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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIARIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 18

EM 10 DE JANEIRO DE 1924

Presidência, do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Ex.mos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Antonio Alberto de Tôrres Garcia

Sumário. — Abre a sessão com a presença de 42 Srs. Deputados.

É lida a acta, que adianta se aprova com número regimental.

Dá se conta do expediente.

E admitido um projecto de lei, já publicado no «Diário do Govêrno».

Antes da ordem do dia. — O Sr. Hermano de Medeiros interroga a Mesa sôbre a hora a que abre a sessão.

Responde o Sr. Presidente, depois do que o mesmo Sr. Deputado dirige preguntas ao Sr. Ministro do Trabalho (Lima Duque) a respeito de várias sindicâncias.

O Sr. Ministro dá informações.

O Sr. Marques Loureiro trata da transferência da 2.ª divisão militar da cidade de Viseu para outra localidade.

Responde o Sr. Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho}.

O Sr. Tôrres Garcia reclama contra o facto de se pretender vender uma igreja, em Coimbra, onde se encontra instalada uma cantina.

Responde, o Sr. Ministro da Justiça (José Domingues dos Santos}.

O Sr. Dinis de Carvalho requere que entre em discussão uma emenda do Senado respectiva ao caminho de ferro do Carregado.

E comunicada a constituição de diversas comissões parlamentares.

Ordem do dia. — Continua o debate sôbre a apresentação do novo Ministério.

Usam da palavra os Srs. António Maria da Silva, Cunha Leal e Presidente do Ministério (Álvaro de Castro}.

O Sr. Carlos de Vasconcelos requere, e é aprovado, que se prorrogue a sessão até se concluir o debate.

O Sr. Carlos Olavo apresenta e justifica uma moção de ordem de confiança ao Govêrno, que é admitida.

O Sr. Jorge Nunes responde aos discursos dos. Srs. Presidente do Ministério e Carlos Olavo.

O Sr. Cancela de Abreu apresenta e justifica uma moção de desconfiança.

O orador fica com a palavra reservada.

E interrompida a sessão às 19 horas e 30 minutos, reabrindo às 21 horas.

O Sr. Cancela de Abreu, retomando a palavra, desiste dela, por não estarem presentes parlamentares a que deseja referir-se.

É posta, à votação a admissão da moção do Sr. Cancela de Abreu.

Usa da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Carlos Pereira.

O Sr. Carlos de Vasconcelos protesta contra a atitude da minoria monárquica na constante exigência de contagem de número.

O Sr. Francisco Cruz responde ao Sr. Carlos Pereira, e o Sr. Cunha Leal dá explicações sôbre uma referência que lhe fizera o Sr. Cancela de Abreu.

Na votação da admissão verifica-se não haver número.

Procede-se à chamada, encerrando-se em seguida a sessão, e marcando-se a imediata para o dia seguinte à hora regimental.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Constituição e substituições em comissões parlamentares. Pareceres. Um requerimento.

Aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.

Presentes à chamada 42 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 61.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Alberto Ferreira Vidal.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Alberto de Moura Pinto.

Albino Pinto da Fonseca.

Altredo Pinto do Azevedo e Sonsa.

Amaro Garcia Loureiro.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Maria da Silva.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Francisco Cruz.

Francisco Dinis de Carvalho.

Hermano José de Medeiros.

João Baptista da Silva.

João Pereira Bastos.

João Pina de Morais Júnior.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Cortês dos Santos.

José Joaquim Gomos de Vilhena.

José Marques Loureiro.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Pedro Ferreira.

Lourenço Correia Gomes.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel de Sousa da Câmara.

Mário de Magalhães Infante.

Nuno Simões.

Paulo Cancela de Abreu.

Paulo da Costa Menano.

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Tomás de Sousa Rosa.

Tomé José de Barros Queiroz.

Vergílio da Conceição Costa.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Lelo Portela.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alberto Xavier.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Álvaro Xavier de Castro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Correia.

António Ginestal Machado.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Lino Neto.

António de Mendonça.

António Paiva Gomes.

António Pinto de Meireles Barriga.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Augusto Pires do Vale.

Bernardo Ferreira de Matos.

Carlos Cândido Pereira.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Maldonado do Freitas.

Custódio Martins de Paiva.

Delfim Costa.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Germano José de Amorim.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

Jaime Júlio de Sousa.

João José da Conceição Camoesas.

João José Luís Damas.

João de Ornelas da Silva.

José António de Magalhães.

José Carvalho dos Santos.

José Domingues dos Santos.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José de Oliveira Salvador.

Júlio Gonçalves.

Lúcio de Campos Martins.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Alegre.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel de Sousa Coutinho.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Vergílio Saque.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Henriques Godinho.

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Sessão de 10 de Janeiro de 1924 3

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abílio Marques Mourão.

Afonso Augusto da Costa.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

Américo da Silva Castro.

António de Abranches Ferrão.

António Dias.

António Pais da Silva Marques.

António Resende.

António de Sousa Maia.

António Vicente Ferreira.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur Brandão.

Augusto Joaquim Alves dos Santos.

Augusto Pereira Nobre.

David Augusto Rodrigues.

Domingos Leite Pereira.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Feliz de Morais Barreira.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Jaime Duarte da Silva.

Jaime Pires Cansado.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Estêvão Águas.

João Luís Ricardo.

João Salema.

João de Sousa Uva.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

João Vitorino Mealha.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Brandão.

Joaquim Dinis da Fonseca.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Joaquim Serafim de Barros.

Jorge de Barros Capinha.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

Júlio Henrique de Abreu.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel Duarte.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Mariano Rocha Felgueiras.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Maximino de Matos.

Paulo Limpo de Lacerda.

Rodrigo José Rodrigues.

Sebastião de Heródia.

Teófiio Maciel Pais Carneiro.

Valentim Guerra. Vasco Borges.

Ventura Malheiro Reimão.

O Sr. Presidente (ás 15 horas e 40 minutos): — Estão presentes 42 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Leu-se a acta e deu-se conta do seguinte

Expediente

Oficio

Da Companhia dos Tabacos de Portugal, pondo-se à inteira disposição da Câmara, para, perante qualquer comissão por ela nomeada, esclarecer os seus actos.

Para a Secretaria.

Requerimentos

Do ex-cabo de infantaria António Francisco Palma, pedindo para ser reintegrado como primeiro sargento.

Para a comissão de guerra.

De Lino dos Santos, em nome dos sargentos o praças demitidos da Armada, pedindo a sua reintegração.

Para a comissão de marinha.

Admissões

É admitido o seguinte projecto de lei, já publicado no «Diário do Govêrno»:

Do Sr. Pires Monteiro, concedendo 80 por cento da pensão suplementar estabelecida pela lei n.° 1:170, de Maio de 1921, aos oficiais e praças em designadas condições.

(Reforma extraordinária por motivo de segurança pública).

Para a comissão de administração pública.

Antes da ordem do dia

Q Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente: - Sr. Presidente pedi a palavra para interrogar

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a Mesa, por isso desejo que V. Exa. me informe do qual é a hora a que deve abrir a sessão.

Vejo pelo Regimento que a abertura, da sessão deve ser às 14 horas; porém são 16, e só agora é que se acabou de ler o expediente, o que é extraordinário, pois não me consta que o expediente leve duas horas a ler-se.

Era esta a pregunta que desejava fazer ao Sr. Presidente, esperando que S. Exa. me responda.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente — A primeira chamada devo fazer-se às 14 horas, e a segunda às 15, conforme preceitua o Regimento; hoje, porém, a segunda chamada fez-se às 15 horas e 15 minutos.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente: pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Trabalho, por isso que desejo fazer-lhe umas preguntas.

Desejava que S. Exa. me dissesse em que estado se encontra a sindicância mandada fazer aos funcionários dos hospitais, relativa a um acto de indisciplina decorrido no tempo do director Lobo Alves.

Essa sindicância foi ordenada deve haver uns cinco anos; porém, até hoje não vi que tenham sido aplicadas quaisquer sanções.

A sindicância a que me quero referir é a que diz respeito ao ecónomo dos hospitais, que eu creio que se encontra ainda sem solução.

Quando ordenei essa sindicância julguei que ela duraria apenas uns quinze dias, e que por isso não valeria a pena cortar os ordenados; porém, já são passados três anos e êsse funcionário ainda não foi sindicado, estando a receber todos os vencimentos.

Desejaria, portanto, que o Sr. Ministro do Trabalho me dissesse qual a razão por que, quanto à primeira sindicância, não foram ainda aplicadas as devidas sancções, e bem assim qual o motivo por que ainda não foi feita a segunda sindicância, quando é facto que êsse funcionário está recebendo todos os seus vencimentos por inteiro, inclusive a ajuda do nisto de vida, encontrando:se um outro

funcionário a desempenhar o seu lugar, pelo que está recebendo os mesmos vencimentos.

Espero, pois, que o Sr. Ministro do Trabalho tome as providências que são necessárias.

Quero ainda referir-me a um outro assunto que reputo da máxima importância, sôbre o qual já tenho feito um estudo e que diz respeito ao Hospital de Santa Marta.

Eu peço a V. Exa. o obséquio de chamar a atenção da Câmara, pois se é facto que a minha palavra é desprimorosa, ela é no emtanto sincera, julgando-me por isso com o direito de me ouvirem, como eu aliás costumo ouvir os outros.

Eu já tive - ocasião de dizer à Câmara o estado em que se encontra p Hospital de Santa Marta, pois a maioria dos parlamentares, principalmente daqueles que não são novos, devem-se - lembrar da questão que eu aqui levantei.

Pois bem, para a Câmara ver como os serviços ali correm, basta dizer-lhes que nele se consomem por dia 50 quilogramas de couves.

Já não são as laranjas, a manteiga, etc., que trazem, são 50 quilogramas de couves só para uma dúzia de cabeças! E quem paga isso? São os hospitais, que têm uma despesa soberba com os seus doentes, gastando quantias superiores a sete mil e quinhentos por cada doente, e tratando-os mal. Eu pregunto ao Sr. Ministro do Trabalho se para doze cabeças são precisos 50 quilogramas de couves por dia!

Eu pregunto, mesmo, a S. Exa. se não valerá mais para o Hospital de Santa Marta que as escolas pedagogicamente anexadas à Faculdade de Medicina sejam desmembradas, para se saber o que se consome com a instrução, relativamente ao ensino ministrado aos alunos da Faculdade.

O Sr. Ministro do Trabalho, que foi um óptimo auxiliar na minha árdua e infeliz tarefa, decerto que olhará com atenção para as circunstâncias em que se encontra o Hospital de Santa Marta, reservando-me eu para tratar dos assuntos hospitalares quando se realizar a interpelação que nesse sentido já anunciei.

Há ainda outro ponto a que me desejo referir.

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O Sr. Dinis de Carvalho: — Já decorreu o tempo em que o Sr. Hermano de Medeiros podia falar!...

O Orador: — Creio que não é S. Exa. que tem o direito de me cortar a palavra!

O Sr.Dinis de Carvalho: — São dez minutos para cada orador!...

O Orador: — Mas como o Sr. Dinis de Carvalho nunca precisa dos seus, pode cedê-los a meu favor!...

Risos.

Peço a V. Exa., Sr. Presidente, se digne consultar a Câmara sôbre se consente que fale por mais alguns minutos.

O Sr. Presidente: — O Sr. Hermano de Medeiros pediu para continuar por mais alguns minutos as suas considerações...

Vozes: — Fale, fale!

O Orador: — Apresento a V. Exa. os meus agradecimentos e à Câmara pela concessão que me acaba de fazer.

