o continente.
É quási exclusivamente por via dos vá-
Página 8
8
Diário da Câmara dos Deputados
pores das emprêsas nacionais que Gsse movimento se exerce, em carreiras regulares, que hoje só encontram infelizmente interrompidas era virtude dessa greve, que parece eternizar-se.
Posso por isso assegurar à Câmara que são muitos os prejuízos sofridos pelo comércio insulano, e mesmo pelo comércio oriental, que com aquele se relaciona.
Demais, está-se em presença duma situação verdadeiramente paradoxal. Tributaram-se os navios estrangeiros com taxas especiais, na sua passagem pelos pôrtos portugueses, para proteger a marinha mercante nacional. Pois o resultado de tal medida é o que estamos presenciando, com grave prejuízo da economia nacional: os vapores estrangeiros, deminuindo ao mínimo as suas carreiras pelos nossos pôrtos, fustigados pelos encargos extraordinários que sôbre êles fizemos incidir, e os navios nacionais, amarrados nos cais de Lisboa, paralisado», umas vezes por urna razão, outras vezes por outra, agora pela greve que se declarou, e que se não resolve.
Muitos apoiados.
Há ainda um aspecto de ordem económica que eu não quero deixar de frisar ao Govêrno. Na praça de Lisboa já se vai contando com a falta de certos produtos coloniais de consumo, retardados no ultramar, à falta de transportes em que sejam conduzidos à metrópole. Pois êste facto já é suficiente para determinar, com razão, o aumento de preços dos artigos aqui existentes, o que já se anuncia em Lisboa, e que não tardará a dar-se, como um fruto dos mais custosos decerto da demora que só está dando na solução da presente greve.
Pelas razões que acabo de expor, em nome dos interêsses gerais e dos interêsses especiais da Madeira e Açores, reclamo do Sr. Presidente do Ministério, que vejo presente, as mais enérgicas medidas para que se chegue com a maior brevidade à solução da greve, para o que o Govêrno tem o dever de contribuir com o máximo dos seus esfôrços.
Tenho dito.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — Ouvi com toda a atenção as palavras do ilustre Deputado, e posso assegurar que o Govêrno está tratando com todo o interêsse do assunto, esperando-se chegar em breve a uma solução satisfatória. É aprovada a acta.
ORDEM DO DIA
Continua o debate político sôbre a crise ministerial, resultante da exoneração do Sr. Ministro das Finanças (Velhinho Correia).
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: só o Parlamento, êste relapso Parlamento que o Govêrno e tantas manifestações da opinião pública parecem querer condenar, não toma definitivamente emenda, não é por falta de conselhos.
Ainda hoje na secção política dum jornal que eu tive a honra de dirigir, O Século, nos são dados alguns conselhos.
Porque o Parlamento deve ser um órgão sensível a todas as manifestações da opinião pública, não pode deixar de tomar êsses conselhos na devida conta, muito embora, é claro, se reserve o direito de pôr do parte os que, porventura, sejam disparatados ou interesseiros.
Até aqui plenamente de acôrdo, até o ponto em que se diz que o País, pôsto que a sua situação não seja desafogada, não está, evidentemente, em condições de não se poder salvar.
Mas no que diz depois começa naturalmente a minha discordância.,
Não é o Govêrno ou o Sr. Presidente do Ministério nas reuniões do seu Partido que julgam do momento de ter de terminar a sua missão. Juiz dêsse momento é só o Congresso da República,
A seguir vem um pequenino trecho que não foi escrito pelo Sr. Presidente do Ministério, mas que — palavra de honra — merece ter sido escrito por S. Ex.ª
Com franqueza, esto Govêrno encontrou de facto o caminho desimpedido diante de si.
Tem tido uma oposição que não tem sido das mais enérgicas por motivo de ela querer, acima de tudo, servir os altos interêsses do País e ter estado à espera que o Govêrno cumpra o seu dever.
Tem uma imprensa que vai até ao ponto de consubstanciar o pensamento do Sr. Presidente do Ministério, que nos faz
Página 9
9
Sessão de 26 de Outubro de 1923
a intimativa de aprovarmos estas propostas de finanças ou outras, como se isto de modificar medidas de finanças fôsse a cousa mais fácil do mundo, e por último proclama, como o Sr. Presidente do Ministério aqui proclamou, que o aumento da circulação fiduciária foi feito dentro da lei.
Sr. Presidente: era neste ponto que eu estava na última sessão.
Estava eu demonstrando que o aumento da circulação fiduciária não se fez dentro da lei e que, pelo contrário, tanto o Sr. Vitorino Guimarães como o Sr. Velhinho Correia excederam a circulação fiduciária, além do que era permitido pela lei. Estava procurando demonstrar que muito antes do Parlamento ter sido encerrado, em 5 de Agosto, a situação ilegal já existia, sem que o Sr. Vitorino Guimarães ou o Ministério tivessem tido a fácil coragem de o confessar à Câmara.
Vamos, então, à demonstração das minhas afirmações, e vamos fazê-lo com um bocadinho de cautela, porque eu tenho um respeito sagrado pelos números, que, aliás, tenho visto empregar com a mais fantástica comodidade.
Os aumentos da circulação fiduciária, além do que é permitido pela lei, são de duas categorias: aqueles que se fundam numa errada interpretação do § 1.º do artigo 8.º da lei n.º 1:424, de 14 de Maio do ano corrente, e aqueles que foram feitos sem espécie nenhuma de justificação, nem de tentativa de justificação.
Já demonstrei ontem que o § 1.º do artigo 8.º não permite considerar em vigor a convenção de 29 de Dezembro de 1922.
Estou costumado, quanto a leis tributárias lá fora, aquelas que tem sido votadas em todos os Parlamentos do mundo, a ver que uma das formas do interpretação que existe para essas leis é justamente aquela que é relatada nas comissões de finanças e nas casas do Parlamento.
O que é que o § 1.º estabelecia?
Determinava que, logo que entrasse em vigor o disposto neste artigo 8.º, cessava a convenção.
Tenho, portanto, a teoria do que o artigo 8.º entrou em vigor no dia 15 de Maio, que foi quando a Câmara aprovou a lei. Mas admitamos, por uma elasticidade de interpretação, que assim não devo entender-se.
Ora no artigo 8.º não se dá uma faculdade de construir o fundo de maneio; impõe-se a obrigação de o estabelecer e isso devia estar pôsto em vigor no momento em que se esgotaram os 140:000 contos de suprimentos.
Como se pode conceber que êste Govêrno deixasse de cumprir o artigo 8.º para não cumprir o § 1.º dêsse mesmo artigo?
Mas há mais.
O Sr. Barros Queiroz foi quem apresentou o § 1.º do artigo 8.º Importa conhecer-se a sua opinião. Nenhum de nós pode ignorar aquilo que se passou durante a discussão.
O Sr. Presidente do Ministério, com aquela facilidade de afirmações que o caracteriza, não disse à Câmara o que se passou, ao declarar simplesmente que o § 1.º do artigo 8.º era da sua autoria. O Sr. Barros Queiroz apresentou uma emenda, e então o Sr. Ministro das Finanças levantou-se para dizer:
«A Câmara compreende que entre o momento em que se promulga a lei e o momento em que posso levantar suprimentos, fico absolutamente descoberto, fico tendo um depósito no Banco de Portugal que não posso levantar e um débito que não posso explicar. Nestas condições peço para aprovarem o seguinte § 1.º: logo que entre em vigor o disposto neste artigo».
Sr. Presidente: nestas condições, eu tenho de concluir que não era possível tornar facultativa a criação do fundo de maneio. De resto, era êste o pensamento da Câmara.
