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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 41
EM 21 DE FEVEREIRO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João e Ornelas da Silva
Sumário.— Com a presença de 45 Srs. Deputados é aberta a sessão.
Faz-se a leitura da acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Hermano de Medeiros pede providências no sentido de se dar andamento a um processo pendente na Boa Hora.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça (José Domingues dos Santos).
O Sr. António Correia ocupa-se da questão do inquilinato e de abusos dos senhorios.
Responde-lhe o Sr. Ministro da Justiça.
Prossegue a discussão do parecer n.º 442.
Usam da palavra os Srs. Pires Monteiro, que conclui as suas considerações; António Maia, Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho) e Joaquim Ribeiro.
É aprovada a acta.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças usa da palavra para expor, o que se passou com o funcionalismo do Ministério das Finanças e nuas reclamações. Manda para a Mesa duas propostas de lei.
Ordem do dia.—Prossegue a interpelação do Sr. Cunha Leal ao Sr. Ministro das Colónias acerca dos Altos Comissariados. O orador conclui enviando para a Mesa uma moção, que é admitida.
O Sr. Norton de Matos faz uso da palavra para invocar o artigo 135.° do Regimento.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins) responde ao Sr. Cunha Leal.
O Sr. Carvalho da Silva invoca os artigos 134.º e 136.º do Regimento.
O Sr. Cancela de Abreu requer e a generalização do debate.
Aprovado.
Em virtude do adiantado da hora, o Sr. Norton de Matos fica com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão.— O Sr. Sá Pereira ocupa-se do jôgo ilícito, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Vasco Borges trata do mesmo assunto chama a atenção do Govêrno para a crise que atravessam as Misericórdias, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a mesma ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 37 minutos.
Presentes à chamada 45 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 61 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Dias.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Martins de Paiva.
Francisco Cruz.
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Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João de Ornelas da Silva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Vasco Borges.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Ângelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António de Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres d& Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
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Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Vicente Ferreira.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Marques Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Leu-se a acta e o seguinte
O Sr. Presidente (às 15 horas e 36 minutos).- Estão presentes 45 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Oficio
Da Câmara Municipal de Arcos de Valdevez, protestando contra a extinção das Escolas Primárias Superiores.
Para a comissão de instrução primária.
Requerimento
Do funcionário do Congresso da República, João Djalme Bastos, pedindo a concessão de garantias iguais às constantes do decreto n.° 7:823, de Novembro de 1921.
Para a comissão de guerra.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia e tem a palavra o Sr. Hermano de Medeiros.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente: folgo muito em ver presente o Sr. Ministro da Justiça.
Desde 1901 que se encontra pendente nos tribunais uma questão com um funcionário do registo predial, conservador do registo da segunda conservatória, que juntamente com outros indivíduos se constituíram em sociedade a que deram o nome de Sociedade Predial de Lisboa Ltd.ª para a compra de prédios; porém, sabe-se —visto que disso há provas — que êsse conservador foi registar um prédio, que comprara por 70 contos, apenas por 40 contos.
Há aqui, Sr. Presidente, evidentemente uma burla feita ao Estado, tanto mais grave quanto é certo que ela foi praticada por um funcionário público.
Não sei se o Sr. Ministro da Justiça tem conhecimento da existência desta Sociedade; porém, o que é um facto é que não só fizeram o registo de um prédio pelo valor de 40 contos, quando êle foi adquirido por 70, como promoveram uma acção de despejo contra todos os inquilinos, inclusive um paralítico.
Como se vê, trata-se de um funcionário do Estado, um conservador do registo predial, que está burlando o Estado.
Não temos, infelizmente, por emquanto uma lei de inquilinato que regule êstes
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casos, razão por que muitos inquilinos estão vivendo sob um verdadeiro sobressalto, porque de um momento para o outro se podem ver sem Habitação desde que o prédio seja vendido a outra pessoa.
Chamo, pois, a atenção do Sr. Ministro da Justiça para o caso, esperando que S. Exa. me diga se já tinha conhecimento dele e, tendo-o, se já deu as suas ordens no sentido de ser cumprida a lei.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): — Sr. Presidente: devo dizer a V. Exa. que, efectivamente, já recebi uma carta acusando o aludido funcionário de praticar irregularidades; como, porém, se tratava de uma carta particular, dei apenas ordens ao director do Ministério da Justiça para mandar averiguar o que havia a tal respeito.
Hoje mesmo, Sr. Presidente, já tive algumas informações sôbre o assunto; não condizem, todavia, com aquelas que o Sr. Hermano de Medeiros acaba de apresentar à Câmara, e que foram fornecidas' por um correligionário de S. Exa.
O orador não revia.
O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: o que posso garantir a V. Exa. é ser o caso inteiramente diverso daquilo que se conta. O funcionário referido pertence a uma sociedade comercial como qualquer outra. Se, de facto, o prédio foi registado por uma quantia inferior, é caso para liquidar nos tribunais, como todos os outros casos, e com o que o funcionário nada tem que ver.
O caso é muito diverso, repito, e tem-se feito sôbre o assunto uma verdadeira especulação.
O Sr. Hermano de Medeiros: — O facto é que o Estado foi burlado, visto que um prédio adquirido por 70 contos foi registado por metade do seu valor.
O Orador: — Em resumo, o assunto acha-se pendente nos tribunais, pelos quais tem de ser resolvido, não tendo o Ministro da Justiça que intervir nele.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro da Justiça para um facto que está alarmando a população de Lisboa.
Não se trata da questão do inquilinato, para que quero chamar a atenção do Sr. Ministro da Justiça, mas sim de disposições do Código do Processo Civil, de que se- está usando e abusando nesta cidade, o que pode trazer graves perturbações de ordem pública.
Sr. Presidente: hoje, à sombra do artigo 424.° do Código do Processo Civil, abusa-se do recurso de acções de esbulho, o que, na verdade, constitui um perigo e está sobressaltando a população de Lisboa.
Pelo artigo 424.° do Código do Processo Civil há toda a facilidade em esbulhar o verdadeiro inquilino, pois basta a prova da testemunha pela qual o juiz lavra a sentença e manda dar posse à pessoa que falsamente se diz esbulhada. Sabe V. Exa., Sr. Ministro da Justiça, que êste abuso pode dar lugar a perturbações de ordem pública, pois um verdadeiro inquilino é violentamente obrigado a sair da casa por sentença do juiz, a qual tem de cumprir, e só lhe resta, depois de ficar sem casa, intentar uma acção que é morosa e que pode levar meses e até um ano, acção sujeita a todas as chicanas e só no fim de muito tempo é que poderá provar que era o verdadeiro inquilino.
Chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça para êste caso, que S. Exa. bem conhece, e espero que as minhas considerações devem ser atendidas de forma que acabem tais abusos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (José Domingues dos Santos): — Sr. Presidente: o problema exposto pelo Sr. António Correia foi logo dos primeiros que me prenderam a atenção, assim que assumi a pasta da Justiça. É um problema que pode, com efeito, afectar a ordem pública.
Está no Senado um projecto do Sr. Catanho de Meneses, ilustre parlamentar e antigo Ministro da Justiça, que muito bem conhece êste assunto e que nos merece a mais alta consideração.
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O projecto encontra-se entregue às comissões e entendo que melhor é eu não apresentar qualquer proposta que teria de ser estudada, o que certamente muito mais demora levará do que cooperar no projecto do Sr. Catanho de Meneses, introduzindo-lhe as modificações que eu entender para chegarmos a uma resolução rápida e boa; tendo em conta que é um assunto que não pode ser tratado com paixão e sem nos inclinarmos para os senhorios ou para os inquilinos, mas simplesmente encarando a lei.
Por doença do Sr. Catanho de Meneses é que o projecto não tem tido seguimento, mas S. Exa. já está melhor e em breve aquele voltará à discussão.
O orador não reviu.
O Sr. Pires Monteiro: — Sr. Presidente: cumpre-me terminar as ligeiras considerações que ontem fiz sôbre o parecer n.° 442.
Disse eu que intervinha neste debate, e não me limitava a dar o meu voto à aprovação do projecto, porque, tendo versado nesta Câmara questões do nosso exército, não ficava bem com a minha consciência se não assumisse a responsabilidade do voto que vou dar.
Ontem prestei as homenagens devidas à actividade do Sr. Ministro da Guerra, fazendo trabalhar instituições que parecia que tinham desaparecido, pelo que merece os nossos maiores louvores.
Mas o Sr. Ministro da Guerra não produziu, com a sua argumentação brilhante, razão que me levasse a modificar a opinião que tenho formada sôbre a necessidade de se proceder com equidade para assegurar convenientemente os meios que são necessários à vida das instituições militares.
Sr. Presidente: ainda tenho que salientar à Câmara um facto que não ouvi referido por nenhum dos meus ilustres colegas que me precederam nesta já longa discussão e é o efeito dos numerosos decretos publicados em 10 de Maio de 1919.
Não está presente o ilustre sub-leader da minoria monárquica, que tantas vezes aqui nos tem mostrado o grosso volume dêsses decretos, mas muitos dêles foram favoráveis à boa orientação dos vários departamentos da administração pública,
e muitos também só trataram de favorecer certas entidades.
No emtanto, não é para êsses factos que chamo a atenção da Câmara, mas para os prejuízos que êles causaram.
Um dêsses decretos foi o que suspendeu a lei n.° 415, de 10 de Setembro de 1915.
Afirmo, e creio ter demonstrado, que nesta questão não há pressões de qualquer ordem, e nem eu nem qualquer dos meus ilustres colegas, como agentes dos poderes do Estado, aceitaríamos pressões.