A lei n.° 971, da autoria do Sr. António Fonseca, impede que se nomeiem funcionários. Sucede que o chefe da Tesouraria do Hospital, que se encontra reformado, não foi substituído, de modo que um estabelecimento que consome cêrca de 7:500 contos por ano não tem fiscalização alguma, pois não há ninguém com autoridade legal que o possa fazer. No Diário do Govêrno de 8 do corrente foi publicado um decreto suprimindo o lugar de chefe da Tesouraria dos Hospitais, mas parece-me que tal supressão não adianta grande cousa, visto que se trata de uma economia de dez ou quinze escudos por mês. Como se pode extinguir um lugar, que é reputado absolutamente indispensável? Esta e outras compressões de despesa que o Govêrno está fazendo não servem senão para deitar poeira nos olhos do público. Nada mais.

Esporo, portanto, que o Sr. Ministro do Trabalho tomará na devida consideração os factos a que me referi.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram envie

O Sr. Ministro do Trabalho (Lima Duque): — Ouvi com toda a atenção o ilustre Deputado Sr. Hermano de Medeiros, a quem me ligam laços de muita estima e consideração. S. Exa. foi director dos Hospitais Civis, e a sua gerência ainda hoje me causa desvanecimento pela maneira brilhante e criteriosa como desempenhou êsse cargo.

Apoiados.

Sabe S. Exa. que tenho empregado os meus esfôrços no sentido de desenvolver a assistência pública, dedicando-me principalmente às questões hospitalares. Quando o Sr. Hermano de Medeiros foi director dos hospitais, creio que lhe prestei todo o auxílio para executar o sou plano de administração.

O Sr. Hermano de Medeiros: — Apoiado, É absolutamente verdadeiro!...

O Orador: — E assim estou procedendo actualmente. Se a minha vida ministerial durar algum tempo, espero que as cousas hospitalares tomem outro rumo, pois estão piores do que no tempo do Sr. Hermano de Medeiros...

O Sr. Hermano de Medeiros: — O que demonstra que não houve espírito de continuidade!

O Orador: — Falou S. Exa. em sindicâncias. Estou plenamente de acordo com o que S. Exa. disse. No nosso país as sindicâncias são intermináveis. Basta um exemplo: a sindicância ou inquérito aos Bairros Sociais, que vão ser liquidados sem aquela se ter conhecido!

A sindicância ao ecónomo do hospital é preciso que termine. Eu desconhecia o facto, pois só ontem foi chamada, particularmente, a minha atenção para ele* O Sr. Paulo Menano foi nomeado sindicante, mas como a queria fazer em condições diferentes das que lhe impunham recusou-se a fazê-la.

A sindicância abrangia dois funcionários, e o Sr. Paulo Menano queria que ela se fizesse separadamente.

O Sr. Hermano de Medeiros: — Exactamente! Deviam fazer duas sindicâncias!

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O Orador: — Foi depois nomeado o Sr. Dr. Bacelar, que ainda não iniciou os trabalhos; nem sei, fio momento, se o Sr. Dr. Bacelar os quere iniciar.

Há três dias que mandei pedir a nota das sindicâncias que se estavam fazendo no meu Ministério.

Entendo que essas sindicâncias devem terminar, não só por ser uma questão de moralidade, mas também porque essas sindicâncias ocasionam grandes despesas quando demoradas.

Apoiados.

Pode o ilustre Deputado ter a certeza de que vou dar urgentes providências para que terminem as sindicâncias, especialmente do ecónomo dos hospitais. Se o Sr. Dr. Bacelar não quiser encarregar-se da missão, nomearei outro sindicante.

Apoiados.

O Sr. Deputado chamou também a minha atenção para a administração do hospital do Santa Marta.

Concordo com as palavras de S. Exa. Essa administração só pode continuar independente, porque assim é uma fonte de conflitos entre os hospitais civis e o hospital escolar. Em 1920 êsses conflitos já existiam.

Todavia, dentro em pouco tempo deve estar sanada essa situação, com a independência das suas direcções hospitalares, só o Parlamento mo auxiliar neste meu empenho.

Apoiados.

A propósito da lei, a que se referiu o Sr. Hermano de Medeiros, está sendo estudada pela comissão respectiva.

O Sr. Damas é o seu relator e já pedi a S. Exa. para conferenciarmos a êsse respeito.

Se o Sr. Dr. Hermano de Medeiros quiser colaborar comigo, terei muito prazer nessa colaboração, que é apreciável sob todos os aspectos.

Com respeito à supressão de lugares, devo dizer que êsse acto obedece a uma medida geral. Todas as vagas que foram indicadas pela direcção do estabelecimento foram suprimidas. Essas vagas não tinham sido preenchidas até agora e não houve perturbações de serviços, portanto foram considerados desnecessários. Contudo, devo confessar que nessa medida geral tem de haver excepções, como nos serviços técnicos, de enfermagem, conta-

bilidade, etc., que são imprescindíveis e não podem sofrer largas mutilações.

Tenho dito.

Apoiados.

Vozes: — Muito bem.

O Sr. Hermano da Medeiros: — Agradeço ao Sr. Ministro do Trabalho a resposta que me deu.

Efectivamente impõe-se a desanexação do Instituto do Hospital de Santa Marta e de todas as enxertias feitas nesse hospital.

É preciso que os professores que estão dando aulas por vários pontos vão todos para Santa Marta ou para o Hospital de Rilhafoles.

O orador não reviu.

O Sr. Marques Loureiro: — Embora não seja Deputado por Viseu, é esta a cidade onde resido habitualmente. As terras da Beira, onde nasci, me prendem laços apertados de afecto e de interêsses profissionais, de que posso orgulhar-me em toda a parte.

Isso servirá de desculpa para a minha atitude na defesa dos respectivos interêsses.

Ora no presente momento todos os elementos — não quero chamar-lhes fôrças vivas, porque a expressão está muito desacreditada, — ora todos os elementos que marcam naquele meio e que não são para desprezar, antes muito para considerar, se manifestam alarmados por notícias vindas a lume nos jornais, com carácter manifestamente oficioso. De facto os jornais vêm dizendo que há o propósito, por parte do Govêrno, de transferir a 2.ª divisão militar, que há mais de 170 anos tem em Viseu a sua sede, para qualquer outra localidade que ao caso não importa citar, pois não quero nem devo ferir as susceptibilidades de seus habitantes. E a tal respeito afirma-se ainda que não é o superior interêsse da defesa nacional, que preocupa e orienta o Govêrno no seu anunciado plano, que me abstenho por agora de apreciar.

Se há interêsses e motivos que aconselham essa mudança, seguramente o Sr. Ministro da Guerra os apontará ao Parlamento, se se dignar responder às minhas observações.

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No relatório que foi apresentado e distribuído nesta Câmara, como sendo o primeiro dêste Govêrno da República, diz-se:

«As medidas de economia que em matéria de despesas militares o Govêrno pensa em executar com firmeza e com critério serão em breve concretizadas em termos eficazes, acima dos interesses de pessoas e de localidades, visando uma melhor utilização das instituições militares e assegurando permanentemente o prestígio, a disciplina e o espírito combativo das fôrças organizadas para a defesa nacional.

Todavia o Govêrno, sem prejuízo do que em breve vai tornar público, depois de devidamente ponderado, sôbre economias a fazer nas despesas com os serviços de guerra e de marinha, pode anunciar à Câmara que resolveu desde já reduzir a quatro as oito divisões em que são distribuídas as fôrças do exército no País e suprimir algumas unidades regimentais».

Se assim fôsse, a cidade do Viseu poderia dormir descansada, e sendo, como é, o coração de Portugal, continuar a bater, no ritmo sereno o normal, prosseguindo sem agitações na sua habitual vida laboriosa, com que se honra e engrandece o País.

Sr. Presidente: a 2.ª divisão existe em Viseu há mais de 170 anos, como já afirmei; mas se se reconhecer que a sua transferência ou a sua extinção é indispensável à salvação nacional e imposta pelo bem público, haverá que sofrer o tremendo golpe e suportá-lo, embora daí resultem consideráveis prejuízos e fiquem inutilizados importantes edifícios como o antigo Paço de Fontelo, onde se efectuaram obras de adaptação de notável importância, em que se gastaram dezenas de milhares de escudos, lá se instalando o tribunal militar e a casa de reclusão para cómodo alojamento de duas centenas de reclusos. E para ampliação do edifício do quartel general adquiriram-se por alto preço prédios contíguos, em que se vêm fazendo obras custosas, que assim ficam pouco menos que perdidas.

Devo ainda acentuar que são do Estado os demais edifícios em que se encontram
instalados outros, serviços militares dependentes da 2.ª divisão, e alguns deles por forma que não receia confrontos, sendo notáreis os movimentos, tanto do tribunal como do hospital militar.

O Sr. Presidente (agitando a campainha): — Peço a atenção da Câmara.

O Orador: — V. Exa. deixe conversar à vontade os ilustres Deputados.

As minhas observações não importam à Câmara, pois se não trata da mesquinha política de regedoria política, que detesto e afasto em absoluto, e apenas procuro defender os interêsses mais legítimos duma importante região, emquanto não colidirem com os mais altos da salvação nacional, que no caso se me afigura perfeitamente se harmonizarem, nada podendo impedir que afirme bem alto, aqui e em toda a parte, o mais veemente e sincero protesto quanto em mim caiba contra o propósito anunciado, que traduz um golpe de morte para Viseu e em certo modo para o respectivo distrito.

Na verdade, a transferência da 2.ª divisão de Viseu para outra localidade acarreta prejuízos da maior monta, quer votando assim magníficos edifícios públicos ao abandono, quer privando a Beira de vantagens apreciáveis e de lucros legitimamente honestos.

Eu não venho aqui levantar a questão sob o aspecto de facção e de política partidária. Encaro-a de alto, embora, na minha situação de filiado no Partido Republicano Nacionalista, me fôsse relativamente fácil, e até estivesse naturalmente indicado, pelos exemplos de repetidos precedentes, provocar em sou favor a especulação política, com os seguros resultados da indisposição regional, inequivocamente já manifestada em face da ameaça que exprimem os anunciados propósitos governamentais.

Os beirões são resignados e sofredores, mas é bom não provar excessivamente a sua paciência.

Noutras regiões, para contrariar o agravamento de impostos, ardem repartições de finanças e tesourarias; no distrito de Viseu, os seus naturais são de índole pacífica, trabalhadores o humildes, gemem e... pagam.

Apoiados.

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Ora, Sr. Presidente, os técnicos afirmam o garantem que não há razões que aconselhem e menos justifiquem a extinção da 2.ª divisão, ou sequer a sua transferência de Viseu para outra terra.

Esta questão não é de agora, vem de longe, o já sendo Ministro da Guerra o Sr. Correia Barreto foi agitada e provocou várias conferências, protestos e reclamações, sendo até entregue a S, Exa. uma representação em que eloqüente e autorizadamente só justifica a permanência em Viseu da sua secular divisão.

E não se invoque a necessidade da defesa da chamada linha do Mondego, em caso duma invasão, para justificar a transferência, quando, se tal sucedesse, tudo imporia a respectiva mobilização em Viseu.

Varro a minha testada. Vão as responsabilidades a quem competirem.

Apoiados.

Eu falo em meu nome individual e pus à questão nos termos em que se me afigura dever ser posta. Espero, pois, que o Sr. Ministro da Guerra me diga quais são as suas intenções, para Viseu sabor com o que e com quem pode contar.

Apoiados.

O Sr. Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho): — É esta a segunda vez que nesta Câmara me são dirigidas preguntas acerca de actos que não são da minha responsabilidade.

Direi que se a divisão tiver que sair de Viseu será por motivo de interêsses gerais, e nunca para ir para outra localidade.

Procuro apenas servir o exército; bem ou mal, a Câmara o dirá. O que lhe não reconheço, porém, é o direito de duvidar dêsse meu propósito.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro da Justiça para o caso que vou expor à Câmara.

Em 1911 foi cedido, por uma portaria do Govêrno de então, o edifício de uma pequena igreja da freguesia da Sé à respectiva janta, que nela instalou a cantina «Bernardino Machado», instituição que durante anos prestou óptimos serviços de

assistência e que, embora ultimamente tenha afrouxado a sua acção, nem por isso perdeu o direito à justiça que lhe é devida.

