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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 166
(EXTRAORDINÁRIA)
EM 22 DE NOVEMBRO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abre, a sessão com a presença de 41 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante é aprovada com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
É admitido um projecto de lei, já publicado no «Diário do Govêrno».
Antes da ordem do dia. — O Sr. Carlos Pereira trata da greve marítima, respondendo o Sr. Ministro do Comércio (Pedro Pita).
O Sr. Nuno Simões trata do mesmo assunto, e, para explicações, volta a usar da palavra o Sr. Carlos Pereira.
Responde o Sr. Ministro do Comércio, conjuntamente, aos dois oradores antecedentes.
Faz um requerimento o Sr. António Maia.
Ordem do dia. — Continua a discutir-se a proposta de lei n.º 616-F, que autoriza o Govêrno a contratar com o Banco de Portugal.
O Sr. Velhinho Correia, que ficara com a palavra reservada, conclui o seu discurso, mandando para a Mesa um projecto de lei sôbre o assunto, que é admitido, e requere que sejam publicados no «Diário das Sessões» os telegramas de Câmaras Municipais contrários ao aumento da circulação fiduciária.
Usam da palavra sôbre o assunto os Srs. Nuno Simões, Ministro das Finanças (Cunha Leal), Ferreira de Mira, António Fonseca e Velhinho Correia, que modifica o seu requerimento para que se limite apenas a publicação dos nomes das municipalidades.
O Sr. João Luís Ricardo declara que os democatólicos não votam nenhum dos requerimentos pelas razões que expõe.
O requerimento é rejeitado.
O Sr. Ministro das Finanças manda para a Mesa para ser examinado pelos Srs. Deputados que o queiram fazer, o processo relativo ao contrato das 400:000 libras.
Prosseguindo o debate sôbre a proposta de lei, usam da palavra os Srs. Ferreira de Mira e Carvalho da Silva, que fica com ela reservada.
Fazem-se substituições na comissão de finanças.
Antes de se encerrar a sessão. — Entre os Srs. João Camoesas e Ministro da Instrução trocam-se explicações acêrca da sindicância a um professor da cidade de Elvas.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Abertura da sessão às 15 horas e 28 minutos.
Presentes à chamada 41 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 60 Srs. Deputados.
Presentes à chamada:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Sousa Maia.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.

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Diário da Câmara dos Deputados
Carlos Candido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Francisco Dinis de Carvalho.
João de Ornelas da Silva.
João de Sousa Uva.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário de Magalhães Infante.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier e Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Oliveira da Costa Gonçalves.
Juvenal Henrique do Araújo.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Deputadas que não compareceram à sessão:
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.

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Sessão de 22 de Novembro de 1923
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Dias.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Viriato Gomes da Fonseca.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 41 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Representações
Das senhoras residentes na antiga casa das comendadeiras de Santos o Novo, pedindo lhes seja garantida a posse do todo o pavimento de baixo e seu jardim.
Para a comissão de instrução primária.
Da Câmara Municipal de Almodóvar, das juntas de freguesia de Almodóvar, Rosário, Graça de Padrões, S. Sebastião de Gomes Aires, Santa Cruz, Santa Clara-a-Nova e São Barnabé, todas do concelho de Almodóvar, contra a lei n.º 1:441, que transferiu a sua comarca para a Vila de Ourique.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Requerimento
Do coronel Guilherme Lopes de Azevedo, pedindo providências sôbre abono que deixou de fazer-se-lhe.
Para a comissão de guerra.
Admissão
Projecto de lei
Dos Srs. Marques Loureiro e Vitorino Mealha, elevando à categoria de cidade a vila denominada «Vila Nova de Portimão», do distrito de Faro.
Para a comissão de administração pública.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de «antes da ordem do dia».
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: fui eu o primeiro que nesta Câmara chamou a atenção do Govêrno para a greve marítima, e então tive ensejo de mos-

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trar quanto ela era perniciosa para os mais altos interêsses da Nação.
Basta constatar que na hora que passa creio haver apenas um navio em viagem, fazendo a ligação das colónias com a metrópole. Uma vez chegado êsse navio a Lisboa- está condenado a uma imobilização lenta, e, nestas condições, o tráfego entre Portugal e as suas colónias estará completamente paralisado.
Isto é grave, muito grave mesmo, porque, como o Sr. Ministro do Comércio sabe, existindo um diferencial de bandeira a favor da navegação portuguesa, as mercadorias transportadas a bordo de navios estrangeiros serão muito mais sobrecarregadas nos preços, e ainda porque há colónias, como Cabo Verde e Guiné, que, não dispondo dêsses meios de comunicação, se encontram absolutamente separadas da mãe pátria.
Sr. Presidente: quando falei da primeira vez tive ocasião de dizer, e repito agora, que o Govêrno devia procurar uma solução para o conflito, e que êle não se desprestigiava intervindo no caso, para procurar obter uma plataforma que harmonizasse as duas partes em litígio.
Espero que o Sr. Ministro do Comércio tome uma decisão, que é natural que S. Ex.ª tenha, e, com os seus dotes de inteligência, procure resolver êste assunto.
Sr. Presidente: relatam os jornais que a comissão encarregada de regular o horário da marinha mercante deu por findos os seus trabalhos, o mesmo acontecendo à comissão encarregada da valorização.
Espero, repito, que o Sr. Ministro do Comércio nos tranquilize no sentido de que vai empregar os maiores esfôrços para solucionar esta questão, tanto mais que os jornais noticiam que se vai efectuar uma reunião de oficiais da marinha mercante para resolver questões de alto interêsse para a mesma marinha.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e, interino, do Trabalho (Pedro Pita): — Sr. Presidente: já há dias o Sr. Nuno Simões fez uma referência especial ao Ministro do Comércio, no que respeitava à greve marítima.
Hoje também o meu amigo Sr. Carlos Pereira fez a mesma referência.
Ora eu devo trazer à Câmara um esclarecimento que me parece necessário.
No Govêrno transacto foi resolvido que pelo Ministério da Marinha êsse problema fôsse tratado.
De facto, o Sr. Ministro da Marinha de então nomeou uma comissão, não só para rever os regulamentos que dizem respeito a navegação, matrícula de tripulantes, etc., mas tambám para procurar solucionar o conflito entre as emprêsas e os seus trabalhadores.
Quando êste Govêrno tomou posse encontrou a questão neste pé, e o meu colega da Marinha mandou apressar os trabalhos da comissão.
Não havia, portanto, que agir imediatamente.
Pelo que respeita à pasta do Comércio, direi que da minha parte há o maior desejo de resolver o assunto, mas não possa intervir nele visto que está entregue a quem de direito.
Eu não sei por emquanto se há possibilidade de, aproveitando-se os trabalhos dessa comissão, chegar a bom termo nesse conflito num prazo curto.
É claro que me preocupa êsse problema sob o aspecto do transporte de mercadorias das colónias para a metrópole, mas como conheço o mau resultado que tem sido tirado da exploração de navios por conta do Estado, estou na disposição de trazer à Câmara, como anunciava a declaração ministerial, uma proposta de lei tendente a liquidar, e quanto antes, a situação dos Transportes Marítimos. Porém, nada posso resolver sem examinar os trabalhos da comissão.
Creio que o Sr. Ministro da Marinha procura no momento, de acôrdo com o Sr. Ministro da Agricultura, que o problema, sob o aspecto por que agora se está analisando, seja resolvido com urgência pelo envio, se tanto fôr necessário, de navios às nossas colónias para trazerem aquilo que nos é necessário, e que lá está a perder-se.
Tenho também pendentes os pedidos de várias companhias e entidades para o fretamento de vários barcos dos Transportes Marítimos.
Ao mesmo tempo que êsse pedido era feito ao Sr. Ministro do Comércio, meu

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antecessor, a Associação doa Armadores reclamava contra o deferimento dêsse pedido, alegando várias razões. Porque o assunto pendia pela pasta da Marinha, eu pedi ao meu colega que me dissesse o que se oferecesse sôbre o pedido e reclamação. Mandada ouvir a Entidade competente, foi de parecer que havia razão para negar os fretamentos, desde que se cumprissem as disposições das leis em vigor.
O Sr. Ministro da Marinha concordou com êsse parecer, e eu deferi os fretamentos, deixando a uma comissão própria o encargo de fixar as condições vantajosas em que isto devia ser feito, tendo em vista que êsse fretamento não podia durar por muito tempo, atento o propósito do Govêrno em trazer à Câmara uma proposta no sentido da liquidação definitiva.
Creio que o Sr. Carlos Pereira, meu ilustre amigo, que hoje me pediu esclarecimentos, não deixará de estar satisfeito, porque a um Ministro que se encontra no Poder há quatro dias não pode muito legitimamente pedir-se mais.
Recebi só hoje a comunicação, de que o Sr. Carlos Pereira tinha enviado para a Mesa uma nota de interpelação, em que preguntava, porque, em suma, era uma pregunta, qual o pensamento do Govêrno no que respeita à liquidação da frota.
De que eu pensava bem, julgando que de facto essa interpelação se resumia numa pregunta que S. Ex.ª desejava fazer, vê-se das palavras que S. Ex.ª há pouco acabou de proferir, e agora aproveito a ocasião para dizer qual é o meu pensamento. Do facto tinha tenção, como faço agora, de me declarar já hoje habilitado a responder a essa interpelação e de responder à pregunta que S. Ex.ª formulou.
Como a Câmara sabe, na lei que se votou estabelecia-se em primeiro lugar um prazo de seis meses para a liquidação de tudo quanto diz respeito aos Transportes Marítimos, e por outro lado o artigo 12.º estabelecia que os navios que não tivessem sido adjudicados, em virtude dos vários concursos, só podiam ser vendidos em hasta pública.
Tenho dúvida, em primeiro lugar, sôbre se ainda deve considerar-se em vigor essa lei.
Tenho dúvida, em segundo lugar, se esta disposição legal permite fazer a venda dos navios nos termos previstos nesse artigo, visto que não houve nenhum concurso e não houve adjudicação.
Portanto não há navios que restem, porque há todos os navios, e só se pode chamar resto a uma cousa a que se tirou uma parte.
Não sei se é legítima esta minha interpretação, e nesse sentido enviei com urgência à Procuradoria Geral da República uma consulta. Se a procuradoria Geral da República estiver de acôrdo comigo nesta maneira de pensar, submeterei à apreciação da Câmara a proposta de lei, a que a declaração ministerial se refere, que vem a ser a própria disposição do artigo 12.º, ou seja a autorização para a venda em praça pública de quási todos os navios da frota, embora com as restrições estabelecidas nesse mesmo artigo, entre as quais aquelas que consignam que não podem os navios ser vendidos para o estrangeiro.
Não se devem pôr os navio em hasta pública sem essa restricção. O meu propósito é êste.
Se a Procuradoria Geral da República disser, como espero, que estou na boa interpretação do texto legal, tenciono efectivamente apresentar à Câmara uma proposta de lei que tenho já elaborada, e que se resume à própria disposição que foi já aprovada, e que consta da própria lei e que tenho dúvida de aplicar ao caso, por não ter havido nenhum concurso.
Creio que satisfaço o Sr. Carlos Pereira.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Nuno Simões: — O Sr. Ministro do Comércio entendeu, em resposta, ao Sr. Carlos Pereira que devia alheiar de si toda a responsabilidade que lhe cabe na greve marítima, que é mais grave o ampla do que pareço, pois afecta toda a economia nacional, pois que afecta também, de uma maneira espantosa, a carestia da vida. A própria solução que o Sr. Ministro pretende dar à questão dos Transportes Marítimos é prejudicada pela continuação da greve, pois ninguém vai com-

