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REPUBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 22

EM 17 DE JANEIRO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira

Alberto Lelo Portela

Sumário. - Com a presença de 38 Srs. Deputados, o Sr. Presidente declara aberta á sessão.

Lê-se a acta e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. — O Sr. Presidente, depois da leitura do telegrama que anuncia ~o óbito do Sr. Alves dos Santos, propõe um voto de sentimento por essa perda. Associam-se, com palavras de pesar, ao voto proposto, os Srs. Almeida Ribeiro, Cunha Leal, Américo Olavo, Paulo Cancela de Abreu, Paulo Menano, Agatão Lança, Tôrres Garcia e Presidente do Ministério (Álvaro de Castro).

É nomeada a deputação que representará a Câmara no funeral e interrompe-se a sessão por dez minutos.

Reaberta a sessão, o Sr. Presidente comunica a renúncia dos Srs. Sampaio Maia e António Correia aos cargos de 2.° secretário e 2.º vice-secretário da Mesa.

O Sr. Almeida Ribeiro propõe que a Mesa fique encarregada de instar com aqueles Srs. Deputados pela desistência da sua renúncia.

E aprovada a proposta depois de falarem os Srs. António Correia e Almeida Ribeiro.

O Sr. Nuno Simões, em negócio urgente, trata da questão cambial. Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças que re-quere que entre imediatamente em discussão o parecer n.º 548.

Para explicações, usam da palavra os Srs. Francisco Cruz e Barros Queirós.

O Sr. Carvalho da Silva requere a generalização do debate.

Usam da palavra, para interrogar a Mesa, os Srs. Presidente do Ministério e Alberto Xavier.

Aprovam-se os requerimentos do Sr. Presidente do Ministério e Carvalho da Silva.

É aprovada a acta, da sessão anterior depois de terem usado da palavra sôbre a acta os Srs. Agatão Lança e Cunha Leal.

O Sr. Tavares de Carvalho requere a prorrogação da sessão até findar o debate sôbre a crise cambial.

Ordem do dia.— Com preterição dos assuntos marcados, prossegue o debate sôbre a questão dos câmbios.

Usam da palavra os Srs. Cunha Leal, Barros Queiroz, Carvalho da Silva e Almeida Ribeiro que apresenta um projecto de lei autorizando o Govêrno a regulamentar o comércio de câmbios.

Admitido e entra em discussão.

Intervém ainda no debate os Srs. Tôrres Garcia, Carlos Pereira, Fausto de Figueiredo, Presidente do Ministério e Paulo Cancela, de Abreu.

Esgotada a inscrição, o Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.

Abertura da sessão, às 15 horas e 35 minutos.

Presentes à chamada, 39 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 56 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à chamada:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Alberto Ferreira Vidal.

Alberto Lelo Portela.

Alberto de Moura Pinto.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Mendonça.

António Resende.

António de Sousa Maia.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Carlos Cândido Pereira.

Custódio Martins de Paiva.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Delfim Costa.

Francisco Cruz.

Francisco Dinis de Carvalho.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

Jaime Júlio de Sousa.

João de Ornelas da Silva.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

José Carvalho dos Santos.

José Cortês dos Santos.

José Marques Loureiro.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Pedro Ferreira.

Lourenço Correia Gomes.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Manuel de Sousa da Câmara.

Nuno Simões.

Paulo Cancela de Abreu.

Paulo da Costa Menano.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Tomé José de Sarros Queiroz.

Vergílio da Conceição Costa.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto Xavier.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Álvaro Xavier de Castro.

Amaro Garcia Loureiro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

António Albino Marques de Azevedo.

António Correia.

António Maria da Silva.

António de Paiva Gomes.

Artur Brandão.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

Bernardo Ferreira de Matos.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Maldonado de Freitas.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

João Estêvão Águas.

João José da Conceição Camoesas.

João José Luís Damas.

João Pereira Bastos.

João Pina de Morais Júnior.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Domingues dos Santos.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

Lúcio de Campos Martins.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Alegre.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Duarte.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel de Sousa Coutinho.

Mário de Magalhães Infante.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Pedro Góis Pita.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Vasco Borges.

Vergílio Saque.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Henriques Godinho.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Faltaram à sessão os Srs.:

Abílio Marques Mourão.

Afonso Augusto da Costa.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto da Rocha Saraiva.

Albino Pinto da Fonseca.

Américo da Silva Castro.

António Abranches Ferrão.

António Dias.

António Ginestal Machado.

António Lino Neto.

António Pais da Silva Marques.

António Pinto de Meireles Barriga.

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António Vicente Ferreira.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Augusto Joaquim Alves dos Santos.

Augusto Pereira Nobre.

Augusto Pires do Vale.

David Augusto Rodrigues.

Domingos Leite Pereira.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Feliz de Morais Barreira.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Germano José de Amorim.

Hermano José de Medeiros.

Jaime Duarte Silva.

Jaime Pires Cansado.

João Baptista da Silva.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Luís Ricardo.

João Salema.

João de Sousa Uva.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

João Vitorino Mealha.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Brandão.

Joaquim Dinis da Fonseca.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Joaquim Serafim de Barros.

Jorge Barros Capinha.

José António de Magalhães.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José de Oliveira Salvador.

Júlio Gonçalves.

Júlio Henrique de Abreu.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Mariano Rocha Felgueiras.

Maximino de Matos.

Paulo Limpa de Lacerda.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Rodrigo José Rodrigues.

Sebastião de Herédia.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Tomás de Sousa Rosa.

Valentim Guerra.

Ventura Malheiro Reimão.

Pelas 15 horas, com a presença de 89 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta.

O Sr. Presidente: — Chamo a atenção da Câmara para é telegrama que vai ser lido.

É lido na Mesa um telegrama do Sr. director interino da Biblioteca da Universidade de Coimbra, comunicando a notícia da morte do Sr. Dr. Alves dos Santos.

O Sr. Presidente: — Proponho um voto de sentimento pela morte do ilustre Deputado Sr. Alves dos Santos.

O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: a morte do Sr. Alves dos Santos representa verdadeiramente uma grande perda para o Parlamento, pois o extinto Deputado era um membro ilustre desta Câmara.

No magistério universitário era um membro de valor e uma notável capacidade intelectual.

Êste lado da Câmara associa-se ao voto proposto por V. Exa.

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: falo em nome do Partido Nacionalista neste momento, para dizer que a perda do ilustre Deputado Sr. Alves dos Santos é deveras para lamentar.

Tive ocasião de apreciar S. Exa. bem de perto, pois fui Ministro com S. Exa. e sou dos que tiveram a honra da sua amizade.

Falo também como amigo pessoal a quem muito prezei. S. Exa. era dotado de uma alta inteligência (Apoiados), possuía um coração diamantino (Apoiados) e fez grande falta à República na qual era um alto valor, e pena é que vão faltando êstes valores prestimosos e honrados.

Associo-me ao voto de V. Exa.

O Sr. Américo Olavo: — Em nome do Grupo Parlamentar de Acção Republicana, associo-me com profundo sentimento ao voto proposto por V. Exa. pela morte do Sr. Alves dos Santos, que foi um professor ilustre da Universidade, onde prestou relevantes serviços.

Gomo parlamentar foi um companheiro

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que sempre se evidenciou, tanto em assuntos de instrução como de economia.

É com verdadeiro sentimento que nos associamos ao voto de V. Exa.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Êste lado da Câmara vota com o maior sentimento a proposta de V. Exa., por o Sr. Alves dos Santos ser nosso colega, e aqui se ter afirmado um elemento de valor.

É com sentida mágoa que nos associamos ao voto proposto por V. Exa.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Menano: — Em nome dos parlamentares nacionalistas de Coimbra, associo-me ao voto proposto por V. Exa. pela morte do Sr. Alves dos Santos que foi um valor político e moral.

O Sr. Alves dos Santos era professor da Universidade de Coimbra, onde, através de muitos anos, deu lições de alto espírito liberal.

É uma perda que muito se faz sentir onde vão rareando os verdadeiros republicanos,

O orador não reviu.

O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: tive a honra de ser governador civil quando o Sr. Alves dos Santos foi Ministro.

Deu-me grandes provas de carinho que jamais esquecerei.

Conheci também S. Exa. como professor, quando frequentei a Universidade.

Associo-me, pois, comovidamente ao voto proposto por V. Exa.

O orador não reviu.

O Sr. Tôrres Garcia: — Pedi a palavra para me associar ao voto proposto por V. Exa. pela morte do nosso colega Sr. Alves dos Santos que muito defendeu os interêsses do Coimbra, a que dedicou sempre o melhor da sua actividade.

Sr. Presidente: é para lamentar a perda do prestimoso professor, que tanto prestígio dará à República.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Em nome do Govêrno, associo-me ao voto de sentimento pela morte do Sr. Alves

dos Santos, o às homenagens rendidas por esta Câmara à memória de S. Exa. pelos serviços relevantes que prestou ao País.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Em virtude das manifestações do todos os lados da Câmara, considero aprovado o voto de sentimento-proposto pela morte do Sr. Alves dos Santos.

Proponho mais que os Srs. António Dias e João Bacelar representem a Câmara nos funerais do Sr. Alves dos Santos.

Apoiados.

Proponho ainda que se suspenda a sessão por 5 minutos em sinal de sentimento.

Apoiados gerais.

Está suspensa a sessão por 5 minutos.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Ás 16 horas e 16 minutos reabriu a sessão,

O Sr. Presidente: — Chamo a atenção da Câmara para a carta que os Srs. Sampaio Maia e António Correia dirigiram à Mesa, pedindo escusa dos lugares que exerciam na Mesa.

O Sr. Almeida Ribeiro: — Tinha passado despercebida a resignação dos cargos para que haviam sido eleitos os Srs. Sampaio Maia e António Correia.

Parece-me estar no espírito de toda a Câmara que a Mesa insista com êsses Srs. Deputados para que renunciem aos seus propósitos.

Julgo não haver motivo nenhum, pelo menos do conhecimento da Câmara, que possa justificar o pedido que S. Exas. formularam.

Pelo contrário, os serviços que prestam na qualidade de secretários justificam em absoluto o nosso desejo de que continuem a prestar, êsses serviços e por isso proponho que a Mesa empregue diligências junto dêsses Srs. Deputados no sentido do renunciarem aos seus propósitos.

O orador não reviu.

O Sr. António Correia: — Agradeço ao Sr. Almeida Ribeiro a gentileza que teve comigo, que foi sugerida pela comunicação de V. Exa. do meu pedido de renúncia

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do vice-secretário para que eu tinha sido eleito.

Devo dizer que tenho necessidade de me afastar dêsse lugar, porquanto, sendo mester desempenhá-lo com regularidade, por motivos independentes da minha vontade não posso assim proceder.

Agradeço ao Sr. Almeida Ribeiro as palavras de consideração que me dispensou.

Devo informar a Câmara de que mantenho o meu pedido de renúncia do cargo para que fui eleito.

Apresso-me a declarar que, na hipótese de essa renúncia não ser concedida, eu, que costumo ser regular na freqüência da Câmara, ver-me hei forçado a afastar-me dos trabalhos parlamentares.

O orador não reviu.

O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: sabemos que os Srs. Deputados que fizeram a comunicação a que há pouco me referi, são dos mais assíduos aos trabalhos parlamentares.

Nestas circunstâncias, a falta de colaboração de S. Exas. nos trabalhos da Mesa, em que S. Exas. podem prestar bons serviços, é bastante sensível o por isso é conveniente que se insista junto de S. Exas. para que desistam da sua renúncia.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — O Sr. Almeida Ribeiro propôs que se insista junto dos Srs. - Sampaio Maia e António Correia para que desistam da sua renúncia aos lugares de vice-secretário e segundo secretário.

Os Srs. Deputados que aprovam tenham a bondade do se levantar.

Assim se resolveu.

O Sr. Presidente: — Está sôbre a Mesa um pedido do uso da palavra em negócio urgente feito pelo Sr. Nuno Simões que deseja tratar da questão cambial. Por outro lado, o Sr. Presidente do Ministério deseja também tratar do mesmo assunto.

Vou dar a palavra a S. Exa.

O Sr. Presidente dó Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Tinha tenção de falar sôbre a questão cambial, mas como o Sr. Nuno Simões deseja, em negócio urgente, tratar do mesmo assunto, aguardo as considerações de S. Exa. para depois usar da palavra.

O Sr. Nuno Simões: — Entendo que em face do que se está passando, em matéria cambial, a Câmara dos Deputados não pode conservar-se indiferente ao alarme e ao protesto que todo o País formula contra factos que representam efectivamente o aniquilamento da vida económica e financeira do País e que representam a completa ruína da política financeira do Govêrno.

Há mais de meia dúzia de dias, não obstante todas as promessas do Sr. Presidente do Ministério, não obstante todos os propósitos expressos pelo Govêrno de compressão de desposas e de regularização da administração republicana, o câmbio está-se agravando sucessivamente, a ponto de hoje ter atingido a libra o preço de 152$.

Entendo que em face da gravidade de um problema dêstes é absolutamente inútil— sinto ter de o dizer — que vamos comprimir despesas, que vamos reduzir o funcionalismo, ou fazer outras e máximas economias.

Tudo quanto se está a fazer neste capítulo de economias desaparece na voragem das despesas provenientes de diferenças cambiais.

Sei que na questão cambial influi, aqui como em toda a parte, o factor moral de confiança na obra governativa.

Sei que é fundamental, para que a questão cambial se resolva, que efectivamente as contas se regularizem, mas também sei que neste momento o País não tem conhecimento de qualquer facto extraordinário que contribuísse para que o câmbio se agravasse.

Sr. Presidente: o Govêrno prometeu ao País tomar determinado número do medidas de redução de despesas.

Só assim pode despertar o País confiança, impedindo os manejos dos que não hesitam em lançá-lo na ruína, contanto que realizem os desígnios da sua avara cobiça.

