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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 7
EM 11 DE DEZEMBRO DE 1923
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Angelo de Si Couto da Cunha Sampaio e Maia
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 48 Srs. Deputados.
Lê-se a acta, que adiante é aprovada com número regimental.
Dá-se conta do expediente e é admitido um projecto de lei, já publicado no «Diário do Govêrno».
Antes da ordem do dia. — O Sr. Tôrres Garcia requere e é aprovado, que a emenda do Senado ao parecer n.º 112 seja discutida.
Entra em discussão e é aprovada sem a ter.
O Sr. Agatão Lança, para interrogar a Mesa, deseja saber se o Govêrno vem à Câmara dar conta dos acontecimentos revolucionários da véspera.
Responde-lhe o Sr. Presidente.
Desistem de usar da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Tavares de Carvalho: o primeiro por não estar representado o Govêrno; o segundo por desejar usá-la na presença do Sr. Ministro da Agricultura (Vasconcelos e Sá).
Segue-se o Sr. Nuno Simões, manifestando-se sôbre a ausência do Govêrno.
É aprovado com uma emenda do Sr. Pires Monteiro, o parecer n.º 100, que reintegra no lugar de comissário da policia de emigração a Adolfo Alves de Brito.
Entra na sala o Sr. Ministro da Guerra (General Carmona), que justifica a ausência do Govêrno, e comunica que toda a força pública acudiu a dominar a manifestação revolucionária
Usam da palavra o Srs. Nuno Simões e Agatão Lança, desistindo de usar dela os Sra. Álvaro de Castro e António Maria da Silva.
Ordem do dia — É aprovado um requerimento do Sr. António Maia sôbre a ordem na discussão dos projectos.
É aprovado com emendas o parecer n.º 613, caminho de ferro do Carregado a Peniche.
Entra em discussão o parecer n.º 559, que considera preferência noa concursos a apresentação do diploma de habilitação ao magistério primário superior.
Usam da palavra aã Srs. João Camoesas e Tavares Ferreira.
O parecer é retirado da discussão, a requerimento do Sr. Alberto Jordão, por não estar presente o respectivo Ministro.
Continua a discutir se o parecer n.º 98, que obriga a tirocínio os oficiais com diplomas pelas escolas estrangeiras.
Usam da palavra os Srs. António Fonseca, Pires Monteiro e João Camoesas.
O debate fica pendente.
O Sr. Marques de Azevedo comunica a constituição da comissão de redacção.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão. — Uma proposta de substituição.
Abertura da sessão, às 15 horas e 33 minutos.
Presentes à chamada, 48 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 46 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
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Diário da Câmara dos Deputados
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Hermano José de Medeiros.
João José da Conceição Camoesas.
João do Ornelas da Silva.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro do Carvalho.
José Carvalho dos Santos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Tomé José de Sarros Queiroz
Vergílio Saque.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Xavier.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
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Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Jorge Barros Capinha.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Viriato Gomes da Fonseca.
Pelas 15 horas e 30 minutos com a presença de 48 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Foi lida a acta e deu-se conta do seguinte
Expediente
Representação
Dos habitantes da freguesia de Sant'Ana da Serra, concelho de Ourique, protestando contra a sua inclusão no projecto de lei apresentado pelo Sr. Alberto Jordão e outros.
Para as comissões de legislação civil e criminal, conjuntamente.
Ofício
Do Juízo da 1.ª Vara de Lisboa, pedindo autorização para o Sr. Adolfo Coutinho depor num processo.
Negado.
Telegramas
Da Câmara Municipal de Fozcoa, Pesqueira e Sindicato Agrícola de Barqueiros, protestando contra a proposta de lei dos novos impostos sôbre produção de vinhos.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial de Barcelos e da Câmara Municipal de Barcelos, protestando contra a projectada extinção das escolas primárias superiores.
Para a Secretaria.
Da Fraternal dos Inquilinos, do Pôrto, pedindo a aprovação da lei sôbre o inquilinato.
Para a Secretaria.
Do Pessoal Superior do caminho de ferro do Minho e Douro, pedindo a discussão do projecto do Sr. Plínio Silva.
Para a Secretaria.
Dos Sargentos de Mafra, pedindo urgência para o parecer sôbre o projecto do Sr. Ribeiro de Carvalho.
Para a Secretaria.
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Diário da Câmara dos Deputados
Da Comissão Municipal de Ancião; protestando contra actos da autoridade administrativa.
Para a Secretaria.
Admissão
É admitido um projecto de lei, já publicado no «Diário do Govêrno».
Do Sr. Pires Monteiro, concedendo às viúvas e órfãos do oficiais, em designadas condições, a pensão de 3$ mensais.
Para a comissão de guerra.
Antes da ordem do dia
O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: na sessão passada foi aprovado o parecer n.º 112.
Ao estabelecimento a que êle se refere, organizado desde 1911 com todos os funcionários, foi dado o colégio das Ursulinas, mas até agora não foi possível utilizá-lo por motivo da guerra, visto estar transformado em hospital militar.
O parecer n.º 112 foi aprovado, e o Senado introduziu-lhe emendas como a cedência do presbitério de Santo António para assim se instalar o edifício e pôr a trabalhar os seus funcionários, o que muito concorrerá para a moralização de Coimbra.
Ora para se ultimar êste assunto é que eu peço para se discutir o parecer n.º 112.
Eu alonguei-me em considerações para esclarecer bem a Câmara sôbre o assunto que é de interêsse restrito.
Repito o meu requerimento: requeiro que sejam postas em discussão as emendas do Senado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovado o requerimento.
Leu-se e foi aprovada a seguinte emenda do Senado:
Autorizando o Ministério das Finanças a ceder ao da Justiça o presbitério do Santo António dos Olivais, em Coimbra, para Tutoria de Infância.
Aprovada a redacção do Senado, Para o Presidência da República.
O Sr. Agatão Lança: — É preceito constitucional que os Govêrnos venham à Câmara dar conta de casos de alteração de ordem, como o que se deu a noite passada. Num direito que me assiste como Deputado, eu desejo ouvir o Govêrno e pedir a V. Ex.ª se me podia informar se êle vem hoje à Câmara.
O Sr. Presidente:. — Sou informado, que algum dos membros do Govêrno virá a esta Câmara dar explicações.
S. Ex.ª não reviu.
O Orador: — Não me satisfez a resposta de V. Ex.ª: pois quem de direito tem do vir a esta Câmara é o Sr. Presidente do Ministério, e mais os Srs. Ministros da Marinha ou da Guerra, pois são as entidades a quem diz respeito a manutenção da ordem.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Consta-me que o Sr. Ministro da Guerra se encontra no Senado.
S. Ex.ª não reviu.
Desistem de usar da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Tavares de Carvalho: o primeiro por não estar representado o Govêrno; o segundo por desejar usá-la na presença do Sr. Vasconcelos e Sá;. Ministro da Agricultura.
O Sr. Nuno Simões: — Em face da informação de V. Ex.ª e para satisfazer a. natural curiosidade do Sr. Agatão Lançar V. Ex.ª poderia envidar os seus esforços no sentido de o Sr. Ministro da Guerra vir a esta Câmara informar o que há sôbre a ordem pública.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vou mandar prevenir o Sr. Ministro da Guerra das considerações de V. Ex.ª
S. Ex.ª não reviu.
Entra em discussão o parecer n.º 100, que reintegrou no lugar de comissário de policia de emigração clandestina o cidadão Adolfo Alves de Brito.
É aprovada com dispensa de leitura da última redacção e com a seguinte
Proposta de substituição ao artigo 1.º
É reintegrado no lugar de comissário de polícia de emigração do Funchal e ci-
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dadão Adolfo Alves de Brito, que ficará na situação de inspector de zona, adido ao quadro do comissariado geral dos serviços de emigração, por não ter vaga no Funchal, e com direito de preferência a qualquer vaga que requeira, dentro da sua categoria.