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prar navios que de antemão sabe que terão de ficar parados no Tejo, não se sabe por quanto tempo.
E parece-me que uma das primeiras cousas a fazer é, por todos os meios oficiais ou extra-oficiais, permitir transitoriamente à navegação estrangeira que faça o tráfico entre as ilhas, as colónias e a metrópole, embora isso traga prejuízos para a marinha mercante nacional.
Apoiados.
O Estado tem de resolver ràpidamente o problema, que não tem nada de extraordinário se o encararem como deve ser.
Não vou lançar culpas sôbre um Govêrno que assumiu há dias o Poder, mas entendo que lhe cabe todavia a obrigação de enfrentar resolutamente o problema. Não é com a nomeação de comissões que o assunto se há-de resolver: é com actos que dêem às classes em conflito a certeza de que, sob todos os riscos, se não permitirá que qualquer esteja a prejudicar os interêsses da Nação.
Precisamos de proceder de forma que as colónias possam mandar para cá os seus produtos.
Estamos em frente de um conflito que assume importância nacional e estou certo de que o Govêrno fará todos os esfôrços para que o conflito se resolva ràpidamente.
Nesta hora grave que o Pais atravessa, e em que o Sr. Ministro das Finanças apela para o País, impondo-nos a aprovação das medidas que trouxe ao Parlamento, necessário se torna que todos os membros do Govêrno olhem a sério para êste conflito, resolvendo-o quanto antes, visto que êle, a meu ver, é um dos mais sérios e graves que nós últimos tempos têm perturbada a vida económica.
Se o Sr. Ministro do Comércio está efectivamente disposto a resolver o assunto com o patriotismo que todos lhe reconhecemos, não pode em consciência sentir-se satisfeito com as suas palavras de há pouco e terá de dentro de dois ou três dias pronunciar outras que nos demonstrem que o Govêrno cumpriu inteiramente o seu dever.
Tenho dito.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar francamente que me não satisfizeram as observações apresentadas pelo Sr. Ministro do Comércio, pois a verdade é que eu não concordo que o assunto esteja entregue à pasta da Marinha, quando é certo que êle diz respeito directamente à sua pasta.
Devo dizer a V. Ex.ª que, quando tratei desta questão pela primeira vez nesta casa do Parlamento, disse ao Govêrno de então que procurasse resolver o assunto, mas sem bravatas, e hoje, Sr. Presidente, digo o mesmo ao actual Govêrno, isto é, que procure resolver o assunto, mas não continuando com processos que não têm dado resultados.
Eu, Sr. Presidente, já tive ocasião de dizer, e quero salientar agora, pela muita simpatia que tenho pelas classe marítimas, que o problema é grave, visto tratar-se de uma questão entro operários e patrões, e assim devo dizer ao Sr. Ministro do Comércio que o melhor que S. Ex.ª tem a fazer é pôr-se em contacto com êles pois estão certos que V. Ex.ª desta forma encontrará todas as facilidades para resolver o problema.
Eu devo dizer que essa gente não terá dúvida em aceitar possivelmente o aumento das horas de trabalho; porém, uma das causas que mais os está preocupando neste momento, é a possível venda dos navios sem reserva de bandeira.
Sôbre o assunto devo dizer que êles podem estar tranquilos, visto que o Sr. Ministro do Comércio nos acabou de declarar que nunca venderá os navios dos Transportes Marítimos a estrangeiros.
Eu devo, no entanto, Sr. Presidente, é nesta altura, dizer à Câmara o ao País que se encontram entre nós elementos estrangeiros com o intuito de comprar êsses navios.
Disse o Sr. Ministro do Comércio que teve dúvidas sôbre a interpretação a dar ao artigo 13.º da lei; porém, eu devo dizer-lhe que não deve ter dúvidas algumas, visto que ela é bem clara, não vendo por isso motivos alguns para que S. Ex.ª, que é um advogado, consultar a Procuradoria Geral da República.
Será a Procuradoria uma entidade consultiva, mas não é de forma nenhuma uma entidade competente para interpretar leis, visto que isso só a nós compete nos termos da Constituïção; e sôbre o assunto, Sr. Presidente, eu devo acrescentar que será bom não abusar muito das interpre-

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tações dadas pela Procuradoria Geral da República;
Nós, e só nós, segundo a Constituïção, é que temos de interpretar as leis.
O que é um facto, Sr. Presidente, é que as cousas se têm passado por forma que me dão razão, pois a verdade é que, tendo sido aberto o primeiro concurso, não apareceram concorrentes, ou, para melhor dizer, apareceram concorrentes em condições inaceitáveis, o mesmo tendo acontecido relativamente ao segundo e ao terceiro concurso que foram abertos.
Devo ainda dizer que o Sr. Ministro do Comércio tinha uma maneira muito fácil de resolver o assunto dos Transportes, Marítimos do Estado, qual era o de ceder às colónias de Moçambique, Angola e Cabo Verde os navios.
Era êste um meio muito fácil de resolver a questão, e assim V. Ex.ª poderia trazer ao Parlamento uma proposta no sentido de se ceder dois desses navios à província de Moçambique, outros dois para a província de Angola, um para Cabo Verde e ainda mais três para a marinha de guerra, porque é necessário que os nossos marinheiros saibam trabalhar com barcos de vela, é nessas condições está à barca Flores.
Depois de V. Ex.ª ter conseguido fazer a distribuïção, eu posso quási garantir a V. Ex.ª que em Portugal encontrará quem lhe compre os restantes navios, sem e que seja preciso vendê-los ao estrangeiro.
Peça V. Ex.ª informação à segunda comissão liquidatária, e verá que lá estão propostas pára essa compra.
O pagamento dos navios seria 30 por cento em dinheiro é o resto garantido pelo seguro, cuja apólice passava para o Estado; mas como a hora que passa é séria, S. Ex.ª pode facilitar êsse pagamento reduzindo a porcentagem a 10 e 5 por cento.
Mais uma vez apelo para o Sr. Ministro do Comércio pára resolver o assunto.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Pedro Pita): — O facto de não responder logo foi porque aguardei que V. Ex.ªs se referissem ao assunto.
Verifico que estou de acôrdo com o Sr. Nuno Simões.
Devo dizer a S. Ex.ª que se tomaram já as devidas providências para que não faltem os géneros de primeira necessidade, principalmente o assucar.
O Sr. Nuno Simões (interrompendo): — V. Ex.ª sabe tam bom como eu que nas colónias portuguesas tocam navios estrangeiros, que podem ser carregados.
O Orador: — Devo ainda dizer ao Sr. Nuno Simões que é possível que existam pedidos no sentido de ser suspensa a chamada lei de protecção à marinha mercante nacional, no que respeita às colónias; mas eu declaro à Câmara que foi S. Ex.ª a primeira pessoa que me deu êsse alvitre, embora eu já tivesse pensado na adopção dessa medida, como maneira de evitar os inconvenientes da greve, relativamente às mercadorias que nos sãos mais necessárias.
Efectivamente pensei nisso, mas tive receio de que amanhã me censurassem por ter feito uma cousa que pertence e é das atribuïções do Parlamento.
O Sr. António da Fonseca (interrompendo): — Se V. Ex.ª entendia que não tinha a possibilidade legal de fazer essa suspensão, e se entendia que tal suspensão era uma medida que se impunha, não sei porque V. Ex.ª não trouxe à Câmara uma proposta de lei nesse sentido:
O Orador: — Agradeço a V. Ex.ª o seu alvitre, e devo explicar-lhe a razão do meu melindre.
Como disse há pouco, o meu antecessor fez a suspensão da aplicação desta lei no que respeita às ilhas adjacentes, e eu não desejava trazer à Câmara uma proposta que pudesse significar que eu entendia que o Ministro do Govêrno transacto tinha feito uma cousa que não estava nas suas atribuïções.
Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Carlos Pereira começou a sua resposta às considerações que eu fiz afirmando que o Ministro do Comércio procurava delegar o assunto noutras pastas, como se eu procurasse afastar de mim qualquer respon-

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sabilidado ou qualquer obrigação que me coubesse.
Eu creio que o ilustre Deputado não tem motivos para fazer essa afirmação.
Não foi êste Govêrno que procedeu assim. A pasta da Marinha estava entregue a solução do problema e a essa pasta continua entregue.
Poucos dias foram necessários para que as comissões nomeadas concluíssem os seus trabalhos, e não era o Govêrno que tinha de executar o resultado dêsses trabalhos que podia caber a responsabilidade de não ter encontrado a forma de solucionar a questão por não ter seguido o critério anterior.
Vamos ver qual é o resultado dêsse modo de fazer, e, se êle não fôr o que é para desejar, procuraremos outro meio para se conseguir o que S. Ex.ª deseja.
Eu tenho a opinião, hoje formada, depois de ver quanto custa em cada mês a frota dos Transportes Marítimos, depois de saber o Estado em que se encontram quási todos os navios dessa frota, como aquele que, tendo carregado sal a granel nas suas últimas viagens, já não tem o casco de ferro, mas de ferrugem. É absolutamente necessário fazer com que êsses vapores deixem de pertencer ao Estado e deixem de estar no rio a provar a todos, o que tem sido a administração pública.
Nestas condições, o meu desejo é poder fazer essa liquidação quanto antes, e tenciono fazê-la mantendo as disposições da lei que foi votada no Parlamento em Setembro de 1922.
Acho muito bem que as províncias ultramarinas, que possam e queiram, fiquem com alguns dêsses navios; acho muito bem que a marinha de guerra se sirva de algumas dessas unidades para a instrução dos seus marinheiros e para transportes de guerra, mas o que desejo acima de tudo é que êsses navios não continuem na posse do Estado.
Sr. Presidente: eu afirmei há pouco à Câmara que tinha a proposta pronta. Prefiria que V. Ex.ªs me dissessem que não era necessária essa proposta e que a lei existente já me autorizava a proceder à venda.
Quem interpreta as leis é o Parlamento, e se a Câmara me disser que a proposta que eu apresento não é necessária, eu julgo-me autorizado a fazer aquilo que faria se me aprovassem a proposta.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Os «àpartes», não foram revistos pelos oradores que os fizeram.
Foi aprovada a acta e procedeu-se à admissão dó projecto de lei, que fica referido.
O Sr. António Maia (para um requerimento): — Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que seja mandado promulgar como lei, nos termos do artigo 32.º da Constituïção, o projecto de lei que determina que em número especial da Ordem do Exército seja publicada a relação de todos os militares falecidos por motivo da guerra.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à
ORDEM DO DIA
Continua em discussão a proposta n.º 616-F — autorização ao Govêrno para contratar com o Banco de Portugal.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: durante o debate parlamentar de ontem, e por ocasião duma troca de àpartes, um houve, segundo li no extracto publicado num grande jornal de Lisboa, fazendo alusão à minha autoridade moral.
Devo dizer a V. Ex.ª e à Câmara que aceito todos os confrontos, seja com quem fôr, sôbre todos os actos, não só da minha vida pública, como da minha vida particular.
E, Sr. Presidente; ainda antes de entrar nas Considerações que me proponho fazer, devo declarar que o réu aceita êsse confronto, em todos os campos, com o próprio juiz.
Sr. Presidente: porque a hora que passa é bastante difícil, eu desejo que esta discussão seja posta no campo mais elevado, e, portanto, procurarei ser o mais sereno possível, tanto mais que só me anima o são propósito de bem servir o País, exprimindo nesta tribuna o que eu entendo que melhor corresponde aos altos interêsses da Pátria e da República.

