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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Sessão N.º 16
EM 8 DE JANEIRO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltazar de Almeida Teixeira
Paulo da Costa Menano
Sumário. — Alertara da sessão.
Leitura da acta.
Correspondência.
Antes da ordem do dia. — Não havendo ninguém inscrito, o Sr. Presidente declara que vai continuar a discussão na especialidade do parecer n.º 350.
E aprovado o artigo 2.º
Lido na Mesa o artigo 3°, é aprovado sem discussão.
A Câmara, a requerimento do Sr. Carlos Pereira, dispensa a leitura da última redacção do projecto aprovado.
Entra em discussâo o parecer n.º 413.
Usa da palavra o Sr. João Camoesas, sendo aprovado em seguida na generalidade.
Lido na Mesa o artigo 1.°, é aprovado sem discussão, bem como o artigo 2.°, sendo dispensada a leitura da última redacção a requerimento do Sr. Pires Monteiro.
O Sr. Pires Monteiro requere que seja dado para antes da ordem do dia, sem prejuízo dos oradores inscritos, o parecer n.º 451.
É aprovado.
O Sr. Pires Monteiro manda para a Mesa um projecto de lei.
O Sr. Almeida Ribeiro requere que sejam marcados para antes da ordem do dia, e sem prejuízo dos oradores inscritos, os pareceres n.ºs 56 e 148.
É aprovado.
É aprovada a acta, depois de ter usado da palavra o Sr. Carvalho da Silva.
É admitido à discussão um projecto de lei.
Ordem do dia.—(Debate político sôbre a apresentação do Governo). Usam da palavra os Srs. Almeida Ribeiro, Carlos Olavo, Cunha Leal e Nuno Simões, que manda para a Mesa uma moção.
É lida e admitida.
O Sr. Presidente convida os Srs. Deputados a visitarem a exposição de quadros de guerra do pintor Sousa Lopes, e em seguida encerra a senão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 30 minutos.
Presentes à chamada 48 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 50 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António de Mendonça.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constando de Oliveira.
Francisco Coelho de Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rogo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
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Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Pedro Ferreira.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário de Magalhães Infante.
Nuno Simões.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomás de Sousa Rosa.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José do Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Viriato Gomes da Fonseca.
Não compareceram os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Amadeu Leito de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Joaquim Alves dos Santos.
Augusto Pereira Nobre.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
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Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Causado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Luís Ricardo.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Ás 15 horas e 10 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 48 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Senado, devolvendo com alterações as propostas de lei n.os 513 e 614, autorizando a construção do caminho de ferro do Carregado a Peniche e regulando a aplicação da lei n.° 1:038, de Dezembro de 1920.
Para a comissão de administração pública (a 1.a).
Para a comissão de pescarias (a 2.a).
Do Ministério das Finanças, satisfazendo ao requerido para o Sr. Baltasar Teixeira em ofício n.° 612, de 16 de Outubro de 1923.
Para a Secretaria.
Do mesmo, satisfazendo ao requerido para o Sr. Sampaio Maia em ofício n.° 637.
Para a Secretaria.
Do mesmo, satisfazendo ao requerido para o Sr. Nuno Simões em ofício n.° 607.
Para a Secretaria.
Do mesmo, remetendo 185 exemplares do Orçamento Geral do Estado para 1923-1924.
Distribua-se.
Do Ministério dos Estrangeiros com a comunicação do Comité Nobel do Parlamento Norueguês sôbre a distribuição do Prémio Nobel da Paz em 1924.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial e Industrial de Cascais, enviando cópia duma moção aprovada em assemblea geral daquela associação.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Guerra, enviando um requerimento do 1.° sargento de artilharia n.° 2, António Luis, pedindo promoção a sargento ajudante.
Para a comissão de guerra.
Do director da Escola Primária Superior Dr. Pessoa Ferreira, de Mangualde,
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enviando uma moção referente às escolas primárias superiores.
Idênticas para as comissões de finanças e de instrução.
Para a Secretaria.
Do Juiz do Direito da 2.a vara, pedindo autorização para o Sr. Carlos Olavo comparecer naquele juízo no dia 4 de Janeiro corrente.
Arquive-se.
Dos presos por delitos de direito comum, enviando urna Carta Alerta dirigida a S. Exa. o Sr. Presidente da República.
Para a Secretaria.
Telegramas
De um grupo do republicanos de Ribeira de Pena, protestando contra a nomeação do administrador, José António Pacheco.
Para a Secretaria.
Dos párocos, regedores e presidentes das juntas de paróquia do concelho do Miranda do Douro, pedindo a aprovação das reclamações dos católicos.
Para a Secretaria.
Dos funcionários da Companhia do Nyassa, protestando contra a falta de assistência módica, miséria de ordenados e declarando a greve geral.
Para a Secretaria.
Requerimentos
Do capitão reformado Vasco Homem de Figueiredo, pedindo um distintivo do pôsto que lhe caberia no serviço activo.
Para a comissão de guerra.
De António Augusto Penedo, pedindo o lugar de empregado de análises químicas nas oficinas dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste.
Para a comissão de caminhos de ferro.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Não está ninguém inscrito.
Continua em discussão o parecer n.° 350. Estava em discussão na especialidade o
artigo 2.°, e tinha ficado com a palavra reservada o Sr. Paulo Cancela da Abreu.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como não está mais ninguém inscrito, vai votar-se.
Foram aprovados sem discussão os artigos 2.° e 3.°.
O Sr. Carlos Pereira: — Requeiro a V. Exa. se digne consultar Câmara a sôbre se concede a dispensa da leitura da última redação.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão o parecer n.° 413.
Foi lido na Mesa.
É o seguinte:
Parecer n.° 413
Senhores Deputados.— O decreto n.º 5:400, de 12 do Abril de 1919, concedo a medalha comemorativa das campanhas do exército português a todos os militares, civis e senhoras que em determinadas condições, na zona de guerra, tenham feito parte do Corpo Expedicionário Português. O mesmo decreto torna extensiva a concessão da mesma medalha ao Corpo de Artilharia Pesada Independente, mas não esclarece, certamente por lapso, que tal direito abrangia aquela artilharia quer embora não tivesse feito parte do Corpo Expedicionário Português, operasse junto do qualquer outro exército aliado, antes de 2 de Março do 1918.
Nestes termos, entende a vossa comissão de guerra que, só por lapso, o Corpo de Artilharia Pesada Independente, que esteve em operações com o exército francês, deixou de ser incluído naquele decreto, e que, sendo o medalha da Vitória concedida sòmente a quem tem direito à medalha comemorativa a que acima se faz referência, é inteiramente justo e aceitável o projecto de lei n.° 376-E, da iniciativa do Deputado Sr. Pires Monteiro.
É, portanto, a vossa comissão de guerra de parecer que lhe deveis dar a vossa incondicional o merecida aprovação.
Sala das sessões da comissão do guerra, 25 de Dezembro de 1922.—João Pereira Bastos — João Estêvão Águas — A. Gar-
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da Loureiro — Tomás de Sousa Rosa — António Maia — Albino Pinto da Fonseca, relator.
Projecto de lei n.° 376-E
Senhores Deputados. — Convindo reparar as injustiças produzidas por disposições contraditórias;
Considerando os serviços prestados em campanha cooperando directamente com o exército francês pelo Corpo de Artilharia Posada Independente:
Tenho a honra de submeter à vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Aos militares do extinto Corpo de Artilharia Pesada Independente, que esteve em operações com o exército francês, serão concedidas as medalhas: comemorativa das campanhas do Exército Português e da Vitória, nos termos dos respectivos regulamentos, desde que tenham permanecido durante dois meses, no mínimo, em serviço na zona do guerra do mesmo exército.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões, em Novembro de 1922. — Henrique Pires Monteiro.
O Sr. João Gamoesas: — Sr. Presidente: pedi a palavra unicamente para declarar em nome dêste lado da Câmara, que aceitamos o projecto em discussão, por o acharmos absolutamente justo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovado na generalidade e na especialidade o parecer n.° 413
Foi aprovada a dispensa da leitura da última redacção, requerida pelo Sr. Pires Monteiro.
O Sr. Pires Monteiro (para um requerimento): — Requeiro a V. Exa. para que seja incluída na ordem do dia. e sem prejuízo dos outros projectos, o parecer n.° 458.
Foi aprovado.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa, um projecto que procura atender à situação dos agentes das diferentes polícias do País, que sejam vitimas de acidentes, ferimentos etc.
Sr. Presidente: êste projecto está inteiramente de acordo com a resolução ultimamente tomada por esta Câmara, e que visava a atender à situação das famílias dêsses agentes, que mercê dos exíguos vencimentos dos seus chefes ficaram na mais precária situação.
Mas, para um ponto importante, quero eu chamar a atenção da Câmara. É o seguinte:
Em 1921, foi publicada a lei n.° 1170, que concedia aos militares inutilizados em campanha, uma pensão suplementar às reformas extraordinárias que lho eram concedidas depois de uma inspeção feita por técnicos.
Ora, a verdade, é que, se representa um acto de boa justiça conceder estas pensões suplementares sôbre as reformas extraordinárias aos militares inutilizados em campanha, não é menos justo que aos agentes das diferentes polícias, vítimas de ferimentos ou mutilação seja concedida regalia idêntica.
Acontece ainda que, no Ministério da Marinha, aplica-se essa lei aos oficiais e praças vítimas do acidentes, quando em serviço do ordem pública, e no Ministério da Guerra, devido a uma interpretação rígida, as suas disposições não são aplicáveis.
Ora, Sr. Presidente: é exactamente para estabelecer uma uniformidade de doutrinas que mando para a Mesa este projecto que tendo a melhorar a reforma extraordinária dos indivíduos que estão nas condições que acabo de indicar.
Lamento que o Sr. Ministro da Guerra não esteja presente para mo informar sôbre a resolução que tomou acerca de um pedido que por intermédio de V. Exa. eu fiz, para ser convenientemente regulamentada uma lei que foi publicada em 18 do Agosto dêste ano.
