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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 51
EM 13 DE MARÇO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Respondem à chamada 39 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante é aprovada com número regimental.
Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Tavares de Carvalho reclama a proibição da exportação de pelaria nos termos em que se está fazendo. Responde o Sr. Presidente do Ministério (Álvaro de Castro}.
O Sr. Velhinho Correia apresenta um projecto de lei referente ao barateamento da vida, requerendo que o respectivo relatório seja publicado no «Diário do Governo».
É aprovado o requerimento em prova e contraprova.
O Sr. Presidente do Ministério trata da proposta de lei referente à taxa militar, requerendo que entre imediatamente em discussão.
Usa da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Carvalho da Silva, levantando-se tumultos que determinam a interrupção da sessão às 16 horas e 20 minutos.
A sessão reabre às 16 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente convida o Sr. Carvalho da Silva a explicar uma frase que considera ofensiva do Parlamento.
O Sr. Carvalho da Silva dá explicações.
O Sr. Presidente do Ministério modifica o seu requerimento no sentido da sua proposta de lei ser discutida na sessão do dia 17.
O Sr. Lelo Portela entende que a proposta de lei só deve ser discutida sob um parecer da comissão de guerra, em nome da qual se manifesta o Sr. Pereira Bastos, dando informações acerca dos seus trabalhos e de que referentemente à taxa militar êsse parecer será apresentado brevemente.
O Sr. Presidente do Ministério declara-se de acordo.
Ordem do dia.— Continua a discutir-se o con-traprojçcto da comissão de finanças referente ao parecer n° 584, remodelação, da lei do sêlo.
Usam da palavra os Srs. Morais Carvalho, Dinis da Fonseca e Pedro Pita.
Antes de se encerrar a sessão. — O Sr. Paulo Cancela de Abreu dirige preguntas ao Sr Presidente do Ministério, que lhe responde, sôbre a viagem a Londres do Sr. director geral da Fazenda Pública.
O Sr. Sá Pereira reclama, como de justiça, a devida assistência para a viúva de Carvalho de Araújo, respondendo o Sr. Presidente do Ministério.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão.— Últimas redacções — Projectos de lei — Propostas de lei — Parecer - Declaração de voto—Requerimento.
Abertura da sessão, às 15 horas e 42 minutos.
Presentes à chamada, 39 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 51 Srs. Deputados.
Presentes à chamada:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
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2 Diário da Câmara dos Deputados
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Sousa Uva.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Tomás de Sousa Rosa.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Correia.
António Lino Neto.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
Artur de Morais Carvalho.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
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António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado do Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz do Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rogo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Estêvão Águas.
João José Luis Damas.
João Luís Ricardo.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário do Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
O Sr. Presidente (às 15 horas e 46 minutos): — Estão presentes 39 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Leu-se a acta é o seguinte
Representação
Da Associação Centrai da Agricultura Portuguesa, contra as propostas de finanças na parte em que elevam o coeficiente de 7 para 20 quer para efeito de tributação anual.
Para a comissão de finanças.
Telegrama
Da Câmara Municipal de Fafe, pedindo a rápida discussão da proposta sôbre estradas e turismo.
Para a Secretaria.
Do contador da comarca de Rio Maior, pedindo maior aumento de emolumentos aos contadores das pequenas comarcas.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Admissões
São admitidas as seguintes proposições de lei, já publicadas no «Diário do Governo».
Proposta de lei
Do Sr. Ministro das Finanças, elevando os adicionais de 75 e 25 por cento criados pelo artigo 68.° da lei n.° 1:368, respectivamente a 90 e a 40 por cento.
Para a comissão de finanças.
Projectos de lei
Do Sr. Bartolomeu Severino, autorizando o Govêrno a conceder adiantamentos pela Caixa Geral dos Depósitos, aos funcionários civis e militares, até 30 por cento do total dos seus vencimentos anuais e melhorias correspondentes, pagáveis em 36 prestações.
Para a comissão de finanças.
