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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 40

EM 20 DE FEVEREIRO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Hermano José de Medeiros

Sumário.— Respondem à chamada 35 Srs. Deputados.

Procede-se à leitura da acta, que adiante é aprovada com número regimental.

Expediente.

Antes da ordem do dia- — Continua em discussão o parecer n.° 442.

Usa da palavra o Sr. Tôrres Garcia, que requere que o parecer aguarde a discussão da reorganização do exército, apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra.

Sôbre o modo de votar falam os Srs. Carlos Pereira, Pires Monteiro e Tôrres Garcia, que declara que se trata de uma proposta.

É admitida.

A seguir fala o Sr. Pires Monteiro, ficando com a palavra reservada.

Os Srs. Jorge Nunes, Pires Monteiro, Cunha Leal, Hermano de Medeiros e Marques Leitão fazem declarações sôbre a votação do projecto de amnistia.

Ordem do dia. — Interpelação do Sr. Cunha Leal ao Sr. Ministro das Colónias, ficando o orador com a palavra reservada.

Antes de se encerrar a sessão.— O Sr. Tavares de Carvalho refere-se a uma proposta para fornecimento de farinha.

O Sr. Ministro da Agricultura (Azevedo Gomes) responde ao Sr. Tavares de Carvalho, que volta a usar da palavra para explicações.

É encerrada a sessão e marcada a seguinte para o dia imediato.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão.— Ultimas redacções. Um parecer.

Abertura da sessão às 15 horas e 31 minutos.

Presentes à chamada 66 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 66 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abílio Marques Mourão.

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Ferreira Vidal.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto de Moura Pinto.

Alberto da Rocha Saraiva.

Albino Pinto da Fonseca.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Dias.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Pais da Silva Marques.

António de Paiva Gomes.

António Pinto de Meireles Barriga.

António Resende.

António de Sousa Maia.

Artur Brandão.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Delfim Costa.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Cruz.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Hermano José de Medeiros.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Jaime Pires Cansado.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Estêvão Águas.

João de Ornelas da Silva.

Joaquim António de Melo e Castra Ribeiro.

Joaquim Dinis da Fonseca.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Carvalho dos Santos.

José Cortês do Santos.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José Pedro Ferreira.

Lourenço Correia Gomes.

Lúcio de Campos Martins.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Manuel Ferreira da Rocha.

Mário de Magalhães Infante.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Nuno Simões.

Pedro Góis Pifa.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.

Tomás de Sousa Rosa.

Tomé José de Barros Queiroz.

Vergílio da Conceição Costa.

Vergílio Saque.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Afonso de Meio Pinto Veloso.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Lelo Portela.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Álvaro Xavier de Castro.

Amaro Garcia Loureiro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

António de Abranches Ferrão.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Correia.

António Ginestal Machado.

António Lino Neto.

António Maria da Silva.

António Mendonça.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur de Morais Carvalho.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

Carlos Cândido Pereira.

Carlos Olavo Correia do Azevedo.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Martins de Paiva.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Dinis de Carvalho.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Jaime Júlio de Sousa.

João José da Conceição Camoesas.

João Pereira Bastos.

João Pina de Morais Júnior.

João Vitorino Mealha.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Serafim de Barros.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

José de Oliveira Salvador.

Júlio Gonçalves.

Júlio Henrique de Abreu.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Alegre.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Duarte.

Manul de Sousa Dias Júnior.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Paulo Cancela de Abreu.

Pedro Augusto pereira de Castro.

Vasco Borges.

Ventura Malheiro Reimão.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Henriques Godinho.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso Augusto da Costa.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Xavier.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Américo da Silva Castro.

António Albino Marques de Azevedo.

António Vicente Ferreira.

Augusto Pereira Nobre.

Augusto Pires do Vale.

Bernardo Ferreira de Matos.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Custódio Maldonado de Freitas.

David Augusto Rodrigues.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

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Domingos Leite Pereira.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Feliz de Morais Barreira.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Germano José de Amorim.

Jaime Duarte Silva.

João Baptista da Silva.

João José Luís Damas.

João Luís Ricardo.

João Salema.

João de Sousa Uva.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

Joaquim Brandão.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Jorge Barros Capinha.

José António de Magalhães.

José Domingues dos Santos.

José Marques Loureiro.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel de Sousa da Câmara.

Manuel de Sousa Coutinho.

Mariano Rocha Felgueiras.

Maximino de Matos.

Paulo da Costa Menano.

Paulo Limpo de Lacerda.

Rodrigo José Rodrigues.

Sebastião de Herédia.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Valentim Guerra.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

O Sr. Presidente (às 15 horas e 30 minutos): — Estão presentes 55 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Do Ministério da Marinha, satisfazendo ao requerimento do Sr. Nuno Simões, relativo ao ofício n.° 132.

Para a Secretaria.

Do Ministério das Colónias, enviando cópia de um telegrama sôbre a eleição
de um Deputado pelo círculo 45— Angola.

Para a comissão de verificação de poderes.

Do Ministério da Guerra, com documentos pedidos em ofício n.° 135, para o Sr. José Cortês dos Santos.

Para a Secretaria.

Do mesmo, com documentos pedidos em oficio n.° 149, para o Sr. Pires Monteiro.

Para a Secretaria.

Do Núncio Apostólico, agradecendo o voto de congratulação desta Câmara pelo aniversário da coroação de Sua Santidade Pio XI.

Para a Secretaria.

Do juiz do distrito da Figueira da Foz, pedindo autorização para o Sr. Rêgo Chaves ser perito.

Concedido.

Comunique-se.

Para a comissão de infracção e faltas.

Telegrama

Do delegado em Montemor-o-Velho, pedindo para não ser aprovada uma proposta referente à Misericórdia de Tentugal.

Para a Secretaria.

Representação

Dos agentes das companhias de navegação, reclamando contra uma emenda apresentada no Senado ao artigo 29.° da actual lei do solo.

Para a comissão de marinha.

Antes da ordem do dia

Continua em discussão o parecer n.º 442, considerando em vigor a doutrina dos artigos 10.° e 11.° da lei n.° 415 de 10 de Setembro de 1915, desde a data em que esta deixou de ter os seus efeitos.

O Sr. Tôrres Garcia: — Sr. Presidente: eu já tive ocasião de pôr em relevo as altas qualidades e os esfôrços feitos pelo Sr. Ministro da Guerra e os seus colaboradores em prol da melhoria da situação moral e material do exército, e assim vou

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entrar no assunto, desejando, em primeiro lugar, fazer uma declaração bem sincera e bem exacta. É a de que, com as palavras que vou proferir, não quero de maneira nenhuma negar direitos à classe dos sargentos.

Como tenho tido um certo interêsse pelos assuntos que dizem respeito ao bom funcionamento do exército, não quero deixar de apresentar a minha opinião sôbre o assunto.

Sr. Presidente: não havendo nas minhas palavras a menor desconsideração para com os meus colegas nesta Câmara, eu devo dizer em abono da verdade que, se soubesse que por parte dos meus colegas não se apresentaria um conjunto de medidas e vantagens que são necessárias para essa classe do exercito, eu não teria duvida alguma em apresentar um contra-projecto estabelecendo certas garantias para a classe dos sargentos, pois entendo que é natural a aspiração manifestada por essa classe, qual seja a da promoção, aspiração essa que têm todos os militares.

Acho, Sr. Presidente, essa aspiração muito justa, e o meu desejo seria que os sargentos do exército, depois de três anos no pôsto, pudessem ser admitidos aos concursos de admissão às escolas militares, pois seria essa a forma de termos criaturas de apreciável cultura militar e que poderiam prestar muito bons serviços.

Sr. Presidente: eu não posso deixar de protestar, até certo ponto, contra algumas afirmações descabidas feitas aqui pelo ilustre Deputado Sr. Lourenço Correia Gomes, pois não se compreende de maneira nenhuma que se diga que os oficiais têm o propósito de amesquinhar a classe dos sargentos.

Isto, Sr. Presidente, não é verdadeiro; pois a verdade é que, tendo estado no exército três anos, pelo motivo da guerra, nunca vi que os oficiais tivessem menos consideração pelos seus camaradas da classe dos sargentos, antes pelo contrário.

Eu devo dizer, Sr. Presidente, que a falta de promoções no quadro dos sargentos não prova que a classe tenha sido prejudicada, pois a verdade é que, devendo a escala ser feita de dois para um, ela está invertida de um para dois, de maneira que desta forma não há possibilidade alguma de dar mais promoções aos sar-

gentos porque êles se encontram já em situação de favor.

Devia dar-se-lhes uma percentagem elevada, que podia ir até um têrço, das vagas ocorridas no funcionalismo público, desde a categoria de contínuos até às de terceiros oficiais, conforme as habilitações.

Isto era tanto mais necessário quanto é certo que a legislação que diz respeito à preparação de sargentos milicianos está absolutamente posta de parte e inexeqüível nos termos em que foi aprovada.

Sr. Presidente: o Sr. Lourenço Correia Gomes disse que ao tratarmos desta questão devemos pôr os olhos nos altos interêsses da Pátria para que bem a possamos defender.

Eu devo dizer a S. Exa. que quem estava e está no melhor campo sou eu, porque, pelo meu critério, à Pátria são dados os necessários elementos de defesa nos momentos perigosos.

De resto, Sr. Presidente, aos sargentos deve ser concedida a faculdade de entrarem nas escolas militares, desde que façam o seu concurso de admissão, ficando com os mesmos direitos dos oficiais teóricos após a prestação dessa prova.

Isto não é novo, porque já foi feito em França quando se pretendia dar toda a eficiência à arte militar e aquele elan, aquele espírito militar, aquela grandeza de alma que é necessário que tenha todo aquele que se bate.

Aqui o que se pretende fazer é abrir uma excepção, é calcar os princípios da democracia, cujo estatuto fundamental manda que as leis sejam iguais para todos.

Mas, como pode isto deixar de assim ser se a República não é servida pelos republicanos?

Também, o Sr. Correia Gomes disse que a Câmara dos Deputados tinha votado a lei dos coronéis beras.

Não foi a Câmara dos Deputados que o fez; foi a 2-.ª Repartição dos Serviços Administrativos do Exército. A lei n.° 1:239, mesmo depois de revogada, não dava direito aos vencimentos. Assim opinara a Procuradoria Geral da República no parecer que o ano passado li à Câmara.

E foi a 2.ª Repartição da Direcção Geral dos Serviços Administrativos, dirigida
pelo Sr. coronel Roxo, da Administração Militar, que tinha sido promovido por

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efeito da lei n.° 1:239, que levou ao Sr. Ministro da Guerra Correia Barreto uma informação dizendo que os oficiais tinham direito ao vencimento do pôsto.