Sala das Sessões, 11 de Dezembro de 1923. — O Deputado, Pires Monteiro.
Aprovada.
Para a comissão de redacção.
O Sr. Ministro da Guerra (António Oscar Carmona): — Sr. Presidente: não ouvi as considerações que produziram os Srs. Agatão Lança e Nuno Simões, mas vou responder a S. Ex.ªs em conformidade com o que o Sr. Presidente acaba de me transmitir. Se, porventura, a minha resposta não satisfizer, S. Ex.ªs terão a bondade de indicar os pontos em que eu áião correspondi ao que desejavam.
O Sr. Agatao Lança estranhou que o Govêrno não tivesse até agora comparecido nesta sala do Parlamento. Devo dizer que assuntos do ordem pública exigiram que o Govêrno estivesse reünido. Agora mesmo vim a correr ao Senado, no intuito de me demorar pouco tempo, pois tenho de comparecer em nova reunião do Govêrno e, se não fôsse avisado de que êsses ilustres Deputados desejavam a minha presença, já me teria retirado para essa reunião do Govêrno.
Como V. Ex.ª vê, parece-me que está plenamente justificada a falta do Govêrno, porquanto assuntos que se prendem com a ordem pública exigem a presença do Govêrno para dêles tratar.
Sei que alguns membros do Govêrno tencionam vir a esta casa para cumprirem o seu dever.
Arou satisfazer a curiosidade dos ilustres Deputados, Srs. Agatão Lança e Nuno Simões.
Como toda a gente sabe, deu-se ontem em Lisboa a tentativa de um movimento revolucionário que, a meu ver, teria uma larga envergadura, se, porventura, não fossem tomadas pelo Govêrno providências imediatas, completas, que deram em resultado, parece-mo, ter terminado ràpidamente essa sedição.
Aproveito a ocasião, como chefe do exército, para acentuar que a tentativa do movimento me deu uma grande satisfação, porquanto mostrou que em toda a parte, oficiais, sargentos e soldados, todos os militares estavam prontos a correr à primeira voz, para manterem a ordem pública, demonstrando assim que o País pode contar com o exército para manter a ordem.
Muitos apoiados.
Quere dizer, todos os militares, do uma maneira geral, procuraram cumprir com o seu dever.
Portanto o País pode contar com o exército.
Apoiados.
Não posso deixar de transmitir isto à Câmara, o que me encho de satisfação.
Muitos apoiados.
Como acentuei, não ouvi o que S. Ex.ªs desejavam saber.
Se, porventura, é pouco o que disse, pedia aos Srs. Deputados Agatão Lança e Nuno Simões a fineza de o indicarem.
O Sr. Nuno Simões: — Não pedi a presença do Sr. Ministro da Guerra nem do Govêrno nesta sala.
Foi o Sr. Agatao Lança quem, justificadamente, emocionado pelos acontecimentos desta noite, reivindicou para si, como parlamentar, o direito de exigir que o Govêrno, no cumprimento de um dever, viesse a esta Câmara dizer aquilo que se oferecia sôbre êsses acontecimentos.
Foi S. Ex.ª que pediu ao Sr. Presidente para transmitir os seus desejos, havendo S. Ex.ª declarado que o Sr. Ministro da Guerra se encontrava no Senado.
Nestas circunstâncias, o ilustre Deputado, Sr. Agatão Lança, solicitou a presença do Sr. Ministro da Guerra para S. Ex.ª vir aqui dizer o que entendesse sôbre o movimento debelado; aquilo, em suma, que entendesse dever dizer
O Sr. Ministro da Guerra disse que assuntos de ordem pública impediam o Govêrno de vir aqui.
Disse-o bem claramente.
Acredito sinceramente que o Govêrno, no cumprimento do seu dever, só preocupa neste momento com a ordem pública no País.
Acredito, e nada mais tenho a preguntar ao Sr. Ministro da Guerra.
Disse S. Ex.ª que assuntos de ordem pública impediam o Govêrno de vir aqui.
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Conclui-se, pois, das palavras de S. Ex.ª que o movimento que ontem alarmou a população de Lisboa, e que, segundo os jornais, todos supunham debelado, ainda prossegue, não está inteiramente debelado.
O Sr. Ministro da Guerra, falando claro à Câmara e ao País, entendeu do seu dever declarar que o Govêrno não podia vir, porquanto se encontrava preocupado com a ordem pública.
Por mim declaro que estou inteiramente satisfeito com as palavras do Sr. Ministro da Guerra.
Muitos apoiados.
O Parlamento tem o direito de saber tudo que se passa, nos mínimos pormenores, nas suas extremas minuciosidades.
É necessário que efectivamente as notícias sejam completas, esclarecendo inteiramente o País; porém o Govêrno, como fiel mantenedor da ordem pública, é que pode falar na hora que julgar oportuno e necessário.
Apoiados da direita.
Por agora não temos senão que aceitar as declarações do Sr. Ministro da Guerra, esperando a hora oportuna — e S. Ex.ª é o primeiro a acentuar que virá dizer tudo que souber — em que o Govêrno possa vir ao Parlamento dar todos os. pormenores dêsse movimento revolucionário.
Apoiados.
Então o Govêrno, virá dizer se neste incruenta é lícito a alguém, a quem quer que seja, fazer movimentos que perturbem a ordem pública.
Muitos apoiados da direita.
Não vai o momento para perturbações de qualquer ordem.
Estamos numa situação económica e financeira que não admite hesitações no regulamento de todos os movimentos de desordem.
Todavia governar não- é reprimir; e prevenir e evitar.
Apoiados da esquerda.
O Sr. Ministro da Guerra acaba de declarar à Câmara — e o País o há-de ouvir -que, neste momento, o Govêrno não pode ainda dar explicações completas ao Parlamento.
Esta afirmação terminante de S. Ex.ª diz-me tudo quanto, por agora, desejava saber.
Apoiados da direita.
Mas diz-me, também, que a ordem, pública não está inteiramente assegurada.
Para que. ela o seja, de facto, tem o Govêrno o meu voto.
Muitos apoiados.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Guerra (General. Carmona): — Antes de mais nada, devo dizer que o Govêrno não comunicou à Câmara que não compareceria à sessão, mas sim que compareceria quando isso lhe fôsse possível.
Quanto à possibilidade do Govêrno ter evitado a eclosão do movimento, quere-me parecer que ela não existia. Como podia, o Govêrno adivinhar o carácter do movimento, os seus planos e os seus fins, para o ter evitado?
O Sr. Nuno Simões: — É para isso que? existe a polícia.
O Orador: — Mas S. Ex.ª sabe muito bem que as informações fornecidas pela polícia ao Govêrno são por vezes tam contraditórias que tornam impossível fixar uma orientação.
O Govêrno, conhecedor de que se preparava um movimento de carácter revolucionário, fez apenas o que podia fazer:; tomou aquelas medidas que julgou necessárias e eficazes para garantir a ordem pública, e a prova de que acertadamente andou, está na rapidez com que foi jugulada a sedição de ontem.
Apoiados.
Tenho dito.
O Sr: Agatão Lança: — Sr. Presidente: há pouco eu limitei-me a preguntar a V. Ex.ª se na Mesa existia alguma comunicação sôbre a vinda do Govêrno a esta casa do Parlamento. E disse ainda que o Govêrno tinha o imprescindível dever de o fazer, a fim de nos dar e ao País claras e detalhadas explicações sôbre os acontecimentos da noite de ontem.
