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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 32
EM 7 DE FEVEREIRO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Hermano José de Medeiros
Sumário.— Procede-se à chamada, a que respondem 42 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Alberto Jordão trata dos serviços, que considera maus, dos Caminhos de Perro do Sul e Sueste.
O Sr. Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho) fica de comunicar as considerações feitas ao seu colega do Comércio.
O Sr. Carlos de Vasconcelos trata da circulação fiduciária que está correndo em Cabo Verde e da extinção da comarca de Santo Antão.
Responde o Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins}.
Volta a usar da palavra o Sr. Carlos de Vasconcelos.
Continua, em discussão o parecer n.° 442 sôbre a situação dos sargentos do exército.
Usa da palavra o Sr. Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho), que não termina o seu discurso.
Ordem do dia.— São aprovados votos de sentimento pela morte do antigo Presidente dos Estados Unidos da América do Norte, Wilson, e do general Carvalhal, Deputado às Constituintes.
Associam-se por parte das diversas parcialidades da Câmara os Srs. Jaime de Sousa, Cunha Leal, Morais de Carvalho e Dinis da Fonseca; por parte do Govêrno o Sr. Presidente do Ministério (Álvaro de Castro).
Continua a discutisse, sôbre o modo de votar, o requerimento do Sr. Presidente do Ministério, pedindo urgência e dispensa do Regimento para a proposta de lei que autoriza o Govêrno a poder sustar qualquer medida que importe, aumento de despesa.
O Sr. Moura Pinto, que ficara com a palavra reservada, conclui o seu discurso, seguindo-se o Sr. Morais de Carvalho.
O requerimento é aprovado em prova e contraprova.
A proposta de lei entra em discussão na generalidade.
Hermano José de Medeiros
Usam da palavra os Srs. Cunha Leal e Presidente do Ministério, voltando o primeiro a falar para explicações.
Segue-se o Sr. Carvalho da Silva, que fica com a palavra reservada.
Encerra-te a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos mandados piara a Mesa durante a sessão.— substituições em comissões parlamentares.
Projectos de lei.
Propostas de lei.
Um parecer.
Requerimentos.
Abertura da sessão às 15 horas e 40 minutos.
Presentes à chamada 42 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 52 Srs. Deputados.
Presentes à chamada:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Continuo.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Amaro Garcia Loureiro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
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Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Cruz.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Lourenço Correia Gomes.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Dinis do Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo da Costa Menano.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca;
Vitorino Henriques Godinho.
Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Ginestal Machado.
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António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matoss.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Às 15 horas e 25 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 42 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Leu-se a acta, que adiante é aprovada com número regimental.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério das Colónias, comunicando a eleição para Deputado pelo círculo n.° 45, Angola, do cidadão Ernesto Carneiro Franco.
Para a Comissão de Verificação de Poderes.
Do juiz de direito do 3.° Juízo de Investigação Criminal de Lisboa, pedindo autorização para que o Sr. Joaquim de Oliveira compareça naquele juízo como testemunha num processo.
Arquive-se.
Do oficial da polícia militar no regimento de infantaria n.° 4 (Faro), pedindo autorização para ser inquirido como testemunha o Sr. João Vitorino Mealha.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Telegrama
Dos telégrafo-postais de Santarém, pedindo a discussão e aprovação das suas reclamações.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Alberto Jordão: — Sr. Presidente: o assunto a que me vou referir corre pela pasta do Comércio.
Como não vejo presente o ilustre titular dessa pasta, peço a V. Exa. Sr. Presidente, a fineza de me informar se S. Exa. se encontra no edifício do Congresso.
O Sr. Presidente:- Não está.
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O Orador: — Nesse caso, peço ao Sr. Ministro da Guerra a fineza da sua atenção para as ligeiras considerações que vou lazer, a fim de as comunicar ao seu colega.
Sr. Presidente: vou referir-me aos caminhos de ferro, do Sul e Sueste.
Eu creio que o Sr. Ministro do Comércio, como pessoa inteligente, que é, e que tem honrado o seu lugar de Parlamentar e de Ministro, não sabe o que se está passando com os serviços do caminho de ferro do Sul e Sueste; todavia, aquelas pessoas que habitam as regiões para lá do Tejo, e que têm necessidade de constantemente se transportarem para Lisboa, passam verdadeiros tratos de pelo.
As carruagens, na sua quási totalidade, encontram-se num estado verdadeiramente miserável, muitas delas sem vidros nem cortinas, que possam abrigar os passageiros do vento e da chuva.
É, sem sombra de dúvida, uma situação incomportável e insustentável.
Mas, isto talvez fôsse o menos, se êsses pseudo-combóios, com essa espécie de carruagens, chegassem à hora respectiva aos seus destinos; mas isto não se dá. Em regra, os comboios chegam ao seu destino com três e quatro horas de atraso, e, quando êsse atraso é de uma hora, é cousa nada estranhável.
Sr. Presidente: tudo isto seria de suportar, mas o que de forma nenhuma se pode tolerar, é que estejamos a assistir a êste espectáculo extraordinário, de não haver nos caminhos de ferro do Sul e Sueste ninguém que se importe com o capítulo «mercadorias», que se acumulam nas diferentes estações, prejudicando largamente a economia nacional.
Eu vou citar à Câmara um exemplo frisante:
Ainda não há muitos dias que um importante industrial do sul do Tejo, tendo necessidade de embarcar determinada quantidade de cortiça, pediu transportes.
Responderam-lhe que era necessário estar a cortiça no Barreiro em dia certo.
O homem fez todos os esfôrços possíveis para êsse fim. Telegrafou, escreveu ao indivíduo que trata dêsses assuntos; pois o chefe do movimento nem sequer se dignou responder!
Não havia material circulante. Passou-se o dia, e êsse industrial não conseguiu que a cortiça fôsse conduzida.
Em virtude do péssimo serviço dos comboios nas linhas do Sul e Sueste, não há maneira de fazer transacções com cortiça; e o que sucede com a cortiça, dá-se com outros produtos, quando se trata de fazer a condução das mercadorias do Sul e Sueste para as linhas da Companhia Portuguesa, ou outras. Isto é inadmissível, porquanto, não se podendo exportar os produtos, não entra ouro no País.
O facto dá ideia de como corre a administração dos caminhos de ferro do Sul e Sueste.
Pois não é por falta de engenheiros, que são vinte, além dos adjuntos.
Preguntando a um empregado a que é devido êste estado de cousas, respondeu--me: A culpa é de quem dirige, que não sabe dirigir.
Há uma incompatibilidade entre a administração e a direcção do Sul e Sueste e os empregados subalternos. Não se sabe o que fazem os seus administradores. O que é certo, é que bastante sofre a economia nacional.
Perante êstes factos lavro o meu protesto, e pregunto: O que faz o Govêrno num assunto de tanta monta?
Onde estão os inspectores das linhas, que são obrigados a inspeccionar os serviços? A culpa é certamente do Govêrno e daqueles que estão à testa da administração dos caminhos de ferro do Sul e Sueste.
Não se compreende que tal serviço do Estado possa ser tratado desta maneira, prejudicando-se os interêsses e o desenvolvimento da riqueza do País.
Então é melhor entregar as linhas a uma empresa particular, que terá mais cuidado na sua administração.
Peço, portanto, ao Sr. Ministro da Guerra a fineza de transmitir ao seu colega do Comércio as considerações que fiz, porque representa um crime o facto de continuar êste ramo de serviço em tais condições.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho): — Pedi a palavra para declarar que transmitirei ao Sr. Ministro do
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Comércio as considerações que acaba de fazer o ilustre Deputado.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: há tempo referi-me ao facto, devoras grave, de estar correndo como moeda legal na província de Cabo Verde a circulação fiduciária de Angola. Depois das considerações que aqui fiz, o então Ministro das Colónias, Sr. Rodrigues Gaspar, chamou a atenção do encarregado do Govêrno de Angola para êsse abuso, tendo sido publicada uma portaria do Govêrno da província, proibindo que as repartições públicas recebessem as notas de Angola. Daí resultou que o Banco Nacional Ultramarino, pelas suas agências naquela província, procurou recolhê-las. No entanto essas notas ultrapassavam três ou quatro vezes a circulação legal da província, e por isso a certa altura o Banco Ultramarino declarou não poder recolher as notas de Angola em circulação em Cabo Verde.
Isto originou uma verdadeira crise, mais ou menos explorada por determinados elementos que trocavam as notas de Angola com uma percentagem excessiva, fabulosa, de verdadeira exploração sôbre o povo, que é quem naquelas ilhas é o possuidor de maior quantidade das referidas notas.
Creio que se chegou a apurar que elas eram de uma totalidade aproximadamente de 10:000 contos, quando a circulação fiduciária da província de Cabo Verde está limitada a 3:000 contos.
Peço a atenção do Sr. Ministro das Colónias para êste facto, porque além das complicações a que tem dado lugar êste aumento ilegal da circulação fiduciária, desvalorizando-se a nota de Cabo Verde com a nota de Angola, a província de Cabo Verde está sendo prejudicada enormemente, pois deixa de receber perto de 280 contos.
Eu sou informado que posteriormente o delegado da província tem aceitado as notas levantando dificuldades ao comércio.
Para outro assunto eu chamo a atenção do Sr. Ministro das Colónias: para o facto de se extinguir uma comarca em Cabo Verde que tem trinta e tantos mil habitantes.
Sob a invocação de economia, d encarregado da província de Cabo Verde está
fazendo cortes às cegas, deixando que nas repartições continuem a viver parasitàriamente dezenas de empregados verdadeiramente inúteis.
E preciso e urgente fazer a remodelação dos quadros, e fazer toda a economia, mas extinguir comarcas por esta forma é um absurdo inaceitável.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): — Sr. Presidente: tratou o Sr. Carlos de Vasconcelos da circulação das notas de Angola na província de Cabo Verde. É de facto uma circulação indevida, mas a que eu de momento não posso dar remédio; mas afianço a V. Exa. à que vou estudar o assunto com cuidado.
V. Exa. sabe que por um decreto de 1919 se fez um acordo entre o Estado e o Banco Ultramarino de forma que as notas de Angola teriam circulação noutras províncias.