Em presença de factos menos regulares praticados pela última direcção dessa cantina, o governador civil de Coimbra mandou dissolver essa direcção e entregar êsse organismo de assistência ajunta de freguesia.

Quando a junta de freguesia que teve também a sua sede nesse edifício procurava por todas as formas angariar receitas suficientes para dar à referida cantina a situação próspera que já disfrutara, surge uma ordem do Ministério da Justiça mandando entregar o edifício à Caixa Geral de Depósitos para nele se estabelecer uma agência de penhores.

Não se me afigura justo êste procedimento, não só porque a Caixa\Geral de -Depósitos é um estabelecimento rico em condições de adquirir casa para a instalação da sua agência em qualquer bairro de Coimbra, mas ainda por se tratar da cedência dum edifício onde se acha instalado um organismo de assistência pública a uma casa de negócio, e, demais, dum negócio tido por toda a gente como degradante...

O Sr. Almeida Ribeiro: — Não apoiado; êsse estabelecimento exerce uma acção social como qualquer outra.

O Orador: — Seja assim, mas o que é facto é que, tratando-se duma instituição poderosa como é a Caixa Geral de Depósitos, não se justifica a cedência por parte do Estado dum edifício sem o qual fica condenado a desaparecer um estabelecimento de assistência numa cidade em que infelizmente não abunda a assistência.

Para o caso chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça, certo de que S. Exa. não tardará- em ceder novamente à junta o edifício em questão.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): — Não conheço o assunto que acaba de ser tratado pelo ilustre Deputado Sr. Tôrres Garcia.

A única cousa que posso, pois, fazer neste momento é prometer a S. Exa.

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que estudarei o assunto, disposto a não prejudicar os interêsses da instituição do beneficência a que se referiu.

Os estabelecimentos de assistência devem merecer à República a maior acenção e por isso eu não descurarei o assunto.

O orador não reviu.

O Sr. Dinis de Carvalho: — Requeiro para entrar imediatamente em discussão a emenda introduzida pelo Senado no projecto que se refere à construção do caminho do ferro do Carregado.

O Sr. Sousa Coutinho: — Requeiro que o projecto n.° 551 seja dado para ordem, do dia sem prejuízo daqueles que já estão inscritos.

É aprovada a acta.

O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Constituição do debate político sôbre a apresentação do novo Ministério

O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: o Deputado Sr. Almeida Ribeiro dirigiu ontem ao Govêrno os seus cumprimentos e fez considerações às quais me associo inteiramente.

Estaria assim dispensado de usar da palavra se uma referência que me foi feita pelo Sr. Cunha Leal me não obrigasse a dar uma explicação à Câmara.

Devo dizer que me refiro à nota publicada pelo Diário de Lisboa.

Em resposta a essa nota, eu devo dizer que não recebi solicitação da Presidência da República para o chá dos oficiais da guarnição a que se refere á notícia, e devo acrescentar que nunca nesta casa discutirei a personalidade do Sr. Presidente da República.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: — Duas circunstâncias obrigam-me a pedir a palavra para explicações: uma é o discurso que ouvi com prazer ao intransigente adversário das ditaduras, Sr. António Lino Neto, e outro é o discurso que acabou de proferir o Sr. António Maria da Silva.

Quanto ao Sr. Lino Neto, devo dizer que não me parece que S. Exa. fôsse o Deputado mais idóneo para protestar contra as ditaduras.

O Sr. Lino Neto, quando da morte do Sr. Sidónio Pais, sendo S. Exa. vice-presidente desta Câmara, pronunciou um discurso a respeito dêsse acontecimento, no qual afirmava que a morto do Sidónio Pais não era a morto de um cidadão qualquer, mas o corte da esperança que a Pátria tinha na ditadura. Lembro-me também que o Sr. Lino Neto não tinha nessa época u epiderme muito sensível às ditaduras.

O Parlamento dezembrista não fez uma única lei, mas em compensação o Diário do. Govêrno todos os dias publicava leis e decretos em ditadura. Uma ditadura feita com o Parlamento aberto!

Cumpria ao Sr. Lino Neto zelar o bom nome desta casa.

Alguns parlamentares protestaram, e eu fui um de entre êles, mas a voz que não se ouviu foi a do Sr. Lino Neto.

A ditadura do Sr. João Franco, todos o sabem, teve o apoio dos católicos portugueses, de que o Sr. Lino Neto é o Papa.

Todas estas razões mostram que o Sr. Lino Neto não tinha autoridade para protestar contra as ditaduras.

Em resposta às suas afirmações, eu vou responder, de uma maneira concisa, ao Sr. António Maria da Silva.

Disse S. Exa. que não apreciaria nunca os actos do Sr. Presidente da República, a não ser nos termos da Constituição.

Seria curioso que S. Exa. dissesse onde estão taxativamente os termos da Constituição a tal respeito. Falando como falou, entendo que S. Exa. não mo ofendeu, mas sim à Presidência desta Câmara, porque se eu não estivesse também nos termos da Constituição, referindo-me a essa cabala militar, a Presidência me chamaria h, ordem, e não me chamou. Portanto considero que estava dentro da Constituição.

Outra afirmação fez S. Exa., dizendo que não era certo ter recebido sugestão dos oficiais da guarnição de Lisboa para serem convidados para um certo chá oferecido pelo Chefe de Estado.

S. Exa. não poderia dizer outra cousa, mas eu continuo mantendo a minha opinião, pedindo ao Sr. Ministro da Guerra que mande proceder a uma sindicância só-

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bre o caso, para se ver quem fala verdade. Por mim estou pronto a ir como testemunha a essa sindicância.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: há pouco declarei que nunca discuti nem jamais discutirei o Supremo Magistrado da Nação.

Devo dizer também que não me referi à Presidência desta Câmara e que tam pouco ouvi o Sr. Cunha Leal quando falou.

Não devemos, na minha opinião, discutir pessoa que ocupa tam alta função, e mesmo o Regimento não o permite senão nos termos da Constituição.

O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — V. Exa. diz-me quais são êsses termos?

Ápartes.

O Orador: — V. Exa. pode ler a Constituição e dispensar-me de o fazer.

Apoiados.

O Sr. Cunha Leal procedeu como entendeu, mas eu divirjo dessa forma de proceder.

Temos neste país diminuído todas as funções, mas nós, republicanos, não devemos concorrer para tal desprestígio.

Apoiados.

Eu tomo a responsabilidade dos actos que pratico, e só quero essas.

Não fiz referências à Presidência desta Câmara, mas mantenho o que disse com respeito a não ter havido qualquer sugestão para que fôsse oferecido qualquer chá aos oficiais da guarnição de Lisboa.

Apartes.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha leal: — Sr. Presidente: quero dar uma explicação peremptória. Entendo que o Sr. Ministro da Guerra deve mandar proceder a uma sindicância como disse.

Apartes.

Sussurro.

Uma outra afirmação quero fazer, e é que eu discuto a personalidade do Sr. Presidente da República nos precisos termos da Constituição, e quanto ao resto

sinto-me muito orgulhoso de o fazer nos termos em que o fiz.

Nada me importa sôbre o que S. Exa. possa julgar, porque não preciso de favores de S. Exa.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: cumpro um dever, que é muito grato ao meu coração do republicano, de agradecer aos ilustres leaders dos partidos as palavras que me dirigiram e aos Srs. Lino Neto e Fausto de Figueiredo as expressões amáveis que tiveram, até de entusiasmo pela acção do Govêrno e pelas intenções que o dominam.

Ao Sr. Lino Neto agradeço muito calorosamente a maneira sentida como apreciou a acção do Govêrno e os seus propósitos.

Agradeço o entusiasmo com que defendeu os termos da constituição do Govêrno a que tenho a honra de presidir.

A oposição, pela boca do Sr. Cunha Leal, dirigiu cumprimentos, a mim pessoalmente e aos que me acompanham no Govêrno, cumprimentos que agradeço, tanto mais por virem de um dos partidos da República que têm sabido provar quando tem sido necessário a sua dedicação ao regime.

Deixei para o fim o Sr. Jorge Nunes, que dirigiu um ataque à obra governativa até agora realizada, e o seu ataque tem pontos de vista que são a prova de que o Govêrno fez uma obra útil e necessária.

Os problemas que foram propostos ao Govêrno para que defina a sua orientação, pelo Sr. Almeida Ribeiro, são de todo o pouco justos.

S. Exa. referiu-se às contas públicas e à necessidade da sua publicação e de certos documentos que até agora eram publicados semanalmente e mensalmente e que deixaram de ser publicados, o que é inconveniente, porque sem elos não se pode apreciar a aplicação dos dinheiros públicos e execução do Orçamento.

Prometo ao Sr. Almeida Ribeiro e à Câmara que êsses documentos serão publicados tam depressa quanto possível,

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logo que êsse serviço esteja organizado. Num regime qualquer, e especialmente num regime democrático, a publicação das suas contas e sua documentação devem ser feitas tam proximamente quanto possível, de maneira a pôr todos os cidadãos ao corrente da maneira como se despendem os dinheiros públicos.

Apoiados.

Na verdade necessitamos do dedicar todo o nosso estudo para a publicação do Orçamento e seus documentos. Não apenas a série de documentos publicados todos os anos sem nenhuma influência, representando somente uma avolumação de trabalho das repartições competentes, e sem necessidade nem proveito para quem queira examinar a lei orçamental.

Êste preceito não está nos nossos hábitos, mas estou convencido que o Govêrno conseguirá o seu desejo, e o País avaliará depois.

Apoiados.

O Sr. Nuno Simões referiu-se a um problema concreto, e sôbre êle fez largas considerações.

Começou por falar da atitude do Govêrno, e o procedimento dêle respeitante às autoridades administrativas.

O Govêrno procedeu nesse particular, e o Sr. Ministro do Interior, conhecido velho republicano duma rara envergadura moral (Apoiados], tem procurado pôr nesse assunto toda a sua atenção e inteligência, tendo feito justiça aos intuitos republicanos do Sr. Nuno Simões.

Teve S. Exa. ocasião de se referir ao caso ocorrido no distrito de Vila Real.

O Sr. Nuno Simões: - Não me referi a um caso concreto.

O Orador: — Referiu-se a êste caso, tendo feito considerações de carácter geral.

Quando o Sr. Ministro do Interior teve notícia de que a autoridade administrativa em questão não tinha cumprido os seus deveres nem para com a República, nem para com os republicanos, deu-lhe a sua demissão.

Apoiados.

Está assim demonstrado quanto o Govêrno está decidido a fazer com que as autoridades administrativas sejam elementos representativos da República, cumprindo as leis republicanas integralmente.

Estas palavras são necessárias para que todas as autoridades saibam que o Govêrno não transige com as autoridades administrativas que não saibam cumprir com os seus deveres.

Vozes: — Muito bem.

Apoiados.

O Orador: — Os problemas que o Govêrno neste momento tem entre mãos, como já disse o Sr. Nuno Simões, são muito graves peta sua complexidade, e pelas circunstâncias que os rodeiam; mas nenhuma dessas circunstâncias é superior- à envergadura moral dos homens que as tem que resolver.

O mesmo Sr. Deputado fez justiça ao titular da pasta dos Negócios Estrangeiros, por cuja pasta especialmente correm os assuntos a que se referiu.

Poderia faltar ao Govêrno a exacta compreensão das necessidades económicas dêsses problemas, talvez; mas não lhe falta o sentimento patriótico que colocará sempre acima de qualquer outro.

Apoiados.

Com respeito à nomeação para vários cargos, é falso que o Govêrno os tivesse preenchido, ou pretendido resolver êsse assunto, porque a verdade é que há vários cargos que se não encontram neste momento preenchidos.

Mas há outro assunto referente à atitude da Espanha, que não é exacta. Não é exacta a notícia.

Mas os jornais propalaram que havia uma proposta de nomeação duma comissão mixta para o efeito de resolver as questões que tenham resultado do ocorrido com a apreensão das traineiras espanholas.

O Govêrno repele a nomeação de qualquer comissão para êsse fim por ser verdadeiramente inaceitável.