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Sr. Presidente: a alta finança pretende neste momento um novo aumento da circulação fiduciária, que excederá a actual em, namoros redondos, 400:000 contos.
Como já tive ensejo de declarar, toda a campanha que me foi movida derivava da circunstância de eu, em contrário do que pretendiam muitos daqueles que me atacavam, ser absolutamente contrário a qualquer inflação fiduciária.
Eu tinha orientado todos os actos da minha vida do homem do Estado, dedicado às questões económicas e financeiras, no sentido de que a nossa situação se resolvesse sem novos aumentos de circulação fiduciária, sem levar o País para a situação desgraçada e miserável em que se encontram alguns países da Europa, designadamente, da Europa Central.
Perigou a minha honra nesta luta; pode também perigar a minha vida, mas eu garanto, aqui, solenemente, que, emquanto tiver fôrças, para lutar, hei-de lutar contra essa política de aumento de circulação fiduciária. Reputo ser altamente prejudicial aos interêsses do Estado a política das notas, a política da montanha de notas, que só poderá servir para nos levar à pior de todas as graves situações.
Sr. Presidente: fui Ministro das Finanças apenas pelo espaço do dois meses e alguns dias.
Não fui Ministro durante cinco meses, como ontem foi dito nesta casa do Parlamento.
Ao tomar conta da pasta das Finanças encontrei uma situação mutatis mutandis a que encontrou o actual Sr. Ministro das Finanças.
Encontrei a situação que resulta da existência de um Orçamento aprovado pelo Parlamento, acusando um deficit de anil contos diários, como eu já disse e sustento.
Mais do que isso: encontrei-me ainda perante outra situação que agravava aquela.
Encontrei-me perante uma crise nas praças de Lisboa e Pôrto, uma crise geral no comércio, na indústria o na alta finança.
Pois eu, Sr. Presidente, fiz face a essa crise enorme sem aumentar a circulação fiduciária a favor da alta finança, do alto comércio e da alta indústria.
Resisti a todos os podidos e sugestões, uns públicos e outros privados.
A tudo resisti, e no que respeita pròpriamente às necessidades do Estado, eu, que não podia proclamar da minha cadeira do Ministro a falência do Estado, nunca saquei a descoberto sôbre o Banco de Portugal quantias que fossem além daquelas que me era permitido sacar, segundo os contratos o leis em vigor. Todas as quantias sacadas cabiam dentro da chamada operação da prata, e tanto assim que ainda hoje essa solução é possível para se regularizar, só por ela, a situação do Estado com o Banco de Portugal.
Sr. Presidente: eu não fiz notas falsas!
Não proclamei a falência do Estado!
Não disse que o Estado se encontrava na situação de não poder pagar os seus encargos.
A confiança que havia nessa ocasião e que já vinha do tempo do meu ilustre antecessor, está provada pela estabilização cambial, pela estabilidade do câmbio sôbre Londres.
Entretanto, não sucede já hoje o mesmo, pois a libra já custa 118$.
Para procurar remédio à situação que eu encontrei, é que fiz convocar o Parlamento logo após um mês da minha posse de Ministro das Finanças, e logo que o Parlamento se reüniu expus-lhe a situação.
Não apresentei nenhum relatório anexo ás minhas propostas, porque não queria contribuir para o descrédito do Estado.
Limitei-me a apresentar um conjunto de medidas, cuja aprovação considerava necessária para acudir à situação.
E era tal o meu horror a uma nova omissão de notas, que não fiz nenhuma operação sôbre a prata, embora a pudesse realizar à sombra das leis, porque de facto essa solução representaria um aumento de circulação fiduciária.
Como não queria o aumento da circulação fiduciária, apresentei nesta Câmara, entre as minhas dezassete bases das propostas de finanças, a conhecida base 5.ª, e vou dizer o que era essa base 5.ª
Era o seguinte:
Atendendo às dificuldades de momento da cobrança dos impostos para o Estado, eu propunha um imposto de repartição

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conhecido em Portugal, e o Sr. Ministro das Finanças no sou relatório referindo-se ao sistema tributário na sua remodelação, não sabe que não chega a ter um século na nossa vida tributária.
Eu queria que só lançasse um imposto de repartição na importância de 24:000 contos, distribuindo por três anos, multiplicando a respectiva soma por um coeficiente correspondente à carestia da vida e que vigorasse em Portugal.
Pausa.
Sr. Presidente: eu creio que o Regimento obriga o Sr. Ministro das Finanças a prestar atenção às minhas considerações.
Pausa.
O Sr. Presidente: — V. Ex.ª dirige-se à Presidência.
O Orador: — Sr. Presidente: eu, pela base 5.ª e pelas relações entro o Banco. de Portugal e o Govêrno, propunha-me a receber adiantadamente essa importância sem aumento da circulação fiduciária.
Sr. Presidente: eu entendo que chegou o momento de fazer contribuir as pessoas que tem realmente por onde pagar.
Entendo que é a ocasião dos grandes senhores da terra, da industria o do alto comércio, em suma, de todos aqueles que têm grandes proventos, contribuírem para o Estado com aquilo com que devem contribuir.
Eu propunha um imposto do repartição destinado principalmente aos indivíduos mais ricos.
Eu desejava que o Banco de Portugal antecipasse ao Poder Executivo o produto dêsse imposto.
Era uma situação provisória, que se liquidava ao fim do alguns meses, e que modificava a má situação do Estado, que era má, e modificava-a sem aumento de circulação fiduciária.
Sr. Presidente: vou agora analisar a proposta do Sr. Ministro das Finanças, que teve a ousadia tremenda de vir trazer a esta Câmara, e nesta hora tremenda também, uma proposta pedindo o aumento da circulação fiduciária de 450:000 contos.
Quero lembrar à Câmara que nunca nos anais parlamentares constou que um Ministro das Finanças da Monarquia ou da República apresentasse uma proposta de aumento de circulação fiduciária sem dizer a quanto monta êsse aumento.
É a primeira vez que tal se faz.
Nem na crise de 1890, nem durante a guerra, nunca se fez esta cousa verdadeiramente inédita na história da administração pública.
A proposta que o Sr. Ministro das Finanças trouxe ao Parlamento é, de certo modo, uma charada a prémio.
Efectivamente é preciso ter paciência, é preciso ter um grande hábito de lidar com números, é preciso ter um profundo conhecimento da questão para se saber quanto é que S. Ex.ª pretende arrancar ao Parlamento de nova circulação fiduciária.
Disse ontem, e muito bem, o Sr. Ministro das Finanças que as palavras da sua proposta tinham sido pesadas cautelosamente.
S. Ex.ª pretende o seguinte: dar como ilegal a emissão feita à sombra da convenção de 29 de Dezembro.
Depois, numa base a seguir, S. Ex.ª pede para que a circulação fiduciária actual seja acrescida dos débitos do Estado ao Banco de Portugal e das notas emitidas nos termos da referida convenção.
Depois S. Ex.ª deseja realizar aquela operação da prata, contra a qual tanto se insurgiu, dirigindo-mo as mais levianas acusações.
Ora os dezassete mil e tantos contos de prata que existem no Banco de Portugal devem valer hoje qualquer cousa como 1. 350:000 £.
Ao câmbio do dia de hoje — libra-cheque a 118$ — essa importância atinge a soma do 159:000 contos.
Deduzidos os 14:000 que o Estado tem de dar ao Banco, verifica-se que a conversão da prata pode dar ao Estado 145:000 contos.
Juntando êsses 145:000 contos aos 249:000 de que já me ocupei, terá o Estado à sua disposição 394:723 contos.
São, portanto, 394:723 contos de circulação fiduciária que o Sr. Ministro das Finanças vem pedir ao Parlamento.
A esta combinação, que podemos classificar de diabólica, podemos acrescentar o seguinte: pela base 1.ª consegue o Sr. Ministro das Finanças libertar as cambiais que hoje estão representadas nos