Acontece, porém, que a estampagem das notas de Angola é igual à estampagem das notas de Cabo Verde, e o povo, principalmente o que não sabe ler, aceitou as notas como de Cabo Verde, e assim foram circulando, e agora o Govêrno não pode resolver ràpidamente o assunto, e só o pode fazer por étapes, estudando-se a questão cuidadosamente, e é isso o que eu prometo fazer juntamente com o Alto Comissário de Angola e o governador do Banco Nacional Ultramarino.
Quanto ao telegrama que o Sr. Carlos de Vasconcelos recebeu da província de Cabo Verde, já o Sr. Viriato da Fonseca me tinha comunicado que recebera outro idêntico, devendo eu declarar que no Ministério das Colónias foi igualmente recebido outro do mesmo teor. Dos termos em que êsse telegrama está redigido Concluo que o Sr. encarregado do Govêrno levou ao Conselho Legislativo da província uma proposta sôbre a situação da referida comarca, sendo provável que êsse Conselho a tivesse aprovado, transformando-a, portanto, em diploma legislativo. Mas como êsse diploma vai alterar a organização dos tribunais de Cabo Verde, êle não terá execução na colónia sem que o Poder Executivo lhe tenha dado a sua
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sanção, nos termos da secção 1.ª da base 50.ª das Bases Orgânicas da Administração Civil e Financeira das Colónias, Podem, por consequência, os ilustres Deputados por Cabo Verde estar descansados a êsse respeito.
De resto, eu não posso, segundo as Bases Orgânicas, aprovar, ou rejeitar êsse diploma sem que o Conselho Colonial o tenha, estudado, e, apreciado. O Conselho Colonial é um alto corpo consultivo constituído por individualidades competentíssimas, e êle dirá ao Ministro o que pensa sôbre o assunto. As questões de Cabo Verde serão tratadas com todo o carinho e interêsse, estudo, quanto fôr prejudicial a essa colónia posso afirmar que não será atendido pelo Ministro.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigrqficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (para explicações): - Agradeço ao Sr. Ministro das Colónias as explicações que teve a bondade do me dar. Permita-me, porêm, S. Exa. a que eu faça uma observação a uma afirmação que S. Exa. fez.
Disse S. Exa. que o povo dó Cabo Verde recebeu notas de Angola porque o governo da província as recebeu também, por ser moeda corrente nas transacções. Ora eu afirmei que não foi por vontade do povo de Cabo Verde que essas notas lá entraram, mus sim por determinação do Alto Comissário de Angola e com o consentimento do governo da província e Banco Ultramarino, porque pela base 19.ª do contrato efectuado entre o Alto Comissário e o Banco ficou estabelecido que as notas de Angola seriam trocadas sem prémio em todas as filiais e agências do Banco.
Nessas condições, a situação criada para o povo de Cabo Verde não é tam gratuita como se afigura ao Sr. Ministro das Colónias.
Não foi, o povo, que arranjou para si essa situação; foi o governador, o Alto Comissário e o Banco Ultramarino que lha arranjaram.
O único remédio, pois, para evitar prejuízos gravíssimos que advêm para o povo pela desvalorização da moeda, será carimbar as notas com a sobretaxa de Cabo Verde. E isto para defender os interêsses do pequeno povo, porque os negociantes estão bem defendidos, porque hão-de saber ressarcir-se de qualquer prejuízo.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, tiver devolvido az notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins): - Nas últimas considerações feitas pelo Sr. Carlos, de Vasconcelos há um êrro de facto. S. Exa. afirmou que as notas de Angola circulam em Cabo Verde por determinação do Alto Comissário de Angola. Não pode ser! O Alto Comissário nunca poderia ter dado tal determinação.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: - Fez isso com o consentimento do Banco, após a celebração do contrato.
O Orador: - Foi por virtude dum contrato que ficou estabelecido que o Banco Ultramarino receberia sem- prémio, em qualquer agência sua, as notas emitidas em Angola. Se há êrro, o Banco é que o praticou...
O Sr. Carlos de Vasconcelos: - Quem praticou o êrro foi o governo da província de Cabo Verde, permitindo, que lá circulassem notas de Angola!
O Orador: - ... transferindo de Angola para Cabo Verde as notas para fazer transacções nesta colónia. Pelo contrato realizado entre o Alto Comissário de Angola e o Banco Ultramarino, estabeleceu-se que as notas de Angola seriam recebidas, sem prémio nenhum, em iodas as agências do Banco, o que não obrigava a que as notas de Angola circulassem nas outras colónias portuguesas. Mas como as notas de Angola se diferenciassem das de Cabo Verde no nome da província, o povo não teve repugnância em as aceitar.
Agora o Banco é que não podia pôr em circulação em Cabo-Verde, notas emitidas em Angola, devendo, simplesmente limitar-se a aceitar no guichet as notas de Angola que aparecessem para ser trocadas.
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O Sr. Carlos de Vasconcelos: — À casa Santos & C.ª foram entregues notas, de Angola para comprar cambiais. O que aos negociantes, recebendo o dinheiro, convinha fazer era comprar as cambiais. Todo o seu interêsse era comprar. Daí é que nasceu a desvalorização.
O Orador: — Mas se os compradores de cambiais não tivessem recebido as notas de Angola, a situação financeira seria, certamente, muito diferente.
Se os Ministros que me antecederam neste pôsto tivessem tomado as devidas providências ao terem conhecimento de que certas entidades pretendiam ludibriar o povo de Cabo Verde, eu não me encontraria agora perante um facto cuja gravidade reconheço, mas cuja solução se me não afigura de fácil e rápida solução.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Mas no Banco Nacional Ultramarino existe um delegado do Govêrno que deve ter conhecimento de todos os contratos realizados por êsse Banco.
O Orador: — O Estado não tem qualquer espécie de responsabilidade neste caso. Nem o que temos a fazer agora é apurar responsabilidades. O que temos a fazer é procurar solucionar a crise.
Os negociantes que têm relações comerciais com a província de Angola procuram já solucioná-la; fazendo os seus pagamentos em notas de Angola. Embora essa seja uma forma, lenta de alcançar a desejada solução, a verdade é que ela pode concorrer, para tal com indiscutível segurança.
Quanto ao alvitre do Sr. Carlos de Vasconcelos, devo dizer que tanto o considero de atender que estou disposto a aceitá-lo se isso fôr necessário.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Carlos de Vasconcelos não fez a revisão dos «seus àpartes».
Continua a discutir-se o parecer n.° 442.
O Sr. Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho): — Sr. Presidente: quando um
Sr. Deputado requereu, há dias, que entrasse imediatamente em discussão a proposta que neste momento está sendo apreciada, eu declarei que achava inoportuna a sua apreciação, não só porque da sua conversão em lei resultaria um sensível encargo para o Tesouro Público, mas ainda porque, tencionando eu apresentar à Câmara ama proposta de reorganização do exército, a discussão isolada dêste projecto poderia trazer sérias perturbações ao plano de conjunto que se tornava necessário efectivar.
Como a Câmara votou contrariamente à minha opinião, eu fiquei convencido de que havia razões ponderosas que aconselhavam a aprovação da proposta.
Com estranheza minha, eu não vi, porém, empregar um único argumento capaz de demonstrar a necessidade de tal aprovação, a não ser que, como já aqui disse um Sr. Deputado, o Parlamento se tenha deixado influenciar por motivos que se dizem cá fora à boca pequena, no que eu não quero crer, porque considero inadmissível que as resoluções da Câmara possam ser determinadas por motivos que não possam ser ditos em toda a parte, alto, claro e bom som.
O próprio parecer que vem anexo ao projecto não tem uma única palavra que o justifique.
Eu não sei se V. Exa. percebeu, eu, com franqueza, não percebo.
Ora já que ninguém apresentou uma única razão atendível em favor da proposta, vou ou dizer à Câmara os motivos que me levaram a pronunciar-me contra.
A proposta tem por fim restabelecer as disposições da lei orçamental n.° 415 de 1915.
Como a Câmara sabe, a promoção de sargentos ajudantes a oficiais fazia-se pelo 3.° das vagas que ocorriam nos quadros de infantaria e cavalaria. Esta legislação foi alterada pela lei orçamental que agora se pretende restabelecer.
Os oficiais promovidos nestas condições ficavam supranumerários, isto é, ficavam fora da escala de acesso.
Ora os oficiais supranumerários são promovidos ao mesmo tempo que o oficial que lhes está imediatamente à esquerda. Desta forma, a existência de algumas centenas de subalternos que são supranumerários pode determinar, por cada vaga de
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capitão, a promoção de dezenas de tenentes a êsse pôsto, os quais ficarão excedendo as necessidades do serviço.
Compreendem V. Exas. o que isto representa para a situação dos quadros de oficiais e os encargos inúteis que daí derivam para o Tesouro, sem que nenhum benefício advenha para as instituições militares.
O Sr. António Maria Baptista, quando Ministro da Guerra, reconhecendo êste facto, revogou em decreto com fôrça de lei estas disposições, o eu vou ler à Câmara os fundamentos em que elo se baseou.
Leu.
Como muito bem frisava o preâmbulo dêste decreto, tratava-se de uma regalia que beneficiava apenas uma classe e da qual não gozavam nem gozam quaisquer outros funcionários civis ou militares.
A aprovação da proposta, tal como se encontra redigida, com efeito retroactivo, daria lugar ás seguintes promoções:
Leu.
Quero dizer, só até ao fim de 1923 seriam promovidos 173 alferes, o que acarretaria um aumento de desposa de 1:477 contos, ou seja, números redondos, 1:000 contos, - para promover oficiais absolutamente desnecessários.
Ainda ontem eu tive ocasião de dizer à Câmara que temos nos quadros do exército 1:603 oficiais a mais.
Tem sido dito lá fora que, embora haja realmente um grande número de oficiais em excesso, em alguns quadros há falta de subalternos.
Isso não é verdade.
Eu vou ler à Câmara a relação dos oficiais subalternos que existem a mais nos diversos quadros do exército.
Leu.