O Sr. Ministro da Guerra despachou favoravelmente, e o Sr. coronel Roxo depois de feita a esperteza decretou que fossem pagos os vencimentos. E até quando o Sr. coronel Roxo mostrava ter hesitação em o fazer, lhe foi dito dentro do seu gabinete que fôsse para a frente, porque a Câmara dos Deputados era uma corja de imbecis.

De maneira que demonstra-se que, neste capítulo, a Câmara dos Deputados não tem responsabilidade alguma, cabendo esta a uma Repartição do Ministério da Guerra, cujo procedimento devia ter acarretado uma sanção imediata e grave.

Se continuamos por êste caminho, destruiremos a eficiência do Exército Português.

Não temos elementos para lhe dar instrução, nem de ordem moral nem de ordem material. Temos o quadro de oficiais pejado, absolutamente a deitar por fora, circunstância essa que tem provocado da parte da opinião pública uma reacção desfavorável contra as instituições militares, apodando-as de lesivas das finanças públicas, de cancro corroïdor das disponibilidades do País e de elemento de distruição de vida financeira do Estado.

Desde que a casta militar desapareceu pelo decreto orgânico de 1911, nós não podemos fazer nada, absolutamente nada, que separe o exército da Nação, que desprestigie o exército aos olhos da Nação, porque hoje o exército é a expressão completa da nacionalidade.

Vamos agora agravar o mal, e custa-me que assim seja, quando outros processos haveria de dar regalias à classe reclamante, sem ser através de uma promoção feita um pouco à fortiori, embora tenha aspectos de justiça. E, assim, nunca nos libertaremos do contrapeso dos supranumerários dentro dos quadros e, o que é mais grave, deixaremos de ter aquela reserva de sargentos que, em outra função, agiria automaticamente como elemento de rejuvenescimento, de garantia e conservação dos quadros em campanha. Vamos, mesmo, inutilizar a aspiração que deve existir nessa classe e que eu traduzo no meu contra-projecto, fazen-do-os oficiais com os mesmos direitos que todos os outros, podendo ombrear dignamente com todos os outros, nunca podendo estar em condições de inferioridade.

Não se diga que a questão dos quadros não deve merecer o máximo cuidado do Parlamento. A política militar de uma Nação é hoje ditada pelo seu organismo próprio, pelo Parlamento, e nós, fazendo o que vamos fazer, vamos inutilizar a preparação dos bons quadros. A intervenção do sargento é permanente e contínua na condução dos homens.

Para conduzir homens numa situação de perigo imediato, em que a carne se defende, é preciso ter uma grande autoridade moral, um absoluto virtuosismo, para os levar a cumprir o seu dever.

Já tive ensejo de declarar nesta casa do Parlamento, fundamentado nas melhores opiniões de militares ilustres, que a guerra é um mero incidente moral, é uma questão moral. Vê-se o que tem mais fôrça de vontade, mais disciplinada vontade, maior brio, maior educação, maior virtude. Rebentamento de granadas, de petardos, fusilaria, são incidentes de ordem material, como o descarrilamento de um eléctrico ou qualquer outra cousa de natureza física.

A questão é assim para homens como eu, que não temem essas cousas. De modo que se nós necessitamos de preparar homens para conduzir outros homens para o cumprimento de um dever tam doloroso, sob o ponto de vista moral e físico, temos da cuidar da preparação a dar a esses condutores de homens.

Relato à Câmara uma passagem que eu vi na batalha de 25 de Julho, ferida entre o 4.° exército francês e o exército alemão, na Champagne, feito de guerra que eu considero, de todos os que conheço, o mais brilhante. O comando francês, sabendo da hora em que ia ser feito o ataque alemão, ordenou a retirada de todas as suas tropas que ocupavam as primeiras e segundas linhas, reforçando consideràvelmente a artilharia.

À hora precisa em que o boche ia tentar o ataque lançou uma barragem intensa nas primeiras linhas que estavam balizadas por grupos de soldados comandados por sargentos, todos munidos de aparelhos de telegrafia óptica, de foguetões o outros processos de comunicação,

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pelos quais iam fazendo a indicação do avanço do inimigo, indo no fim retinir-se ao grosso das tropas com perdas, é certo, mas abrindo através das colunas inimigas a sua passagem à baioneta.

Tal é o espírito que sempre animou os sargentos e os cabos daquele exército.

Eu conheço bem a importância que essas classes têm nos quadros do exército, e, como conheço bem o assunto, não poderia ser desprimoroso para a classe dos sargentos.

O que eu queria é que o assunto se resolvesse dentro da justiça e que não ficassem prejudicados como estou a ver que são.

Sr. Presidente: é sempre muito perigoso, tomar qualquer resolução em que se intrometa a política.

Vou terminar lamentando profundamente que a classe dos sargentos não procurasse uma oportunidade para, definitivamente conseguir os seus fins,

Tiveram os sargentos maus defensores, péssimos defensores.

Mantenham-se os sargentos dentro das suas atribuições e esperem que a Câmara dos Deputados não lhes negará o que desejam, assim êles, como sempre o têm feito, sirvam o exército com dedicação e zelo.

Mão quis a classe dos sargentos, tal era a quimérica ilusão, não quis o têrço, e afinal, não aproveitando o têrço, nada têm, mas não podia, Sr. Presidente, ser o que aqui se diz, pois daqui a cinco anos os quadros eram quási na totalidade formados por oficiais práticos.

Nós não temos tido a° coragem de ver o problema como deve ser.

Essa classe sempre tem defendido a Pátria e a República, e oxalá que não perca a oportunidade para se resolver o problemas como deve ser.

Eu entendo que esta questão devia ser tratada quando da organização do exército apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra, e assim formulo o meu requerimento.

O Sr. Carlos Pereira: — Parece-me que o requerimento não pode ser recebido na Mesa.

Apoiados.

Tanto mais que foi justificado, o que não é permitido pelo Regimento.

Apoiados.

O Sr. Pires Monteiro: — Sou da opinião que o Sr. Carlos Pereira acaba de expor.

O requerimento do ilustre Deputado não tem ligação alguma com o assunto que se discute, com o assunto em debate.

Eu julgo que a Câmara não pode aceitar êsse requerimento.

O orador não reviu.

O Sr. Tôrres Garcia: — Na verdade, Sr. Presidente, ao terminar as minhas considerações referi-me ao requerimento; porém, do que se trata é de uma proposta, conforme V. Exa. poderá verificar.

O Sr. Presidente: — Vai ler-&e a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Tôrres Garcia.

Foi lida, admitida e posta em discussão.

O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: serei breve e em primeiro lugar eu não posso deixar de prestar as minhas homenagens ao Sr. Ministro da Guerra, pois a verdade é que S. Exa. tem trazido a esta Câmara uma série de propostas de lei com as quais podemos não concordar, mas que é justo que lhe prestemos homenagem pelo seu trabalho.

Bom será que o Sr. Ministro da Guerra consiga que a comissão de guerra empregue os mesmos esfôrços no estudo dessas propostas.

Sr. Presidente: poderia limitar-me a dar o meu voto contrário ou favorável á proposta de lei em discussão, mas entendo que devo assumir a responsabilidade dos meus actos.

Alguns Deputados que falaram sôbre êste projecto são absolutamente contrários a êle, porém eu devo dizer que êle é digno de aprovação, pois a verdade é que não é a altura de seguirmos um ramo diverso daquele que até aqui temos tido.

Não apoiados.

Eu, Sr. Presidente, tenho autoridade para falar.

O Sr. António Maia: — Uma asneira não justifica outra.

Não se compreende, Sr. Presidente, que a Câmara faça uma asneira, que a reconheça, e que tenha de a manter.

O Orador: — Sr. Presidente: não me incomodam os apartes dos ilustres Deputados, pois a verdade é que se S. Exa.

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quisessem prestar atenção às considerações que vou fazer, não poderiam deixar de dar razão aos argumentos que estou produzindo, pois eu falo aqui com inteira independência porque não faço parte de qualquer agrupamento político e sou incapaz de ceder a princípios que não sejam unicamente os que me inspira a minha consciência.

Eu tenho sempre votado nesta Câmara, contra projectos que não considero justos e merecidos.

Eu tenho autoridade para afirmar que há necessidade do se aprovar esta proposta de lei, não por qualquer coacção, que nós Todos não podemos aceitar, mas porque ela se impõe.

Eu apresentei, desde o princípio da sessão legislativa, uma série de projectos, que considero necessários, mas que ainda não foram discutidos.

Eu considero todas as pressões, mas entendo que não é êste o momento para retirar esta proposta da discussão, tanto mais que as suas conseqüências não tem comparação com outras que têm sido aprovadas nesta Câmara.

Sr. Presidente: é necessário levantar algumas das considerações que foram feitas nesta Câmara, e que não correspondem à verdade dos factos.

Disse o Sr. António Maia, referindo-se ao assunto em discussão, que o Sr. Ministro da Guerra tinha feito afirmações extraordinariamente graves.

Creio que as afirmações a que S. Exa. se referiu estão defendidas pelos respectivos factos.

Nós não podemos aceitar qualquer ameaça que nos seja feita, mas é certo também que a proposta em discussão espera há mais de um ano a sua aprovação, e não se tem manifestado nenhum facto anormal por parte da respectiva classe, que espera a satisfação das suas aspirações, não se podendo pois dizer que a aludida classe se manifesta por qualquer coacção.

Não é pois verdade se se disser que êste projecto vem à discussão acompanhado de quaisquer pressões, e que, se nós o aprovarmos, obedecemos a qualquer coacção, por que êsse facto não pode ser justificado.

Interrupção do Sr. Tôrres Garcia, que não foi ouvida, devido ao sussurro que havia na sala.

O Orador: — Conseqüentemente não há nem pode haver nesta Câmara quem possa acreditar que não sejam justas as reclamações para a aprovação da proposta que se discute, e ninguém nesta Câmara pode discordar da justiça das reclamações a que visa a proposta.

Àpartes.

Conseqüentemente têm sido menos justas as afirmações que têm sido feitas sôbre o carácter partidário da proposta.

Àpartes.

Eu chamei a atenção do Sr. Ministro da Guerra para o facto de ainda não ter sido aprovada esta proposta e outras de interesse geral, e projectos de organizações que são necessários á disciplina, vida e aperfeiçoamento das instituições militares, e que não são por esta proposta atingidos.

Sr. Presidente: eu por mim vejo que apresentei projectos de interêsse geral, há mais de um ano, e que pão tem ainda parecer da comissão de guerra.