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termos da convenção de Dezembro por 64. 199$ o como a convenção de Dezembro é restabelecida, nada impede S. Ex.ª de amanhã fazer representar essas libras e êsses francos pela mesma quantia por que hoje estão representadas.
E assim temos a juntar mais 64. 000$ ao número já indicado.
Aqui está a solução que o Partido Nacionalista traz a esta casa do Parlamento; a solução tam apregoada como capaz de sanear as finanças públicas, melhorar as condições do Tesouro e embaratecer a vida!
Não disse o Sr. Ministro das Finanças a quanto montava o aumento de circulação fiduciária que nos pedia.
Mas há-de de dizê-lo, ou êle ou alguém por êle.
Os números que acabo de apontar à Câmara hão-de ser contestados ou confirmados.
Aumento de circulação fiduciária sem se indicar o quantitativo, não!
Aumento de circulação fiduciária para levarem o País à situação em que se encontra a Áustria e a Alemanha, não!
E ninguém tenha dúvidas sôbre a justiça que me cabe, e de que eu interpreto neste momento o sentir unânime da Nação.
Eu sei, o já ontem o disse aqui, que estou numa assemblea onde há um grande número que pretendo denominar de inflacionistas, um grande número do indivíduos que querem o aumento de notas, muitas notas, para que não faltem dividendos á alta banca e lucros ao alto comércio.
Fique a Nação esmagada, os funcionários públicos na miséria, mas não faltem lucros e dividendos aos homens da alta banca, alto comércio e alta indústria, porque o resto nada vale.
Todavia, como não estou falando nem para o Sr. Ministro das Finanças, nem para grande parte da Câmara, mas para quem me quere ouvir e sobretudo para a história, vou mandar para a Mesa, requerendo desde já para serem incluídas no Diário das Sessões, oitenta representações de câmaras municipais do País, que é como quem diz da têrça parte dos municípios de Portugal, para que se não aumente a circulação fiduciária.
Se tanto podem a alta finança e o alto comércio, se tam grande é a sua fôrça, justo é que de alguma maneira se considere o pedido de oitenta das nossas municipalidades.
Eu peço, pois, a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que quando acabe o meu discurso se digne consultar a Câmara sôbre se permite que êstes telegramas do oitenta das nossas municipalidades se publiquem no Diário das Sessões desta Câmara, para que a todo o tempo se saiba a grande força que têm as minhas palavras neste momento.
Mas eu entendo, Sr. Presidente, que se devem dar ao Govêrno do meu País os meios precisos para governar.
Ninguém julgue que estou fazendo um discurso de obstrucionismo, ninguém julgue que eu, em presença duma situação difícil que conheço porque passei por ela, tenho o propósito, que seria indigno de ruim, de colocar o Sr. Ministro das Finanças na mesma situação em que S. Ex.ª me pretendeu colocar a mim, não me dando os meios precisos para governar.
Por isso, vou mandar para a Mesa um contra-projecto de lei, pelo qual ou pretendo habilitar o Poder Executivo com os meios necessários para legalizar a situação com o Banco de Portugal.
E é ocasião de dizer que vou dar mais ao Sr. Cunha Leal do que aquilo que eu pedia quando daquela cadeira eu solicitava que. o Parlamento me votasse os meios precisos para regularizar aquela situação.
Eu não pedia senão a base 5.ª, que era um imposto de repartição, com o direito de poder antecipar a sua cobrança por meio duma convenção com o Banco de Portugal.
Era uma situação que se remediava por si mesmo, sem que daí resultasse um aumento de notas.
Eu não queria fazer a operação da prata, porque dela resultava, como resulta, um aumento de circulação; mas hoje, para afirmar exactamente os meus propósitos de lealdade e de combate, vou mandar para a Mesa uma proposta, que é mais do que eu pedia ao Poder Legislativo, pela qual o Sr. Ministro das Finanças fica autorizado a legalizar a situação com o Banco de Portugal realizando tam somente a operação da prata.
Sr. Presidente: sabe V. Ex.ª que do aumento de meios circulantes resulta sempre um aumento do custo da vida.

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Ora eu sinto que a vida, com o novo aumento que se propõe, vai ser impossível, vai ser insuportável dentro de algum tempo.
Oh! que séria apreensão eu tenho nos destinos do meu País!
Quando fui Ministro, lembro-me, tive um dia uma informação, cuja veracidade não tive tempo de averiguar, mas o meu pressentimento diz-me hoje que devia ser verdadeira essa informação.
Alguém me disse que em Paris se tinham retinido os magnates da alta indústria o comei do País, no propósito de asfixiar a República, levando o câmbio para 1.
Para lá caminhamos, efectivamente, a passos mais largos do que eu poderia supor.
Sr. Presidente: para de alguma maneira atenuar os efeitos que podem resultar do meu contra-projecto, eu fiz inserir nele um artigo que vou ler à Câmara.
Já houve uma tentativa parecida com a que pretende agora o Sr. Ministro das Finanças: foi a que resultou da aprovação da lei de 27 de Novembro de 1920 da autoria também do Sr. Cunha Leal.
S. Ex.ª também nessa ocasião, preocupado em regular as contas — belo eufemismo! — do Estado com o Banco de Portugal, porque a circulação tinha sido excedida numa pequena quantia, trouxera Câmara o conseguiu que ela aprovasse uma proposta aumentando pura e simplesmente em 200:000 contos a circulação fiduciária.
Foi o primeiro passo para o abismo!
Então para atenuar os efeitos dessa lei fez S. Ex.ª incluir nela um artigo igual ao meu.
Que irrisão!
As circunstâncias nunca o exigiram, porque S. Ex.ª tinha o propósito de não lhe dar execução.
Para idêntica sorte não ter a minha proposta, eu proponho já que 10:000 contos se destinem a fomentar as cooperativas de consumo, isto para não agravar o custo da vida, que tam pavoroso já é.
Eu sei que isto de falar no agravamento da vida pouco interessa a quem tem as algibeiras cheias de notas, mas desgraçados daqueles a quem o dinheiro falta e a quem a vida lhes é bem amarga, e cujo viver lhes é muito difícil: a êsses importa o custo da vida e nesse número estou eu.
Que dificuldades não tem o funcionalismo para viver com os magros vencimentos que tem!
Sr. Presidente: dizia eu que o Sr. Ministro das Finanças tem a circulação excedida em 132:000 contos e S. Ex.ª vem pedir 458:000 contos.
O Estado devo receber dentro dos seus recursos as suas contribuições.
Ora até o fim do ano económico temos ainda que cobrar receitas de várias contribuições, e portanto não há que dar ao Sr. Ministro senão restritamente o preciso.
Segundo a minha proposta, eu deixo o Sr. Ministro das Finanças em condições de viver.
S. Ex.ª tem outros recursos. Tem 40:000 contos da moeda subsidiária.
Tem mais 30:000 contos do último empréstimo. S. Ex.ª esqueceu tudo isto, ou. S. Ex.ª não é exacto, nem verdadeiro.
Foi aprovada nesta Câmara uma proposta tendente a realizar o contrato com a Companhia dos Tabacos, e por essa proposta pode o Govêrno obter recursos do mais de 2:200 contos; tem ainda, a liquidar mais 100:000 contos de contribuição de registo.
Então, porque é que o Sr. Ministro das Finanças não trata de utilizar estas importâncias?
É Ministro apenas para aumentar a circulação fiduciária!?
Está ainda pendente da resolução desta Câmara uma modalidade da lei da sêlo, que trará ao Estado novas receitas: porque não as aproveita o Sr. Ministro das Finanças?!
S. Ex.ª, que parece obter todas as facilidades da Câmara, porque não faz votar estas medidas?
S. Ex.ª, proclamando a impossibilidade da cobrança do imposto pessoal de rendimento, prestou um grande serviço aos banqueiros.
De um sei eu, que é um dos maiores banqueiros, que declarou que tinha um rendimento de 80 contos!
A Câmara pode dar ao Sr. Ministro das Finanças todas as facilidades, mas o que é certo é que isso só trará, o aumento do custo da vida, o que nada incomoda as pessoas que têm participação nas grandes emprêsas.

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É preciso não esquecer que nós temos a grande responsabilidade do empréstimo de 6 1/2 em ouro, que, se o câmbio piorar, nos pode trazer um aumento de encargos a 30 por cento.
Em 1920 o Sr. Cunha Leal, que vinha para arrumar a casa, fez com que a situação, piorasse.
É a isto que S. Ex.ª chamou pôr a casa em ordem.
O Sr. Tavares de Carvalho (em àparte): — Mas não disse qual era a casa!
O Orador: — São êstes os meios que S. Ex.ª emprega para agir.
Ontem o Sr. Ministro das Finanças declarou em pleno Parlamento que, se êste não lhe dêsse as medidas necessárias, terminava os pagamentos.
Ontem, S. Ex.ª declarou da sua cadeira de Ministro das Finanças que, se não fôsse aprovada a proposta de 458:000 contos, não estaria em condições de pagar os encargos do fundo externo. Tam verdadeira é uma cousa como outra. Não são exactas estas afirmações. Elas visam a desacreditar o Estado.
Nunca um Ministro das Finanças declarou que a República Portuguesa não estaria em condições de pagar os seus encargos, designadamente os externos. Nunca a história da República ouviu isso da bôca dum seu Ministro.
Foi declarado ontem pela primeira vez na história política do País que, se se não realizasse determinadas condições, a República Portuguesa não poderia pagar os encargos do fundo externo. É demais!
Felizmente que todos nós sabemos que o listado Português tem muitos recursos e disponibilidades para satisfazer os seus encargos, sem ser preciso votar a proposta de lei do Sr. Ministro das Finanças.
Bem sei que se não devem assoalhar contas que devem ser segredo do Estado, mas tenho de o fazer para contrapor às palavras levianas do Sr. Ministro das Finanças a verdade dos factos.
A República tem as suas receitas-ouro, as aduaneiras, que são arrecadadas e destinadas sagradamente, pelo menos têem-o sido sempre, para os encargos do nosso fundo externo. E se mais preciso fôsse, o Banco de Portugal nunca recusou o seu crédito em esterlino nos bancos de Londres, nem recusa para o Estado pagar os seus encargos de divida externa.
Portanto, tenho a declarar da maneira mais categórica e terminante que não são exactas as afirmações de S. Ex.ª quando diz que carece da aprovação desta medida para pagar os encargos do fundo externo.
E se alguém tiver dúvidas, terei apenas de pedir licença à Câmara para ir ao Ministério das Finanças, tal como a Câmara concedeu ao Sr. Cunha Leal, consultar as contas da nossa tesouraria e trazer aqui os números rigorosos e exactos da afirmação que faço.
Mas há um facto que é infelizmente verdadeiro, e êsse já não tem remédio: são os reflexos que estas afirmações impensadas produzem, e êsses reflexos são a desvalorização do nosso melhor papel, são a queda das nossas divisas, são a libra já hoje a 118$, são naturalmente uma deminuíção na cotação do nosso fundo externo.
Quero crer que isso não aproveite a S. Ex.ª, estou convencido disso, mas pode aproveitar a muitos especuladores, que nesta hora grave da República não têm repugnância em enriquecer à custa dos males do País.
Sr. Presidente: antes de terminar o meu discurso, desejo fazer ainda umas referências ao relatório do Sr. Ministro das Finanças, analisar os seus propósitos de compressão de despesas, e referir-me também aos seus desígnios de homem de Estado na hora que passa.
É preciso uma grande autoridade para exigir do funcionalismo público os sacrifícios que S. Ex.ª pretende com a sua proposta.
Apoiados.
Todos compreendem a redução de despesas e dos quadros do funcionalismo, mas que isso se faça sem fazer sangue, sem deixar ninguém a pedir esmola, e sem lançar ninguém para o desespero, que pode provir de tal situação.
Na reforma que fiz do Ministério do Comércio suprimi 400 lugares, mas não pus ninguém a pedir esmola.
A verdade é também que o Partido Republicano Português deixou por preencher 3 a 4:000 vagas.
Não são necessários excessos, para de-