Essa lei refere-se à chamada instrução militar preparatória nas escolas superiores, que o Parlamento votou nas duas Câmaras quási por unanimidade, julgando que, sem prejudicar os interêsses do Estado e favorecer altamente os interêsses do exército e atendendo aos justos interêsses particulares, podia estabelecer um sistema especial de serviço, militar para aqueles indivíduos que frequentam as escolas superiores do País.
Essa lei precisa ser regulamentada pelas entidades competentes que são o
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Mininistro da Guerra e outros Ministros que têm superintendência nas escolas superiores.
Essa regulamentação não se fez até hoje; e a verdade é que se procura sofismar uma disposição geral antiga da lei.
Pretende-se evitar a regulamentação de uma lei que tem por fim intensificar aquilo a que erradamente se chama instrução militar preparatória e conviria, embora com qualquer outro nome que se exercesse, para preparar a educação física da nossa mocidade e a sua cultura cívica.
Julga-se erradamente que a instrução militar preparatória tem por fim fazer a instrução de recrutas antes da idade legal. Não é êsse o seu objectivo.
As entidades subordinadas ao Ministério da Guerra ainda não propuseram ao Sr. Ministro da Guerra a publicação do regulamento da lei de 18 de Agosto dêste ano. Este facto é deveras lamentável e representa um desrespeito a uma resolução do Poder Legislativo, para a qual chamo a atenção de V. Exa. e da Câmara.
Ainda um outro facto dentro da mesma ordem de ideas:
O Ministério da Guerra não regulamentou a distribuição de uma verba de 50.000$ que o Parlamento aprovou e que se destina a prémios à educação física. Não se regulamentou ainda a distribuição dessa verba, não com o intuito de se fazer uma economia, mas porque no Ministério da Guerra aquelas entidades que se deveriam interessar pelo desenvolvimento da chamada instrução militar preparatória julgam que ela é um dos grandes meios de que sofre a instrução militar no País; e, assim, julgam que da reorganização militar de 25 de Maio é que têm saído os males para a instrução no exército.
No Ministério da Guerra as entidades superiores que deviam propor a regulamentação da distribuição dessa verba de 50.000$, aproveitando as mudanças constantes de Ministros, procuram não dar execução à deliberação do Parlamento.
Julgo que é absolutamente indispensável que se tomem providências a tal respeito.
A minha voz humilde, mas absolutamente sincera, procura servir honestamente a República e o engrandecimento do exército, como instituição absolutamente necessária à defesa da Pátria.
A minha voz humilde tem pugnado pelos mais legítimos interêsses dêsse exército que se bateu em França e África e que em todas as circunstâncias tem revelado as mais belas qualidades de disciplina e de boa vontade no serviço da Pátria, e da República.
Julgo absolutamente prejudicial a orientação que se procura seguir, no intuito de destruir a reorganização de 25 de Maio de 1911.
Reconheço que os males de que sofre o exército se não podem atribuir a essa reorganização, mas ao facto do se não ter dado cumprimento integral à reorganização actual do exército.
Assim é necessário que as verbas orçamentais propostas pelo Ministério, da Guerra e aprovadas pelo Parlamento e que se destinam à instrução militar, tanto preparatória do recruta como à preparação das tropas, como ainda àquelas que se devem consagrar ao aperfeiçoamento das instituições militares, tenham a devida aplicação.
O intuito sincero, honesto de fazer economias, não pode levar a reduzirem-se as verbas destinadas ao exército com prejuízo das instituições militares.
Tive a honra, há mais de ano e meio, de apresentar à apreciação do Parlamento vários projectos de lei tendentes ao objectivo que acabo de frisar à Câmara.
Assim, foram esquecidos os princípios-fundamentais para as promoções, princípios que estavam em vigor no exército desde 1911, e realizaram-se promoções nos postos superiores do exército sem se terem prestado as provas exigidas.
Hoje, em todos os países bom organizados, as promoções são feitas por provas; pois é indispensável fazer a selecção. Nesse sentido apresentei um projecto, o qual ainda não mereceu o parecer da comissão de guerra.
Chamo a atenção de V. Exa. e da Câmara para a selecção que tem de se fazer nos funcionários civis e militares.
Chamo a atenção de V. Exa. para o projecto de lei que tive a honra de apresentar em Maio dêste ano e que dizia respeito à reducção de quadros de oficiais generais.
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O Parlamento pode estabelecer as bases fundamentais para regularizar essas organizações.
Foi isso que eu apresentei em Maio, enviando para a Mesa um projecto reduzindo a um torço os oficiais generais do nosso exército.
Aproveito êste ensejo que se me oferece para chamar a atenção de V. Exa. e da Câmara para que se observem rigorosamente os princípios da organização militar, não por simples cortes, mas com critério moral e económico, para bem das instituições militares e do país.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Requeiro que entrem em discussão, sem prejuízo dos oradores inscritos, os pareceres n.ºs 56 e 148.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Está a acta em discussão.
O Sr. Carvalho da Silva (sobre a acta): — Certamente por um lapso do Sr. Presidente, Afonso de Melo, não foi votado o requerimento do Sr. Cunha Leal, e não foi votada a generalidade do projecto para o empréstimo para Moçambique.
O Sr. Presidente (lê a acta): — É isto o que está na acta.
Foi a acta aprovada:
Admissão foi admitido à discussão o seguinte
Projecto de lei
Do Sr. Afonso de Melo, determinando que os cargos de governador civil e administrador de concelho sejam de natureza meramente administrativa e sem retribuição, além dos emolumentos que por lei lhes competem.
Para a comissão de administração pública.
Entra na sala o Ministério.
O Sr. Presidente: — Está aberta a inscrição para o debate sôbre a apresentação do Govêrno.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: o grupo parlamentar que tenho a honra de representar saúda o novo Govêrno, e declara, por meu intermédio, que confia em que êle realizará uma obra útil para o país e para a República.
Sr. Presidente: são múltiplas as razões desta confiança, baseada na esperança de que os factos a hão-de justificar inteiramente, como a justificam desde já as qualidades pessoais dos membros do Govêrno, muitos dos quais já experimentados na administração pública, designadamente o seu ilustre Presidente, que é possuidor de qualidades do energia, d© clarividência e de ponderação, absolutamente necessárias para levar a cabo uma obra desta magnitude.
O Sr. Presidente do Ministério começou por quebrar a praxe parlamentar de trazer no dia da sua apresentação à Câmara dos Deputados, e depois ao Senado, uma longa lista de ideas e de planos a realizar, longa lista que os factos têm demonstrado que nunca chegava a esgotar-se, e que por vezes mesmo não chegava sequer a encetar-se. É êste facto um motivo para felicitar o Sr. Presidente do Ministério, porque entendo que foi oportuno introduzir esta inovação nos nossos costumes parlamentares, pelo que se refere às relações do Poder Executivo com o Poder Legislativo.
Das poucas palavras, precisas e claras, que a declaração ministerial contém eu saliento a afirmação de que o Govêrno terá como principal objectivo manter a, sua autoridade como base da estabilidade das instituições republicanas, autoridade que terá de ser acompanhada da disciplina necessária na fôrça pública e em todos os elementos que podem concorrer para a tranquilidade e ordem sociais. A êsse respeito diz a declaração ministerial que essa autoridade será sempre exercida no sentido de manter a Constituição, para evitar que à Pátria portuguesa sobrevenham novas perturbações e novos motivos de desassossego.
A Constituição consigna como organismo primacial do Estado as instituições parlamentares.
Dessas instituições faz menção a declaração ministerial, indicando que da parte do Poder Executivo há o propósito d© concorrer para o prestígio do Parlamento.
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Ainda bem que assim é e que o Poder Executivo; exercido pelo actual Govêrno, faz o reconhecimento de que êste prestigio é necessário e sente a necessidade dele, sendo de crer, portanto, que seja o primeiro a reconhecer que êsse prestígio se obtém não só pelo próprio funcionamento interno do. Congresso, mas também pela maneira como as atribuições e prerrogativas constitucionais do Poder Legislativo forem respeitadas pelo Poder Executivo.
Se o Poder Executivo exceder as suas atribuições constitucionais, isso só poderá concorrer para o desprestígio da instituição, parlamentar.
E preciso evitar êsse desprestígio, o ainda bem que a declaração ministerial manifesta o desejo de o evitar.
Refere-se ainda a mesma declaração ministerial à gravo crise financeira do Estado, dizendo que ela atingiu um grau excepcional.
São palavras que temos ouvido repetidas vezes, sem que até à data nos tivéssemos compenetrado do que efectivamente atravessamos uma situação muito grave.
O actual Provento, porém, pelos actos que já praticou, dá-nos a impressão de que sento, realmente, que esta crise existe.
Congratulo-me, pois, com o facto de que a afirmação de que o País atravessa uma gravíssima crise financeira não passa de meras palavras.
Apoiados.
Ainda bem que assim sucede.
Ficamos convencidos de que nos encontramos numa situação financeira que nos impõe as maiores reservas no emprego dos dinheiros públicos e eu folgo imenso de apreciar a declaração ministerial depois do actos concretos praticados pelo Govêrno, que traduzam de uma maneira inequívoca que o Govêrno sente realmente a necessidade de ocorrer a essa crise.
A minha atitude não significa, porém, que eu esteja absolutamente do acordo com todas as alterações feitas nos serviços públicos, porquanto pode haver pormenores ou maneiras que mo levem a contesta Ias.
Mas no que estamos de acordo é no modo geral como o actual Govêrno está procedendo relativamente às contas públicas, cousa que não sucedia há longo
tempo na nossa vida administrativa e política.
Já que falei em administração financeira, permito-me insistir num ponto de vista que por mais de uma vez tenho exposto nesta Câmara: a necessidade de dar às contas públicas a devida e indispensável publicidade, não só para mostrar que a nossa administração é feita honesta, escrupulosa e criteriosamente, mas também para interessar todos os cidadãos nessa administração, pois não há possibilidade de interessar um País num assunto cujos elementos de publicidade se neguem habitualmente.
Mais de uma vez tive ocasião do lamentar que as notas da situação do Banco de Portugal andassem bastante atrasadas na sua publicação, quando em países com uma vida financeira mais intensa do que a nossa, como a Inglaterra o a própria Alemanha, apesar da sua desorganização, se publica a situação dos seus bancos nos dois ou três dias imediatos â semana a que dizem respeito.