Eu faço do Sr. Vitorino Guimarães uma opinião tal que me não permite acreditar que S. Ex.ª, enganando a Câmara, subrepticiamente introduzisse estas palavras a fim de a iludir, o que seria, realmente, impróprio de S. Ex.ª
Não ora intenção da Câmara deixar de pé o convénio de 29 de Dezembro de 1922, como não era êsse o intuito do Sr. Vitorino Guimarães, segundo as suas próprias palavras.
Se fizéssemos política dessa forma, teríamos descido a uma categoria em que
Página 10
10
Diário da Câmara dos Deputados
pareceria que havia papalvos — permita-se-me o termo — e pessoas excessivamente espertas para enganar aqueles.
Pelo artigo 29.º dos estatutos, o Banco de Portugal é obrigado a apresentar as notas semanais, mas nunca esta cláusula se cumpriu.
Ora eu não vejo o direito que os Ministros têm em suspender a publicação das notas, mas só aos Ministros; o Banco, não!
Pelo exposto já podem V. Ex.ª supor que nós não sabemos as notas que estão em circulação, mas ou tenho aqui uma nota do Banco que com uma simples operação se sabe quantas notas falsas se têm feito.
Quando fui ao Banco, o Sr. Adrião de Seixas fez-me uma determinada pregunta, a que certamente respondi; pois logo a seguir o Sr. Presidente do Ministério fez-me a mesma pregunta.
Realmente isto tudo é tam natural, que eu só tenho de estranhar a audácia que chega a ser descaramento!
Basta saber somar e deminuir para se saber quantas são as notas falsas.
Se não houvesse Ministros falsificadores de notas de acôrdo com o Banco, a circulação própria do Banco seria de 100:000 contos, mas por uma portaria surda foi aumentada a circulação.
Más agora já não é preciso portarias surdas, porque o alargamento da circulação fiduciária faz-se pelos meios que o Sr. Presidente do Ministério inventou!
Para legalizar esta situação tive de arredondar os números.
Pela lei do Sr. Portugal Durão fez-se depois uma outra cousa.
Eu tinha proposto que não se fizesse apenas um aumento de circulação para servir o Estado, mas que se criassem 140:000 contos de notas com o fim taxativa de serem empregados na protecção da agricultura e da indústria.
Reduziram a verba a 40:000 contos e vem a propósito dizer que sé fez uma nova falsificação, consumindo-se os 40:000 contos em cousas que não eram obras de fomento, e não sei como se pôde fazer isso, visto que pela contabilidade não se podia levantar êsse dinheiro com outro fito.
Apoiadas.
Mas, emfim, criaram-se mais 140:000 contos de notas e ficámos com a circulação muito mais elevada.
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª dá-me licença?
Os 40:000 contos foram depois aplicados por lei aos caminhos de ferro, mas o que é curioso é que já se gastaram êsses 40:000 contos, e no emtanto continua a dar-se dinheiro por conta dêles aos mesmos caminhos de ferro.
O Orador: — Agradeço a observação do ilustre Deputado, que, junto àquilo que já expus, prova que o característico dêste Govêrno é não fazer administração. Não há contas, não há administração.
Apoiados.
Mas vem depois o Sr. Vitorino Guimarães e aumentou de novo a circulação, ficando ainda de fora, uns bons que ainda não estão fabricados, mas que já produziram oxidação quási suficiente para asfixiar a República.
O Sr. António Fonseca: — E que já estão gastos!
O Orador: — Pois bem; tudo o que exceder a circulação autorizada a que mo venho referindo é ilegal, mas ilegal por duas maneiras: aquela que pretende disfarçar-se com uma má interpretação da lei, e a outra que se apresenta às escâncaras, descaradamente.
Importa, porém, verificar à progressão desta ilegalidade, apanhar datas; para só compreender o alcance das palavras do Sr. Presidente do Ministério, da sua falta de sinceridade, que deve ser simultânea com a sua falta de conhecimentos.
Em 30 de Junho ainda é Parlamento estava aberto. Não era portanto uma ocasião de aperto,, em que o Govêrno tivesse de recorrer, por escassez de recursos, ê apesar de tudo, a uma ilegalidade.
Declarou o Sr. Presidente do Ministério outro dia que há uma lei superior a tudo, que é á necessidade, e que quando os Parlamentos não legislam os Govêrnos se vêem na necessidade de decretar.
No tempo de Roma já se fazia isso, mas nomeava-se um ditador que fazia ditadura sim, mas à luz do sol.
Página 11
11
Sessão de 26 de Outubro de 1923
Agora ocultam-se os factos e junta-se à audácia da ditadura, que pratica os factos à luz do dia, uma nova fórmula, que é a de se ocultar tudo na sombra; junta-se à audácia do salteador o medo do cobarde.
Mas está provado que em 30 de Junho o Govêrno ainda podia recorrer ao Parlamento.
Ora, atendendo ao q no então registava o balancete semanal do Banco de Portugal, vê-se que para êstes factos não há justificação alguma!
Por lei, as notas que podiam estar em circulação eram umas certas; por uma falsa interpretação duma lei aquelas que podiam estar também em circulação eram umas outras, mas todas as que excederem essas notas não têm valor algum: são notas falsas, têm tanto valor como se fôssem feitas por um falsário, com a diferença de que o falsário não se acoberta com as responsabilidades ministeriais.
Apoiados.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — E note V. Ex.ª que ainda existem mais 60:000 contos, além da importância a que V. Ex.ª se acaba de referir.
O Orador: — O que eu posso garantir a V. Ex.ªs é que estou falando com toda a sinceridade, como sempre o faço, e assim devo dizer que, se muitos poderiam dar uma interpretação inversa ao § 1.º do artigo 8.º, uma única pessoa o não podia fazer, e era o Sr. Vitorino Guimarães.
Eu devo dizer em abono da verdade que pouco me importa que a importância dessas notas seja de 7:000 ou de 12:000; o que a mim me importa. Sr. Presidente, é a existência delas, que é um facto.
Apoiados.
Em 14 de Agosto ainda o Parlamento estava aberto; porém, pelas notas semanais da Direcção da Fazenda Pública, ou posso garantir a V. Ex.ªs que os números que estou apresentando representam a expressão da verdade, pois tive o cuidado de os copiar das notas dessa Direcção da Fazenda Pública, números que a meu ver não tem justificação alguma.
Mas ainda há mais.
E assim nós vemos por exemplo que na véspera da saída do Sr. Vitorino Guimarães, que ou creio que foi no dia 15, a situação é esta que ou vou lor a V. Ex.ªs
E depois desta leitura, eu garanto a V. Ex.ªs que nunca seria capaz de proceder desta forma, pois preferiria constitucionalmente ou inconstitucionalmente publicar antes de tudo no Diário do Govêrno essa situação, mas claramente, para que todo o País a pudesse saber.
Desde que o Parlamento tivesse conhecimento desta situação, que não correspondia a um equívoco, o Parlamento tinha o dever de ver onde estava a verdade, e se se tinham ou não feito notas falsas.
Se nós depois de conhecer os factos continuamos no mesmo caminho, a situação portuguesa iria por um terreno resvaladiço que pode levar ao pior dos resultados.
Apoiados.
A partir dêste momento nem sequer as afirmações dos Srs. Ministros podem garantir a verdade de qualquer cousa.
Apoiados.
Já terá porventura o Sr. Presidente do Ministério pensado que as repartições de contabilidade, o Parlamento e o Poder Executivo se fizeram para que entre elos existam relações e regularidade?