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minuir despesas, e isso pode não só prejudicar os serviços públicos mas também a ordem pública.
As compressões de despesas podem-se fazer sem disso vir mal de maior.
Há uma cousa que ninguém compreende: são os sacrifícios só para uma banda. Nesta hora em que se pedem sacrifícios, é Sr. Ministro das Finanças tem de se mostrar imparcial o pedir sacrifícios aos ricos e aos pobres, mas mais nos ricos.
O que não faz sentido é uma política que mostre só extremo rigor para as unidades e deixe à larga aqueles que mais devem contribuir para remediar as dificuldades do Estado.
Sr. Presidente: tem sido objecto do larga discussão o atraso da cobrança dos impostos.
Para fazer essa cobrança não são precisos mais funcionários, e basta dar execução ao decreto n.º 8:176 da minha autoria.
Havendo como há realmente uma falta de pessoal nos serviços de contribuições e impostos, e um excesso em outros serviços e repartições, só há uma cousa a fazer: é ir procurar funcionários onde os há a mais, para os colocar nos serviços das contribuições.
Tem o Sr. Ministro das Finanças em cima da sua secretária, permita-se-me o termo, mais de 600 requerimentos de funcionários de todos os Ministérios que pretendem ir fazer serviço nas repartições de impostos em harmonia com o decreto a que me referi.
Não ignora a Câmara que há muitos oficiais, que serão centenas, que são demais nos respectivos serviços, e que tendo competência, como têm, poderiam ir prestar os seus serviços nas nossas repartições.
Sr. Presidente: o dinheiro há que se ir buscar onde êle existe.
Não quero que o Sr. Ministro das Finanças vá buscar dinheiro ao contribuinte pelos processos que S. Ex.ª preconizava no fim do relatório das suas antigas propostas de finanças, nas quais até chegava a dizer que se podiam ordenar varejos às escritas comerciais.
Era o que S. Ex.ª dizia no artigo 23.º da sua proposta sôbre o rendimento.
Era no tempo em que S. Ex.ª dizia que era necessário fazer varejos contra as fôrças vivas, em vista das necessidades do Tesouro.
O que são as ironias do tempo!
Em 1921, havia mais funcionários que actualmente para as necessárias cobranças, e S. Ex.ª ia até ao ponto de permitir os varejos.
Há muito onde ir buscar dinheiro, e S. Ex.ª bem o sabe.
Como as palavras a que me referi, do Sr. Ministro das Finanças em 1921 devem soar mal aos ouvidos de S. Ex.ª!
O Sr. Júlio de Abreu: — Então o Sr. Ministro das Finanças não está presente?
O Orador: — Eu não necessito que o Sr. Ministro das Finanças esteja presente. Eu podia exigir que S. Ex.ª estivesse nesta sala, era do meu direito, mas eu sei como devem ser penosas a S. Ex.ª estas palavras e por isso mesmo dispenso S. Ex.ª de as ouvir numa atitude de generosidade que S. Ex.ª talvez não queira compreender, mas que é verdadeira.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças trouxe ao Parlamento da República um relatório que não é exacto, um relatório para alarmar, um relatório para produzir o pânico.
Já o Sr. Vitorino Guimarães disse que há três ou quatro mil vagas por preencher o já mesmo S. Ex.ª confessou daquelas bancadas que efectivamente êsse relatório deve ser corrigido em cêrca de 24:000 contos, visto que são funcionários que não recebem as quantias que estão inscritas nos respectivos orçamentos.
Mas há mais do que isso.
Como já tive ocasião de dizer, estão por cobrar cêrca de 100:000 contos da contribuição de registo, e não são precisos grandes esfôrços para realizar essa cobrança. Já tive ocasião de apontar igualmente à Câmara o aumento de receitas que pode provir do novo contrato com a Companhia dos Tabacos.
S. Ex.ª fala nos Transportes Marítimos só para lembrar os seus encargos, não vendo S. Ex.ª que pode realizar a venda de alguns navios, realizando assim alguma receita.
S. Ex.ª esqueceu-se de que tem cêrca de 600:000 libras nominais dos títulos do último empréstimo por colocar e que S. Ex.ª pode ir colocando gradualmente,

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realizando assim uma receita extraordinária do cêrca de 30:000 centos.
S. Ex.ª contou com a desvalorização da moeda só para mostrar agravada a situação orçamental, mas S. Ex.ª devia saber que a desvalorização da moeda tem uma contra-partida nas receitas, visto que aquelas que são cobradas por meio de taxas ad valorem são aumentadas com essa desvalorização, e isso dá-se com os impostos de sêlo, do aplicação de capitais e outros que, como já disse se cobram por meio de taxas ad valorem.
S. Ex.ª esqueceu-se do cobro que tem na Casa da Moeda, do qual pode dispor solicitando uma autorização do Parlamento.
S. Ex.ª esquece também os 40:000 contos que pode realizar pela cunhagem de moeda nos termos da lei n.º 1:234.
Sr. Presidente: nesta ordem de ideas, o deficit não é representado pelos 400:000 contos que S. Ex.ª traz no seu relatório, mas deve estar muito mais em harmonia com o número que eu trouxe a esta Câmara do 1:000 contos diários, não podendo, em caso algum, êste número ser excedido.
Mas não me cabe a mim apresentar soluções. As soluções para resolver a situação do Estado devem pertencer ao Poder Executivo; em todo o caso hei-de dizer isto bojo, amanhã, hei-de dizê-lo sempre porque há muitos outros recursos antes de lançar mão do aumento da circulação fiduciária não só para fazer face à difícil situação orçamental como para fazer face à situação da tesouraria também difícil.
O recurso à circulação fiduciária é mesquinho para tam alta competência. O recurso à circulação fiduciária desmente absolutamente as chamadas altas qualidades do estadista que está à frente da pasta das Finanças.
Sr. Presidente: pelo que respeita a soluções orçamentais, pode S. Ex.ª lançar novos impostos, pode activar a discussão do imposto do sêlo, das contribuições do registo; poderia S. Ex.ª orientar a sua política fiscal para os grandes lucros dos grandes empregos comerciais o industriais; podia S. Ex.ª orientar a sua acção fiscal para os fabulosos lucros da alta banca, como fiz nas minhas propostas de finanças, em que procurava obter receita sem os excessos propostos pelo Sr. Cunha Leal nas suas medidas de 1921, realizando recurso numa comparticipação de lucros não só das grandes emprêsas, quando êsses lucros excedessem um certo limite, mas da alta banca.
Sr. Presidente: a hora das dificuldades deve ser para todos.
Não pode ser, seria indigno, seria cousa para nos revoltarmos, ver uma política fiscal orientada no aumento da circulação fiduciária que é cora o quem diz no pior de todos os impostos lançados sôbre a maioria do país, lançado sôbre os indivíduos mais pobres e mais necessitados da população portuguesa.
Pelo que respeita à situação do tesouraria, é evidente que S. Ex.ª tem muitas soluções, soluções que se traduzem por antecipação do impostos, por antecipação de receitas dos tabacos até o fim do seu respectivo contrato; emfim, pelos títulos, que, como já disse, estão por colocar e ainda por outras soluções que não me cabe a mim anunciar, exactamente porque não tenho neste momento as responsabilidades da pasta das Finanças.
Sr. Presidente: termino as minhas Considerações mandando para a Mesa um projecto de lei, pelo qual pretendo habilitar o Govêrno com os meios precisos para legalizar a sua situação com o Banco do Portugal, e que representa, como disse, mais do que vim pedir ao Parlamento ainda não há muito tempo, o que por S. Ex.ª foi combatido pela maneira de todos conhecida.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: prometi há dias mandar tirar uma cópia do processo das chamadas 400:000 libras, a fim de ficar à disposição do todos os Srs. Deputados, mas reflecti que o processo é muito extenso, que demoraria muito tempo a copiar, e, para satisfazer a curiosidade de todos aqueles que queriam conhecer o assunto nos seus detalhes, vou enviar o original para a Mesa, pedindo no emtanto, o máximo cuidado a quem o consultar, não vá porventura perder-se qualquer das partes dêsse processo.

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Entendo que os Srs. Deputados devem tomar completo conhecimento do processo e, nestas condições, tendo-me já anteriormente, declarado habilitado para responder a qualquer interpelação sôbre o assunto, e porque é conveniente para os altos interêsses do Estado que o caso seja esclarecido definitivamente, para definitivamente só acabar com especulações, peço aos Srs. Deputados que tomem dele conhecimento o mais ràpidamente e a V. Ex.ª que, de acôrdo com os Srs. Deputados interpelantes, faça o obséquio de marcar o assunto para ordem do dia duma das próximas sessões.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É lido na Mesa e admitido o projecto de Lei do Sr. Velhinho Correia, que será publicado quando sôbre êle se tomar uma resolução.
É pôsto à votação o requerimento do Sr. Velhinho Correia, para que sejam publicados no «Diário das Sessões» os telegramas recebidos de várias câmaras municipais.
O Sr. Nuno Simões (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: o pedido do Sr. Velhinho Correia parece-me absolutamente extemporâneo.
Todos os jornais que defendem S. Ex.ª publicaram largas referências a todos êsses telegramas; o caso foi bastante discutido.
A que propósito pois, e tam tardiamente, se vão publicar êsses telegramas no Diário das Sessões?
Dêste modo, justamente no momento em que mais se prega a imperiosa necessidade de fazer os máximas economias, vamos nós gastar dinheiro em papel, sem utilidade alguma.
De resto, se o requerimento do Sr. Velhinho Correia fôsse aprovado, teríamos que passar a publicar todas as representações, pró ou contra, que surgissem sôbre problemas de carácter financeiro.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: devo frisar que não foi dada publicidade a êsses telegramas, a não ser a um pequeno número a uma décima ou a uma vigésima parte talvez.
Não por mim, mas porque representam um brado do País...
Vozes: — Ora, ora!
O Orador: —...dando-se ainda a circunstância de se tratar, na maior parte de telegramas, em linguagem lacónica que pouco espaço ocupam, mantenho o meu requerimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal): — Sr. Presidente: achava também curioso que se publicassem os documentos em questão, para as câmaras municipais se informarem de que, sendo, segundo as informações do Sr. governador do Banco de Portugal, de cêrca de 1. 200:000 libras, a produtividade da prata, calculando o câmbio a 115$, devem dar 138:000 contos, mas é preciso recolher notas-prata, em quantidade equivalente à prata vendida e, como ela anda por 14:000 contos, devem representar 124:000 contos.
Em 11 de Novembro, ainda eu não era Ministro das Finanças, a circulação fiduciária estava excedida em 142:000 contos, e eu gostava que se publicassem êsses documentos para que, se fôsse aprovado o projecto do Sr. Velhinho Correia, eu ter ocasião de publicar um documento em que se prova que a circulação estava excedida nesses 142:000 contos, o que naturalmente daria razão aos brados das câmaras municipais.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco de Mira (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: seria um mau precedente a Câmara autorizar a publicação no Diário das Sessões dos telegramas recebidos pelo Sr. Velhinho Correia.
Isso daria lugar a que amanhã, para todas as questões, fôsse qual fôsse a sua importância, se pedisse a publicação no Diário das Sessões de toda a espécie de documento ou papel que viesse expontâneamente, ou que viesse sob pedido.