A êsse respeito chamei a atenção dos Srs. Deputados, membros da referida comissão, mas o que é certo é que ela ainda não estudou êsses projectos, que aliás são absolutamente necessários ao exército.

Àpartes.

Interrupção do Sr. António Mata, que não foi possível ouvir.

O Orador: — Não posso deixar de lamentar ainda que não tenha sido dado parecer a, um projecto que já apresentei há muito tempo, relativo à passagem de armas.

A Câmara sabe a insuficiência que há em alguns quadros do exército.

Pois muito bem: há mais do dois anos tive a honra de apresentar um projecto que teve o apoio do Sr. Vicente Ferreira, e que tratava da passagem de armas, e ainda a respectiva comissão de guerra lhe não deu parecer.

Apresentei projectos sôbre bases para reorganização do exército e promoções.

Àpartes.

Também êsses projectos ainda não têm parecer.

O Sr. Presidente: — É a hora de se passar à ordem do dia, e se V. Exa. não deseja dar por terminadas as suas consi-

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derações, reservo-lhe a palavra para a sessão seguinte.

O Orador: - Peço a V. Exa. que me reserve a palavra, pois tenho ainda algumas considerações a fazer.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Maia não fez a revisão dos seus «àpartes».

O Sr. Presidente: — Fica V. Exa. com a palavra reservada.

Vai pasmar-se à ordem do dia.

O Sr. Jorge Nunes (sobre a acta): — Sr. Presidente: eu tenho sido durante a a minha vida pública e privada absolutamente tolerante para com todas as questões religiosas ou políticas, e é assim que tenho votado. Mas agora tenho a fazer a declaração seguinte: se tivesse assistido ontem à parte da sessão em que se votou a amnistia, eu não a votaria, porque não compreendo que se vote uma amnistia a homens que intervieram em acontecimentos que ainda não estão perfeitamente esclarecidos, permitindo que se possam continuar a lançar sôbre nós suspeitas caluniosas.

O orador não reviu.

O Sr. Pires Monteiro (sobre a acta): — Sr. Presidente: permita-me V. Exa. e a Câmara que eu declare que, se estivesse presente na sessão de ontem, em que foi votado o projecto de amnistia, visto que sôbre êle incidiu votação nominal, teria votado contra êsse projecto, por o julgar inoportuno.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal (sobre a acta): — Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para declarar que se estivasse presente na sessão de ontem teria rejeitado o projecto de lei da amnistia que foi votado nesta casa do Parlamento.

O orador não reviu.

O Sr. Hermano de Medeiros (sobre a acta): — Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer idêntica declaração às anteriores. Não pude assistir ao final da ses-

são de ontem, mas, se estivesse presente, não votaria o projecto de lei da amnistia.

O orador não reviu.

O Sr. Marques Leitão (sobre a acta): — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que, só estivesse presente na sessão de ontem, teria votado a amnistia.

O Sr. Presidente: — Não havendo mais quem peça a palavra, vai votar-se a acta. Os Srs. Deputados que aprovam queiram levantar-se.

É aprovada.

Dá-se conta do expediente que dependia da resolução da Câmara.

O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na

ORDEM DO DIA

Interpelação do Sr. Cunha Leal ao Sr. Ministro das Colónias

O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: nos últimos dias têm-se passados factos extraordinários em Lisboa. A pretexto, não daquela verdadeira ditadura que está exercendo o Poder Executivo como manifesto rebaixamento do Poder Legislativo, a pretexto não dessa ditadura, mas duma outra ditadura que se diz andar no ar, e os patriotas têm-se exaltado furiosamente, condenando não o seu amor à Constituição, mas sim o seu amor à ditadura vermelha.

É assim que êles se têm manifestado e, a propósito ou a despropósito de certos actos de homens públicos, têm-se lançado sôbre êles todas as calúnias, tem-se remexido toda a lama, tem-se basculhado a intimidade dos homens públicos, tem-se procurado encontrar qualquer cousa com que os salpicar.

Antes de mais nada pregunto eu à minha própria consciência de onde terá derivado toda esta efervescência, o que terá determinado todo êste levamento colossal de opinião.

Examinando os factos ocorridos na vida portuguesa, sou levado a fazer esta primeira e fundamental afirmativa: é que tudo quanto se tem passado anda à volta da interpelação que me propus fazer. (Apoiados da direita, não apoiadas da esquerda).

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Compreendo que os meus colegas nesta casa do Parlamento tenham sôbre o caso as mais diversas opiniões, mas eu não vim acusar ninguém por esta circunstância: eu vim constatar um facto tal qual o vejo com os meus olhos. Ainda não acusei ninguém nesta Câmara de ter determinado o facto; constatei apenas a coincidência.

Logo que houve a promessa de discussão sôbre o resultado da política dos Altos Comissários nas suas respectivas províncias, eu vim aqui fazer uma interpelação, estabelecendo-se uma verdadeira remoção de lama que vinha do mais íntimo da sociedade portuguesa.

Não acuso ninguém; verifico, apenas, a simultaneidade de dois fenómenos!

Dito isto, quero significar a V. Exa. que, pela simples circunstância de se reunirem nesta sala homens de todas as proveniências sociais, e de todos os credos políticos, não me surpreende que esta interpelação seja recebida apaixonadamente.

Há dias que se vinha anunciando o facto, e eu cheguei a ter o receio de que alguém supusesse que eu, homem que respeito todas as religiões, embora, e infelizmente com mágoa o confesso, não tenha fé suficiente para professar nenhuma, quisesse beliscar um Deus ou macular uma divindade.

Parece que nesta terra de democracia, em que tanto se fala contra a ditadura e em que tanto se invoca a liberdade, é proibido discutir não malèvolamente a pessoa de quem quer que seja, mas que é proibido examinar os seus actos, examiná-los serenamente, sem recorrer a calúnias que vexam ou infamam, através duma interpelação feita exclusivamente cora a análise dêsses factos, e em que o interpelante será mais do que tudo um leitor de documentos, sem outra paixão que não seja a da defesa dos interêsses nacionais.

Mas parece que alguém entende ser um crime analisar os factos que se passam na nossa administração colonial e daí o julgarem necessário lançar sôbre nós toda a lama infecta na persuasão que com ela nos sufocam.

Miseráveis os homens da minha terra, que avaliam os outros de forma tal que supõem que o cuspir-lhes em cima toda a lama das vielas é o bastante para os obrigar a calarem-se.

Não calculam que êsses homens, quando se sentem vexados, deprimidos, ofendidos, se tornam mais rígidos do que se fossem feitos do mais duro aço.

Vim para esta tribuna não por bravata ou desafio a quem quer que seja, mas para dar razão aos meus detractores e para isso seja-me lícito relembrar uma sessão que em 1918 aqui se realizou.

Era eu Deputado nesta casa do Parlamento, porque ou era Deputado dezembrista. Discutia-se a nossa participação na guerra e malsinou-se a obra do Sr. Norton de Matos! Defendi-o e não o fiz por interêsse, porque o Sr. Norton de Matos era um vencido, estava na terra do exílio, não podia estar presente.

Lamento, nesta hora, de ter de me ocupar de S. Exa., mas prometo ser muito menos lisonjeiro do que fui então. Quero que S. Exa. reconheça em mim, pelo menos, esta qualidade: quando ataco é de cara a cara e quando defendo é na ausência daqueles que são objecto da minha defesa!

Sr. Presidente: o preâmbulo já vai longo, não quero maçar a atenção da Câmara, e vou começar.

A instituição dos Altos Comissariados de Angola e Moçambique na significação de autonomia administrativa e financeira correspondem, não há dúvida, a uma aspiração das respectivas províncias, mas a circunstância de o Poder Executivo ter abdicado nos Altos Comissários uma parte das suas prerrogativas não significa de modo algum que a Metrópole se desinteresse da maneira como é exercida essa autonomia e do modo como é executada essa política administrativa e financeira.

Está previsto na Base 2.ª da Organização Administrativa e Financeira das Colónias a maneira por que a Metrópole exerce essa fiscalização.

Não é extemporânea a minha interpelação, porque ela é necessária, pois ha três longos anos que os Altos Comissários estão nas suas províncias exercendo a sua acção, devendo já ter marcado a sua directriz. Essa acção devia depender das suas qualidades de inteligência e dê as colónias estarem preparadas para o exercício dessa autonomia.

Vou ocupar-me de Angola, embora não esqueça Moçambique, e principiarei pelo estudo da personalidade tam complexa do

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general Sr. Norton de Matos, Alto Comissário daquela província.

E um homem de inteligência e de acção, como personalidade própria; portanto, recaiu bem a escolha na pessoa de Sr. general Norton de Matos, porque, se peca, é pelo excesso de personalidade.

Nunca ninguém, na administração pública, foi ocupar um cargo mais alto com mais liberdade de acção, e talvez com a mesma, noção de responsabilidades, do que o Sr. general Norton do Matos.

Distribuía dinheiro aos montões como fidalgo arrumado que nas suas mãos tivesse a cornocópia da abundância. Distribuía dinheiro a rodos, principalmente pela sua clientela!

Êste exagero de personalidade levou o Sr. Norton de Matos sem ofensa o digo a verdadeiros ridículos.

Incomodando sobremaneira o Sr. Norton de Matos ver a sua obra apreciada num sentido menos elogiativo, começou S. Exa. logo de entrada, a lutar por que maiores poderes fossem depostos nas snas mitos.

O Alto Comissário de Angola queria as mãos absolutamente livres não só para executar, mas para legislar.

O conselho legislativo da província era um escolho que podia de alguma forma embaraçar a sua acção, e daí a sua luta junto do Sr. Ferreira da Rocha, para que na pessoa do Alto Comissário se concentrassem todos os poderes numa verdadeira ressurreição de Césares romanos.

O Sr. Ferreira da Rocha opõe-se terminantemente a tais propósitos e o Alto Comissário vê-se obrigado, nesse ponto, a submeter-se.

Por outro lado o Alto Comissário de Angola pão compreende a sua obra sem o elogio constante das suas intenções e dos seus actos.

E então que alguém, como a tentadora serpente da bíblia, convida o Alto Comissário a comprar, em bloco, os favores da imprensa.

Êsse alguém é o Sr. Roberto Carlos da Fonseca, que ama carta de Lisboa para Loanda assim escrevia no Alto Comissário:

Leu.

É claro que o Sr. Roberto Carlos da Fonseca ao mesmo tempo que aconselhava o Sr. Norton de Matos a fazer esta

propaganda e porque é uma pessoa superiormente inteligente, tratava de estabelecer uma agência de publicidade em Loanda na Rua Diogo Cão, a cuja frente estava um funcionário da colónia, um tal Sr. Moreira, e uma outra em Lisboa, onde tinha um funcionário por sua conta.