No dia em que isso não suceda, não pode haver a certeza de que o Estado não seja roubado, e S. Ex.ª tem que considerar a impressão que isso pode produzir no público.
S. Ex.ª já terá pensado o que isso representa de prejuízo para o País e para a República, e que um tal modo de proceder, de ocultar a verdade, não dignifica nem honra quem assim procede?
Apoiados.
Se não pensou, o Sr. Presidente do Ministério consulte a sua consciência, e veja se pode nestes termos continuar a prestar serviços ao País.
Apoiados.
Àpartes.
Sr. Presidente: no dia 29 de Agosto a situação fiduciária estava nos termos que vou ler.
No dia 12 de Setembro a circulação fiduciária para aquela de que também vou fazer leitura.
No dia 20 de Outubro, em que um Ministro das Finanças teve a audácia de vir dizer ao Parlamento que estava dentro da lei, a circulação fiduciária era a que vou apresentar.
Nesta altura houve um Ministro
Página 12
12
Diário da Câmara dos Deputados
teve a coragem de vir dizer que tinha legalizado a situação, quando a circulação fiduciária tinha passado a uma tal quantia.
Àpartes.
Devo dizer que os números que apresentei foram fornecidos pelo Sr. Adrião de Seixas, e êsse número de 60:000 contos uão corresponde ao que figura na Direcção Geral de Contabilidade Pública.
É esta a situação, a situação das notas falsas.
Àpartes.
Se o Sr. Presidente do Ministério ou alguém me vier dizer, que apesar dos números do Sr. Seixas a circulação não estava excedida, eu tenho a dizer que falta â verdade.
Àpartes.
A administração dos cofres públicos não pode ser assim dirigida, ao sabor do Sr. Presidente do Ministério.
Àpartes.
Um tal modo de gerir as contas públicas, não é uma administração que prestigie á República, e pode concorrer para tudo cair no caos.
Dêste sistema resultam factos como o do Sr. Lisboa de Lima, por uma portaria surda, vender um pavilhão que era do Estado.
Àpartes.
O Sr. Presidente do Ministério pensou nos vários modos de regularizar o futuro. Vejamos algumas das suas afirmações.
O Sr. Presidente do Ministério, coro, aquela sua falta de consideração pelos outros, lembrou aquele empréstimo que se tinha feito.
Não quero discutir mais essas cousas. São cousas tristes, desoladoras e que muito nos confrangem. Nada disto dignifica a República.
Não nos fala, porém, o Govêrno, em outros processos de legislar, mas eu suponho que em outros êle pensa. Assim direi que se pensa em vender a prata que existe no Banco de Portugal, sendo depositadas no mesmo Banco as cambiais obtidas por essa venda para levantar dinheiro sôbre elas.
Legislar por esta forma, representa aumento da circulação fiduciária.
É mais uma falsificação ao espírito da lei. É mais uma inovação perigosíssima, repudiada em absoluto pela lei n.º 1:424.
Para que a Câmara possa fixar o pensamento do legislador, vou ler o que se diz na alínea C do artigo 6.º da lei citada.
O pensamento do legislador era que se trocasse a prata por cambiais, e a seguir pôr essas cambiais como garantia da circulação fiduciária existente.
Era uma garantia ao existente; não ora para se fazerem aumentos.
O contrário disto será uma mistificação!
Tive o cuidado de ir à Direcção Geral de Fazenda Pública a fim de colhêr êsses dados, relativamente ao ano de 1922, e de fazer os gráficos de cada mês da cotação da nossa moeda, gráficos que ponho a disposição dos meus colegas que os queiram ver, o como valor elucidativo a Câmara há-de permitir que eu lhes faça referência.
O Sr. Presidente do Ministério achou o câmbio a 4 5/16.
Durante o mês de Fevereiro de 1922, em que o Sr. António Maria da Silva assumiu, infelizmente, o Poder, talvez, pela influência de certos actos enérgicos praticados nesse momento pelo Govêrno, deu-se uma melhoria cambial; no mês de Março em lugar de 4 5/16 o câmbio passou a 3.
A partir dêsse momento entrou-se em vida regular até que nos surge o Sr. Portugal Durão.
Por ocasião da apresentação de S. Ex.ª tive ensejo de lhe dizer: Sr. Portugal Durão, ilustre Ministro das Finanças, um plano de conjunto se torna necessário para a nossa administração financeira; não podemos fazer na administração pública aquilo que a mulher de Ulisses fazia numa teia clássica, fazer e desfazer.
Dizia o Sr. Portugal Durão: não; o Govêrno que encontrou um crédito no estrangeiro de três milhões de libras, vai equilibrar o Orçamento.
Pois eu convido a Câmara a ver o que sucedeu porque eu tenho e meu gráfico dividido por gerências.
Em Setembro, pouco mais ou menos no período em que S. Ex.ª saiu do Ministério, a média do câmbio era de 2 15/16, quer dizer a libra tinha feito uma diferença de quarenta e tal escudos, e agora repare a Câmara numa cousa: os nossos encargos externos devem orçar por 1:800 libras, e, como o aumento em cada libra foi de qua-
Página 13
13
Sessão de 26 de Outubro de 1923
reata e tal escudos temos uma cousa como 72:000 contos aproximadamente.
Vejamos se a produtividade das propostas do Sr. Portugal Durão seria equivalente a essa quantia.
S. Ex.ª criou o imposto sôbre o valor das transacções; embora não saibamos qual o seu rendimento global, sabe-se todavia que nos primeiros dez meses o imposto sôbre o valor das transacções rendeu perto de 50:000 contos, não devendo êsse rendimento ir muito além de 65:000 contos.
Além disso o Sr. Portugal Durão arranjou uma fórmula democrática para aumentar a contribuição predial rústica, prejudicando a situação dos pequenos contribuintes em favor dos grandes; pois apesar dêsse aumento a contribuição predial rústica rendeu monos.
A contribuição industrial parece que ficou na mesma.
O imposto pessoal de rendimento creio que pouco tem dado, e assim, emquanto o Sr. Portugal Durão fazia um plano maravilhoso que tam reclamado foi, por circunstâncias de ordem diversa deixava que as variações do câmbio determinassem um aumento no ágio do ouro.
Eu, Sr. Presidente, também sou partidário da teoria da estabilização dos câmbios, mas o que entendo é que o Sr. Presidente do Ministério não estabilizou nada porque o facto da libra subir no curto período de sete meses acho que não é estabilizar cousa alguma.
Seguiu-se depois um período de largas oscilações mensais.
Com certeza não foi no mês de Outubro que S. Ex.ª acabou com o reinado áureo dos especuladores.
Cito ainda ao acaso o mês de Março de 1923.
Neste mês veja-se a cotação máxima e mínima da libra.
Creio também que não foi neste mês que os especuladores foram asfixiados pelos Srs. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças.
Então onde está a estabilidade?
O Sr. Ministro das Finanças Vitorino Guimarães encontrou-se, por fôrça de um decreto detentor de 75 por cento das cambiais provenientes da exportação, quer dizer, a quási totalidade de ouro da nossa exportação passava pelas mãos do Sr.
Ministro das Finanças, coincidindo êste facto com o momento aflitivo em que não havia crédito na praça.
Venderam-se os stocks pequenos, agora vem a propósito dizer qual o pensamento que os homens de Estado devem ter sôbre stocks.
Os stocks representam na vida económica dum país a mesma função que o volante duma máquina para regular o seu funcionamento.
Querer acabar com os stocks é entregar o País aos especuladores.
Vendidos êsses stocks se os importadores não tivessem à sua disposição escudos para fazer face a novas importações, isso equivaleria a fazer parar por completo a vida nacional, entrando-se fatalmente num período de miséria colectiva.