Como é que nós com uma vida financeira tam mesquinha não conseguimos fazer isso?
Porque é que vivemos durante anos com tam grande atraso na publicação do estado da dívida flutuante, quando há uma lei que manda fazer essa publicação mensalmente nos dez dias imediatos ao fim de cada mês?
Na Inglaterra faz-se a publicação do estado da dívida flutuante poucos dias depois da data respectiva.
Durante anos tivemos a prática — que eu continuo a considerar uma prática honesta — de publicar no Diário do Govêrno o extracto das verbas orçamentais dos diversos Ministérios, respeitando-se o decreto que obrigava essa publicação.
Cada Ministério publicava nos primeiros dias de cada mês o estado das verbas-orçamentais, indicando o que se tinha despendido e o saldo que havia; e quando no decorrer do mês se publicava uma lei ou um decreto transferindo ou reforçando verbas ou abrindo créditos, expunha-se o estado em que a verba se encontrava, e o público tinha assim elementos preciosíssimos de informação.
Desde 1917 que isso se deixou de fazer, o que eu lamento bastante, e para êsse facto chamo a atenção do Sr. Mi-
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nistro das Finanças, parecendo-me que era uma óptima medida que se restabelecesse essa prática, que viria contribuir para que o público se interessasse na administração financeira do Estado.
Poderia ainda fazer outras considerações sôbre a publicidade das contas públicas, porque a publicidade é elemento absolutamente necessário para um País mostrar que se governa dentro dos preceitos constitucionais.
Sem publicidade não há verdadeira democracia, porque não se pode administrar em segredo, furtando ao público o conhecimento do estado financeiro do País.
Estou de tal modo convencido do que as minhas palavras encontrarão eco no Sr. Presidente do Ministério, que confio em que S. Exa. prosseguirá sem desfalecimento no caminho encetado, mandando fazer -a publicação das contas do Estado.
O grupo parlamentar de que tenho a honra de fazer parte, o que pela minha boca acaba de dar a sua confiança à obra do actual Ministério, dá a êste todo o apoio que necessário seja em questões de ordem pública e em questões de carácter internacional.
Além disso êle confia de uma maneira especial no Sr. Presidente do Ministério, que exercerá de uma maneira eficaz a defesa da República o transpirará das soas palavras e actos o respeito pela Constituição, como está no seu programa, a que certamente não faltará, porque seria desmentir as próprias tradições.
Êste lado da Câmara dará ao Govêrno a cooperação que fôr indispensável para que êle consiga realizar a obra de restauração económica que na sua declaração julga indispensável e urgente.
Embora o problema seja de tal magnitude que não possa, ser resolvido por um Govêrno, êste lado da Câmara, repito, dará o seu apoio para uma obra útil e proveitosa para o País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Olavo:- Sr.-Presidente: em nome do Grupo Parlamentar de Acção Republicana, cabe-me a honra de saudar o Govêrno sob a presidência do Sr. Álvaro de Castro.
Há dias, foi enviada para a Mesa a comunicação da formação do Grupo Parlamentar do Acção Republicana, na qual estão fixadas as bases e princípios que são a sua razão originária: defesa da Constituição e prestígio do Parlamento.
A defesa da Constituição e o prestígio do Parlamento são hoje mais necessários do que nunca.
Defender o prestígio do Parlamento não é praticar actos de fôrça, mas fazer do Parlamento uma instituição útil pela convergência do esfôrço e inteligência dos seus membros.
Apoiados.
E fazer do Parlamento uma instituição elevada e norteada no intuito» de bem discutir o resolver os problemas da administração pública.
E fazer do Parlamento uma tribuna em que se ouça a voz do povo!
Apoiados.
Os inimigos do Parlamento costumam argumentar dizendo que êle é uma instituição estéril sob o ponto de vista legislativo; mas esquecem-se aqueles que assim falam das conseqüências das ditaduras salvadoras.
Apoiados.
Esquecem-se que nos países das verdadeiras democracias, como a França e a Inglaterra, o Parlamento funciona com utilidade.
Não há soberania nacional sem a existência do Parlamento.
Apoiados.
Mas, Sr. Presidente, nós somos obrigados a confessar que, pela nossa obra desordenada, pelas paixões ardentes e pelas preocupações de partidarismos, temos dado razão aos inimigos do Parlamento.
E necessário levantar o prestígio das funções parlamentares e isso só se pode fazer por uma acção comum e de conjunto.
É por isso que o Grupo Parlamentar de Acção Republicana rejubila pela formação do actual Govêrno, que tem à sua frente um homem público notável como o Sr. Álvaro do Castro.
Apoiados.
S. Exa. já dou brilhantes provas de sacrifício nas grandes batalhas políticas. As suas faculdades de trabalho, a sua inteligência votada ao estudo dos problemas da administração pública, o seu passado, a sua energia, a sua coragem são o sinal e o penhor bastantes de que o Go-
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vêrno da sua presidência há-de ser um Govêrno nitidamente republicano e do acção fecunda e prestimosa.
Eu quero acentuar ainda que o Sr. Presidente do Ministério só merece louvores pela escolha que fez dos seus colaboradores.
São quási todos pessoas que nós já conhecemos, como camaradas no Parlamento, cujo valor só tem acentuado com brilho nesta casa do Parlamento.
A todos, incluindo aqueles que pela primeira vez fazem parte do Govêrno, endereçamos os nossos cumprimentos, fazendo votos para que por largo tempo, para sua honra e préstimo do país, se conservem nas cadeiras do Poder.
Sr. Presidente: a característica fundamental dêste, Govêrno, aquela pela qual êle merece a simpatia e a confiança do país, é a que lhe dá o facto de ser um Govêrno que se formou fora de combinações do partidos, isto é, fora das conveniências 6 interêsses estritamente partidários.
E um Govêrno nacional, entendendo-se por esta expressão que a sua mais profunda aspiração é resolver a grave crise que nos asfixia e mata.
Os actos que já praticou nestes poucos dias da sua existência demonstram bem o estorço que êle está disposto a fazer no sentido do dignificar a vida do Estado e de aliviar o país do pêso esmagador do Orçamento desequilibrado.
E certo que na sua composição entram diversas figuras que pertencem a vários partidos da República; mas, se êstes não estão mais representados no Govêrno, a culpa não é do Sr. Álvaro de Castro.
Sr. Presidente: a hora que atravessamos não é nem pode ser de lutas, de incompatibilidades, de rancores, nem de batalha entre republicanos.
Eu entendo que o momento tormentoso por que a nacionalidade está passando è para que todos os partidos devam abater as suas bandeiras no altar da Pátria dolorida e ansiosa.
Os partidos que tal não fizeram, os homens da oposição que por um mal entendido orgulho, por uma ambição ou vaidade, colocarem os seus interêsses acima dos interêsses da nacionalidade, praticarão, uns e outros, uma obra criminosa.
Podo o Govêrno contar da parte do Grupo Parlamentar de Acção Republicana, com um apoio firme, decidido e completo.
E evidente que não abdicamos dos nossos direitos de crítica aos actos do Govêrno; mas, em todo o caso, essa crítica há-de ser condicionada pelos sinceros intuitos que nos animam, do uma útil colaboração com o Govêrno.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: respeitando uma velha praxe, começo por apresentar, em nome do Partido Nacionalista, de que sou leader os nossos cumprimentos ao chefe do Govêrno e aos seus colaboradores.
E com os nossos cumprimentos vão também os nossos melhores desejos por que a sua acção se traduza em qualquer cousa de útil para o País, cujos interêsses estão acima dos nossos ódios e credos.
Não entramos na análise que tantas vezes se tem feito, do passado político de todos os Ministros, que a audácia pertinaz do Sr. Álvaro de Castro conduziu até as cadeiras do Poder. Reputamos todos republicanos, mesmo quando o não fôssem até às vésperas de assumirem o cargo de Ministro. E se nem todos são republicanos históricos, da que tantas vozes, nas lutas parlamentares, se tem feito cavalo de batalha, em todo o caso ou sou o primeiro, por amor à verdade, a reconhecer que muitos dêsses tais que não são republicanos históricos têm procurado compensar aquela parte da sua vida que não foi dedicada ao culto dos ideais republicanos já pregando do alto de várias tribunas uma República mais ferozmente intransigente e truculenta do que a nossa, já livrando o povo republicano de pôr às costas as correias de soldado, o que representa, sem dúvida, um gravo imposto.
Apoiados.
Faço êstes cumprimentos em nome do partido de que sou leader. Mas como têm procurado envolver-me, pessoalmente, directamente ou indirectamente, consinta a Câmara que eu abandone por momento a minha qualidade de leader, deixando a um dos sub-leaders do meu partido o
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considerar a situação especial criada por êste Govêrno em face dos princípios.
Neste momento, pois, retomo a minha liberdade de acção,,imitando neste ponto o exemplo do Sr. Álvaro de Castro, que, quando falou na posso do Ministério a que presidiu o honrado republicano Ginestal Machado, o fez mais em seu nome pessoal do que em nome do seu partido.
Deixem-me falar agora em meu nome pessoal.
Pessoalmente também cumprimento os homens que se sentam nas bancadas do Govêrno, alguns dos quais conto no número dos meus amigos pessoais. Especializarei o Sr. Presidente do Ministério, o Sr. Ministro do Interior, o Sr. Ministro do Trabalho, o Sr. Ministro do Comércio e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, lamentando não ver presente dois dêstes meus amigos, o que constitui já a primeira infracção às tais consagradas praxes.
Das minhas ligações com o Sr. Álvaro de Castro, pode avaliar-se pela declaração que faço: que até o dia preciso da chegada do Sr. Afonso Costa eu fui um dos mais íntimos confidentes do Sr. Álvaro de Castro.
Nessa ocasião, posso garantir, que não eram as melhores as suas disposições, para com o Govêrno do Sr. António Maria da Silva, nem para com a Constituição, entidades de que depois se veio a constituir no mais feroz defensor, tornando-se, segundo a expressão do Sr. Carlos Olavo, um constitucionalista implacável.