Não é realmente lícito à Câmara dos Deputados, nem ao Govêrno, não tomar numa ocasião destas todas as medidas, as mais rigorosas, para evitar a especulação cambial.

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O Sr. Carlos de Vasconcelos (dirigindo-se à oposição monárquica): — É o resultado das manobreis dos seus correligionários!...

O Orador: — A política intervencionista do Estado, em matéria de câmbios, não deu nenhum resultado. Mas o facto é êste: é que não sabemos até que ponto essa política se tem exercido. Tendo eu requerido há um mês que me informassem se a Inspecção de Câmbios mandou ao Conselho Superior o relatório da sua gerência, obtive a resposta de que o não tinha feito, o que quere dizer que a Inspeção de Câmbios não tem cumprido a sua missão.

E lícito, pois, preguntar ao Govêrno se falhou essa política intervencionista por falta de eficiência dos métodos e dos funcionários que a executaram ou porque com quaisquer métodos ou funcionários ela teria de falhar aqui como em toda a parte. É preciso que o Govêrno justifique essa ineficácia da acção intervencionista, pois, demonstrada ela, urge que se siga outro caminho.

O Govêrno procura neste momento reduzir ao mínimo as despesas públicas; o Govêrno procura moralizar a administração do Estado. São-lhe devidos por isso todos os aplausos.

Apoiados.

Mas isso não basta. Estar a tapar os pequenos buracos de alguns gastos inúteis e deixar aberto o rombo enorme feito pela situação cambial, que absorverá todas as economias e aumentos de receita criados, será o mesmo que atirar o País para a ruína, sob o sorriso complacente dos nossos inimigos.

Apoiados.

Entendo ser minha obrigação como parlamentar chamar a atenção do Govêrno para este momentoso assunto, declarando que me encontro disposto a votar todas as medidas que autorizem o Govêrno a tomar as indispensáveis e urgentes providências que o caso requere. E também essa a minha obrigação como português que tem na sua mão uma parcela da função legislativa.

Cumpra o Govêrno o seu dever que ninguém lhe regateará aplausos.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: tencionava já ontem vir à Câmara dos Deputados fazer declarações perante os representantes da Nação acerca dos factos que se estão passando e que alarmam todo o País.

Não me foi possível fazê-lo porque tive do assistir à discussão da declaração ministerial na outra casa do Parlamento e. venho hoje por isso tratar do assunto pela primeira vez. Antecipou-se-me, porém, o Sr. Nuno Simões, por reconhecer que urge efectivamente que o Parlamento tomo conhecimento dos factos que estão ocorrendo e, ao mesmo tempo, tome uma deliberação concorde com as necessidades do Estado.

Não tem explicação possível nem legítima o que se está passando no mercado cambial. A perturbação ultimamente produzida não tem explicação plausível, como não a tem o verdadeiro pânico que só estabeleceu em Lisboa.

Quando da apresentação do Ministério a que tenho a honra de presidir, eu tive ensejo de dizer o que o Govêrno, especialmente o Ministro das Finanças, entende da acção governativa e da acção do Parlamento. Hoje, a minha declaração não pode ser de outra natureza. Devemos seguir o mesmo caminho que outros países estão seguindo.

O Sr. Nuno Simões referiu-se à acção da Inspecção de Câmbios que funciona e tem funcionado há muito tempo com diversos títulos. Não sei, nem merece a pena detalhar, qual tem sido a acção da Inspecção de Câmbios anteriormente à minha entrada no Ministério.

O funcionário que à frente dessa instituição se encontra foi nomeado pelo meu antecessor na pasta das Finanças. Até hoje nenhuma razão tenho para dizer que a sua acção não tem sido efectiva e que êle não tem procurado realizar tanto quanto possível uma acção útil ao Estado.

Tudo o que se diz, tudo quanto se propala, é o produto da desorientação da praça de Lisboa, e eu não posso deixar de atribuir uma grande parte dessa desorientação a propósitos inconfessáveis de elementos perturbadores (Apoiados) que urge confinar dentro de certos limites para que não façam mal.

Apoiados.

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Independentemente das medidas que estão sendo adoptadas para cobrir tudo aquilo que possa ser representativo de uma especulação nefasta e doentia, há, contudo, medidas urgentes a promulgar pelo Parlamento e que eu reputo as únicas salvadoras, porque são as únicas capazes de fazer reintegrar o Estado no seu verdadeiro crédito. Refiro-me à necessidade — aliás desde o primeiro dia por mim proclamada — de o Parlamento tomar medidas urgentes no que diz respeito ao nosso sistema tributário.

O Parlamento carece desde já de atacar o único mal que é a causa perturbadora das finanças públicas, a causa perturbadora de toda a economia nacional. O Parlamento ponderará o que é indispensável fazer-se nesta hora, mas eu creio que a única, política, útil e hábil, é a rápida aprovação das medidas financeiras que já estão relatadas e de todas aquelas que sejam necessárias para nos aproximarmos do equilíbrio orçamental.

O Sr. Carvalho da Silva: — Irá o câmbio para zero!

O Orador: —... desde que não se adoptem as medidas absolutamente precisas para jugular aqueles que pretendem não atacar o Govêrno, mas atacar profundamente a República, servindo-se, não de incursões vindas pela Galiza, mas de incursões perturbadoras nas finanças do Estado.

Apoiados.

O Estado tem na sua mão os possíveis meios de repressão, embora o Sr. Nuno Simões dissesse que o regime internacionalista do Estado em matéria cambial não tem dado os resultados eficazes que se esperavam da acção dos institutos criados para êsse efeito. Efectivamente, não posso dizer qual tem sido essa acção, porque não existem elementos para se poder fazer um exame consciencioso.

Todavia, homens de alta mentalidade, conhecedores de negócios financeiros e do regime cambial, asseveram que a limitação ou restrição, é sempre mais prejudicial que vantajosa em matéria desta natureza. Estou convencido também de que as restrições, como mero remédio para resolver o problema, são absolutamente contrárias ao que desejamos obter, o que

não quere dizer que se não adoptem certas e determinadas limitações que porventura se impõem neste momento.

Mas o que o Parlamento precisa acima de tudo ó, pela voz dos seus mais autorizados membros, dar ao País em geral e, em especial, à cidade de Lisboa, tudo o que represente tranqüilidade, esperança no futuro, confiança, porque eu estou convencido de que um dos factores que mais têm intervindo no mal que agora nos aflige de um modo mais grave e evidente é a falta de confiança e a falta de esperança no futuro de Portugal. Confrange o coração de quem quer que tem de assumir as funções governativas, e muito, especialmente a difícil pasta das Finanças, o verificar que não há ninguém que não, jogue a perda do país, quando o Govêrno, principalmente o Ministro das Finanças, joga na certeza de que a Nação não perecerá porque tem condições de vitalidade.

Muitos apoiados.

A perturbação dentro do nosso país não provém só da especulação doentia e egoísta entre importadores e exportadores, produtores e consumidores; o pânico, o verdadeiro pânico, é provocado não só por factos ainda hoje mal conhecidos, mas pela ânsia com que certos elementos procuram agarrar os valores que imaginam que são os únicos que poderão resistir à dêbache final!

A confiança, a esperança no futuro, a indestrutível fé em que o país tem fôrças para resistir e condições económicas para progredir são factores que podem e devem concorrer para que saiamos da crise aguda em que nos encontramos.

Um Sr. Deputado, quando me referi à necessidade de ràpidamente o Parlamento votar as medidas financeiras preconizadas pelo Govêrno, algumas delas já relatadas, disse que o câmbio iria para zero. Não tenho elementos para poder demonstrar tal tese, mas possuo todos os elementos para demonstrar que isso é inteiramente falso (Apoiados), e neste estado de espírito e de convicção encontro-me bem acompanhado, pois que em França, onde hoje se luta com uma crise equivalente à nossa, o Govêrno da presidência do Sr. Poincaré não foi pedir ao Parlamento outra cousa que não fôsse a elevação imediata de todos os impostos. Não procurou me

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didas indirectas, medidas fantasiosas, mas, com uma coragem pouco vulgar, apresentou ao Parlamento o problema que urgia resolver, qual era o de estabelecer o equilíbrio do orçamento.

Para nós o problema não tem outro& dados, não tem outras conclusões.

Um aparte.

O Orador: —Iniciando se uma obra, pequena embora, digam, mas que representa o começo de urna política que se não tinha ainda praticado com a energia que O Govêrno nela está pondo, nós estaríamos em face do absurdo se da prática dessa política resultasse a queda cambial a que vimos assistindo. Seria estabelecer o princípio de que o Estado esbanjador, de que o Estado gastador dos dinheiros públicos tinha mais fàcilmente a confiança do país do que o Govêrno apresentado com os desejos, aliás por todos manifestados, de que as despesas públicas se reduzissem, de que só fizesse à sua compressão e de que se criassem as receitas também necessárias para o equilíbrio orçamental.

A responsabilidade que poderia impender sôbre o Govêrno e, principalmente, sôbre o Ministro dás Finanças, não cairá nem sôbre os ombros do Govêrno, nem sôbre os do Ministro das Finanças, porque claramente aqui disseram que tudo o que estiver na sua acção para praticar a política de deminuição de despesas o farão com inteira coragem, com inteira decisão, procurando restringir ao mínimo todos os encargos, principalmente no estrangeiro.

Mas a outra parte da responsabilidade, isto é, a da criação de receitas, que o Govêrno não pode fazer por actos seus, impende sôbre o Parlamento, que a fará ou não como entender, e o Govêrno desonera-se dessa responsabilidade, vindo pedir desde já a imediata discussão da lei do sêlo.

Apoiados.

Seguidamente, pedirá a votação da actualização dos impostos, para o que apresentará uma proposta ao Parlamento.

Estando o Ministro das Finanças com o Govêrno, neste particular, inteiramente convencido de que a única maneira de marchar para um destino certo, para uma revolução completa dentro do nosso meio

económico e financeiro, é garantir ao Estado os meios do vida necessários para uma situação não deficitária, o Govêrno põe a sua questão de confiança sôbre êste problema.

Apoiados.

Não quere o Govêrno a responsabilidade de continuarmos a esgrimir contra aquilo que não representa; na verdade, a resolução do problema.

Eu sei, Sr. Presidente, que o Parlamento, pela sua votação de ha dias, demonstrou que estava inteiramente integrado no pensamento do Govêrno, que desejava, realmente, seguir uma política que devia restabelecer a confiança em Portugal, a confiança de todos os portugueses.

O momento de pânico que atravessamos, que será ligeiro, se a Câmara o quiser, que desaparecerá no momento em que o Parlamento demonstrar a sua decisão neste problema, não pode nem deve alterar o sentimento inicial com que foi votada essa moção de confiança. Sei que não apelo em vão para o Parlamento, que o País não apelará em vão para os seus sentimentos patrióticos. O País apoiá-lo há sem restrições, só êle puser o Estado em condições de viver, em condições de poder lutar, em condições de poder jugular aqueles que nesta hora imaginam que destroem a República pelo facto de lhe criarem dificuldades que não são insuperáveis, que não são invencíveis, porque invencível é o sentimento patriótico, o sentimento-republicano que anima a Câmara.

Apoiados.

Termino, Sr. Presidente, pedindo que entro imediatamente em discussão o parecer n.° 548 sôbre o imposto de sêlo.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Francisco Cruz: — Sr. Presidente: ouvi as fantasiosas considerações do Sr. Presidente do Ministério, entro as quais a de que é necessário restabelecer a confiança.

Na verdade, a falta de confiança é todo o nosso mal.

Não há confiança na obra administrativa que a República vem realizando.

Acha-se, por exemplo, em vigor uma

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pauta aduaneira, sôbre a qual o Conselho Superior Técnico ainda se não pronunciou e que contém disposições que tornam proibitiva a exportação até daquela matéria prima que mais abunda em Portugal.

Disse muito bem o Sr. Ministro das Finanças: não há confiança. Mas a confiança dos que dirigem e administram não provou por vir aqui ao Parlamento trazer a actualização dos impostos agora.

Durante longas férias, S. Exa. não teve tempo de trazer essas medidas, de as estudar para poder resolver o problema.

Então o Parlamento é que tem a responsabilidade de S. Exa. não ter trazido quaisquer medidas?

Ouço das bancadas do Poder constantemente palavras de censura ao Parlamento.

Felizmente o Parlamento pode bem com as suas responsabilidades, apesar de todas as campanhas de descrédito que partem das bancadas do Poder.

E uma acusação com que, felizmente, o Parlamento pode bem.

Todos temos visto sentados nessas bancadas, homens sem competência e valor moral; valor moral, bem entendido, por não terem a coragem moral de repelir certos cavalheiros pretendentes que entram pelas portas dos Ministérios, que nem sequer deviam poder por ai passar. Os Ministros deferem-lhes as pretensões as menos justas e legítimas.

Como quere S. Exa. que haja confiança, se não se produz cousa alguma de útil para o País?

Falou S. Exa. na lei do solo e na contribuição de registo, ruinosas para o país.

Interrupções.

O Orador: — Contra factos não há argumentos.

É preciso que os homens que se sentam nas bancadas do Poder mereçam a confiança do País pelos seus actos e pela sua competência, aquela confiança que o País exige para se poder influir na situação cambial.

Termino, porque o que teria que dizer seria muito para fazer a história de todos os pigmeus que têm passado pelas bancadas do Poder. E como sou republicano de sempre, que não tem de pedir licença a ninguém para o ser, posso criticar a

obra dos que se dizem republicanos, más que ainda ontem nos apedrejavam nas ruas, e que vêm dizer que a culpa é do Parlamento.

A culpa é daqueles que não têm qualidades para mais.

O orador não reviu.

O Sr. Barros Queiroz: — O Sr. Presidente do Ministério terminou as suas considerações por pedir a discussão imediata da lei do sêlo.