Não é verdade, portanto, que exista falta de subalternos.
Há também quem diga que os sargentos-ajudantes têm tido as promoções paralizadas.
É absolutamente falso.
Eu vou ler à Câmara u movimento que tem havido nessa classe:
Leu.
Mas há ainda a atender a que, como a lei é aplicada com efeito retroactivo, muitos ficam com a antiguidade de 1919, to é, com cinco anos de pôsto.
Já vê a Câmara que não há motivo para dar uma reparação aos sargentos-ajudantes, reparação que custava muito dinheiro ao Tesouro e que viria agravar ainda mais a situação o as deficiências do exército.
Mas há ainda outros aspectos da questão que muito são para ponderar.
Com estas promoções aumentaríamos consideràvelmente o número de supra-numerários, que constituiriam um problema insolúvel para o futuro por não haver possibilidade de lhes dar colocação nas escalas.
Como a lei tem efeito retroactivo, alguns sargentos reformados por efeito do limite de idade, passariam a alferes do activo porque na data em que foram reformados já lhes pertencia a promoção.
Isto é verdadeiramente fantástico!
O Sr. Presidente: — Deu a hora de se passar à ordem do dia. Se V. Exa. deseja, reservar-lhe hei a palavra para a próxima sessão.
O Orador: — Ficarei então com a palavra reservada.
Foi aprovada a acta.
OEDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Comunico à Câmara o falecimento de Wilson, antigo Presidente da República dos Estados Unidos da América do Norte, notável estadista e figura determinante da entrada dessa nação na guerra.
Proponho que na acta seja consignado um voto de sentimento.
Também faleceu o general Carvalhal, que foi Deputado às Constituintes.
Igualmente proponho que na acta se lance um voto de sentimento pela sua perda.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: uso da palavra para, em nome dos parlamentares do Partido Republicano Português, me associar aos votos de sentimento que V. Exa. acaba de propor pela morte do antigo Presidente da República Norte Americana, Wilson, e do general Carvalhal.
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Á figura de Wilson é uma das que mais ficam perdurando no reconhecimento de toda a humanidade. Todas as homenagens que se prestem à memória de tam grande vulto da política internacional são bem merecidas, pela acção nobre e justa que Wilson desenvolveu a quando da grande conflagração mundial, e ainda depois no tempo da paz.
Lembram-se todos da acção decisiva que Wilson exerceu na Conferência da Paz, quando veio à Europa trazer aqueles mesmos princípios humanitários que havia pregado durante a guerra. Com os seus catorze célebres pontos, êle veio influir poderosamente na última confecção do tratado de Versailles. Nesses pontos consignou êle o princípio basilar da protecção aos pequenos países. Assim, Wilson estabeleceu na Conferencia da Paz uma tal atmosfera que tornou possível a aceitação por parte das principais potências, do fundamental princípio de se considerarem todos os países com igualdade de direitos na política internacional.
Portugal representado na Conferência da Paz, pelos homens Públicos a quem o País presta sempre as suas homenagens de consideração, Dr. Afonso Costa e Augusto Soares, viu com prazer a atitude do Presidente Wilson em favor das nações pequenas.
Há quem tenha atacado, por exagerados, os pontos de vista do Presidente Wilson, mas a verdade é que não podemos deixar de, nesta ocasião, em que se acende de novo a falta de harmonia entre os países que justamente deviam dar exemplos de concórdia, fazer o elogio de Wilson, como o paladino máximo da paz entre as nações.
Associando-me, pois, em nome dos parlamentares do Partido Republicano Português, ao voto que V. Exa. propôs, tenho a certeza de que presto uma alta homenagem de justiça à memória do graúdo homem público, Wilson, que foi Presidente da República dos Estados Unidos da América.
Associando-me também, como disse, ao voto de sentimento proposto pela morto do general Carvalhal, devo relembrar que êsse homem com armas na mão exerceu uma grande acção a favor da República.
Em 5 do Outubro de 1910 foi comandante da maior fôrça que se organizou, e
que decidiu da sorte do regime no celebre movimento envolvente da Rotunda.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Cunha Leal: — Em nome dos Parlamentares Nacionalistas associo-me aos votos do sentimento que V. Exa. acaba de propor.
O orador não reviu.
O Sr. Morais de Carvalho: — Em nome dos Parlamentares Monárquicos associo-me aos dois votos de sentimento que V. Exa. o, Sr. Presidente, propôs à Câmara.
O ex-Presidente Wilson foi de lacto uma figura de extraordinário relevo durante o tempo em que exerceu a sua alta magistratura, tendo um preponderante papel nas negociações da paz que se seguiram à Grande Guerra.
Não me pertence, neste momento, apreciar a sua acção nessa conjuntura.
Sr. Presidente: bastará o papel de real destaque desempenhado pelo Presidente Wilson quando da conflagração europeia, bastará ser um antigo chefe de um Estado com que Portugal mantém as melhores relações, para que a minoria monárquica sinceramente se associo às demonstrações de pesar propostas por V. Exa., assim, como se associa ao voto proposto pelo falecimento do Sr. general Carvalhal.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Em nome da Acção Republicana, associo-me aos votos de sentimentos propostos por V. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): - Em nome do Govêrno, associo-me aos votos do sentimento propostos por V. Exa.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr: Presidente: se esta fôsse ocasião própria para
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falar, eu diria alguma cousa mais do que as palavras de pesar com que acompanho os votos de V. Exa.
O Presidente Wilson acaba de descer à campa por uma maneira tam singela e tam simples, que a família recusou as homenagens que a sua nação lhe queria prestar. Assim não quero eu quebrar êsse desejo do ilustre morto, mas não posso esquecer que êle foi em determinada ocasião o árbitro do mundo, o qual não correspondeu ao seu idealismo, e por isso, em nome da minoria católica, e comovidamente, me associo ao voto proposto por V. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Em virtude das manifestações da Câmara considero a minha proposta aprovada.
Apoiados.
Está em discussão a proposta do Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças, autorizando o Govêrno a poder sustar qualquer medida que importe aumento de despesa.
Creio que estão inscritos alguns oradores, mas na Mesa não existe a lista da inscrição.
O Sr. Carvalho da Silva: — Estava com a palavra reservada o Sr. Moura Pinto.
Fez-se a inscrição.
O Sr. Moura Pinto: — Na última sessão em que êste assunto foi tratado, estava eu dizendo quais eram os inconvenientes do tal proposta, afirmando que ela era inconstitucional, pois o Poder Legislativo não podia abdicar de uma função que era caracterizadamente dele.
O Govêrno apresentou ao Parlamento várias bases de medidas salvadoras, e os seus relatórios ressentem-se muito do estudo coimbrão.
O que eu lamento, Sr. Presidente, é não ver aqui presente um dos seus colaboradores, pois talvez êle, melhor do que ninguém, nos pudesse explicar o alcance das medidas que o Govêrno pretende levar à efeito.
Eu não tenho senão que confirmar hoje o que já disse na última sessão sôbre o assunto, isto ó, mostrar à Câmara os perigos que pode haver para o Poder Legislativo em votar uma autorização destas, tanto mais quanto é certo que todos os anos se fala em novas conspirações, e todos os dias se sente deminuir o prestígio do Poder Executivo.
Necessário se torna, Sr. Presidente, que a maioria considere bem a situação em que nos encontramos, e que pondere bem os perigos que poderão advir se nós votarmos uma autorização destas, do mais a mais a um Govêrno que, devemos confessar, se encontra absolutamente enfraquecido, devido principalmente à impossibilidade que os outros partidos têm de -governar.
Lembro pois a V. Exa. e à Câmara, e muito principalmente à maioria, que é a principal responsável, os perigos que há em votar uma autorização destas, que pode amanhã ser uma arma muito perigosa nas mãos de outros.
Eu ainda compreenderia uma autorização nestes termos, desde que ela não envolvesse o desprestígio do Poder Legislativo, e fôsse dada a quem trabalhe; de contrário não a compreendo, nem posso compreender, visto que, ela somente representa um diploma de incapacidade passado ao Poder Legislativo.
Isto, Sr. Presidente, é o que se não compreende, se bem que na verdade pouco ou nada se tenha legislado de algum tempo a esta parte.
Essa autorização representa, repito, no meu modo de ver um diploma do incapacidade passado ao Poder Legislativo, e assim entendo que o melhor será entregar isto a quem saiba legislar melhor do que nós.
Sr. Presidente: sôbre o que não resta dúvida é que o Govêrno, pedindo à Câmara a autorização que pede, não tem o mínimo respeito pelo Poder Legislativo, e assim eu devo dizer que um Govêrno, que assim pretende deminnir o prestígio do Poder Legislativo, não tem mais o direito de cruzar aquelas portas, e tem o dever de ir a Belém pôr a questão nos seus devidos termos.
Esta questão tem de ser aqui apurada. Precisamos de preguntar ao Govêrno com que direito faz num decreto a crítica do Poder Legislativo. (Apoiados). Com que direito pôs em discussão medidas inconstitucionais, medidas que dão o aspecto de que estamos em face de estadistas, de alta.
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envergadura, a par da mediocridade do Parlamento?
Com que direito pretende êle uma autorização destas?
Antes, porém, vale a pena que preguntemos uns aos outros se temos ou não a consciência dos nossos deveres e o respeito pela nossa dignidade.
Apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: pedi a palavra sôbre o modo de votar porque entendo que o pedido de autorização formulado pelo Govêrno na sessão de 24 de Janeiro último, se a memória me não atraiçoa, não pode ser deferido.
A proposta respectiva não podia ser sequer recebida na Mesa, por isso que a matéria é absolutamente inconstitucional.
Apoiados.
O artigo 26.° da Constituição determina que compete privativamente ao Congresso da República fazer as leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las.
Não se trata duma faculdade, dum direito dado pelo Parlamento. Trata-se neste artigo de definir as atribuições, que, por lei, pertencem ao Poder Legislativo.
Trata-se, por conseqüência, de se impor obrigações que estão marcadas no referido artigo 26.° da Constituição, e essas são tais que o Poder Legislativo não pode dispensá-las.
Pode delegar direitos; não pode delegar obrigações.