Da minha situação perante o Sr. Ministro do Trabalho pode avaliar-se dizendo que eu o considero meu representante no Govêrno. De facto, não me posso esquecer da gentileza com que não há mês o meio S. Exa. acompanhado pelo Sr. João Bacelar quis subir as escadarias do Ministério das Finanças para me dizer que essa política obedecia apenas às minhas sugestões. Ora S. Exa. é um homem honrado; e, não me dizendo até agora que não continua obedecendo às,minhas sugestões, posso, com efeito, considerá-lo meu representante no Govêrno. É certo que S. Exa. se esqueceu de me ouvir sôbre a sua entrada no Gabinete; mas isso não pode alterar êstes valores de posição.
Recordo-me, é verdade, que quando ou estivo encarregado do presidir a umas eleições, na qual manifestei a plena liberdade de voto que eu desejava que todos os Ministros guardem neste País -recordo-me que S. Exa. me enviou por intermédio do Sr. Alves dos Santos o conselho de que os Deputados são como as casas: é melhor comprá-los feitos do que fazê-los. Não quero com isto dizer que foi por uma questão de preço que S. Exa. entrou no Ministério; mas certamente que S. Exa. ainda tem a mesma opinião.
Quanto ao Sr. António da Fonseca é um homem que me acostumei há muito a admirar na sua maleabilidade de inteligência.
Neste ponto não conheço ninguém nesta Câmara que o possa igualar senão o Sr. Ferreira da Rocha. E para provar a minha simpatia por S. Exa. permito-me cantar um episódio: Quando o Sr. Álvaro de Castro formou um Ministério que caiu pela calada da noite, couberam ao Partido Popular, convidado por S. Exa. para se fazer representar no Governo, três pastas.
Manifestei então o desejo ao Sr. Álvaro de Castro de que fizesse parte do gabinete o Sr. António da Fonseca; e, então, o Partido Popular abdicou duma das pastas, para que já estava indicado o Sr. Fernando Brederode, a fim de que o Sr. António da Fonseca, que costumava ser reconstituinte, fizesse parte do Govêrno a meu pedido. Isto prova a minha simpatia por S. Exa.
Fazem ainda parte do Govêrno os Srs. Domingos Pereira e Sá Cardoso antigos Presidentes do Ministério e que por várias vezes têm sido Presidentes desta Câmara.
Bastava esta circunstância para merecerem todo o nosso respeito, se outras qualidades de trato e coração não nos prendessem a S. Exas. A política poderá fazer-nos divergir, mas é impotente para desfazer a amizade que nos une.
Feitos estes cumprimentos aos Srs. Ministros (e peço desculpa de me não referir aos outros por não ter a honra de os conhecer pessoalmente), devo dizer que a declaração ministerial veio tardia.
Realmente, o Govêrno apresentou-se a toda a gente, fez já alguma cousa e só agora vem apresentar-se-nos, alterando
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um pouco as tradicionais praxes constitucionais. Antigamente os Governos nem sequer se atreviam a legislar antes do fazerem a sua apresentação ao Parlamento; mas o Sr. Álvaro de Castro passou — e, quanto a mim, bem - por cima desta praxe constitucional.
Dir-se há que S. Exa. não teve tempo para o fazer; mas isso não é bem assim, porque se levou algum tempo a discutir-se a questão do empréstimo a Moçambique, e então podia fazer-se a representação.
Naturalmente, porém, o Govêrno desconfiava do Parlamento e quis armar-se com, uma obra para coagir nobremente o Parlamento a votar-lhe a confiança. Mas é bom notar que isto está um pouco fora da Constituição!
Sr. Presidente: têm-me acusado — o até se fez isso na minha ausência! — como têm acusado o Govêrno anterior a êste de várias tentativas para sair da Constituição ou pelo menos ofendê-la nos seus princípios.
Já que tanto se fala na intervenção da fôrça pública nos destinos do País, acho que merece a pena fazer a história dos acontecimentos dos últimos tempos. Só assim se poderá avaliar a responsabilidade de nós todos; e eu reservo para~ mim a crítica que reservava o Sr. Álvaro de Castro apreciando os actos do Sr. Presidente da República, António José de Almeida.
Foi no final do Ministério, ao que dizem as minhas informações, a que presidiu o republicano que é o Sr. António Maria da Silva que na guarnição de Lisboa se começaram a estabelecer descontentamentos, porque se dizia que, estando toda- a fôrça pública disposta a ajudar os Governos, quaisquer que fôssem, a manter intransigentemente a ordem e acabar de vez com as sedições, os Governos não usavam tam simplesmente, como a fôrça pública o desejava, dessa fôrça no sentido de livrarem Lisboa dos focos de desordem que nela perpetuamente vivem. Consta-me que a fôrça pública, por intermédio dum dos seus membros, entabulou negociações com uma das pessoas da intimidade do Sr. Presidente da República, e S. Exa. manifestou desejos de ouvir a guarnição de Lisboa.
O Sr. Presidente, da República aquiesceu a, êsse desejo e combinou que haveria
um chá em Belém; e que para êsse chá seriam convidados os oficiais mais representativos da guarnição de Lisboa. Teria por êsse meio ensejo de contar as suas mágoas e expôs as suas queixas, começando o venerando e supremo magistrado da Nação por cometer em primeiro acto inconstitucional.
Apoiados.
S. Exa. teria pedido a então Presidente do Govêrno Sr. António Maria da Silva para serem expedidos os convites pelo Ministério da Guerra.
Teve dúvidas em aceder a êste pedido, como honrado republicano que é, o então chefe do Govêrno. Daí resultou haver várias opiniões, e a opinião de que isso era inconstitucional. Suponho ter sido por isso que se gerou o chá do Presidente.
Mas dizia-se que alguns generais, que tinha sido desta, opinião, mais tarde mudaram de parecer o começaram a considerar o projectado chá como chá consti-tucionalíssimo e disciplinar. E. então, dizem as minhas informações que se en-tabolaram negociações no sentido de tornar a haver o chá. Desta vez parece que um dos oficiais da guarnição fizera novamente gorar o chá.
O venerando e supremo magistrado da República acedeu à idea de visitas os quartéis da guarnição, a fim de tomar contacto com os estados do espírito da guarnição.
Esta atitude pessoal do Presidente da República junto da guarnição de Lisboa tinha o seu complemento nos intervalos das visitas.
Ocorro preguntar porque seria aconselhado uma tam estranha atitude do Sr. Presidente da República.
S. Exa. vinha da liberal Inglaterra; desembarcou de um navio inglês, sob a bandeira inglesa; conhecia muito bem os seus costumes.
Ser-me há licito saber se algum dia o venerando e supremo magistrado da República têve o ensejo de ver que o Rei da Inglaterra procurasse por qualquer forma exercer qualquer acção sôbre oficiais?
Em todo o caso, vindo da Inglaterra, alheado do conhecimento dos homens públicos do seu país, o primeiro cuidado seria conhecer os homens políticos, não só os que dentro duma democracia devem
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governar, todos aqueles que importava conhecer, que tinham como oficiais os comandantes exercido a sua acção, todos que deram tudo que puderam dar para a manutenção da ordem pública.
Apoiados.
Evidentemente que S. Exa. não vem da Inglaterra conspirar; mas a verdade é que o Sr. Presidente da República proferiu dar a êste país uma direcção errada, talvez tentando o aliciamento dos oficiais.
Não apoiados.
Apoiados.
Protestos.
Importa também, preguntar, visto que não há fumo sem haver fogo, contra quem é que o Sr. Presidente da República procurava emfim defender-se. Contra quem é que êle pretendia, porventura, defender o livre exercício da sua acção constitucional.
Seria contra os democráticos? Contra mim? Contra quem seria?
Entendo que desde que nós entrámos ao caminho das revelações não devemos ficar em meio.
Apoiados.
Contra quem era, repito, que S. Exa. Queria defender-se? Seria contra o Sr. Álvaro de Castro que nessa época procurava também sondar o estado de espírito da guarnição de Lisboa, creio que com o intuito de apressar a queda ministerial do Govêrno do Sr. António Maria da Silva?
Pois, meus senhores, por uma estranha ironia dos factos, os acontecimentos desenrolaram-se de forma que foi uma enorme confusão.
Vejo que o Sr. Presidente da República, em política tem conseguido pelo desconhecimento dos homens da República portuguesa um trabalho confuso.
Aparece-nos o Sr. Álvaro de Castro como defensor da Constituição de braço dado com o Sr. António Maria da Silva, contra o qual dirigiu os seus ataques num debate aqui travado acerca de perseguições exercidas por determinados democráticos da Madeira.
Nessa altura, S. Exa. entendia que poderia lançar aqui o grito de revolta contra os que pretendiam ir contra os direitos individuais dos cidadãos.
Pregunta puxa resposta, resposta origina nova pregunta, e a certa altura o
Sr. António Maria da Silva preguntou ao Sr. Álvaro de Castro.
- Mas então V. Exa. não fez já porte dum Ministério comigo?
Respondeu o Sr. Álvaro de Castro:
— Com que repugnância eu o fiz!
Ao que nos obriga a política e o nosso amor à República!
Felizmente, meses volvidos, os dois estavam aliados e o Sr. António Maria da Silva era convidado pelo Sr. Álvaro de Castro a entrar no Ministério a que êle ia presidir. O Sr. António Maria da Silva, porém, lembrando-se talvez à aquela repugnância, para não obrigar o Sr. Álvaro de Castro a novos sacrifícios não quis entrar nesse Ministério.
Veja a Câmara o que é o novelo da política actual, o que é a falta dum leme seguro, nos acontecimentos políticos
Através dos factos que precipitaram a queda do Govêrno anterior e que fizeram surgir o actual Ministério, o Sr. Presidente da República teve manifestamente uma acção pessoal.
Eu sei dum jornal, que me dizem inspirado das visinhanças de Belém, que andou proclamando que o Govêrno do Sr. Ginestal Machado há muito tempo que vinha preparando um golpe, fazendo relatos deturpados de cousas que se passaram e que eram secretas.
Contado, se nós quiséssemos analisar serenamente a questão, poderíamos, com a mesma soma de argumentos, voltar o bico ao prego e preguntar se foi o Govêrno que quis conspirar contra o Sr. Presidente da República ou se foi S. Exa. que quis conspirar contra o Govêrno.