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Sessão de 22 de Novembro de 1923
Nestas circunstâncias, e porque se trata ainda de uma forma de gastar dinheiro inutilmente, pela minha parte recuso o voto ao requerimento apresentado.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Fonseca (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: desejava que V. Ex.ª fizesse o obséquio de me informar se essas representações se referem ao novo aumento da circulação que possa resultar da proposta do Sr. Ministro das Finanças actual ou se dizem respeito a qualquer aumento anterior.
Era útil saber-se se o protesto era para agora ou se para algum tempo antes.
Uma interrupção do Sr. Ministro das Finanças (Cunha Leal).
O Orador: — Agradeço a interrupção dó Sr. Ministro das Finanças, e permito-me acrescentar que a própria circunstância de na Câmara estarmos a discutir se os telegramas devem ou não ser publicados, já mostra que a Câmara toma em consideração as reclamações das câmaras municipais.
E faço votos por que se tenha por elas uma consideração maior do que houve anteriormente.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O Sr. António Fonseca preguntou de quando datam as representações das câmaras municipais. Devo declarar que são quási todas de Setembro.
S. Ex.ª não reviu.
O Sr. Velhinho Correia (para explicações): — Sr. Presidente: tenho a dizer que transformo o meu requerimento num outro, para que se faça no Diário das Sessões a inscrição apenas das câmaras municipais que enviaram os telegramas a que me referi.
Assim, não há razão alguma para se rejeitar o meu requerimento, visto que apenas se trata da enumeração dessas câmaras.
Foi assim que eu formulei o meu requerimento, do qual não desisto.
Tenho agora a dizer ao Sr. Ministro das Finanças, em resposta às suas observações, que a situação de S. Ex.ª hoje não é mais difícil do que foi a minha quando ocupei aquele lugar.
Eu trouxe à aprovação da Câmara a base 5.ª das minhas propostas, o essa base 5.ª autorizava o Govêrno ao lançamento de contribuições na importância de 140:000 contos. Era com êste dinheiro, juntamente com os recursos habituais do Tesouro, que eu queria resolver a situação.
O Sr. Ministro das Finanças falou no câmbio do 115$ para fazer a operação da prata.
Hoje o câmbio é de 118$.
O número que S. Ex.ª trouxe é de 132:811 contos, e S. Ex.ª pretende obter 400:000 e tantos contos.
Sr. Presidente: ao terminar estas breves considerações, eu insisto no meu requerimento.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. João Luís Ricardo (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara declaro a V. Ex.ª que não voto o requerimento formulado pelo Sr. Velhinho Correia pelas razões expostas pelo Sr. Nuno Simões. Os jornais darão publicidade tanto às afirmações que o Sr. Ministro das Finanças acaba de fazer como às solicitações das câmaras municipais.
O orador não reviu.
Foi rejeitado o requerimento do Sr. Velhinho Correia.
O Sr. Ferreira de Mira: — Sr. Presidente: muito acertadamente resolveu a Câmara que fôsse discutido o relatório financeiro, lido pelo ilustre chefe do Govêrno em seguida à leitura da declaração ministerial.
E digo muito acertadamente, por ser a primeira proposta de finanças, mas não porque êsse relatório ùnicamente deva ser apenso a essa proposta.
A explanação da actual situação financeira tem em vista não só regularizar actos já praticados, mas também para dar recursos de momento ao Govêrno.

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O relatório foi mal interpretado por alguns colegas nesta Câmara, com o pretexto de que trazia verdades em linguagem clara de mais, o que vinha estabelecer o descrédito e deminuir a confiança.
Ora, Sr. Presidente, tornou-se necessário dizer a verdade ao País, dar-lhe o verdadeiro conhecimento da situação difícil em que se encontra para que êle reclame e consinta que sejam postas em prática aquelas medidas que trazem sacrifícios que são necessários. Doutra forma não procederia quem quer que fôsse que se encontrasse naquelas cadeiras do Poder.
Quando um país chega à situação delicada a que chegou Portugal, quando é necessário que se façam sacrifícios, há duas maneiras de proceder: ou o País encara virilmente a situação e a resolve, ou recorre aos auxílios estranhos.
Com medidas empregadas, em outros países, mas com que lesam os seus próprios naturais! Da Áustria, que demitiu 25:000 funcionários de uma só vez, e com a promessa de demitir mais 75:000 em breve prazo?
Pois bem; para que isto nunca possa a vir suceder entre nós é preciso que os menos sacrifícios que são necessários os façamos, é preciso que o povo tenha a consciência da situação, quero dizer, é necessário dizer-se toda a verdade.
Apoiados.
Sr. Presidente: falou-se em que as nossas receitas, no tocante a impostos, eram algumas dificilmente, cobráveis e outras nem cobráveis eram, e dá-se êsse caso com as receitas provenientes da última organização tributária.
Não vale atirar para êste lado da Câmara com a responsabilidade do facto, dizendo-se que à falta dalguns funcionários dos impostos se deve o facto de essas receitas não terem sido cobradas.
Quando se tratou da discussão do novo regime tributário essa questão foi posta, essa situação foi adivinhada. Que essa dificuldade de cobrança se havia de dar desde logo o disse o Sr. Barros Queiroz, e ainda o disseram também outros Deputados dêste lado da Câmara. Não vale agora a pena depois de ter sido previsto o que havia de dar-se, vir dizer que o acontecimento teve uma outra origem. Não temos culpa de que as pessoas, embora dos melhores conhecimentos financeiros, se enganem.
O ilustre Deputado Sr. Vitorino Guimarães, com a sua autoridade em matéria financeira, reconheceu ontem quanto se havia enganado no seu patriotismo, no seu optimismo.
Quando foi da discussão do empréstimo, quando se quis provar a influência que elo teria sôbre o câmbio, o Sr. Vitorino Guimarães foi dum grande optimismo, mas já ontem declarou, e honradamente, que o havia sido demasiadamente.
Sr. Presidente: é bom contar com o patriotismo de todos, mas é bom conhecer que a cousa menos patriótica que há neste mundo é o dinheiro. São sôbre êste ponto bastante frisantes os exemplos da história e escusado é rememorá-los.
Não há casos em que o dinheiro acorra, senão por muito pouco tempo e nunca numa extensão tam grande quanto desejada, a um brado patriótico, tanto mais que o patriotismo entendido de uns pode não ser de entendimento geral.
Não basta dizer ao dinheiro que venha, é preciso dizer-se que venha com confiança.
Apoiados.
Sôbre a exiguidade de verbas para material, disse-se aqui que elas haviam sido aumentadas.
Eu e outros membros desta Câmara sempre aqui dissemos que o não se cuidar do aumento das verbas de material, resultava um desaproveitamento, cada vez maior, do pessoal.
Tudo isto indica a necessidade de se realizar uma revisão cuidada dos orçamentos.
Estão para apreciação da Câmara um relatório e uma proposta, esta tem de ser votada, emquanto o relatório tem de ser discutido só.
Grita-se: não mais notas, abaixo a inflação.
Quem grita, quem diz isto não tem nenhuma autoridade para o fazer (Apoiados), pois foram êsses que mais notas fizeram.
Apoiados.
O que se pede nesta proposta é apenas para legalizar o aumento dessas notas.
Compare-se a situação de agora com a do Sr. António Maria da Silva quando foi Ministro das Finanças o Sr. Portugal

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Durão, que foi à comissão de finanças pedir um aumento de circulação, sendo-lhe observado pelo actual Sr. Ministro das Finanças que êsse aumento não chegava até as propostas de S. Ex.ª produzirem efeito.
Foi agora apresentada uma proposta de compressão de despesas.
O Sr. Vitorino Guimarães disse que os pareceres eram diferentes.
Diz-se que o aumento de circulação fiduciária estabelecido na proposta é demasiado.
Não é necessário ser duma argúcia extrema em matéria financeira para se fazer a discriminação das verbas consideradas de receita e para fazer a discriminação dos encargos que pesam sôbre o Estado.
Aquela parte principal constante da base 1.ª é uma regularização do estado actual, nada temos com ela, ficando-nos em parte os encargos do Estado a que já se referiu o Ministro das Finanças, quere dizer, o pagamento de cupão, quere dizer, os débitos que existem de 13:000 contos pelo Ministério das Colónias, de 3:000 contos pelo Ministério do Comercio, além dos 20:000 contos de dívidas de vários serviços públicos, e é isto que tem de sair das outras verbas, e é isto que tem de sair da operação sôbre a prata, descontando nessa conta aqueles 14:000 contos de notas prata que é necessário recolher.
Qualquer pessoa que se lembre do que ainda há pouco aqui foi dito de que o deficit orça por 1:000 contos diários, ou sejam 30:000 contos por mês, poderá ver que, aprovando a proposta tal como está, o Govêrno terá recursos para dois meses escassos, e, Sr. Presidente, não é muito pedir recursos para dois meses desde que se apresentem propostas tendentes a melhorar a situação do Tesouro.
Sr. Presidente: a situação é clara.
O ilustre Deputado Sr. José Domingues dos Santos em resposta à declaração ministerial falou sôbre ideas políticas e processos políticos, afirmando que não era lícito a um Partido empregar as ideas e os processos do outro Partido, embora fossem ambos republicanos.
Não é essa, permita-me S. Ex.ª que o diga, a verdadeira fórmula.
Podemos todos ter as mesmas ideas, devemos ter na maior parte dos casos os mesmos fins; quanto aos processos, êsses é que nos distinguem e neste assunto tam importante está claramente posta a diferença de processos. Mesmo na parte — regularização da situação financeira actual — mesmo nessa parte os processos são diferentes.
Os que queremos empregar, como declarou o Sr. Vitorino Guimarães considerando toda a questão financeira em si, estão bem patentes, sendo evidente a diferença entre o processo seguido pelo Sr. António Maria da Silva, com todos os seus Ministros das Finanças, e o processo seguido pelo actual titular dessa pasta.
Querendo o mesmo fim, que é a regularização da questão financeira, êste Govêrno, tendo visto que dois anos dêsse processo emoliente não tinham dado resultado, quere empregar outro. É o processo de inteira clareza. E mostrar toda a verdade ao País e, ao mesmo tempo, apontar-lhe os meios de cura. Eis porque não só êste lado da Câmara, mas creio que toda a Câmara, vai aprovar uma medida que dê ao Govêrno os meios de conseguir a regularização da questão financeira, tal como está posta, e que lhe dê os recursos financeiros para que medidas já propostas e aquelas que vai propor possam ter execução, para que se espere pelos seus bons resultados.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, nestes termos, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: usando da palavra pela primeira vez depois que o actual Govêrno se senta naquelas cadeiras, muito gostosamente cumpro o dever de pessoalmente cumprimentar os Srs. Ministros.
Sr. Presidente: é difícil a situação de qualquer dos lados desta Câmara, se atendermos à gravidade das circunstâncias do País ontem reveladas pelo Sr. Ministro das Finanças e já reveladas, de resto, no anexo à declaração ministerial. Ninguém como nós, dêste lado da Câmara, tinha a liberdade mais ampla para apreciar êste assunto, porque ninguém