Que não existem pressões mostra-o a própria atitude da classe interessada nesta proposta, que há um ano espera que as respectivas comissões e o Parlamento se pronunciem.
Não há ninguém que possa afirmar que há qualquer pressão, a não ser aqueles que querem lançar suspeitas sôbre os homens públicos.
Não há também, como alguns Srs. Deputados têm dito, qualquer intuito partidário.
Não sou membro de qualquer partido e só pertenço ao grupo de Acção Parlamentar.
Falo desassombradamente e tenho também visto que o assunto tem sido tratado como uma questão aberta.
Não há nenhum partido que faça desta proposta um ponto do seu programa como reclamação imediata.
Não ha nesta questão qualquer sentimento de partidarismo e somente um sentimento de humanidade.
Qualquer despesa que possa resultar da proposta em discussão pode ser acompanhada de normas de boa administração que se devem estabelecer em todos os departamentos do Estado, alcançando verbas compensadoras para essa despesa.
Há também despesas que são produtivas e cujos resultados são favoráveis para prestigiar as várias instituições que temos a dotar.
Também esta proposta é sem dúvida prestigiosa para as instituições militares, e não há nenhum Deputado que não queira o prestígio delas.
Se a proposta que o Sr. Ministro da Guerra apresentou a esta Câmara tivesse tido andamento, eu não aceitava esta proposta, e nem ela seria necessária.
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A comissão de guerra também tem para examinar, o projecto dê lei que reduz o número de generais, o que seria uma economia razoável.
Também a comissão de guerra tem de dar parecer sôbre o projecto que permite a passagem de armas daqueles quadros que têm excesso para os que têm insuficiência, e que por meio de um curso especial podia habilitar os oficiais para essa passagem.
Julgo que vale mais ter elementos activos do que tê-los como temos, devido à superabundância dos quadros, isto é, elementos que são apenas falsamente activos.
Julgo que, se a comissão de guerra tivesse dado parecer sôbre o projecto de lei e sôbre a proposta apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra, não estaríamos a discutir neste momento tal projecto de lei.
Mas nada disto se fez; e é neste momento que se invocam argumentos contra a proposta para demonstrar que há aumento de despesa, e que não é oportuna.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para responder a algumas considerações feitas pelo Sr. Pires Monteiro.
Apresentou êle, no seu longo discurso, algum argumento?
Nem um que possa contradizer os apresentados pelo Sr. Ministro.
S. Exa. falou durante muito tempo sôbre os seus projectos de lei, que não estão em discussão.
Há uma afirmação a levantar.
Diz S. Exa. que se não deixa levar por pressões seja de quem fôr.
É mester, porém, reconhecer que desta vez há circunstâncias que nos obrigam a fazer cousas que não queremos fazer, isto sem querer dizer que curvemos a cabeça.
Foi por esta circunstância que assinei o projecto.
Vou citar um facto passado que é digno de ser contado nesta casa.
Quando se deu a greve dos correios e telégrafos, os respectivos funcionários tiveram uma conferência com o Sr. Ministro do Comércio, e S. Exa. comprometeu-
-se a pedir ao Parlamento que votasse o aumento pedido.
Foi isto uma imposição?
Não foi.
A greve dos correios e telégrafos prejudicava os interêsses do Estado, e êstes interêsses estão acima de tudo.
Por conseqüência, já se vê que o argumento do Sr. Pires Monteiro,, não tem valor algum.
Por minha parte dou o meu voto à proposta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Ribeiro de Carvalho): — Sr. Presidente: podia dispensar-me de usar da palavra novamente, porque, se quando fiz uso da palavra pela primeira vez nenhuns motivos tinham aqui sido invocados que justificassem a aprovação da proposta, de então para cá nenhum argumento foi também apresentado que mereça contestação.
Não quero porém deixar de dar à Câmara todos os esclarecimentos sôbre o assunto para que, qualquer que seja a sua resolução, se não possa dizer que ela votou sem conhecimento perfeito de causa.
Disse-se aqui que a proposta deve ser aprovada porque foi apresentada pelo Ministro da Guerra, Sr. coronel Frei-lia, que é um ilustre oficial do estado maior.
Mas eu devo lembrar a V. Exas. que o Sr. coronel Freiria é membro desta casa do Parlamento.
Se êle entendesse que esta proposta correspondia às necessidades do exército, viria de certo defender aqui essa opinião.
Ora êle não veio, e o facto a mim parece-me significativo.
Apoiados.
Mas outra circunstância há a atender: é que, se V. Exas. quiserem seguir a opinião do Sr. coronel Freiria, que é sem-duvida um ilustre oficial a quem todos nós devemos prestar preito (Não apoiado do Sr. António Maia. Apoiados), se há-de ver deveras embaraçado, porque S. Exa. tem duas opiniões diferentes a êsse respeito, que me parece muito difícil conciliar.
Uma é a que traduz a proposta apresentada à Câmara; outra é a que consta
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de documentos oficiais do meu Ministério, como passo a mostrar.
Vou ler à Câmara a nota em que S. Exa. indicou a orientação a seguir, à comissão encarregada de remodelar a Escola Central de Sargentos.
Leu.
Segundo o pensamento do Sr. coronel Freiria, o curso da Escola Central de Sargentos passaria a ser equivalente ao curso dos liceus, tendo os sargentos de ingressar na Escola Militar para a promoção ao oficialato. A verdade, porém, é que êles não têm preparação scientífica para frequentarem a Escola Militar, porquanto o curso da Escola Central de Sargentos, que dura dois anos, por forma nenhuma poderá equiparar-se ao sétimo ano do curso complementar de sciências dos liceus, a não ser que seja muito aumentado.
Mas há mais. É que os sargentos que não satisfizessem àquela preparação seriam relegados para um quadro auxiliar, em que a promoção ia só até capitão.
Se há alguém que possa ser acusado de não querer que os sargentos ingressem nos quadros da oficialidade, não sou, portanto, eu, mas sim o autor da proposta que está em discussão.
Invocou-se aqui também a opinião da comissão de guerra, mas o que é certo é que, embora ela doesse parecer favorável, declarando que a proposta de lei da iniciativa do Sr. coronel Freiria é de natureza a merecer aprovação, não fundamentou o seu parecer, ou, antes, limitou-se a dar um parecer ambíguo, empregando frases, por sinal, bastante obscuras, das quais eu não fui capaz de conseguir perceber o sentido.
O Sr. António Correia (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?
Podia informar-me sôbre se na arma de engenharia há subalternos a menos?
O Orador: — A proposta de lei que se discute não diz respeito à arma de engenharia, e apenas às armas de infantaria, cavalaria e aos quadros auxiliares de artilharia de campanha e engenharia.
O Sr. António Correia: — Fiz esta pregunta porque o Sr. coronel Fruiria apresentou uma proposta para remediar a
grande falta de subalternos da arma de engenharia. Além disso, tenho conhecimento de que artilharia n.° 8, de Abrantes, tem fornecido oficiais para a arma de engenharia.
O Orador: — Efectivamente há falta de subalternos na arma de engenharia, e urge providenciar no sentido de a prover de remédio. O quadro auxiliar a que têm acesso os sargentos ajudantes de engenharia é que está excedido. Como disse o assunto não tem relação com o que se está discutindo.
Creio que já apresentei à Câmara argumentos mais que suficientes para mostrar a inconveniência da proposta, e por isso não quero tornar-lhe mais tempo. Li números autênticos, que o Sr. Correia Gomes quis pôr em dúvida, mas cuja autenticidade eu garanto, pondo à disposição de quem os quiser verificar os registos do meu Ministério.
Sustenta-se que a proposta de lei traduz um acto de justiça. Se existisse realmente uma injustiça a reparar, o número de oficiais práticos existentes nas armas de infantaria e cavalaria devia ser inferior àquele que as leis marcam. Ora a lei diz que é um têrço, e se se dêsse realmente uma situação de injustiça para com os sargentos ajudantes êsse têrço não devia existir. Pois, não senhor! Há muitos oficiais práticos a mais do que o têrço, como eu vou mostrar à Câmara:
Leu.
O Sr. Correia Gomes defendeu também a proposta de lei, em nome dos princípios da equidade, que são a base das democracias. Pois é exactamente por ela não ser equitativa nem democrática que eu a ataco.
O Sr. António Maria Baptista, membro do partido a que S. Exa. pertence, no decreto que revogou a lei dos mínimos, decreto ditatorial, embora, mas ditadura em que todos nós, republicanos, colaboramos, diz, e muito bem, que se trata, duma regalia que mais nenhum funcionário civil ou militar goza. É um privilégio de casta que devemos combater.
O grande, o decisivo argumento empregado pelos defensores da proposta foi a lei n.° 1:239. Se foram promovidos tantos oficiais, também o devem ser os sargentos.
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Se a Câmara se deixa guiar pela moralidade do sapateiro de Braga, entendo que entra num caminho assaz perigoso. A lei n.° 1:239 não prejudicou os sargentos, mas sim os oficiais que por ela não foram abrangidos. Eu tenho recebido reclamações de muitos oficiais sôbre as anomalias a que essa lei deu lugar.
E se V. Exas., pelo facto de terem sido muitos oficiais promovidos, quiserem, atrás dêste exemplo, promover toda a gente, e reparar todas as desigualdades que a lei n.° 1:239 originou, entram num caminho em que nunca mais podem parar.
Repito mais uma vez que da lei n.° 1:239 derivaram casos de injustiça flagrantíssima respeitantes a oficiais, emquanto os sargentos não foram com ela prejudicados de qualquer forma, de modo que se não pode dizer que essa lei representou um benefício para a oficialidade em geral.