Qual foi a acção do Sr. Presidente da República?
S. Exa. estava informado de que se tentava qualquer movimento revolucionário.
O Sr. Ginestal Machado estava jantando quando foi surpreendido por um certo numero de sinais dêsse movimento. Não tendo o automóvel ao seu dispor nessa ocasião, teve do o arranjar.
Procurou aproximar-se do quartel de sapadores e o seu primeiro cuidado foi o de telefonar para (aa autoridades encarregadas do guardar o Sr. Presidente da República, o depois telefonar ao Chefe do Estado. Os telefones avariaram-se; e foi preciso concertá-los - o que demorou
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certo tempo. Mas o que é indiscutível é que a pessoa do Sr. Presidente da República foi a primeira preocupação do Sr. Ginestal Machado.
Por circunstanciai várias, a Guarda Republicana não cumpriu tam apressadamente como era para desejar as ordens que recebeu para guardar o Sr. Presidente da República.
Resolvemos que um de nós fôsse para junto do Sr. Presidente da República ou que o Sr. Presidente da República viesse para junto de nós; o neste sentido telefonámos a S. Exa.
Obtivemos de S. Exa. uma resposta evasiva, dizendo que daí a um quarto do hora nos transmitiria, a sua resolução a êste respeito.
Pouco depois a polícia preguntava-nos qual o caminho que seguia o Sr. Presidente da República, que tinha sido visto na cidade. Surprêsa nossa!
O Chefe de Estado tinha, saído de Belém, fazendo uma escapada de colegial e procurando iludir o seu Govêrno.
Protestos da esquerda,
Vozes: — A pessoa do ÍSr. Presidente da República não pode ser discutida!
O Orador: — Sr. Presidente: creio que da parte dalgumas pessoas que julgam que eu me estou excedendo no uso dos meus direitos, há uma ligeira confusão, porque tendo vindo algumas dessas pessoas do Parlamento da monarquia lembram-se só da constituição do regime deposto e não sabem o que é a Constituição da República.
Servindo-me do mesmo direito com que a personalidade do Sr. António José de Almeida, quando Presidente da República, foi aqui discutida pelo Sr. Álvaro de Castro, eu vou continuar.
O Sr. Presidente da República foi, sem conhecimento do seu Governo, ao Corpo de Marinheiros contar quantas praças lá estavam. Dali seguiu para o Arsenal donde, sem conhecimento ainda do seu Govêrno, pretendeu embarcar para bordo do Douro revoltado, navio em que se encontrava chefiando a revolta o Sr. João Manuel de Carvalho, intimo amigo do Chefe do Estado.
Foi depois disto que o Govêrno, topando pelo telefone o Sr. Presidente da
República, lhe manifestou a sua estranheza por S. Exa. se ter querido ir lançar-nos braços dos revoltosos.
O Sr. Presidente da República não podendo ir a bordo do Douro foi para o Quartel do Carmo, isto é, da Marinha passou para a Guarda Republicana, regressando depois a Belém.
O que se vê, Sr. Presidente, é que o Sr. Presidente da República com aqueles passeios todos não fez mais do que exercer uma pura acção presidencialista, acção esta que tanto tem sido condenada por todos aqueles que tam defensores são da Constituição.
A verdade é que S. Exa., exercendo como exerceu urna pura acção presidencialista, não manifestou de qualquer forma a sua discordância ao Govêrno, pois a única forma que tenha para o fazer ora demitindo-o, o que não fez.
Desnecessário se torna, Sr. Presidente, estar a detalhar à Câmara o decorrer de todos os acontecimentos; mas o que é um facto é que o Govêrno estava condenado a morrer por uma de duas fôrças: ou por uma revolta, ou pelo Parlamento. E, assim, não tendo sido derrubado pela revolta, foi-o naturalmente pelo Parlamento.
Foi então, Sr. Presidente, que, lendo sido posta nessa ocasião ao Sr. Presidente da República o problema da dissolução do Parlamento, S. Exa. declarou terminantemente que não queria dissolver o Parlamento, pelo que começou depois a fazer as consultas que é da praxe.
O que na verdade é deveras curioso, Sr. Presidente, é que, depois de todas essas consultas, foi marcado o nome do Sr. Álvaro de Castro para organizar Ministério. Mas indicado por quem, Sr. Presidente?
Pelo Partido a que S. Exa. pertencia, como era natural?
Não, Sr. Presidente, mas sim indicado pelo Partido adverso àquele a que S. Exa. pertencia — o que mostra bem os entendimentos que havia entre o Sr. Álvaro de Castro e aquele Partido.
Apoiados.
Decretou-se a nossa condenação sem se ouvir o Partido Nacionalista. Desta falta o Sr. Presidente da República não conseguiu outro resultado senão estabelecer a seisão no Partido Nacionalista, de onde proveio a queda do Govêrno, — não por
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fraqueza dêste, mas pelo acto presidencialista.
Foi, pois, uma manifestação contra o Partido Nacionalista, contra a sua existência,— e isso foi provocado pelo Presidente da República.
Não apoiados.
Apoiados.
Isto é uma opinião pessoal, muito minha e da qual tomo a responsabilidade inteira, por uma forma clara, — muito mais clara do que a de outras entidades.
Historiar os acontecimentos não merece a pena. O Govêrno do Sr. Álvaro do Castro tem sido elogiado pela imprensa que logo do princípio o acompanhou, ao contrário do que fez com o Partido Nacionalista. Não se vanglorio ninguém dêsses elogios, pois êles são pagos caros, ou por pecúnia ou por favores. Eu faço inteira justiça ao Sr. Álvaro do Castro: — S. Exa. não se presta a semelhantes cousas; mas é bom recear dêsse apoio que à mais pequena cousa pode desaparecer.
Eu vou dizer a V. Exa. o que é o apoio da imprensa, duma parte da imprensa do meu país.
Refiro-me ao Sr. general Norton de Matos. S. Exa. tem tido uma imprensa favorável, se exceptuarmos o jornal A Pátria e poucos mais; mas é bom que a Câmara saiba o que custa na imprensa o elogio feito aos homens.
No dia 15 de Outubro de 1921 foi publicado no Século um artigo intitulado Angola progressiva.
São duas meias colunas de elogio à acção do Sr. Norton de Matos, que é realmente um homem, pelas suas qualidades de acção, digno de elogio. Mas, Sr. Presidente, eu tenho aqui na mão o recibo autêntico do custo dêsses elogios: custaram três contos por um lado — trezentas linhas a dez escudos cada — e depois mais ainda, conforme o documento passado pela Agência Colonial de Angola à Empresa de Publicidade, — mais 2:120$00. Quere dizer: — êste elogio custou 5:120$.
Mas há mais.
Publicou o jornal O Mundo uma colecção de artigos todos de elogio ao Alto Comissário de Angola subordinados a êste título Obras e não palavras.
São elogios à acção do Sr. Norton de Matos. Também aqui tenho uma série de facturas respeitantes ao preço dêstes artigos.
Mas há mais e melhor.
Tenho aqui três ecos do jornal O Mundo subordinados ao título Alto Comissário.
Êstes três ecos custaram 7:560$, segundo o recibo que aqui tenho.
A verdade, portanto, é esta: da imprensa portuguesa é digna e honrada aquela que vive com dificuldades. Eu tenho o maior de todos os respeitos, por aquelas pessoas que trabalham na imprensa e que são forçadas muitas vezes a escrever cousas contrárias ao seu modo do ver, de sentir, que lutam para se manterem com dificuldades, que lutam ferozmente com a carestia do papel.
Há jornais muito honrados; mas a circunstância dos elogios duma parte da imprensa ou dos seus vilipêndios hoje nada quere dizer, porque se paga para elogiar e se paga para deprimir.
O Sr. Carvalho da Silva: — Quere dizer que não se fazem «afirmações gratuitas»»
Risos.
O Orador: — Quere isto dizer, portanto, que nem sempre são absolutamente convincentes os elogios da imprensa, que há aquela imprensa honrada que não vende os seus favores e aquela que os mercadeja como as colarejas, e que a opinião pública orientada por uma imprensa deletéria é hoje de si uma ditadura pior que todas as outras, — e isto porque só têm em vista deturpar todos os pensamentos exigindo que toda a gente veja por um prisma diferente daquele por que deve ver.
Veja-se como foram realizadas as minhas pobres propostas de compressão de desposa; veja-se como foi deturpado o seu sentido e como se fez depois esta fácil exploração.
E verdade que nas propostas apresentadas pelo Govêrno do Sr. Álvaro de Castro há muito daquilo que existia no trabalho do Ministro das Finanças que o precedeu; mas aquele teve a suprema habilidade do realizar quando êste procurava simplesmente interpretar as leis e verificar se dentro delas havia qualquer forma para imediatamente iniciar a compressão de despesas.
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Veja-se como aquilo que então era mau, aparece transformado em bom por uma imprensa mercenária e que preza pouco a dignidade da sua missão.
E, contudo, há uma razão simplicíssima que se mete pelos olhos dentro e que explica a diferença do procedimento do Govêrno a que preside o Sr. Álvaro de Castro e a do Govêrno a que presidiu o Sr. Ginestal Machado,
No texto das propostas do Sr. Álvaro de Castro, por exemplo naquela que diz respeito às escolas primárias superiores, há um considerando citando determinados artigos.
Importa ler os artigos citados, importa lê-los para se compreender qual era a diferença fundamental entre o pensamento do Sr. Álvaro de Castro e o pensamento que presidia às propostas que apresentámos ao Parlamento.
O Govêrno actual não realiza pràticamente nenhuma economia.
O que faz é extinguir quadros; mas, dessa extinção de quadros, resultará que os funcionários que os estejam preenchendo ficarão adidos ou prestando serviço noutras repartições.
Se ficam adidos, recebem 5/6 dos seus ordenados; se ficarem trabalhando noutro lado ganham pelo primitivo lugar.