Apoiados.

Pode S. Exa. estar inteiramente tranqüilo, que nesse particular o Govêrno não terá de sofrer da Câmara a mínima censura.

Apoiados.

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Ainda se tratou duma outra questão palpitante: a dos tabacos.

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Nesse particular o Sr. Nuno Simões, que aliás foi para os membros do Govêrno duma enorme sentimentalidade, não foi inteiramente justo na apreciação dos actos do Sr. Ministre das Finanças.

O que se passou na assemblea da Companhia dos Tabacos é do conhecimento do País e de V. Exa. pelos relatos dos jornais.

O Sr. comissário do Govêrno junto da Companhia dos Tabacos procurou-me para me comunicar o que se tinha passado nessa assemblea.

Mas essa exposição verbal não podia servir de base ao Ministro das Finanças e ao Govêrno para qualquer procedimento.

Depois por escrito foi pedido ao comissário do Govêrno que relatasse completamente o que se havia passado nessa Assemblea.

O Sr. Eduardo John no seu discurso fez referências a uma verba que vem no relatório da Companhia. Dizia que estavam encobertos determinados lucros.

E na escrituração comercial, portanto, que se encontra a ocultação de valores feita para qualquer fim, sendo conveniente saber que se deu essa possível ocultação de lucros.

Ora a escrita comercial da Companhia dos Tabacos não está sujeita ao exame e verificação do comissário do Govêrno junto da companhia.

A escrituração que está sob a fiscalização do comissário do Govêrno é a escrituração industrial nos termos do contrato, e aquela em que se julga ter dado a viciação é na escrituração comercial, que não está» sujeita ao exame do Govêrno, mas que pode mandar-se examinar nos termos gerais da Contabilidade' Pública.

O Sr. Ministro das Finanças, conhecedor dos factos, pediu à Companhia êsses documentos, e imediatamente determinou que se oficiasse à Companhia informando-a de que ia fazer um exame à sua escrituração comercial para a combinar com a escrituração industrial, a fim de se tirarem as ilações necessárias.

E nestes termos que até agora tem procedido o Govêrno.

Entende o Govêrno que a provar-se o facto a que aludiu o Sr. Eduardo John, a Companhia cometeu um acto delituoso,

pelo qual deve responder perante os tribunais criminais.

Apoiados.

A lei de 1867 pune muito particular e especialmente a viciação das escritas que tenha por fim a distribuição de dividendos fictícios ou outro qualquer fim, e portanto importa, no caso de êsse facto ser averiguado, remeter a Companhia para os tribunais comuns.

Apoiados.

O Govêrno não evitará, nem tem que evitar, em fazer cumprir a lei e aplicar as disposições penais em vigor à Companhia dos Tabacos, se ela efectivamente assumir as responsabilidades que parece ter assumido em virtude das declarações do Sr. Eduardo John que, aliás, não foram contestadas em conselho de administração.

Apoiados.

Mas êste facto não inabilita o Govêrno do prosseguir nas negociações do acordo que está actualmente em estudo no Senado, porque o que é urgente é fazer com que a Companhia dos Tabacos contribua para o Orçamento do Estado com uma quantia que não seja irrisória absolutamente, com o que ela concorda.

Apoiados.

Se nós tivéssemos desde há muito, desde que se iniciou a alteração de preços, obrigado a Companhia a um novo acordo, o Estado não teria perdido, como tem perdido, quantias enormes e não teria a dificuldade que terá agora de atingir a valorização da sua participação.

Eu creio, de resto, que o Govêrno poderá exigir muito mais do que está no acordo actual, e poderá até estabelecer uma fórmula flexível que permita ao Estado, logo que as condições económicas o indiquem, a alcançar a posição a que tem direito.

Mas é preciso proceder com rapidez, sem deixar, contudo de se proceder à averiguação de tudo quanto se passa na Companhia, o que é a sua escrituração, o que é que ela representa, obrigando a Companhia a assumir as suas responsabilidades.

Apoiados.

Sr. Presidente: o Govêrno não fez referências especiais, é verdade, a determinados problemas que interessam de maneira particular ao Partido Católico, como

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disse o Sr. Lino Neto, mas fez referências genéricas, que abrangem as referências especiais que se podiam fazer em relação às garantias de todos os portugueses, qualquer que seja a sua feição religiosa ou política, que as leis estabelecem. O Govêrno não podia fazer outra declaração, e neste momento fá-la duma maneira peremptória, de que as leis que nos regera, hão-de ser absolutamente cumpridas e que as garantias que nelas se encontram serão inteiramente guardadas pelo Govêrno.

Apoiados.

E como atravessamos na verdade um período de convergência de esfôrços, em que é necessário afastar todas as divergências que nos separam, para a realização do único objectivo desta hora, que é a efectivação do nosso equilíbrio financeiro, em que nós todos podemos entender-nos, porque é um terreno noutro, o Govêrno pretendeu afastar da sua declaração todas as questões que possam dividir os portugueses.

Mas porque não representa, realmente, um Govêrno que pretenda levar até aos extremos do radicalismo mais estranho a execução de certas reivindições, procurará na sua política, em matéria religiosa, ser tanto quanto possível e o consintam as leis e os seus próprios princípios, tolerante, facilitando a eclosão das crenças que o Partido do Sr. Lino Neto representa e que, aliás, à República tem dado, como S. Exa. deu ontem pela sua palavra, os mais calorosos aplausos.

O Govêrno da República, assim, saberá por certo corresponder à atitude do S. Exa. por uma maneira digna, o que para êle não representará uma transigência que o diminua, mas uma transigência que o engrandeça.

Apoiados,

Mas o Sr. Lino Neto referiu-se especialmente a um problema: e dos passais, e quis ver na medida ultimamente tomada pelo Govêrno qualquer cousa de ofensivo para os católicos.

Ora o regime anterior relativo aos passais é que era ofensivo. Êsse regime era de favor, e tam mau êle era que todos os Ministros da Justiça e até a Comissão de Separação, pelos seus membros mais ilustres, empregaram todos os esfôrços para que essa situação se modificasse e se man-

tivesse o império da lei, que é a sua igualdade perante todos.

Apoiados.

Disso S. Exa. que os passais eram expoliados àqueles que são seus proprietários.

Êste assunto não pode ser pôsto nesse pé, porque actualmente o direito é igual, visto que qualquer pode concorrer à licitação.

Contudo, não poderei, por acto próprio ou do Govêrno, modificar a situação actual, pois isso só compete ao Poder Legislativo. Não será agora oportuno discutir êsse problema, mas se êle fôr aqui trazido por qualquer Sr. parlamentar, o Govêrno dirá qual a sua opinião, tendo em atenção todas as circunstâncias e lembrando-se das palavras que S. Exa. aqui proferiu, ^e que não- podem ser esquecidas pelos republicanos, especialmente por aqueles que têm assento nesta Câmara.

Sr. Presidente: o Govêrno apresentou-se ao Parlamento antes das férias do Natal e, se faço especial referência a este facto, é para levantar umas palavras aqui proferidas pelo Sr. Cunha Leal, dizendo que o Govêrno tinha coagido o Parlamento a discutir o empréstimo para Moçambique.

O Govêrno declarou, pela minha boca, que aceitaria a votação que a Câmara fizesse, porque isso pouco lhe importava. Não foi, portanto, uma habilidade política para poder viver durante as férias, porque êle ao apresentar-se ao Congresso tinha a sua consciência tranquila e a certeza de que realizaria as promessas que alguns dos seus homens tinham feito quando ocuparam aquelas cadeiras.

Os Srs. Jorge Nunes e Cunha Leal referiram-se de uma maneira genérica às medidas tomadas pelo Govêrno neste curto interregno parlamentar, dizendo um que pias eram inconstitucionais e inferiores, constituindo quási uma mistificação, e outro que algumas dessas medidas haviam sido por êle propostas, e que então as reputámos más, considerando-as agora boas.

Sr. Presidente: quando se votou a lei n.° 1:344, sôbre uma proposta do então Presidente do Ministério, Sr. António Maria da Silva, eu tive ocasião do dizer, como Deputado, que não aprovaria urna lei que contivesse de uma maneira ampla

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a reorganização de serviços, porque até essa altura tinha verificado que todas as reorganizações que se haviam feito produziram aumentos de pessoal e, conseqüentemente, aumentos ide despesa.

Recordo-me até que, de colaboração com o Sr. António da Fonseca, hoje meu colega no Ministério, formulámos uma proposta que veio a ser o artigo 1.° e § único da lei n.° 1:344 e que eu declarei do meu lugar de Deputado que aquilo para que os Governos não tinham tido coragem era para realizar supressões que lhes consentia a lei n.° 1:344, pois, por ela, até Ministérios inteiros se poderiam suprimir.

É, portanto, absolutamente constitucional o uso que o Govêrno fez da lei n.° 1:344.

Vozes: — Não apoiado!

Vozes: — Apoiado!

O Orador: — Pode discutir-se o maior ou menor alcance dessas medidas; pode discutir-se se são boas ou não; pode discutir-se a sua futura viabilidade, mas o que não pode discutir-se é a sua inconstitucionalidade.

Apoiados.

E o Govêrno, que não precisava apoiar-se em opinião nenhuma para ter a sua, apoiou-se, contudo, na opinião de uma alta autoridade republicana, a Procuradoria Geral da República, que no seu seio tem um alto cultor de direito, o Sr. Dr. Azevedo e Silva, que num acórdão afirmou ser constitucional a aplicação que o Govêrno queria fazer da lei n.° 1:344, relativamente ao Supremo Tribunal Administrativo.

E, já que me referi ao Supremo Tribunal Administrativo, não é mau lembrar à Câmara, visto que há vários Srs. Deputados que se esquecem, que ela já votou uma moção, se não estou em êrro, do Sr. António Fonseca, para que o Contencioso Administrativo passasse para os tribunais judiciais.

Isto é absurdo? Não. O que é absurdo é a existência do tribunal administrativo.

O Poder Executivo quando trata de discutir um direito, é precisamente como um particular, e o que constitui barbaria jurídica é a existência do Supremo Tribunal Administrativo a julgar com 5 ou 6 julgadores, a produzir acórdãos e seguidamente o Ministro com uma única assinatura, a sua, meter o acórdão numa gaveta, não o outorgando.

Isto é que é barbaria jurídica.

Com respeito à afirmação feita pelo Sr. Jorge Nunes, de que as medidas tomadas pelo Governo não trazem para o Estado uma diminuição de despesas, permita-me S. Exa. que lhe diga que isso é inexacto.

O Govêrno não supõe nem podia supor que em quinze dias — tendo de fazer uma obra desde o seu início — fôsse capaz de equilibrar o Orçamento, tanto mais que, para que parte dessas medidas tenham inteira eficácia, necessário se torna que o Parlamento faça o trabalho complementar, reorganizando certos serviços.

Mas eu pregunto, com toda a sinceridade, se até agora houve algum Govêrno que fizesse, como êste já fez, uma compressão de despesas no montante do 5:000 contos.

Apoiados.

Faço aqui a afirmação categórica de que o Govêrno, em 15 dias, fez uma compressão de despesas, utilizando ùnicamente a lei n.° 1:344, de 5:000 contos.

Houve algum Govêrno que fizesse sequer um centésimo desta obra?

Eu sei bem os atritos que uma política destas levanta.

Sei bem os protestos clamorosos que se erguem da parte daqueles que à sombra do Estado estão fazendo benefícios a que não têm direito.

Diz-se que as medidas do Govêrno de nada servem, porque se contínua a pagar a todo o funcionalismo público.

O Govêrno quero ainda fazer a declaração de que, com uma administração severa sôbre o Orçamento dos seis meses que hão-de de decorrer até ao fim do ano económico, espera fazer uma economia de 25:000 contos.

O Govêrno entende que é preciso fazer economias, suprimindo alguns serviços inúteis e reorganizando outros, extinguindo situações de favor, reduzindo ao estritamente indispensável as despesas com a nossa representação no estrangeiro.