Desde, porém, que o Sr. Ministro declarou à Câmara que o Govêrno, por motivos graves de ordem pública, não podia comparecer, eu, que tenho sido em todas
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as situações um infatigável defensor dessa ordem pública, nada mais tenho a fazer do que reservar para melhor oportunidade as preguntas que desejava dirigir ao Sr. Presidente do Ministério.
Em todo o caso, eu permito-me lembrar ao Govêrno a conveniência de não praticar actos que nos levem a nós republicanos a retirar a confiança que nele depositamos.
É necessário que o Govêrno mantenha a ordem com toda a energia, mas é preciso também que não haja desigualdades de tratamento, nem, porventura, informações mal colhidas que possam levar o Govêrno a praticar actos que possam ser nefastos para a República e para a ordem pública.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (General Carmona): — Sr. Presidente: desejo proferir uma frase muito simples, que estou certo satisfará toda a Câmara.
O Govêrno tem a fôrça toda para garantir a ordem, seja em que circunstâncias fôr.
E se V. Ex.ªs me dão licença, eu retiro-me porque tenho muito que fazer.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção dos Srs. Deputados.
Pediram a palavra os Srs. Álvaro de Castro e António Maria da Silva. Eu suponho interpretar o sentimento da Câmara, dando a[palavra a S. Ex.ªs, embora não tenha sido aberta inscrição especial.
Tem a palavra o Sr. Álvaro de Castro.
O Sr. Álvaro de Castro: — Desisto da palavra.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. António Maria da Silva.
O Sr. António Maria da Silva: — Desisto da palavra.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.
Foi aprovada a acta.
O Sr. Presidente: — Encontrando-se na Mesa um ofício dó juiz de direito da 2.ª vara, servindo na primeira, para que o Sr. Adolfo Coutinho vá depor como testemunha num processo, vou consultar a Câmara sôbre se autoriza.
Consultada a Câmara, foi recusado,
ORDEM DO DIA
O Sr. António Maia (para um requerimento): — Como todos os projectos que estão marcados pára ordem do dia não podem ser discutidos sem a presença dos Srs. Ministros, requeiro a V. Ex.ª para que na sessão de hoje passem para a ordem do dia todos os projectos que se encontram marcados para antes da ordem.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Continua a discussão do parecer n.º 513, que autoriza designadas câmaras municipais com respeito à construção e exploração dum caminho de ferro do Carregado a Peniche.
Foi lido.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (para um requerimento): — Requeiro a V. Ex.ª se digne consultar a Câmara sôbre se permite que seja incluído na ordem do dia, sem prejuízo dos projectos já inscritos, o parecer n.º 205, que se refere à validade de anteriores concursos para aspirantes de finanças.
O Sr. Presidente: — Não tenho ainda na Mesa o parecer n.º 205, mas mandei buscá-lo à Secretaria, e logo que chegue submeterei à apreciação da Câmara o requerimento de V. Ex.ª
Ao artigo 1.º dêste projecto foram apresentadas duas emendas: uma do Sr. Maldonado de Freitas e outra do Sr. Dinis de Carvalho.
A primeira está prejudicada pela emenda do Sr. Jorge Nunes, e a segunda está prejudicada na segunda parte.
Nestas condições, vou pôr à votação a primeira parte.
Foi aprovada a primeira parte da emenda, bem como o artigo 1.º, salva a emenda.
O Sr. Jorge Nunes (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: quando tive a honra de mandar para a Mesa a minha proposta sôbre o artigo 1.º, confundi o artigo 1.º do projecto com o do parecer.
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Nestas condições, salva a redacção, a minha proposta tem cabimento no artigo 1.º do parecer, e não no artigo 1.º do projecto.
O Sr. Presidente: — A proposta de V. Ex.ª foi aprovada, salva a redacção.
Foi lida na Mesa a base I.
O Sr. Dinis de Carvalho: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de alteração.
Foi lida, admitida e seguidamente aprovada, bem como a base I, salva a emenda.
Foram aprovadas as bases II e III e procedeu-se à leitura da base IV.
O Sr. Dinis de Carvalho: — Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta do eliminação da base IV; visto a redacção que foi dada à base I.
Foi lida, admitida e seguidamente aprovada a proposta de eliminação.
Foram lidas e aprovadas as bases V e VI, entrando seguidamente em discussão o artigo 2.º
O Sr. Dinis de Carvalho: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um parágrafo de aditamento a êste artigo.
Foi aprovado o artigo 2.º bem como o parágrafo da autoria do Sr. Dinis de Carvalho.
Foi lido e aprovado o artigo 3.º, e seguidamente o requerimento que havia sido formulado pelo Sr. Carlos de Vasconcelos.
Documentação
Proponho que na base 1.ª se intercalem entre as palavras «Peniche» e «submeterá» as palavras «e Vila Franca de Xira». Dinis de Carvalho.
Aprovada.
Para a comissão de redacção.
Proponho que ao artigo 2.º se adicione o seguinte parágrafo:
§ único. Se se verificar que as receitas são insuficientes para os encargos da exploração, o Govêrno autorizará a estabelecer tarifas especiais. — Dinis de Carvalho.
Aprovado.
Para a comissão de redacção.
Proponho a eliminação da Base IV. — Dinis de Carvalho.
Aprovado.
Para a comissão de redacção. As outras propostas já foram publicadas.
O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão o parecer n.º 590, que considera preferência nos concursos a apresentação do diploma de habilitação ao Magistério Primário Superior.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: o projecto em discussão estipula no artigo 1.º que os professores que tenham habilitação para o Magistério Primário Superior, desde que a produzam em concurso, têm para o ensino primário geral absoluta preferência.
Sr. Presidente: numa situação normal, afigura-se-me inteiramente de desaceitar a doutrina dêste projecto.
Em boa técnica, um professor habilitado para o ensino primário superior não tem uma orientação profissional adequada ao ensino primário geral.
Não estamos já num período da evolução escolar; estamos, pelo contrário, no período em «que se estabeleceram normas correspondente s a validados efectivas. Isto é, há sistemas psicológicos inteiramente diferentes, orientação profissional inteiramente diferente e especializada.
A pouco é pouco, em matéria de educação nacional, tem-se produzido um certo número de esfôrços, que, nem por serem sem conexão dum plano geral, deixaram de produzir, em certo ponto, alguns benéficos resultados. Precisamente a obra do regime republicano em matéria de educação nacional não tem resultado de todo improfícua, porque, como consequência dos esfôrços realizados, se pode obter em todos. os graus de ensino, pelo menos, uma maneira de produzir, adentro do ponto de vista profissional, a aplicação do processo pedagógico mais adiantado, realizando um trabalho em harmonia com as necessidades nacionais, e exigência de um perfeito adestramento do País, como valorização das qualidades do povo português.
Essa obra, embora desconexa, tem produzido efeitos.
Essa obra é contrariada por êste projecto; por consequência irá reverter em
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pura perda de todos os esfôrços empregados.
Seja qual fôr a decisão que a Câmara vier a tomar, ou o Congresso da República, em face desta proposta redigida sôbre o joelho, tenho a certeza que a Câmara não conseguirá eliminar do quadro do ensino português um factor médio, que embora não tenha a característica de certa parte do ensino médio, no emtanto realiza outra característica que o impõe como uma necessidade nacional.
Por consequência, êste projecto, apresentado no bom desejo de criar uma característica oficial nos professores diplomados com o curso do Magistério Primário Superior, não é de aceitar.
Precisamos de continuar a defender a especialização de preparação profissional, em ordem às realidades concretas.
Havemos de trabalhar todos na tentativa, repassados de uma sentimentalidade, para com justiça imo darmos maior prejuízo para o professorado no País.