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Do Sr. Pedro Pita, alterando os artigos 114.° e 183.° do Código Comercial.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Antes da ordem do dia
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: eu desejaria que estivessem presentes ou o Sr. Ministro do Comércio ou da Agricultura, porém, como S. Exas. não estão, peço ao Sr. Ministro das Finanças o obséquio de prestar atenção ao que vou dizer.
Sr. Presidente: o assunto que eu pretendia tratar anteontem é muito importante, a meu ver, para a redução da carestia da vida.
Trata-se da exportação de pelaria, artigo êste que se está exportando, quando necessitamos dele, pois a verdade é que estamos exportando cêrca de 80 por cento do que necessitamos para o nosso consumo.
Empresas importantes se têm constituído para a exportação de coiros, com uma certa arte o graça; e só bem que os jornais se tenham referido ao assunto, o que é facto é que não temos coiros de mais no nosso País, sendo necessário que o Govêrno tome providências sôbre o assunto.
A exportação de coiros é feita à sombra de uma taxa alfandegária que regula por 3$50, quando o seu custo é de 8$ o quilograma, deixando assim o Estado de receber uma importância grande, visto que o seu preço não é de 3$50, mas sim de 8$, como já disse.
Por diversas vezes tenho querido tratar aqui dêste assunto, visto que êle é, a meu ver, da máxima importância, por isso que se prende com o preço da carne; parece, porém, que o Govêrno não se interessa muito por êle, ao que se vê, o que é deveras para lastimar.
Nós exportamos 80 por cento do que carecemos.
Consumimos no comércio toda a pelaria; e verifica-se que ela é superior em qualidade às do mundo inteiro até. Mas manda-se para fora do País, e depois vamos buscar pelarias ordinárias, e por maior preço.
A importação é muitíssimo superior à exportação.
Como disse o Sr. Fausto de Figueiredo, na carta enviada ao Parlamento, insinua-se que nós, quando falamos sôbre certos-assuntos, é porque temos interêsses ligados a êles.
É isto que por aí se diz. Pois declaro que não tenho interêsses ligados a qualquer casa.
Posso bem alto dizê-lo.
Tenho interêsse apenas em que a vida seja barata, as carnes sejam baratas, o que se não conseguirá pelo que se está seguindo.
Emquanto o Govêrno não trouxer à Câmara medidas para modificar êste estado de cousas, a vida será dificílima. Não devo consentir-se a exportação de coiros. É preciso que acabe, porque são precisos para o consumo no País.
Falo assim porque muitos jornais procuram ridicularizar os homens quando têm a coragem de dizer as suas opiniões.
A minha intenção é fazer alguma cousa de útil.
Não estava presente quando foi lida a, carta do Sr. Fausto de Figueiredo, porque me teria associado ao voto da Câmara.
É com desgosto que vejo afastar-se S. Exa. da nossa colaboração.
Eu, porém, não renunciarei, não terei, receio de que me alcunhem de pertencer a qualquer empresa, nem de ter interêsses, em que fiquem ou saiam os coiros.
É preciso que V. Exa. traga qualquer medida que modifique êste estado de cousas, porque isto não pode continuar.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos? restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — E para dizer ao Sr. Tavares de Carvalho que ouvi as suas considerações que transmitirei ao Sr. Ministro do Comércio, a que serão tomadas na devida conta.
O Sr. Velhinho Correia: — Pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei que trata da organização de cooperativas.
Todos só lembram da manifestação do povo de Lisboa junto do Parlamento como protesto contra a carestia da vida
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Uma das principais medidas é a organização de cooperativas do Estado, em que o povo adquira os géneros indispensáveis à vida.
O seu desenvolvimento impõe-se do norte ao sul do País.
Deve êste projecto constituir um elemento de certa importância, que contribuirá para a solução do problema, tanto mais que por meio dele procuro que esta organização seja nacional.