Há uma cousa, porem, que o Govêrno nunca proporia ao Parlamento — despedir os funcionários públicos lançando-os na miséria.

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Se actos anteriores da responsabilidade de Governos da República meteram nos quadros públicos funcionários a mais, nenhum Govêrno hoje pode alhear-se dessa situação e tirar o pão a ossos funcionários.

Nem precisa o Estado, para fazer o seu equilíbrio orçamental, de criar a miséria pública, que lhe poderia acarretar maiores dificuldades ainda.

O Govêrno não precisa de alardear serviços ou de fazer mistificações.

Não lançou para a imprensa até agora um único número.

Poderia de facto tê-lo feito; mas quere demonstrar a sinceridade dos seus propósitos, porque entendo que neste momento não nos podemos iludir.

Os homens que compõem, o Govêrno não estão aqui senão por sacrifício à República e ao País, animados do realizarem o seu objectivo contra tudo e contra todos; mas no momento em que a Câmara lhes disser que a sua política é nefasta ao País, que a compressão de despesas e a criação de receitas são prejudiciais à Nação, os homens do Govêrno abandonarão o seu lugar para cederem a vez a outros mais competentes.

Porque é que a obra de economia no Orçamento não pode fazer-se em dois dias?

Porque ninguém, conhece as feridas abertas no Orçamento em variadas circunstâncias. Só um estudo metódico da situação o poderá habilitar a fazer tudo o que é necessário fazer.

Há casos estranhos e absurdos que o Govêrno só por si não pode corrigir, porque tem unicamente ao seu dispor uma autorização para suprimir cargos.

Careceria duma autorização mais lata que lhe consentisse suspender a aplicação de determinadas disposições, que são absolutamente absurdas. Basta dizer a V. Exa. que as autonomias que se criaram foram tam extensas, em nome de princípios, que não sei onde foram colher-se, que há comissões que se iniciaram gratuitamente, e que a velocidade adquirida na votação de subsídios aos seus próprios membros foi do tal ordem que passaram imediatamente de cem a novecentos escudos.

Disto há muito que é preciso corrigir.

O Govêrno ainda não publicou um diploma que já aprovou por circunstâncias que não vêm ao caso relatar, mas aqui me referirei a êle para demonstrar quanto a administração tem sido larga e até incompreensível.

Há um serviço criado pela República que deve a um parlamentar ilustre, antigo Ministro da República, os seus melhores esfôrços. É um serviço que honra a República pelos seus intuitos e orientação, mas êsse Instituto que poderia viver dentro de acanhadas verbas de administração, vive à larga. Poderia preguntar a todos se é de aceitar que um serviço que tem de gerir 8:000 contos de fundos tenha onze membros da administração, quando qualquer sociedade anónima que tem do controlar 100:000 contos, por exemplo, é gerida, na sua maior parte, por três ou cinco membros.

Pois eu tive de receber os protestos indignados contra uma medida do Govêrno que era perfeitamente moralizadora, embora na verdade se referisse a um serviço autónomo, porque em Portugal criou-se êste critério, de que os serviços autónomos, tem as suas receitas próprias, e que essas receitas, segundo dizem, pertencem-lhes, como se todas as receitas a cobrar em Portugal não fossem receitas do Estado.

A Câmara terá de pronunciar-se sôbre êste problema que o Govêrno lhe dará para estudar, porque é absurdo que o Estado consinta uma série de pequeninos estados dentro do próprio Estado.

Quando se trata dê gastar as receitas que lhes pertencem, o Estado não é ouvido, as autoridades competentes do Estado não são ouvidas, mas quando se trata de diferenças que êsses serviços autónomos apresentam, o Estado tem de pagar. Êste critério não pode continuar.

Os serviços autónomos só têm direito a ter economias quando equilibrem os seus orçamentos e mesmo que os equilibrem, o Estado tem direito a receber uma percentagem das receitas dêsses serviços, mas todos êstes problemas não podia o Govêrno estudar em tam pequeno período, nem poderia dar-lhes resolução porque não tem autorização para isso.

O Govêrno não pode nem trará ao Parlamento pedidos que de qualquer maneira alarguem os seus poderes sem primeiramente ter demonstrado que aqueles pode-

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res que o Parlamento lhe conferiu os usou utilmente; os seus pedidos futuros serão pois baseados em factos já realizados e nunca em factos-promessas.

Sr. Presidente: entre os vários problemas que aqui foram debatidos e sôbre os quais se pedia a orientação do Govêrno, foi a questão do trigo, a questão do pão; a ela se referiu o Sr. Carvalho da Silva.

Sr. Presidente: a questão do pão está hoje mi orientação que lhe foi dada pelo Sr. Ministro da Agricultura, Sr. Joaquim Ribeiro; entende, porém, é Govêrno que essa orientação terá de ser corrigida num ponto ou noutro de maneira a tirar dela toda a possível forma. O Govêrno comtudo orientar-se-há numa política essencialmente nacional, empregando para isso todos os seus esfôrços. Êste problema, porém, poderá ser discutido com mais largueza quando especialmente se tratar do problema dos trigos; contudo indica já ao Sr. Carvalho da Silva a orientação geral do Govêrno sôbre esta matéria.

Sr. Presidente: produziram-se nesta Câmara objecções de ordem política a que tive ocasião já de me referir ligeiramente, objecçõas políticas e a declaração pessoal do Sr. Cunha Leal. Fizeram-se referências à acção dó Sr. Presidente da República durante os acontecimentos passados, e à constituição do actual Ministério.

Eu entendo, Sr. Presidente, como Deputado e como Presidente do Ministério, que a figura do Sr. Presidente da Republica não carece das minhas palavras de defesa porque os seus actos são aplaudidos pela Nação inteira.

Apoiados.

Quanto aos factos políticos passados, que o Sr. Jorge Nunes classificou de cabala, que se deram para a constituição dêste Govêrno, deixo-os à apreciação da Câmara; e quanto àquelas palavras que directamente pretenderam atingir-me eu cinjo-me ao silêncio absoluto que costumo usar quando entendo que a minha defesa para ser a minha defesa pode ser um ataque á República.

Eu podia, Sr. Presidente, perante a Câmara do meu País, perante a Nação inteira justificar inteiramente todos os meus actos.

Não é a interpretação que qualquer pessoa lhes possa dar que me aflige, mas

afligir-me-ia muito se, para definir determinadas atitudes, eu tivesse de chamar à tela da discussão factos, circunstâncias, instituições e pessoas com que a minha defesa certamente ganharia, mas com que o prestígio das instituições nada lucraria.

Não é de agora que o meu silêncio tem sido absoluto perante factos e a respeito de factos em que eu tenho sinceramente intervindo na minha vida passada de político.

Há factos culminantes nas circunstâncias perturbadas que a nossa política tem atravessado, e até hoje ninguém viu que eu fizesse determinadas declarações de maneira a esclarecer pontos que para muitos podem ser obscuros.

Desde o dia em que eu tive de tomar uma atitude política, saindo do partido onde por muitos anos militei, e com honra militei, honrando-me de a êle pertencer, nunca no Parlamento ou fora dele eu fiz a declaração do que tinha sido o motivo ou os motivos que tinham originado a minha atitude.

Mais tarde, encontrei-me em circunstâncias bastante graves com a personalidade mais alta da República; isso não impediu que a minha voz se calasse no Parlamento, que não dissesse uma palavra a propósito dessa atitude e a propósito do Presidente da República, não impedindo igualmente que nele reconhecesse sempre o Presidente eleito da República, cumprindo inteiramente os meus deveres de republicano para com a pessoa que o Parlamento tinha eleito e ainda não havia destituído.

A minha consciência, absolutamente tranquila hoje como ontem e através de todos os tempos passados, diz-me agora, segreda-me ao ouvido que à República nunca faltei com a minha fé, com a minha energia, com o meu esfôrço, e não tive só de suportar calúnias, tive também de atravessar perigos de morte.

Quando eu vi que havia uma política nacional a fazer, e que o meu nome era indicado para organizar ministério, entendi que não devia negar a prestação de um serviço à República e, pondo em jôgo a minha situação política e até a minha vida, arranquei os liames fortes que entravavam a minha acção, olhando acima de tudo o bem da República.

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Não terei a bênção transitória dos homens, mas hei-de ter a bênção da República.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O orador foi muito cumprimentado.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Requeiro que V. Exa. consulte a Câmara sôbre se permite que a sessão seja prorrogada até finalização do debate político.

Pôsto o requerimento à votação, foi aprovado.

O Sr. Marcos Leitão (em nome da comissão de instrução secundária):— Comunico que acaba de se instalar a comissão de instrução secundária, tendo nomeado o Sr. João Camoesas para presidente, e a mim para secretário.

O Sr. Alberto Cruz (em nome da comissão de saúde e assistência: — É para comunicar à Câmara que já se instalou a comissão de saúde e assistência, tendo escolhido para presidente o Sr. João Camoesas e a mim para secretário.

O Sr. Carlos Olavo: — Seguindo os preceitos do Regimento, mando para a Mesa a minha moção de ordem:

A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o Govêrno foi constituído segundo es preceitos constitucionais e corresponde às necessidades e aspirações da Nação, continua na ordem do dia. — Carlos Olavo.

Sr. Presidente: o debate político já vai longo e ou não tenho a pretensão de o alongar ainda mais no momento em que êsse debate se encontra inteiramente esclarecido pelo claro o notável discurso que acaba do proferir o Sr. Presidente do Ministério.

Todos os partidos representados nesta Câmara formularam pela boca dos seus leaders as criticas e comentários sôbre as

ideas do Govêrno e até sôbre a sua constituição.

Permita-me agora a Câmara que eu destaque, de entre todos êsses discursos, aquele que foi pronunciado pelo meu velho amigo e distinto parlamentar, o Sr. Jorge Nunes, que falou em nome do Partido Nacionalista.

Foi o discurso de S. Exa. o perfeito modelo dum discurso oposicionista, à moda antiga: faccioso, apaixonado, cheio de ataques injustos e de retaliações descabidas.

Não quero referir-me às ironias de mau gosto que o Sr. Jorge Nunes dirigiu aos Ministros que fazem parte dêste Govêrno, o pertencem à Seara Nova e, especialmente, ao Sr. Ministro da Instrução Pública, a quem a facção que em Portugal, parece ter feito monopólio da inteligência, não leva a bom que seja, de facto, um intelectual na verdadeira acepção da palavra.

Não tenho procuração da Seara Nova, para a defender, mas tenho o direito de dizer que a ninguém é lícito pretender menoscabar um grupo do homens movos que se propõe fazer a propaganda de princípios que podem ser discutíveis, mas que merecem o respeito de toda a gente pela sinceridade o pelo talento com que são defendidos. Tanto mais quanto é certo que ninguém desconhece que êsse grupo de homens novos inscreve no seu programa o culto da mais pura arte e a prática do mais alevantado patriotismo. Devemos-lhe esta, homenagem e o Parlamento honra-se prestando-a na pessoa dos homens, que pertencendo á Seara Nova, se sentam hoje nas cadeiras do Govêrno.

Apoiados.

A nota facciosa do discurso do Sr. Jorge Nunes revela-se especialmente na parte em que S. Exa. veio, com o ar mais sério dêste mundo, proclamar a incompetência do Govêrno, no próprio momento em que êle se apresenta ao Parlamento e quando apenas começou a praticar os seus primeiros actos de administração.

Até aqueles homens que como o Sr. Lima Duque, Ministro do Trabalho, foram ontem seus correligionários e tinham, portanto, a admiração e a solidariedade do Partido Nacionalista, mereceram hoje as ironias o retaliações do Sr. Jorge Nunes.

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São estas estranhas contradições da política que levam ao coração do povo a crença cada vez mais amigada que na vida agitada e caprichosa dos partidos não há sinceridade, não há coerência, não há seriedade, não há justiça!