Havemos de ver como êste Sr. Roberto Carlos da Fonseca, ao longo de toda a propaganda, alguma cousa lucrou com ela.

Ocupando-se dêste assunto da propaganda e publicidade, creio que no passado dia 14, o Sr. Norton do Matos nesta Câmara em termos se não facundos ao menos irados, depois de constatar roubos de documentos, disse, pouco mais ou menos, o seguinte: «A propaganda da província de Angola é absolutamente necessária. Serviços análogos existem em toda àparte do mundo e como são necessários existem verbas inscritas no orçamento da província, verbas pelas quais se pagam, as des-pesas de propaganda, e publicidade».

Não serão por certo as pobres e mesquinhas considerações dum homem que o Sr. Norton de Matos do alto da sua grandeza olha com o deprêzo infinito com que nós outros olhamos para os vermes que se vão arrastando pelos caminhos, não serão, repito, as minhas considerações que levarão o Sr. Norton de Matos a mudar de rota.

Ora eu que poderia ter reduzido, nesse momento ao seu verdadeiro valor as afir-mações do Sr. Norton de Matos, por não estar então na posse segura de todos os documentos, guardei-me para, em face das contas da gerência e dos orçamentos, reduzir as suas afirmações ás devidas proporções.

E como eu possuo um espírito matemático, vou pôr as minhas teses iniciais para depois pôr o quod erat demonstrandum.

Ora sustentei: Primeiro que a tal propaganda de Angola nunca passou da propaganda da inteligência, competência e altas virtudes ao Sr. Norton de Matos, que levaria qualquer homem, que não tivesse de si próprio o conceito que da sua pessoa faz o Sr. Norton de Matos, a mandar sustar, enojado, uma obra que podia ser considerada de subserviência.

Segundo, que nenhuma das despesas dessa propaganda até Hoje por mim apontadas foi paga pelas verbas orçamentais.

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Vamos, portanto, dentro desta orientação matemática fazer a demonstração.

Recordam-se V. Exa. de que quando Ministro das Colónias o Sr. Ferreira da Rocha correu o boato de que S. Exa. iria chamar à Metrópole o Alto Comissário de Angola.

Não conversei a êste respeito com o Sr. Ferreira da Rocha, mas reputo êste boato inteiramente falso. A verdade, porém, é que o simples boato pareceu incomodar as pessoas que, naturalmente para se valorizarem aos olhos do Alto Comissário, julgavam que era indispensável continuar essa obra de subserviência a que há pouco me referi.

Assim como elas verificavam que o jornal de maior tradição republicana, de tam reclamada tradição republicana, O Mundo? que ainda a êsse tempo não tinha em sua volta a sociedade dos seus amigos, mas que já era um enorme jornal republicano, era duma utilidade preciosa no momento em que a personalidade do Sr. Norton de Matos era ameaçada, os seus serviçais não hesitaram em pedir o seu auxílio que o jornal O Mundo lhes prestou. Mas de graça?!

Não, fê-lo e fez bem caro, pois, como já disse à Câmara, só por três ecos levou 7.560$.

Tenho de dar razão ao Sr. Roberto Carlos da Fonseca, quando dizia que os jornais vendiam caro os seus favores, assim como eu tenho razão quando dizia que melhor fôra que S. Exa. o Sr. Alto Comissário pagasse êsses ecos da sua algibeira.

Assim é que estava certo!

Devo dizer a V. Exa. que estou dispôsto à facultar as provas do que afirmo, e que nenhuma afirmação farei que não possa documentar.

Não foi só nêstes três ecos que O Mundo fez o elogio do Alto Comissário, fê-lo também, em três números diferentes de 5, 7 e 9 de Outubro.

Nesses artigos não há senão louvaminhas de baixa qualidade, digo baixa, porque é paga, e, ainda que fôsse de graça, achava que era muito dinheiro.

Parece-me que pouco antes de 19 de Outubro de 1921 era a época em que S. Exa. estava mais em perigo, porque então, V. Exa. não imaginam, o esfôrço da publicidade foi enorme para segurar o Sr.

Norton de Matos contra o Ministro que o ameaçava e de que quatro dias depois se viu livre!

O Mundo publicava na primeira página com o sugestivo título «A circulação fiduciária e a obra do Sr. Norton de Matos» um artigo que vou ler.

Eu não discuto se S. Exa. prestou ou Dão relevantes serviços ao País na participação da Grande Guerra, mas o que eu não compreendo é que êste artigo fôsse escrito por mercenários pagos com p dinheiro de Angola. Isto não está certo; estaria certo se fôsse pago pelo Sr. Norton de Matos, mas mais certo estaria se não fôsse pago por ninguém!

Apoiados.

Mas, continuando, julgam V. Exas. que a imprensa ficou só pelo célebre dia 15?

Não: no dia 15 A Manhã publicava um artigo parecido com os anteriores, com a diferença de ser mais caro 2$ por linha; é claro, preço de amigos!

Risos.

Custou 4.120$!

O Mundo publicava um artigo intitulado «Portugal Maior».

Vejam V. Exas. a ofensiva quê se fazia contra o Ministro de então, o Sr. Ferreira da Rocha.

Esta colossal obra de subserviência deve ter custado mais de um milhar de contos.

Os jornais, quando não tinham mais que fazer, copiavam-se uns aos outros.

Assim o jornal A Imprensa da Manhã copiou o artigo que no jornal O Mundo veio publicado com a epígrafe «O Portugal Maior», em seis dias consecutivos, e recebeu as seguintes quantias: 1.500$, 1.440$, 1.390$, 1.277$, 950$ e 1.440$.

Estas quantias foram generosamente pagas pela Agência Geral de Angola.

Chegou-se ao cúmulo de haver um jornalista que declarou em determinado momento que, quando pretendia arranjar dinheiro, escrevia para certos jornais artigos laudatórios sôbre o Alto Comissário de Angola.

Era certo, no dia seguinte recebia á paga da respectiva agencia.

Só eu fôr chamado a depor em qualquer processo que possa derivar dêste debate, apresentar-me-hei prontamente com testemunhas do que deixo afirmado.

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No final desta questão pedirei que se proceda a um inquérito à maneira como está organizada a contabilidade da província de Angola, e, no depoimento que eu tenha de fazer, indicarei o nome dêsse jornalista, e o de cada uma das testemunhas do facto a que aludi.

Sr. Presidente: para o serviço de publicidade e propaganda da província de Angola ainda se adoptou uma outra fórmula: o subsídio a jornais. Segundo documentos que possuo, o jornal A Vitória recebeu de subsídios, desde 1 de Fevereiro de 1922 a 27 de Julho do mesmo ano, a quantia de 38.400$. Os recibos que se referem às diversas, quantias, que dão aquele produto, indicam que o pagamento é relativo a assinaturas, publicidade e anúncios, mas não se detalham as verbas.

Entregou-se a verba em questão, sem especificação nenhuma.

Mas há mais!

Foi subsidiada com 24 contos A. Revista de Angola.

O pagamento seria feito da seguinte forma: 12 contos seriam entregues à primeira publicação e o restante até à sétima. Fizeram-se três publicações. Uma delas inserindo o retrato do Sr. António José de Almeida, outra inserindo o retrato do Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar e a terceira o do general Sr. Norton de Matos.

Estando gerindo a Agência Geral de Angola o Sr. Roberto Carlos da Fonseca, e, tendo sido feitas apenas três publicações, aquele senhor mandou pagar logo a segunda prestação.

Era director dessa revista o mesmo Sr. Roberto Carlos da Fonseca.

Seria também curioso saber-se quantos exemplares foram comprados pelo Govêrno Geral de um célebre Anuário de Angola, pequeno volume cheio de anúncios. Dizem-me que foram comprados uns mil volumes por 75$ cada um. Não afirmo a veracidade dêstes números, visto que não possuo documentos que a tal me autorizem. Todavia quanto ao preço tenho como certo que a verba foi de 75$.

Não apelo para a contabilidade da Agência Geral de Angola, porque essa é falsificada, como hei-de demonstrar.

Creio estar demonstrado que, nos artigos publicados sob o desígnio de serem para realizar a propaganda da província

de Angola, nunca se fez a publicidade dos recursos da província, nem a atracção de colonos e capitais. O que houve foi uma obra colossal de subserviência perante um homem que é alguém na sua terra, mas que se deixou, pelo menos, enxovalhar pelos seus maus colaboradores.

Mas até onde foi a propaganda?

Foi até ao Brasil, foi até à Inglaterra, foi até à África do Sul.

Na África do Sul há um jornal que é sempre amabilíssimo para com o general Sr. Norton de Matos, quando insere correspondência de um tal Lusitanicus.

E tenho razões para supor que êsse Lusitanicus é o próprio Sr. Alto Comissário de Angola.

Risos.

O Sr. Alto Comissário de Angola escreve os artigos em português e manda-os traduzir para inglês.

Num dêsses artigos vem um trecho que diz assim:

«O Govêrno republicano ante os realistas».

Eu sou suficientemente republicano para dizer que me repugna a idea de que trinta mil portugueses no Ultramar, embora sejam vinte mil vezes mais republicanos do que eu, se julguem no direito de dizer que, se a fórmula monárquica fôr implantada em Portugal, êles proclamarão a independência. A unidade do território português está acima de qualquer causal

Apoiados da minoria monárquica.

Foi-me fornecido em documento escrito pelo punho do Sr. Alto Comissário, que vê o texto do artigo escrito em português.

Estou pronto a mostrá-lo a quem o queira verificar, para mostrar que o tal Lusitanicus é exactamente o Sr. Alto Comissário.

Risos.

Ficando assim demonstrada a primeira parte da minha tese, resta ocupar-me da segunda parte.

A segunda parte é esta:

Diz o Sr. Norton de Matos: existem verbas para pagamento de publicidade e pagamento da província. Por essas verbas foram pagas estas importâncias, por estas verbas foi paga uma despesa, que é legal, que é legalíssima.

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Já demonstrei que não há publicidade e propaganda de Angola, mas sim publicidade e propaganda do Sr. general Norton de Matos.

Sr. Presidente: S. Exa. esqueceu-se de que as verbas a que fiz referência são respeitantes ao orçamento de 1921-1922.

O Sr. Norton de Matos, segundo li no Mundo de 15, teria dito aqui textualmente e digo textualmente, porque suponho que foi êle próprio quem forneceu as notas ao jornal O Mundo, com certeza ainda lembrado daqueles velhos tempos de generosidade da Agência Geral de Angola.

Começa assim:

«Esse serviço não era de forma alguma»...