Mas, creia V. Ex.ª que se essas importações não se fizerem num mês hão-de fazer-se no mês seguinte.
Estamos a armazenar um stock de necessidades.
Disse o Sr. Presidente do Ministério que há a política que une e a política que desune, afirmando que era partidário da política que une.
Como se hão-de unir homens dos mais variados campos políticos se não se lhes fornecer qualquer cousa que possa servir de traço de união?
Há, realmente, uma união em que todos somos forçados a entrar: é quando a Pátria precisa dos seus filhos; mas o que é que nos oferece o Sr. Presidente do Ministério?
Palavras incoerentes, que não têm sentido nem nexo.
Nós queremos unir, porque queremos afastar o Govêrno, que é a causa da desunião.
Apoiados.
O Govêrno hoje apenas tem o apoio dos Ministros independentes, que foi buscar ao Campo dos Mártires da Pátria, porque hoje são os mártires do Sr. Presidente do Ministério!
Todos sabem que o Sr. Presidente do Ministério é para a maioria um tolerado, e por isso se encontra firme, atarrachado como disse o ilustre leader Sr. Álvaro de Castro.
Os corpos colectivos não se suicidam. Não é o Parlamento que tem do dar por finda a sua missão; é o Govêrno.
Página 14
14
Diário da Câmara dos Deputados
Não quero que da vivacidade da minha palavra se julgue que ou não tenho pelo Sr. António Maria da Silva a consideração que se deve ter por um autêntico homem de bem, mas, quando um homem de bem, politicamente, termina a sua missão, não tem mais do que ir para casa, e depressa, e o Sr. António Maria da Silva, quando se retirar, leva ao peito ama grã-cruz, mas leva também, na consciência a grande cruz do remorso do muito que tem prejudicado êste País.
Tenho dito.
O orador foi muito cumprimentado.
Não reviu.
Foi lida e admitida na Mesa a moção.
Moção
Sendo verdade que o Poder Executivo afirmou à Câmara dos Deputados, por intermédio do Ministro das Finanças, que a circulação fiduciária estava nos termos das leis em vigor;
Sendo verdade que isto não corresponde à realidade das cousas;
Sendo verdade que isto constitui mais uma causa do desprestígio para o actual Govêrno:
A Câmara dos Deputados, afirma o seu desgosto pela pertinácia do Govêrno em procurar manter-se no Poder com grave lesão dos interêsses nacionais.
Sala das Sessões, 25 de Outubro de 1923. — Cunha Leal.
O Sr. Lino Neto: — Sr. Presidente: diante do Govêrno novamente recomposto, e sem factos que não tenham já vindo à consideração desta Câmara em outras circunstâncias, a minoria católica, ajustando-se aos seus princípios e programa, não tem senão de repetir a sua fórmula de sempre: atitude de serena expectativa, sem oposições nem apoios sistemáticos, apenas no propósito de só nos pronunciarmos sôbre os Govêrnos diante dos actos que forem praticando.
E, como o novo Ministro das Finanças ainda se não manifestou, nem sôbre as propostas de finanças pendentes da Câmara, nem sôbre os actos imputados ao seu antecessor, reservo-me para falar quando S. Ex.ª o faça.
Outra, não pode ser a nossa atitude.
Não somos nem para tombar nem para levantar Govêrnos.
Representando uma organização de princípios, a princípios nos subordinamos escrupulosamente.
Não deixarei, porém, de reparar num facto que acompanhou a recomposição do actual Govêrno, e já também a da maior parte dos Govêrnos que o têm antecedido.
É a facilidade com que, diante das complexas exigências da administração, pública, os Ministros se deslocam e se acomodam, sem preparação especial, às mais variadas pastas; é a espécie de indiferença, a quási insensibilidade, com que se está indo ao encontro de acontecimentos que ameaçam de tornar trágica e tremenda a grande crise da Pátria; é o ar de sacrificados com que a maior parte dos homens públicos assumem os cargos de Ministros, saindo e entrando frequentemente, sem motivos graves de explicação.
Quere a Câmara um exemplo?
Ainda há dias, o Sr. Vitorino Guimarães deixava a pasta das Finanças, declarando que o fazia porque a maioria parlamentar lhe não dava o necessário apoio; e, no emtanto, é precisamente o Sr. Vitorino Guimarães quem ontem, nesta sala, em nome da mesma maioria parlamentar, com surpresa de todos nós, assegurava ao novo titular das Finanças, apesar de interino, o necessário apoio.
Vai êste reparo sem intuito de agravo para o ilustre homem público, tanto mais que me ligam a êle particulares laços de amizade e apreço; atitudes como a que acabo de referir podem corresponder, e por certo correspondem, a intenções dignas e honestas, mas a verdade é que desconcertam, desautorizam, e não estão à altura das responsabilidades do Poder.
Mas agora reparo; estou fora da ordem...
Guardo-me para fazer as considerações adequadas quando entrem em discussão os primeiros actos do Govêrno recomposto.
Por hoje, limito-me aos cumprimentos da praxe, saudando o novo Ministro das Finanças, não, porém, sem notar-lhe ainda que é profundamente grave a hora actual, e que por toda a parte se sente já um despertar de consciência nos cidadãos que podem muito bem atirar com a
Página 15
15
Sessão de 26 de Outubro de 1923
Nação para as decisões dos grandes momentos históricos.
Saibamos, ao menos, ocupar os nossos lugares.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior, e interino da Guerra (António Maria da Silva): — Sr. Presidente: a êste debate político já todas as características foram dadas, em todas as fórmulas conhecidas por V. Ex.ª, não faltando sequer a moção de desconfiança.
Vários oradores entraram neste debate, e, sem ofensa para S. Ex.ªs, não conseguiram, pelo menos no meu espírito, mudar absolutamente nada dos factos que relatei. Antes, porém, de pormenorizar um certo número de razões aduzidas pelo Sr. Álvaro de Castro, foram feitas umas preguntas que parece dependerem de resposta.
Desde já responderei, ao que S. Ex.ª chama o regresso do Sr. Joaquim Ribeiro para a pasta da Agricultura.
Não compreende S. Ex.ª a determinante razão que levou o Sr. Ministro da Agricultura a colaborar com os seus colegas no actual gabinete, porque, pelas razões aduzidas numa carta que S. Ex.ª me dirigiu, ao ilustre Deputado parece que de forma alguma se justifica a sua presença no actual gabinete.
Não compreendo a razão que levava o ilustre Deputado a pensar assim. A carta do Sr. Ribeiro foi clara, como clara foi a exposição dos motivos que determinaram o ilustre Ministro a manter-se na pasta.
Disse, quando o Sr. Morais do Carvalho preguntava se havia ou não crise, se tinha ou não tinha saído o Sr. Ministro da Agricultura, que o ilustre Ministro continuava a pertencer ao gabinete, o que só depois do prender a qualquer documento a sua exoneração, deixaria de pertencer.
Nunca disso que as razões indicadas eram bastantes para abandonar a pasta, porquanto S. Ex.ª, quando convidado para a pasta da Agricultura, lhe tinha sido presente o parecer da comissão de remodelação dos serviços públicos, em que a mesma doutrina era preconizada quanto à extinção não só do Ministério da Agricultura mas também do Ministério do Trabalho.
Não havia razão para que abandonasse a sua cadeira, porque as razões que poderiam dar-se eram as mesmas, como Ministro ou como Deputado.
Por essas razões e outras entendeu dever acompanhar os seus colegas.
Sem ofensa para o ilustre Deputado, não compreendo a razão da sua estranheza, porque o assunto não só presta a ilações diferentes das que eu tiro agora.