Sr. Presidente: como conclusão das suas considerações, o Sr. Jorge Nunes mandou para a Mesa uma moção em que sustenta a inconstitucionalidade da formação do actual Govêrno.

Tenho a certeza de que S. Exa. obedeceu unicamente ao propósito de apresentar uma moção de desconfiança, sem se preocupar sequer em indicar que as disposições constitucionais hajam sido infringidas com a constituição dêste Govêrno.

Sr. Presidente: já é necessário audácia para vir em nome do Partido Nacionalista falar em inconstitucionalidade na formação dêste Govêrno!

Pois não foi o Partido Nacionalista que chamado ao Poder pelo Sr. Presidente da República, se declarou apto a governar sem ter os meios constitucionais para se manter?

Pois não foi o Partido Nacionalista que ao fazer Govêrno nem sequer teve o cuidado de procurar os grupos e partidos que são os detentores da maioria parlamentar?

Em contraposição, o Govêrno que ali está tem forte maioria a apoiá-lo, o que é uma garantia da obra administrativa que deseja realizar.

Que trabalhe o Govêrno! O País espera ancioso e confiado essa obra que realizada acima dos partidos e fora das suas estreitas preocupações, e das suas paixões nocivas, há-de afastar de nós as apreensões e receios da hora que passa.

Sr. Presidente: a República confia no Govêrno. O homem que está à testa dêsse Govêrno é penhor suficiente de que os princípios republicanos hão de ser rigorosamente respeitados e as virtudes republicanas amplamente praticadas.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: na resposta que o Sr. Presidente do Ministério se dignou dar a todos aqueles que apreciaram a crise política, fez S. Exa. uma referência especial ao meu discurso, declarando que eu apenas havia feito objecções teatrais, sem verdade, nem justiça.

Sem receio de ver contestada com argumentos as minhas afirmações, ratifico que em tudo quanto disse não fiz objecções teatrais, nem faltei à verdade e à justiçar.

Fui correcto como procuro ser sempre, e sem dar aos meus discursos aquele tem quási desprimoroso que me atribui o Sr. Carlos Olavo, mas fiz afirmações que mantenho e que o Sr. Presidente do Ministério não destruiu.

Afirmei que o Sr. Presidente do Ministério estava fazendo ditadura e que a seu tempo o provaria.

Chegou agora a oportunidade!

O Sr. Carlos Olavo estranhou que, tendo nascido ontem o Govêrno, eu estivesse já a atacá-lo; é que o Sr. Carlos Olavo não se lembra que ainda há quem saiba ler e escrever e supõe que a maioria dos Deputados não tem à sua disposição jornais para ver a obra do Govêrno durante as férias.

O Govêrno da presidência do Sr. Ginestal Machado entendeu que aquilo que o Govêrno está fazendo não o podia fazer sem a sanção parlamentar. Êsse Govêrno entendeu que era necessário fazer compressão de despesas e aumentar as receitas, mas pelos processos legais e com o respeito das leis.

A lei 1:344, que o Sr. Presidente do Ministério citou, autoriza-o a fazer determinadas operações, mas não aquilo que S. Exa. fez. A consulta da Procuradoria da República não é uma sentença, mas um parecer.

Também o Sr. Cunha Leal tinha um parecer favorável ao seu modo de ver mas, como se levantaram dúvidas, entendeu que era necessária a sanção das Câmaras.

S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério esqueceu-se das autorização que tinha, mas eu lembro a S. Exa. que deve respeitar os seus termos.

É que a lei apenas autoriza o Govêrno a eliminar serviços e das aplicações ao pessoal, mas não está autorizado a extinguir serviços, porque isso depende de uma lei especial, que ainda não foi promulgada.

O Govêrno está fazendo uma política

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que não fica de pé, porque amanha qualquer Govêrno pode legalmente eliminar tudo!

Nós compreendemos e queremos que se reduzam as despesas, mas que essa obra se faça com critério e conhecimento perfeito e só assim é que o Estado poderá saber se tem funcionários a mais e o destino que lhes pode dar.

As declarações que fiz mantenho-as sem alteração, sem intuito de melindrar seja quem fôr.

Com todos os Srs. Ministros tenho as melhores relações, porém quem teve ocasião de ouvir a crítica feita ao meu discurso pelo ilustre Deputado o Sr. Carlos Olavo, poderá julgar que os membros que ocupam o Govêrno são meus inimigos irreconciliáveis.

Isto, Sr. Presidente, não é assim, pois a verdade é que conto lá bons amigos, como por exemplo os titulares das pastas dos Negócios Estrangeiros e do Comércio, os Srs. Domingos Pereira e António Fonseca, por quem tenho a máxima admiração e consideração.

Se bem que seja muita a consideração que tenho pelos membros do Govêrno, não posso, no emtanto, deixar de dizer à Câmara e ao País aquilo que sinto sôbre a orientação seguida pelo Govêrno.

Sr. Presidente: poucas serão as minhas considerações; no emtanto não posso deixar de declarar que foram injustas as palavras que me foram dirigidas, pois a verdade é que a atitude que eu tomei não pode de forma alguma ser considerada como teatral.

Disse eu ontem, e repíto-o hoje, que as economias realizadas não são economias, pois a verdade é que todos os funcionários, cujos lugares foram extintos, continuarão a receber os seus ordenados, excepção apenas dos administradores dos concelhos; porém, quanto a êstes, mais tarde se verá a conveniência ou inconveniência na sua extinção, pois sou de opinião que a República está ainda muito verde para poder dispensar êsses agentes do Poder Central.

O grande cavalo de batalha do Sr. Presidente do Ministério é extinguir uns tantos lugares que não estão ocupados.

Diz-se na imprensa que o que se passa nesta casa não prende a atenção de ninguém, pois o País está preocupado a ouvir

o Século e o Sr. Presidente do Ministério nas suas remodelações do serviço público.

Mas muito mais cedo do que o Govêrno imagina terá a prova em contrário.

Tenho dito.

Apoiados.

Vozes: — Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Embora não fale sôbre a ordem, mando para a Mesa uma

Moção

A Câmara, reconhecendo que a crise em discussão constitui um dos sintomas graves da crise do regime republicano, continua na ordem do dia.—Paulo Cancela de Abreu.

Sr. Presidente: não tinha o propósito de intervir neste debate político, e entrei hoje na sala inteiramente disposto a não me manifestar, pois entendi que nada mais era preciso para demonstrar a crise gravíssima nacional.

Nem mesmo eu me devia manifestar depois de ter falado o sub-leader Sr. Carvalho da Silva, mas o meu temperamento não mo permitiu, em vista das afirmações do Sr. Presidente do Ministério, acerca da impecabilidade do Govêrno.

Tem havido várias crises, sem contar com aquelas que se deram mesmo com o Sr. António Maria da Silva, no Poder.

Já se apreciou aqui o trabalho, a dificuldade que houve em arranjar um Ministro das Colónias.

Já se apreciou aqui a circunstância de o Sr. Álvaro de Castro, tendo sido governador de uma colónia, sendo Deputado por essa colónia, não querer, calculadamente, tomar conta daquela pasta; êsse assunto há-de ser ainda apreciado detidamente por êste lado da Câmara, quando vier à discussão o famoso empréstimo para Moçambique, porque então se dirá que o Sr. Álvaro de Castro, não querendo ou não podendo dizer abertamente que é absolutamente contrário a essa operação ruinosa para o País, não quis tomar conta da pasta das Colónias, como se aqui não estivéssemos todos para preguntar claramente a sua opinião, para S. Exa. dela assumir a responsabilidade, não só como

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Presidente do Ministério, mas como antigo governador e como Deputado por Moçambique, para assim, com conhecimento de causa, nos podermos pronunciar devidamente.

Também nessa altura preguntaremos ao novo Ministro das Colónias, que pessoalmente é merecedor da melhor consideração dêste lado da Câmara, o que pensa a este respeito, visto que até agora, apesar de se tratar de um assunto da maior magnitude, da boca do Sr. Presidente do Ministério ainda sôbre êle não saiu uma palavra.

Não me interessa, também, discutir a atitude do Sr. Presidente da República quando da crise resultante da demissão do Govêrno do Sr. Ginestal Machado. É-me absolutamente indiferente determinar quais foram as relações entre o Chefe do Estado e o seu Govêrno no momento em que a ordem pública do País foi perturbada por mais um movimento revolucionário.

Não tentarei averiguar o motivo por que S. Exa. visitou o quartel de marinheiros e o Arsenal da Marinha, procurando seguir para bordo de um navio revoltado e furtar-se a um contacto imediato e indispensável, que se impunha, com o seu Govêrno, o qual tinha a seu cargo manter o prestígio do Poder, livrar o Chefe do Estado de qualquer coacção ou surpresa que surgisse na sua arriscada jornada através dos bairros suspeitos da capital no momento em que uma revolução estava declarada.

Se se fala em coacções, se se fala em factos de qualquer ordem tendentes a perturbar a necessária independência do Chefe do Estado, é porque, infelizmente, temos precedentes frequentes e graves acerca dêste assunto. Recordemos o que se passou com o célebre movimento de 21 de Maio, que originou, como se sabe, ai substituição do Govêrno de então, em cujo seio, segundo afirmou uma alta individualidade, havia conspiradores contra o próprio Govêrno.

Absolutamente nada me interessa saber o que pensa, o que faz, o que sente o Chefe do Estado, que actualmente é o Presidente da República, assim como me não interessa saber se procede de determinada maneira para com um partido e do maneira diferente para com outro, pre-

tendendo exercer sôbre aqueles que o não elegeram, não digo uma violência, mas a acção de desforra, o que trouxe para nós, monárquicos, a demonstração completa dos inconvenientes claramente manifestados do regime republicano em confronto com o regime monárquico.

E que não está ali o Chefe do Estado eleito ou imposto pela Nação. É que, agora como sempre, agora mais do que nunca, quem ocupa aquele lugar é o delegado de um partido ou, melhor dizendo, o delegado do um homem que lá de fora manda em Portugal!

Por conseqüência, nem me preocupo em saber se é verdade ou não que S. Exa. deseja instalar-se nas suas horas de meditação e repouso na histórica Torre do Belém, apenas para meditar e repousar, ou se para estar mais perto de um porto de embarque para destinos melhores para S. Exa. e para o País.

Também não me interessa discutir aqui com os ilustres membros da Câmara as ditaduras, quais foram as boas ou quais foram as más, só todas foram más ou se todas foram boas, se foi ou não pior do que todas aquela que roubou à igreja aquilo que lhe pertencia, aquela que atentou contra todas as liberdades, aquela que subverteu a família e a sociedade portuguesa e que foi o que se chamou a jornada gloriosa de 5 de Outubro de 1910. Só quero que seja confrontada com as tais desgraçadas ditaduras de João Franco, de Sidónio Pais, de Pimenta de Castro e de outros que usaram dêsse processo para-realizar os seus propósitos políticos.

O que sei é que dentro da monarquia houve ditaduras como as de Dias Ferreira e Lopo Vaz que, se tiveram defeitos, em todo o caso produziram alguma cousa do útil para o País e muitas vezes o salvaram da débâcle. Mesmo dentro da República, aquilo que sintetizou para os republicanos o seu programa foi a tal ditadura, desgraçada, é certo, mas que algum a cousa produziu que traduzisse o modo de sentir de alguns portugueses que então dominavam em Portugal. Houve ainda, é certo, uma outra ditadura talvez mais grave e mais desastrosa, em que têm responsabilidade todos os partidos do regime, e que foi a dos trinta suplementos ao Diário do Govêrno.

Trocam-se vários apartes.

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O Orador: — Nessa altura o Sr. Sá Pereira e os seus correligionários ainda não distribuíam condecorações.

Nomearam revolucionários civis e criaram lugares para os instalar.

Puseram em lugares de serviços públicos assassinos que deviam estar na Penitenciária, mas continuam comendo da gamela, e o Presidente do Ministério não é capaz de fazer sair pelas janelas das secretarias os que pelas janelas entraram.

Apoiados.