E disse o Sr. general Norton de Matos ao Sr. Cancela de Abreu, que lamentava não poder fornecer cópia dos documentos pedidos porque êles haviam sido roubados dos processos públicos que se encontravam arquivados.

O Sr. Presidente certamente me há-de permitir que dirigindo-me ao Sr. Cancela de Abreu, lhe diga que o Sr. Alto Comissário não podia fornecer cópia dêstes documentos porque êles nunca existiram em processos públicos, como vou procurar demonstrar.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?

Se bem me recordo, as palavras do Sr. Norton de Matos foram as seguintes:

S. Exa. via-se embaraçado para satisfazer o meu requerimento, no sentido de me serem fornecidos os documentos de publicidade e despesa do Alto Comissariado, porque êles tinham sido roubados, e que, se eu os quisesse consultar, me dirigisse à quadrilha que os tinha roubado. Caso não quisesse dirigir-me a gente dessa laia, tinha de os pedir a V. Exa.

O Orador: — Eu hei-de até ao fim arredar das minhas considerações motivos para uma polémica pessoal, que nada me interessa, pois sou homem que respondo sempre pelos meus actos. Quem quer que neste País me conheça sabe que eu respondo sempre pelos meus actos em todos os campos.

Não digo que, durante o decurso dêste debate, não sejamos conduzidos a isso, mas, emquanto a isso não fôr mais insistentemente provocado, limitar-me hei a ler documentos e a tirar ilações deles.

Se me chamarem para outro campo, seja feita a sua vontade, mas confesso a V. Exa. que muito nos teremos de divertir nesse momento.

Mas, dizia eu: Como é que o Sr. Norton de Matos havia de mandar tirar cópias dos documentos, se êles nunca existiram em processos públicos?

Para tal acontecer, era preciso que no orçamento de 1921-1922 existisse verba para efectuar êstes pagamentos.

Ora, eu tenho presente o orçamento de 1921-1922, que está à disposição de V. Exas., para que me digam se lá encontram cinco réis que seja para despesas de publicidade e propaganda. Desafio V. Exas. a lerem minuciosamente a conta da gerência administrativa do Alto Comissariado, relativa ao ano económico de 1921-1922, e a que me digam se encontram lá alguma verba para despesas daquela natureza»

Mas eu tenho mais documentos para demonstrar a V. Exas. que tudo isto que, digo é verdadeiro.

A conta de propaganda e publicidade, relativa ao mês de Outubro de 1921, importa em 41.488$34. É assinada pelo Sr. Roberto Carlos da Fonseca, e tem a nota de «confidencial».

V. Exas. explicam-me o que é um documento publicamente arquivado com a nota de «confidencial»?

Mas há mais.

Já vimos que o jornal A Vitória recebeu 38.400$. Num dêsses documentos, que marca a importância de 14.200$, há uma requisição que principia:

«Nos termos do decreto...
Pregunto: para que prestar contas directamente ao Alto Comissário se houvesse verba para pagar?

Para que é que todos os documentos referentes a verbas a pagar ao jornal A Vitória têm a nota «conta a prestar directamente a S. Exa. o Alio Comissário»?

Na verdade, se houvesse verba por onde os pagamentos pudessem ser efectuados, não haveria necessidade dêste mistério, que só existe entre cúmplices.

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Reparem V. Exas. como êstes documentos estão escriturados.

Vamos por exemplo ao documento de 20 de Abril de 1922.

Leu.

Nesse documento pôs-se um carimbo que diz o seguinte:

Leu.

Quere dizer, o Sr. Tomás Fernandes faz a requisição e ordena a si próprio o pagamento.

Verifica-se: primeiro, que não é certo que se tivesse mantido um serviço de publicidade e propaganda de Angola, porque o que se fez foi a propaganda do Sr. Alto Comissário; segundo, que não havia verba orçamentada para pagar!

Então de que algibeira saiu êsse dinheiro?

Já agora seja-me lícito, nesta altura, voltar-me para os jornalistas—homens que não são evidentemente os culpados da direcção que as emprêsas dão aos seus jornais, mas homens que têm a sua autonomia mental e a sua dignidade própria para lhes dizer que, se amanhã pretenderem, nesses jornais, estrangular a verdade, lancem o seu grito do revolta de homens de bem, que prezam o seu carácter e dignificam a sua personalidade.

Muitos apoiados.

O Sr. Norton de Matos sintetizou a sua norma de administração no seguinte: «a ordem é rica e os frades são poucos».

Para que me não acusem de parcial, não quero deixar de me referir ao relato que foi roubado ao auditor fiscal de Angola, Sr. Oliveira e Castro, porque nele foi mal tratado o Sr. Alto Comissário, e do qual eu tenho uma cópia.

O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins) (interrompendo o orador): — Êsse relatório não foi roubado. O Sr. Fausto de Figueiredo procurou-me para ler êsse documento e eu mandei chamar o funcionário encarregado da repartição por ordem correm êsses assuntos, o qual me disse que êsse documento não estava lá, mas sim nas mãos do Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar, seu antecessor. Eu ainda não tive ocasião de o ler.

O Orador: — Agradeço ao Sr. Ministro das Colónias a sua generosa explicação, porque S. Exa. vem dar autoridade à cópia que eu tenho em meu poder e que passo a ler.

O Sr. Norton de Matos: — Mas trata-se de nomeações efectivas ou dum simples
plano?

O Orador: — Eu vou ler algumas passagens dêsse relatório que dalguma forma respondem a V. Exa.

Para que a Câmara avalie do luxo desta organização, eu devo dizer que no tempo em que eu servi em Angola existiam lá cinco engenheiros e cêrca do dôbro de condutores.

Mas ainda antes da partida, o Sr. Norton de Matos para Angola já havia feito numerosas nomeações de contratados. Isto começa, em parte, a responder à observação do Sr. Norton de Matos.

Vejamos agora o que nos diz o auditor fiscal da província no seu tam interessante relatório:

Leu.

Chegados os contratados a Angola eram distribuídos ao acaso, sendo-lhes indicadas, então, as formas de pagamento o a sede dos seus serviços, porquanto sucedeu que as sedes eram diferentes dos locais onde tinham de trabalhar.

E para a Câmara ver como êsses contratos se fizeram, eu vou ler os nomes dalguns dos contratados, as suas antigas e novas profissões:

Leu.

Em Angola criou-se, como todos sabem, um conselho de finanças destinado a pronunciar-se sôbre os contratos. Pois êsse conselho de finanças recusou o seu visto a todos êstes contratos, tam irregulares que basta dizer que êles eram anteriores à época de tomarem posse as pessoas que os fizeram.

Pois o que fez o Alto Comissário? Acatou a resolução do conselho de finanças? Não; passou por cima do visto e pôs os contratos em vigor. Importou-se tanto com o Ministério das Colónias como com a primeira pedra que encontrou em Angola e publicou o decreto n.° 443, cujo artigo 1.° diz o seguinte:

Leu.

Não havia secretários provinciais nesse intervalo; havia apenas nomeações que
tornavam efectivas no dia da posse. Vêem V. Exas. como o Alto Comissário se im-

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portava pouco com as formalidades legais.

Já sabemos como S. Exa. trata as suas clientelas jornalísticas, como é para com elas generoso e bom. Vamos apreciá-lo agora em relação àqueles que mais diretamente o rodeiam.

Ouçamos ainda, para que me não acusem de parcial, o inevitável relatório do Sr. Oliveira e Castro.

Lê.

Até aqui o que diz o auditor fiscal. Agora vamos às nossas informações complementares.

Não vou falar na viagem a Catanga que custou aos cofres de Angola algumas centenas de contos, nem nas passeatas de altos funcionários, como, por exemplo, a do Sr. Góis Pinto, que foi com sua família de Mossâmedes ao Huambo fazendo-se acompanhar dum automóvel e dam camião adquiridos expressamente para êsse fim e entretendo-se pelo caminho em espectaculosas caçadas. Vou referir-me apenas à viagem do Alto Comissário ao Congo Belga, que não devia ter custado menos de 1:500 contos.

Fez-se ir o Carvalho Araújo até ao Congo, fizeram-se despesas formidáveis, dando a impressão de que a província de Angola nadava em ouro e tudo isto para o Sr. Rutter agradecer com a, maior modéstia e compostura a visita do Alto Comissário de Angola e mais tarde retribuir essa visita indo até Angola no modesto vapor que faz a carreira entre esta província e o Congo Belga.

As ajudas de custo foram concedidas desde o dia da partida até ao dia da chegada ao Congo, e o Carvalho Araújo, que podia ter regressado a Loanda no dia 7, só chegou no dia 11, só para dar lugar ao pagamento de mais ajudas de custo pagas em ouro.

Numa viagem do Pôrto Alexandre a Loanda, feita em Novembro de 1922, pagaram-se também os vencimentos em ouro.

Para a Câmara ter conhecimento do dispêndio que tudo isto traduz, vou ler as liquidações respeitantes.

Há também um despacho relativo ao tenente José Raul Alves da Cruz, que o Sr. Alto Comissário fez juntar à sua comitiva quando foi a Catanga.

Leu.

Era S. Exa. quem aconselhava a emigração de capitais.

Importa também saber:se a que câmbio se fizeram as transferências, para se ver se a Fazenda Pública teria sido também lesada no câmbio fixado.

A característica essencial do período que se ia seguir tinha de ser, como era natural, o deprêzo absoluto pelas boas regras da contabilidade.

A auditoria fiscal, incomodada porventura pelo Sr. Norton de Matos, reduziu-se na sua acção.

Porém os funcionários de finanças tinham uma relativa autonomia. Era preciso que todos se sentissem sob o jugo do senhor.

Assim foi ordenado sem qualquer espécie de justificação.

Para que a obra de subserviência fôsse completa, era necessário que todos aqueles que poderiam ser fiscais legítimos da aplicação dos dinheiros públicos nada fôssem perante a vontade de quem governava Angola.

Isso se conseguiu!

Discursando desta tribuna, falo para todo o País e, portanto, declaro dêste lugar, para que todos me ouçam inclusivamente os funcionários de Angola, que não é só responsável pelas despesas feitas ilegalmente quem as ordena; são também responsáveis dessas despesas liquidadas fora das bases-regras todos os funcionários da província de Angola.

Apoiados.

A barafunda financeira ia ser tremenda.

A base 81 da administração financeira das colónias determina que nenhuma despesa se poderá fazer sem estar dentro da verba legalmente estabelecida no Orçamento, ou do seu reforço legal.

Pois a Sr. Norton de Matos fez publicar, em 12 de Maio de 1921, uma circular, dizendo que uma vez que êle ordene o pagamento de qualquer despesa, êle se efectue, haja ou não haja verba designada.