É um dever êste da Constituição, que é imposto ao Poder Legislativo.
Como é que o Sr. Presidente do Ministério pede à Câmara que conceda ao seu Govêrno, já gasto, uma autorização nos termos desta?
Não pode o Parlamento furtar-se, repito, a cumprir esta obrigação, que lhe impõe a lei fundamental.
A proposta é inconstitucional, e V. Exa., Sr. Presidente, nem sequer podia tê-la admitido na Mesa.
Apoiados.
Entende o Govêrno que o pedido desta autorização convence o País de que tem
em mente projectos extraordinários de grande alcance, que deseja pôr em execução, e que o não faz exclusivamente porque o Poder Legislativo lhe entorpece a marcha governativa.
Trata-se, pois, simplesmente, duma ficelle, para lançar mais poeira aos olhos do País, dando-lhe a impressão de que o Govêrno tem na sua bagagem qualquer cousa de eficaz e útil, qualquer cousa que possa salvar o País da desgraçada situação em que se encontra.
Vozes: — Isso não pode ser.
O Sr. António Correia (aparte): — Isto não pode ser; não pode continuar. Estamos aqui a perder dias e dias sôbre o modo de votar. Isto não pode ser.
Vozes: — Ordem, ordem.
O Orador: — Sr. Presidente: pedi a palavra para demonstrar a V. Exa. que, nos termos da Constituição, a proposta do Sr. Presidente do Ministério é inconstitucional, e, como tal, não se pode admitir à discussão.
É essa demonstração que estou fazendo.
Não se trata de qualquer disposição de lei que, pelo seu carácter vago, impreciso, indeterminado, pudesse dar lugar a dúvidas. Trata-se duma disposição muito clara, muito precisa, muito terminante, que dá exclusivamente ao Poder Legislativo a faculdade de suspender leis que o Poder Executivo vai derrogar.
Apoiados.
Há dois casos apenas em que a Constituição o permite.
Extraordinário é que o Govêrno, não tendo podido ainda arrancar essa autorização à Câmara, saltasse por cima dela, publicando um decreto no Diário do Govêrno, em que se diz que, em quanto o Poder Legislativo não resolver sôbre o assunto, se permite decretar a suspenção de leis votadas.
E uma afronta ao Poder Legislativo, êsse decreto n.° 1:415!
Contra isto ou protesto em nome dêste lado da Câmara.
O Sr. Presidente do. Ministério, que foi para o Govêrno para o cumprimento da Constituição, para dar o exemplo do res-
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peito à Constituição, publica êste decreto, contra o qual é necessário que os Srs. Deputados se insurjam. E é contra o pretendido direito de se fazer com que esta proposta entre em discussão, que falo sôbre o modo de votar.
É preciso mostrar pela Constituição um respeito mais forte do que aquele que se tem tido pelo Regimento desta Câmara.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
É aprovado o requerimento.
O Sr. Morais Carvalho: — Requeiro a contraprova o invoco o § 2.° do artigo 115.°
Feita a contraprova, verificou-se estarem de pé 27 Srs. Deputados e sentados 37, sendo, portanto, aprovado.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a generalidade do proposto.
Tem a palavra o Sr. Cunha Leal.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: consta-me que um certo número de pessoas, que por virtude das suas palavras foram fortemente atacadas na imprensa republicana, na própria imprensa que cultiva o máximo dos princípios, que o melhor diagrama da pacificação é aquele que melhor sorve os interêsses dum certo número de pessoas, têm sido vivamente atacadas por defenderem o princípio fundamental de que nesta hora o Parlamento, dada a sua própria constituição, dada,a morosidade dos seus processos, é insuficiente para resolver os problemas nacionais que dia a dia se complicam.
Não vem o caso citar essas pessoas, que não conheço, e apenas quero referir-me àqueles que neste Parlamento acreditam nas virtudes dos seus processos e elixires.
O que importa é que apreciemos em conjunto a situação dessas pessoas e do Govêrno numa futura ditadura na prática.
O facto, como todos os movimentos da opinião pública, interessa primeiro pelos agentes, numa acção do Poder Legislativo, e representa uma afronta às nossas prerrogativas no regime do sistema parla-
mentar, como são definidas na Constituição.
Deixando de parte os tais ditadores, e as objurgatórias contra o Parlamento, vejamos qual a acção do Poder Legislativo perante a Constituição que o Chefe do Estado quere respeitar, e vejamos como a acção do Parlamento se coaduna com a Constituição.
A primeira pregunta a fazer é se de facto o Poder Legislativo já se manifestou insuficiente na sua acção?
Quere dizer, perante a multiplicidade dos problemas não tem sido êle capaz de resolver êsses problemas?
Há de facto uma incompatibilidade entro o Poder Legislativo e os interêsses da Nação?
Acredite a Câmara que êste é o primeiro problema principal a resolver, antes de nos pronunciarmos sôbre a proposta do Sr. Presidente do Ministério, feita certamente com o intuito de bem servir o País.
O Parlamento não pode resolver os problemas nacionais; porquê?
Nos antigos tempos era possível resolver êsses problemas e hoje não?!
Se olharmos ao que era a vida dos antigos Parlamentos da monarquia, veremos que o melhor Parlamento da monarquia produziu pior obra que pior Parlamento da Republica, isto no sentido da quantidade.
Na monarquia a característica das suas leis era a fixidez.
Os Parlamentos dos primeiros anos da República pretenderam definir a legislação da sociedade portuguesa.
Hoje os Parlamentos são incapazes por si só de acompanhar as necessidades da marcha das sociedades.
Isto não é só no nosso País, mas dá-se com os vários Parlamentos.
As autorizações são absolutamente inconstitucionais, porque as Constituições feitas para épocas normais não provêem aquilo que pode suceder em períodos anormais.
Nenhum, de nós ignora, por exemplo, que o Poder Legislativo não pode, senão em casos excepcionais, taxativamente marcados na Constituição, abdicar do seu privilégio e exclusivo de legislar.
Ninguém ignora que aquilo que já aqui se fez, que foi ceder a uma determinada
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comissão a faculdade de remodelar os quadros do funcionalismo público, é absolutamente inconstitucional.
Estamos em presença dum pedido do Executivo para o Legislativo abdicar duma parte das suas atribuições.
Não é o primeiro exemplo, o provavelmente não será o último exemplo de abdicações desta natureza. Contudo, não querendo levar mais longe a minha análise da constitucionalidade da proposta, porque a mim, — e estou falando em meu nome, — não me importa saber se o espírito da proposta do Sr. Presidente do Ministério é ou não bem constitucional, quero significar que ela traduz duramente uma cousa: é que se pede ao Poder Legislativo que reconheça a sua incapacidade.
Apoiados.
É claro que se eu pertencesse ao número daqueles maus portugueses e maus republicanos que andam lá fora pregando tudo aquilo que seja tocar com um dedo menos honesto nos vestidos sagrados da Constituição, ou teria que me regozijar pela circunstância do Sr. Presidente do Ministério apresentar uma proposta de lei desta natureza.
Consta-me que êsses tais maus portugueses e péssimos republicanos, que não respeitam a Constituição, nem a República, têm sido solenemente vergastados por alguns jornais, tais como O Século, paladino clássico das liberdades do povo, pela- circunstância de não reconhecerem ao Parlamento a velocidade de trabalho e capacidade de trabalho suficientes para a solução dos problemas nacionais, e assim naturalmente, repito, eu teria o direito de sentir-me bem satisfeito se pertencesse ao número dessas criaturas excomungadas, vindo, o Sr. Presidente do Ministério apresentar esta proposta de lei.
Dizem-me também que essas criaturas afirmam que há duas fórmulas de se passar por cima do Parlamento.
Uma, brutalmente, fechando-se, anulando-se a sua acção, declarando-se momentaneamente inútil para o, solução dos problemas nacionais; esta parece-me a atitude digna para com o próprio Parlamento: a atitude do considerar o Parlamento vencido, mas não o vexando.
A outra solução consiste em levar o Parlamento a pouco o pouco a abdicar de
todas as suas prerrogativas o ceder de todo os seus privilégios, entregando-se tam completamente nas mãos do Poder Executivo que a situação política se defina desta forma dum lado, homens do Executivo a que o Poder Legislativo entrega todos os poderes do outro lado, um Poder Legislativo abastardado, consentindo, pela abdicação de todos os sons poderes, numa ditadura que poderá ter porventura uma aparência de constitucional, mas que é muito mais feroz, porque amarra os poderes do Estado, subalternizando-os, porque quebra a dignidade da Constituição o quebra até a dignidade de alguns homens que constituem um partido.
Apoiados das direitas.
Creio que esta proposta de lei do Sr. Presidente do Ministério se filia nesta maneira de ser.
Eu não tenho que censurar S. Exa. neste acto, porque S. Exa. teve bons antecessores. Por mal dos meus pecados e do partido a que pertenço, fazia parte do seu directório há algum tempo, e tive a honra de ser reconduzido na última sessão plenária.
Fazia parte também dele o Sr. Álvaro do Castro, um grande republicano e português. Ora, nessa ocasião, sucedeu um fenómeno que trouxe intranqüila toda a sociedade portuguesa, e foi o de desembarcar no apeadeiro de Entre-Campos o Sr. Afonso Costa.
Evidentemente que ás entrevistas dum homem público não pertencem senão ao público, e por isso posso dizer que S. Exa. entrevistou o directório do Partido Nacionalista, pretendendo que lhe déssemos autoridade para recrutar membros do nosso partido para a formação dum Govêrno.
Declarámos-lhe que não dávamos essa autorização, nem daríamos comparticipação no Poder a um republicano tam ilustre pelos seus medicamentos, mas que estávamos absolutamente dispostos a dar-lhe um apoio incondicional, certos como estávamos de que S. Exa. não iria fazer uma baixa política partidária, mas sim uma política nacional.
S. Exa. nessa altura disse-nos, num movimento de mau humor, o seguinte:
«O que eu quero é ter a certeza de que os problemas que vou pôr ao Parlamento
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não serão discutidos demoradamente; não quero delongas, porque há muito que fazer e tenho muitos problemas a propor ao Parlamento».