No pleno uso do um direito, o Sr. Cunha Leal declarou que êste Govêrno não pode subsistir.
Ora eu, Sr. Presidente, já tive ensejo de dizer uma vez que o Govêrno a que tenho a honra do presidir não se mantém nas cadeiras do Poder por mero prazer de se encontrar nelas, nem pode aceitar que o deixem estar aqui, por favor que nos façam.
Apoiados.
Afirmou o Sr. Álvaro de Castro que o Govêrno, não obtendo do Parlamento aquelas medidas que. porventura, haja desejado, nada mais tem a fazer do que ir-se embora.
Não é essa a praxe. Não se faz isso em nenhum Parlamento.
Uma semelhante asserção não está mesmo à altura do saber político de S. Ex.ª
Se fosse dado a qualquer pessoa passar toda a vida a fazer obstrucionismo, não haveria Govêrno que durasse.
Pois a verdade, Sr. Presidente, é que bastam apenas quatro ou cinco Deputados, como V. Ex.ªs muito bem sabem, para fazer o obstrucionismo.
Eu bem sei que alguns parlamentares, por quem eu aliás tenho muita consideração o respeito, entendem que a sua arma é o obstrucionismo; mas há obstrucionismo, e obstrucionismo e o obstrucionismo que tem por fim prejudicar os altos interêsses a Pátria é o que não se compreende, nem pode compreender-se.
Eu devo dizer em abono da verdade que tenho empregado os maiores esfôrços para manter a ordem no País, e assim devo dizê-lo em abono da verdade, que a história política da República, e triste é dizê-lo, se deve não aos inimigos das instituições, pois, que êsses nem sequer me preocupam a imaginação pela sua inanidade, e pelos seus esfôrços; mas sim dos republicanos que, esquecendo-se do que devem a si próprios, têm contribuído mui-
Página 16
16
Diário da Câmara dos Deputados
to para o estado em que nos encontramos.
O que eu posso garantir a V. Ex.ªs é que tenho deixado de dormir muitas noites, para que os outros as possam dormir, e por mais de uma vez tenho sacrificado a minha vida, para salvar a vida dos outros, isto conforme a Câmara sabe muito bem.
S. Ex.ª sabe tara bem tudo como eu; as suas fontes do informação são as mesmas. Eu tenho feito todo o possível para evitar a desordem o se não tenho podido medidas para praticar um acto supremo é porque o exemplo também não vem de cima. Hoje mesmo alguém que tem responsabilidades que já foi Presidente do Ministério como eu, proferiu palavras que só podem causar estranheza.
Uma voz: — Sossego só o dá o Govêrno.
O Orador: — Eu sei que tudo isto resulta da falta de união que há entre republicanos. do forma que se constituíssem dois grandes partidos.
O Sr. Brito Camacho: — Ainda bem. Ouço a V. Ex.ª a condenação do partido único.
O Orador: — Se houvesse ordem o união, já nós não ouviríamos aos monárquicos dizer certas cousas.
O Sr. Barros Queiroz entendeu que se deviam votar certas medidas, e S. Ex.ª, medindo as responsabilidades como homem público e homem de ordem, só proferiu aquelas palavras que devia proferir.
Não gosto de retaliações políticas, mas não posso ser como o tal mártir. Não sou o S. Jorge, mas para mártir S. Sebastião não tenho feitio nem capacidade. Receber as setas e dizer obrigado — isso não!
A votação de um dos orçamentos, pelo menos, assistiu a minoria nacionalista, e êsse não era o menor em algarismos. Pagaram-se também seis meses atrasados, e a República passou por esta vergonha de haver pessoas que preguntavam a que título iam receber êsses seis meses. Esta foi a maior condenação do que se votou, e é aí que os inimigos das instituições nos vêm atacar, preguntando como, não havendo dinheiro para pagar o mais urgente, se estabelecia a retroactividade para se pagarem os seis meses. Tive do ouvir isto com imenso desgosto.
Trocam-se vários àpartes.
O Orador: — Então, como hoje, eu tinha a responsabilidade da política geral do Gabinete e da pasta por onde corriam os assuntos do ordem pública, e quando no Senado me preguntaram se havia alguma pressão, que se dizia até de elementos militares, para se votar o aumento das subvenções, eu desmenti inteiramente tal atoarda.
Eu compreendo que as oposições usem dos meios constitucionais para herdar a posição, tanto mais que eu já declarei que considerava a votação das propostas rumo a última etapa da vida dêste Govêrno.
Interrupção do Sr. Carlos de Vasconcelos.
O Orador: — V. Ex.ª compreende que as propostas têm um determinado objectivo e os Govêrnos não são eternos.
Todavia, posso afirmar que êste Govêrno cumpriu quási totalmente o seu programa.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — V. Ex.ª não realizou absolutamente nada.
Desde o ano passado que estamos aqui a votar leis que não são cumpridas.
O Orador: — Sr. Presidente: como há pouco disse, nenhum dos ilustres oradores que usaram da palavra destruiu uma só que fôsse das afirmações que fiz, e certamente a Câmara recorda se de que lembrei que ela tinha um de dois caminhos: ou votar a regularização pelo processo que referi, ou estão pelas propostas do finanças.
Sr. Presidente: no que não vejo vantagem para ninguém é andar-se a tocar o sino grande das notas falsas, porque não só não dignifica nenhum regime como não resolve o problema.
Disse o repito: o Sr. Ministro das Finanças encontrou-se com toda a respon-
Página 17
17
Sessão de 26 de Outubro de 1923
sabilidade dos pagamentos sem ter com que lhes fazer face.
Referiu êsse facto aos colegas, que lhe aconselharam a ajustar-se tanto quanto possível dentro da lei n.º 1:424.
Interrupções dos Srs. António Fonseca e Carlos de Vasconcelos.
O Orador: — V. Ex.ª bem sabe que o que estou a dizer é a verdade, e até a única forma de regular situações quando os outros as criam.
Disse e torno a dizer, sem me arrecear dos homens de direito, quanto mais dos que o não são, que o convénio estava em vigor à data da promulgação da lei n.º 1:424. Estava na intenção do legislador, fôsse êle qual fôsse, acabar com o convénio.
Não sei só era bom, se era mau; todavia, fôsse bom ou mau, derrogava-se o convénio, mas era condicionalmente. Já tive ocasião de dizer que êste decantado § 1.º do artigo 8.º era da responsabilidade do Sr. Barros Queiroz, de acôrdo com o antigo Ministro das Finanças.
Para que o empréstimo produzisse os seus efeitos — e não valia a pena repetido, se não houvesse quem já o tivesse esquecido — tornava-se necessário que tudo estivesse recolhido, o mais tarde, até Abril ou Maio, e como não podia criar-se o tal fundo de maneio, porque os 140:000 contos que se pensava serem necessários para o deficit de 1922-1923 não chegavam...
Uma voz: — Foi tudo para o fundo!
O Orador: — Para o fundo, e, na sua maior parte, em pura perda. Desde que se não criou o fundo de maneio, embora o Sr. Cunha Leal diga que se impunha, como se para se impor não fôsse necessário que não houvesse outra cousa a impor-se em sentido contrário, e essa era a condição essencial para que caducasse o convénio, êle não caducou.
Trocam-se vários àpartes.
O Orador: — V. Ex.ª, que é um parlamentar brilhante e que já foi Ministro das Finanças, sabe que só não pode confundir aquela circulação que se pode considerar em pura perda com a que deriva dum valor equivalente, aceitável em todos os países.