O incidente levantado nesta Câmara pelo Sr. Nuno Simões merece considerações especiais, mas não se podem fazer essas considerações protelando o Regimento, e, como houve um Sr. Deputado que pediu a palavra para um requerimento para a generalização do debate, se a Câmara vier a aprová-lo terei, então ensejo de dizer alguma cousa sôbre o assunto, embora a Câmara não tenha muito a ganhar com isso.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro que se generalize a discussão do incidente com preterição da ordem do dia.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Requeiro para o meu requerimento a prioridade.

O Sr. Presidente: — O requerimento do Sr. Presidente do Ministério tem a prioridade. Pô-lo hei primeiro à votação, e depois o do Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Jorge Nunes: — V. Exa. compreende que, votando a Câmara o requerimento do Sr. Presidente do Ministério, fica imediatamente prejudicado o requerimento para generalização do debate sôbre o incidente; e ainda se dá a circunstância, que eu desconhecia, de o requerimento para a generalização do debate ter sido feito primeiramente.

O Sr. Alberto Xavier: — O requerimento do Sr. Presidente do Ministério em nada prejudica o requerimento do Sr. Carvalho da Silva.

Julgo que as duas questões podem ser cumulativamente tratadas pela Câmara.

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10 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Presidente: — Parece-me também poderem ser votados os dois requerimentos.

Porei primeiramente à votação o requerimento do Sr. Presidente do Ministério.

É aprovado o requerimento do Sr. Presidente do Ministério.

É aprovado o requerimento do Sr. Carvalho da Silva.

É posta à votação a acta.

O Sr. Agatão Lança (sobre a acta): — Sr. Presidente: tem sido praxe nesta Câmara, e eu mesmo já uma vez me vi na necessidade de recorrer a essa praxe, para restabelecera verdade, referir-me ao relato dos jornais.

No Diário de Lisboa, de ontem, vem uma frase, posta na boca do Sr. Cunha Leal,'dirigida à minha pessoa, e que eu não ouvi.

A ser verdade, seria uma insídia que me fora dirigida.

O Diário de Lisboa tem o cuidado de não pôr nenhuma palavra minha, e está no seu direito, que lhe não contesto. Mas teve o cuidado de publicar toda a sorte de apartes que me foram dirigidos, e na boca do Sr. Cunha Leal pôs uma frase que, se a tivesse ouvido, teria nessa altura a devida resposta.

Pedia ao Sr. Cunha Leal o favor de me dizer e à Câmara se é verdadeira a frase do Diário de Lisboa.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: — Evidentemente é meu dever e costume tomar a responsabilidade das palavras que profiro, ainda, quando tenha ido mais além daquilo que a minha consciência me ditava.

Compreendo que as condições acústicas da sala impedem os jornalistas de ouvir claramente o que dizemos.

Não compreendo, porém, que me fossem atribuídas tais palavras.

Não tinha que pedir a S. Exa. satisfação de o seu voto ser determinado duma ou doutra forma.

Quando S. Exa. tem: pedido a palavra para: um requerimento, de forma alguma tenho recusado o meu voto â êsse requerimento.

É que S. Exa., não aprovando o meu requerimento, recusava-me a única tribu-

na em que podia dar explicações, o que me feria profundamente. Mas não atribuí nunca a S. Exa. propósitos de me caluniar, nem quaisquer intuitos menos nobres.

Trata se, portanto, dum equívoco, onde não deve haver intenção maldosa, não havendo motivo para o Sr. Agatão Lança se considerar ofendido, porque eu não o quis ofender.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Agatão Lança: - Sr. Presidente: agradeço ao Sr. Cunha Leal as declarações claras e precisas que fez, como ô próprio do seu carácter.

Devo dizer a S. Exa. que eu ontem, pedindo a palavra para explicações, fi-lo por mais uma prova de gentileza para com S. Exa.

De facto, neguei o meu voto para se tratar dum assunto relativo a jornais, mas se fôsse para se tratar dum assunto que se referisse ao Sr. Ginestal Machado eu daria o meu voto a S. Exa.

O Sr. Cunha Leal pertence a um partido que tem um órgão na imprensa, e nele podia ocupar-se da questão.

Repito, agradeço ao Sr. Cunha Leal as suas explicações, e isto mostra que tenho por S. Exa. uma consideração que o jornal a que aludi não teve para comigo, nem para com o Sr. Cunha Leal.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovada a acta.

Pedido de licença

Do Sr. Joaquim Brandão, 8 dias. Concedido.

O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Vou dar a palavra aos oradores inscritos sôbre a questão cambial.

O Sr. Tavares de Carvalho (para um requerimento): — Requeiro, que seja prorrogada a sessão sem interrupção, sendo necessário, até terminar o debate relativo à questão cambial.

Foi aprovado.

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O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: esta questão é realmente das que mais interessam ao País, e declaro que as minhas considerações não são determinadas por quaisquer retaliações políticas, embora isso fôsse natural.

Não ignora a Câmara que, quando estive no Govêrno, circunstâncias gerais ou particulares que importaria estudar determinaram uma depressão cambial, que não se compara à de ontem para hoje, e certos jornais diziam que eu era o causador dessa depressão, e até o actual governador civil do Pôrto, que foi meu correligionário e que passou para outro lado, afirmou que o Govêrno transacto tinha sido um golpe de câmbio.

Hoje S. .Ex.a não considera já assim â depressão que se dá e não pede a sua demissão.

Àpartes.

Podia usar de processos semelhantes aos que se usaram contra mim, atribuir ao Govêrno todas as culpas da situação, e podia até com todos os tropos da minha retórica atacar o Govêrno com toda a violência, usando das mesmas armas que se empregaram contra mim como Ministro das Finanças, mas repugna à minha consciência de homem de bem empregar armas que reputo menos dignas.

Não vou dizer ao Govêrno que êle é culpado de uma situação tam grave, e do pânico que começa a estabelecer-se na sociedade portuguesa.

Quando muito acusaria o Govêrno da simples circunstância de desconhecer o problema, e de apresentar soluções infantis, tendo de reconhecer que não pode um Govêrno, de um momento para o outro, modificar a situação.

Não farei retaliações políticas e só entendo que a situação tem do ser analisada, não pelo que valem as palavras, mas pelo que valem os factos, e para mim esta situação em que estamos hoje deriva de certas medidas tomadas.

A primeira cousa que a Câmara e o Govêrno devem ter é uma directriz, para nina orientação salvadora, e não para lugares comuns que serão trabalhos perdidos e novas causas de desordem.

Por êsse modo todos quererão encaminhar a Pátria e a República para um despenhadeiro por cujas arestas vamos já rolando, e não julguem que estamos à

beira do abismo quando vamos já rolando por êle.

O Sr. Nuno Simões fez certas declarações e eu quero também fazer as minhas declarações, pois nos encontramos numa situação anormal.

S. Exa. declarou que seria capaz de votar medidas as mais violentas, se o Govêrno alguma cousa de prático e de útil estivesse decidido a fazer.

Também eu, hipotecando neste caso apenas o meu voto, faço a mesma declaração.

Tudo quanto o Govêrno pela sua honra nos declare absolutamente útil para nesta hora travar um pânico que se manifesta assustador, tudo darei ao Govêrno.

Mas preciso de fazer uma restrição clara e categórica.

Preciso de pôr diante da consciência do Govêrno esta dúvida sôbre a sua própria acção.

O que é que o Govêrno quere fazer?

Quais são os seus propósitos?

Porque, emfim, eu tenho necessidade, ao votar aquilo que me fôr exigido em nome da salvação pública, de ter os elementos que me habilitem n julgar se o procedimento do Govêrno vai ser benéfico ou prejudicial.

Até agora o Govêrno somente nos tem trazido lugares comuns.

Argumenta-se com o facto de o Sr. Poincaré para pôr um dique à depreciação do franco ter pedido à Câmara o aumento dos impostos.

Declaro que não acredito que seja possível travar a marcha dos câmbios pelo aumento dos impostos.

Quais são as causas da queda dós nossos câmbios?

Já por várias vezes tenho exposto nesta casa do Parlamento, perante a indiferença mais ou menos notória de muitos dos seus membros, as minhas ideas sôbre o assunto, e as minhas ideas que são filhas de consciencioso estudo é aturada observação e não das circunstâncias, mantenho-as inteiramente.

Os câmbios, dizem alguns, agravam-se todas as vezes que um país vive em regime orçamental deficitário, todas as vezes que êle aumenta a sua circulação fiduciária, todas as vezes que a confiança nos seus Governos desaparece.

O Sr. Presidente do Ministério inter-

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preta neste momento essa corrente que não é exclusivamente nacional e que eu, em oposição ao Sr. Decamps, tive ocasião de contraditar.

O Sr. Presidente do Ministério sustentou que, travado o aumento da circulação fiduciária, equilibrado o Orçamento e alcançada a confiança da Nação, os câmbios hão-de necessàriamente melhorar.

Não é isto, repito, inteiramente exacto.

Circunstância estranha a essas e de muito maior valia do que elas é a da situação da balança económica de um país.

As condições dificílimas da nossa balança económica que implicariam só por si uma quebra da nossa moeda, vieram juntar-se ainda outras relativas à exportação dos nossos vinhos e conservas e que acentuaram ainda mais essa quebra.

Paralelamente, a greve dos transportes marítimos acarretou ainda maiores perturbações.

As dificuldades depois foram surgindo à medida que os stoks se esgotavam.

É que as necessidades muito tempo comprimidas, é que as necessidades muito tempo apertadas pelas duras circunstâncias dos tempos que vão correndo precisam de se fazer sentir.

Todos temos do comer bacalhau e importar certos artigos necessários à nossa vida.

E assim repentinamente caiu na praça a necessidade de se importarem determinados artigos.

Foram circunstâncias de ordem económica, tais como aceleramentos fatais de importação, retardamento de exportação, que num dado momento começaram a determinar uma tal necessidade de procura de divisas estrangeiras, em relação à oferta das mesmas divisas, que o seu preço começou a crescer assustadoramente.

Ora todos compreendem que nas circunstâncias excepcionais em que o pais só encontra, quando um fenómeno dêstes se der, o pânico tendera produzir-se independentemente do qualquer idea de afogar, o regime pela especulação.

Efectivamente, o que é certo é que aquele facto de um indivíduo possuir °10 contos, com os quais pode comprar 100 libras, e no dia seguinte verificar que só pode comprar 95 e depois 80, 75, etc., é o suficiente para o fazer tremer não só pelo seu bem estar, mas pelo bem-estar dos

seus filhos, independentemente de pensar na política, e dá-lhe uma certa tendência para acelerar a marcha dos fenómenos, produzindo a emigração de capitais.

A emigração decapitais vem como uma conseqüência à qual devemos atender e perante a qual não devemos protestar com fáceis indignações, mas opor o travão que a inteligência dos homens do Govêrno e o esfôrço de nós todos puderam opor ao fenómeno fatal.

Ninguém retarda a retirada desordenada de um exército, senão opondo-lhe fôrças enquadradas que impeçam as fugas e os actos do indisciplina.

Ora essas fôrças, para o caso cambial, podem ser constituídas pela melhor escolha das cousas necessárias à nossa vida, para sòmente importarmos essas, e pela confiança que o país deposite não só no Govêrno, mas em todos nós.

Ora ocorre preguntar que razão, que motivo pode ter a Nação Portuguesa para neste momento ter essa confiança no Govêrno. Não faço esta pregunta por política, mas só pela dura necessidade de a fazer.

Corresponde a presença deste Gpvêrno nas cadeiasdo Poder a uma necessidade nacional, a uma nova forma do equilíbrio político? Não. A Nação, olhando sinceramente para o Govêrno, digo-o sem segundo sentido de o ferir, vê nele uma forma de transição e ataque a uma fôrça política da República, desorganizando cada vez mais a vida da República, que está neste momento à procura de novas formas de equílibrio (apoiados das direitas). Ninguém ignora que a presença dêste Govêrno no Poder significa um novo arranjo das fôrças políticas. Ninguém acredita na estabilidade do Govêrno, nem na grande fôrça moral que lhe proviria do equílibrio político adquirido; ninguém acredita que êste Govêrno se apoie numa sólida fôrça.

Se assim é, o que é que ainda poderia atrair a confiança da Nação, opondo-se como um dique ao pânico da praça? Porventura as ideas dum homem do génio, dum Napoleão das Finanças, que ocupasse as cadeiras do Poder. Mas todos sabem que, em Portugal, quem tem de algumas dúzias de republicanos metidos nas chafaricas a consideração suficiente para se poder intitular um Napoleão das Finanças é apenas o Sr. Afonso Costa.

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6Que admira, de resto, que o País esteja desconfiado com os Ministros que ali se encontram, quando os ouve falar — e eu não quero com isto ofender o Sr. Ministro das Finanças — quando os ouve falar, acerca da descida do câmbio, nas incursões da Galiza e na especulação dos monárquicos?! Creia o Sr.Álvaro do Castro que não é essa a melhor forma de conquistar a confiança da Nação. A confiança da Nação foge porque estamos em presença dum homem que perante a realidade inevitável das cousas nos vem dizer palavras que nada significam, e que em lugar de dizer que tem meio de corrigir os desmandos cambiais, de restabelecer a confiança externa, de levar a Nação a economias e de encarreirar a sua vida económica e industrial num sentido útil, apenas nos atira com as incursões da Galiza e nos fala da confiança do País sem nos dizer a forma prática de a adquirir.

Apoiados.

Ocorro neste momento também preguntar se realmente, como apregoa o Sr. Ministro das Finanças, do simples travar do aumento da circulação fiduciária e pelo equilíbrio orçamental, pode derivar a melhoria dos nossos câmbios. O que é que determina, pelo menos perante os princípios da escola liberal, o preço das divisas estrangeiras? E a relação entre a sua oferta e a sua procura. Pregunto: £0 que é que pode determinar, dado que num momento se tenha conseguido o necessário equilíbrio orçamental, que a relação da oferta para a procura se tenha modificado profundamente? Poderemos nós, com um grande sacrifício num dado momento, ter conseguido o equilíbrio orçamental. Imaginemos que, no dia em que o Sr. Presidente do Ministério se apresentou aqui e começou com as suas compressões de despesa, se tinha conseguido simultaneamente o equilíbrio orçamental.