Sou absolutamente contrário à aprovação dêste projecto, porque entendo que esta Câmara não devo mesmo considerá-lo, dando-lho o sou roto negativo ou favorável.
Estou absolutamente convencido que não haverá aqui dentro nenhuma pessoa capaz de dar o seu voto aprovativo a êste projecto.
É possível que alguns Srs. Deputados partam do princípio do que êste projecto beneficiaria o magistério.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Já havia alguém habilitado para êsse ensino?
O Orador: — Já antes mesmo da reforma sôbre ensino primário do Govêrno Provisório se haviam instituído nas respectivas escolas normais os cursos correspondentes.
Eu sou daqueles que acreditam que é possível considerar, com maior economia do que a que pode produzir a eliminação pura e simples do ensino primário superior, uma concentração do ensino médio que anda disperso, em especializações que a actividade profissional do País não comporta, e que não têm nem os elementos de população nem os elementos de acção inteiramente indispensáveis para as tor liarem válidos e úteis.
Sou dos que acreditam que o Parlamento há-de considerar êste aspecto do problema um pouco menos superficialmente de que o estudam certos reformadores, mais preocupados com o efeito sentimental em relação a certos factores da opinião pública do que com os autênticos interêsses da Nação.
Quando êsse assunto fôr aqui estudado e debatido, será possível uma consideração atenta e reflectida de toda a experiência anterior que permita preparar uma concentração de recursos pedagógicos, que a êste País com poucos interêsses financeiros, é aconselhada, e poderemos então salvar dos sacrifícios feitos pelo País as experiências, embora pouco avisadas e mal aventuradas, tirando a parte capaz que tenha dado resultados, aproveitando o que houver de bom nas escolas primárias superiores, nas escolas industriais, nas escolas comerciais e nas escolas agrícolas, havendo um certo número de escolas que constitui o núcleo que ilumine a acção nacional neste campo o permita, numa hora mais ou menos remota, um bom aproveitamento dos recursos despendidos pela Nação.
Nesta ordem de ideas, afigura-se-me que ainda não é de considerar o projecto, porque precisamos de manter intacta a doutrinada especialização profissional, que tem de informar qualquer plano de educação nacional de acôrdo com os princípios scientíficos e com as necessidades da Nação.
Portanto aqueles Deputados que ainda vacilara com a idea do que é necessária a instrução primária superior não têm razão para isso.
Lamento que neste País se continue em matéria tam delicada, como é a da educação nacional, tam delicada, e tam complexa que pode dizer-se que a sua organização é o verdadeiro fundamento da organização do Estado e da valorização de todas as energias nacionais-PU lamento, dizia, que em matéria tam complexa, delicada e importante só continue a legislar de ânimo leve, arbitrariamente, sem nenhuma consideração com as realidades, até mesmo com as próprias realidades financeiras.
Falo com esta clareza e com esta precisão, porque tive ocasião de estudar em todos os seus detalhes o problema da or-
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ganização educativa do Pais, e convenci-me de que é inteiramente necessário que o problema seja encarado em todas as modalidades que êle comporta e que não mais esfôrços isolados, que são sempre pouco ruidosos, quando não prejudiciais, venham a produzir-se neste campo.
Tive a honra de trazer a esta casa do Parlamento um plano geral de educação nacional, evidentemente discutível e contraditável, mas que nos seus delineamentos gerais tem pelo menos esta virtude: a de apresentar o problema segundo uma fórmula resolvente. Quando foi presente à Câmara êsse trabalho, não nos prendemos nas realidades ambientes, e por isso tínhamos de ter em consideração o estado actual das finanças públicas e da economia nacional e trouxemos, pois, aqui uma proposta de lei cuja execução, afirmo-o a V. Ex.ª e posso demonstrá-lo, é compatível com uma política de absoluta restrição das despesas públicas, com uma política de inteira poupança dos dinheiros da Nação. Justamente com essa proposta, trouxemos a definição de uma determinada técnica de execução; e sabendo perfeitamente que, neste campo, como em todos os outros, é impossível a improvisação, admitimos o ponto de vista educativo assente na lentidão, na gradualidade e na experimentação. Libertamos, por consequência, da suposição milagrosa da reforma em virtude da qual muita gente imagina que basta fazer a reforma, aprová-la no Parlamento e publicá-la no Diário do Govêrno, para no dia seguinte à sua publicação ter estabelecido as condições em que ela foi delineada e assegurado o conseguimento dos objectivos que a sua organização visava.
Nada se faz sem uma metódica experimentação, sem uma lenta e metódica preparação dos elementos de acção, e, assim, trouxemos a esta casa do Parlamento uma proposta de lei, cuja técnica executiva, lenta, graduada e experimental a torna perfeitamente compatível, perfeitamente conciliável com uma política estreita e severa de economia no capítulo das despesas públicas, e por consequência neste momento de aperto nacional a impõe à consideração do Parlamento, O que se pretende é um núcleo central de experimentação e de preparação de pessoal.
Sabe V. Ex.ª muito bem, Sr. Presidente, porque é um professor distinto, quer se se fizesse o arranjo total de todos os serviços educativos, se se realizasse uma, concentração de recursos pedagógicos, quer no ponto de vista directivo, quer no ponto de vista administrativo e executivo, não só tínhamos conseguido imediatamente o melhor rendimento de todos os serviços, como, também, obtido as economias indispensáveis para podermos instalar os núcleos de renovação, de preparação e de experimentação que seriam, tudo quanto de definitivo no dia seguinte ao da aprovação da reforma se teria de fazer. Considero ainda nesta hora tam perfeitamente compatível êste ponto de vista, tam sensato, tam cheio de espírito prático que entendo que a sua aplicação se deveria até estender a outros ramos da organização do Estado, com a apregoada política de compressão de despesas que atrabiliàriamente se tem vindo a tentar neste País apenas por solidariedade com um determinado sector da opinião-pública que mais se orienta por motivos sentimentais do que por elementos de realidade. Em relação com serviços de educação nacional está demonstrado que é possível adoptar êste critério. Possível é também, quanto aos serviços de saúde-pública, a que dediquei o meu estudo, como possível seria- com certeza em rela» cão a outros sectores da actividade do Estado.
Sr. Presidente: porque estou convencido dêste ponto de vista, eu contrario todas as episódicas, fragmentárias, desconexas que a cada hora, peia pressa do momento e por virtude de certas correntes de opinião momentânea, são aqui trazidas e é por esta razão que não posso deixar de ser contrário à aprovação desta, proposta. Um professor que se prepara para o ensino médio tem a sua orientação profissional destinado a uma categoria, que tem relação, mas que não tem semelhança com a categoria de escolaridade anterior ou posterior. Por consequência, se formos transportar essa orientação profissional para a acção num outro grau de ensino, dá lugar a que o professor, desadaptado da própria realidade, em vez de ser um capaz professor, passe a. ser um mau professor. E, assim, chegamos à conclusão de o Estado organizar as suas instituições de ensino são para o
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melhor rendimento profissional e social, mas para se exercerem sem condições de serem úteis até para a própria solidariedade profissional.
Posta a questão assim, no terreno da doutrina, da técnica e dos factos, como acabo do a pôr, avalie bem V. Ex.ª quanta razão tenho para me pronunciar abertamente contra esta proposta, e desde já devo declarar à Câmara que. sempre que assuntos desta natureza venham à discussão, eu voltam a reeditar a série de argumentos que aqui apresentei nesta ocasião, e que só não estribei em, números pela simples circunstância de o projecto ter aparecido para discussão sem que eu tivesse anteriormente sido prevenido de que isso sucederia, e que faria com que eu trouxesse os elementos necessários para estribar os meus argumentos em razões de facto e em números perfeitamente verificáveis.