Quere isto dizer que o Sr. Álvaro de Castro fez apenas isto: extinguiu quadros sem que daí resulte qualquer economia. Ora essa situação só pode acabar quando o Parlamento fizer a remodelação dos quadros; e o que eu queria era, antes dessa remodelação, começar por fazer uma grande economia extinguindo certos serviços e pagando aos funcionários que pertenciam a êsses serviços muitíssimo menos, e isso só quando não tivessem direito à reforma.
Assim só faria uma economia apreciável; ao passo que pela forma como o fez o Sr. Álvaro de Castro não resulta economia sensível.
Pregunto à Câmara qual foi aquele que teve o objectivo de iludir a opinião pública: se fui eu, querendo que as cousas corressem pelo normal, ou S. Exa., fazendo medidas que são transitórias, porque amanha poderão ser prejudicadas pela resolução do Parlamento, colocando todos os funcionários na circunstância de continuarem a ganhar o mesmo com a agravante de não fazerem cousa alguma.
Há também um problema muito debatido e para o qual chamo a atenção da Câmara.
Citou-se isso a propósito dos automóveis e telefones.
Dizia-se: os Ministros podem reduzir os automóveis, esquecendo-se, porém, a maior parte das pessoas, que tal afirmam, que alguma razão devia ter havido para que a comissão de finanças tivesse incluído na sua proposta dois artigos respeitantes a automóveis.
Se um Ministro tem realmente poderes para mandar vender uma dúzia de automóveis, um outro Ministro tem poderes para restabelecer a sua existência.
Já vêem V. Exas., portanto, que às vezes vale mais a pena ir devagar que depressa.
São estas as considerações que eu tinha a fazer com a minha inteira responsabilidade.
Nada tem com elas o partido à que pertenço.
Êste partido, pela boca do seu leader, dirá o que pensa acerca do problema político.
Conheço o que são os movimentos subterrâneos da vida portuguesa; e por isso me rio dos apregoados constitucionalismos.
Conheço claramente o papel de plutocracia da vida política portuguesa; mas não o respeitarei nem me quero sujeitar a êle.
Sou daqueles que dizem a verdade com a sua única responsabilidade.
E se fôr preciso acentuar mais o papel de certos constitucionalistas, ainda tenho mais para dizer.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: com muito prazer, fora do significado estreito da praxe parlamentar, dirijo ao Sr. Álvaro de Castro, como Presidente do Ministério, as minhas saudações.
O Sr. Álvaro de Castro tem-se afirmado sempre, na política portuguesa, a par duma inteligência de relevo, um altíssimo valor moral.
Apoiados.
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A todos os republicanos se impõe; nada devo à República, nada da política solicitou.
Apoiados.
Tem procurado dar à República os altíssimos sacrifícios que vão até ao ponto de se alhear completamente até dos interêsses pessoais e da família.
Tudo tem sabido esquecer para pôr acima do todos os interêsses os interêsses superiores da Pátria e da República.
Apoiados.
São palavras de justiça que dirijo com todo o prazer ao chefe do Govêrno.
Tara, habilitados estavam nesta República a pôr de parte os valores morais, que, quando surge um homem como o Sr. Álvaro do Castro, não constitui senão um acto do justiça o dirigir-lhe estas palavras.
Um homem como eu, sem filiação partidária, teria obrigação de as dizer.
Os meus cumprimentos pois ao Sr. Álvaro de Castro e a muitos dos colaboradores de S. Exa. com quem mantenho velhas relações de amizade e por quem tenho uma justificada admiração a que os seus merecimentos dão motivo.
Entro êles, está o Sr. António da Fonseca, cuja obra na República tem sido de construção.
Apoiados.
Impõe-se à admiração do amigos e adversários.
Apoiados.
No Ministério da Guerra vejo uma das figuras mais distintas do nosso exército, que nas horas do perigo nenhuma importância liga à sua vida, porque a considerava pequena ante a honra e dignidade da República.
Outros são antigos parlamentares; e outros, não o sendo, têm procurado lá fora com obras e intenções demonstrar superiores qualidades de inteligência para a obra administrativa da República.
Desejo salientar com prazer que êste Govêrno tem representá-lo características do valor moral.
Apoiados.
O Sr. Álvaro do Castro, na sua Declaração Ministerial faz declarações que são para nós todos a demonstração de que procurará sobretudo sanear o ambiente da administração republicana.
Nada pode ser mais grato em política do que ver traduzirem-se em factos estas consoladoras o animadoras palavras, o que a todos os republicanos deve contentar.
Quero chamar a atenção do Chefe do Govêrno para os factos que tem do prender a atenção do S. Exa., que, como republicano, se tem batido pela República, à, qual tem dado quanto é possível dar a um princípio.
Refiro-me a certas autoridades administrativas que, se não tem mostrado espírito de hostilidade aos republicanos, em todo o caso demonstram a sua inferioridade lamentável.
Apoiados.
Não trato de discutir agora nenhum caso concreto.
Desejo, antes de fazer algumas considerações a respeito do factos políticos, pedir aos Srs. Álvaro de Castro o Ministro do Interior que atendam ao que se está. passando em alguns pontos do país, e que não pode prestigiar a República.
Êstes reparos, Sr. Presidente, não deminuem de modo algum a muita consideração que eu tenho, não só pelo Sr. Presidente do Ministério, como pelo Sr. Ministro do Interior, fazendo votos por que os seus actos correspondam aos desejos de muitos republicanos.
Nem outra cousa será de esperar de velhos republicanos, como o são o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior.
Sr. Presidente: o Govêrno pensa, o muito bom, em preocupar-se unicamente com a política financeira, colonial o internacional.
O momento, Sr. Presidente, não comporta outras preocupações: pois, a verdade é que trazer efectivamente para o debate aqui, ou lá fora, questões mínimas, não fará senão enfraquecer os propósitos superiores do Govêrno, que aliás devem ser de todo o País, qual seja o do legalizar a nossa administração pública.
Desejo, Sr. Presidente, aplaudir sinceramente os propósitos do Govêrno, reduzindo as despesas.
Tudo quanto possa fazer nêsse campo, mesmo que surjam reclamações, terá o inteiro aplauso do País.
O Govêrno, Sr. Presidente, simplesmente ao fazer êsses cortes que pretende realizar, deve proceder com toda a justiça e
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ponderação; pois a verdade é que se por um lado necessário se torna reduzir as despesas, por outro lado necessário se torna também que isso seja feito de forma a que de um momento para o outro não possam surgir complicações para alguns serviços públicos.
É absolutamente necessário, repito, reduzir todas as despesas, mas, Sr. Presidente, tendo em atenção o regular andamento dos serviços públicos.
De outro modo fugindo do um mal, do um inconveniente, vamos para outro maior.
Promete o Govêrno tratar do problema das receitas.
Bem sabe o Sr. Ministro das Finanças que efectivamente não será a compressão das despesas que fará equilibrar o Orçamento.
Por isso eu quero dizer que a Câmara não deixará de dar o seu aplauso às medidas para equilibrar o Orçamento, aumentando as receitas, e distribuindo impostos.
Isto pode fazê-lo um homem como o Sr. Álvaro de Castro, que, não tendo que respeitar os desejos ilegítimos da plutocracia, está apto a realizar a obra que se torna necessária.
As palavras de cumprimento que dirigi ao Sr. Ministro do Comércio posso sem esfôrço ampliá-las aos outros Ministros.
Elas são a prova de que acredito sinceramente na sua acção, escusando de dizer as palavras que proferi na apresentação do Ministério que precedeu êste Ministério.
Quero em todo o caso chamar a atenção do Govêrno para factos que se estão dando e que não podem deixar de merecer uma cuidadosa e escrupulosa vigilância e decisiva acção da parte de quem gere os destinos do País.
Refiro-me aos aspectos da nossa política internacional.
Encontram-se em Portugal, neste momento, os homens que estão nos postos diplomáticos de maior responsabilidade.
Outros postos estão vagos, dizendo o Govêrno que não os preencherá.
É possível que o Govêrno tenha motivos para tal resolução; mas mal se compreende que, neste momento em que em Londres se trata de uma grande operacão financeira para a nossa província de
Moçambique, e no momento em que estão em jôgo os nossos interêsses nessa província, fique vaga essa legação.
Mas não basta o Govêrno fazer o preenchimento dessas vagas de tanta importância e responsabilidade. E necessário também que faça o, que há muitos anos se vem reclamando: a reforma dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros que se impõe cada vez mais.
Apoiados.
Agora mesmo os jornais brasileiros referem factos para os quais julgo obrigação minha, chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério, visto não estar presente o Sr. Ministro d[ps Negócios Estrangeiros.
Êsses jornais referem que se estão fazendo em alguns estados do Brasil contratos de imigração com engajadores portugueses.
Julgo gravíssimo êste facto. O Govêrno não pode deixar de atender a êle, porque representa para o nosso brio nacional uma ofensa.
O problema da emigração tem servido para tiradas oratórias e ardentes artigos nos jornais; mas um Govêrno de uma democracia de há muito que o devia ter resolvido para que vergonhas como esta, que acabo de referir, não se dessem.
Uma séria reforma dos serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros já teria zelosamente tratado dos interêsses dos nossos emigrantes, e teria evitado as vergonhas que muitas vezes os jornais denunciam, e que, continuando a dar-se, prejudicam a nossa dignidade e brio nacional.
Dizendo o que acabo de dizer, não digo qualquer palavra que possa ter um mal entendido; porque nestes assuntos de política internacional há aspectos delicados a que é necessário atender; e, tendo e& a obrigação de chamar a atenção do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros para certos factos, quero deixar bom claras as minhas ideas com respeito aos factos.
Quero referir-me ao lamentável incidente que diz respeito a uma aspiração, que sem ser de maior perigo, em todo o caso constitui motivo para preocupações nas pessoas que se ocupam dos nossos interêsses nacionais.
O que se passou com a organização do chamado desafio de football em Espanha,
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e a resolução tomada naquele país por certas organizações, para que se empreguem todos os esfôrços para o desenvolvimento dos interêsses espanhóis no estrangeiro, dá-nos direito a pensar no assunto, e a reclamar a atenção do Govêrno, que certamente não deixará de tratar de uma questão que pode ter vários aspectos graves.
Mas — disse-o já — o que na declaração do Govêrno mais fundamentalmente justificou a minha simpatia, foi a afirmação de que se procuraria carrilar a administração republicana nos princípios da mais sã moral.