De resto, parece-me irritante e prejudicial êste confronto de classes, que não pode existir, porque entre oficiais e sargentos não podem existir senão os laços de subordinação que as leis marcam.
Sr. Presidente: da primeira vez que fiz uso da palavra eu disse que não queria acreditar que as razões que levavam vários Sr s. Deputados a defender esta proposta fossem as que se diziam lá fora à boca pequena. Ainda hoje não quero acreditar nisso, mas o que eu tenho neste momento é elementos para afirmar que esta proposta tem dado lugar já a uma campanha de indisciplina. Tenho aqui documentos que não leio, pelas reservas a que me obriga a minha qualidade de chefe do exército, mas que me levam a essa certeza. A Câmara que tome esta minha afirmação na conta em que entender dever tomá-la.
Sr. Presidente: o Sr. Correia Gomes disse que a função de Ministro era uma função política. Absolutamente de acordo. Simplesmente a política que se tem de fazer na pasta da Guerra é uma política que tem de estar fora e acima dos partidos: é a política da defesa nacional.
É essa que quero fazer, para que o exército saia da situação em que está.
Apoiados.
Essa política exige ao mesmo tempo que as questões militares sejam encara-
das obedecendo-se a um pensamento orgânico de conjunto e não fragmentariamente; a legislação desconexa actualmente existente tem dado lugar a uma verdadeira desordem nos serviços. E, se temos de encarar o problema em conjunto, a Câmara poderá fazê-lo discutindo as minhas propostas.
Apoiados.
Sr. Presidente: não quero prolongar mais tempo a discussão. Dou por terminadas as minhas palavras, repetindo mais uma vez que entendo, por todas as razões que aleguei, razões de conveniência militar e até disciplinar, que esta proposta deve ser rejeitada na generalidade.
Tenho dito.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Sr. Presidente: duas palavras apenas.
Se uso da palavra, é para dizer que entendo que só deve aprovar a proposta que o Sr. Tôrres Garcia mandou para a Mesa. Nenhuma má vontade me move contra a classe dos sargentos, mas quando o Sr. Ministro da Guerra apresentou uma proposta de lei remodelando os serviços militares e pondo-os nos devidos termos, não é justo que a Câmara esteja a discutir uma proposta beneficiando apenas uma classe, e trazendo, demais, aumento de despesa, e classe cujos quadros já estão excedidos. E tanto isto é assim que da parte da própria- comissão de guerra não há entusiasmo algum em que esta proposta seja aprovada, sendo até para estranhar que arme em defensor da proposta o relator da comissão de finanças, que tinha por obrigação zelar os interêsses do País, no momento em que o País reclama compressão de despesas por todas as formas.
Eu acho mesmo que não é da competência desta Câmara resolver êste assunto.
Não apoiados.
Eu não me sinto competente para isso, desde que o Sr. Ministro da Guerra declara que é sua opinião que esta proposta não deve ser aprovada. A não ser que se queira que o Govêrno caia ou o Sr. Ministro da Guerra, pelo menos, se vá embora (Não apoiados], não temos o direito de votar contra a sua opinião.
Apoiados.
Tenho dito.
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O Sr. Presidente: — Deu a hora de se passar à ordem do dia.
Está em discussão a acta.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como ninguém peça a palavra, considero-a aprovada.
Antes de entrar na ordem do dia, vou dar a palavra ao Sr. Presidente do Ministério para um negócio urgente.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer umas declarações e esclarecer a Câmara sôbre os factos que ontem ocorreram no Ministério das Finanças e que a Câmara com certeza já conhece pelas notícias dos jornais.
Como têm sido deturpados êsses factos, em todo o sentido, e as próprias palavras por mim pronunciadas, acho que tenho obrigação de expor à Câmara os factos que ocorreram, chamando a sua atenção para aqueles que são graves.
Os funcionários do Ministério das Finanças tinham-se antes de ontem dirigido em comissão ao Ministério, intimando o chefe do meu gabinete a comunicar-me que desejavam ver resolvidas as suas reclamações em 48 horas.
Ontem fui prevenido de que os funcionários se encontravam fora das repartições, e nessas condições dei ordem para que recolhessem a elas, e, prevendo a hipótese do ter de empregar a fôrça, mandei vir a polícia, que não necessitou de actuar porque foi prontamente cumprida a minha ordem. Mais tarde uma comissão de funcionários procurou-me e disse-me quais eram as suas reclamações.
Queriam os funcionários que fossem resolvidas duas reclamações suas a revogação daquilo que o Parlamento estabeleceu pela lei n.° 1:452, e o aumento de vencimentos.
Eu disse-lhes, clara e categoricamente, que não recebia intimações de ninguém e que, como é certo, as suas reclamações estavam dependentes do estudo das duas comissões que tratam do assunto. Disse—lhes mesmo que não lhes podia dar qualquer esperança relativamente ao aumento de vencimentos, porque se não pode trazer ao Parlamento nenhuma proposta nesse sentido, visto que para isso era neces-
sário criar simultaneamente uma receita compensadora.
Alguns dos comissionados, devido ao seu estado de exaltação, mas sempre dentro da compostura e respeito adequados ao local onde estavam, declararam que iam para a greve.
Respondi-lhes que não me importava com isso, que fizessem o que entendessem, porque eu não tinha que dar-lhes conselhos. No emtanto salientei-lhes que a greve não me coagiria a apresentar qualquer proposta para aumento de vencimentos emquanto não tivesse sido criada a receita correspondente.
Daí derivou o boato, que fizeram correr, de que o Ministro das Finanças era o primeiro grevista, visto que lhes impunha a greve como meio de satisfação às suas reclamações. Aqui têm V. Exas. esclarecidas as minhas palavras.
Fui eu o autor duma proposta para que nenhum Ministro pudesse aumentar as despesas sem arranjar receita equivalente. A Câmara, certamente, não tomará essa iniciativa.
Êste caso pode traduzir-se num agravamento da situação, e urge que o Parlamento dê fôrça ao Govêrno.
Por emquanto a greve tem consistido em fingir que se trabalha sem nada se fazer.
Conservam-se os funcionários nas repartições, escrevem muitas cousas, mas não produzem nenhum trabalho.
O Govêrno, se o Parlamento entender e lhe der fôrça para isso, empregará todos os meios no sentido de não tolerar êste estado de cousas, pondo fora das repartições àqueles que não querem trabalhar.
Apoiados.
Não posso, no emtanto, sem faltar àquilo que devo a mim mesmo e ao cargo que desempenho, deixar também de reconhecer que há funcionários de categoria inferior do Ministério das Finanças que recebem muito mais do que funcionários categorizados de outros Ministérios.
Chamo, por isso, a atenção do Parlamento, porque me parece que efectivamente deve ser estudada a forma de não se estabelecer um regime especial para uns e diferente para outros.
Parecer-me-ia necessário que o Parlamento, abandonando porventura assuntos
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de muito interêsse, se dedicasse à apreciação das propostas de receitas.
O Parlamento votou ultimamente a reorganização dos serviços dos correios e telégrafos, mas fê-lo porque encontrou uma forma de contrabalançar a despesa a efectuar criando uma receita compensadora.
Como Ministro das Finanças não posso deixar de dizer que não poderá o Govêrno continuar muito mais tempo sem que o Parlamento entre única e exclusivamente na apreciação das propostas que trazem a criação das receitas. É a hora de o dizer e em breve tenciono pôr claramente o problema ao Parlamento.
O Estado espora há mais de dois meses a votação de uma proposta que conseguiu vingar dentro da Câmara das Deputados e passar ao Senado: a proposta da lei do selo.
O Estado não tem possibilidades de tesouraria para fazer pagamentos.
Não poderá o Estado, seja qual fôr o Govêrno ligado a esta situação, aumentar a circulação fiduciária, tendo o desconhecimento das dificuldades. Ainda há pouco foi aceita pela Câmara uma proposta do Sr. Almeida Ribeiro respeitante à circulação, fiduciária.
Por todas as formas é evitado o aumento da circulação fiduciária.
Mas o Parlamento não adoptou os meios para obviar a tal situação.
Sem êles é inútil a acção do Govêrno.
Foram feitas reclamações, em determinado sentido; não importa mesmo que elas sejam extremamente vagas.
Mas a atitude, do funcionalismo, estando nas repartições e não trabalhando, é uma cousa que fica mal; é desonesta.
Querem a greve? Façam-na então claramente; que toda a gente veja que é um protesto violento.
A acção do Ministério neste particular será no sentido de coagir todos ao cumprimento dos deveres.
Apoiados.
São estas as palavras que julgo que basta dizer nesta altura.
Mando para a Mesa duas propostas de lei para as quais peço a urgência, pedindo ainda que entrem em discussão na próxima semana.
O orador não reviu.
Foi aprovada a urgência.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia: Continuação da interpelação do Sr. Cunha Leal ao Sr. Ministro das Colónias, sôbre administração colonial e acção dos Altos Comissários.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: iniciei ontem a análise ao famoso orçamento da província de Angola, que está em vigor.
Tive já ocasião de dizer como me pareciam erradas as previsões orçamentais no tocante a receitas e prometi demonstrar minuciosamente que o orçamento das despesas é a mistificação mais completa de que há memória em matéria de orçamentos.
Tendo começado ontem a fazer a prova da minha afirmação, eu disse que os vencimentos dos funcionários de Angola eram divididos em quatro partes:- vencimento de categoria, vencimento de exercício, subvenção colonial e subsídio eventual.