Quais eram êsses problemas? Não nos disse aquele homem público, mas o que queria S. Exa. era ter a certeza de que o Parlamento seria uma chancela para o que êle quisesse.
Apoiados.
V. Exas. vêem que o Sr. Afonso Costa queria que o Parlamento estivesse aberto e todos nós aqui a fazermos vénias e mesuras, mas não queria a nossa análise, não queria a nossa discussão.
Pois o Sr. Álvaro de Castro foi ainda mais longe, veio aqui pedir uma autorização para regular os câmbios e autorização para legislar sôbre matéria de impostos.
É inconstitucional o proceder do Sr. Presidente do Ministério.
Interrupção do Sr. Moura Pinto.
O Orador: — A proposta aqui apresentada é de tal forma lata, que se transforma na abdicação completa do Poder Legislativo.
O Govêrno por essa proposta não impede o Parlamento de fazer leis, mas fica com a faculdade de não as pôr em execução, e assim amarra o Parlamento, condenando-o a não fazer nada fica o Parlamento como mera chancela dos actos do Poder Executivo, e sem que possa opor-se a êles.
Eu respeito muito a minha dignidade pessoal; mas antes desejaria ser daqui corrido por um acto violento, do que ficar amarrado de pés e, mãos, abdicando miseravelmente, numa abjecção moral que se convertia numa abjecção física.
O que quere o Govêrno? Uma ditadura, mas uma ditadura com o Parlamento aberto!
O que fez o Governo?
Fez a interpretação das leis por um diploma ditatorial!
Ou êsse decreto é para pôr de aviso o Parlamento ou é um decreto ditatorial: é o que devemos tirar como ilação dó procedimento do Sr. Presidente do Ministério.
Em qualquer das hipóteses, trata-se de uma coacção, e eu tenho a certeza de que
o único fim do Sr. Presidente dó Ministério é arranjar um pretexto para cair.
Apoiados.
S. Exa. sabe perfeitamente que o Parlamento como corpo colectivo não pode abdicar das suas prerrogativas, e portanto terá de derrubar o Ministério.
Então o Sr. Presidente do Ministério quere que nós fiquemos chumbados, amarrados, ao vilipêndio que nos lança?
Não estou a atacar o Sr. Álvaro de Castro; passou a hora dos excessos.
O homem que está acolá naquelas cadeiras é um homem digno, é um homem de bem, que não deseja outra cousa senão servir o melhor possível o seu País.
Êle reconhece que a tarefa é hoje superior às fôrças com que contava e incapaz de ser tomada pelos homens que compõem o seu gabinete. Mas amarrado a velhas ideas existentes nas leis contraditórias que se chocam no seu espírito, o Sr. Álvaro de Castro diz a si mesmo: como é que eu posso conciliar a necessidade de ir depressa com os vagares do Parlamento?
Amarrando o Parlamento, passando por cima dele.
E então o que peço?
Peço a sua abdicação voluntária, peço a sua morte civil, decretada por êle próprio.
Sr. Presidente: não se pede a uma instituição que se suicide, mata-se a instituição, obriga-se a calar a sua voz, fecham-se as suas portas, passa-se por cima dos Deputados, mas não se lhes pede a sua abdicação voluntária.
S. Exa. que é uma criatura inteligente, sabe isso muito bem, sabe que veio aqui pedir a morte do Parlamento, o nós, aqueles que votamos contra o pedido de autorização do Sr. Álvaro de Castro, queremos apenas dizer-lhe uma cousa: sui-cide-se, mas não invoque a nossa própria responsabilidade.
Não se trata de nos vir pedir uma moção de confiança ou de desconfiança, trata-se de nos vir pedir uma abdicação.
Mate-nos se tem energia para isso, se está convencido de que isso é útil, mas não nos obrigue a engolir a cicuta do suicídio.
Não nos queremos suicidar como corpo colectivo. Respondemos isto, e se S. Exa. quiser faça uma cousa, mate-nos se jul-
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gar que isso é uma condição imprescindível para a salvação nacional — essa será porventura a sua vontade, será porventura aquilo que a sua consciência lho dita como um dever — mas não nos diga que nos suicidemos, que nos reduzamos à condição de farrapos ou de sermos pessoas indignas da própria função que representamos.
Tenho dito.
Muitos apoiados.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: as primeiras afirmações que se impõem ao entrar nesta discussão e em resposta às considerações do Sr. Cunha Leal são as que vou fazer: o Govêrno não se sente aterrado perante as responsabilidades do Poder; o Govêrno não se sente aterrado perante as conseqüências anormais em que nos encontramos; o Govêrno confia abertamente no sou esfôrço, como confia no esfôrço do Parlamento, como confia na vitalidade do País.
Apoiados.
O Governo não pede uma ditadura, não faz uma ditadura, não está em ditadura.
Apoiados.
Não apoiados.
Nunca ninguém fez ditadura com o Parlamento aberto.
Não peço o encerramento do Parlamento, peço que o Parlamento trabalhe com o Govêrno, que trabalhe com o País, que ouça a opinião do País, que a interprete e que legisle.
O Govêrno com quem não quere colaborar é com os que pretendem sabotar o Estado republicano, com quem não quere colaborar é com aqueles que querem destruir o regime republicano, com quem não quere colaborar é com as fôrças destrutivas da sociedade portuguesa.
O Sr. Cunha Leal: — Somos nós essas fôrças, Sr. Presidente do Ministério?
O Orador: — Não é V. Exa., mas V. Exa., com a sua palavra autorizadíssima, com o seu vigor o com a sua energia podia neste momento servir mais a Pátria do
que serve pronunciando as palavras que pronuncia.
As ideas de V. Exa. compreendem-se e justificam-se pela orientação política que marcou — nesse ponto estamos em antagonismo — mas V. Exa. sabe que essas ideas são caras aos inimigos da República. Ninguém como eu tem prestado a V. Exa., em vários momentos da vida política portuguesa, as maiores e mais altas homenagens; ninguém pode esquecer que no primeiro Ministério que eu tive a honra de organizar o chamei para a pasta das Finanças, porque sentia que era capaz de comigo colaborar naqueles momentos difíceis. Hoje encontramo-nos, infelizmente, em pontos absolutamente diferentes no que diz respeito à solução política, no que diz respeito às fórmulas que dentro do Estado republicano podem ser adoptadas para vencer a crise actual.
O Govêrno, ou melhor, os homens que ocupam as cadeiras do Poder, quando o assumiram, mediram a responsabilidade do acto que praticavam e condicionaram toda a sua mentalidade, todo o seu esfôrço ao exercício do Poder.
Quero estar no Poder, quero utilizar todos os meios que ao Poder Executivo sejam dados para ocorrer às necessidades do Estado; fá-lo hei com decisão, com energia, mas sempre perante o Parlamento, para que o Parlamento me peça, hora a hora, a responsabilidade dos meus actos.
Que lata autorização é esta que o Govêrno pede, se êsse Govêrno só durante um pequeno espaço de tempo, qual é o que vai de sexta a segunda-feira, não está perante o Parlamento?
Não consente o Parlamento abrir um crédito de confiança de tam poucas horas a um Govêrno arquem deu, há poucos dias, o aplauso e o apoio?
O Govêrno não estará mais uma hora no Poder se o Parlamento lhe recusar uma autorização, uma confiança política, sem a qual não pode marchar.
A ausência da capital, pelo facto da ida ao Norte do Sr. Presidente da República, a ausência do Presidente do Ministério e alguns outros Ministros, deu lugar a que na capital se espalhasse o boato tendencioso de que o Govêrno desejava cair pela publicação do decretos que, repito, estão dentro da lei,
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O que deu lugar a êsse fervilhar de paixões que agitam hoje a sociedade, principalmente em Lisboa, foi o boato de que o Govêrno estava em crise.
Ora é necessário que o Parlamento olhe para estas cousas.
O facto de estar no Poder um Govêrno que não goze inteiramente da confiança do Parlamento, e que o País não reconheça como legítimo mandatário do Parlamento, não pode continuar. E necessário que a opinião pública portuguesa sinta que o Parlamento dá todo o apoio a êsse Govêrno, que o Govêrno continua a merecer toda a sua confiança.
Disse-o no primeiro dia e continuo a afirmar; tenho a absoluta confiança, tenho a absoluta fé de que a acção do Parlamento e dêste Govêrno conseguirão modificar as condições financeiras e económicas de Portugal, porque efectivamente a nossa colaboração se estabeleço num campo do inteiro entendimento.
Tenho a convicção absoluta, a convicção física, palpável de que os nossos esfôrços hão-de contribuir para a prosperidade da República. Tenho a fé de que a República não perece, não morrerá, porque o nosso esfôrço e energia não a deixarão morrer.
Sr. Presidente: analisemos agora em detalhe as acusações que foram feitas ao Govêrno, do querer desprestigiar o Parlamento, de vir pedir ao Parlamento uma medida reputada, por alguns Deputados, como inconstitucional.
Donde veio a origem da doutrina respeitante à lei travão, que estabeleceu o princípio da não execução das leis?
A doutrina de que um diploma votado pelo Poder Legislativo pode ser suspenso por um mero acto do Poder Executivo, foi dimanada do Parlamento.
Houve alguma vez em Portugal um Govêrno e um Parlamento que votou a faculdade do Poder Executivo suspender medidas do Poder Legislativo? Houve.
Donde partiu a proposta que posteriormente foi transformada em lei?
Foi da maioria parlamentar? Não. Foi da minoria unionista.
Um Govêrno de concentração em que era Ministro das Finanças o Sr. Vicente Ferreira, apresentou um conjunto de propostas de finanças, entre as quais se incluía a lei travão. E S. Exa. num relatório justificativo, que acompanhava essa proposta, indicava que isso não era mais do que o exemplo do que se passava no Parlamento inglês, francês e japonês.
Sr. Presidente: não vi dentro desta Câmara, nenhum Deputado levantar a inconstitucionalidade da proposta. O artigo 1.°, foi votado quási que sem discussão e com aplauso de grande número de Deputados, que então pertenciam ao partido nacionalista.