O Sr. Presidente do Ministério encontrou uma divisa cambial para a qual, emfim, o ágio do ouro creio que era de 2:555 por cento; mas, se neste intervalo se agravou de mais de 6$ em libra, o que é que isto significa para o equilíbrio do orçamento? Que, tendo nós cêrca de 2 milhões de libras do despesa, o déficit seria de 12:000 contos, mas, se repararmos que o Sr. Presidente do Ministério, encontrando a libra a 122$, em dois dias a tem

a mais de 150$, tendo-se dado um agravamento de cêrca de 30$, eu pregunto se isto não significa um déficit, neste intervalo, de cêrca de 70:000 contos. Vêem V. Exas. como passaríamos a vida atrás da depressão do nosso câmbio e como seria difícil o equilíbrio orçamental.

Sei que algumas pessoas têm uma fácil e simples idea sôbre o assunto e que então dizem que, se fizéssemos com que as receitas fossem cobradas em ouro e as despesas feitas na mesma moeda, desde que antes da guerra havia o equilíbrio orçamental, evidentemente se conseguiria agora êsse mesmo equilíbrio. Nada mais difícil, contudo. Imaginemos que as receitas eram de 60:000 contos com a libra a õ$, o que corresponde a dizer que as receitas montavam a 12 milhões de libras. Essas receitas, todavia, não provêm só de impostos, mas também de juros e dividendos, parte esta que seria qualquer cousa como um têrço das receitas, de modo que, para conseguirmos o equilíbrio, desde que não podíamos mexer à vontade nessa Àparte das receitas, era necessário aumentar as contribuições muito mais do que o coeficiente resultante da cotação da nossa moeda. Por outro lado, sabia-se que -umas cortas formas do actividade não podem suportar um pequeno aumento sequer nos seus encargos tributários, como, por exemplo, o proprietário de um montado que vê a cortiça pouco mais valorizada do que dantes. Trata-se dum problema difícil, que já de si seria insolúvel, mesmo que as despesas se tivessem conservado fixas. Se não houvesse nem mais um funcionário do que antes da guerra, só haveria uma forma indirecta para conseguir o equilíbrio em ouro do orçamento, forma que seria termos menos funcionários do que dantes.

Mas o que tem sido a nossa acção administrativa? Tem sido cortar o número de agentes de despesas do Estado? Têm-se feito quaisquer cortes com cuidado para não desorganizar os serviços respectivos?

Não, a nossa acção consistiu em estabelecer cada vez mais serviços caros e luxuosos. Cito ao acaso as duas criações da República desde 1919 até hoje para S. Exas. verem como foram organizados os serviços caros da República o Ministério da Agricultura e o Instituto de Seguros Sociais. Quanto ao Ministério da Agri-

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cultura, criaram-se primeiro onze repartições. Depois, as pessoas que chefiavam essas repartições pediram que, sem agravamento de despesa, passassem a chamar-se directores de serviço, depois pediram que, conservando ainda os mesmos ordenados, os transformassem em, directores gerais, e por fim pediram que lhes dessem os ordenados correspondentes a esta última categoria. É claro que ao mesmo processo de organização dos serviços caros da República obedeceu a criação do Instituto de Seguros Sociais.

Temos, pois, que o equilíbrio orçamental não se pode atingir senão à custa de muito sacrifício e a Nação encontra-se em presença de um problema cuja solução eu não sei qual seja. Não há, portanto, que vir com a miragem do equilíbrio orçamental. Sei que o pretendem conseguir à custa do insuficiente pagamento ao funcionalismo, mas nós temos as lições da história. Com os povos que, como Portugal, a Alemanha e a Áustria, durante algum tempo têm vivido no regime de depreciação contínua da moeda, dá-se um facto curioso que merece ser meditado — e não durante muito tempo os salários só conservam inferiores, em ouro, ao que eram antes da guerra.

Outro problema é o da relação entre a circulação fiduciária e a situação da nossa moeda. Já tive ocasião de dizer que o aumento de circulação tanto pode ser causa da depreciação da moeda como conseqüência necessária da depreciação.

Imaginemos que — trata-se de um exemplo — antes da guerra a paralisação da exportação elevava a libra, por exemplo, de 5$ para 10$.

Sucederia então que os 80:000 contos seriam insuficientes para as necessidades do comércio. Os bancos necessitavam para cada transacção o dôbro do que até então era preciso. Tranformavam-se assim em instrumento incapaz de atender as necessidades da praça.

Estaríamos na situação de vermos a moeda numa posição superior àquela que lhe devia ser determinada pelas circunstâncias económicas do País, quere dizer, a libra que deveria estar a 10$, devido a essas circunstâncias, ficaria em média, a 7$. Era uma fantasia.

Se houvesse um qualquer aumento de circulação fiduciária, a moeda tendia para

a posição que a economia lhe marcaria, desvalorizando-se, e aquilo que era apenas o efeito da desvalorização real da moeda para o público aparecia como causa determinante da desvalorização..

Analisemos agora a questão considerando o país com a libra a 4$50 e uma circulação fiduciária de 80:000 contos, e a veja depois aumentada para 160:000 contos. Em certa altura os 80:000 contos encontrar-se-iam nas mãos de várias pessoas, imobilizados. A menor desconfiança todos os possuidores de escudos convertê-los-iam em moeda estrangeira e o câmbio agravava-se.

Quere isto dizer que a circulação fiduciária tanto pode ser causa da desvalorização da moeda, como efeito dessa desvalorização.

Tudo quanto se queira fazer acreditar fora disto é absolutamente uma fantasia, e os povos não devem ser governados com fantasias. Essas só podem servir, em dado momento, as aspirações de analfabetos escrevinhadores que, servindo-se dos jornais de grande circulação, se acham no direito de atirar para a execração nacional aquelas pessoas que se atrevem, contra a vontade dêsses estadistas encolhidos por detrás das colunas dos jornais, a dizer aquilo que é a verdade.

As cousas são como eu as aponto.

Quem diga o contrário engana-se.

Neste momento, diga o Sr. Ministro das Finanças o que quiser, a verdade é que, tendo nós uma moeda 31. vezes desvalorizada e uma circulação fiduciária de cerca de 18 vezes o que era, não pode haver um limite para a especulação.

Há a especulação de muitos mas num país que tem, em relação ao aumento da desvalorização da moeda, apenas metade da circulação fiduciária, há-de viver-se sempre em grandes dificuldades comerciais, tam grandes que nem todos os importadores conseguirão obter os escudos que necessitem para os converterem em moeda estrangeira.

Quere isto dizer que não haja uma. especulação? Não.

Ela, de facto, existe e é preciso contrariá-la, mas com medidas que na verdade a reduzam.

Vir dizer-se que é bastante aprovar novos impostos e redução de despesas é

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brincar com a Nação; é aumentar-lhe a desconfiança.

E tem ela razão para estar desconfiada?

Tem. Lembremo-nos, por exemplo, do célebre caso dos 50 milhões de dólares, de que foi vítima até aquele que já por alguém foi classificado de Napoleão da finança portuguesa.

Como é que o Sr. Pedro de Araújo e outros conseguiram amealhar mais alguns milhares de escudos?

Vou dizer.

Conseguiram isso pela simples notícia falsa de um empréstimo, pela confiança ingénua e infantil do Sr. Afonso Costa e ainda à custa da campanha da confiança.

É preciso, dizia O Século, ter confiança na Nação!

Todos acorreram a vender as suas libras que foram cair nas mãos dos especuladores.

Há, pois, momentos em que o gritar a palavra confiança representa servir a causa dos especuladores.

Para mim o principal crime da questão dos 50 milhões de dólares foi o esgotamento parcial dos recursos ouro da nação.

Temos depois o crédito dos 3 milhões de libras. Também todos gritavam: Haja confiança!

Eu sei que as circunstâncias têm variado desde êsse momento, mas o que não há. dúvida é que precisamos de trabalhar e desenvolver a actividade económica do país.

Precisamos de disciplinar as operações cambiais e entravar a marcha desordenada dos câmbios, mas pelos processos actuais isso é impossível.

Creio que, em 1921, tive a honra de apresentar à Câmara uma proposta de lei, remodelando as leis bancárias, e procurando criar um Banco central, medida que nessa ocasião julgava e ainda hoje julgo, da maior utilidade para o país, pois. visava a interessar aqueles que exercem a indústria bancária juntamente com o Estado, num fim comum. É claro que essa medida tem de ser modificada pelas circunstâncias, mas o objectivo ainda é o mesmo.

Sr. Presidente: eu não estou aqui a bater-me por esta ou por aquela idea, mas únicamente pelos interêsses do país, e nestas circunstâncias a quem fôsse con-

traventor deveria fechar-se-lhe a porta, com lei ou sem lei.

Traduza o Sr. Presidente do Ministério as suas ideas, que votar-lhe hei, por exemplo, o imposto do sêlo e a contribuição de registo, que me abstenho de discutir, para que S. Exa. tenha mais depressa na sua mão essas medidas que são indispensáveis, julgo. Eu, parlamentar, dou a S. Exa. um voto de confiança.

Quere S. Exa. trazer à Câmara uma proposta para arrancar a camisa a qualquer figurão que especule com a desgraça nacional? Traga essa proposta de desinfecção da camisa e arrancamento dá mesma, que eu lha votarei. Todas as autorizações e mais uma,

Mas nós não estamos aqui a divertirmo-nos com o país, e por conseqüência temos de procurar obter, o mais ràpidamente possível, o objectivo, e êsse é o da estabilização cambial.

Como há pouco disse, se S. Exa. quiser um voto de confiança, eu dou-lho, mas S. Exa. assume uma tremenda responsabilidade e eu não desejo que S. Exa. saia inutilizado dêsse lugar, porque isso seria retardar a marcha da República.

Sr. Presidente: falar-se em especulação, dizer-se que não se deve aumentar a circulação fiduciária é absolutamente nada - sê o Sr. Presidente do Ministério não empregar todos os impostos com uma política monetária que não sabemos que é.

Eu já estive duas vezes no Ministério das Finanças, uma durante vinte e oito dias, e até alguém lhe chamou os vinte e oito dias de Clarinha, outra durante quarenta e oito dias. Na verdade, não é tempo suficiente para se estudarem as múltiplas e complexas questões que se nos deparam, e, quando se começa a ter uma vaga noção de todas elas, sai-se pela porta fora.

Sr. Presidente: é preciso que não sigamos o exemplo da França, que ultimamente tem vivido dos seus próprios recursos e do seu patriotismo.

Poincaré não tem autoridade sôbre esta matéria.

Com essa política temos de conjugar todos os nossos recursos, temos de empregar o produto da venda da prata, temos de conjugar tudo aquilo que derivou de cambiais de exportação, emfim, todos os recursos de que a Nação puder

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dispor como, por exemplo, os de quem tiver títulos ouro, títulos externos; temos de conjugar tudo isto com organizações novas que não sejam as actuais, que não seja a Inspecção de Câmbios, a tini de demonstrarmos à Nação que, embora não tenhamos a absoluta certeza de garantir a estabilidade cambial, seguimos uma política financeira que visa a êsse fim.

Esboce o Govêrno essa política e pode contar com o nosso apoio. Não tem o Govêrno maior interêsse do que nós em salvar a Nação. Não somos mais patriotas nós do que outros e nesse ponto £aço justiça a todos, monárquicos e republicanos.

Se o Sr. Ministro das Finanças seguir essa política terá merecido o nosso aplauso, independentemente das nossas questiúnculas políticas.

Sr. Presidente: superior aos factos há as directrizes da nossa política e a circunstância de não haver directrizes para a política económica e para a política financeira da Nação é que nos tem levado a êste estado.

Defina S. Exa. essa política. Esperamos o seu novo relatório, e, se êle corresponder a êsse nosso desejo pode S. Exa. contar com o nosso voto de confiança, voto desinteressado; eu por mim espero não subir as escadas do Ministério das Finanças para pedir qualquer favor.

Não é a S. Exa. que pretendemos fazer um favor, é a Nação inteira que espera de nós alguma cousa de útil e de interessante.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Barros Queiroz: - Sr. Presidente: o assunto que neste momento se debate na Câmara não é de natureza a interessar exclusivamente ao Govêrno como não é de natureza a interessar exclusivamente aos parlamentares que apoiam o Govêrno; interessa a todos os republicanos e interessa a todos os monárquicos porque interessa a todos os portugueses.

Apoiados.

O assunto é de tal natureza que eu considero um traidor à Pátria todo aquele português que contribuir por qualquer modo para agravar a situação.

Apoiados.

Sr. Presidente: nos últimos dias os câmbios têm-se agravado dum modo no-

tável e até por um modo que não é costume no nosso País e que só estávamos habituados a ver em países na situação da Áustria e da Alemanha.

Que fenómenos se terão dado na praça de Lisboa para que êste agravamento se apresente por um modo tam extraordinário e tam incompreensível?

Sr. Presidente: a questão cambial é uma quentão muito complexa que não se resolve por simples afirmações e não se resolve por simples desejos, nem com medidas do repressão.

Muitos factores contribuem para êsse problema e nem todos êsses factores podem ser removidos por quem está no Govêrno.

O problema que se discute não é por isso um problema de ordem política, não é sob êsse aspecto que o discutirei; discuti-lo hei sob o aspecto que interessa ao País, abstraindo por completo das pessoas que se sentam nas cadeiras do Poder para ver apenas o desejo que essas pessoas têm de resolver êsse problema prestando assim um serviço ao seu País.