Sr. Presidente: temos vivido há anos, sobretudo nos últimos anos, rodeados de uma pesada atmosfera de suspeições e do escândalos que só têm servido para desprestigiar a República e o País.
Propõe-se o Govêrno regularizar a nossa vida administrativa. Bem necessário é que o faça; indigno seria êle da sua missão se, efectivamente, deixasse, um só momento sequer, de se preocupar com êsse desideratum.
Andam no ar — e o País sabe-o muito bem — um determinado número de questões que por não terem sido ainda resolvidas continuam pendentes em termos de atingir gravemente não só o bom nome do regime, mas o próprio prestígio da administração do Estado.
Refiro-me àquelas questões que demandam a intervenção decisiva do Govêrno. Refiro-me, por exemplo, a essa questão das 400:000 libras emprestadas pelo Estado a determinados bancos. Refiro-me à questão dos Transportes Marítimos que tem revestido aspectos que exigem as mais prontes e enégicas providências.
Tratou-se de pagar as dívidas dos Transportes Marítimos; mas até agora ninguém pensou em cobrar os créditos dêsses mesmos Transportes. Houve vários pleitos em que estiveram em causa milhares de libras; mas nunca mais se ouviu falar em nada.
Outras questões encontrado Govêrno na sua frente para resolver.
Atente o Govêrno no célebre caso do arroz espanhol que tanto deu que falar nesta casa do Parlamento» Atente o Govêrno em todos os desfalques e desperdícios que se estão dando todos os dias sem qualquer espécie de sanção. Atente o Govêrno nessa malfadada questão da exposição do Rio de Janeiro que tantos milhares de contos tem custado ao País. Atente o Govêrno na vida do certos monopólios, do certas companhias e de certas emprêsas previlegiadas, não para satisfazer campanhas por vozes exaltadas de pessoas que supõem que no berrar é que reside a razão, mas para analizar imparcialmente a sua situação um face do Estado.
Vejamos, por exemplo, a Companhia das Lezírias que está neste momento alienando darte dos seus bens duma maneira que não tem escapado até as críticas das suas assembleas gerais. Efectivamente não se compreende que sôbre determinadas entidades que têm realizado formidáveis lucros à custa dos favores do Estado, não recaia uma acção fiscalizadora como é mester.
Há anos foi feita a concessão duma das mais importantes quedas de água do Pais — a do Rabojão feita à casa Burnay. E, cousa curiosa, a casa Burnay com um pensamento de administração aliás louvável, começou a trabalhar por fazer as suas obras; mas em determinado momento, porque não tinham viabilidade essas obras á casa Burnay transferiu a concessão a um grupo francos, grupo que, mais tarde, negociou com um grupo português que é o principal interessado num outro aproveitamento hidro-electrico que, tendo encontrado consumo para a sua energia, a venda, todavia, por preços muito altos.
Um novo grupo detentor da concessão do Ramalhão participou ao Govêrno a formação futura, próxima, de uma empresa para explorar essa concessão. Primorosamente se nomearam para essa empresa que, aliás, não tem estatutos legalizados, que não tem existência legal, dois administradores e um comissário por parte do Govêrno. Escuso de dizer ao Sr. Presidente do Ministério que, efectivamente, são nulas essas nomeações. Não era isto, porém, o que eu queria frisar, mas sim que a fiscalização junto dessas entidades poderosas que exploram concessões do Estado representa mais a preocupações de arranjar lugares para amigos do que a fiscaliza, de analisar detidamente, de informar o Govêrno e de lhe fornecer os elementos necessários para que êle possa intervir quando essas entidades não
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explorem como devem as respectivas concessões. Por isto é que me interesso chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério. E, Sr. Presidente, falando do monopólios, surge neste momento para a Câmara e para o País uma questão das mais importantes, uma questão em volta' da qual girou a administração monárquica, uma questão que foi porventura um dos motivos primordiais da queda da monarquia e que, se não foi, efectivamente, encarada e enfrentada como deve ser, pode tornar-se uma razão da queda da República. Refiro-me à questão dos salários. Terei ocasião no decorrer das minhas considerações, de mandar para a Mesa uma moção em que condeno as medidas que entendo que o Parlamento e o Govêrno têm obrigação de tomar em face ao que se está passando, do que muito recentemente se passou na assemblea geral da Companhia dos Tabacos. Nos últimos dias de Dezembro do ano findo encontrava-me em férias e li num jornal do norte o relato, resumido, é certo, do que se passou na assemblea geral da Companhia dos Tabacos.
Um accionista, o Sr. Eduardo John, que, na verdade, não é um accionista qualquer, que foi director da Companhia dos Tabacos, que e um financeiro muito conhecido nas praças de Lisboa o Pôrto e até lá fora fez, como accionista, defendendo os seus interêsses do accionista, acusações muito graves à administração da Companhia.
A essas acusações respondera o presidente do conselho de administração com hesitantes e titubiantes palavras que mais não eram do que o accionista John havia censurado.
Tenho ainda aqui o recorto do jornal do norte, pelo qual tomei conhecimento do que em relação a essa assemblea geral se passou, do que teriam sido as acusações do accionista John e do que teria sido a defesa do presidente do conselho de administração da Companhia dos Tabacos. Depois disso, embora com alguns esfôrços, consegui haver à mão o relatório completo apresentado a essa assemblea geral, relatório de reclamação à mistura com algumas sugestões que poderiam parecer ditadas pelo bom público.
Sr. Presidente: tomando conhecimento dessas declarações, e dêsse relatório, esperei que o Govêrno tomasse sob o caso as resoluções que lhe cumpriam.
Efectivamente o Govêrno alguma cousa fez, mas não fez o que devia, porque o Sr. Ministro das Finanças foi pedir esclarecimentos a uma entidade que devia ter a iniciativa do lhos dar. Fez alguma cousa, é certo, mas não tudo quanto podia fazer dentro do contrato o das leis em vigor.
Sr. Presidente: o Sr. Eduardo John foi director da Companhia dos Tabacos, e participou largamente dessa vida discutida duma entidade acoimada da mais prejudicial para a vida do país. E êle, que tanto protestou na assemblea geral contra as contas secretas da direcção, fez parto do grupo do banqueiros que se propunha emprestar dinheiro ao Estado.
Assim se explica que o Sr. John accionista é muito mais exigente do que o Sr. John director da Companhia dos Tabacos.
Eu não sei se cometo uma inconfidência no que vou dizer, mas creio que não, porque êle já foi tratado num jornal.
Diz-se que quando era Ministro das Finanças um dos nossos mais inteligentes colegas desta Câmara se apresentou ao Govêrno um financeiro oferecendo alguns milhões de libras — não muitos — sem nenhuma espécie de garantia. Tamanho era o bôlo que o Ministro preguntou-lhe quais seriam as condições de pagamento; a isto o financeiro respondera que não precisava de garantias, que faria vários suprimentos o que o pagamento seria feito em Abril do 1926.
Parece que o Ministro fizera notar que era em. Abril de 192G que terminava o contrato dos tabacos. Tal foi o efeito deste reparo que o financeiro não mais apareceu.
Não quero dizer que o financeiro fôsse o Sr. Eduardo John, mas foi um daqueles financeiros que estão sempre prontos a salvar o pais.
O accionista Jolm atacou rudemente a direcção da Companhia, chegando o Sr. Burnay a dizer que eram questões pessoais.
Talvez o adágio «ralham as comadres descobrem-se as verdades» tenha aplicação.
A comadre John zangou-se com a comadre Burnay, e daí o ataque da primeira contra a segunda.
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Uma simples pregunta que vem no relatório bastaria para que o Sr. Ministro das Finanças pedisse contas ao comissário do Govêrno junto da Companhia, que que a tem deixado lazer tudo quanto tem querido.
Sr. Presidente: não se admite que haja um accionista que numa assemblea geral formule preguntas de tal natureza, e que o comissário do Govêrno, que certamente assistiu à sessão, não se apressasse a comunicar ao Govêrno o que lá se havia passado.
Eu não tenho nenhuma má vontade contra o comissário do Govêrno junto da Companhia dos Tabacos, mas apenas o que pretendo é pôr em relevo o que é a fiscalização dos monopólios, para cujo serviço se escolhera excelentes pessoas, mas que se importam tanto com a fiscalização como eu mo preocupo com o que só passa agora, por exemplo, em casa dum negociante chinês.
Mas não param por aqui as preguntas do accionista John, agora mais exigente do que o antigo director da Companhia dos Tabacos, algumas das quais assumem uma gravidade iniludível.
Sr. Presidente: em todos os países o monopólio dos tabacos tem merecido uma atenção especial, pelas operações de crédito a que pode dar lugar, e não compreendo porque entro nós não se cuidou atentamente desta questão, chegando-se a esta desgraçada situação de só pretender lazer acordos sucessivos sem qualquer resultado.
Mas. Sr. Presidente, o accionista John vai mais longe, e neste momento não sei só o comissário do Govêrno já deu os esclarecimentos que o Sr. Ministro das Finanças lhe solicitou, dando-se o caso extraordinário do a Companhia não ter encontrado outra cousa que lazer que não seja a de ir cumprimentar o Sr. Ministro das Finanças.
Mas então pregunto: E a Companhia, depois do que só passou na, assemblea geral, entendeu que a sua única obrigação era ir cumprimentar, por um dever de cortesia, o Sr. Ministro das Finanças?
Que administração é esta em que factos daquela natureza não bolem com a sensibilidade de ninguém?
Eu não sei, repito, só o comissário do Govêrno já entregou ao Sr. Ministro das Finanças os esclarecimentos que lhe haviam sido pedidos, mas o que me parece é que o Governo devia ter cumprido imediatamente a lei, em relação a êsse funcionário, que por completo abstraiu os interêsses do Estado.
Mas o Sr. John faz ainda mais as seguintes preguntas:
O orador lê à Câmara uma série de preguntas que constam dum relato em seu, poder.
De todos êstes números o mais interessante é o 5.° porque é aquele que mais directamente respeita aos interêsses do Estado.