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como nós está absolutamente fora de todas as responsabilidades na desgraçada situação a que o País foi levado pela República. Mas, se bem que nenhuma responsabilidade tenhamos, se bem que ás responsabilidades pertençam, principalmente, ao Partido Democrático e á maioria, como entendemos que acima de tudo devemos ser e somos portugueses, a nossa atitude e bem diversa da que tem sido adoptada pela maioria.
Custa a crer que, revelada a situação em que o Partido Democrático deixou o País, êsse partido se permita o arrojo de se levantar para censurar alguém ou para mostrar ao País que tem autoridade pelos seus actos para criticar a situação!
Não quero tomar muito tempo à Câmara, tanto mais que já o ilustre leader da minoria monárquica definiu claramente que, sem nos esquecermos de que somos adversários intransigentes do actual Govêrno, não queremos por nenhuma forma criar-lhe dificuldades que o impeçam de realizar uma obra útil. Não quere isto dizer que estejamos convencidos da possibilidade de que tal aconteça, mas simplesmente quere dizer que nós, portugueses acima de tudo, estamos ao lado de iodos aqueles que queiram salvar o País e inteiramente fora de tudo quanto seja espírito partidário ou espírito de política no sentido mesquinho desta palavra. E, no emtanto, a hora de cada um definir as suas responsabilidades perante o País.
Nestas circunstâncias, eu não posso deixar de ler algumas passagens do discurso que tive a honra de proferir quando da discussão do Orçamento, discurso que pela maioria democrática — e lembro-me até de quanto o ilustre Deputado e meu amigo pessoal, Sr. Manuel Fragoso, se contra aquilo a que chamava o meu espírito pessimista, contra o calor que eu punha nas minhas afirmações, contra os números que eu apresentava à Câmara. Vejam, porém, como o anexo do Sr. Ministro das Finanças vem confirmar tudo quanto eu disse...
O Sr. Manuel Fragoso: — No que diz respeito ao deficit, o engano foi só de metade!
O Orador: — V. Ex.ª verá como êle é muito superior a 400. 000$. O próprio Sr. Ministro das Finanças declara no seu relatório que o deficit deve exceder em muito os 400. 000$.
Ia eu dizer; Sr. Presidente, que a minoria monárquica pode intervir desassombradamente neste assunto, porque não tem qualquer espécie de responsabilidade nem sequer aquela que pesa sôbre o Partido Nacionalista pela sua cumplicidade na manutenção de govêrnos, em defesa do princípio da estabilidade ministerial, cujos resultados são o que todos estamos vendo.
Somos os únicos nesta Câmara com autoridade moral para falar. Mas não queremos neste momento ir além daquilo que indicam os interêsses nacionais iam esquecidos e calcados.
A minoria monárquica estará ao lado do Govêrno em todos os passos que dê para a realização da sua obra, no que aliás não acreditamos, tais serão às dificuldades que a maioria desta Câmara lhe há-de criar.
E ainda ontem foi apresentada uma proposta, que embora ainda não apreciada em detalhe, na generalidade, tem o mais absoluto apoio dêste lado da Câmara.
Nós vemos que, porventura, não pode ir até onde devia, a compressão das despesas, que é indispensável para á salvação nacional. E, a prova de que assim sucede, é que o Sr. Presidente do Ministério, no seu discurso em resposta aos oradores que se inscreveram no debate político, declarou:
«Com referência ao Ministério do Trabalho, V. Ex.ªs compreendem que não temos maioria nesta Câmara, e dela se encontra pendente uma proposta de eliminação».
A eliminação do Ministério do Trabalho, bem como outros casos, são a demonstração do que, por maior que seja a boa vontade de alguns homens dêste regime, é impossível resolver dentro dele o problema nacional, porquanto a crise é do regime, representado pela única fôrça partidária a que já me referi.
Sr. Presidente: quere o Govêrno levar a cabo essa obra?
Se quiser, nós aqui estamos para o apoiar em tudo quanto seja bom e possível para salvar o país.

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Mas, Sr. Presidente, seja-me lícito dizer que a demonstrarão do que há pouco citei deu-a também o Sr. Presidente do Ministério, quando se referiu à solução da questão religiosa, dizendo que não tinha maioria.
Aqui está mais uma prova evidente de que o Govêrno está impossibilitado, dentro dêste Parlamento, de fazer qualquer cousa que represente a satisfação das reclamações nacionais.
O Sr. Manuel Fragoso (em àparte): — Nem com o apoio da minoria monárquica?
O Orador: — V. Ex.ª sabe que a minoria monárquica dá, é certo, uma grande fôrça moral, mas não dá a fôrça numérica mercê dos actos praticados a quando das eleições e pelas Comissões de Verificação de Poderes.
Sr. Presidente: devo também dizer que desejo muito que o Govêrno traga à Câmara medidas que resolvam urgentemente a desastrada situação financeira em que nos encontramos e bem assim medidas que contribuam para o barateamento da vida.
Lamento não ter visto na declaração ministerial uma única palavra acêrca da questão do pão, que é bem fundamental.
É indispensável que ela seja resolvida de maneira diversa daquela por que o Sr. Joaquim Ribeiro o fez, aliás cheio das melhores intenções, mas cujas consequências estão a manifestar-se nos lucros, porventura, nunca até agora atingidos por êsse potentado que se chama moagem.
É indispensável, absolutamente indispensável, que o Govêrno nos traga medidas rápidas e imediatas a êsse respeito.
O país reclama, e não há cousa que mais escandalizo à opinião consciente do que Vermos que num país, em que o preço do trigo é marcado a 1$30, se venda pão a 4$ cada quilograma.
É necessário que o Govêrno resolva urgentemente êste assunto.
Ocupa a pasta da Agricultura o Sr. Vasconcelos e Sá, a quem me ligam as mais sinceras relações de estima.
Na sua inteligência e qualidades de trabalho eu confio para que S. Ex.ª se não demore em trazer, a esta casa do Parlamento qualquer medida neste sentido, tanto mais que êste assunto não é estranho para S. Ex.ª, que em 1921, sendo Deputado, apresentou aqui um projecto com um relatório, aliás desnecessário, mas que confirmou as suas qualidades de carácter e de inteligência.
Espero também que S. Ex.ª não deixe de trazer aqui medidas que, não representando aumento do impostos, tragam, no contanto, aumento de receitas, sem gravame para ninguém, estabelecendo um justo equilíbrio entre os interêsses de todos.
É indispensável que o Govêrno não continue a deixar que o público seja defraudado por uma lei que, tal como está, representa muitos milhares do contos de prejuízo para o Estado, refiro-me à questão do inquilinato.
É ainda necessário que o Govêrno faça uma cuidada revisão das pautas.
Tem-se seguido uma orientação absolutamente errada em matéria de pautas, procurando-se apenas atender aos interêsses do Estado.
Sou partidário da protecção, à indústria nacional; mas é necessário que ela não vá além daquele limite que, garantindo à indústria lucros regulares, faça com que a vida encareça extraordinariamente.
Pôsto isto, Sr. Presidente, e permita-me V. Ex.ª e a Câmara que eu, em pouco tempo, confronte as minhas afirmações feitas aqui a quando da discussão do Orçamento com os factos revelados no anexo à declaração ministerial.
Eu vou apreciar êste documento, mas serei breve.
Diz o anexo à declaração ministerial, e eu desejo frisar bem êste ponto, por isso que tem sido repetido nesta casa do Parlamento não só por parte da maioria, como da minoria, uma causa que realmente não corresponde à verdade dos factos.
Diz-se que a causa principal é única da situação desgraçada em que se encontra o tesouro, é a impossibilidade na cobrança das receitas do Estado.
Esta afirmação não corresponde à verdade dos factos, pois a verdade é que o Partido Democrático, durante um ano, aumentou os impostos em 400:000 contos.
Não há, Sr. Presidente, razão alguma

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para se fazer tal afirmação, pois a verdade é que a taxa anual tem sido calculada pontualmente, não se tendo cobrado apenas o imposto complementar.
Assim, nós vemos que dos 400:000 contos apenas 66:000 contos é que não estão cobrados.
A razão, pois, apresentada, como a Câmara vê, não pode de maneira nenhuma ser aceitável, nem justificar de modo nenhum a situação desgraçada em que se encontra o Tesouro Público.
Quis frisar bem êste ponto, para que se não diga que a situação desgraçada em que se encontra o Tesouro Público é devido única e simplesmente à impossibilidade que tem havido na cobrança das receitas do Estado, o que não corresponde à verdade dos factos.
E já que estou falando em impostos, eu devo dizer que deve haver todo o cuidado no aumento que se pretende fazer dos impostos, para melhorar a situação do país, pois a verdade é que o excessivo aumento de impostos pode dar lugar ao encarecimento da vida.
Falou-se em que o Partido Democrático tinha um plano sôbre o assunto a apresentar ao Parlamento.
O Sr. José Domingues dos Santos: — Ao que parece, V. Ex.ª está engasgado com o Partido Democrático.
O Orador: — V. Ex.ª é que vai ver quem é que está engasgado.
Quando foram apresentadas a esta Câmara as propostas de finanças verificou-se nitidamente a falta de cuidado com que elas foram elaboradas.
Sr. Presidente: no dia 26 de Setembro foram apresentadas a esta Câmara pelo Ministro das Finanças de então umas propostas de finanças. Elas foram aqui lidas e distribuídas aos Deputados, e constava o que vou ler das suas bases.
O Sr. Velhinho Correia: — Foi um êrro de imprensa.
O Orador: — V. Ex.ªs vão ver o que foi êsse êrro de imprensa.
Nesse dia, apresentadas essas propostas, com os coeficientes que referi, o Sr. Ministro das Finanças de então, talvez por um êrro de imprensa, proferiu daquele lugar um discurso em que defendia êstes coeficientes, achando-os bons. Levantei-me para protestar contra essa monstruosidade, sem resultado obter; mas depois verifiquei, quando apareceu distribuída na Câmara a proposta, depois de ter ido à comissão de finanças, que o Sr. Ministro, como aqueles rapazes que nos exames trocam o ponto quando têm o seu errado, tinha modificado a sua proposta. Vê V. Ex.ª Sr. Presidente, e a Câmara, e o Sr. José Domingues dos Santos, qual a diferença que êstes novos coeficientes representam. Ouça a Câmara, e S. Ex.ª ouça, para ver quem é que fica engasgado.
Pela proposta apresentada à Câmara, o Ministro das Finanças elevou o rendimento colectável da propriedade rústica em Portugal a 680:341 contos. Pela modificação que lhe fez depois, em face dos ataques que aqui lhe fiz, e sem dizer nada a ninguém, o Sr. Ministro das Finanças deminuiu num instante êsse rendimento para quási metade.
Aqui está a consciência com que se apresentam propostas desta natureza!
E se nós pensarmos que o valor da propriedade é 20 vezes o do rendimento colectável, temos de constatar que de um momento para outro o Sr. Ministro das Finanças, sem relutância, reduziu o valor da propriedade em Portugal em 4 milhões de contos. E ainda há o arrojo de vir a esta casa defender monstruosidades desta ordem, além de ainda se lançar sôbre isso uma série enorme de adicionais e de taxas de repartição!
Que consciência é a que presidiu a um trabalho dêstes? Que autoridade tem para dizer que é necessário ajudá-lo a salvar a situação financeira um partido que assim procede?
O Partido Democrático demonstrou a sua incompetência governativa, mais uma vez, quando apresentou tais propostas, e mudando de um momento para outro, por esta forma, a sua maneira de pensar.
Apoiados.
Veja a Câmara quam desapaixonadamente exercemos a nossa política, qual o amor que temos pelos interêsses do país, que é hoje a minoria nacionalista que concorda com as minhas opiniões, essa minoria nacionalista que já hoje não está ao lado da maioria democrática, e oxalá