Ouço dizer há muito nesta casa do Parlamento, lá fora, e até no estrangeiro que medidas de violência, medidas coercivas resolveriam o problema dos câmbios; eu tenho afirmado nesta Câmara e fora dela que nenhuma medida violenta, que nenhuma medida coerciva resolverá o problema, antes o agravará.

O Sr. João Luís Damas: — A não ser a aplicação do Código Penal.

O Orador: — O problema dos câmbios assenta essencialmente na depreciação da moeda, no desequilíbrio da balança económica e no crédito que aos portadores dessa moeda mereça o Estado. Há por isso factores de ordem fiduciária, factores de ordem económica e factores de ordem moral.

Os factores de natureza fiduciária conhecem-os V. Exas.; é que sempre que se aumenta a circulação fiduciária de um país, sem que essa circulação ou êsse aumento corresponda a um aumento de uma massa de produtos a trocar imediatamente, se reflecte na depreciação da moeda aproximadamente na quantia da moeda emitida. E um fenómeno que os políticos do meu país, aliás bem acompanhados por políticos notabilíssimos de outros países nunca,

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quiseram entender e nunca puseram na devida equação.

Se um País, como no nosso caso, movimenta todas as suas riquezas, faz o movimento do toda - a sua acção comercial, industrial e particular com 80:000 contos de circulação fiduciária e monetária, que era pouco mais ou menos o que existia em 1914; êsse país, aumentando os meios de troca sem ter aumentado a soma de produtos num valor correspondente, deprecia a moeda em circulação precisamente na importância da nova moeda que lançar no mercado.

Assim é que os Governos do meu país a partir de 1915 têm praticado. O aumento de circulação fiduciária tem sido o mal, quando se devia ter recorrido ao empréstimo e ao imposto.

A desvalorização da moeda é da exclusiva responsabilidade dos homens que têm administrado o meu país; foi a política financeira da guerra que levou o país ao abismo.

Quando foi necessário fazer o recrutamento para o nosso exército, se se tivesse dito que eram necessários sacrifícios, que era preciso pagar-se impostos, que tinhamos que pagar porque assim era preciso, que tínhamos que recorrer ao empréstimo, então estava bem.

Ninguém fez isso e as conseqüências são estas que nós vemos agora.

Apoiados.

Isto tem sucedido cá e no estrangeiro. De 1914 para cá temos um custo de vida aumentado 22 vezes.

Em 1808, quando D. João vi fugiu para o Brasil com a sua corte, não teve outro recurso senão lançar-se no papel moeda e o câmbio de 67 1/2 desceu para 24 e daí a depreciação da moeda brasileira.

Êstes fenómenos dão-se no estrangeiro e vê-se o que se está passando em Inglaterra e em França, em que os seus homens têm feito todo o possível para evitar a descida do câmbio. Êste fenómeno repete-se em toda a parte.

Temos vários factores como a balança comercial e a balança de pagamento.

Têm-se feito as afirmações mais injustificáveis e infelizmente as nossas estatísticas não nos fornecem os elementos de precisão e os poucos que temos são publicados com muito atraso e de nada servem.

A balança comercial está evidentemente desiquilibrada.

Interrupção do Sr. Nuno Simões que se não ouviu.

O Orador: — O desiquilíbrio da balança comercial é um facto; mas a balança de pagamento essa está equilibrada.

O facto é que se vê que não podemos contrair empréstimo no estrangeiro, o que só nos melhoraria a situação.

O Estado Português tem pago os seus encargos e até muitas pessoas se dão ao luxo de gastar ouro em termas estrangeiras, bem inferiores, às nossas.

Há outro factor, que é o moral, e que tem altíssima importância.

Outros países, como a Áustria e a Alemanha, ainda estão em condições piores do que o nosso.

Os exemplos apresentados pelo meu ilustre colega Sr. Cunha Leal são absolutamente verdadeiros.

Uma criatura que, num dado momento, tem uma importância em escudos, que corresponde a um certo número de libras, fica no dia seguinte assustada por ver que êsse mesmo número de escudos não chega para comprar igual número de libras, e, então, trata de empregar essas notas ou essas disponibilidades em valores que não se depreciem com tanta facilidade. Êsse fenómeno observa-se em quási toda a gente. Aqueles que o não praticam pela exportação da moeda para o estrangeiro - e isso não faz toda a gente porque não o sabe fazer — praticam-no comprando valores que representam ouro.

Reparem V. Exas., porque o ouro vale algum reparo, no que se passou com o Funding brazileiro. Êsses títulos que foram tomados firmes pela casa Rothchild de Londres foram colocados na quási totalidade em Londres. Como êsses títulos são ouro, o que sucede? É que hoje o maior mercado dêsses títulos é Portugal. Êsses títulos foram comprados à custa das pequenas disponibilidades de portugueses para adquirirem um valor que lhes não diminua aquilo que possuem.

Supõem êsses portugueses que, comprando êsses títulos no cambista, não fazem exportação de ouro. Podem estar êsses títulos na mão do cambista, mas para êle os possuir e poder vender teve de

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os importar e para os importar teve de despender ouro.

Interrupção do Sr. Fausto de Figueiredo que não se ouviu.

O Orador: — Sr. Presidente: feitas estas considerações de carácter puramente técnico para justificar o meu modo de ver, eu quero afirmar a V. Exa. e à Câmara que as medidas que presumivelmente o Govêrno pretendia realizar para acabar com a especulação de câmbios não me satisfazem.

A primeira condição para estabilizar o câmbio é equilibrar o nosso orçamento de modo efectivo e real. Só quando neste País não se emitirem mais notas para ocorrer ao nosso déficit, só nesse dia temos o direito de esperar, e com certeza se realiza, a estabilidade do nosso escudo e a especulação que porventura ainda então se realizar em volta das divisas cambiais será apenas o efeito dessa mesma especulação e não o efeito do temor ou receio do dia de amanha.

Mas. Sr. Presidente, o Orçamento não se equilibra à custa da aprovação da lei do sêlo, o Orçamento não se equilibra à custa de pequenos remendos, o Orçamento há-de equilibrar-se à custa de profundos sacrifícios, mas sacrifícios para todos.

A nenhum Govêrno é legítimo, porque nenhum tem autoridade para o fazer, equilibrar êsse Orçamento à custa de receitas, com sacrifício do povo que trabalha em benefício de quem não faz nada. Êsse Orçamento tem de iniciar o seu equilíbrio pela redução efectivadas despesas em todos aqueles pontos em que elas possam ser reduzidas sem destruir, som impedir a marcha regular dos negócios.

O Sr. Presidente do Ministério o Ministro das Finanças, no louvável desejo de contribuir para a obra da redução das despesas, publicou já certas providências que julgou duma altíssima importância e que eu me atrevo de classificar de insignificantes.

O Sr. Presidente do Ministério suprimiu os lugares vagos, mas S. Exa. com êsse acto não praticou, uma boa administração porque suprimiu lugares absolutamente insuprimíveis, lugares que são absolutamente necessários. Suprimiu por exemplo, e êste exemplo apenas para elucida-

ção, o lugar de chefe duma repartição como se uma repartição podesse subsistir sem chefe, entregue apenas aos acasos da informação ou das indicações dos chefes de secção.

Pode S. Exa. objectar-me que êsse lugar estava vago, que a repartição funcionava regularmente porque um chefe de secção tinha sido encarregado de dirigir essa repartição na ausência do chefe; mas, Sr. Presidente do Ministério, no dia em que êsse lugar fôr extinto não há mais o direito de ninguém obedecer a quem está a dirigir essa repartição sem ter categoria para o fazer. Como êste há muitos outros exemplos.

Das economias resultantes dêste procedimento não advirá para o Tesouro a economia de $01.

Das outras medidas que S. Exa. A adoptou, supressão do serviços, e eu não quero discutir a maneira ou a sem razão da supressão de serviços, também advirá uma insignificante economia.

Com efeito, suprimir serviços, mas deixar os funcionários à mesa do Orçamento, a receberem o mesmo que recebiam sem prestarem ao país aqueles serviços de que êle tanto carece, não se justifica.

V. Exa., Sr. Presidente do Ministério, não tem nenhuma dificuldade em fazer reduções de serviços, nem de lugares; o que tem dificuldade é em arranjar uma situação especial para os homens que são dispensados dêsses serviços.

Não quero ser algoz de ninguém, mas sou contribuinte, e, como contribuinte, sinto a necessidade de reagir contra o Estado quando o Estado desbarata o dinheiro que eu lhe dou.

Quere isto dizer que no Orçamento não há ainda muito a cortar e não há ainda muito por onde fazer economias? Não.

Apoiados.

Dê-se ao trabalho de consultar o orçamento do Ministério da Guerra, e V. Exa. que é, além dum jurisconsulto notável, um militar, verificará que na remodelação de 1911 se dispensou das fileiras maior número de praças, e tem hoje, pelo menos, número de praças superior ao tempo da monarquia.

Verifique V. Exa. no orçamento do Ministério da Guerra a situação e a soma

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dos recrutas de permanência com os da instrução, que excede os 30:000 homens do tempo da monarquia.

Mas há mais: nunca no tempo da monarquia existiram, de facto, 30:000 homens nas fileiras. Só na época da encorporação.

Mas imagina a Câmara que êsses soldados, praças de pré, estão no quartel e não dão a impressão de que são do exército?

Não; estão aí em várias tribunecas, criadas à sombra da reforma de 1911, em serviços cuja utilidade ninguém conhece, como, por exemplo, na escola de automobilismo, como se não fora uma desgraça dêste país o automobilismo. Outros serviços há dispensáveis.

Porque não traz S. Exa. à Câmara um projecto pedindo a dispensa do Regimento para a remodelação dos serviços do exército?

Porque não reduz o efectivo das praças de pré a um têrço, reduzindo o número de unidades dentro dos quartéis?

Apoiados.

Porque deixa que nesses quartéis estejam soldados a sugar o dinheiro do contribuinte, ao mesmo tempo que deixa o contribuinte sem a riqueza colectável?

Porque não olha S. Exa. para o orçamento do Ministério da Marinha, onde também encontra dotação para 5:900 praças de pré destinadas a um número deminutíssimo de navios, que não precisam de pessoal tam grande?

É que, depois de proclamada a República, se criaram muitas tribunecas, onde estão dispersas as praças, gastando dinheiro do Estado.

Porque é que o Ministério da Agricultura, cujas funções poderiam ser desempenhadas durante alguns anos por um director geral, hoje tem um funcionalismo enorme, impróprio e em proporções incompatíveis com os nossos recursos e dignidade? Porque se não reduz?

Apoiados.

Porque se não reduz também a função do Ministério do Trabalho?

Apoiados.

Toda a gente sabe que há serviços dentro dêsse Ministério que foram criados por uma aspiração de grandeza a que os factos não deram razão e que não podem ser sustentados.

Apoiados.

Não; o povo não pode pagar mais impostos emquanto se não fizerem estas reduções necessárias.

Apoiados.

Traga V. Exa. aquilo que é preciso, reduzindo concretamente essas despesas, e S. Exa. e verá como defenderei os pontos de vista úteis ao país.

Então sim; a República poderá exigir todos os sacrifícios.

O Parlamento dará os seus votos a essas medidas. Mas emquanto o não fizer, não.

É mester que, como tantos outros projectos que aqui têm sido trazidos, êste não enferme do mal de não ter sido estudado, de se não adequar ao meio e não poder ser executado.

Pois então S. Exa. quere ainda maior caos neste país?

A cobrança da contribuição industrial de 1922-1923 ainda não está feita.

Parece que o país está a nadar em dinheiro. No em tanto, só essa contribuição deve produzir mais de 30:000 contos.

Porque não toma o Govêrno providências tendentes a fazer cobrar êsse imposto?

Apoiados.

Se se verificou que essa cobrança não podia ser executada, porque não tomou providências no sentido de a executar?

Apoiados.

Não, eu não quero um debate político, porque não são precisas palavras, mas apenas factos, propostas concretas e reduções de despesas; não julgo, porém, que haja um parlamentar que possa discutir e votar, de afogadilho, uma nova lei de sêlo, que fere tantos e tam legítimos interêsses.

Não; contente-se o Govêrno em trazer medidas mais simples.

Apoiados.

Vamos discutir a lei do sêlo, mas não se julgue que êste Parlamento não levará meses a discuti-la e não se creia que-

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possa ser votada em algumas horas, quando é certo que sempre julgamos essa proposta mal estudada, mal elaborada e não obedecendo aos justos preceitos.

Apoiados,

As medidas tomadas pelo Govêrno do Sr. Álvaro -de Castro não foram, infelizmente, de natureza a impor confiança ao país, nem o serão emquanto não forem mais eficazes, mas não foram de modo a provocar a depressão cambial dos últimos dias.

Disse muito bem o Sr. Presidente do Ministério que não se compreende que o câmbio não se agravasse quando se desperdiçava dinheiro.

Realmente não se compreende que o câmbio não se agravasse quando se desperdiçava dinheiro, e que se agrave quando vem um Govêrno que está fazendo economias.

O facto é assim.

S. Exa. começou fazendo economias, e correspondeu a isso o agravamento do câmbio.

Mas êsse agravamento não resultou das medidas tomadas por S. Exa., porque resultou de certos boatos que se espalharam na praça de Lisboa e- que certamente S. Exa. deve conhecer, e, conhecendo-os, deveria desmentir, podendo, e, não podendo, pior para o país.

Sr. Presidente: volto a afirmar que votaria contra qualquer medida tendente a praticar violências para regularizar os câmbios.

Os câmbios não se regulam simplesmente porque se tomem medidas violentas, e quando essas medidas se tomam o comércio de cambiais faz-se clandestinamente, e isso é pior do que fazê-lo às escâncaras.

A única cousa admissível da parte dos Governos é que regulem o exercício da indústria de compra o venda de cambiais.

Se acha necessário providências neste sentido, que as tome o Govêrno.