Demonstrei que os vencimentos quer de categoria quer de exercício, são muito menores que a subvenção colonial e o subsídio eventual. Porém, no orçamento apenas aparecem descriminados os vencimentos de categoria e de exercício, emquanto a parte mais importante dos vencimentos dos funcionários ou seja o subsídio eventual e subvenção colonial; aparece em bloco.
Tive o cuidado de ver quais os funcionários de Angola que pelo respectivo orçamento tinham direito a essa subvenção.
Por decreto n.° 94 de 3 de Fevereiro de 1923 o Alto Comissário criou um subsídio a todos os funcionários militares e civis das circunscrições que sirvam em determinados distritos em que o clima é pior.
Êsses distritos são os do Congo, Moxico, Lunda e Cubango. Para êstes subsídios estabeleceu-se no orçamento a verba de 129 contos. E, ao passo que o decreto n.° 94 diz que o subsídio é extensivo a todos os funcionários, a verba orçamentada tem a rubrica de que só se aplica aos funcionários civis das circunscrições.
Mas chegam êstes 129 contos para pagar, ao menos, aos funcionários civis? Não chegam. Vamos, por exemplo, a um dos distritos, o do Congo, e verificaremos
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que, sendo a verba total, inscrita no orçamento, de 129 contos, só para um dos distritos são necessários 217.
O decreto n.° 64 de 10 de Novembro de 1921, criou um subsídio, para todos os funcionários que tenham família legalmente constituída, que é de 50, 60 e 70 por cento sôbre o vencimento de categoria, conforme o número de pessoas de família.
Mais tarde, o decreto de 16 de Fevereiro de 1923, elevou êsse subsídio a 150, 170 e 200 por cento.
Para fazer face a tudo isto, o orçamento inclui uma única verba, que é de 800 contos.
A honestidade profissional com que se fez a distribuição foi tal, que sendo os distritos de Benguela e Mossâmedes aqueles em que a percentagem de população branca é maior, e sendo o distrito de Lunda mais pequeno, fixou-se a mesma verba para todos.
Devo dizer a V. Exas. que, na maior parte dos distritos, em fins de Outubro estava esgotada a verba, sendo necessários importantes reforços de verba para êsses pagamentos poderem ser efectuados.
O subsídio de permanência foi fixado em 400 contos, isto é, numa verba que não chega para pagar a quarta parte das despesas, e está de há muito esgotado.
Mas há mais Para o pessoal assalariado e contratado para o porto e caminho de ferro de Luanda, foi estipulada a verba de 1:470 contos. Estava esgotada em fins de Outubro, e para fazer face às respectivas despesas, creio ser necessário um reforço de 3:500 contos.
Há mais. Em 31 de Outubro, também estava esgotada a verba para pessoal contratado nos caminhos de ferro do Sul, que havia sido calculada em 208 contos. Calculo ser necessário um reforço de 1:000 contos.
Sr. Presidente: vou dizer como foi calculado o orçamento de Angola.
Enganaram-se em 200 contos no pessoal militar indígena. Enganaram-se em 2:772 contos no pessoal branco.
Se V. Exas. forem examinar também as verbas para material, encontram cousas verdadeiramente fantásticas.
Assim, para impressos e livros, vê-se apenas a verba de 50 contos.
Para todos os fardamentos e salários municipais, figuram apenas 517 contos. Para sustento de presos existem só 50 contos e para material compreendendo móveis, utensílios, etc., 30 contos.
Mas continuemos. Para a Imprensa Nacional, para despesas, 100 contos.
Sr. Presidente: 100 contos não chegam para pagamento do papel destinado ao Boletim Oficial.
No artigo 32.° «Correios e Telégrafos» há a seguinte verba:
«Para condução de malas, 30 contos».
Só da testa do caminho de ferro de Benguela até ao Bié gastam-se por mês cêrca de 3 contos.
Para reparação de todo o material dos Correios e Telégrafos e linhas telefónicas destinou-se a verba de 50 contos.
Meus Senhores: só um doido ou um tolo que não saiba quanto custa uma campânula e um quilograma de fio faz uma previsão desta natureza.
Em Angola, há quatro alfândegas importantes, Loanda, Lobito, Benguela o Mossâmedes, além de duas delegações, quatro postos de despacho e seis fiscais.
Pois para pagamento de impressos, assinaturas de revistas, expediente e outras, estipulou-se a verba de 4 contos.
Para serviços de saúde, aquisição de medicamentos, etc., fixou-se a importância de 2 contos.
É preciso desconhecer por completo o preço dos medicamentos, roupas, e outros artigos para se arbitrar semelhante quantia.
Mas há mais.
Anualmente, os solípedes de Angola consomem 50 contos, o as diversas despesas feitas com as diferentes unidades são de 54 contos, isto segundo as verbas inscritas no Orçamento.
Para prémios de alistamento e despesas de recrutamento há também verbas bastante importantes.
Como V. Exas. sabem, destas importâncias tem de ser paga a alimentação do soldado desde o ponto donde é recrutado até à unidade em que é encorporado, e como o Sr. Alto Comissário é uma pessoa que gosta de proporcionar sempre ao indígena todas as comodidades, por circular de 2 de Abril do 1923, publicada
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no boletim n.° 16, II Série, de 21 do mesmo mês determinou que a cada lanceiro fôsse fornecida uma camisola, um pano e uma manta para agasalho.
Pois sabe V. Exa. qual é a verba inscrita no Orçamento? 4 contos.
Para rendas de casa em toda a província fixou-se 20 contos, verba que não chega, sequer, para o distrito de Benguela. Para telegramas, etc., 800 contos, quantia irrisória, porque todos sabem a quanto monta a verba gasta em telegramas pela Agência Geral de Angola.
Resumindo, eu calculo que o reforço necessário para o Orçamento da província de Angola deve ser aproximadamente de 8:850 contos.
Não julguem V. Exas. que estou exagerando a verba a que acabo de fazer referência, mas desde que o Sr. Alto Comissário fez o favor de nos publicar discriminadamente as verbas orçamentais, nós pudemos verificar fàcilmente que todo o Orçamento não passa de uma pura mistificação e fantasia.
Eu, que não quero cansar a atenção de V. Exas., direi ainda algumas palavras sôbre a burla das contas da gerência. As contas da gerência foram encerradas sem estarem em Loanda as contas de exercício.
Creio que a esta hora as contas do exercício de 1921-1922 ainda não estão em Loanda!
Porque é que se fechou a conta de exercício sem ter uma única menção dos cinco distritos que faltam dos catorze que existem?!
Fez-se uma cousa curiosa: fez-se a conta do exercício por capítulos e artigos, mas não distribuídos por distritos, e depois fez-se a conta de pagamento por distritos, para nos dar a noção de que havia uma destrinça de uma conta de exercício.
V. Exas. sabem muito bem que o exercício corresponde ao ano económico e mais seis meses, de modo que, terminado o exercício de 1921-1922, havia ainda o prazo decorrido de 30 de Julho a 31 de Dezembro para se fazerem as liquidações, e porque estas liquidações não pudessem ser feitas até essa data passaram para o ano seguinte.
A primeira cousa que me surpreendeu foi o não terem feito todas as liquidações até o fim de Dezembro: sabem V. Exas. porquê?
Porque não tinham as contas de todos os distritos, não por falta de dinheiro, porque lá dinheiro havia, e até um superavitzinho existia.
Se havia dinheiro, por que não pagaram?
Porque não pagaram, se tinham em caixa 6:900 contos que lhe davam para o ano seguinte sem necessidade de recorrerem ao manancial inesgotável do Banco Nacional Ultramarino?
Diziam «temos dinheiro, mas não pagamos».
Não merece a pena perder mais tem pó com êste assunto.
Vamos a outro, vamos ocupar-nas do activo do Alto Comissário de Angola.
Dir-se-há: gastava-se muito dinheiro mal gasto, malbaratava-se em louco luxo muito dinheiro, distribuía-se dinheiro a rodos, por toda a clientela do Alto Comissário, como se êle tivesse a cornucópia da abundância — como eu disse ontem — mas outros dirão: mas ao menos fez-se uma obra!
Angola deixou de ser aquele ponto morto por onde passaram outros altos funcionários.
Mesmo que assim fôsse, dada a nossa pobreza, não sê poderá justificar o dispêndio inútil de $01 sequer!
No momento que passa, que é de uma grave crise financeira e económica, deve ser preocupação de todos a realização de economias, e portanto não se compreende que o Alto Comissário de Angola se dê ao luxo de dispor de uma garage imensamente bem sortida.
Aqueles que admiram as faculdades administrativas do Sr. Alto Comissário de Angola não se cansam de elogiar a acção que aquele alto funcionário tem desenvolvido no tocante a obras efectuadas na província.
É assim, que ouço falar da obra vantajosa que constitui a nova divisão administrativa, que ouço falar na obra de caminhos de ferro e portos, que ouço falar na obra de construção de estradas, que ouço falar na obra de construção de novos edifícios, que ouço falar na obra da fixação de colonos, nomeadamente na fixação dos poveiros no Sul de Angola.
Merecerá a pena examinar, sem paixão e com a máxima serenidade, o que representa cada uma dessas obras levadas
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a efeito pelo Alto Comissário de Angola, para lhe dar os elogios justos quando os mereça para reduzir à justa proporção tudo aquilo que haja sido exagerado.
Mercê do grande barulho que se tem feito na imprensa à volta da obra do Alto Comissário de Angola, todos mais ou menos se têm deixado convencer de que há ali efectivamente já realizada uma grande obra.
Ora o que, de facto, há é um grande desperdício de dinheiro, mas obras...
Emfim, vamos às obras!
Comecemos pela divisão administrativa da província.