A inconstitucionalidade foi levantada pelo Sr. Mesquita Carvalho, a respeito do artigo 5.°, aditamento proposto pelo Sr. Ministro das Finanças de então, que estabelecia o princípio que nenhum Deputado podia apresentar propostas que aumentassem as despesas, sem criar as receitas compensadoras.
Foi êste artigo, o único que foi taxado do inconstitucional, e acerca do qual o Sr. Mesquita Carvalho, apresentou uma moção, que foi rejeitada.
A Câmara nossa ocasião, estabeleceu, portanto, a doutrina constitucional, do Poder Executivo suspender, quando entenda, as leis que julgar convenientes.
Mas depois disto, não foram concedidas autorizações, ainda mais latas?
O que foi a lei n.° 275?
Esta lei estabeleceu tal faculdade ao Poder Executivo, que lhe permitiu que lançasse impostos, quer o Parlamento estivesse fechado, quer estivesse aberto.
Esta lei mareou uma étape nova nas autorizações a conceder aos Governos.
Mas há mais.
Quando o Ministério da presidência do Sr. António Macia Baptista assumiu o Govêrno, agitava-se então uma greve, para reclamação de aumento de vencimentos, e êsse Govêrno, ditatorialmente, publicou um decreto, aumentando os vencimentos aos funcionários. Não houve no Parlamento, nessa ocasião, uma única voz que só levantasse protestar contra semelhante decreto.
É pois uma necessidade, que o Parlamento reconheceu, e não representa o amesquinhamento do Poder Legislativo, mas apenas o reconhecimento por parte dêste de que lhe é impossível, num momento dêstes, ter tempo para se ocupar de todos os assuntos e realisar integralmente a sua obra.
Compreendo que o Parlamento, ciosa-
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mente, não queira dar a faculdade ao Govêrno de lançar impostos, porque, fundamentalmente, é essa a base do regime parlamentar.
Esta proposta foi apresentada no Parlamento há 15 dias.
Pois bem; estamos no décimo sexto dia, e só na sessão de hoje foi admitida à discussão!
Dependeu isso do Parlamento, da maioria que o apoia?
Não sei, mas estou convencido que dependeu das condições de trabalho parlamentar, em que todos os assuntos não podem, ser resolvidos ao mesmo tempo.
Apresentei também uma outra proposta para modificar as escolas de recrutas, que foram iniciadas em 15 do mês passado. Dessa proposta resultava a economia de 12:000 contos, e o Parlamento até hoje não se pronunciou.
Fez o Parlamento isso propositadamente?
Não o fez, mas o que é certo é que a despesa realizou-se quando podia deixar de se realizar!
Não posso acreditar que o Parlamento se queira pôr ao lado daqueles que querem estrangular a República financeiramente!
Muitos apoiados.
Se nem todas as Repúblicas têm constituições iguais, há porém pontos basilares que regulam a vida das democracias, e alguns nos servem de exemplo.
Eu pregunto a todos os republicanos se a leitura dos jornais franceses os leva a acreditar que na França se tenha feito uma ditadura?
Não! O que eu não quero é colaborar na sabotage da República e da Pátria!
Apoiados.
Êste Govêrno no exercício do Poder terá talvez uma amplitude de vistas que os problemas não lhe consintam, mas, perante as necessidades do País e da crise do movimento, prefere incorrer na desconfiança do Parlamento a incorrer na desconfiança do País.
Somos chegados, Sr. Presidente, ao decreto que foi publicado sôbre a matéria que estamos discutindo.
O Govêrno afirmou, quando da apresentação do Orçamento, que era urgente criar receitas para fazer face ao déficit orçamental, que era urgente comprimir as
despesas, que havia maior urgência ainda em evitar despesas nos seis meses correntes que completam o ano económico em que nos encontramos, porque os pagamentos a fazer nesses seis meses importam fatalmente, qualquer que seja o Govêrno, qualquer que seja o Parlamento, o alargamento da circulação fiduciária.
O Govêrno disse que carecia de medidas financeiras votadas ràpidamente, como por exemplo a lei do sêlo, e o que se está vendo é que apesar da boa vontade da Câmara dos Deputados, apesar da boa vontade do Senado, êsse diploma, que tem unicamente um artigo, ainda não se encontra votado e porventura não estará votado tam depressa.
Portanto, além da urgência de obter receitas imediatas era indispensável, como já se disse, fazer cessar todos os pagamentos que se pudessem evitar.
Acima de todos os males que podem resultar de medidas rápidas tomadas nesta altura, há um mal que é superior a todos: é que se tenha de aumentar a circulação fiduciária, porque no dia seguinte a êsse aumento o escudo estará ainda mais desvalorizado, o preço da libra atingirá valores ainda hoje não vistos e a carestia da vida trepará com uma velocidade que nos há-de surpreender a todos.
O Govêrno entende que é necessário adoptar todas as medidas que tendam a obstar ao aumento da circulação fiduciária, que tendam a fazer com que o pobre, o miserável, não pague as culpas daqueles que têm dinheiro.
O Govêrno não fugiu às responsabilidades do acto que praticava, porque podia muito bem com elas, e representava um acto com que se pode orgulhar quem é Ministro das Finanças.
O Parlamento votou a lei n.° 1:956, que consente ao Govêrno deixar de pagar as despesas já feitas quando superiores a um determinado valor, o que quere dizer que autoriza o Ministro das Finanças a fazer aquisições várias de material, e depois, dá autorização para dizer àqueles que fizeram os fornecimentos na melhor boa fé que não se lhes paga porque o Govêrno tem uma autorização nesse sentido.
Pode ser isso um regime muito interessante, mas não dignifica a República.
Apoiados.
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Mas tal sistema não o aceito eu e não o cumpro como Ministro das Finanças.
O que fiz, com o poder que a lei me dava, foi determinar às repartições de contabilidade que não expedissem ordens de pagamentos senão em determinadas condições.
Isso estava autorizado a fazer como Ministro das Finanças.
Ainda se disse também que o decreto que publiquei era prejudicial aos interêsses do Estado e vinha lhe causar prejuízos.
O decreto não prejudica o Estado, e só regulamenta o que não foi regulamentado com relação a uma parte da circulação fiduciária.
Mas se o Parlamento entende que êsse decreto é prejudicial à República, e às finanças publicas, que o revogue e que o Parlamento também negue a autorização que o Govêrno agora pede.
Cada um de nós, Govêrno e Parlamento, assume as suas responsabilidades perante, os que nos escutam e perante aqueles que seguem a marcha dos serviços públicos.
Nunca dei conselhos numa assemblea parlamentar.
Ponho em relevo a minha opinião pessoal, e digo quando uma situação é grave o como é grave.
Todos têm de tomar, es suas responsabilidades diante de uma grande crise.
Para tornar mais certas essas responsabilidades, necessário se torna que o Parlamento e o País vejam os nossos esfôrços, e os avaliem, estando absolutamente certo, que dessa forma poderemos dentro em breve transformar a República naquilo que todos nós, republicanos, desejamos que ela seja.
Muitos apoiados.
Sr. Presidente: a Câmara conhece-me muito bem, e sabe bem as minhas intenções, não só pelos meus actos, como pela minha vida política, e assim devo dizer, em abono da verdade, que se elas não são do molde a convencer 100 ou 200 políticos intelectuais, impossível será convencer seis milhões de habitantes.
Eu sou absolutamente defensor da Constituição, estando pronto a defendê-la em todos os campos, sempre que seja necessário, tanto mais como membro do Govêrno, responsável como sou pela ma-
nutenção da ordem. Serei implacável, e empregarei todos os meus esfôrços, pela manutenção da ordem, tanto mais, quanto é certo, que o Govêrno tem os elementos suficientes para isso.
Devo, porém, dizer, em abono da verdade, que a ordem pública está mais dependente do Parlamento do que do próprio Govêrno; a ordem pública está mais dependente do regime parlamentar, do que do Govêrno.
Assim, Sr. Presidente, devo dizer que necessário se torna que o Parlamento e o Govêrno se entendam de forma a que a República entre no caminho que todos nós desejamos.
Desnecessário se torna fazer a história dá República, muito principalmente para os antigos republicanos, pois, todos sabem os sacrifícios e os esfôrços que por vezes temos empregado, os quais se podem muito bem classificar de momentos de loucura, para a defender, e assim agora, mais do que nunca, se torna necessário que todos nós, republicanos, nos unamos de forma a que a República Portuguesa seja aquilo que todos nós desejamos que ela seja.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: pedi a palavra no momento em que o Sr. Presidente do Ministério afirmava que havia portugueses que queriam sabotar a Pátria e a República.
Quero crer que a acusação de S. Exa. se não dirigia a qualquer dos seus colegas desta Câmara.
Sejam quais forem as nossas divergências de opinião, sejam quais forem as divergências de processos, o Sr. Presidente do Ministério pode ter a certeza de que não encontra dentro desta casa do Parlamento quem prezo tam pouco a sua dignidade que seja capaz de sabotar a sua Pátria, ou republicanos capazes de sabotar a República.
Há sim divergência de opiniões e divergência de processos, mas abençoada divergência essa! É do choque das ideas que muitas vezes sé geram as melhores indicações para a solução dos problemas nacionais. O que é preciso é haver ideas.
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O Sr. Presidente do Ministério é um republicano que todos nós respeitamos.
S. Exa. serve a República segundo o seu critério; nós servimo-la segundo o nosso.
Mas por honra de todos nós, não vale a pena medir o nosso amor à Pátria e à República. Temos que partir do princípio de que êsse amor é igual, se quisermos afastar a injúria.
Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério com as suas considerações, de há pouco, não fez senão reforçar o que se diz lá fora sôbre a impossibilidade do Parlamento cumprir a sua missão acompanhando a par e passo as várias manifestações da, vida nacional. S. Exa. foi até mais longe do que eu, porque foi até ao ponto de culpar o Parlamento por actos que não são da sua responsabilidade.
Um dia o Sr. Ministro da Guerra trouxe, à Câmara uma proposta para redução do contigente de recrutas, que devia ser aprovada, até ao dia 15 de Janeiro. Essa proposta não chegou sequer a ser discutida, sob o pretexto de que não valia a pena, visto já ter passado a oportunidade dos seus efeitos.