Quando S. Ex.ª passou pela pasta das Finanças achou ouro o escudos; o essencial, é claro, para a vida do Estado.
Não é preciso nenhum elixir para prover à necessidade do Estado.
O Sr. António Fonseca: — Deixou V. Ex.ª escudos pela circulação fiduciária, sobretudo.
O Orador: — Mas por lei.
O Sr. António Fonseca: — Sim, por lei.
O Orador: — Não há maneira do convencer ninguém que estando em vigor uma lei que dava ao Poder Executivo todos os meios para êle poder viver económica e financeiramente, a circulação fiduciária não seja um meio.
O Sr. Cunha Leal: — Para êsse efeito mesmo, tinha que publicar um decreto.
O Orador: — Não tinha que publicar decreto nenhum.
Nunca gostei de comprometer o crédito do Estado.
Fui seu antagonista na questão da Agência Financial do Brasil.
Nunca, porém, tratei de intenções que sabia não estavam no seu carácter.
Os pontos em que o ataquei foi quando toda a gente ficou sabendo o que o Estado possuía.
Toda a gente jogou no câmbio com a certeza de ganhar.
O Sr. Cunha Leal: — Mas perderam. O Orador: — Ganharam.
O Sr. Cunha Leal: — O Parlamento fica sabendo que se alguma voz eu fôr Ministro das Finanças porei a situação clara e franca, se o Parlamento estiver aberto, no Parlamento, ou lá fora, se estiver fechado.
O Orador: — Foi isso tam importante, que toda a gente ganhou.
O Sr. Cunha Leal: — Desde já me obrigo a fazer realizar um negócio urgente sôbre o assunto.
Toda a gente perdeu.
Página 18
18
Diário da Câmara dos Deputados
Peço a palavra para um negócio urgente.
Interrupções.
Àpartes.
O Sr. Lopes Cardoso: — V. Ex.ª nesta hora é réu confesso.
O Sr. Cunha Leal: — V. Ex.ª está dando informações tam verdadeiras como as que deu sôbre circulação fiduciária.
O Sr. António Fonseca: — V. Ex.ª dá-me licença?
Segundo as declarações de V. Ex.ª, e das declarações que V. Ex.ª hazia em contrário do aumento da circulação fiduciária, considerando todos os pedidos do câmaras municipais, etc., o aumento feito é ilegal.
Mais nada.
O Orador: — Legalmente podia aumentar.
Ora eu quero crer que as câmaras municipais, pelo menos não pediam para não ser aumentada a circulação fiduciária por não ser legal.
Não era esta a sua idea.
Dizia-o com a certeza de que era uma cousa conveniente para o meu país.
Nesta situação, coroo resolveria V. Ex.ª o problema?
O Sr. António Fonseca: — Naturalmente se tivesse necessidade de o fazer, fá-lo-ia, mas dizia-o, e não andava a dizer exactamente o contrário.
O Orador: — A quem ouviu V. Ex.ª dizer o contrário?
O Sr. António Fonseca: — Ao Sr. Ministro das Finanças que saiu.
O Orador: — Mas não o ouviu dizer a mim.
Disse o Sr. António Fonseca que na minha situação resolvia fazê-lo, mas dizia-o.
Ora aqui há uma pequena divergência de opinião entre o Sr. Ministro das Finanças e S. Ex.ª; não há nenhuma contradição.
Como V. Ex.ª bem sabe, de dizer ao fazer há um certo período, até mesmo para praticar aqueles actos a que se refere esta lei.
V. Ex.ª bem sabe que há cousas que se não podem lançar ao desbarato, mesmo porque as pessoas que teriam de contratar com o Estado, sabendo que o Govêrno se lhes apresentaria numa situação dificultosa, saber-se-iam aproveitar dessa circunstância.
Dissemos ao Ministro das Finanças de então: recorra quanto possível às autorizações que estão nesta lei.
Disse-o, mas o Ministro das Finanças quando ia iniciar um certo número de negociações foi surpreendido por certos factos...
Àparte do Sr. Carvalho da Silva que não se ouviu.
O Orador: — Deixei-o nessa atitude que era da sua própria responsabilidade.
Nesse momento duas cousas havia a fazer, ou deixar que o Ministro regularizasse a sua situação perante a lei n.º 1:424, ou o Parlamento tomava lego conta da questão.
Àpartes.
O Sr. Nuno Simões: — O Sr. Ministro das Finanças disse aqui que seria um crime aumentar a circulação fiduciária sem necessidade absoluta disso.
O Orador: — Evidentemente seria um acto criminoso o aumento da circulação fiduciária quando não houvesse absoluta necessidade de o fazer. Estou de acôrdo.
Da leitura das alíneas s) e i) depreende-se fàcilmente que, havendo a faculdade de pagar ao Banco aquilo que era necessário, a prata podia ser convertida em títulos ouro.
O Sr. Carvalho da Silva: — Por que motivo é que, autorizando-se a troca da prata por valores efectivos em ouro, se diz que essa transacção só poderia efectuar-se quando os suprimentos tivessem chegado ao quantitativo de 500:000?
O Orador: — Perdão! Quem escreveu isto não esteve a divertir-se. A alínea i) é bem clara e não pode suscitar dúvidas a ninguém.
O que eu ontem disse à Câmara foi que havia feito uma antecipação de receita com uma contra-partida. E é isto que se fez e o que a lei autoriza, porque a lei não contém palavras sem nexo.
Página 19
19
Sessão de 26 de Outubro de 1923
O Govêrno fez o que ora possível fazer; e cumpriu o seu dever chamando a atenção do Parlamento para que se regulasse a vida financeira do Estado para não continuar como estava.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando devolver, nestes termos, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os àpartes foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Álvaro de Castro: — Começo por ler a minha
Moção de ordem
A Câmara, elucidada pelas declarações do Govêrno, manifesta-lhe a sua reprovação e significa-lhe a sua desconfiança. — Álvaro de Castro.
Admitida.
Pedi a palavra seguidamente a uma afirmação do Sr. Presidente do Ministério que me parecia urgente rebater.
Disse S. Ex.ª que havia necessidade de regular a situação financeira do Estado, mas que não devia discutir-se, porque era inconveniente para os interêsses da República.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva) (interrompendo): — Eu não disse isso. O que eu acho inconveniente é que sem se apresentar remédio para o mal se esteja continuadamente a gritar: Moeda falsa; moeda falsa!
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — Quando eu tomei conta da pasta das Finanças estava o câmbio a 5, comprei para o Estado 500 a 600 mil libras, e o câmbio foi de 5 para 8. Eu pregunto que prejuízo teve o Estado com as minhas declarações em público.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (em àparte): — Aquilo que fez o Sr. Cunha Leal tem sido feito por outros Ministros.
O Orador: — O que é um facto, Sr. Presidente, e isto se depreendeu claramente das afirmações feitas pelo Sr. Presidente do Ministério, é que o Govêrno esperava, em virtude da aprovação das propostas de finanças, regularizar uma situação que era absolutamente ilegal.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (António Maria da Silva): — V. Ex.ª está enganado, pois a verdade é que não disse semelhante cousa.
O Govêrno, Sr. Presidente, não fez questão da base 5.ª Apresentou o assunto abertamente à Câmara não fazendo questão da base 5.ª; porém, o que se tornava necessário era que o Parlamento lhe dêsse as receitas necessárias a que se refere a base 5.ª
O Orador: — Ninguém, Sr. Presidente, falou na base 5.ª, nem eu sei francamente do que se trata.
Nesta altura trocam-se àpartes entre o orador e os Srs. Presidente do Ministério e Cunha Leal que não foi possível reproduzir.