O que fez o Sr. Alto Comissário?
Aumentou o número dos distritos e o de circunscrições.
Os distritos são 14 e as circunscrições são 73, se não estou em êrro.
Foi uma medida destas inteiramente inútil?
Não!
De facto, alguns dos distritos e algumas das circunscrições criadas de novo representam benefício para a província.
Outros, porém, resultam em pura inutilidade, visto que não contam mais de uns 50 brancos.
Das circunscrições criadas, também muitas são inúteis, e só servem para aumentar o número de funcionários.
A entidade administrativa que tem maior contacto com o preto, que o fôrça ao pagamento dos impostos e que directamente o ouve nas suas reclamações, é o chefe do pôsto.
Por via de regra, o administrador de circunscrição constitui já uma figura de primeira categoria.
Já não se desloca senão de automóvel!
Ora o preto tem modo das vias de comunicação e, portanto foge dos sítios em que passe perto qualquer estrada.
O Sr. Alto Comissário já pretendeu obrigar o preto a fixar-se ao pé das estradas, mas o preto é teimoso e assim continua a fugir das proximidades das estradas.
Em todo o caso, o meu espírito de justiça obriga-me a dizer que alguns distritos e algumas circunscrições traduzem utilidade.
Passemos aos caminhos do ferro.
Existem em Angola quatro caminhos de ferro.
Dois pertencem a companhias particulares, e os outros dois são do Estado.
O de Loanda e o de Mossâmedes são do Estado, os de Benguela e Amboim são particulares.
Vejamos os progressos de tais caminhos de ferro.
Comecemos pelo Caminho de Ferro de Loanda.
Em 23 de Novembro de 1923, a Associação Comercial de Loanda, encarregou os indivíduos — um deles, pelo menos, é grande admirador do Alto Comissário da Angola — de elaborarem um relatório sôbre o estado daquele caminho de ferro. Êsses três indivíduos são os Srs. Adolfo Pina, Aníbal Gonçalves e Vicente Costa.
O que dizem êsses senhores no relatório que elaboraram por delegação da Associação Comercial de Loanda?
Dizem isto:
Leu.
Mais adiante êste mesmo relatório diz cousas deveras curiosas sôbre o estado do Caminho de Ferro de Loanda.
Vejamos.
Leu.
Não se avançava na construção, mas compravam-se máquinas e material circulante. As locomotivas são, porém, pesadas demais para os rails que estão colocados e por conseqüência não circulam convenientemente. Gastam cinco dias a percorrer três quilómetros!
Aqui está o que é a obra dos Caminhos de Ferro em Angola.
Tudo isto se constata no relatório feito pelos delegados da Associação Comercial, dos quais um pelo menos, é admirador, repito, do Sr. Alto Comissário de Angola.
Dizem ainda que só de café para transportar há um stock de 4:500 toneladas. Também aguardam transporte alguns couros despachados há três anos!
Não sou 311 que o digo, é a Associação Comercial de Loanda, que provou que neste caminho de ferro as cousas marcham com pouca velocidade!
Risos.
Continuemos: ainda há pouco V. Exas. ouviram anunciar que o Alto Comissário, finalmente, tinha conseguido levar o Caminho de Ferro de Chinga ao Lubango. Não serei eu quem conteste essa verdade, pois não pretendo deminuir a glória do
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Alto Comissário, mas quero reduzi-la às suas verdadeiras proporções.
Em 1916 estava concluída uma grande parte da plataforma até ao Lubango; e o que fez S. Exa.? Assentou a linha. Foi esta á glória do Alto Comissário, foi êste o esfôrço de S. Exa.!
Além disso existia na colónia o Caminho de Ferro de Benguela; pois bem, estava proibido fazer-se nova emissão de obrigações; pois foi permitido fazer-se nova emissão de três milhões de libras do obrigações para se poderem cumprir os contratos já feitos. Êste caminho de ferro tinha já a plataforma construída, faltando-lhe apenas trinta quilómetros de via. Porque não avançou mais? Porque as condições do mercado de Londres o não permitiam? Não sei; o que é certo é que o progresso do .Caminho de Ferro de Benguela não constitui ainda aquele elemento que há-de levar até aos astros a obra administrativa do Sr. Norton de Matos!
Resta o Caminho de Ferro de Amboim; estão construídos 30 quilómetros de plataforma... e mais nada.
Em matéria de caminhos de ferro eu não logro descortinar mais nada na grande obra do Alto Comissariado!
Vamos aos factos. Fizeram-se contratos com três casas sem que se cumprisse a obrigação de mandar os contratos ao conselho de finanças! Não havia um plano de trabalhos a realizar, mas em compensação foi contratado, em ouro, pessoal cujos empreiteiros tinham de comissão entre 10 a 20 por cento e no fim de 1922 não havia uma estaca espetada. Havia muito em dinheiro, mas pouco em obra.
Falou-se muito em construção de estradas e o número de 20:000 quilómetros andava sempre a boiar à superfície de todos os jornais quando queriam louvar a obra do Sr. Alto Comissário, parecendo até, que não havia uma única estrada antes da chegada de S. Exa.. Qual foi a obra de S. Exa.?
Abrir uma picada ali ou acolá, mas nunca julguei que isso chegasse para fazer a glória de um Alto Comissário, porque não chegava para fazer a glória de um simples chefe de circunscrição!
Fala-se, também, muito em construção de edifícios. Num discurso pronunciado pelo Sr. Norton de Matos no Conselho
Legislativo, antes de embarcar para a metrópole, dizia S. Exa. o seguinte:
Leu.
E, a seguir, enumerando as construções que em 1921-1922, 1922-1923 tinham sido realizadas ou em via de conclusão, S. Exa. apontou o número de 459 sendo 103 no distrito de Benguela. Ora em Benguela existe um jornal intitulado o Jornal de Benguela, jornal que é dirigido por uma pessoa da maior respeitabilidade, o Sr. Manuel Mesquita. Pois veio nesse jornal a seguinte interessante notícia:
Leu.
Pregunta aos habitantes de Benguela um seu conterrâneo onde estão as tais 103 construções. Muito pouco devia ser a sensibilidade moral dêste homem para fazer aos seus vizinhos uma tal pregunta se essas construções lá existissem.
Será então verdade que no distrito de Benguela não existem os 103 edifícios a que aludiu o Sr. Norton de Matos? Deixo em suspenso perante a Câmara esta interrogação. Dum lado está o Alto Comissário afirmando que sim, do outro o Sr. Manuel Mesquita dizendo que não. Eu fico-me na posição de espectativa.
Vem agora a pelo lembrar o que foi o élan patriótico provocado em Portugal pela atitude dos poveiros que, tendo nascido portugueses e desejando morrer portugueses, regressaram a Portugal, para mais tarde serem enviados a Pôrto Alexandre. O Sr. Norton de Matos mandou fazer lindos chalets, que custaram centenas de contos, mas não pensou em lhes proporcionar os meios de angariarem a vida.
Pensou-se em festas em que, se o champanhe não correu, os bolos e o vinho do Pôrto não faltaram. Mas não se pensou no trabalho a dar a êsses homens e assim êles foram empregados nos trabalhos de salga em péssimas condições, visto que, em quanto os indígenas trabalham curvados, os brancos só podem trabalhar de pé.
Êstes depósitos de salga pertenciam a uma espécie de sindicato de Mossâmedes, mas como os poveiros não pudessem adaptar-se às condições dêsse serviço, resolveram abandonar Angola, ficando a dever dinheiro a êsse sindicato e até o próprio vinho do Pôrto com que tinham sido presenteados à sua chegada.
Trágica é também a história de muitos
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operários que, induzidos por promessas falazes, foram para Angola, vendo-se mais tardo obrigados a abandoná-la pouco a pouco. Ouço falar em 7:000 colonos que foram para Angola depois da chegada do Sr. Norton de Matos.
Creio bom que a décima parte dêsse número ainda está aquém da verdade.
Tendo uma situação financeira má, porventura a situação económica é melhor? Eu vou dizer à Câmara o estado actual das relações entre a metrópole e Angola e hei-de provar que o Sr. Norton de Matos pretendeu transformar Portugal numa colónia e Angola em metrópole.
E nas colónias que o excesso da produção nacional, de preferência, deve procurar os seus mercados.
Pregunto: as relações da metrópole com Angola são, acaso, as melhores? O exportador consegue vender os seus produtos para PA colónias?
Eu creio poder responder cabalmente que não. E decerto não dou novidade dizendo que neste momento estão rotas as relações comerciais entro a metrópole e a colónia, o que por si só bastaria para condenar a obra de um homem, por muito grandes que sejam os méritos apregoados pela Agência Geral de Lisboa.
E porque sucede isto? Porque não se fazem transferências de moeda da colónia para a metrópole. Neste momento vai travada uma enorme disputa entre dois organismos em litígio: dum lado o Govêrno Geral de Angola, dizendo que a culpa é do Banco Nacional Ultramarino; e do outro o Banco dizendo que a culpa é do Govêrno Geral de Angola. Naturalmente a culpa é dos dois.
Vamos ver a cota de responsabilidade que pode caber a estas duas entidades.
Quando fui Ministro das Finanças, porque esta situação se mo afigurou muito interessante, procurei obter elementos que me habilitassem a saber qual a razão do procedimento do Banco Nacional Ultramarino a êste respeito. O banco mandou-me os seguintes números:
Leu
Quere dizer que nestes dois anos saíram notas no valor de 86:199 contos que não tiveram cobertura e que determinaram naturalmente um esgotamento das reservas do banco e daí as medidas violentas de acabar com as transferências.