Mas para regular o exercício da venda e compra de cambiais, para o poder fazer, tem de se servir da competência de homens que entendam do assunto.

Apoiados.

Alguma cousa se tem pretendido fazer no sentido desta orientação, mas o que até hoje se há praticado são apenas cousas estupendas que as pessoas com noções elementares de câmbio não fariam.

Assim recordo-me do decreto que não permitia que se comprassem cambiais de banco para banco, que é tudo quanto pode ser contrário ao fim em vista.

Um banco não pode nunca negociar com outro banco às escondidas para compras cambiais, cujo emprego com utilidade ninguém pode saber, senão por intermédio da Bolsa de Lisboa, onde os agentes do Govêrno verificam quem são os intermediários.

Desde que ao banco é permitido negociar com outro banco, produz-se êste fenómeno que é absolutamente exacto. Num dado momento uma certa entidade carece de comprar 10:000 libras. Dirige-se a um banco e pergunta-lhe se tem essas libras. Êsse responde que sim, mas que precisa de algum tempo para uma resposta definitiva.

Por sua vez dirige-se a outro banco, preguntando se tem Cessas 10:000 libras e a como as vende. Êste terceiro banco responde o mesmo que os anteriores, e vê-se o que sucede. Dentro de meia hora a praça de Lisboa sabe que essa pessoa deseja comprar 30:000 libras e desde que não seja permitida a compra directa de banco a banco de cambiais.

Portanto, se o Govêrno quiser regular êsse assunto, o decreto tem de ser redigido por pessoa de boas intenções, mas que conheça a questão. As pessoas com conhecimento profundo do assunto é que podem dar os elementos necessários para regular essa indústria.

Não quero cansar a atenção da Câmara.

Termino por afirmar ao Sr. Presidente do Ministério que me tem ao seu lado se trouxer medidas imediatas, tendentes- a reduzir efectivamente as despesas e se trouxer medidas tendentes à criação de receitas, depois do ter reduzido as despesas.

Simplesmente reclamo uma cousa: é que essas medidas não venham cheias de nebulosidades que provoquem a descrença, como sucedeu com o projecto que depois foi transformado na lei n.° 1:368. Como republicano, como português e como parlamentar não quero colaborar em obras que não dignifiquem o Parlamento.

O orador não reviu.

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O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: julgava eu que pelo menos um assunto desta ordem, o mais grave de que o Parlamento até hoje se tem ocupado, fôsse de molde a chamar a atenção dos Srs. Deputados para êle; infelizmente vejo que quando o Parlamento precisava mostrar ao País que olhe para a sua situação, êle mostra antes, em grande parte, que deseja conversar sôbre outros -assuntos.

Apoiados.

Sr. Presidente: apesar de provocado pelo Sr. Presidente do Ministério nas suas infelizes considerações, ou antes no infeliz amontoado de palavras que S. Exa. entendeu dever proferir acerca de um assunto desta ordem, não me esqueço, nem esto lado da Câmara, de que o estado a que chegou a divisa cambial é uma cousa que tem de ser olhada por todos, monárquicos o republicanos, com todo o cuidado, porque qualquer acto mais precipitado ou menos ponderado da parte de cada um de nós, podendo contribuir para agravamento desta situação, não só prejudica e desgraça o País, prejudica e desgraça cada um dos portugueses.

Não serão, portanto, as minhas palavras do mesmo tem das do Sr. Presidente do Ministério, o que não quere dizer que ao abordar um assunto desta ordem algumas palavras de natureza política não tenha que proferir, porque considero — ou nós não fôssemos políticos! — que a questão política é a questão fundamental do meu País.

Apoiados.

Ouvi o Sr. Presidente do Ministério falar, como há 13 anos ouvimos falar certos republicanos, mas já o País não acredita em que têm culpa de tudo os jasuítas e os reaccionários.

Isso que seria, sem quebra de respeito para ninguém, muito próprio de ouvir porventura a um bem intencionado membro de junta de paróquia, não era de esperar que se ouvisse a um Presidente do Ministério.

Referiu-se S. Exa. às incursões da Galiza. Não mo referiria a elas se não fôsse isso.

Melhor, porém, seria que o Sr. Presidente do Ministério, e todos os homens que têm responsabilidades na administração da República verificassem que esta situação é mais uma conseqüência da in-

cursão dos trinta suplementos do Diário do Govêrno do que das incursões da Galiza.

Eu tenho a honra, e cada vez maior, de pertencer à causa defendida por êsses portugueses que fizeram a incursão da Galiza, porque os factos estão a demonstrar duma maneira clara quanta razão tinham, ao preverem que se havia de chegar a êste resultado na administração da República.

Não apoiados da esquerda.

Tenho ouvido sempre com muita atenção as considerações formuladas pelos vários Deputados quando se trata de assuntos cambiais, e ainda hoje ouvi com muita atenção os discursos de iuas pessoas autorizadas, como suo os Sas. Barros Queiroz e Cunha Leal.

São na verdade muito fundamentadas as considerações de S. Exas., mas o que é certo é que êles não foram ver qual a causa primordial da situação em que o País se encontra,

A experiência que se tem adoptado na República de julgar que pode resolver-se a situação financeira do País exclusivamente recorrendo aos impostos, tem sido demasiadamente eloquente para que todos conheçamos as suas conseqüências.

Ainda há dois anos nós ouvimos o Sr. Ministro das Finanças, Portugal Durão, afirmar neste Parlamento que, sendo aprovadas as suas propostas, a questão cambial seria resolvida, e o que sucedeu?

E que, ante o anúncio duma carga de impostos para suprir um déficit com que o País não pode, evidentemente que todos os portugueses, por muito patriotas que sejam, não deixam de atender ao seu sentimento de família e procuram salvar-se da perseguição que é feita ao produto do seu trabalho pelos homens da República, levados por uma paixão que ainda hoje, ao verem a situação precária do País, os leva a recuar perante a necessidade de medidas enérgicas para enfrentarem o problema nacional.

É claro que todas as leis que sejam promulgadas como o anúncio de novas leis tributárias só têm por efeito aumentar a desconfiança nos homens da República e trazer aos portugueses a certeza de que não podem, emquanto o País estiver governado por êstes homens, empregar nó País o produto do seu trabalho.

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Mas é tal a cegueira política que, apesar da eloqüência esmagadora dos factos, ainda hoje ouvimos o Sr. Presidente do Ministério, longe de procurar tranquilizar os portugueses e congraçá-los, vir lançar sôbre uma parte deles acusações e responsabilidades que a S. Exa. e aos homens da República exclusivamente pertencem.

Sr. Presidente: ouço dizer, e ainda hoje aqui foi repetido pelos Srs. Barros Queiroz e Cunha Leal, que de facto o factor desconfiança é o que principalmente nos levou a esta situação, e explicam S. Exas. com verdade que o facto de qualquer pessoa ter hoje um determinado montante de escudos e saber que êle amanha tem um valor inferior, faz com que ela, procurando- segurar o valor dêsses escudos, os transforme em ouro.

Esta é a verdade.

E diz S. Exa.:

«É indispensável estabilizar a moeda, é indispensável estabilizar o câmbio».

Sem dúvida quê é indispensável estabilizar o câmbio.

Disse S. Exa. que os aumentos sucessivos da circulação fiduciária não correspondem às necessidades da troca.

Se o alargamento da circulação fiduciária não corresponde ao aumento da riqueza pública, desvalorizam-se os escudos que cada um possui.

Mas porque são os novos alargamentos da circulação fiduciária?

Porque o Estado tem um déficit orçamental; porque o Estado gasta mais do que aquilo que o País pode gastar; porque o Estado gasta mais do que aquilo que pode pagar.

O que é então indispensável, o que é intuitivo, que há tantos anos se vem demonstrando de uma maneira insofismável?

O que é indispensável é reduzir, mas reduzir inexoravelmente, todas às despesas públicas.

É quem foi que criou essas despesas?

Foi a República, foram os homens da República.

Apoiados.

E porque é que os homens da República, sob á ameaça de afundarem o País,

ainda mais do que já se afundou, não reduzem as despesas?

Por motivos políticos.

Apoiados.

Porque põem a República acima do País...

E é chegada a hora de todos esquecerem por completo quais as nossas opiniões políticas e pensar que, acima de tudo e de todos, existe um País que é de todos nós e que todos temos o dever de salvar (Apoiados), que todos temos o dever de colocar acima das paixões.

Porque será então que há tantos anos se lê nos relatórios do Orçamento que é necessário reduzir as despesas públicas, o não há maneira de efectivar essas afirmações?

Será, porventura, por falta de patriotismo dos homens da República?

Não acredito, porque faço justiça aos meus adversários.

Não são só os monárquicos que têm patriotismo.

Sei que muitos republicanos estão desejosos de resolver os problemas nacionais; sei que há muitos republicanos que sinceramente desejam que se reduzam as despesas públicas.

Porque é então que se não reduzem as despesas públicas, sendo indispensável?

Se o País não pode continuar existindo sem se reduzirem as despesas públicas, porque se não tem feito isso?

Evidentemente porque as circunstâncias políticas da República, os fundamentos em que a República assenta, são incompatíveis com a vida da Nação.

Apoiados nas bancadas monárquicas.

A República assenta numa propaganda altamente demolidora; a República assenta numa propaganda feita contra a religião, e por isso tem a desordem.

O Sr. Aires de Ornelas: — Apoiado!

O Orador: — Assenta numa propaganda feita contra a propriedade (Não apoiados), contra o capital, e por isso aí tem a desconfiança pública.

Mas, por isso que a República carece cada vez mais de se apoiar nessas fôrças, é que não pode continuar a preocupar-se com promessas impossíveis de cumprir, e que foram feitas nos saudosos tempos da propaganda.

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Que fazer então para se salvar o País?

Devemos unir-nos todos e reagir contra essa fôrça que atenta contra a ordem e contra o respeito pelo capital e pelo produto do trabalho de cada um.

Todos os portugueses bem intencionados devem encarar de frente o problema nacional para que o País possa salvar-se.

Sr. Presidente: ouvi citar vários países da Europa.

Ouvi o Sr. Presidente do Ministério referir-se à França, ao mesmo tempo que confessava a gravidade da situação que Atravessamos, e que reconhece como remédio único o extraordinário agravamento tributário.

Também eu vou citar um exemplo de um país da Europa que estava à beira do abismo e que hoje se encontra numa situação incomparavelmente superior, impondo ao respeito do mundo inteiro o homem que o levou a essa situação. Refiro-me à Itália e a Mussolini.

Eu pregunto aos que me escutam se Mussolini seguiu o caminho que o Sr. Presidente do Ministério nos preconizou, de lançar impostos, de atacar a propriedade, de ferir até o próprio sentimento da família, agravando extraordinariamente a contribuição de registo.

Não.

Pelo contrário, Mussolini procurou por todas as maneiras merecer a confiança da Nação e fazer respeitar a propriedade, modificando uma legislação atrabiliária e acabando com a contribuição de registo por título gratuito, na linha-directa.

Sr. Presidente: para se aperceber da situação em que nos encontramos, bastaria ao Sr. Presidente do Ministério examinar os gráficos representativos da marcha da divisa cambial na nossa terra, pois verificar-se-ia que, desde a revolução de 5 de Dezembro de 1917 até ao triunfo do movimento; revolucionário de que S. Exa. foi chefe, o câmbio subiu de uma forma extraordinária.

Interrupções dos Srs. Sá Pereira e Manuel Fragoso, que não se ouviram.

O Orador: — Preciosa confissão a do Sr. Manuel Fragoso.

Para se defenderem em Monsanto, para poderem viver nesta terra, para poderem
triunfar, foi necessário trinta suplementos do Diário do Govêrno. E V. Exa. quem o confessa.

Isso é a maior condenação da República.

O Sr. Manuel Fragoso: — Eu não disse nada disso!...

O Orador: — A República não pode viver senão agarrada a essa obra dos trinta suplementos, e, se o Sr. Presidente quere trilhar por caminho diverso do dos seus antecessores, tem de começar por rasgados.

Não quero fatigar a Câmara com longas considerações, e o meu intuito foi apenas citar o exemplo de Mussolini, que na verdade é bem frisante.

Mas, Sr. Presidente, há um outro factor que influi poderosamente na nossa questão económica, e êsse é a orientação, ou por outra, a desorientação financeira seguida pelos homens da República, nos últimos tempos, para obviar ao déficit apavorante e sempre crescente. Uma dessas medidas foi, por exemplo, o empréstimo de 6 e 1/2 por cento e que ao câmbio de hoje representa um encargo para o Estado que orça por 43:000 contos anuais.

Sr. Presidente: os homens que fizeram esta obra não podem continuar à frente da governação do País, nem têm autoridade para pedirem que tenham confiança neles.

Se são portugueses e patriotas abandonem as cadeiras do Poder e entreguem-nas a quem possa desenvolver, aquelas medidas que são indispensáveis para salvar o País.

Mas, antes de terminar, quero fazer referência a factos que há dias se deram na política republicana para que o País veja que, dentro da Republica, só êsses homens a que aludi podem governar.

Mas será só, sua a responsabilidade?

Não.

Manifestamente, a responsabilidade é de muitos, e vem de mais alto.

Mas não, porque parece que mesmo nessas altas regiões há o convencimento de que dentro da República só há os homens que têm levado o País a esta situação.

Sr. Presidente: para terminar direi a V. Exa. que nas minhas palavras não

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houve o mais ligeiro propósito de irritar o debate.

Faço votos por que, sem retaliações políticas, todos os portugueses se unam para, na única forma possível de salvar o País, se entrar definitivamente no bom caminho.

E essa única forma não está certamente dentro da República.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: todos que têm entrado neste debate têm afirmado que o momento não é para palavras, mas para obras (Muitos apoiados) e obras que não podem ser de violência porque, como há pouco acentuou o Sr. Sarros Queiroz, não é com violências que se corrigem os fenómenos económicos.