O Orador: — O que é uma verdade é que nós temos feito uma oposição patriótica.
Muitos apoiados.
A nossa atitude tem sido muito diversa da seguida pela própria maioria, pois a verdade é que, Sr. Presidente, nunca se viu um Ministro das Finanças cair tam desastradamente no Parlamento como caiu o Sr. Velhinho Correia, a qual foi motivada única e simplesmente por um membro da maioria.
Quanto à pregunta feita sôbre a saída e entrada do Sr. Ministro da Agricultura, Sr. Joaquim Ribeiro, nada V. Ex.ª tem que se admirar, pois a verdade é que ela foi feita no intuito de se esclarecer uma situação que devia ser esclarecida.
Foi dito, Sr. Presidente, que o Sr. Joaquim Ribeiro havia saído do Ministério por isso que existia uma proposta tendente a acabar com o Ministério da Agricultura, proposta essa que ainda existe.
O que é um facto, Sr. Presidente, é que o Sr. Joaquim Ribeiro não saiu do Govêrno ùnicamente para poder defender na Câmara a existência do Ministério da Agricultura, mas sim por outros motivos, como se depreendo claramente pela carta que êle escreveu ao Sr. Presidente do Ministério, em que dizia que abandonava o Gabinete pelo facto da proposta que tinha por fim acabar com o Ministério da Agri-
Página 20
20
Diário da Câmara dos Deputados
cultura, e bem assim por outros motivos que já tinha tido ocasião de explicar pessoalmente.
Já vê, portanto, a Câmara a razão que eu tinha para preguntar ao Sr. Presidente do Ministério quais os motivos que tinham levado o Ministro da Agricultura a abandonar as cadeiras do Poder.
O Sr. António da Fonseca: — V. Ex.ª dá-me licença? Mesmo a saída do Sr. Joaquim Ribeiro pela extinção do Ministério da Agricultura não seria lógica, porque então não se compreendia a entrada de S. Ex.ª para o gabinete do Sr. António Maria da Silva, que já tinha no sen programa a extinção dêsse Ministério.
Apoiados.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Guerra (António Maria da Silva): — Posso declarar desde já que o motivo por que S. Ex.ª saiu não tem nada com o debate.
O Orador: — A não ser por uma criancice, que eu não posso admitir por parte do Sr. Ministro da Agricultura, as razões por que S. Ex.ª saiu eram tam graves que nem se quiseram dizer, pois o motivo exposto na carta de S. Ex.ª era simplesmente um pretexto.
Ora a Câmara precisa de conhecer os motivos especiais que levaram o Sr. Ministro da Agricultura a retirar-se do Ministério, para ver se são graves ou de natureza particular.
Apoiados.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Guerra (António Maria Silva): — Para evitar mais a palavra grave, eu devo dizer desde já a V. Ex.ª que o Sr. Ministro da Agricultura saiu do gabinete por motivo da impossibilidade do Sr. Ministro das Finanças, por falta de elementos indispensáveis, não podendo até dar dinheiro para as despesas normais do Estado, dar com a velocidade que o Sr. Joaquim Ribeiro desejava o dinheiro para o fomento agrícola.
O Orador: — Isso satisfaz-me. Mas, continuando nas minhas considerações, o Parlamento tem manifestado há muito tempo ao Govêrno a sua absoluta desconfiança, e não posso ser eu, creio, acusado como sendo um daqueles que têm dividido a família republicana.
E muito menos essas acusações poderiam vir de um homem que de facto pode ser acusado com justiça de ter dividido a família republicana. — O Sr. Presidente do Ministério trouxe, a propósito do debate que se trava neste momento, factos aos quais eu me sinto obrigado a responder com outros factos.
Quem é que tendo no Poder um Govêrno do seu partido fez a guerra mais atroz que até agora tem sido feita a um Govêrno? Foi o Sr. António Maria da Silva ao Govêrno presidido pelo Sr. Sá Cardoso.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior e, interino, da Guerra (António Maria da Silva): — E até V. Ex.ª entrou comigo numa recomposição.
O Orador: — Do que foi essa campanha encarniçada e violenta podemos nós avaliar pelo Diário deis Sessões dêsse tempo. Lá se encontrará decerto a frase de S. Ex.ª em que se afirmava que o Sr. Sá Cardoso havia de ser desmascarado em breves dias.
Quanto à minha entrada na recomposição a que acaba de aludir, em àparte, o Sr. Presidente do Ministério, devo dizer que se nela entrei foi apenas por espírito de sacrifício, olhos postos no engrandecimento da República.
E nesta hora solene para mim, pelas declarações que estou fazendo, eu não posso deixar de bradar bem alto que não tem o Sr. António Maria da Silva autoridade para me acusar, porque se algum Ministério procurou de verdade manter a ordem foi o Ministério que morreu em 21 de Maio de 1914.
Àparte do Sr. Presidente do Ministério que não se ouviu,
O Orador: — Parece que o remorso leva o Sr. António Maria da Silva a procurar uma defesa quando eu o não ataquei...
Àpartes.
O Orador: — A expressão do Sr. Presidente do Ministério, de «degenerados da República», não a criei eu; foi S. Ex.ª
Àpartes.
Página 21
21
Sessão de 26 de Outubro de 1923
Quem disse que á República estava a saque, não fui eu.
Quem apresentou essa frase foi S>,Ex. a, frase tremenda que circulou em todos os jornais.
Àpartes.
Ninguém me pode atribuir nenhuma frase, nenhum gesto que signifique desprestígio para a República.
Apoiados.
Àpartes.
Falo como entendo que devo falar, mas sempre correctamente, sem procurar ofender ninguém, mas não deixando que me ofendam.
Coloco sempre u dignidade do Parlamento acima da minha própria dignidade.
Mo é o Sr. Presidente do Ministério, cujo passado todos conhecemos e a quem presto a justa homenagem como republicano, que tem direito de vir dizer que eu nesta Câmara e com as minhas palavras perturbo a República.
Apoiados.
Não pertenço hoje ao partido de S. Ex.ª por circunstâncias que não quero agora citar, mas nunca pretendi lutar contra êsse partido com armas iguais àquelas com que lutavam contra mim.
Ofereciam-se-me essas armas, mas consideraria essa luta indigna da República, e nunca proferi senão palavras de concórdia.
A frente única da República é obra minha.
Foram todos os partidos da República que concorreram para a frente única da República, mas foram os meus esfôrços, conselhos, e desinteresse que a realizaram.
Àpartes.
É preciso não esquecer que, quando foi da distribuïção que se chamou o bodo eleitoral, eu segui êsse programa.
Àpartes.
Ao meu Partido deu o Partido Democrático a sua absoluta maioria.
Àpartes.
Onde estavam, pois, os nossos propósitos de absorpção?
Lutei sempre pela República com o maior desinteresse, e isso faz o meu orgulho e satisfaz a minha vaidade.
Não tenho da República cousa nenhuma, e tudo que tenho é devido ao meu esfôrço, e a minha posição vem-me de concurso feito no tempo na monarquia.
Não tenho prebendas, mas orgulho-me do que tenho, porque é a minha grã-cruz.
A obra do Ministério funda-se toda na sua estabilidade.
O Partido Nacionalista colaborou com a maioria durante um grande período da vida dêste Govêrno.
Pô-lo com sinceridade, e uma grande parte das leis que foram aprovadas têm a intervenção directa de elementos do Partido a que tenho a honra de pertencer; por exemplo, as propostas de finanças, que foram largamente acompanhadas na discussão pelo Sr. Ferreira da Rocha.