Suceda, porém, o que suceder, a consideração do problema da educação nacional, pela sua importância, pela sua complexidade e pela sua urgência, não permite que, seja quem fôr e por que motivo fôr, venha para o Parlamento com projectos pedagógicos que, em voz de contribuírem para o bem da nação, concorram apenas para, dia a dia, dificultar ainda mais a solução do problema. Seja como fôr, é preciso que os homens que têm sôbre os seus ombros a responsabilidade de orientar em matéria de educação nacional, atendam estas considerações.
Assim o entendem alguns dos mais eminentes pedagogos do mundo inteiro, como, por exemplo, um notável professor da Universidade de Colúmbia, que é considerado uma das mais altas mentalidades do seu país, que aliás caminha na vanguarda dos processos educativos, como autêntico leader do movimento da educação.
É necessário que se saiba que as funções educativas se comparam hoje às funções de nutrição no organismo humano, e que, por consequência, fazê-las parar é como que praticar um atentado de suícidio nacional que não pode deixar de merecer o protesto de todos os que tenham & consciência das necessidades do país e dos seus interêsses.
Vivemos hoje em Portugal numa decadência que preocupa aqueles que se interessam por o nosso bem-estar. Vivemos com umas taxas de morbilidade que não existem em outros países e que são vergonhosas, e que, ao contrário, são reduzidas em países onde essas questões chamam a atenção dos homens públicos.
Vivemos em condições tais que os elementos de miséria se amontoam.
Vivemos na ausência dos novos processos de educação física, moral e social, cuja aplicação é o meio do desenvolvimento dos grandes o pequenos países, como a Bélgica e a América.
Faço aqui estas considerações sôbre um problema que todos devem conhecer, porque não é lícito que ignorem qual é o problema português quanto à nossa educação.
Há a, obrigação de considerar êste problema nacional em todas as suas modalidades.
Sr. Presidente: quis o destino que nesta hora de apreensões perfeitamente justificadas viesse à discussão um problema que para ser analisado exige a maior tranquilidade de espírito.
Mas eu, nesta mesma hora, quis, na minha função parlamentar, analisar esto projecto referente a um problema fundamental da vida portuguesa, problema que, mais que outro, se relaciona com muitos outros problemas.
É êle da maior importância, porque concorre para uma possível elevação da mentalidade da raça.
Sr. Presidente: eu queria que estas palavras ficassem na acta da sessão de hoje, porque elas definem uma orientação.
A primeira pessoa que combateu êste projecto fui eu, não por antagonismos pessoais ou políticos, mas porque entendo que, procedendo assim, cumpri o meu dever.
Tenho dito.
O discurso será publicado revisto pelo orador, quando tiver devolvido, revistas, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Tavares Ferreira: — Sr. Presidente: estou inteiramente de acôrdo com o ilustre Deputado, Sr. João Camoesas, relativamente a que é indispensável, para melhorar o ensino, melhorar primeiro as condições do professorado, especializando
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os professores em cada uma das disciplinas que êles têm de leccionar.
Há, porém, um ponto em que. discordo de S. Ex.ª
Êste projecto visa a dar a preferência absoluta nos concursos aos indivíduos habilitados com a curso do magistério superior.
Efectivamente há hoje para o magistério superior duas espécies de candidatos: aqueles que tiraram apenas as habilitações para isso e aqueles que, vindo do ensino geral, foram matricular-se no respectivo curso.
Ora o projecto em discussão diz apenas respeito aos que tiraram o curso do ensino primário geral.
Se combate êste projecto não é porque o professorado a que êle se refere não tenha a habilitação suficiente, mas apenas porque, havendo já hoje duas espécies de preferências, uma para os professores cônjuges e outra para os mutilados da guerra, se vamos agora estabelecer outra preferência, os concursos não são mais do que preferências absolutas; e assim ver-se há em sérios embaraços quem tiver de deliberar sôbre essas preferências.
Êste projecto, pelos motivos que acabo de expor, vem trazer uma grande perturbação, nos concursos.
É esta uma das razões por que não concordo com êste projecto e concordo com o Sr. João Camoesas.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, guando restituir, nestes termos, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Alberto Jordão: — A comissão encarregada de estudar êste projecto encontrou dificuldades, e como o titular da pasta da Instrução não está presente e eu desejaria saber o que ele pensa sôbre o assunto, entendo que se deve guardar para ocasião mais oportuna a discussão dêste projecto, e nesta ordem de ideas faço um requerimento.
Foi aprovado.
Continua a discussão do parecer n.º 98, que obriga a tirocínio os oficiais com diploma das escolas. militares estrangeiras.
O Sr. António da Fonseca: — Este projecto já esteve em discussão na última
sessão legislativa, que terminou em Agosto e eu estava no uso da palavra a discutir o artigo mandado para a Mesa pelo Sr. Abílio Marçal.
Sr. Presidente: esta desigualdade, esta iniquidade que se pratica, é tanto mais sensível que, como já tive ocasião de demonstrar nesta Câmara, alguns dêsses homens, a quem se vai aplicar a doutrina da emenda do Sr. Abílio Marçal, nem sequer fizeram os seus exames, não obstante terem estado durante largos anos com licença para estudos.
Já tive ocasião de ler aqui na Câmara a nota exacta dos nomes e das situações de todos os oficiais em circunstâncias análogas a essas, que se pretende agora beneficiar, tendo eu mostrado as razões por que uns estavam numa situação o outros noutra.
É curioso notar, repito, que a maior parte daqueles indivíduos que agora iriam beneficiar com essa emenda esteve em gozo de licença ilimitada, licença que para nada aproveitaram, só podendo alegar em defesa dessa circunstância a seguinte: nós não fizemos os cursos, a que éramos obrigados pelas leis em vigor, porque não quisemos. E nós, Sr. Presidente, ainda vamos premiar êstes indivíduos colocando-os nas mesmas circunstâncias dos outros que tiveram a coragem e o trabalho de fazer os seus, cursos de prestar as suas provas.
Êste caso, Sr. Presidente, apresenta ainda uma feição mais grave e que é perfeitamente notável: é que vamos colocar de preferência à direita de alguns indivíduos que fizeram os seus cursos-pessoas que os não fizeram, podendo até, caso seja votada a emenda do Sr. Abílio Marçal, ficar colocados no estado maior. É como se se lhes dissesse: sim, senhores, é êsse o vosso lugar porque para isso se prepararam.
Isto é na realidade uma cousa que não tem pés nem cabeça.
Se se pretende fazer qualquer benefício a alguém que, porventura, por circunstâncias muito especiais, se encontrou impossibilitado de fazer aquele curso, que se faça de qualquer maneira, mas nunca por êste processo, que representa uma injustiça.
Se se pretende fazer qualquer favor a determinados indivíduos, não deve ser
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isso ser feito à custa de regalias que pertencem a outros. Seria uma injustiça para aqueles que trabalharam.
Parece, portanto, Sr. Presidente, que essa emenda é, sem dúvida, d(c) rejeitar pela Câmara, porque ela é, antes de tudo, uma injustiça. Além de ser, qualquer cousa que ofende os legítimos direitos de todas as pessoas que prestaram as suas provas, é um favor impróprio, duma democracia, deixando de dar qualquer compensação àquelas pessoas que prestaram as suas provas, provas a que a lei obriga, mostrando assim a sua aptidão e a possibilidade de exercerem determinados lugares.
Portanto, Sr. Presidente, sob todos os pontos de vista, quer moral, quer administrativo, quer ainda sob o ponto de vista da justiça, a Câmara dos Deputados não deve votar a emenda do Sr. Abílio Marçal.