Qualquer violência só poderia servir para agravar ainda mais o mal-estar económico.

Falando por parte do Partido Nacionalista, o Sr. Cunha Leal afirmou que estava disposto a dar o seu voto às autorizações julgadas necessárias a uma eficaz intervenção do Poder Executivo.

Estou convencido de que é realmente preciso habilitar o Govêrno com os meios indispensáveis para obstar ao crescente agravamento cambial.

Por isso vou mandar para a Mesa, para que fique em discussão desde já, um projecto no sentido de autorizar o Govêrno a regulamentar o comércio de cambiais e adoptar as providências que repute necessárias para impedir a constante depreciação da nossa moeda.

É admitido e entra em discussão.

O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: era minha intenção alongar-me em considerações gerais sôbre o problema tratado neste debate, mas, como êle se vai já arrastando demasiado e a Câmara tem de agir com a rapidez que a sua gravidade impõe, eu limitar-me hei a duas ou três considerações.

Conheço todos os factos trazidos a esta discussão pelos ilustres parlamentares que nela têm intervindo. E por os conhecer é que, pelos meus modestíssimos estudos, tenho procurado averiguar até que ponto as causas que foram enumeradas podem influir no agravamento da divisa cambial.

Assim, tendo feito as minhas averiguações, verifico que as influências que licitamente são de atender não justificam a precipitada e constante depreciação da nossa moeda.

Nestas condições, temos de procurar dentro do problema outras cansas cujos efeitos são neste momento — quanto a mim — verdadeiramente efectivos.

Classifico essas causas em dois grupos e vou ao primeiro que é a culpa de todos nós e, sobretudo, do Poder Executivo.

As dificuldades provenientes do nosso déficit não podem ser resolvidas conforme foi enunciado pelo Sr. Presidente do Ministério, porque isso equivaleria a andar à procura duma ilusão ou a correr atrás dum fogo fátuo.

Eu sou até daqueles que acreditam em que os números trazidos juntamente com a última proposta apresentada a esta Câmara influíram decisivamente no agravamento cambial.

Mais uma vez se reincidiu no êrro de apontar soluções impraticáveis para extinção do déficit, pois outra cousa não é a solução do aumento de impostos que no momento da sua cobrança não podem já fazer face ao descalabro financeiro do Estado.

Se o Sr. Presidente do Ministério tem efectivamente o propósito de comprimir as despesas e procurar o equilíbrio orçamental, como espera S. Exa. resolver o problema por meio de impostos se daqui a pouco á necessidade o obriga a aumentar os vencimentos do funcionalismo, talvez em mais de 50 por cento?

À solução, Sr. Presidente e meus senhores, é uma só: compressão das despesas públicas, mas compressão efectiva, ampla, cruenta até, como as dificuldades da situação o impõem.

Muitos apoiados.

Tinha aqui, para ler à Câmara, uma nota das despesas dos diferentes Ministérios nos anos de 1914 a 1923.

Encontro, por exemplo, o Ministério da Marinha com as suas despesas aumentadas 18,8 vezes o que eram em 1914, o Ministério dos Negócios Estrangeiros em 48 vezes e o Ministério da Instrução em 31,8.

A redução de tais despesas, a maior parto delas absolutamente inúteis, impõe--se a quem pretenda resolver a sério o nosso problema financeiro. Não é, eviden-

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temente, obra para se fazer em oito dias, mas tem, fatalmente, de ser feita por um Govêrno de formação homogénea.

Sr. Presidente: estas minhas palavras não representam um ataque ao Govêrno, porque são apenas a justificação do meu voto ao projecto do Sr. Almeida. Ribeiro.

E, porém, preciso que o Govêrno não volte a falar mais ao nosso sentimento patriótico o republicano, e apresente, antes, propostas concretas de acção enérgica o eficaz.

Muitos apoiados.

Sr. Presidente: ou tinha interêsse em saber qual a eficácia da Inspecção de Câmbios, e fui ao Ministério ver e vi para que tem servido êsse instrumento do Estado.

Tem servido para fazer sair do Estado para a praça muitas centenas de libras.

Quando o Estado tem fornecido libras à praça, a judiaria da Rua dos Capelistas tem dito: hoje é dia de bodo.

Àpartes.

Lançaram-se libras no mercado só para manter o capricho de quem era Ministro para não ter um agravamento de câmbios na sua gerência financeira.

Àpartes.

Por tal sistema deve-se ter perdido uns sois milhões de libras, o que é uma cousa importante, que o Estado poderia ter aproveitado para as suas necessidades.

Apartes.

Sr. Presidente: a carestia da vida há-de aumentar, e a, êsse propósito eu posso dizer que se tem dado a certas indústrias o proteccionismo mais incongruente e mais anti-patriótico que se pode admitir.

Apartes.

Não se tem feito a política de proteccionismo que se devia ter feito, devíamos há muito reconhecer êsse êrro.

O que se tem procurado alcançar com as receitas das alfândegas e as pautas-alfandegárias existentes tem contribuído para um maior aumento de desordem.

Tudo isso é a prova da nossa própria inconsciência o da imprevidência que temos tido ao legislar nesta matéria.

Estão as pautas para ser revistas há já muito tempo, e nada, porém, se tem feito.

Àpartes.

Sr. Presidente: a nossa balança comercial está um pouco desequilibrada porque não há exportação como convinha que houvesse, e não se tem tomado a atitude que se devia tomar.

Ainda hoje está proibida a saída de produtos que nos podiam dar dinheiro, o assim chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério para a saída da resinagem e seus derivados, que está há muitos anos sujeita a uma proibição de saída que tem trazido grandes prejuízos para os nossos industriais.

Faço votos para que o Govêrno saiba aproveitar a autorização que lhe vamos dar, embora autorizações desta natureza já estejam inscritas em leis, mas que não têm sido usadas.

Se o Sr. Presidente do Ministério procurar impressionar a minha sensibilidade patriótica, dizendo que se trata de mais uma incursão monárquica feita através do capítulo finanças, eu dir-lhe hei que a finança nunca teve partido nem pátria. A finança é o poder errante de sempre, que arranca a pele a quem passe por êle, e que a arrancaria também à monarquia se ela existisse em Portugal. A monarquia criar-lhe-ia as mesmas dificuldades, porque êle não conhece ninguém na sua sofreguidão eterna.

Aceito que não se deviam tomar medidas contra o livro exercício da indústria, de câmbios, mas sou daqueles que proclamam a necessidade de pôr em prática as medidas mais violentas que possam ser contra aqueles que, abusando da nossa situação miserável, pretendam fugir para fora das normas regulares. Tais medidas nestas condições são absolutamente legítimas.

O Sr. Sá Pereira: — Metam-se êsses traidores na Penitenciária.

O Orador: — Desde a Penitenciária até as galés, há muitas formas de meter na ordem semelhante cáfila.

Saiba o Govêrno enfrentar êsse problema da judiaria, que não lhe faltarão os aplausos do todos que desejam a melhoria cambial, única hipótese de salvação nacional.

Tenho dito.

O orador não reviu.

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O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: a aceitação do lugar de Deputado é uma hipoteca feita à nossa honra para que nos momentos em que é necessário falar verdades se digam essas verdades, para além dos interêsses partidários, para além das amizades pessoais e apenas pensando nessa realidade nacional que se chama a Pátria.

É nessas condições que eu falo agora. Falo para acusar toda uma série de Governos que têm pensado em, por medidas episódicas, conseguir entravar a marcha para o abismo duma nacionalidade que não está, como aqui foi dito há pouco, na beira dele, mas que por êle já rola.

Para se obter alguma cousa de útil e prático é indispensável e urgente abandonar de vez todas as providências parcelares e episódicas para se enfrentar o problema por meio de medidas de conjunto, única acção capaz de fazer com que alcancemos o fim desejado para salvação do País.

Há pouco o Sr. Tôrres Garcia referiu-se também ao assunto das pautas alfandegárias.

Sôbre o caso lenho a tristeza de constatar que já há muito expirou o prazo de seis meses dentro do qual o Conselho Contencioso das Alfândegas deveria dar o seu parecer sôbre as reclamações que lhe foram entregues.

Foi o Ministro das Finanças Vitorino Guimarães que seguiu essa política e se o não fez por mais tempo foi por não se conservar nas cadeiras do Poder.

O problema das resmas nunca se poderá resolver emquanto se conservarem estas pautas.

Apoiados.

Não é assim que se pode desenvolver a indústria nacional.

Devemos proceder de forma a incutir fé naqueles que se dedicam ao desenvolvimento de qualquer indústria.

Sr. Presidente: não é a primeira vez que me refiro a êste problema da questão das pautas, tam mal compreendido pelos Governos do meu país.

Há um grande número de pessoas que por verdadeira falta de patriotismo e desmedida ganância têm feito monopólios em detrimento do mercado, onde os preços são regulados e mantidos por êsses mo-

nopólios, como por exemplo a Companhia União Fabril.

Muitos apoiados.

Era contra êsses que o Govêrno devia proceder, pois são os verdadeiros inimigos do povo.

Apoiados.

Com a pesca dá-se outro tanto e só agora é que o Govêrno tomou providências.

Com o bacalhau também se está fazendo uma verdadeira especulação.

Assim se pretende matar uma indústria que é uma riqueza para o Estado.

Foi a conseqüência de se protelarem todas as nossas reclamações que insistentemente por mais de uma vez se fizeram.

Penso, portanto, por isto que em resumo acabo de dizer, que, à semelhança do que fizeram os oradores que me antecederam, o problema dos câmbios tem o factor confiança.

O problema dos câmbios tem de ser tratado com medidas adequadas.

O Sr. Barros Queiroz salientou o facto, para o qual chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças, de se terem procurado na praça 10:000 libras, e de que, tendo sido preguntado a um Banco se as tinha, êsse pregunta a outro Banco, e assim sucessivamente, sabendo-se pouco tempo depois que eram precisas essas libras em Lisboa.

Êste fenómeno de velocidade, nos termos citados pelo Sr. Barros Queiroz, é dos mais perigosos.

Já no Govêrno do Sr. Vitorino Guimarães, se fizeram operações de libras. Naquele tempo, até mesmo dentro daquela lógica dos princípios de lei da oferta e da procura, se precisou ir pedir ao mercado. Portanto, começou a procura duma forma desastrosa, e a circulação fiduciária se considerou agravada.

Declarada a guerra, começaram os aumentos da circulação fiduciária.

Essa lei de ordem matemática, segundo a qual, aumentando-se a circulação fiduciária, se agravam os câmbios, não se deu, e eu pregunto, porque se não deu, como seria de prever?

Os factos vêm dizê-lo.

É que, longe da vontade dos homens, independente da vontade dos Governos, outras circunstâncias se impõem.

Àpartes.

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Por motivo da guerra submarina poucos navios navegavam.

Portugal, que importava tantas toneladas de carvão, viu deminuída a sua importação e teve de sujeitar-se a uma restrição, tendo de resolver o seu problema do consumo de carvão.

Essa restrição e essa economia de compra de carvão fizeram-se independentemente da vontade dos homens.

Importam-se e compram-se artigos de luxo de que não há necessidade nenhuma.

O Marquês de Pombal vestia-se de briche.

Apartes.

A respeito de artigos do luxo, restrinja-se nesse sentido.

Há, de lacto, um problema grave.

O numerário que há não chega para as necessidades da agricultura e da indústria.

Esta falta de numerário poderá explicar-se por várias razões e, como somos um País surdo e mudo no sentido de não termos estatísticas, somos obrigados a procurar, a golpes de vista, essas razões.

E evidente que nestes últimos anos se tem dado no País um grande desenvolvimento industrial.

Uma grande massa de capitais circulantes foi convertida em capital fixo. Como em capital fixo se não pode reproduzir com a velocidade que seria para desejar, sucede que êsse numerário desaparece para o giro económico.

Como obstar a isto?

Seria o Govêrno pensar no crédito agrícola o industrial, mas em larga escala, e por conta do Estado.

A emissão dêsse crédito teria a sua natural garantia ha reserva constituída pelas terras, propriedades e oficinas.

Que Portugal saiba também escolher qual é o mas que deve adoptar para se defender.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Fausto de Figueiredo: - Sr. Presidente: seja qual fôr o tempo que se perca e sejam quais forem os sacrifícios de jantar que se sofram, o problema é neste momento aquele que mais interessa a todos nós. Arranquemos a máscara a todos aqueles que lá fora, encobertamen-

te, contribuem para o descalabro que nos arruina.

Não falo aqui por obstrucionismo, falo porque entendo que devo falar. Chegou o momento de dizer a V. Exa. que a sessão do hoje esteve à altura dum Parlamento que se preza e quere dignificar-se; oxalá que o Govêrno estivesse atento aos conselhos, às indicações que lhe deram. E necessário que o Govêrno diga se se sente ou não animado, se se sente ou não com a coragem de enfrentar os problemas que tem como conseqüência lógica êste começo de ruína.

Sr. Presidente: disse eu e é verdade que o Parlamento esteve nesta sessão à altura de um Parlamento que se honra e dignifica; a propósito, e muito bem, da questão levantada pelo Sr. Nuno Simões fizeram-se aqui afirmações, apresentaram-se aqui razões e fundamentos que a Câmara tem obrigação restrita de não esquecer.

Falou o Sr. Cunha Leal, falou o Sr. Barros Queiroz com aquela autoridade dum perfeito homem de bem, com talento e sabor que evidentemente tem demonstrado a todos nós, demonstrando ao Govêrno que, se o problema da nossa vida financeira não é insolúvel, êle carece de estudo a fim de que as características que êle apresenta sejam apreciadas e discutidas convenientemente.

Há que fazer acto de arrependimento pelo que se vem passando há anos a esta parte com relação à vida económica dêste país; que se arrependam, que arrepiem caminho, porque ainda é tempo para isso, os que têm responsabilidades.

Seja quem fôr.