Também não quero discutir o que foi o Sr. Álvaro de Castro através da sua vida política.

Também não quero aludir às referências que fez o Sr. Cunha Leal quanto ao respeito à Constituição apregoado pelo Sr. Álvaro de Castro, quando S. Exa. já está violando essa Constituição com as suas medidas, nem me quero referir à sua atitude para com o Govêrno do Sr. António Maria da Silva, que constituiu um Govêrno manifestamente contrário ao Parlamento, porque isso é com os próprios republicanos.

O que preciso discutir é o que o Sr. Álvaro de Castro representa neste momento e o que projecta ser amanhã, e hei-de mostrar que não só está fazendo leis inconstitucionais, como disse o Sr. Jorge Nunes, mas prepara-se para proceder inconstitucionalmente, isto sem de modo algum deixar de reconhecer que é necessário, reduzir as despesas públicas e equilibrar o Orçamento.

Não vou também apreciar a incoerência dos membros do Govêrno, entre os quais figura um que com toda a dedicação tem estudado todos os problemas da vida nacional, o Sr. António da Fonseca, que sinto não ver presente.

Quando se discutiu nesta Câmara no ano passado o problema das estradas, S. Exa. afirmou repetidas vezes que era contrário à pulverização das verbas emquanto não houvesse um plano de estradas no País.

Pois o mesmo Sr. António da Fonseca, que é considerado o estadista máximo da República, segundo dizem, aplicou à construção de algumas estradas uma verba superior a 2:000 contos, isto para satisfazer os pedidos de vários distritos contemplados.

S. Exa. actualizou as verbas para algumas estradas e aplicou verbas para estradas novas.

Quando se tratou aqui dêsse problema, S. Exa. sustentou que não se devia construir um metro de estradas novas emquanto não estivessem reparadas todas as estradas do País.

S. Exa. sustentava tudo isso, mas hoje mudou já de opinião.

Apartes.

Não desejo também entrar em detalhes sôbre o relatório que o Sr. Álvaro de Castro fez distribuir pelos parlamentares. Suponho, mesmo, que S. Exa., Sr. Presidente, irá, depois do debate político, abrir uma inscrição especial sôbre êsse relatório, porque se assim não fôr, estamos desvirtuando a própria lógica do tempo e a sequência dos factos.

Se, pois, V. Exa. o não ordenar, eu requererei que, findo o debate político, se inicie um debate especial sôbre o relatório do Govêrno.

O relatório do Govêrno tem duas partes: uma, relativa à redução de despesas e, outra relativa à criação de receitas. A redução de despesas está no espírito de todos, e dêste lado da Câmara tem-se afirmado repetidas vezes a necessidade de essa redução se fazer, desde que não haja perturbação nos serviços públicos.

Mas a respeito de redução de despesas, o que vemos nós?

É que, com excepção da redução que respeita aos administradores do concelho que traz uma economia de 5:700 contos e da extinção das escolas primárias superiores, que também representa uma regular economia, nada mais se encontra de apreciável, porque ou não compreendo que se suprimam serviços para se agregarem a outros serviços, com o mesmo número de funcionários, ou quási o mesmo, e, portanto, gastando-se o mesmo.

Mas não menos interessante é o que se dá quanto às receitas.

O Govêrno do Sr. Álvaro de Castro tem uma noção tam perfeita de economia e de finanças, que entende que se arranjam receitas vendendo o que é do Estado. S. Exa. vai vender a estação privativa de electricidade, a tipografia do Ministério das Finanças, a mobília do Sanatório da Madeira, vai promover a venda dos Bairros Sociais e dos Transportes Marítimos, assim como vai vender os ca-

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valos da Presidência. j

Nós já sabemos onde o Govêrno quere chegar com esta tentativa de redução de despesas ou, antes, de redução de receitas.

É porque o Govêrno quere economizar 5:000 ou 10:000 contos para poder, rnais tarde, à sombra dessa redução de despesas, extorquir ao contribuinte cinco ou dez vezes mais. E é por êste processo que o Govêrno pensa em equilibrar o Orçamento, depois do que já não se torna preciso fazer mais reduções nem pôr em sobresalto os 17:000 funcionários públicos que por amor à República se encontram espalhados pelo Ministério do Trabalho e outras repartições do Estado.

Eu li há dias que tinha sido atendida a reclamação por nós aqui feita relativa à extinção dos cargos de vogais do conselho de administração dos seguros sociais. Procurei a confirmação no Diário do Govêrno, mas nada encontrei. Apenas na declaração ministerial só faz, sôbre o assunto, uma vaga referência. Representando a extinção de tais lugares uma real economia, não se compreendo que o Govôruo não tenha estabelecido no seu relatório a supressão (lesses cargos.

O Sr. Álvaro de Castro não apresentou uma cifra ao menos aproximada representativa das suas anunciadas economias. E porquê? Porque S. Exa., conhecendo bem a insignificância dessa 'cifra, não quis expôr-se aos riscos da desilusão pública . . .

Àparte do Sr. Carlos de Vasconcelos.

O Orador: — E o déficit de dois dias e meio.

Sr. Presidente: eu pedi a palavra quando o Sr. Álvaro de Castro, com ênfase, declarava que a lei n.° 984 era uma lei constitucional, que podia ser acatada por todos os puritanos da Constituição, entre os quais se conta o Sr. Carlos de Vasconcelos.

Não me importo com o parecer da Procuradoria da República, mas, se me importasse, ou desejava preguntar ao

Sr. Presidente do Ministério qual foi o fim por que fez a consulta.

A lei n.° 1:344 foi discutida por êste lado da Câmara por inconstitucional, porque dera ao Govêrno uma autorização que não podia dar.

Das bancadas nacionalistas sustentou-se igual doutrina.

O seu artigo 26.° é expresso; só por declaração de guerra ou empréstimo e mais nada. E mais ainda, essas autorizações só podem ser utilizadas uma 'vez, e eu pregunto:

Êste Govêrno apresentou mais de uma vez destas autorizações, e, noste caso, eu pregunto: £ é ou iião inconstitucional o proredimonto do Govêrno?

Digo isto, não porque seja um paladino da Constituição da República, pois tenho por ela o rnaior deprêzo como monárquico convicto que sou, mas para que o Sr. Carlos Olavo, pioneiro da Constituição, peça a palavra e retira a sua moção, salvando os seus princípios.

O Sr. Jorge Nunes frisou, e bem, a in-coustitncioualidade da acção do Govêrno e basta ver o § único para se verificar a razão de S. Exa.

E isto tanto assim é, que o Sr. Álvaro de Castro, num dos seus decretos ditatu-riais, ò n.° 9:356, referente aos adininis tradores de concelho, resolveu que essa questão fôsse enviada ao Parlamento.

Qnere dizer, , S. Exa. não se julgou autorizado, pela lei n.° 1:344, a remodelar os serviços das administrações dos concelhos.

Sr. Presidente: sôbre o decreto que se refere à extinção de lugares, há uma cousa muito interessante, e- que, nos termos lógicos da gramática, não representa mais do que uma redundância ou gaffe gramatical.

Eu peço à Câmara que leia o artigo 1.° do decreto n.° 9:355, de 8 de Janeiro, corrente, onde se diz: «São suprimida s as vagas».

Salvo o devido respeito pelas opiniões gramaticais do Sr. Presidente do Ministério, entendo que se trata de uma redundância, como de resto o é todo o decreto.

Em minha opinião, dêste decreto não resulta economia nenhuma para o País, mas antes pode resultar o inconveniente de, se amanhã o Sr. António Maria da

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Silva fôr ao Poder, e necessitar anichar amigos para se aguentar, poder fazê-lo à sombra dêste decreto, visto que êle manda suprimir as vagas e um dos processos pode ser preenchê-las.

Nestas condições, o que o Sr. Álvaro de Castro tem a fazer é alterar a frase «suprimir as vagas» por «suprimir lugares, vagos».

E curioso, como já salientou o Sr. Jorge Nunes, que se tenham extinguido as administrações do concelho da província, que têm atribuições mais largas do que as de Lisboa e Pôrto, e se não tenham extinguido estas.

Bastam as investigações criminais e os autos de corpo de delito, que são atribuições dos administradores do concelho da província, para não se poder admitir que êstes lugares sejam extintos.

Diz o Sr. Presidente do Ministério que as administrações do concelho são entregues a quem se prestar a exercê-las gratuitamente.

Suponhamos que se dá o caso de que não há numa torra pessoa que queira gratuitamente exercer essas funções. Quem desempenhará êsse cargo? O decreto não o diz, e contudo devia ter previsto essa hipótese.

Já ouvi aqui dizer que é imoral mio pagar a quem trabalha.

Acho que êste princípio é de todo o ponto aceitável; mas se houver quem se prontifique a trabalhar de graça, dadas as condições difíceis do Tesouro Publico, é de aproveitar essa boa vontade.

Detemos, no emtanto, ter em atenção que desde que essas funções não sejam exercidas por pessoa, de honorabilidade inconcussa, que não queiram servir-se da sua situação para satisfazer interêsses pessoais ou realizar negócios, o facto de ser desempenhado gratuitamente êsse cargo é um incentivo para a ilegalidade e para o abuso.

Sr. Presidente: já o Sr. Jorge Nunes se referiu à supressão das 50 comarcas.

A êste respeito eu desejo preguntar ao Sr. Ministro da Justiça qual foi o critério que presidiu à fixação dêste número no espírito de S. Exa.

Porque é que não se suprimiram mais nem se suprimiram menos?

O Sr. José Domingues dos Santos, logo no próprio dia em que tomou conta da

pasta da Justiça, declarou nas entrevistas dos jornais que a primeira cousa a fazer era suprimir 50 comarcas.

Eu pregunto, portanto, a S. Exa. qual o critério que presidiu a esta orientação?

O Sr. Sá Pereira não ignora que os restantes funcionários de justiça são remunerados exclusivamente com os emolumentos dos processos.

A diminuição de despesas tem que ser o efeito duma remodelação geral, inteiramente adequada às circunstâncias actuais. Só assim se pode fazer a redução dessas ou doutras despesas.

Não compreendo que num regime que se diz democrático...

O Sr. Sá Pereira (aparte): — E que o é.

O Orador: — Não compreendo que num regime que se diz democrático, o Sr. José Domingues dos Santos, Ministro da Justiça, nosso antigo correligionário, diga num relatório que a facilidade de comunicações permite a extinção do comarcas.

Não pode ser. A facilidade de comunicações?!

As testemunhas que tem de percorrer longas distâncias, que têm o seu ganha-pão, que não podem abandonar por dias, mas que são obrigados a cumprir êsse dever, os membros do conselho de família, por exemplo, e que têm os seus afazeres, têm de ir para longe: e quem lhes paga as despesas de transporte?

Deve então lançar-se uma verba especial para essas despesas de transporte, e não obrigar os pobres a gastarem o que não podem.

Pensa-se em extinguir 50 comarcas!

Estou convencido de que S. Exa., com a supressão de 50 comarcas, não pode tornar as comarcas mais próximas umas das outras, ou de cada um.

Quanto a Supremo Tribunal Administrativo, suprimido também por um decreto, já o Sr. Ministro do Interior Sr. Sá Cardoso nos apresentou uma estatística dizendo que durante três anos foram distribuídos 500 processos.

Não se compreende que a um tribunal essencialmente político se confie o julgamento de processos eleitorais.

Há exemplos que me abstenho de enumerar, de revoltantes parcialidades de

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desastrosas conseqüências para o bom nome da lei.

Sob êsse aspecto é uma medida de moralidade extinguir êsse tribunal.

Não se compreende também que o tribunal administrativo tenha meras funções consultivas, podendo qualquer Ministro, levado por interêsses políticos, não homologar as suas decisões.

Nestas condições o tribunal administrativo é um organismo escusado.

Antes de finalizar, quero referir-me a um facto verdadeiramente escandaloso.

Sr. Presidente: o Sr. Cunha Leal fez aqui revelação de factos que, se não houvesse a maior indiferença perante o prestígio dos homens públicos, a Câmara se levantaria numa só voz de indignição.