A barafunda financeira ia ser tremenda. A Base LXXXI da Administração Financeira das Colónias determina que nenhuma despesa se possa fazer quando não esteja dentro das verbas legitimamente estabelecidas pelos orçamentos provenientes de reforço dessas verbas, que se contenham essas despesas exactamente dentro de tais verbas, e que não

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se possa pagar por conta de uma determinada verba qualquer importância que lhe não diga respeito. Pois o Sr. Norton de Matos fez publicar em 12 de Maio de 1921 uma circular, dizendo que, logo que êle mande, todas as despesas se pagam, com verba ou sem verba. Quere dizer: o papel do orçamento rasga-se, a letra da lei desaparece, ficando apenas a vontade omnipotente de um homem que, por mais alto que esteja, por mais elevadas que sejam as suas qualidades—e eu não estou aqui a menoscabá-las — pode, em todo o caso, com o seu despotismo levar a província de Angola para um mau caminho, o que infelizmente conseguiu o Sr. general Norton de Matos! Êste despotismo leva a cousas extravagantes. Cuanza Norte, por exemplo, tem, como todos os distritos, certas verbas que lhe estão distribuídas. Só o Governador delas pode dispor. Pois o Secretário de Finanças esgotou todas essas verbas, o que fez com que em ofício de 29 de Novembro de 1921, que vem textualmente transcrito no relatório do Auditor Fiscal, o Governador de Cuanza Norte se queixe com dignidade desta absorpção dos seus poderes.

A desordem financeira chega a tal ponto, que o Sr. Alto Comissário parece comprazer-se em publicar leis para no dia seguinte ter o direito de as rasgar.

Assim é que se estabelece a doutrina do decreto n.° 39, de 30 de Julho de 1921, no seu artigo 12.°

Mas sabem V. Exa. quantas vezes se cumpriu o despacho?

Nem uma!

O que são os orçamentos de Angola?

O que são as contas da gerência de Angola?

Hei-de examinar aqui êsses documentos para V. Exa. verem o que é o despêzo pelas fórmulas, pelas regras.

Como exemplo, todavia, contarei agora o destino que se deu à verba de 1:500 contos que havia sido votada para a viagem a Angola do antigo Presidente da República, Sr. António José de Almeida.

Esgotou-se ràpidamente essa verba, e a certa altura, andando o Sr. Alto Comissário em viagem em Humpata, o governador geral interino telegrafa a dizer que o secretário de finanças lhe tinha apresentado uma factura para pagamento de 500

contos, verba respeitante a várias autorizações requeridas.

Dizia S. Exa. que iria pagar esta importância por operação de tesouraria à espera de se reforçar o crédito, se o Sr. Alto Comissário a tal se não opusesse.

O Sr. Alto Comissário não se opôs; respondeu afirmativamente, e o Secretário de Finanças, nessa conformidade, pagou a conta.

Dias depois, talvez uma semana, o Sr. Alto Comissário recebeu a notícia definitiva de que o Sr. Presidente da República não iria a Angola, e então, com a maior das simplicidades, êle, que sabia que a verba de 1:500 contos se achava esgotada e excedida ainda em 500 contos, telegrafa directamente ao encarregado do Govêrno a dizer que essa mesma verba de 1:500 contos fôsse assim distribuída:

Leu.

E dizia ainda que estas duas últimas verbas deviam ser entregues imediatamente aos respectivos directores.

V. Exas. calculam com certeza o que teria sido a cara do pobre secretário de finanças, ao receber êste telegrama.

Pois muito bem foi assim que as contas se arrumaram!

Mas eu tenho o direito de preguntar: o que são então as tais celebradas contas de gerência de Angola?!

Vimos já como o Sr. Alto Comissário não se importava pouco com o «visto» do Conselho de Finanças, com as formalidades legais, no que respeitava a contratos.

Mas os contratos e fornecimentos de materiais, os contratos de prestação de serviços por estrangeiros pagos em ouro, seriam porventura tratados com a mesma sem cerimónia pelo Sr. Alto Comissário?

Vou demonstrar que assim foi.

Em regra, nunca se abriu concurso para contratos importantes, e, quando se abriu, êsses contratos encerravam em si próprios uma tremenda justificação.

Eu hei-de ler, por exemplo, uma parte do relatório do auditor fiscal em que se demonstra que o Conselho de Finanças nunca conheceu nenhum dos contratos relativos a fornecimento de madeiras e a prestação de serviços de estrangeiros pagos em ouro.

Julgam V. Exa. que êste pessoal custava pouco?

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Vejam as contas da gerência de 1921-1922.

O Conselho de Finanças nunca soube nada sôbre os contratos a respeito disto.

Mas há mais.

Fizeram-se contratos para construções de casas.

Refiro-me, por exemplo, aos efectuados com Monio e com a Companhia Geral de Construções.

Não foram precedidos de concurso; não tinham nenhuma das formalidades legais.

Foram por acaso ao Conselho de Finanças, para lhe ser aposto o «visto»?

Objecta o Conselho de Finanças vagas irregularidade e, entre elas, a falta do concurso que é estabelecido taxativamente nas portarias ministeriais, e pediu que lhe reenviassem os contratos com os necessários esclarecimentos para depois decidir se devia ou não pôr-lhes o «visto».

Pois nunca foram reenviados, e puseram-se em execução!

Vejamos ainda o inevitável relatório do auditor fiscal, que vou ler.

O auditor fiscal conta que, tendo chegado a Benguela, soube, pelo director de obras públicas e minas, que tinha sido adquirido um prédio em construção por 3:000 libras.

Querendo ver o contrato, foi à repartição competente para o examinar.

Não conseguiu encontrá-lo.

Verificou apenas a existência da despesa.

A seguir acrescenta:

Leu.

Já vêem V. Exa. como, neste período áureo, era fácil gozar regaladamente em Angola.

Levavam-se os amigos, levavam-se os conhecidos, levavam-se as famílias, comprava-se um Ford, se não chegava um Ford ia um Fiat, e estragado o Ford, lá ia êle avariado para o serviço de qualquer distrito!

Era assim que se procedia em Angola!

É natural que V. Exas. queiram conhecer alguns dos patriotas de Angola; pois vou satisfazer-lhes a curiosidade.

Certo dia apareceu Sousa Machado, que era segundo oficial de fazenda e fornece-dor do Estado; fornecia automóveis e libras como se verifica pelo seguinte:

Leu.

Já vimos como em matéria de facilidades se vivia em Angola; vamos ver como é que o Sr. Pombeiro foi corrido.

Leu.

Poderia ao menos apresentar a factura da casa Ford, mas não; apresentou uma cópia.

Sucede, porém, que um dia o Sr. Couceiro teve de sair do Loanda, e o Pombeiro, ao receber uma factura de fornecimento de pneumáticos, muito mais cara do que o preço do mercado, recusou-se a recebê-los, mas, como a firma tinha contratado também o fornecimento de sobressalentes, disse: O senhor não recebe os pneumáticos; pois eu não cumpro o contrato e não entrego os sobressalentes!

Esta firma não era agente da casa Ford, e foi êste fornecimento que fez com que fôsse agente dessa casa.

Entretanto chega Couceiro, que propõe um inquérito.

O pobre engenheiro Pombeiro reclama, reclama até que teve de abandonar o serviço e dirigir-se ao Alto Comissário, a quem expôs o que havia de imoral nos fornecimentos, e o resultado foi o seguinte despacho:

Leu.

Eu sou suficientemente velho para compreender estas cousas, mas não tam velho que compreenda as razões do política financeira que podem levar a comprar a quem vende mais caro.

Querem V. Exas. ver uma pequena cousa, que só por si dá bem a impressão do como os factos se passaram em Angola?

A firma Sousa Machado entregou a Góis Pinto um cheque de cinqüenta contos, que entraram em Loanda como receita simulada.

Qual foi a intenção?

É que a transferência custava 3 por cento e o Sr. Machado ganhou 3.000$ ao Banco Nacional Ultramarino, que era quem devia ter feito essa transferência.

Estou aqui a acusar o Alto Comissário de que seja o culpado disto ou que tenha de tudo conhecimento?

Evidentemente que não. Alguém deve conhecer porém.

Através da minha exposição isto fica bem patente. Eu não venho tirar ilações,

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venho citar factos, venho dizer que não existe um côntrole das despesas públicas em Angola, e tanto assim que uma comissão nomeada pela Associação Comercial apresenta a p. 9 do seu relatório algumas propostas e entre elas a seguinte:

Leu.

É a própria Associação Comercial de Angola, protegida e protectora do Sr. Norton de Matos, que reconhece a falta de fiscalização dos dinheiros públicos.

Mas o Alto Comissário, ao ver a rebeldia dos seus súbditos, castiga-os com a mesma vara com que Cristo outrora se serviu para expulsar os vendilhões do templo.

E assim publicou um ofício em que há os seguintes períodos:

Leu.

Não sei se os protegidos e protectores da Associação Comercial de Loanda ousaram levantar a luva que lhes foi lançada pelo Alto Comissário. Nem isso me importa porque o meu objectivo é apenas o de expor factos e, se os que já citei não bastam, outros tenho a juntar ainda à colecção.

Eu já tive ocasião de dizer que, por via de regra os contratos de fornecimentos e empreitadas se faziam sem o prévio e moralizador concurso estabelecido por uma disposição ministerial de 1920.

Mas um belo dia abriu-se um concurso em Angola, por iniciativa do engenheiro director dos portos e caminhos de ferro do sul, para a primeira, segunda e terceira terraplenagens no troço de caminho de ferro de Lubango à Chibia. Mas os preços eram excessivamente baixos para que ninguém concorresse, dado que os prejuízos eram certos. Efectivamente não concorreu ninguém.

Todavia, a certa altura, aparece um grego, que por tal sinal teve os seus dares e tomares com as autoridades portuguesas durante a guerra como implicado em entendimentos com o inimigo, tendo-lhe sido até apreendidos vários carros com mantimentos destinados aos alemães; a certa altura aparece um grego feliz que consegue realizar um contrato para a efectivação dessa tarefa, em que os preços são três vezes superiores aos estipulados no edital.

São assim as despesas de Angola.

Mas querem mais cousas escandalosas de administração?

Vamos ao inevitável relatório do auditor fiscal:

Leu.

E não são estas palavras aplicadas ao secretário de finanças igualmente aplicáveis ao Alto Comissário?

Não seria bom que S. Exa. se não julgasse, superior às leis?

Não sei qual dos dois males será maior: se o de não cumprir por ignorância, se o de não cumprir por não querer cumprir.

Em Angola toda a gente se julga no direito de se sobrepor à lei.