Sr. Presidente: vi há pouco que o ilustre Deputado Sr. Alberto Jordão mandou para a Mesa uma proposta, pedindo o adiamento da discussão de determinado projecto com o fundamento de não estar presente o Sr. Ministro da Instrução e que a Câmara aprovou essa proposta; quero supor que se havia assunto para que devesse esperar-se a presença do Sr. Ministro da Guerra, nenhum como êste, a fim de se poder resolver um assunto de tanta importância, não só pelo projecto em si como pela emenda do Sr. Abílio Marçal.
A Câmara faria bem aguardando,a vinda do Sr. Ministro da Guerra para que S. Ex.ª dissesse à Câmara sua opinião, e qual seria a repercussão que poderia ter, no organismo cuja organização lhe está confiada, a proposta do Sr. Abílio Marçal.
Mas se a Câmara não quiser aguardar a presença de S. Ex.ª então pode fazer uma obra mais prática e moral, rejeitando inteiramente e sem hesitações a proposta do Sr. Abílio Marçal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: o projecto em discussão foi da minha iniciativa.
Nesse projecto procurei, como sempre procuro, desde que tenho a honra de ocupar um lugar nesta casa do Parlamento, prestigiar a República e engrandecer as instituições militares.
Não estava, como não está nunca, de forma alguma nos meus intuitos favorecer pessoalmente qualquer indivíduo. Não está, nem pode estar nos meus intuitos, por qualquer forma, tratar de interesses particulares, por muito respeitáveis que êles sejam.
O meu projecto tendia a engrandecer o serviço do estado maior. Êsse projecto foi aceite completamente pela comissão de guerra, mas a comissão, de finanças, julgando que devia aliviar duma forma com a qual não estou de acôrdo as circunstâncias más em que se encontra o Tesouro Público, deliberou que do meu projecto de lei fôsse aplicada apenas a sua doutrina àqueles oficiais que frequentaram a, Escola Superior de Guerra, em Paris, que tinham já freqüentado ou frequentavam essa escola.
Evidentemente, Sr. Presidente, êste projecto tem por fim favorecer o exército e pois a verdade é que não pode oferecer dúvidas à Câmara que êle tem por objectivo permitir aos oficiais do exército, e muito especialmente àqueles que se encontram ao serviço do estado maior, o frequentarem durante dois anos o curso da Escola Superior de Guerra de Paris, que é hoje sem dúvida a melhor escola desta especialidade, a escola onde durante largos anos estiveram os grandes marechais e ainda outros oficiais que têm sido a glória do exército francês.
Sr. Presidente: o artigo apresentado pelo ilustre Deputado Sr. Abílio Marçal é de todo o ponto justo, a meu ver, pois a verdade é que vem esclarecer a situação em que se encontram os oficiais portugueses quando frequentam êsse curso.
O ilustre Deputado Sr. António Fonseca, com o sou brilho oratório, atacou o princípio estabelecido por êsse artigo, ataque êsse que eu não saberei defender com o mesmo brilho. Porém devo dizer a V. Ex.ª e à Câmara que se eu julgasse que êsse artigo novo apresentado pelo ilustre Deputado Sr. Abílio Marçal era prejudicial para b prestígio das instituições militares, a que muito me honro de pertencer, e muito principalmente para os serviços do estado maior, a que me honro de prestar, o meu modesto, mas dedicado concurso, eu seria o primeiro a concordar com as considerações feitas pelo Sr. António Fonseca, mas tal não se dá, pois a verdade é que o artigo novo apresentado
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pelo ilustre Deputado Sr. Abílio Marçal é de todo o ponto justo, visto que é de absoluta necessidade que os nossos oficiais frequentem êsse curso de forma a que os serviços do estado maior possam corresponder àquilo que devo ser.
Êsse artigo novo, Sr. Presidente, a meu ver, não é inútil nem prejudicial, antes pelo contrário considero-o de uma absoluta necessidade.
O Sr. Tôrres Garcia (interrompendo): — A meu ver, o problema necessita de uma outra solução, isto é, do um projecto que tenha por fim reorganizar o curso do estado maior de harmonia com as necessidades modernas da guerra.
O Orador: — Sr. Presidente: o àparte feito pelo ilustre Deputado Sr. Tôrres Garcia não tem cabimento nesta ocasião, pois a verdade é que eu não posso ser acoimado de não ter empregado até hoje todos os esfôrços tendentes a dar às instituições militares aquele aperfeiçoamento que o Sr. Tôrres Garcia deseja.
É evidente, Sr. Presidente, que nós necessitamos absolutamente de reorganizar os serviços do estado maior, pois a verdade é que ainda mantemos a organização de 1911, o que de facto não se compreende, tanto mais quanto é certo que tivemos de combater em África e na França.
Torna-se na verdade necessário melhorar tanto quanto possível a organização de 1911, pois a verdade é que ela não se encontra conforme com as necessidades modernas da guerra.
O primeiro projecto de lei que trouxe a esta Câmara foi exactamente o que está em debate. A sua discussão tem sido demoradíssima, sendo preterido várias vezes. Logo, eu não posso ser acusado de não ter trazido um projecto de lei que remodelasse completamente o serviço do Estado Maior, e muito particularmente o curso que prepara para êsse serviço. E se eu neste momento defendo a emenda do Sr. Abílio Marçal é porque julgo que ela vai atender a uma situação absolutamente justa. De facto, eu vou contar à Câmara como a situação se apresenta neste momento para, determinados oficiais, e a Câmara julgará se não há um grande fundo de justiça no artigo novo apresentado pelo Sr. Abílio Marçal.
Mais uma vez o digo, não se trata de cursos; trata-se dê uma questão muito simples. Durante o tempo de guerra, foi feita uma reorganização especial na Escola dê Guerra, chamada dos cursos semestrais. Foram admitidos a êsses cursos oficiais das diferentes armas, que os frequentaram em um ano lectivo. Eu julgo que a exigência que se faz dos cursos politécnicos para os oficiais que fizeram o seu curso nestas condições é absolutamente injusta. De resto, eu tenciono apresentar um artigo novo pelo qual se obriga os oficiais que tiraram o seu curso de Estado Maior na Escola de Guerra de Paris e os que tiraram na nossa Escola nos cursos semestrais, a tirar um curso suplementar dum ano nas condições que se estabeleceram. Entendo que isto atende mais aos serviços do Exército.
Mas reparem V. Ex.ªs para o que tem de absordo esta situação que se quere criar! Os oficiais que já frequentaram certas e determinadas cadeiras técnicas são obrigados depois da frequência e aprovação nessas cadeiras a frequentar as cadeiras preparatórias para essas cadeiras. É uma situação absolutamente exquisita. É a velha monotonia que existe em Portugal de obrigar a colhêr muitos diplomas.
Pois se os cursos da Escola de Guerra foram comprimidos por exigências da guerra, eu pergunto se os oficiais que os frequentaram, tendo satisfeito às suas condições, não se encontram aptos a desempenhar as funções do Estado Maior, desde que se lhes exija um curso suplementar.
Julgo que o ilustre Deputado Abílio Marçal estudou detidamente o problema e o viu nos seus aspectos mais interessantes.
O artigo novo do Sr. Abílio Marçal não prejudica o projecto; creio até que, antes pelo contrário, o beneficia.
Em contradição com o Sr. António Fonseca, eu poderia demonstrar à Câmara que os cursos politécnicos prejudicam a função do oficial de Estado Maior.
O que hoje se exige ao oficial de Estado Maior é o estudo e o conhecimento do homem na colectividade é uma preparação especial. Esta minha afirmação representa um estudo que já tenho feito há muito, do qual resultou a convicção que êsses oficiais correspondem melhor ao
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fim da sua missão do que aqueles a quem se exige uma larga instrução scientífica.