Solicito de V. Exa. o favor de submeter à Câmara o requerimento que faço, para que seja publicado no Diário do Govêrno Q relatório que o precede.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovado o requerimento.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Feita a contraprova, verificou-se estarem de pé 2 Srs. Deputados e sentados 56, sendo portanto confirmada a votação.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Chamo a atenção da Câmara.
A taxa militar apresentada pelo Sr. Ministro da Guerra, major Ribeiro de Carvalho, se não fôr votada ràpidamente, sucederá que já poucos mancebos terão o licenceamento.
Esta proposta foi apresentada em 29 do Janeiro, e nos termos do Regimento só se poderá discutir com o parecer da comissão.
Mas como o assunto é urgente, requeiro a V. Exa. que seja consultada a Câmara sôbre se permite que a proposta entre imediatamente em discussão em ordem do dia.
O Sr. Carvalho da Silva: — Peço a palavra sôbre o modo de votar.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: o Parlamento tem-se sujeitado a um papel verdadeiramente deprimente.
Parece-me que chegamos ao ponto de dizer ao Govêrno:
— Basta! O Govêrno e a maioria querem fazer do Parlamento um frangalho.
Estamos todos aqui a assumir perante o País responsabilidades tremendas. Não apoiados. Protestos veementes da maioria.
O Orador: — O Govêrno...
Novos protestos e não apoiados.
Vozes: — Isto não pode ser, Sr. Presidente!
O Orador: — O que se está fazendo não pode continuar.
Continuação de protestos ruidosos.
O Sr. Presidente: — Retiro a palavra a V. Exa. se continuar nesses termos.
O Orador: — Não pode permitir-se a continuação do que se está passando quanto à forma como são feitos os trabalhos da Câmara.
Não pode permitir-se a continuação dêste estado de cousas.
Não apoiados.
Novos protestos.
O orador não reviu.
O Sr. Sousa da Câmara: — É melhor porem-nos uma rolha na boca.
Não foi revisto pelo Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: — Está interrompida a sessão.
O Sr. Presidente põe o chapéu na careca, levantando-se.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Reabertura da sessão às 16 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
Há pouco, antes da interrupção dos trabalhos da sessão, o Sr. Carvalho da Silva proferia uma frase que julgo ofensiva dos brios desta Câmara. Estava convidando S. Exa. a retirar essa frase, mas o Sr. Deputado não atendeu a minha intervenção o que motivou o ser interrompida a sessão.
Repito que considero essa frase ofensiva dos brios desta Câmara, e por isso convido o Sr. Carvalho da Silva a explicá-la, ou a retirá-la.
S. Exa. não reviu.
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O Sr. Carvalho da Silva: — Qual é a frase?
O Sr. Presidente : — A frase foi esta: O Govêrno e a maioria estão transformando o Parlamento mim verdadeiro frangalho.
S. Exa. não reviu.
Vozes na direita: — Oh! Oh!
Vozes na direita: — Isso é verdade.
O Sr. Carvalho da Silva: — Declaro o seguinte:
O que eu disse foram precisamente estas palavras:
O Govêrno e a maioria estão querendo transformar o Parlamento num frangalho, porquanto não atendem a cousa nenhuma, para os fins de praticarem as maiores violências.
Disse isto — e creia V. Exa. que disse o que sentia, e é a verdade.
A frase que proferi não é ofensiva do Parlamento.
O que reputo ofensivo para o Parlamento é o que o Govêrno quere que o Parlamento faça.
O que é ofensivo para o Parlamento é ser chancela do Govêrno; fazer o que o Govêrno quere.
Apoiados na direita,
O que é ofensivo para o Parlamento é estar-se dia a dia a dizer que o Parlamento é inviolável, e as leis serem promulgadas sem ò Parlamento delas ter conhecimento.
Isto é verdade e, portanto, não vejo na minha afirmação cousa alguma que seja ofensivo para o Parlamento.
O Parlamento tem a sua missão. Êle decidirá da sua sorte.
Está na acção do Parlamento o decidir da sua sorte, do conceito em que o País o deve ter.