A Agência Geral de Angola, felizmente não reconhecida oficialmente pelo Ministério das Colónias, tem, pelo decreto n.° 17, artigo 5.°, de apresentar as suas contas de exacto, outro tanto sucedendo aos armazéns reguladores e serviços urbanos. Pois pode alguém dizer-me em que data, após três anos de Govêrno Norton de Matos, a Agência, os armazéns reguladores e os serviços urbanos apresentaram as suas contas de exacto?

Diz a lei que são responsáveis todos os funcionários que permitam o desvio para outros fins das importâncias destinadas a fomento e colonização.

Pois muito bem. Essa fiscalização tem de ser feita pela metrópole e na província por uma Junta de Crédito Público.

Quere a Câmara saber quem forma essa Junta? O Alto Comissário e dois elementos, entre outros, que pela sua situação de fiscalizáveis não podem fazer nunca parte de tal Junta.

Era necessário que a Junta publicasse, trimestralmente, um balancete, mas nunca foi publicado.

Era necessário publicar, mensalmente, a nota das receitas arrecadadas; também nunca se fez tal cousa, ou então foi feito com tal irregularidade que desaparecia toda a certeza.

Também se devia publicar, mensalmente, o movimento de bilhetes do Tesouro. Se tal publicação se fez, foi por tal forma irregular que mais serviu para confundir do que para elucidar.

Tudo ilegalidade! Tudo desperdícios!

Por isso a frase de que eu já usei e que repito: — a ordem em Angola é rica e os frades são apenas trinta mil e, portanto, toca a comer! — define bem o que

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é a administração da nossa colónia de Angola.

O que se tem gasto em obras do reconstrução, em obras de embelezamento e de novas construções para o palácio do Govêrno Geral, não se pode fixar à face das contas publicadas porque elas nada representam de verdade, como demonstrarei.

Essas contas foram fecbadas sem incluir nelas as contas dos 14 distritos de Angola.

Queria-se toda a grandeza e então o que se fez?

Leu.

Nada falta assim no palácio de Loanda. Até possui uma fabrica de gelo! Mas os doentes que estão no hospital sofrem nos seus tratamentos por falta de gelo, visto que o estabelecimento não goza da situação de ter uma fábrica do artigo que não falta todavia no palácio do Govêrno Geral.

Quando se fala aqui nas despesas com automóveis do Estado, deveríamos ver que isso é nada em relação ao que se passa em Angola.

Ao serviço do palácio do Govêrno existem os seguintes automóveis:

Leu.

Não há para o serviço de fiscalização um barco que preste, mas comprou-se por 600 libras um barco gasolina para o Alto Comissário, pois S. Exa. tem a mania das grandes velocidades.

E o Congresso de Medicina Tropical realizado em Loanda?

Sabe alguém na metrópole quais foram as despesas efectuadas com êsse Congresso?

Foi uma parada de luxo, que se compreenderia quando feita por um País próspero para mostrar a sua riqueza, mas não por uma província pobre, que está isolada da metrópole por virtude de diferença da sua balança económica.

Dá bem a nota do que foi êsse famoso Congresso um facto que resumidamente vou expor à Câmara.

Alugou-se um barco, creio que foi o Lourenço Marques, à razão de trinta contos por dia quando estivesse parado, e mais trinta contos por dia para carvão quando navegasse!

Sussurro nas galerias.

Chegaram a Loanda os congressistas e os que eram casados foram com as res-

pectivas esposas instalados em casa dos funcionários e outros distribuídos pelos hotéis, tudo, é claro, à custa de Angola. Houve passeatas de automóvel, opíparos jantares e ceias que meteram espargos e Champagne, etc., etc. Nesta orgia gastaram-se cêrca de quatro mil contos!

Sussurro.

Não censuro o Sr. Alto Comissário por receber bem os seus hóspedes; o que censuro ou lamento é que os não tenha recebido à sua custa!

Apoiados da direita e sussuro nas galerias.

Mas há mais. Um dia, S. Exa., o Alto Comissário, vai de automóvel a uma terra da província, e no caminho o carro atolou-se e foi necessário chamar alguns pretos para o desatolar.

Sabem V. Exas. o que fez S. Exa.? Mandou ao secretário de finanças a seguinte ordem:

Leu.

Não será caro desatolar um automóvel por 1 500$?

Reparem V. Exas. neste meu automóvel meu, que se aplica indiferentemente ao que se atolou e ao que veio para Lisboa! Êste meu aplica-se a tudo que é da província. Numa entrevista dada a um jornal belga fala-se das minhas fronteiras, dos meus pretos, da minha Angola.

E agora vem ao meu espírito a razão por que é que tanto incomodou a certas pessoas a minha interpelação: e porque eu ia tocar numa cousa que não é nossa, que não é de nós todos, porque Angola é do Sr. Norton de Matos!

Apoiados da direita.

Mas há mais. Instalou-se em Ampata um campo de aviação, onde se gastaram muitos contos de réis, e o Sr. Alto Comissário, como a província nadava em {Unheiro, lembrou-se de mudar êsse campo para Lubango. Assim se fez, gastando-se rios de dinheiro. Mas que importa, se a ordem é rica e os frades são apenas 30:000?

No seu discurso proferido na Câmara Legislativa de 23 de Setembro de 1923 S. Exa. disse o seguinte:

Leu.

Não por culpa do Alto Comissário, que está acima dessa suspeita, mas por culpa da política de desperdício e falta de regras de contabilidade!

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Sr. Presidente: isto só com música de Offenbach!

E, quem sabe? talvez fôsse por isso que S. Exa. quis arrastar para lá:

Leu.

A província precisa duma política sã, e não de saxofone, trombas e contrabaixos.

Risos.

Depois desta política, que durante três anos fez esta obra, querem V. Exas. saber o que nos vem dizer a Associação Comercial de Loanda?

Leu.

Assistência, porque não podemos abandonar uma colónia que é nossa; está certo, mas assistência para continuar o regabofe, não e não!

Apoiados da direita.

Não duvido da honestidade pessoal, do Sr. Norton de Matos, mas duvido, e muito, da honestidade de muitos dos seus colaboradores, que saltam por cima das leis e que constituem a tal quadrilha de ladrões que eu prometi desmascarar, e a quem é preciso gritar: — «Basta»!

Assistência financeira, sim mas não para actos criminosos.

Não venho aqui com casos pessoais, venho com factos.

Li relatórios, constatei factos verdadeiros e irrefutáveis perante os próprios documentos oficiais.

Agora passemos a outro capítulo que me agrada muito mais, dadas as predilecções naturais do meu espírito.

Pela base 2.ª da organização administrativa e financeira das colónias compete à metrópole verificar os orçamentos das colónias. Assim, o Sr. Norton de Matos apresentou várias vezes os orçamentos da província de Angola. Mas, Sr. Presidente, o que é verdade é que tais orçamentos são constituídos por números neles inscritos ao acaso, desaparecendo, portanto, a sua razão de ser. São o produto duma fantasia.

Eu vou procurar demonstrar o que afirmo. Talvez seja maçador o longo relato de números que tenho de fazer, mas não posso evitar à Câmara êsse incómodo, porque pretendo demonstrar que a minha análise à vida de Angola é feita através da constatação de factos dados em certos actos de administração pública, e também o exame sereno daqueles ele-

mentos que podem servir-nos para apreciação da vida financeira e económica da província.

Está em vigor um orçamento para 1923-1924, em que nos aparecem receitas computadas de uma certa forma e as despesas de uma outra. No capítulo «Receitas» pequenas correcções temos a fazer. No tocante a despesas, tam grandes são as correcções a fazer que não hesito em declarar que semelhante orçamento é uma autêntica e completa burla.

No que respeita a receitas, vale ainda a pena, porém, fazer algumas considera-

Tomou-se para cálculo das receitas um aumento de rendimento aduaneiro, que adviria da circunstância de ir vigorar um novo sistema de pautas, mas que ainda não foi pôsto em execução. Entrou-se em linha de conta com um acréscimo notável de imposto indígena, aumentado de 10$ para 40$. Entrou-se em linha de conta com o imposto de rendimento que, por falta de regulamentação, não foi ainda cobrado, nem o será certamente na gerência actual.

Vejamos, assim, quais as rectificações a fazer nos diversos capítulos do orçamento das receitas.

Previsão da contribuição predial: foi de 100 contos para 1921-1922; de 200 contos para 1922-1923; de 300 contos para 1923-1924.

Mas em que se justifica semelhante previsão?

Se formos às contas de gerência, encontraremos que a contribuição predial arrecadada no ano de 1921-1922 foi na importância de 68.456$78.

Porventura há qualquer indício de que ela tenha crescido até o ponto de chegar aos 100 contos? Mas como justificar então que no orçamento se diga que ela vai até aos 300 contos? Eu suponho que todas as boas regras estabelecidas para os orçamentos das colónias se opõem a que essa previsão vá além de 100 contos.

Vejamos agora as restantes verbas:

Leu.

Mas tudo isto não é nada em comparação com os fantásticos números que vamos encontrar no orçamento das despesas.

Vejamos:

Leu.

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O Sr. Presidente: — Deu a hora de se passar ao período de antes de se encerrar a sessão. V. Exa. termina ou deseja ficar com a palavra reservada?

O Orador: — Se V. Exa. mo permite, fico com a palavra reservada.

Antes, porém, de terminar por agora, devo dizer que pelos números que apresentei se verifica que na administração de Sr. Norton de Matos o orçamento é mais uma burla de que são responsáveis os autores duma tal obra.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas, taquigráficas que lhe foram enviadas com o pedido de preencher as leituras.

Antes dê se encerrar a sessão

O Sr. Presidente: — Comunico à Câmara que a saudação votada pela Câmara aos Srs. Congressistas foi enviada pela Mesa da Câmara.

O Sr. Tavares de Carvalho: — O assunto que vou tratar não devia ser tratado no período de antes de se encerrar a sessão, visto que o tempo que tenho para usar da palavra é apenas de cinco minutos.

Vou tratar da carestia da vida, assunto para que há dois meses venho solicitando a presença do Sr. Ministro da Agricultura; mas, em virtude de deliberações posteriores, não pôde ser tratado no período de antes da ordem do dia.

Por isso me limito a dirigir ao Sr. Ministro da Agricultura algumas preguntas.

Desejava saber se S. Exa. conhece as causas da carestia da vida, e quais as medidas que S. Exa. tem tomado ou vai tomar para a debelar.

Porque razão se fez a importação do trigo exótico, havendo trigo no País suficiente para o consumo do ano actual?

Porque não foi adquirido o trigo nacional a preço inferior ao da tabela?