Mas, se isto é assim quando nós vemos nos seus discursos no Conselho Legislativo o Sr. Norton de Matos gritar que nunca como agora foi tam boa a situação de Angola, eu sou forçado a admitir neste momento que a sua balança comercial é deli citaria.
Creio poder afirmar que é em conseqüência desta circunstância que uma grande parte das dificuldades financeiras vem prejudicando a vida da agricultura e a da indústria.
O Banco Nacional Ultramarino fez um contrato com o Govêrno Geral de Angola que não devia ter feito, visto ser difícil cumprir as suas obrigações. , O resultado foi que a sede do banco ficou desfalcada de notas e ninguém ignora que em certa altura o Govêrno de então, que era democrático, sentiu a necessidade de acudir à situação do banco, tanto mais que reconheceu que em parte os gravíssimos embaraços dêsse banco eram devidos às circunstâncias forçadas da vida de Agrícola. Também ninguém ignora que em duas -semanas um determinado Ministro das Finanças aumentou a circulação fiduciária em 56:000 contos.
O que quere isto dizer?
É que o socorro compreensível e justo que o Govêrno democrático entendeu dever dar ao Banco Nacional Ultramarino desfalcou as reservas nacionais em cêrca de 40:000 contos por virtude da situação que tinha sido criada pela colónia.
Foi dito há tempo na Associação Comercial de Lisboa que a actual situação do escudo de Angola era idêntica à de uma fera metida numa jaula. Angola criou uma nota privativa. Rompeu de qualquer forma a unidade económica portuguesa. A sua nota tem de ter um valor determinado e o escudo da metrópole tem de ter outro.
Desde que os valores não são iguais, tem do aparecer o factor câmbio, fazendo que a nota de Angola se valorize mais ou menos em relação à da metrópole, consoante as suas dificuldades económicas e financeiras forem maiores ou menores do que as desta.
Ora é isto que não se quere reconhecer. Quere atribuir-se à nota de Angola o mesmo valor que tem a nota da metrópole e, sob a designação de prémio de transferência, confundem-se duas cousas que
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são fundamentais. Uma é o prémio de transferência propriamente dito; outra é o ágio que uma das notas tem de ter em relação à outra, conseqüência das condições económicas.
Qual teria sido a política económico-financeira que o Govêrno Geral de Angola poderia ter tido?
O Govêrno de Angola queria fazer sair a província do ponto morto em que estava!
Está certo!
Para isso necessitava fazer empréstimos externos cujo produto aplicaria na compra do material adquirido no estrangeiro a pagar em ouro; para pagamento de todas as despesas de fomento e de construções, a satisfazer na própria província, teria o produto de empréstimos internos.
Assim se fez no ano de 1921-1922 em que foram iniciadas as obras.
Utilizou-se, então, a maior parte de um empréstimo externo feito parei efectuar obras dentro da própria colónia. Procurou-se transformar, a pouco e pouco, o empréstimo externo em interno.
Vejamos. Nas contas de gerência do ano de 1921-1922 figura uma operação de empréstimo da Companhia de Diamantes de 389:000 libras.
Gastou-se êste dinheiro em pagamentos de material adquirido no estrangeiro?
Gastou-se êste dinheiro em pagamentos de mão de obra feita no estrangeiro?
À face das contas de gerência, não se podia aplicar êsse dinheiro em pagamento de cousas compradas fora da província.
Consultando as contas da gerência, no capítulo de despesas extraordinárias, encontro só as seguintes verbas que poderiam dar lugar a pagamentos em ouro, no estrangeiro.
Leu.
Note-se que uma parte desta verba foi gasta, por certo, na província, porque O pagamento mais importante refere-se a estradas e à construção de caminhos de
ferro.
Quere isto dizer que só pegou nas libras e se venderam, transformando-se êste empréstimo em empréstimo interno.
Mais tarde pensou-se em fazer a inversa.
Como? Duma maneira simples.
O governo de Angola comprava mate-
rial, por exemplo, em Portugal e declarava que só pagava na colónia. Uma vez ali chegado era pago. Depois, naturalmente, os fornecedores nacionais queriam transferir o dinheiro de lá para cá. Então o empréstimo que era interno transformava-se em externo. Foi devido a esta circunstância que a balança económica de Angola, a pouco, e pouco, se tornou deficitária.
Chegado a um certo grau de dificuldades, o Alto Comissário começou a fazer notas para a acquisição de cambiais a casas particulares: Correia & C.a, Sousa Machado & C.a, Banco Colonial, e Angola & Congo, Limitada.
Essas casas comprometiam-se a entregar em certo prazo um mínimo de libras e um mínimo de escudos da metrópole, pagando-lhes o Govêrno Geral de Angola, em determinadas condições.
Essas casas faziam compras de mercadorias para realizar em libras as suas coberturas, tornando mais difícil a vida do comércio.
Como disse a V. Exas., a Associação Comercial de Loanda encarregou uma comissão, composta de três indivíduos, de fazer um relatório da situação bancária. Apresentaram-se três propostas e uma delas é a seguinte:
Leu.
Sabem quem é um dos autores do relatório? O Galileu!
O Sr. Norton de Matos (em àparte).—Já tinha sido denunciado em Novembro.
O Orador: — É possível que já tivesse sido denunciado, mas o que é certo é que a necessidade de obter coberturas era tam grande que não tem outra forma de o fazer.
Ficava mal com a minha consciência se eu não analisasse nesta minha interpelação uma cousa para a qual chamo a atenção do Sr. Ministro das Colónias. Trata-se de se saber se o Ministério das Colónias tem as suas relações entre a metrópole e Angola como tem o Sr. Alto Comissário.
O Sr. general Norton de Matos fez um discurso no Conselho Legislativo que depois foi traduzido em entrevistas publicadas na imprensa.
Troquemos isto por miúdos!
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Conclui-se textualmente que a colónia tem o direito do não manter para com a metrópole uma excessiva subordinação, tem o direito de exigir da metrópole que a não abandone e tem o direito de se administrar com liberdade inteira.
Então o que fica para a metrópole?!
Fica o direito de se constituir um local para onde convirja o excesso de produção de Angola. Nós temos de ser uma colónia de Angola.
O pensamento do Sr. Alto Comissário está bem expresso nesta frase: «uma unidade político-económica...»
Leu.
É a independência de facto e a independência de direito! Quando leio esta observação de S. Exa. fico aterrado!
Leu.
Isto significa, nada mais nada menos, do que a fusão da política nacional com a política colonial.
Foi essa política que nos levou à perda da índia, a Alcácer Kibir è a perda da própria nacionalidade.
Apoiados da direita.
Subordinação absoluta sim, mas dos interêsses da colónia aos da metrópole que são os da Pátria!
Apoiados.
Angola ainda está muito verde para ser independente!
Apoiados.
Vou terminar dentro de pouco tempo, mas como V. Exas. têm muita paciência para me ouvir, eu direi mais algumas palavras.
O Sr. Norton de Matos, numa entrevista há tempos publicada, declarou-se defensor estrénno de respeito à lei, mas apenas S. Exa. chegou a Angola perdeu êsse respeito.
S. Exa. não conhece limites para a sua vontade.
S. Exa., sem nenhum respeito pela lei, expulsou quem lhe apeteceu! Os funcionários não têm direitos! S. Exa. demite-os quando muito bem entende. Os funcionários são castigados não segundo o preceituado nas leis, mas quando a S. Exa. apetece castigá-los.
No meio do seu despotismo o Sr. Norton de Matos tem às vezes gestos. Assim é que transformou as prisões da Cova da Onça e da Casa da Cal, como telegràficamente em Janeiro de 1923 comunicava
ao Sr. João Chagas; mas depois concedeu aos degredados a amnistia da morte. Mandou-os para Almoxarife. Já morreram 200, e estão morrendo muitos em Catete.
Sr. Presidente: poderia esmiuçar mais, mas não quero entrar nesse caminho.
Narrei casos concretos. Não inventei nada, não fantasiei nada, não caluniei. Mantive-me sempre numa rigorosa constatação de factos. Fiz justiça ao Sr. Alto Comissário quando apreciei as suas altas qualidades; justiça fiz quando apreciei os seus defeitos, e garanto que teria muito maior prazer em dizer do Sr. Norton de Matos muitíssimo bem do que em verberar a sua acção administrativa em Angola.
Não me move nenhum ódio, como porventura o poderão supor as pessoas que dos outros fazem juízos que em sua própria consciência formulam a propósito de si mesmos. Apenas me moveu o alto interêsse do meu país. É que no meu espírito entrou a convicção, que para mim é certa, de que Angola no caminho que vai seguindo se perderá.
A única paixão que me move é a que provém do muito que ambiciono de prosperidades para o meu país e para as suas colónias. Oxalá que ninguém me obrigue a sair dêste caminho.
Teria de dizer alguma cousa em relação a Moçambique, mas como não conheço bastante êsse problema, a êle não me refiro, pois não quero fazer obra vã de palavras.
Contudo, ficaria também de mal com a minha consciência se não citasse um caso respeitante ao Alto Comissário de Moçambique, embora esteja convencido de que não corresponde à verdade o que se conta. É, porém, necessário falar-se nele para que o Sr. Ministro das Colónias estabeleça a verdade.
No jornal A Época vem uma notícia que diz:
Leu.
Eu quero acreditar que esta notícia só vem publicada por um êrro de informação. Acredito piamente na honestidade do informador do jornal, mas também acredito na honestidade do Sr. Azevedo Coutinho.