Mas como podia o Partido Nacionalista continuar a acompanhar uma situação em que os seus correligionários republicanos foram escorraçados das urnas com a cumplicidade das autoridades da confiança do Govêrno?
Isto não se deu apenas numa assemblea, mas em muitas: no Funchal, em Vila Real, em Oliveira de Azeméis, etc.
Para o caso ser rubro até houve sangue dos republicanos, que na bôca da urna defenderam os seus direitos.
Como podia o Partido Nacionalista acompanhar um Govêrno que faz das liberdades públicas um capacho?
Esta atitude foi-lhe nitidamente ratificada!
Além disso o Parlamento já tinha dado ao Govêrno determinadas medidas de carácter financeiro, que eram meios de vida, e que o Govêrno transformou em meios de morte para a República.
Então o Govêrno vai caminhando para uma derrocada certa e a minoria não deve negar-lhe todo o seu apoio?!
A toda a hora se demonstra que é caótica a administração do Govêrno e, portanto, a minoria nacionalista não pode continuar a dar-lhe o seu apoio.
Sr. Presidente: repito o que já tenho dito: nunca fui contrário a recomposições ministeriais, quando elas traduzam maior prestígio para o Govêrno e maior eficiência do Poder, mas jamais as poderei aplaudir, nem as aplaude o Partido Nacionalista, quando venham produzir uma maior incapacidade governativa e consequentemente o desprestígio do Poder.
Página 22
22
Diário da Câmara dos Deputados
Estamos a discutir há dois dias uma questão que, embora complexa, é simples, e tanto assim que em menos de 12 horas o Sr. Presidente do Ministério a pôde estudar; e então o Sr. Ministro das Finanças ainda nada sabe dela?!
Ao que parece, S. Ex.ª é hoje a pessoa mais estranha às questões financeiras. S. Ex.ª conserva-se na cadeira do Ministro das Finanças como marco postal.
E é êsse o Ministro que o Sr. Presidente do Ministério nos apresenta como sendo a pessoa capaz de resolver o problema financeiro, único objectivo do Ministério, segundo no-lo disse o Sr. António Maria da Silva!
Tenho pelo Sr. Queiroz Vaz Guedes a maior consideração pessoal; S. Ex.ª sabe bem quanto o admiro, mas não posso acreditar que S. Ex.ª tenha a pretensão de resolver o problema financeiro.
Se os meus ouvidos e o meu cérebro estão bem organizados, eu percebi que o Sr. Presidente do Ministério, no primeiro dia em que apresentou o novo Sr. Ministro das Finanças, declarou à Câmara que S. Ex.ª explicaria tudo.
O Sr. Cunha Leal (àparte): — Naturalmente o Sr. Presidente do Ministério, como é seu costume, ao lazer essa declaração não queria bem dizer isso!...
Risos.
O Orador: — Nós estamos à espera que o Sr. Presidente do Ministério, com a sua catadupa de sciência financeira, nos esmague e demonstre que a nossa desconfiança é injusta.
A minoria nacionalista não fará mais do que cumprir o seu dever de fiscalização, no sentido de não deixar aprovar nenhuma medida que repute perniciosa ao país, e no sentido de não deixar passar nenhum acto irregular e que esteja sob a sanção das leis.
As medidas de finanças, na parte que porventura possam ter de boas, serão aprovadas, para que o Govêrno possa viver mais tempo, pois só depois disso se convencerá de que a sua acção é absolutamente nula, e que tem de ir-se embora, porque não sabe nem pode governar.
Nós temos aqui assistido a embustes constitucionais.
Nós estamos vivendo com um Govêrno supostamente apoiado por uma maioria que lhe não dá, afinal, apoio nenhum.
O Sr. Presidente do Ministério chamou para sua defesa o facto de ter tomado conta do Poder num momento grave, e invocou o que antigamente se chamava a salvação do Estado.
Resta-nos saber se S. Ex.ª julgará, efectivamente, que legitimamente a si próprio se pode dar o nome de salvador do Estado.
Quando eu tive a honra de presidir a um Ministério de efémera direcção, do qual fazia parte o ilustre homem de finanças, Sr. Cunha Leal, encontrei-me numa situação idêntica àquela que o Sr. António Maria da Silva deixara ao seu sucessor.
Reconheceu êsse Ministério a necessidade urgente de repor os balancetes do Banco de Portugal na situação de oublicidade que êles tinham.
É preciso regularizar a situação por qualquer forma, pois pela forma seguida pode-se chegar ao crime e o Sr. Cunha Leal já, apresentou a, questão como ela é.
O Sr. Presidente: — É a hora de se passar ao antes de se encerrar a sessão.
O Orador: — Para finalizar, direi à Câmara que o Govêrno não nos oferece confiança alguma, e é tal a sua fraqueza que nem mesmo a mais alta capacidade o pode salvar.
Tenho dito.
foi admitida a moção
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir ás notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os àpartes não foram revistos pelos oradores que os produziram.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (João Camoesas): — Sr. Presidente: ouvi no decorrer da discussão palavras e frases, como «prática de crimes», e eu não podia, por minha dignidade, por decoro desta Câmara, deixar passar essas expressões sem o meu mais veemente protesto, a não ser que ficasse cúmplice em expressões que não são dignas do Parlamento.
O orador não reviu.
Página 23
23
Sessão de 26 de Outubro de 1923
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: foi com estranheza que ouvi as palavras do Sr. João Camoesas, o se elas são dirigidas a mim, tenho a dizer a V. Ex.ª e à Câmara que, da minha boca, não saiu nenhuma frase que possa ser considerada ofensiva para qualquer dos membros do Govêrno.
A frase que pronunciei, seguidamente ao Sr. Presidente do Ministério ter declarado que a legalização da situação importava fazer-se ràpidamente e sem barulho, foi que se deviam discutir as irregularidades ou crimes, se os houvesse.
Foi esta a frase que proferi, e repito-a, porque estou certo de que o Sr. João Camoesas, nem qualquer outro republicano, poderá deixar de proferir palavras iguais.
Todavia não quero deixar de estranhar o facto de ser necessário desorganizar o Ministério, para o Sr. João Camoesas vir, como Deputado, defender o Govêrno e a maioria, onde não houve um Deputado que usasse da palavra.
Não compreendo, pois, esta desorganização ministerial, nem uma maioria que não defende o Govêrno.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. João Camoesas para explicações.
O Sr. Alberto Xavier: — Não pode ser, Sr. Presidente.
Então um Ministro sai da bancada governamental para vir falar como Deputado?
O orador não reviu.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: o Sr. Alberto Xavier esqueceu-se que exerço um direito que me é garantido pela Constituïção.
Quando falei há pouco, fui claro, rápido e preciso, mas no emtanto a essas palavras claras e precisas deu o Sr. Álvaro de Castro uma interpretação que não lhes corresponde.
Não proferi palavras de defesa, mas de protesto, contra o facto de andarmos a viver numa atmosfera do excessos verbais, que porventura poderemos pagar caro, numa hora que pode não vir longe.
Entendi e entendo que cumpri o meu dever, por que a cadeira de Ministro não é uma mordaça para um republicano dizer o que pensa, sôbre êste ou aquele assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na segunda feira 28, à hora regimental, com a mesma ordem de trabalhos marcada para a sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Parecer
Da comissão de legislação civil e comercial, sôbre a proposta de lei n.º 608-B, que adopta providências para obviar às dificuldades que os construtores de prédios estão atravessando por falta de numerário.
Imprima-se.
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me seja enviada cópia autêntica da nota de assentas do coronel António Ferreira de Carvalho, do quadro da província de Moçambique, falecido em Abril de 1923. — Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.