Terminando, afirmo que dou o meu voto à proposta do Sr. Abílio Marçal e peço a V. Ex.ª que na altura devida apresente à Câmara a proposta que para a Mesa enviei.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Tôrres Garcia não fez revisão do seu àparte.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: não tenho o hábito de usar. da palavra em assuntos que não estão inteiramente ligados com o objectivo da minha actividade, mas como o assunto em debate diz respeito ao exército português não pode a minha atitude parlamentar ficar perante êle independente.
O Sr. António Fonseca, um dos nossos mais brilhantes parlamentares, trouxe ao concurso desta Câmara a sua palavra sagaz e a sua inteligência culta.
Segando S. Ex.ª não pode esta casa do Parlamento dar o seu voto a êste projecto.
Sr. Presidente: vê V. Ex.ª como a questão apresentada pelo aspecto por que a apresentou o ilustre Deputado, meu prezado amigo, Sr. António Fonseca, tem realmente razão de ser considerada, de ser reflectida, de ser ponderada por esta casa do Parlamento.
Não há nada mais lastimável, direi mesmo, mais condenável do que estarmos aqui habitualmente a simplificar os planos de cursos, ou outorgar diplomas aos respectivos alunos.
Deu-se neste particular e neste país, nesse departamento de administração pública, como direi mesmo, para ser exacto, noutros departamentos da administração pública, o caso anómalo, estranho, revoltante até de por decretos se outorgarem graus profissionais e graus universitários.
Sabe V. Ex.ª perfeitamente e não ignora decerto a Câmara que, por exemplo, a determinadas categorias de práticos agrícolas que tinham um curso perfeitamente organizado e inteiramente disposto em ordem, categorias de práticos agrícolas que tinham a sua designação correspondente,
um belo dia, por uma providência legislativa, ou por uma providência do próprio Executivo, não me recordo agora, lhes foi outorgada a categoria de engenheiros auxiliares agrícolas.
Também V. Ex.ª não ignora que a um determinado número de práticos que tinham feito cursos perfeitamente definidos, a que correspondiam designações proporcionais e perfeitamente adequadas às funções téchnicas para que a respectiva habilitação preparava, um belo dia apareceram transformados em condutores, em engenheiros auxiliares e outras variedades.
Também V. Ex.ª não ignora que no Ministério da Instrução, por fôrça do mesmo vício, do mesmo hábito, do mesmo critério categoricamente, permita-se-me a frase, porque corresponde a uma realidade, se outorgaram a cursos perfeitamente delimitados e definidos com uma designação correspondente a essa organização e a essa delimitação, e até tradicional, como por exemplo professores; se outorgaram, e ia dizendo, e de uma hora para outra, por providências de carácter legislativo o algumas de carácter executivo, designações universitárias, que correspondem ao doutorado e ao bacharelato.
Estamos por consequência, Sr. Presidente, em frente de uma tendência viciosa, que nunca será demasiadamente combatida, e porque o Sr. António Fonseca pôs o problema neste terreno de mera doutrina, neste terreno de mera moralidade profissional, eu não posso deixar de dar o meu aplauso às considerações que S. Ex.ª produziu.
Importa, Sr. Presidente, que todos nós sejamos de uma maneira definitiva o de uma maneira profícua, contra essa tendência viciosa que continua a ser praticada com prejuízo da categoria profissional, do próprio prestígio das corporações e até favorecendo de certa maneira e até certo ponto a incompetência de determinadas categorias profissionais.
Devemos ser não só económicos, no aplauso à doutrina do Sr. António da Fonseca, mas deve haver também neste caso uma análise cuidada e conscienciosa.
Se é certo que os aspectos da organização dos) respectivos institutos, atendendo ao seu prestígio pela proficuidade do exercício da sua função, não devem deixar de prender intensamente a atenção parlamen-
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tar, é certo também que há outras considerações igualmente de carácter profissional técnico e que é indispensável atender.
Sr. Presidente: ocorre, nesta altura, considerar a exposição do Sr. Pires Monteiro, que em relação a êste assunto é um parlamentar especializado, visto tratar-se de um oficial distinto do estado maior, professor dá Escola Militar, que reúne a estas qualidades a de ser uma pessoa que, no exercício das suas funções, põe a maior dedicação, sempre com o assinalado propósito de prestigiar as instituições, quer parlamentares, quer militares.
Não podiam de maneira nenhuma ser indiferentes ao meu espírito os depoimentos do ilustre Deputado, a quem acabo de me referir, aquelas circunstâncias que detalhadamente expus durante as minhas referências.
É o Sr. Pires Monteiro superiormente categorizado, como disse à Câmara, para intervir neste debate.
Trouxe à nossa consideração um outro aspecto diverso daquele a que já me referi, e que não deixa de ter importância.
Merece por isso mesmo a consideração das pessoas de boa vontade.
Resumindo as considerações produzidas por S. Ex.ª suponho não errar atribuindo-lhe pontos de vista perfeitamente marcados em relação à eficácia scientífica da preparação técnica dos oficiais do corpo do estado maior e a opinião de que deve ser considerada uma proposta que vise a regularizar a situação dêsses oficiais habilitados com o curso do estado maior por uma escola estrangeira, circunstância aliás oportunista e ocasional dêsses oficiais terem desempenhado, durante a guerra, a sua missão com o maior brilho proficiência;
Àparte do Sr. Tôrres. Garcia, que não se ouviu.
Por agora quero manter-me na maior serenidade, e limitar-me-hei, por isso, a procurar definir as razões daqueles ilustres Deputados que usaram da palavra.
Sr. Presidente: todas as considerações que o Sr. Pires Monteiro fez podem ser resumíveis numa afirmação de carácter doutrinário e scientífico.
Outra ordem de considerações é por assim dizer de carácter pragmático.
Sr. Presidente: não me repugna aceitar como bom que os preparatórios exigidos
aos candidatos ao curso do estado maior não sejam os necessários e adequados, mas a verdade é que êsses oficiais em França deram as melhores provas de aptidão.
A organização dos cursos de artilharia e de engenharia obedeceu ao propósito de; colocar na escala de promoções as pessoas que tivessem êsse curso, numa situação de justa equivalência, em relação aos que despendem um esfôrço intelectual.
Foi nesta ordem de propósitos, a que chamo propósitos de carácter correspondente a uma justa equivalência, que creio poder afirmar sem exagero que o ponto de vista do Sr. Pires Monteiro é de considerar...
Neste momento interveio na análise o Sr. Tôrres Garcia, meu prezado amigo, tendo ocasião de apresentar ao Sr. Pires Monteiro uma objecção acêrca do problemas de eficácia pedagógica e psicológica quanto à colocação de diversas matérias, acêrca do problema — empregando um termo delativo a uma sciência especializada- acêrca do problema de dosear a porção de conhecimentos e qualidades de técnica que deve ter um oficial para ser um bom oficial de estado maior, nos preparatórios.
E é êste o problema, visto a opinião do Sr. Pires Monteiro, de que os preparatórios actualmente exigidos não são os mais convenientes, nem os mais adequados ao bom exercício profissional.
Se é êste o problema, então temos de considerar que não é um aspecto fragmentário a considerar, naturalmente no problema do estado maior., mas. sim uma obra útil completa.
O que disse nesta Câmara o Sr. Tôrres Garcia tem importância suficiente para nos demorarmos na sua análise.
O Sr. Pires Monteiro (interrompendo): — Eu sou também absolutamente adverso à legislação fragmentária.
E chamo a atenção, de S. Ex.ª para o facto de há mais de dois anos o Ministro da Guerra de então, o Sr. Alberto Silveira, ter apresentado um projecto de reorganização do exército que não tem ainda parecer da comissão!