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que nessa situação se conserve, não voltando a ter acôrdos de qualquer ordem com o Partido Democrático.
Quando se discutiu o Orçamento declarei aqui que êle não correspondia à verdade, e assim era.
Dizia eu que o imposto sôbre o valor das transacções deveria, render menos 80:000 contos do que aquilo que se calculava no Orçamento.
Por isso se revoltou então contra mim o ilustre Deputado Sr. Vitorino Guimarães, que estava nessa data ocupando a cadeira de Ministro das Finanças, declarando que eu não tinha razão no que afirmava.
Examinando agora o relatório que veio anexo à declaração ministerial do actual Govêrno, vejo que se diz que devem ser reduzidos de 78:800 contos os cálculos do produto do imposto sôbre valor de transacções. Enganei-me em 1:200 contos.
Disse eu também que estava errado o cálculo para diferenças de câmbio.
Pois pela declaração ministerial se vê que desta vez nem sequer em um centavo me enganei.
O mesmo aconteceu com respeito aos direitos de importação, como se demonstra pela leitura da mesma declaração ministerial.
Mais uma vez eu me enganei, repito. Disse exclusivamente a verdade ao país, porque nesta altura em que eu discutia o Orçamento ainda não se tinha realizado o empréstimo, e eu afirmei que havia uma diferença de 18:000 contos. Pois, meus senhores, vou ao anexo da declaração ministerial e lá encontro 18:000 contos!
O país dirá quem é que tinha razão; se nós, que dissemos a verdade, se aqueles que nos contestaram.
É assim que nós temos a autoridade necessária para condenar os processos de administração republicana.
É caso para se dizer que nós não temos os mesmos processos dos Deputados republicanos quando dos tempos saüdosos da propaganda.
Vejo no anexo à declaração ministerial que o deficit é superior a 400:000 contos, havendo ainda a acrescentar a esta cifra os créditos extraordinários que terão de só votar em virtude da insuficiência das verbas orçamentais.
Sr. Presidente: aqui tem V. Ex.ª e aqui tem a Câmara a demonstração de quanta imparcialidade nós pomos na discussão dos assuntes que aqui abordamos.
Feita esta demonstração, eu passo a apreciar a proposta do Sr. Ministro das Finanças com relação ao aumento da circulação fiduciária.
Sr. Presidente: é bem triste termos de apreciar uma proposta de alargamento de circulação fiduciária cujas consequências são, como V. Ex.ª sabe, o imediato encarecimento da vida, trazendo, portanto, consequências verdadeiramente desastrosas para a vida do País.
Não há imposto mais pesado do que êsse do alargamento da circulação fiduciária, mas não somos injustos, não somos apaixonados e assim reconhecemos de facto que o Sr. Ministro das Finanças e o Govêrno se encontram numa situação verdadeiramente excepcional, numa situação em que até o bom nome do País está em jôgo.
Declarou ontem o Sr. Ministro das Finanças que nem dinheiro lhe deixaram para pagar o coupão da dívida externa, que precisa só para isso de 450:000 libras, que tem dívidas a pagar a diversos serviços, acrescendo ainda que as dívidas deixadas pelo Govêrno democrático são de 85:000 contos, isto apesar de, como se diz na declaração ministerial, não haver um centavo nos cofres públicos.
De alguma maneira tem o Sr. Ministro das Finanças ou o Govêrno de sair desta situação, a menos que não possam pagar nem ao funcionalismo público nem o coupão da dívida externa.
Dizia o Sr. Ministro das Finanças, o que, aliás, para nós não foi novidade: «Não tenho quem me empreste cá dentro, não tenho autoridade para pedir lá fora, não tenho maneira de arranjar dinheiro e preciso fazer pagamentos».
Evidentemente S. Ex.ª tem de lançar mão do qualquer cousa.
Nós que somos absolutamente contrários a esta orientação criminosa que se tem seguido do alargamento da circulação fiduciária, nós que somos adversários intransigentes do regime, que não temos a mais leve sombra de responsabilidade na administração da República, nós que nos temos oposto à má conduta dos Govêrnos até sem pensar na conveniência da estabilidade ministerial, nós que assim

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procedemos não vimos fazer certas declamações que aqui ternos ouvido contra o Govêrno por êle vir apresentar esta proposta.
O Govêrno precisa de dinheiro, evidentemente que não o possuindo e tendo pagamentos a fazer, de alguma cousa há-de fatalmente lançar mão.
Não nos revoltamos, portanto, contra o facto de o Govêrno nos vir dizer que precisa de dinheiro. O que naturalmente nos revoltaria, depois duma tal declaração, seria, que o Govêrno não tomasse prontamente aquelas medidas capazes de fazer sair o País da péssima situação em que se encontra, tanto sob o ponto de vista financeiro como económico, e entre as quais, é conveniente salientar, pelo carácter grave que o caso reveste, a que diz respeito à carestia da vida.
Sr. Presidente: vejo no anexo à declaração ministerial que o resultado do empréstimo foi o de fazer-se uma conversão da dívida fluctuante interna. Assim constata o Govêrno nesse anexo que só no primeiro quadriénio do actual ano económico se verifica um saldo negativo, relativamente a bilhetes do Tesouro de 39. 000$. Quere isto dizer que se nos três restantes quadriénios se verificar o mesmo fenómeno, a dívida fluctuante deve ter sido reduzida a 100 ou 120. 000$ de bilhetes do Tesouro.
Quere isto ainda dizer que o Estado cobrou do empréstimo — se o cobrou inteiramente — 180:000$, mas como tem de pagar aos portadores da dívida fluctuante 120:000$, vem apenas a receber 80:000$. Ora por êsses 80:000$ paga o Estado 30:000$ de juro!
Já ontem o Sr. Vitorino Guimarães aqui disse que tudo isto era consequência do aumento da taxa de desconto. Mas não nos fartamos nós de dizer então que uma das consequências do empréstimo seria o aumento da taxa de desconto?
Pregunto, se há alguma cousa mais curiosa na administração de um país, e que mais toque pela lama o seu crédito.
O Sr. Presidente: — Devo dizer a V. Ex.ª que chegou a hora de se encerrar a sessão.
Se V. Ex.ª quere concluir o seu discurso, dispõe ainda de 2 minutos.
O Orador: — V. Ex.ª informa-me se há mais alguém inscrito?
O Sr. Presidente: — Sim, senhor.
O Orador: — Então peço a V. Ex.ª para me reservar a palavra para amanhã.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa uma nota que indicava a substituição de vários membros da comissão de finanças.
É a seguinte:
Em substituição dos vogais da comissão de finanças, Srs. Vicente Ferreira, Cunha Leal e Viriato da Fonseca, o grupo parlamentar nacionalista indica os Srs. Constâncio de Oliveira, Jorge Nunes e Ferreira de Mira. — Ferreira da Rocha.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: é apenas para pedir ao Sr. Ministro da Instrução, a quem presto as minhas homenagens, visto que é a primeira vez que me dirijo a S. Ex.ª, a fineza de me informar das razões que determinaram uma ordem de S. Ex.ª mandando suspender uma sindicância que estava correndo contra um professor do concelho de Elvas.
E uma das primeiras medidas da pasta da Instrução, e, porventura, ao grande público podia parecer que S. Ex.ª foi forçado a tomar essa medida porque a instauração da sindicância significava uma mesquinha perseguição ou uma revoltante injustiça.
Como se trata de um acto meu, preciso que S. Ex.ª, se isto não o incomodar, me preste os esclarecimentos necessários.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Melo e Simas): — É a primeira vez que tenho a honra de falar nesta sala, e nestas, condições cabe-me o dever de prestar homenagem ao Sr. Presidente da Câmara, e, na pessoa de S. Ex.ª, a toda a Câmara. Em resposta ao Sr. João Camoesas, devo dizer que, tendo percorrido vários processos, neles encontrei a prova da mais absoluta imparcialidade da parte de S. Ex.ª; e creio que isto é o mais que

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posso dizer, visto que o meu fim, na gerência desta pasta, é ùnicamente aplicar inteira justiça.
Relativamente ao assunto por S. Ex.ª versado, devo dizer o seguinte:
Fui informado que estava correndo uma sindicância em Elvas, em que o participante era ao mesmo tempo o sindicante.
Como achei o caso extraordinário — mas depois explicaram-me que era o sindicante o participante, por motivo de ser o inspector escolar — mandei sustar a sindicância até procedimento ulterior, e pedir o processo para ver. Se por caso esta informação não fôr verdadeira, correrá o processo pelo mesmo sindicante, que a acabará.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: agradeço ao Sr. Ministro da Instrução as palavras que proferiu acêrca do meu comportamento, quando geri a pasta da Instrução, e as informações que me deu.
Trata-se de uma acusação feita pela própria população da localidade ao professor, que é um alcoólico confesso.
Embora se trate de uma freguesia de onde sou natural, e de um professor que conheço pessoalmente, a acusação era de tamanha gravidade que expedi ordem para lhe ser instaurado um processo de sindicância.
É o que se costuma fazer, e o que o Regulamento preceitua a tal respeito.
Já vê, portanto, a Câmara que não houve nenhuma má vontade da minha parte procedendo como procedi, antes pelo contrário, pois a verdade é que o que eu pretendia era ser-lhe agradável.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 35 minutos.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.

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