Eu preguntei ao Sr. Presidente do Ministério em que dia tinha sido essa proposta apresentada. S. Exa. não se dignou responder, mas eu, reportando-me ao Diário do Govêrno, verifiquei que essa proposta tinha a data de 23 e havia sido publicada no dia 25.
Eu reputo que o pior castigo que pode dar-se ao Sr. Presidente do Ministério é votar a sua proposta.
Naturalmente ela dormiria o mesmo sono que atacou as autorizações que demos para se legislar sôbre câmbios.
Faço a justiça de acreditar no republicanismo do S. Exa. e nós bons desejos que tem de continuar prestando os maiores e melhores serviços ao regime.
Não o ataco propositadamente.
Digo somente que não voto a proposta.
Não representa isto nenhuma traição.
Quem apoia o Govêrno?
Uma maioria compacta e sólida.
S. Exa. vindo com esta proposta, significa que quere pôr à prova êsse apoio ou quero abandonar o Govêrno.
Há pouco S. Exa. arredou a hipótese de querer deixar o Govêrno.
Quere então pôr à prova o apoio que lhe é dado pela maioria.
Nestas condições, e tendo já marcado a minha posição, nada mais tenho a dizer.
Oxalá que eu encontrasse sempre na minha frente oposições semelhantes àquela que eu faço ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças.
Não farei nenhuma espécie de obstrucionismo, embora considere que concedendo-lhe nós estas autorizações, iremos cometer um acto que apenas serve para desprestigiar a instituição parlamentar.
Esclarecido que não faço nenhuma injúria às intenções patrióticas e republicanas do Sr. Presidente do Ministério, eu, que não tenciono voltar a usar da palavra sôbre êste assunto, julgo o problema nitidamente explícito.
De um lado estão as maiorias que julgam inconstitucional o pedido destas autorizações, que seriam a última machadada a dar no actual Parlamento; do outro lado está a maioria firme e sólida, disposta a conceder tudo a êste Govêrno.
O Sr. Presidente do Ministério disse aqui um dia que preferia o apoio das minorias ao apoio da maioria transformada em carneiros de Panúrgio.
Se S. Exa. agora se sente muito feliz por encontrar ò apoio e ter na sua comitiva ps tais carneiros, de Panúrgio, dou-lhe os meus parabéns.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: não esperava usar da palavra, porque nunca supus que, depois de não ter havido um único Deputado que se levantasse a defender o Govêrno, êste se mantivesse nas cadeiras do Poder.
O Sr. Cunha Leal pôs a questão com a clareza própria do seu talento e dás suas altas qualidades de parlamentar.
O mesmo não posso dizer da maneira como o Sr. Presidente do Ministério lhe respondeu.
Quando o País atravessa uma hora grave, quando é preciso estudar e encarar os problemas nacionais para atacar a situação verdadeiramente angustiosa que atravessamos, é fantástico que o Sr. Presidente do Ministério se levante apenas para dizer que é necessário defender a República.
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A República para S. Exa. é tudo; o país para S. Exa. não é nada.
S. Exa. apenas disse o que há treze anos vimos ouvindo, como isso da defesa da Constituição e da República, à sombra das quais se têm cometido os mais graves crimes contra a vida do país.
Vive o país ao que vejo, num regime de desdobramento de acções. Primeiro era a Acção Republicana, agora já há a acção nacionalista, e não sei quantas mais acções há.
Vejo os Srs. Carlos de Vasconcelos e Carlos Olavo, principalmente êste último, que é o leader da Acção Republicana e que ao apresentar-se ao Parlamento declarou que do programa do seu grupo constava a defesa da pureza augusta da Constituição.
Como é que S. Exas. podem ainda defender de alguma maneira a acção do Govêrno, como é que S. Exas. podem defender aquilo que o Sr. António Maia, cujo republicanismo não pode ser pôsto em dúvida, bem significou o que era, depois da Câmara ter votado a urgência e a dispensa do Regimento, com o seu «Viva a ditadura»!?
Mas, como ia dizendo, o Sr. Cunha Leal pôs a questão com a maior clareza.
Aqueles que se dizem defensores acérrimos da Constituição não fazem senão, dada a multiplicidade dos assuntos de que o Parlamento tem de ocupar-se, dada a instabilidade que as circunstâncias económicas e financeiras do País criam aos problemas nacionais, demonstrar a incompetência do Parlamento, para resolver os problemas nacionais.
Confessam portanto.
E defendem o quê?
Defendem o regime de autorizações, em que o Sr. Presidente do Ministério quero entrar.
Outros, como bem disse o Sr. Cunha Leal, defendem que o Parlamento não continue neste regime de abdicações humilhantes a que o Govêrno quere sujeitá-lo, para, deixando ao Parlamento a responsabilidade dos seus actos, fazer a mais franca, clara e aberta ditadura.
Vê-se pois que todos reconhecem — e o próprio discurso proferido pelo Sr. Presidente do Ministério o confirma — a impossibilidade de o Parlamento exercer nesta altura a missão que lhe compete,
ocupando-se da resolução dos altos problemas nacionais.
Tudo por conseqüência se resume, ao que vejo, nas duas opiniões expressas nesta Câmara: qual a ditadura que mais convém adoptar para resolver o problema nacional.
Mas o que é a ditadura?
Não há ninguém nesta casa do Parlamento que não defenda a ditadura: o Sr. Cunha Leal, entendendo que ela deve ser franca, leal e aberta, o Sr. Presidente do Ministério pelo regime das autorizações.
Resta ainda saber a opinião da minoria nacionalista, porque o Sr. Cunha Leal falou apenas em seu nome pessoal.
Vista a necessidade de uma ditadura, pregunto: qual é a que mais convém?
Sabem V. Exa. e a Câmara que o mais grave dos problemas que afectam o País é evidentemente o da crise da confiança, e eu pregunto se reconhecêssemos que isso é assim, se reconhecêssemos que é indispensável uma ditadura, qual é a ditadura que mais convém? Não será aquela que possa restabelecer a confiança em todos os portugueses, aquela que não faça, afastar do País mais capitais? Seguramente é essa, e essa tem de ser feita e levada a cabo pelas competências que têm sido sistematicamente afastadas da administração pública. Efectivamente, a República é a guerra à competência, é ajunta de freguesia, é a guerra ao capital, e de tudo resultou a situação que todos estamos sofrendo.
Apoiados da minoria monárquica.
A ditadura tem, portanto, de vir, mas é indispensável que ela seja exercida por quem possa inspirar confiança ao País e tenha competência para exercê-la. Não quere isto dizer que eu defenda um regi me de ditadura como um regime normal, mas o que é certo é que quando se leva um país á situação a que o levou a República, é necessário que por qualquer modo se volte ao caminho anterior.
Apoiados.
«É qual será uma das causas dessa impossibilidade em que o Parlamento se encontra de legislar por forma a poder olhar e atender a todos os problemas nacionais? Evidentemente é a instabilidade das condições económicas e financeiras, instabilidade que vem principalmente das constantes flutuações do valor da moeda.
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E qual é a causa principal, se não a quási exclusiva, dessas constantes flutuações do valor da moeda? É a quebra, cada vez maior, da confiança do país nos homens que o estão a governar.
Apoiados da minoria monárquica.
E se olharmos a que essa administração, qualquer que seja a vontade dos homens que se sentem naquelas cadeiras, não pode deixar de ser o que é, porque essa administração desregrada é má, obedecendo apenas ao número dos sem competência.
É um facto inerente à vida da República, e assim se demonstra mais uma vez que a República não pode resolver o problema nacional. E então estamos em presença dêste paradoxo: a República que o Sr. Presidente do Ministério defende é a própria que para viver tem de ser a principal fôrça a esmagar os princípios que estabelecem as bases dessa mesma República.
E esta a situação a que nos levaram os Govêrnos da República nos treze anos da sua existência, e ainda mais desde a nefasta propaganda dos saudosos tempos dos comícios.
O Govêrno, para defender a monstruosa autorização que vem pedir, cita as várias autorizações anteriores que a República fez votar no seu Parlamento. Que novidade que o Sr. Presidente do Ministério nos vem dar! Todos nós cabemos que aqueles que querem defender a Constituição são os que mais a esfrangalham.
O que é que deseja o Govêrno?
Uma ditadura com a responsabilidade do Parlamento!
O Govêrno, que não tem um plano, que não sabe o que há-de fazer, vem pedir uma autorização para quê? Nem nós o sabemos, nem êle próprio o sabe.
A questão da redução das despesas é simples poeira lançada aos olhos do país, porque o que é necessário não é só reduzir as despesas, mas evitar que elas continuem a aumentar.
Quem é que hoje, conhecendo bem as dificuldades da vida, as proporções que tem atingido o seu custo, quem é, qual é o espírito que não vê que muito ràpidamente nos veremos na necessidade de votar novas subvenções ao funcionalismo público, pois que o que êle recebe não lhe chega para comer?
Então não haverá compressão, mas ha-4 verá o aumento de despesa, e muito grave, para o Estado.
O que se impõe? Um Govêrno de competências, conhecendo bem quais as medidas que é preciso adoptar para a redução do custo da vida; o que, se não é possível na sua grande parto, no emtanto numa parte apreciável é possível.
Só um Govêrno competente, sem violências de nenhuma espécie, é que poderá reduzir o custo da vida.
Quais são as medidas do Govêrno neste sentido?
Não há uma só.
De todos os pontos do País chegam reclamações, que representam um dos maiores escândalos que em qualquer país pode presenciar-se: a questão do pão.
E êste Govêrno, que está há mais de um mês no Poder, não só não trouxe uma qualquer proposta de lei, que devia trazer, mas não tem uma opinião formada, uma idea, o que demonstra a incompetência mais absoluta.
Ao fim de um mês vai nomear-se uma comissão destinada a estudar a questão do pão!
Pois é êste o Govêrno que pretende que o Parlamento lhe vote uma autorização destas?