Foram aqui feitas acusações que versam determinado vulto político, e o que admira, Sr. Presidente, é- que faça parte dêste Parlamento o indivíduo a quem essas acusações se referem, que, tendo estado nas sessões de ontem e de hoje, no emtanto até agora não se tenha inscrito para justificar de certo modo o seu procedimento, para nós vermos em que termos se passaram os factos que o Sr. Cunha Leal referiu.

Sr. Presidente: fui eu o Deputado que nesta Câmara teve a ousadia, assim classificada pelos jornais e pela maioria, e até por determinadas entidades de Angola, de dirigir quaisquer palavras, não digo de censura, mas de crítica, ao procedimento do Sr. Alto Comissário de Angola.

Fui eu o primeiro que chamou a atenção do Sr. Ministro das Colónias, Rodrigues Gaspar, para presumíveis infrações das leis orgânicas dos Altos Comissariados, pelo que respeitava à redução do diferencial da bandeira portuguesa e ainda de outros casos.

Fui eu que tive o arrojo de preguntar por determinados actos do Sr. Alto Comissário de Angola, como sejam viagens extraordinárias e empréstimos funambulescos, assuntos a respeito dos quais o Sr. Ministro das Colónias de então confessou a sua inteira ignorância.

Choveram depois telegramas de protesto de algumas entidades comerciais de Angola contra a campanha Cancela de Abreu.

Ouvi depois o Sr. Nuno Simões e outros Srs. Deputados dizer que eu não tinha razão nas minhas palavras, porque o Sr. Norton de Matos estava realizando uma obra notável.

O Sr. Presidente: — São horas de interromper a sessão.

V. Exa. deseja terminar o seu discurso ou quere ficar com a palavra reservada?

O Orador: — Fico com a palavra reservada.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Presidente: — Comunico à Câmara que para substituir os Srs. Portugal Durão e Mariano Martins na comissão de Marinha estão indicados pela maioria os Srs. Carlos Pereira e Delfim Costa.

O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: comunico a V. Exa. e à Câmara que acaba de se instalar a comissão de marinha, tendo escolhido para seu presidente o Sr. Rodrigues Graspar e a ruim para secretario.

O Sr. Presidente: — Está interrompida a sessão para reabrir às 21 horas e 30 minutos.

Eram 19 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.

Eram 21 horas.

O Sr. Presidente: — Continua com a palavra o Sr. Cancela de Abreu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Desejaria em primeiro lugar que V. Exa. me dissesse quantos Srs. Deputados estão presentes, pois parece-me que segundo o Regimento a Câmara não pode funcionar com menos de 38 Srs. Deputados.

Sr. Presidente: desejaria continuar as minhas considerações; mas desejava fazê-lo diante de um número razoável de Srs. Deputados.

O Sr. Carlos Olavo: — V.Ex. não tem o direito de dizer que êste número não é razoável.

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O Orador: — É possível que o seja pela qualidade; mas não pela quantidade.

Como não estejam, pois, presentes alguns dos Deputados a quem eu mais desejava referir-me, desisto por agora da palavra.

Foi lida na Mesa a moção do Sr. Paulo Cancela de Abreu.

O Sr. Carlos Pereira (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: antes de começar as minhas considerações sôbre o modo de votar, permita-me a Câmara que eu proteste contra uma frase proferida por um ilustre Deputado nacionalista, que disse que tomava nota do precedente.

Então o pedir-se a palavra para falar sôbre o modo de votar é qualquer cousa de extraordinário, qualquer cousa de novo, que possa levar quem quer que seja a dizer: «que toma nota do precedente»?!

O que eu desejo é preguntar à presidência desta Câmara se o Sr. Paulo Cancela de Abreu pediu a palavra sôbre a ordem, pois creio que S. Exa. a pediu pura e simplesmente, e não para falar sôbre a ordem, e, sendo assim, não compreendo a razão por que vem agora apresentar uma moção à Câmara.

Essa moção não podia ser posta à votação, não podia ser mesmo admitida na Mesa, pois se V. Exa. verificar a inscrição do Sr. Paulo Cancela, não é sôbre a ordem e portanto falou sôbre a matéria.

Vou terminar as minhas considerações, visto não estar a falar para forçar o Regimento, e neste caso peço a V. Exa. para não admitir o papel que sob o nome de moção o Sr. Paulo Cancela de Abreu mandou para a Mesa.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: depois das judiciosas considerações do Sr. Carlos Pereira (Apoiados), que claramente definiu a atitude que V. Exa. devia tomar relativamente à admissão do documento mandado para a Mesa pelo Sr.s Cancela de Abreu, que disse que não podia ser admitido como uma moção, visto que S. Exa. não pediu a palavra sôbre a ordem; depois dessas judiciosas considerações, tenho somente a dizer e a constatar mais um acto da minoria monárquica, tendente a desprestigiar o Parlamento, e a fazer com que o Parlamento Republicano seja uma seqüência do Parlamento monárquico;

Apoiados.

Considero da mais elementar educação, da mais rudimentar correcção para com os colegas que deixaram de comparecer à hora, minutos depois da hora, não estar constantemente a prejudicar votações para constatar a falta dêsses colegas, para os colocar mal perante o País.

Apoiados.

Não se salva o País pelo facto de estarem presentes quatro ou cinco membros do Parlamento a menos.

Êste facto, único nos parlamentos do mundo, e provocado, sempre pela minoria monárquica, é contrário a tudo quanto se tem estabelecido nos outros Parlamentos.

Há bem pouco tempo no Parlamento italiano, a minoria socialista...

Sussurro.

Àpartes.

O Orador: — Eu peço a V. Exas. Ordem.

Vozes: — Ordem, ordem.

O Orador: — Dizia eu que no Parlamento italiano há pouco tempo a minoria socialista, quando a discussão era ardorosa e forte, é que teve de provocar uma contagem para verificar a falta de número, limitando-se simplesmente a ameaçar, os outros agrupamentos políticos, de que requereria a contagem se êsse abuso continuasse a exercer-se.

No Parlamento Português é constante-mente a minoria monárquica que, à falta de argumentos, apresenta requerimentos para a constatação da falta de número!

Isto é, apresenta perante o País um espectáculo pouco edificante.

Não creio que os Deputados que não comparecem à hora marcada o façam para que não continue a sessão.

Naturalmente seria porque outros deveres os obrigaram a essas pequenas faltas.

Naturalmente circunstâncias de ordem diversa impediram-os de o fazer.

Vou terminar as minhas considerações, lavrando mais uma vez o meu mais solene protesto contra a atitude da minoria monárquica, que representa um constante e irritante desprestígio para o Parlamento,

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dizendo a S. Exas. que lhe devolvemos na íntegra todas as argüições que têm feito.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando restituir, nestes termos, as notas, taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: começo por agradecer as amáveis palavras que o Sr. Carlos Pereira me dirigiu.

Como parlamentar e como português, eu não posso deixar de lavrar o meu mais enérgico protesto contra as sucessivas faltas de número, que representam um verdadeiro desprestígio para a instituição parlamentar, tanto mais que não foi dêste lado da Câmara que se requereu a prorrogação da sessão.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: pedi a palavra depois de ouvir as judiciosas considerações do meu amigo e ilustre parlamentar Sr. Carlos Pereira.

Nunca ninguém me lembrou rima, gentileza que eu não tivesse logo desejo de a pagar, e como vejo o empenho que S. Exa. tem em que esta sessão se realize, resolvi tomar alguns minutos para ver se se consegue que cheguem mais alguns Srs. Deputados para que haja número.

Em todo o caso, para que o Sr. Carlos Pereira não tenha de me ficar extremamente grato por êste pagamento da gentileza, aproveito o ensejo para me referir ao seguinte:

O Sr. Cancela de Abreu quando hoje falou invocou certas afirmações que eu fiz nesta Câmara, e para as quais chamou a atenção de um Deputado, que elo dizia visado por elas.

Ora, o que eu afirmei foi que uma parte da imprensa fazia as apreciações dos homens públicos por um processo interessante, e para o demonstrar citei, não o Sr. Norton de Matos, mas o Alto Comissário de Angola.

Desde o momento que foi posta esta questão, evidentemente que eu tenho curiosidade em que ela se esclareça, e daí o estar fazendo, permitam-me o termo, êste frete.

Porém, como não estou habituado a fazer fretes, faltam-me os argumentos para continuar, lamentando, que durante êste prazo de tempo não tivesse entrado ainda o número de Deputados necessários para a sessão prosseguir.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à admissão da moção apresentada pelo Sr. Cancela de Abreu.

Consultada a Câmara, foi admitida,

O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.

Procede-se à contraprova e, simultaneamente, à contagem.

Vozes: — Está admitida! Estamos todos sentados! Não é preciso fazer-se a contraprova!

Nesta altura levanta-se o Sr. Carvalho da Silva.

Disseram «aprovo» os Srs.:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Ferreira Vidal.

Alberto Xavier.

Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Álvaro Xavier de Castro.

Amaro Garcia Loureiro.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Francisco Cruz.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Jaime Júlio de Sousa.

João Baptista da Silva.

João José da Conceição Camoesas.

João José Luís Damas.

José Carvalho dos Santos.

José Domingues dos Santos.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José de Oliveira Salvador.

José Pedro Ferreira.

Mariano Martins.

Nuno Simões.

Paulo Cancela de Abreu.

Paulo da Costa Menano.

Página 27

Sessão de 10 de Janeiro de 1924 27

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Viriato Gomes da Fonseca.

Disseram «rejeito» os Srs.:

Américo Olavo Correia de Azevedo.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Correia.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Carlos Cândido Pereira.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Germano José de Amorim.

José Cortês dos Santos.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

Júlio Gonçalves.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Vergílio Saque.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

O Sr. Presidente: — Votaram 49 Srs. Deputados.

Não há número.

A próxima sessão é amanhã à hora regimental, com a mesma ordem de trabalhos, antes da ordem e na ordem do dia.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Substituições Comissão de marinha:

Substituir os Srs. Portugal Durão e Mariano Martins pelos Srs. Carlos Pereira e Delfim Costa.

Para a Secretaria.

Pareceres

Da comissão de saúde o assistência públicas, sôbre o n.° 577-B, que concede autonomia administrativa ao Hospital Escolar de Lisboa.

Para a comissão de instrução especial.

Da mesma, sôbre o n.° 465-F, que lança um adicional de 4 por cento sôbre o imposto de transacções no distrito de Coimbra, para a Comissão Administrativa da Maternidade.

Para a comissão de finanças.

Da comissão de guerra, sôbre o n.° 616-D, que abre um crédito a favor do Ministério da Guerra para despesas com recrutamento, revistas de inspecção, transportes, melhoria e reforma de oficiais e aquisição de terreno para um pôsto de telegrafia sem fios.

Para a comissão de recrutamento.

Constituição de comissões

Saúde e assistência públicas:

Presidente — João Camoesas.

Secretário — Alberto Cruz.

Para a Secretaria.

Instrução secundária:

Presidente - João Camoesas.

Secretário — Marcos Leitão.

Para a Secretaria.

Marinha:

Presidente — Alfredo Rodrigues Gaspar.

Secretário — Armando Agatão Lança.

Para a Secretaria.

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministério da Agricultura, me sejam fornecidas as seguintes informações:

1.° As cotações médias mensais dos trigos nos mais importantes mercados estrangeiros, durante o actual ano cerealífero;

2.° As taxas de moagem e panificação que a Manutenção Militar reputa no pre-sentea momento compensadoras para as respectivas indústrias;

3.° A quem compete a fiscalização das quantidades de trigo exótico importadas;

4.° As quantidades globais, durante o ano cerealífero que decorre, de trigo exótico, distribuídas pelas diversas fábricas de moagem.

Lisboa, 10 de Janeiro do 1924.—Manuel de Sousa da Câmara.

Expeça-se.

O REDACTOR — Sérgio de Castro.

Página 28

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