Poder-me hão dizer que o facto de receber um adiantamento não constitui um
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crime. Efectivamente assim é. Mas nós somos os descendentes daqueles republicanos que por causa dos adiantamentos à casa real deram uma forte machadada no trono dos Braganças. Estamos ainda muito perto dessa época para nos podermos esquecer das nossas responsabilidades. E por isso que eu tenho a certeza dó que o Sr. Ministro das Colónias vai dizer que é falsa a notícia do jornal A Época.
Gomo conclusão de tudo quanto tenho dito, vou mandar para a Mesa uma moção.
Sr. Presidente e meus senhores esta é a conclusão lógica do meu trabalho. Termino, afirmando mais uma vez que o objectivo que me determinou a fazer esta interpelação foi exclusivamente o de servir o meu país e que o meu desejo seria que o Alto Comissário de Angola conseguisse desfazer as tremendas provas que constam dos documentes oficiais que pus diante da Câmara. Tenho a certeza de que o país ao conhecer êsse meu objectivo, me não há-de julgar severamente. Em todo o caso que êle nos julgue a todos nós.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O discurso será publicado na integra quando o orador haja revisto as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O orador foi muito cumprimentado pela direita da Câmara.
É admitida a moção, do teor seguinte;
«A Câmara dos Deputados, reconhecendo que da exposição feita acêrca do Governo de Angola se deduz que se tem ali praticado actos de administração financeira que não garantem a legítima aplicação dos dinheiros da colónia;
Espera que o Govêrno faça restabelecer imediatamente as boas normas da administração pública por uma rigorosa investigação sôbre os factos expostos e pelo exacto cumprimento das leis que determinam a efectiva fiscalização dos serviços de contabilidade pública e de administração financeira colonial, e continua na ordem do dia».— Cunha Leal.
O Sr. Ministro das Colónias (Mariano Martins) - Sr. Presidente: Produziu o
Sr. Cunha Leal um longo discurso de cinco horas, dividido por duas sessões. A êsse discurse sou obrigado a responder por uma ficção constitucional, pela mesma ficção constitucional que fez com que a interpelação de S. Exa. fôsse feita ao Ministro das Colónias, em vez de ser dirigida ao Alto Comissário de Angola.
A carta constitucional da monarquia previa a hipótese de os funcionários prestarem contas ao Parlamento sempre que os Ministros, pela complexidade dos assuntos e pela falta de conhecimento deles, se julgassem impossibilitados de responder pelos actos dêsses funcionários. Também na Câmara francesa êsse preceito existe, e ainda me lembro do que se passou nessa Câmara há quatro ou cinco anos, quando se discutiu o estatuto da Argélia.
Ainda no ano passado estavam em discussão duas leis militares e foi o major general do exército à Câmara discutir com os Deputados aquilo de que BÓ êle podia ter conhecimento, porque o Ministro era a ligação da parte técnica e não podia dar certas explicações que o chefe de estado maior podia dar.
Portanto, não pode causar estranheza que ao discurso do Sr. Cunha Leal eu não possa responder senão em breves minutos, porque da acção do Alto Comissário em Angola, não só eu como os meus antecessores, pouco conhecimento temos, isso devido às leis que criaram e regulam os Altos Comissariados, que lhes dão faculdades de Poder Executivo, obrigando-os a prestar contas ao Govêrno metropolitano, mas não dizendo por que meios.
A lei n.° 1:022 dá aos Altos Comissários, dentro da sua colónia, o exercício de todas as funções que ao Ministro das Colónias são concedidas pelas leis orgânicas.
A acção do Ministro limita-se à leitura das providências promulgadas e a inquirir se as disposições nelas contidas vêm colidir com qualquer competência do Govêrno da metrópole.
A Secção I da Base 11.º tem originado larga discussão, porque não se sabe onde termina a competência do Alto Comissário, sendo necessário definir êste assunto.
Repito: por êstes motivos não é de admirar que dos factos trazidos à Câma-
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ra pelo Sr. Cunha Leal não tivesse o mais pequeno conhecimento; suponho mesmo que os meus antecessores o não tiveram.
Felizmente, encontra-se, na metrópole o Alto Comissário visado na interpelação; embora êle não possa responder como Alto Comissário, mas como Deputado, poderá elucidar a Câmara; suponho até que S. Exa. pedirá á palavra...
O Sr. Norton de Matos: — Peço a palavra ao abrigo do § único do artigo 135.° do Regimento.
O Orador: — S. Exa. elucidará a Câmara, como Deputado, sôbre os seus actos de Alto Comissário...
O Sr. Carvalho da Silva: — Peço a palavra para um requerimento.
O Orador: — Não posso neste momento formular uma opinião geral; eu precisava ler todos os assuntos versados e que devem fazer parte do compte rendu da sessão, só assim, com um estudo demorado, é que se poderia fazer uma idea perfeita dos assuntos tratados.
O que posso desmentir desde já é que o artigo publicado no «African World», a que se referiu o Sr. Cunha Leal, seja da autoria do Sr. Norton de Matos, como S. Exa. pareceu concluir, dando conhecimento à Câmara dum pedaço dêsse artigo, escrito pelo punho do Alto Comissário de Angola.
Trata-se duma tradução dêsse artigo, que se poderá ver pela construção da frase e não do seu original.
Ora, eu devo fazer justiça ao elevado patriotismo de Sr. Norton de Matos.
S. Exa. era absolutamente incapaz de mandar publicar, em qualquer jornal, qualquer cousa que fôsse deprimente para os nossos sentimentos nacionais.
Muitos apoiados da esquerda.
Preguntou S. Exa. qual era a minha opinião a respeito do discurso proferido pelo Sr. Norton de Matos à saída de Loanda.
Já o tinha lido e não encontrei nada que me pudesse ferir ou melindrar.
O Alto Comissário — foi o que depreendi — deseja umas relações mais estreitas entre a metrópole è Angola; não
me parece que isso signifique impor obrigações à metrópole.
Portugal está de posse de alguns territórios por direito de descoberta e ocupação, portanto, as colónias são para benefício da metrópole, emquanto não se desviarem dela pela natural emancipação.
Posso frisar isto, porque êsse facto já se tem dado em outros países coloniais, como na América do Norte e na Inglaterra.
As metrópoles devem aos indígenas protecção e tem obrigação de os civilizar, não podendo estar separados da metrópole como desconhecidos; devem procurar desenvolver as colónias, material e moralmente.
Neste momento, suponho que a indústria não se pode desenvolver nas colónias...
O Sr. Nuno Simões: — Não apoiado!
Entendo que as colónias devem procurar desenvolver as matérias primas para servirem a indústria da metrópole.
O Orador: — Quanto ao artigo da Época, no dia seguinte à sua publicação eu vim à Câmara esclarecer o assunto.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo o orador): — Como não assisti à sessão, ignorava!
O Orador: — Mas eu vou repetir.
O Sr. Ministro das Colónias, Sr. Rodrigues Gaspar, precisou de mandar uma missão a Londres para tratar de um empréstimo para Moçambique e de estudar a Convenção Sul-Africana e, como não tinha no Ministério disponibilidades para as despesas, fez com que o Alto Comissário realizasse com o Banco Nacional Ultramarino um empréstimo...
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (interrompendo): — V. Exa. pode informar a Câmara se dêsse dinheiro não se tirou uma verba importante para pagar os vencimentos ao Alto Comissário?
Outra pregunta: não é certo que o Alto Comissário ganha por ano quinhentos contos?
O Orador: — Quanto à primeira pregunta, devo dizer a V. Exa. que não foi
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retirada verba alguma, porque o Sr. Alto Comissário está em atraso dos seus vencimentos como qualquer outro funcionário da província de Moçambique, em dois meses.
Com respeito á segunda pregunta, devo dizer que o Sr. Alto Comissário não ganha quinhentos contos, mas quatro mil libras.
O Sr. Cunha Leal: — V. Exa. afirma que neste momento o Sr. Alto Comissário não recebeu dessa verba, como adiantamento pessoal, quantia alguma?
O Orador: — Nada, recebeu. A quantia de 1:200 libras não chegou para as despesas que a missão teve de realizar em Londres, visto que ela teve de se demorar aí mais tempo do que tinha sido previsto.
Dessa demora resultou a necessidade dela mandar pedir dinheiro para Lisboa, tendo-lhe sido enviadas 800 libras, que não foram gastas integralmente.
Houve um saldo de 300 libras, das quais 100 foram depositadas em Londres e 200 no Banco Nacional Ultramarino à Ordem do Alto Comissário.
O Sr. Cunha Leal: — Fica então bem assente que nenhuma verba foi desviada dessa importância, a não ser aquelas que foram pagas ao Sr. Augusto Soares para pagamento das despesas feitas em Londres.
O Sr. Carvalho da Silva: — Invoco o artigo 136.° do Regimento pelo qual o Sr. Norton de Matos pediu a palavra fora dos termos regimentais.
Evidentemente eu não quero coarctar a S. Exa. o direito de usar da palavra em primeiro lugar, tanto mais que o Sr. Ministro das Colónias nem sequer teve uma única palavra para defender o Alto Comissário de Angola.
Do artigo 60.° do Regimento se conclui que o assunto tratado pelo Sr. Cunha Leal está generalizado em face do Regimento e tem de ser dado para ordem do dia.
O Sr. Presidente: — O Sr. Norton de Matos, ao invocar o § único do artigo 35.°, usou dum direito garantido pelo Regimento.
O Sr. Carvalho da Silva: — Pois eu digo a V. Exa. que não.
Trocam-se àpartes.
O Sr. Presidente: — Quem dirige os trabalhos sou eu.
Para aplicar a doutrina do artigo 136.° tenho de consultar a Câmara.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro que seja aberta uma inscrição especial sôbre a interpelação realizada pelo Sr. Cunha Leal.