Agradeço ao Sr. João Camoesas ter permitido que eu o interrompesse no seu discurso, pelo qual dá mostras de que en-
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êste magno problema pela forma como deve ser encarado.
O Orador: — Reatando o fio das considerações que tenho vindo a apresentar à Câmara, agradeço ao Sr. Pires Monteiro as amabilidades com que me distinguiu. 'Ainda bem que S. Ex.ª veio detalhar as suas afirmações já aqui feitas sôbre o assunto que estou versando, visto que eu pude ver confirmadas as deduções que a análise das suas afirmativas me deu ensejo de fazer.
Assim, Sr. Presidente, eu devo dizer em abono da verdade que o Pais sob êste ponto de vista se encontra num período verdadeiramente bárbaro, muito principalmente se compararmos o que se faz entre nós com o que se está fazendo lá fora, como, por exemplo, na Alemanha, na América e na própria vizinha Espanha.
Devemos dizer em abono da verdade, Sr. Presidente, que. a nossa vizinha Espanha tem os seus institutos e laboratórios devidamente organizados: possuindo. além disso altas individualidades, isto é, pessoas intelectuais e profissionais, como nós não temos em Portugal, não podendo no emtanto, a êste respeito, deixar de fazer referência especial ao Dr. Aurélio da Costa Ferreira, que era na verdade uma notabilidade sôbre êstes assuntos, aproveitando a ocasião para mais uma vez prestar aqui o preito da minha saudade e reconhecimento pelos altíssimos serviços que êle prestou ao País, e com tanta mais razão, quanto é certo que hoje, repito, o País se encontra num período verdadeiramente bárbaro, pois na verdade não temos absolutamente nada, quando tam necessário seria para o nosso desenvolvimento que tivéssemos alguma cousa.
Sr. Presidente: presentemente nós encontramo-nos num período de empirismo verdadeiramente cego. e grosseiro.
Nestas condições, a nossa atitude não pode ser outra que não seja a de tratar êste problema com a maior largueza e amplitude, não podendo neste momento deixar de dar razão ás considerações do Sr. Tôrres Garcia.
Posta assim a questão nestes termos, não posso deixar de considerar o argumento do Sr. Pires Monteiro, para a análise desta última ordem de razões, que eu classifiquei de pragmáticas.
Sr. Presidente: nós encontramo-nos perante uma situação de facto e perante razões que criaram na acção o direito de ser reconhecido como profissional de armas, depois das mais duras provas dadas na guerra.
Analisando a questão sob êste aspecto, sem ser contraditório, eu não posso deixar de dar o meu aplauso às palavras do Sr. Pires Monteiro.
Vê V. Ex.ª como vale sempre a pena, nesta casa do Parlamento, analisar com tranquilidade as proposições que se apresentam no decurso dos debates.
Sr. Presidente: analisada a questão nos vários aspectos, eu não quero deixar de considerar uma parte das considerações do Sr. Pires Monteiro, que trata dum assunto de grande oportunidade neste momento.
O Sr. Pires Monteiro pôs diante de nós um dos aspectos mais importantes da organização parlamentar, e agora, em que porventura se planeia pôr em jogo. a integridade desta instituição, não deixará de ser conveniente que eu, parlamentar, que me orgulho de o ser, considere o aspecto da questão apresentada pelo Sr. Pires Monteiro.
Sr. Presidente: os Parlamentos não são organismos desconexos na vida das nações. Deles se pode dizer que são um perfeito retrato das sociedades.
O Parlamento da República Portuguesa não é um corpo estranho na vida da Nação, antes é a resultante dó seu estado de cultura.
O problema da eficácia parlamentar é um problema que está na ordem do dia em quási todos os países do globo. Êsse problema deve, porém, ser pôsto cumulativamente com outros problemas similares,
Ainda ultimamente tivemos ocasião de assistir a um congresso das fôrças económicas, que, acusando uma diferença em relação aos congressos anteriores, apesar de ter ido buscar colaboração fora dos seus grémios, não foi capaz de demonstrar que, sob o ponto de vista do funcionamento da assemblea, era superior ao Congresso da República.
Sr. Presidente: ponhamos a questão com franqueza, pois o Parlamento só tem a ganhar em a colocar nesses termos. Podem levantar reparos à eficácia da acção parlamentar, mas a verdade é que
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Diário da Câmara doa Deputados
não há aí nenhuma instituição colectiva que possa orgulhar-se de ter uma fisiologia de assemblea superior à do Parlamento, que pode bem ufanar-se de ter realizado uma obra de equilíbrio que ainda há-de merecer os justos aplausos da Nação.
E se os trabalhos do carácter técnico não tiveram ainda o devido apreço, tem sido simplesmente porque outros mais instantes assuntos têm ocupado a sua atenção.
Evidentemente que é possível melhorar o funcionamento do Parlamento, mas para isso ô absolutamente indispensável que se realize a condição da estabilidade parlamentar. Temos de sair, de uma vez para sempre, desta anormalidade que é traduzida pela instabilidade das funções. E fomos nós dêste lado que contribuímos para se estabilizar a suprema, função da Presidência da República. Fomos ajudados para isso por muitos republicanos e pela alta figura que ocupou
êsse cargo, o Sr. António José de Almeida (Apoiados); mas o que é facto é que trabalhámos dia a dia, com todos os riscos, para que houvesse dentro da República um Presidente que fôsse até o fim do sou mandato.
Precisávamos depois estabilizar a função executiva, e assim procurámos, não por prazer, mas por necessidade, manter ali um Govêrno durante dois anos.
Nunca fizemos um monopólio de lugares; fomos buscar sempre as competências onde quer que elas estivessem, e se ainda ontem o Govêrno pôde enfrentar o. problema da ordem, foi porque o nosso Govêrno tinha pôsto à frente da 1.ª divisão do exército o Senador nacionalista Sr. Roberto Baptista, ilustre oficial do nosso exército e muitíssimo competente.
E se ainda hoje nos estamos a sacrificar, o que parece paradoxal, pois, tendo maioria estamos a apoiar um Govêrno que não é do nosso partido, é exactamente para conseguirmos chegar a essa eficácia do Parlamento, que, de resto, não é um problema nosso, mas do mundo inteiro.
Apoiados.
Nós, que seguimos esta política, e que a seguiremos amanhã com todos os riscos, pretendemos dizer a êsses, pretensos salvadores, cuja agitação nos pode levar, por exemplo, à tragédia que foi o dezembrismo, que melhor do que êles, capacitados da nossa função, cumprimos o nosso dever, patriótico.
Apoiados.
Precisamos estabilizar a função parlamentar, porque sem isso não há governação pública. Isto de estarmos a dissolver Parlamentos todos os dias só serve para satisfazer ambições.
Estas palavras ditas aqui, Sr. Presidente, serão ditas amanhã lá fora; havemos de apontar que o facto que anda no boato, de homens, sejam quem forem, quererem atentar contra a estabilidade parlamentar, é uma traição à Pátria. Digo-o sem nenhuma espécie de ambições.
Todos aqueles que atentarem contra a Constituïção são traidores à Pátria.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia (sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):
Pareceres n.ºs 98, 617, 595 e 91 da ordem que estava marcada.
Ordem do dia:
Pareceres n.ºs 617-B, 616-1,544,616-E, 616-A e 442 da ordem que estava marcada, e mais o parecer n.º 205, que dispensa do novo concurso para a sua promoção a terceiros oficiais das Contribuições e Impostos os aspirantes de finanças que fizeram determinado concurso.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Proposta
Proponho para provisoriamente me substituir na comissão de inquérito Bairros Sociais o Sr. Tôrres Garcia. — Dinis de Carvalho.
Para a Secretaria.
O REDACTOR — Sérgio de Castro.