Conhece umas propostas para forneci-monto de farinha americana?

Porque se importou o trigo e não farinha?

Porque é que a Manutenção Militar aumentou o preço da farinha de primeira

classe para 3$, vendendo-a antes a 2$20?

Por último, que trabalho tem S. Exa. ou que tem feito a comissão nomeada para estudar a modificação do regime cerealífero?

S. Exa. tem também conhecimento se o Comissariado dos Abastecimentos adquiriu géneros para acompanhar o mercado, servindo de regulador dos preços por que devem ser vendidos os géneros?

Eu sei que comprou muito feijão a 1$00 e que agora é vendido ali por 2$00.

Há um tempo a esta parte que se não faz o pêso do pão.

Eu sei que alguns fiscais recebem das padarias importâncias grandes para consentirem que se fabrique pão com o pêso inferior a 500 gramas.

Rara é a padaria que coze bem o pão, porque, vendendo-o mal cosido, tem maiores lucros, roubando o consumidor.

O leite, como quási todos os géneros, é adulterado.

Tudo isto significa que o corpo numerosíssimo de fiscais do Ministério da Agricultura existe apenas para receber os seus vencimentos e as gratificações dos vários fornecedores.

Estou certo de que o Sr. Ministro da Agricultura tomará as providências necessárias no sentido de se fazer o que, por exemplo, em Setúbal, onde a autoridade administrativa sabe cumprir os seus deveres e fazê-los cumprir aos seus subordinados, se está fazendo.

Finalmente, não estando presente o Sr. Ministro das Finanças, eu peço ao seu colega da pasta da Agricultura a fineza de transmitir-lhe a minha estranheza pelo facto de, quando se pretendeu fazer compressões de despesas, S. Exa. determinar a todas as repartições de contabilidade o pagamento de serões durante quatro meses.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Agricultura (Azevedo Gomes): — Sr. Presidente: lamento que as preguntas que me dirigiu o ilustre Deputado Sr. Tavares de Carvalho tivessem sido produzidas numa ocasião em que a hora vai já muito adiantada, porque me vejo impossibilitado de desenvolver determinados pontos das respostas que vou dar a S. Exa.

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Começou S. Exa, por dizer que há dois mêses que reclamava a minha presença nesta Câmara.

Devo informar o ilustre Deputado de que não tive conhecimento oficial dêsse seu desejo, pois só há poucos dias, casualmente, numa conversa, eu soube que S. Exa. desejava fazer determinadas considerações na minha presença. E se não vim aqui imediatamente, foi porque circunstâncias várias me impediram dê o fazer.

Preguntou-me S. Exa. se eu conhecia as causas da carestia da vida. Eis uma pregunta muito interessante, mas que, dada a sua complexidade me deixa um pouco embaraçado a dar resposta no tam curto limite de tempo de quê posso nesta altura dispor.

Eu tenho a impressão de que a principal causa da carestia da vida é de ordem moral. É uma questão de falta de educação do povo português, desde o produtor ao consumidor.

Os intermediários acumulam-se uns sôbre os outros, e sendo a produção uma só, de Cada vez ela aparece no mercado mais agravada e o consumidor, que tem nas suas mãos uma fiscalização de que pode servir-se, não se defende, não castiga, deixando de consumir, aqueles que procuram explorá-lo.

Nestas circunstâncias, mal pode um, homem ou um conjunto de homens exercer sôbre êste estado de cousas qualquer acção definitiva.

Suponho assim conhecer bem de perto às causas da carestia da vida.

Sr. Presidente: há ainda a influência do câmbio, da situação deficitária em que nos encontramos e que incide sôbre diversos géneros de primeira necessidade. Muitos dêsses géneros que nos faltam somos obrigados a ir lá fora adquiri-los, e o que acontece é que, após a sua chegada ao mercado, exercem imediatamente uma influência de aumento de preço os produtos nacionais.

Assim vemos que um determinado comerciante, que comprou uma cousa barata a um câmbio razoável, julga-se imediatamente na obrigação de a vender como se cara tivesse comprado.

Preguntou ainda S. Exa. que medidas estão adoptadas ou pensa adoptar pelo que respeita à questão cambial.

Devo dizer que as medidas relativas a êsse assunto tem de ser tomadas em conjunto.

Desde que êste Govêrno tomou sôbre si o encargo de melhorar a situação cambial, tenho que integrar-me dentro dessas medidas, colaborando com o Sr. Ministro das Finanças no sentido de actuar para a melhoria do câmbio.

Essas medidas referem-se mais directamente à diminuição das importações e a estimular quanto possível as exportações. Mas, V. Exa. as compreendem com que cautela é preciso trabalhar dentro dêsse campo.

Como é natural, em resultado da exportação feita em larga escala, os produtos aparecem no mercado nacional mais elevados em preço. E necessário, portanto, pensar duas vezes em qualquer medida que tenda a restringir a exportação.

Pelo que respeita ao mercado de Lisboa, devo dizer que o Ministério da Agricultura tem à sua disposição um elemento de valia, que é o Comissariado dos Abastecimentos. Êsse Comissariado, ao contrário do que se afirma, tem dispensado ao público de Lisboa alguns benefícios aceitáveis, notáveis mesmo.

Pelas contas dos últimos seis meses do ano findo infere-se o seguinte: é que tem vendido os produtos necessários à vida em regra com um desconto de 20 por cento; isto quere dizer que num movimento, que não tenho bem presente em números, mas que é de alguns milhares de contos, o Comissariado meteu nas algibeiras do consumidor ò melhor de 2:000 contos.

Devo dizer que não compreendo o Estado feito comerciante, nem por grosso nem a retalho.

Interrupção do Sr. João Camoesas.

O Orador: — O Comissariado podia comprar em condições mais favoráveis. Tem estabelecido à média de 20 por cento sôbre o mercado geral.

Diz V. Exa. que importei trigo exótico, havendo trigo suficiente para o ano.

Fez V. Exa. esta afirmação; mas devo dizer que não há possibilidade de, com garantia absoluta, poder fornecer o País. Os números oficiais declaram a produção de 100:000 toneladas.

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não há possibilidade; tive portanto de importar o trigo exótico, considerado necessário.

Trazer o trigo do País para Lisboa sai muito mais caro. A necessidade aumentava dia a dia, e por isso o mandei importar mais barato.

Reconhece-se o que isto representa de sacrifício, quando se quere manter um produto tam necessário,

Porque se não fez a compra de trigo quando se podia comprar abaixo da tabela?

A responsabilidade não é minha, já encontrei essa situação.

A situação passou e, infelizmente, já não é hoje a que foi então.

Preguntou-me S. Exa. se eu conhecia uma proposta que houve de farinha americana.

Conheço-a de tradição, pois êste assunto foi tratado quando sobraçaram a pasta da Agricultura, sucessivamente, os Srs. Joaquim Ribeiro e Vasconcelos e Sá.

Essa proposta não interessou êstes Ministros sob o ponto de vista moral, e por isso puseram-na de parte. Entendo que S. Exas. fizeram muito bem, porque, a termos de importar alguma cousa, não é farinha, mas sim trigo.

Além das fábricas de moagem que existem no País, temos a Manutenção Militar para a farinação do trigo.

Apoiados.

Preguntou ainda o Sr. Tavares de Carvalho se a Manutenção Militar aumentou o preço das farinhas.

S. Exa. compreende que, estando a viver num regime de trigos de várias colheitas, ora trigo exótico, ora trigo rijo, ora trigo mole, para estabelecer os diagramas legais, foi preciso aumentar os preços.

Deve ter sido esta a justificação dessa alteração, que a Manutenção Militar fez aos preços das farinhas.

Preguntou depois S. Exa. o que tem feito a comissão do regime cerealífero.

Ainda não ouvi esta comissão, mas sei que essa comissão auxiliada nos seus trabalhos pela dedicação do Sr. Vasconcelos e Sá, tem tido algumas sessões, e dos seus estudos tem resultado grande aproveitamento.

Os trabalhos dessa comissão só serão públicos quando ela apresentar o seu re-

latório, e nessa altura eu trarei à Câmara uma proposta de lei sôbre o assunto.

Referiu se também S. Exa. à falta de pêso e má qualidade do pão.

Reclamação idêntica já foi há dias apresentada fia outra casa do Parlamento, e devo declarar que ainda hoje dei ordens para que a fiscalização se exerça duma maneira, rigorosa, diferente da forma como ultimamente vinha sendo exercida.

É certo que não há quem peso pão hoje em Lisboa. Aí tem a Câmara uma das modalidades da desmoralização a que há pouco fiz referência.

Porque é que o consumidor não exige sempre que lhe pesem o pão? A cada um de nós cabe o dever de exercer a própria defesa.

Em todo o caso dei também as minhas instruções neste sentido, e estou certo de que elas darão resultado.

O Sr. João Camoesas (interrompendo): — Seria interessante V. Exa. dizer o que pensa acerca da melhoria de produção de trigo em Portugal.

O Orador: — A questão está estudada no campo técnico. Eu sou dos que acreditam que o País pode bastar-se a si mesmo.

Nesse sentido se está trabalhando a fim de se conseguir um melhor apuramento de sementes e que a produção possa ser o dôbro do que é hoje em certos locais.

Sr. Presidente: aqui tem V. Exa. o que penso tecnicamente sôbre êste assunto.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando restituir, nestes termos, as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para agradecer ao Sr. Ministro da Agricultura as explicações que acaba de dar-me. Espero que S. Exa. tenha a energia necessária para poder modificar êste estado de cousas que é insuportável, subindo na a dia os preços de todos os géneros mais necessários à vida.

Tome S. Exa. as medidas que entender, ainda as mais enérgicas, mas não

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deixe de accionar de forma a que a carestia da vida se modifique porque tal como está não pode continuar. Tenho dito.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 21, às 14 horas, sendo a mesma a ordem de trabalhos, antes da ordem e na ordem.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Parecer

Das comissões de administração pública e de obras públicas e minas, sôbre o n.° 634-A, sôbre a concessão dum caminho de ferro da Póvoa de Varzim a

Cais Novo e duma linha de Esposende a Braga.

Para a comissão de finanças.

Últimas redacções

Do projecto de lei n.° 643, que concede amnistia geral e completa para os actos de rebelião praticados em 10 de Dezembro de 1923.

Dispensada a leitura da última redacção.

Remeta-se ao Senado.

Do projecto de lei n.° 649, que autoriza o Govêrno a suspender a execução de qualquer diploma emanado do Poder Legislativo de que resulte aumento de despesa.

Dispensada a leitura da última redacção.

Remeta-se ao Senado.

O REDACTOR—Herculano Nunes.

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