É aprovado.
O Sr. Norton de Matos: — Sr. Presidente: o assunto a que me tenho de referir, a exposição que tenho de fazer, os esclarecimentos que tenho de prestar à Câmara, acompanhando passo a passo as considerações produzidas pelo Sr. Cunha Leal, levam-me certamente longe.
Nestas condições, faltando apenas uns escassos minutos para se encerrar a sessão, peço a V. Exa. que me permita que eu fique com a palavra reservada para amanhã iniciar as minhas considerações.
Vozes: — Muito bem.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Sá Pereira: — Há muitos dias, Sr. Presidente, que pensava tratar da questão do jôgo, o que não tenho feito por não se encontrar presente o Sr. Ministro do Interior. Como S. Exa. está doente, o que o impede de comparecer na Câmara, julgo do meu dever ocupar-me dessa questão na presença do Sr. Presidente do Ministério, porque S. Exa., como chefe do Govêrno, não pode ser estranho a assuntos desta ordem, porque são de ordem moral, e que, se preocupam todos nós, mais devem preocupar b Govêrno, especialmente o seu chefe.
Chamo, pois, a atenção de S. Exa. para o que se está passando relativamente ao jôgo e que consta de documentos que tenho a honra de enviar ao Sr. Presidente do Ministério, e que são apenas um pálido reflexo do que por aí se passa.
Eu e vários Srs. Deputados temos reclamado providências dos Governos contra o crime do jôgo de azar consignado nas páginas do Código Penal e condenado
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na consciência de todos os homens honrados.
Infelizmente, todas as reclamações têm resultado vãs, porque o jôgo de azar continua a fazer-se desenfreadamente em Lisboa na cara das autoridades.
A S. Exa., que em vários lances da vida se tem manifestado homem de invulgar e decidida energia, peço encarecidamente que, para honra do País, ponha termo ao jôgo de azar.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Tenho a declarar ao Sr. Sá Pereira que, em detalhe, não sei o que se tem passado relativamente ao jôgo de azar, mas sei que o Sr. Ministro do Interior tem procurado activamente, tanto quanto possível, reprimi-lo.
Isso não impede que eu, por minha parte, solicite daquele Sr. Ministro que faça executar rigorosamente as leis que punem o jôgo de azar.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: tinha pedido a palavra para me referir a outro assunto, mas, uma vez que o meu ilustre colega Sr. Sá Pereira se referiu à questão do jôgo e ao escândalo que a êsse respeito contínua a manter-se na cidade de Lisboa, não quero deixar também de sôbre êsse assunto fazer algumas considerações chamando para o facto a atenção do Sr. Presidente do Ministério.
Sr. Presidente: muito se tem aqui falado sôbre a repressão do jôgo, mas afinal o que se tem visto é o Govêrno transigir com essa espécie de crime.
É ver-se o reclamo constante a essas casas de escândalo, a êsses lugares de crimes.
Ainda agora por ocasião do Congresso da Imprensa Latina se verificou que as pessoas que tomaram parte nesse congresso foram convidadas, não direi oficialmente, mas convidadas pelas pessoas que dirigiram êsse congresso, a ir a essas casas para ali serem festejados e homenageados.
Chega-se a ponto de alguns oficiais do exército escolherem êsses locais vergonhosos para aí fazerem as suas festas.
Sr. Presidente: tudo isto sucede porque
o Govêrno consente, porque o Govêrno transige, porque o Govêrno quere, porque se assim não fôsse, se estivesse disposto a atacar os jogadores e não ter receio dos batoteiros, não se jogava em Lisboa.
Sucede ainda, Sr. Presidente, que nestes últimos tempos vários Srs. Deputados têm recebido bilhetes postais anónimos enxovalhantes para o Poder Legislativo.
Um dêsses bilhetes postais diz:
Leu.
Ora se o Parlamento é vítima dessas atoardas, que, quero crer, correm pela cidade, a culpa é do Govêrno que não cumpre o seu dever ou porque transige com os batoteiros ou porque tem medo deles.
Contra esta falta de acção mais uma vez protesto veementemente deixando a responsabilidade destas acusações, destas atoardas, ao Govêrno que não cumpre, a êste respeito, o seu dever.
Sr. Presidente: pôsto isto, vou referir-me ao estado lamentável, difícil, precário, em que se encontram as Misericórdias do País, e vem a propósito falar neste assunto em contra-partida com o jôgo que cada vez prospera mais.
As Misericórdias atravessam uma crise dificílima, vendo cada vez mais reduzidos, os seus recursos. Mas há mais.
E que o Govêrno não paga aquilo que deve às Misericórdias.
Há muitos meses que não são pagos os duodécimos com que as Misericórdias contavam para se manterem.
Incidindo sôbre os Bancos uma contribuição especial destinada a subsidiar essas instituições, o Ministério das Finanças tem arrecadado essa receita que é importante e dela até agora ainda as Misericórdias não receberam um centavo.
Sr. Presidente: isto nem é justo nem é legítimo. Êsse dinheiro tem uma finalidade, por assim dizer, sagrada; não pode o Estado utilizá-lo senão para aquele efeito para que se cobra aos Bancos, isto é, para sustentar essas instituições.
Poderá dizer-se que é em virtude da compressão de despesas, mas não é justo...
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Para pagar é preciso que haja receita.
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O Orador: — Essa receita existe uma atribuição especial.
Essa Contribuição; paga pelos Bancos não pode ter outro destino senão êsse, mas, o que é certo é que ela tem se desviado para outros efeitos, e no emtanto as Misericórdias atravessam uma vida dificílima.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: respondendo ao Sr. Vasco Borges, começo pelo fim das suas considerações — pelas Misericórdias.
Não é só as Misericórdias que se queixam, queixam-se quási todos os institutos, queixam-se quási todos os credores, queixa-se quási toda a gente.
As Misericórdias têm recebido os seus duodécimos atrasados como toda a gente, tem-os recebido atrasados e há-de continuar a recebê-los atrasados, afirmo isto com absoluta clareza e, ainda felizmente que os recebem atrasados porque, se o Estado continuar a ter a vida tal como está, nem os atrasado nem nada.
Há serviços que me pedem receitas que lhes são necessárias e eu não lhas dou emquanto a situação do Estado fôr a actual.
Tenho dito isto desde o primeiro dia; arco com a responsabilidade de dizer claramente estas palavras.
Com respeito ao jôgo já tive ocasião de dizer ao Sr. Sá Pereira que na verdade não conheço êsse assunto em detalhe e tam pouco em detalhe que não entro numa caga de jôgo, não conhecendo, portanto, tais estabelecimentos.
Atribuir ao Govôrno a responsabilidade de bilhetes postais anónimos...
O Sr. Vasco Borges: — De maneira alguma:
A responsabilidade do Estado está em permitir factos que dão lugar a que isso suceda.
O Orador: — O Govêrno actual, e nesse ponto defendo o coronel Sr. Sá Cardoso, fez mais do que outros Governos têm feito.
O Govêrno não recebe um centavo pelo jogo.
O Sr. Sá Pereira: — Não basta.
O Orador: — De acordo que não basta, mas sempre é melhor não receber proibindo-o.
Êste Govêrno não recebe por nenhuma parte nenhum dinheiro de jôgo para pagar quaisquer despesas; nunca o recebeu para qualquer fim, mesmo que seja o de benificência.
O Sr. Tavares de Carvalho: — O que eu
desejava saber era se o Govêrno está disposto a mandar encerrar as casas de jôgo.
O Orador: — Está disposto a fazer a repressão do jôgo consoante as leis.
Tenho conhecimento de que o Sr. Sá Cardoso tem empregado todos os seus esfôrços para o conseguir.
Mas é possível com os poucos elementos que tem o Sr. Ministro do Interior, sob o ponto de vista policial, exercer uma repressão por forma a fazer cessar o jôgo? Não é possível.
O Sr. Tavares da Carvalho: — Mas faça-se, como fez o Sr. Domingos Pereira, fechem-se as portas às casas de jôgo.
O Orador: — Fecham umas e abrem outras, clandestinas. E é preciso que se diga que algumas casas não funcionam como casas de jôgo, mas como restaurantes, e foi nessas condições que os congressistas da imprensa latina lá foram.
O Sr. Sá Pereira vem reclamando há muito tempo contra o jôgo, e isso prova como tem sido difícil aos vários Ministros reprimi-lo, mas estou convencido de que o Sr. Ministro do Interior vai empregar todos os esfôrços para o conseguir.
Apoiados.
O Sr. Vasco Borges: — Os meios do Govêrno podem não ser eficazes, mas já foi aprovado nesta Câmara um projecto de lei que dá meios eficazes ao Govêrno, projecto de lei que está pendente do Senado. E eu estranho que a maioria, que é contra o jôgo, não o faça aprovar ràpidamente.
O Orador: — Isso é com a maioria o que posso dizer por agora é que o Go-
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vêrno empregará todos os seus esfôrços para reprimir o jôgo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã à hora regimental, com a mesma ordem, de trabalhos.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante
Propostas de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, actualizando designadas receitas provenientes
das contribuições, impostos e mais rendimentos do Estado.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de finanças.
Para o «Diário do Governo».
Do mesmo, alterando a tabela das taxas de contribuição de registo por título gratuito, publicada no Diário do Govêrno de 8 de Fevereiro de 1923.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de finanças.
Para o «Diário do Governo».
Parecer
Da comissão de pescarias sôbre o n.° 386-C que eleva o preço das licenças para pesca.
Para a comissão de finanças.
O REDACTOR—Avelino de Almeida.