Pois se o Govêrno não sabe o que há-de fazer, se não tem ideas, se desconhece por completo os problemas da administração pública, como quere que o Parlamento lhe vote uma autorização?
Apoiados.
Eu gostava que o Sr. Presidente do Ministério nos dissesse, se acaso não tem tenção de pedir a demissão até amanhã, o que pensa acerca da questão do preço do pão.
S. Exa. sabe que essa questão é verdadeiramente escandalosa.
Apoiados.
Ando há mais dum mês para tratar dela, e não vejo meio de obter a palavra, porque o Parlamento anulou a parte «antes da ordem do dia» para que os Deputados tratem de certas questões. Não há maneira de exercer aquela acção fiscalizadora necessária em diversos assuntos de interêsse público.
Repito: desejava saber o que pensa o Sr. Presidente do Ministério sôbre a questão do pão,
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É um problema gravíssimo, sendo preciso que S. Exa. nos diga o que pensa a tal respeito.
Não, pensa nada, nem sabe nada, não tem ideas e não pode ter à confiança do Parlamento.
Quere o Govêrno convencer o País de que tem realmente a ntenção de reduzir as despesas públicas; mas, no próprio decreto que publicou antecipando-se à autorização parlamentar, o Govêrno, Como há pouco muito bem disse o Sr. Cunha Leal, revela quais as economias que pode fazer.
Todos sabem que, além das subvenções ao funcionalismo público civil e militar, as outras despesas votadas pelo Parlamento anteriormente a Junho de 1920, são uma cousa insignificante.
Mas há outras despesas que são daquelas que mais escandalizam a opinião pública, como a que resulta do escândalo dos 30 suplementos ao Diário do Govêrno de 10 de Maio de 1919.
Não, seria esta a despes que primeiro estaria indicada para ser suprimida?
Pois o Govêrno no n.° 1.° da alínea a do artigo 1.° dêste decreto preceitua só a partir de 1de Julho de 1920, quando não há o perigo de ir tocar nesses suplementos de bodo aos defensores da República.
O Governo, como está demonstrado, não quere de nenhuma maneira reduzir ou suprimir as despesas criadas pelos 30 suplementos ao Diário do Govêrno dê 10 de Maio de 1919.
O Govêrno não sabe o que há-de fazer em matéria de economias e pede uma autorização para, fazer uma cousa que êle não sabe o que é.
O Sr. Cunha Leal já disse há pouco, e muito bem, que só se explicava o pedido desta autorização pela muita vontade que o Sr. Presidente do Ministério teria de abandonar as cadeiras do Poder.
De facto é essa a conclusão a que temos do chegar.
O Sr. Presidente do Ministério, obedecendo a um dos seus órgãos oficiosos, O Século, quere pôr a questão nestes termos.
Sr. Presidente: eu desejo pôr a questão nos termos verdadeiros.
Não tem dinheiro o Govêrno para as despesas do Estado, e precisa alargar a circulação fiduciária, mas vem pedir ao
Parlamento que, à pressa, lhe vote esta autorização, porque votada ela, nem mais uma nota emitirá.
Isto manda dizer o Sr. Presidente do Ministério em nota para os jornais.
Manda uma nota dizendo que não emitirá mais notas.
Risos.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): — Isso é que é obstrucionismo!
Àpartes.
O Orador: — Eu vou mostrar á V. Exa. como faço obstrucionismo.
Tenho de dizer a V. Exa. que não é missão do Parlamento ser o que V. Exa. deseja que êle seja: uma fábrica de leis.
Declaro com a maior sinceridade que desde o momento que me seja apresentada uma medida nesta Câmara que eu julgue prejudicial ao meu País, o meu dever é fazer obstrucionismo.
Àpartes.
Se desde o princípio da República não tivesse havido acordo entre QS partidos republicanos para fazer Governos de concentração, não teria sido possível publicar êsses célebres 30 suplementos, e se os partidos se tivessem fiscalizado uns aos outros, não chegaríamos a situação em que nos encontramos.
Apoiados.
Por isso é com muito orgulho que declaro que faço sempre oposição a qualquer medida que julgue prejudicial ao País.
Àpartes.
Há alguns Srs. Deputados que não falam senão nas datas históricas da República, naturalmente porque são todos republicanos históricos.
Risos.
Àpartes.
Mas, Sr. Presidente, o que é verdade é que o Govêrno, apresentando a sua proposta, não podia desejar senão que o Parlamento abdicasse por completo das suas funções.
O Sr. Presidente do Ministério disse há pouco que não se atrevia a dar conselhos a ninguém.
Também eu não me atrevo a dar conselhos a ninguém.
Mas parece-me que melhor andaria
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S. Exa. confessando que se sentia incapaz de governar e abandonando, por isso, as cadeiras do Poder para que outros mais competentes as ocupassem, se os houvesse, e digo se os houvesse, visto que ainda há pouco ouvi dizer ao Sr. Moura Pinto que a única razão justificativa da permanência dêste Govêrno no Poder era a impossibilidade de os outros partidos assumirem o Poder.
O Sr. Moura Pinto: — O que eu disse foi que o Sr. Presidente do Ministério com a sua proposta procurava demonstrar essa impossibilidade.
O Orador: — Neste momento a crise não é de Governos, mas sim de regime...
Quem há-de substituir este Govêrno dentro duma solução constitucional?
O Partido Democrático?
Mas o Partido Democrático demonstrou a sua falência mais completa quando declarou aceitar o Poder, e teve de desistir por não encontrar um Ministro das Finanças,
O Partido Nacionalista não pode governar e disso é prova a sua última tentativa.
O que resta pois?
Uma coligação entre os Partidos Democrático e Nacionalista?...
O Sr. Presidente: — Deu a hora de se passar ao período de antes de se encerrar a sessão.
V. Exa. deseja ficar com a palavra reservada?
O Orador: — Sim, senhor.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, com a seguinte ordem de trabalhos.
Antes da ordem do dia: A que estava marcada.
Ordem do dia:
A que estava marcada e mais o parecer n.° 649, que autoriza o Govêrno a suspender a execução de qualquer diploma enviado do Poder Legislativo de que resulte aumento de despesa.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Substituições em comissões
Comissão de comércio e indústria: Substituir o Sr. José Domingues dos Santos pelo Sr. Tôrres Garcia.
Para a Secretaria.
Comissão de instrução, especial e técnica:
Substituir o Sr. José Domingues dos Santos pelo Sr. João Camoesas.
Para a Secretaria.
Comissões de saúde o assistência pública:
Substituir o Sr. Maximino de Matos pelo Sr. António Mendonça.
Para a Secretaria.
Projecto de lei
Do Sr. Ornelas da Silva, isentando de direitos e quaisquer impostos o material a importar para a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Angra do Heroísmo.
Para o «Diário do Governo».
Do Sr. Carlos Olavo, isentando de manifesto os capitais em letras compreendidos no n.° 3.° do artigo 3.° do decreto n.° 8:719, e obrigando os portadores dessas letras a darem relações, até ao fim de cada semestre, das protestadas no semestre anterior.
Para o «Diário do Governo».
Propostas de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, autorizando o Govêrno a suspender a execução de qualquer diploma emanado do Poder Legislativo de que resulte aumento de despesa.
Aprovada a urgência e dispensa do Regimento.
Dos Srs. Ministros das Finanças e Interior, alterando o artigo 1.° da lei n.° 1:356, de 15 de Setembro de 1922, sôbre vencimentos da polícia cívica.
É aprovada a urgência.
Para a comissão de administração pública.
Para o «Diário do Governo».
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Parecer
Da comissão de guerra, sôbre o n.° 606-E, que concede às viúvas e órfãos de oficiais, em designadas condições, a pensão mensal de 30 e os benefícios das leis n.os 880 e 1:311.
Para a comissão de finanças.
Requerimentos
Requeiro que pelo Ministério do Trabalho (Direcção Geral dos Hospitais Civis de Lisboa) me sejam fornecidas, com a possível urgência, as seguintes informações:
a) Movimento hospitalar em cada hospital de Lisboa, nos anos de 1912, 1913,
1921, 1922 e 1923;
b) Importância despendida com pagamento ao pessoal nos mesmos anos;
c) Importância despendida com medicamentos nos mesmos anos;
d) Importância despendida com a alimentação dos doentes nos mesmos anos;
e) Número de enfermeiros, serventes e outro pessoal menor nos mesmos anos;
f) Total dos orçamentos, ordinário e extraordinário, nos seguintes anos económicos: 1913-1914, 1920-1921, 1921-1922, 1922-1923. — Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério dá Guerra me sejam fornecidas, com a possível urgência, as informações seguintes:
a) Importância até hoje inscrita nos sucessivos orçamentos para o Parque da Administração Militar e se têm sido sacadas todas as referidas importâncias ;
b) Se a importância de 343.600 inscrita no capítulo 24.° da despesa extraordinária do ano de 1923-1924, foi totalmente sacada e qual o fundamento para
a inscrição de 280.000$ no capítulo 17.° da despesa extraordinária do futuro ano de 1924-1925;
c) Em que unidades funcionam as escolas primárias dos regimentos;
d) Qual o rendimento dos fundos para a instrução nos últimos três anos económicos.— Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, me sejam fornecidos exemplares, impressos ou cópias de todos os relatórios ou comunicações apresentados à Conferência de Praga pelo delegado português Sr. Augusto de Vasconcelos.
Igualmente requeiro que me sejam fornecidos exemplares ou cópias dos relatórios até hoje presentes à Sociedade das Nações pelos delegados portugueses.
7 de Fevereiro de 1924, — Nuno Simões.
Expeça-se.
Requeiro que pelo Ministério do Trabalho, de cujo orçamento sou relator, me seja indicada a despesa orçamentada para as obras a seguir mencionadas e as prestações já recebidas; também requeiro que mó sejam sumariamente indicadas as alterações ao plano primitivo e as conseqüências financeiras resultantes.
As obras a que me refiro são:
a) Novo Manicómio de Lisboa;
b) Maternidade de Lisboa Dr. Alfredo Costa;
c) Reconstrução do edifício da Praça do Comércio;
d) Manicómio Sena, de Coimbra.— Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
O REDACTOR—Sérgio de Castro.