Sr. Presidente: a doutrina das preguntas coloca o Estado em faço das lutas irregulares por parte da Companhia; e não só representam um prejuízo para os accionistas e uma ofensa à lei, como representa também um prejuízo para o Estado no tocante ao valor do monopólio.
E necessário que a Câmara se recordo que o Presidente do Conselho de Administração da Companhia, respondendo ao Sr. John, fez certas afirmações que vou ler à Câmara.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?
Ocupando eu a pasta das Finanças, a Companhia fez-me um requerimento pedindo para que fôsse autorizado o adiamento da assemblea geral.
Despachei afirmativamente, mas reservando-me o direito de só concordar com. a discussão do acordo com a Companhia, que está no Senado, ou de efectuar quaisquer transacções, depois de saber o que se havia passado nossa assemblea geral.
E claro, a Companhia não aceitou e a assemblea realizou-se em Dezembro coma estava marcado.
O Orador: — Sr. Presidente: a declaração que o Sr. Cunha Leal acaba de fazer, é verdadeiramente concludente.
Depois de ter declarado que só por uma elementar medida de prudência se não publicaram os lucros, então já não é a irregularidade de contas em relação a esta ou aquela companhia de quinta ordem, mas a uma das primeiras emprêsas do País explorando ama concessão do
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Estado, é que produzem afirmações que demandam uma imediata interferência do Govêrno.
O orador lê à Câmara a resposta do Presidente, do Conselho de Administração.
Quere-me parecer que dar armas ao concorrente de um monopólio é positivamente arrancar ao Estado elementos de que êste carece para desafogadamente negociar como fôr vantajoso.
O Presidente do Conselho de Administração disse ainda mais com respeito a lucros reservados.
Efectivamente, ao que corro, a Companhia dos Tabacos, 110 proposto aumento do capital, dará aos accionistas uma subscrição de vinte o oito mil contos.
Nas palavras proferidas pelo accionista Eduardo John há afirmações gravíssimas e que se deduzem do relatório que tenho presente. O accionista John chegou a afirmar que se fez a compra de um prédio em mais de um milhar de contos, quando a verdade é que aos contos não aparece a mais vaga referência.
As declarações do accionista Eduardo John vêm levantar outra vez nesta Câmara a celebre questão dos sobrescritos. Se ao período chamado do Sidonismo devemos muitos prejuízos, alguns dos quais nunca mais terão remédio, um dos maiores é, indiscutivelmente, o decreto ditatorial n.° 4:510.
O Sr. Presidente do Ministério e interino da Justiça (Álvaro de Castro): — Apoiado.
O Orador: — ... cujas instruções foram somente assinadas pelo secretário interino das finanças, o que se tornou nulas, pois êsse decreto serve agora de pretexto à Companhia dos Tabacos para se arvorar em dona o portadora de decretos que nunca lhe poderiam ter sido reconhecidos.
O que determinou ou fundamentou o a publicação do decreto n.° 4:510?
Foi a necessidade de aumentar as receitas do Estado. Pois, Sr. Presidente, não se sabe por que estranha e singular circunstância, dum instante para outro, êsse decreto, que vinha aumentar as receitas do Estado, transforma-se num instrumento que cria ao Estado encargos que, neste ano, segundo afirma a Companhia dos Tabacos, vão a quarenta e seis mil contos!
Sr. Presidente: o Sr. Eduardo John falou como accionista e sem pensar nos interêsses do Estado, interêsses que deviam ser os mais justos.
Quere dizer: a ilegalidade, o abono fez-se sem que alguém se importasse com os interêsses do Estado, sem se importar com os pesadíssimos encargos que resultariam para o Pais.
Este caso devia estar esclarecido há muito. Agora o Govêrno não pode deixar de intervir nele, pois de futuro representa para o Estado um encargo que nem se sabe qual é.
Sr. Presidente: estou um pouco cansado e não desejo alongar-me em considerações.
O que desejo vem consignado na moção que vou ter a honra de mandar para a Mesa.
Esta moção não carece de justificação, pois todos conhecem o que se passou na última assemblea geral dos tabacos.
A minha moção é simples e clara e os factos levam todos a pensar que existem irregularidades.
Vou mandar para a Mesa a minha moção, depois destas considerações que me julgava obrigado a fazer, quanto à moralidade da nossa vida administrativa.
Não é só necessário acabar com as despesas inúteis, mas é também necessário desafrontar todas as grandes fontes de receita e obrigar os que exploram o Estado a respeitar as leis e cumprir as obrigações que êles próprios aceitaram.
Sr. Presidente: ao apresentar esta moção cumpre-me declarar, e nessa declaração sou acompanhado por muitas pessoas que se interessam pela vida administrativa do Estado, que os Governos não têm olhado atentamente para a vida da Companhia dos Tabacos, a fim de desafrontar como é necessário êsse monopólio, para que daqui a dois anos as negociações que o Estado faça possam ser mais amplas e alcançar maiores recursos para a nossa situação financeira
Sr. Presidente: ao propor à Câmara a nomeação de uma comissão de cinco membros para examinar a situação do monopólio dos tabacos, entendo do meu dever apelar para a Câmara para que essa comissão se diferencie de todas as demais
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comissões e possa realizar uma obra útil, tendo também todos os poderes que devem competir a uma comissão que terá grandes responsabilidades também.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Foi lida na Mesa a Moção.
É a seguinte:
Considerando que o exclusivo do fabrico de tabacos é em todos os países uma das maiores fontes de receita do Estado, constituindo pela sua natureza a melhor garantia de importantes operações -de crédito como já sucedeu no nosso País;
Considerando que a execução do decreto n.° 4:510, de 27 de Junho de 1918, •e das instruções anexas nunca poderia -determinar uma deininuição de receitas para o Estado;
Considerando porém que no último balanço apresentado pela Companhia dos Tabacos a verba de sôbre-encargos que a companhia pretende receber do Estado •excede em muito todas as rendas e participações ao Estado atribuídas;
Considerando que êste absurdo estado •de cousas pode resultar de uma violação de contas;
Considerando que na última assomblea geral da Companhia dos Tabacos realizada em 27 de Dezembro do ano último se fizeram declarações que confirmam tal suposição;
Considerando que nestas condições impossível se torna a averiguação exacta do valor lucrativo do monopólio e portanto a sua vantajosa negociação futura em qualquer novo acordo transitório com a Companhia;
Considerando que só a insuficiência ou falta de zelo da fiscalização por parte do Estado pode atribuir-se quanto se vem passando; e finalmente
Considerando que ao Poder Legislativo compete respeitar e fazer cumprir os n.ºs 3.° e 22.° do artigo 28.° da Constituição :
A Câmara dos Deputados resolve:
1.° Nomear uma comissão composta de cinco dos seus membros para examinar, em todos os seus aspectos, a situação do
monopólio dos tabacos com o fim de apurar rigorosamente seu valor negociável, para o que terá os mais amplos poderes.
2..° convidar o Po-der Executivo: a) a dar desde já execução ao artigo 3.° do Eegulamento da Fiscalização das Sociedades Anónimas, de 3 de Abril de 1911;
ò) a usar de todos os meios legais para aplicar as sanções que nos termos do contrato de 1908 e demais legislação em vigor sejam impostas pela defesa dos interêsses do Estado;
c) a proceder nos termos da lei contra os agentes de fiscalização do Estado junto da Companhia dos Tabacos e contra quaisquer responsáveis pelas transgressões da legislação competente ou pelos danos delas derivados;'
d) a substituir, sem demora, a proposta de lei para um novo acordo com a Companhia dos Tabacos pen4ente da aprovação do Senado, por uma outra que salvaguarde convenientemente os interêsses do Estado.-
8 de Janeiro de 1924. — Nuno Simões. Admitida.
O Sr. Presidente: — Tenho que participar à Câmara que o pintor Sr. Sousa Lopes me procurou para convidar todos os Srs. Deputados a visitarem na próxima quinta-feira, das 12 horas às 16, no pavilhão do parque das Necessidades, a exposição dos quadros da Grande Guerra, pintados pelo mesmo artista.
A próxima sessão é amanhã, 9. às 14 horas, com a seguinte ordem do dia:
Antes da ordem do dia (sem prejuízo dos oradores que se inscrevam) :
Parecer n.° 451, que abre no Ministério das Finanças e a seu favor um crédito especial de 200 contos destinado ao pagamento de salários e transportes dos membros das comissões de avaliação predial que funcionaram em 1921-1922.
Parecer n.° 56, que revoga o decreto com fôrça do lei, de 30 do Setembro de 1910, sôbre feriados nacionais.
Parecer n.° 148, que repõe em vigor o artigo 1.° da lei n.° 301, de 3 de Fevereiro de 1920.
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Ordem do dia:
Debate político sôbre a apresentação do Govêrno.
Parecer n.° 622, que autoriza a colónia do Moçambique a contrair empréstimos até 31.000$, ouro, com destino a obras de fomento.
Proposta de lei n.° 617-B; parecer n.° 544; projecto de lei n.° 616-E; pareceres n.ºs 205 e 615. já em tabela,
Está levantada a sessão.
Eram 19 horas e 14 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projecto de lei
Do Sr. Pires Monteiro, concedendo 80 por cento da pensão suplementar estabelecida pela lei n.° 1:170, do Maio de 1921, aos oficiais e praças em designadas condições.
Para o «Diário do Governou».
Pareceres
N.° 413, que concede a medalha comemorativa nas campanhas do Exército Português e da Vitória aos militares do extinto corpo de artilharia pesada independente, que esteve em operações em França e em designadas condições
Aprovado.
Para a comissão de redacção.
Dispensada a leitura da última redacção.
Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 606-I, que autoriza o Govêrno a proceder a obras para abastecimento de águas à cidade de Lisboa.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
N.° 350, que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo para construção da Escola Industrial de Bernardino Machado, na Figueira da Foz.
Aprovado com alterações.
Para a comissão de redacção.
Dispensada a leitura da última redacção.
Proposta de emenda
Artigo 1.° (Parecer n.° 350):
Substituir as palavras de «1922 a 1923» pelas palavras de «1924 a 1925».— Júlio Gonçalves.
Aprovado.
Para a comissão de redacção.
O REDACTOR—João Saraiva.