Não se diga amanhã que a uma indústria que é honesta, e que, no louvável propósito de melhorar a vida económica do país, vem à Câmara pedir qualquer pequeno favor, êsse favor se recusou, como aconteceu há pouco tempo com a Fábrica de Cimentos de Leiria, que veio pedir à Câmara uma cousa tam mínima e insignificante como era o adiamento por seis meses do pagamento de 300.000$ de direitos de importação de certos maquinismos, pedido que não foi atendido. A proposta referente a êsse pedido está ainda no Senado, aguardando discussão.

Se essa empresa paralisasse as suas fábricas, seriam mais 30:000 toneladas de

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cimento que teríamos de importar do estrangeiro.

Devo dizer, como necessário esclarecimento, que não me ligam a essa empresa interêsses de qualquer ordem.

A responsabilidade, pois, da situação tremenda que o país atravessa pertence a quem do direito.

Sr. Presidente: o Sr. Álvaro de Castro devo ter ouvido bem aquilo que lealmente, sinceramente e patriòticamente lhe disseram, indicando-lhe quais são as séries de medidas em conjunto que tem de estudar o ver aquilo que no país tem produzido o estado em que nos encontramos.

Mas tudo isto é para ser tratado cuidadosamente, e as suas conseqüências não se compadecem com a situação aflitiva em que o País se encontra neste momento, quando a libra vale 151$, o que não se compreende senão por causa da desconfiança provocada pelo aumento da circulação fiduciária e pela especulação desenfreada.

O meu querido amigo Sr. Barros Queiroz, com o bom senso que o caracteriza, apresentou à Câmara argumentos para mostrar que se faz neste momento ama especulação auti-patriótica. E por isso que S. Exa., o Sr. Álvaro de Castro, vai ter na mão um instrumento que lhe vai dar a Câmara, igual a tantos outros que já tem dado, e oxalá S. Exa. o saiba usar devidamente para pôr cobro à marcha desenfreada da especulação cambial.

O Sr. Carlos Pereira, com aplauso de toda a Câmara, disse que nada há que justifique que, os Bancos vivam apenas dá compra e venda de cambiais. Realmente, o negócio é tam bom que vemos constantemente casas de outro negócio a transformarem-se em casas bancárias. Ora isto não pode ser!

Apoiados.

O Sr. Tôrres Garcia: — Toda a gente sabe que há dois bancos, pelo menos, que só vivem dessa especulação, e os seus lucros vão inteiramente para Londres.

O Orador: — Todos nós sabemos muitas cousas, e há, contudo, quem julgue que quanto pior melhor. Eu não entendo assim e julgo que devemos fazer o pos-

sível para sair quanto antes da beira do abismo.

Apoiados.

O Sr. Carlos Pereira disse também à Câmara que, desde que tanta cousa se monopoliza neste país, não compreende que o Estado não seja a única entidade que possa comprar e vender cambiais (Apoiados}, por intermédio do Banco do Portugal ou da Caixa Geral de Depósitos.

Se o Govêrno fizer isto, será possível que, em matéria de contrabando, alguma cousa continue a fazer-se, mas o contrabandista tem no Código Penal as sanções necessárias.

Depois é preciso que, de facto, aqueles que careçam da compra de cambiais para necessidades da sua vida comercial tenham junto daqueles que as hão-de fornecer todos os elementos de informação.

Estou certo de que nem assim se poderá resolver fundamentalmente o problema, mas estou convencido de que, só se estudar atentamente a questão, alguma cousa sé conseguirá.

Falou o Sr. Carlos Pereira em crédito agrícola e em crédito industrial.

Ora, a propósito, desejo preguntar ao Govêrno o que faz uma companhia que existe entre nós, e que se chama «Companhia Geral de Crédito Predial Português», quais são as vantagens que o Estado tira das concessões que lhe fez, e quais os benefícios que ela, presta ao país.

O Sr. Francisco Cruz (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?

Há, por exemplo, o Crédito Agrícola, ao qual, apesar de ter um objectivo muito importante, o Estado não dá nenhuns meios.

O Orador: — Eu estou inteiramente de acordo com as considerações produzidas pelo Sr. Carlos Pereira, e apraz-me registar que o seu discurso foi verdadeiramente patriótico e anti-bolchevista.

O que até hoje se tem feito é uma obra negativista.

Sr. Presidente: vou terminar com mágoa minha, não porque tenha prazer em fazer discursos, mas porque neste assunto, que considero de grande magnitude, tinha também de expender a minha opinião.

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Não o faço, porém, porque não desejo fatigar a Câmara.

Todavia, chamo mais uma vez a atenção do Sr. Presidente do Ministério para esta importantíssima questão, que é de apreciar e de não esquecer, a qual é saber se tem ou não fôrça para arcar com as responsabilidades que impendem sôbre êle.

Tenho dito.

O orador não reviu,

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Pedi a palavra para fazer umas ligeiras considerações em resposta às palavras proferidas por vários oradores, em que há afirmações avançadas.

Começarei por dizer que o Govêrno aceita o projecto de autorização mandado para a Mesa pelo Sr. Almeida Ribeiro.

Ouvi com muita satisfação os discursos pronunciados, e não deixei de considerar que a concordância é absoluta.

Creio que não deixarão de reconhecer que é inútil discutir um problema que tem um aspecto prático, e que é preciso não fugirmos à realização dum objectivo a que o Govêrno se propõe, para o que efectivamente êle chama a atenção da Câmara.

Diz-se que o resultado da situação cambial é devido à situação da nossa balança de pagamentos e ao aumento de circulação fiduciária.

É preciso ver os remédios que é necessário opor de momento.

Recebi uma carta dum homem muito bem intencionado que me alvitra vários remédios para a crise cambial.

Um deles seria desenvolver as nossas colónias, e várias cousas neste sentido.

Na verdade quem discute que o progresso dum país não consiste no melhoramento de todas as suas condições?

São remédios êstes para quando o doente já estiver morto.

O que se pede é um remédio que actue imediatamente.

O Sr. Barros Queiroz fez especial referência à falta de meios para pagamentos do GovCrno.

Se êste facto é para nós patente, claro, evidente, não haverá um remédio eficaz; para o remediar?

É a aplicação de meios para o Govêrno cobrar receitas.

Também o Sr. Barros Queiroz fez referência à circunstância de em Portugal se não ter recorrido aos impostos, logo após a declaração de guerra, nem ao empréstimo, a todos os meios emfim utilizáveis, para o efeito de se concorrer para o equilíbrio financeiro.

(Quere dizer que não podemos reincidir hoje num êrro, que o Sr. Barros Queiroz reconhece que foi um êrro; ou que nós devemos reincidir em circunstâncias ainda muito mais graves do que naquele tempo ?

Acha S. Exa. pequeno o programa do Govêrno para o desenvolvimento económico.

Eu não preciso mais do que os meios necessários para cobrar receitas e reduzir despesas.

Apoiados.

A redução de despesas que o Govêrno iniciou é pequena, mas é um começo, e mesmo para resolver o problema o indispensável a colaboração do Parlamento.

Eu sei que não se pode resolver tam ràpidamente como seria para desejar o equilíbrio, mas é indispensável por algum lado principiar e só depois de ter esgotado os meios normais é que devemos recorrer ao crédito.

Todos os países mais ou menos atravessam uma situação análoga à nossa.

O que é preciso sobretudo é ter fé no futuro do País.

Não é com política de fraquezas que nós podemos conseguir o crédito, e o Govêrno tem fé no futuro e não vem iludir nem o Parlamento nem o País.

Foram apresentadas ao Parlamento reformas sôbre taxas de selos; essas reformas não são minhas, já vêm do tempo dos Srs. Pina Lopes e Vitorino Guimarães.

Não fui ou quem as inventou e o mesmo aconteceu com a contribuição de registo. Tudo isto é que é preciso fazer votar. Que vantagem teria o Govêrno em trazer propostas novas? Para estas é que eu venho pedir a aprovação da Câmara; mas se é difícil votar uma medida, mais difícil é votar todas ao mesmo tempo.

Às referências feitas quanto à acção a exercer sôbre os câmbios por uma forma restritiva, a resposta está já dada quando a tal respeito expus, nesta Câmara, a minha opinião.

Não tenho que retirar uma palavra se-

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quer do que sempre disse, nem tam pouco tenho que retirar hoje qualquer das afirmações pelas quais manifesto de há muito — creio que foi eu a primeira pessoa que em Portugal o fez — a minha opinião em matéria de impostos.

Foi ao Govêrno do Sr. Barros Queiroz que o Parlamento votou uma larga autorização para proceder na questão dos câmbios. S. Exa. não teve tempo de a usar, mas essa autorização vem a servir mais tarde.

Não é portanto de justiça a posição daqueles que sustentam que eu venho aqui, defender um método novo. Porque além daquelas formas restritivas que podem, na realidade, ser um mal, outras há que podem ter uma acção indirecta, mas nem por isso menos efectiva, sôbre os câmbios.

Não se pode discutir a acção da Inspecção de Câmbios, porque essa discussão não seria decerto vantajosa. Êsse organismo há-de naturalmente ressentir-se do mesmo defeito de todos os organismos do Estado: a falta de segredo.

O Sr. Torres Garcia referiu-se à intervenção que pela Inspecção de Câmbios teia sido feita no mercado cambial. Eu disse a S. Exa. que, embora a política seguida possa ser considerada como política para iludir, essa política poderá ser vantajosa desde que o Estado tenha elementos que possam intervir em situações como esta que podem provocar o pânico, o pânico que é a resultante dum estado psicológico que se cria e não da desconfiança pública; mas que o Parlamento, que todos nós que temos interêsses, todos os portugueses, e principalmente todos que pelas suas posições podem actuar na situação, se convençam de que é necessário ter confiança e não perder a serenidade.

Apoiados.

Estamos em presença de factos graves, mas é necessário ter confiança em nós e na orientação a seguir.

Os factos são provocados por elementos de especulação que desaparecerão desde que tenham a certeza de que o Estado tem elementos e meios de saldar todos os seus compromissos.

A desconfiança funda-se em que o Estado, não tendo elementos para satisfazer as necessidades do Tesouro, criará uma má hora à República.

Àpartes.

Dê-nos o Parlamento êsses elementos, e, se entende que não o deve fazer, decidirá pelos seus votos.

Eu reconheço que é necessário criar receitas, e para isso é indispensável votar impostos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: poucas palavras direi porque a hora vai adiantada.

Sr. Presidente: tenho a dizer que não votamos a autorização pedida pelo Govêrno porque êle não nos merece confiança, e porque se tem demonstrado que as autorizações semelhantes a esta tem dado resultados contrários, e é para lamentar que seja o Sr. Almeida Ribeiro que seja quem a apresente, porque, ainda há pouco disse que não aceitava nada de autorizações, quando se tratava de assuntos judiciários.

Àpartes.

Não votamos êste projecto porque êle põe o Govêrno em ditadura com o Parlamento aberto, e melhor seria votar uma autorização para o Govêrno poder fazer tudo, bom ou mau.

Parece-me que ninguém poderá votar um tal projecto como êste sem ofender o prestígio do Parlamento.

Apoiados.

O projecto é para regular a questão dos câmbios, ou para modificar o que já estava estabelecido?

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito. Está «encerrada a discussão. A votação da generalidade será feita na sessão próxima que fica marcada para amanhã, às 14 horas, sendo a ordem dos trabalhos a seguinte:

Antes da ordem do dia: A que estava marcada.

Ordem do dia:

Projecto de lei que autoriza o Govêrno a regulamentar o comércio de cambiais e a que estava marcada na ordem de hoje.

Está encerrada a sessão. Eram 21 horas.

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Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Pareceres

Da comissão de finanças, sôbre o n.° 500-H, que autoriza o Govêrno a ceder à Câmara de Viana do Castelo o bronze para as palavras da legenda do monumento aos mortos da grande guerra, que a mesma Câmara projecta erigir.

Imprima-se.

Da comissão de guerra, sôbre o n.° 461-B, que manda aplicar ao segundo sargento reformado, revolucionário de 31 de Janeiro de 1881, António Bernardo da Fonseca Baptista, a doutrina da lei n.° 1:158.

Arquive-se.

Participação

Do Sr. Tavares Ferreira, de que a comissão do Orçamento se reuniu e fez a seguinte distribuição dos orçamentos:

Receitas — Alberto Xavier.

Interior — Adolfo Coutinho.

Justiça — Amadeu de Vasconcelos.

Finanças — Viriato da Fonseca.

Guerra — Pinto da Fonseca.

Estrangeiros — Bartolomeu Severino.

Marinha — Jaime de Sousa.

Comércio — Velhinho Correia.

Trabalho — Pires Monteiro.

Colónias — Abílio Marçal.

Agricultura — João Luís Ricardo.

Instrução — Tavares Ferreira.

Para a Secretaria.

Projectos de lei

Do Sr. Lourenço Correia Gomes, excluindo da expressão «funções públicas» do artigo 5.° da lei n.° 1:354, de 22 de Setembro de 1922, as que os membros das Câmaras Legislativas exercem por eleição das respectivas Câmaras.

Para o «Diário do Governo».

Dos Srs. Joaquim da Silva Matos, Marques de Azevedo, Pires Monteiro, Artur Brandão e Crispiniano da Fonseca, sôbre a concessão para construção e exploração do caminho de ferro Póvoa-Viana-Barcelos-Braga.

Para o «Diário do Governo».

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me seja fornecida cópia do parecer da Procuradoria Geral da República acerca dum requerimento em que o capitão aviador António Maia pede para lhe ser dada a demissão ou aplicada a regra 6.a do artigo 2.° do regulamento disciplinar do exército. — António Maia.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me sejam fornecidos os elementos de informação solicitados, de há muito, em requerimento anterior; caso ainda não se encontrem todos coligidos, solicitava que me fossem enviados na medida do possível.—Pires Monteiro.

Expeça-se.

O REDACTOR—Avelino de Almeida.

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