Há dois dias o Parlamento votou de afogadilho uma proposta de lei que o Sr. Presidente do Ministério aqui trouxe, relativa ao imposto do sêlo, a qual tem de ser revogada, porquanto constituirá uma monstruosidade quando fôr aplicada.
Lança-se o imposto de 30$ por quilograma sôbre o tabaco importado, êste imposto representa uma monstruosidade,
visto constituir duas vezes o custo da mercadoria.
Somos representantes do País e por isso temos o dever de defender o prestígio do Parlamento?
Não é discutindo precipitadamente as propostas de lei, sem o parecer das comissões, e sem os Srs. Deputados as conhecerem, que se prestigia o Parlamento.
Apoiados.
Não é procedendo assim que podemos de qualquer maneira dar contas ao País das responsabilidades que assumimos como parlamentares.
O Sr. Presidente do Ministério quere impedir o estudo das propostas de lei, o que não pode ser.
A proposta de lei relativa ao imposto do sêlo representa uma monstruosidade, repito, e isso é devido ao Sr. Presidente do Ministério.
O Parlamento tem o direito do apreciar devidamente a proposta de lei sôbre a taxa militar.
A taxa militar representa o aumento do imposto pessoal de rendimento.
Apoiados.
A taxa militar representa a sobreposição do actual imposto pessoal de rendimento, e por isso é o mais injusto d© todos os impostos existentes.
Não temos o direito de estar a desfalcar a fortuna particular com contínuos impostos que a vão abranger.
Apoiados.
Temos o dever de respeitar os interêsses legítimos dos cidadãos.
O Govêrno não pode exaurir por completo a fortuna particular com impostos sucessivos.
Nestes termos, eu disse há pouco o que penso, e nada mais.
Dizer que se quere transformar o Parlamento num frangalho não é uma frase ofensiva do Parlamento. O Parlamento é que tem na sua mão, conforme a decisão que tomar, o seu prestígio.
Conforme a decisão que o Parlamento tomar, já sabe a sorte que o espera no conceito do país.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A frase pronunciada pelo Sr. Carvalho da Silva, que «o Govêrno e a maioria u^riam transformar o
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Parlamento num frangalho», depois das explicações de S. Exa. que afirma não ter querido ofender o Parlamento, não a posso reputar ofensiva do Parlamento. Por isso dou o incidente por encerrado. S. Exa. não reviu.
O Sr. Presidente: — O Sr. Presidente do Ministério requere que a proposta do lei que modifica a taxa militar seja discutida na próxima segunda-feira, a fim de a Câmara estar melhor preparada.
O Sr. Lelo Portela (sobre o modo de votar).— Informo V. Exa. e a Câmara de que a proposta de lei a que se referiu o Sr. Presidente do Ministério foi apreciada na comissão de guerra, havendo sido considerada inaceitável por unanimidade, visto representar uma desigualdade, uma excepção, e ser contra o princípio consignado na nossa lei orgânica militar, que estabeleceu o serviço militar obrigatório.
Não se compreende que se estabeleça uma espécie de serviço militar para os que são ricos e outra para aqueles que eles podem pagar.
Àpartes.
O Sr. Alfredo de Sousa: — A proposta de lei não está em discussão.
O Orador: — Os serviços militares têm duas formas: o serviço obrigatório e a remissão.
A lei orgânica de 1911, da autoria do Sr. Pereira Bastos, estabelece...
O Sr. Vitorino Godinho: — Não há Regimento? Venha o Regimento.
Àpartes.
O Sr. Pedro Pita: — O Regimento é para todos.
Muitos apoiados.
O Sr. Presidente: — Peço ao Sr. Lelo Portela que resuma as suas considerações.
O Orador: — Peço a V. Exa. que me aplique o Regimento da mesma forma que o tem aplicado aos outros oradores.
Apoiados.
Não peço para mim uma excepção. Estou a usar da palavra num direito que me é dado, e hei-de concluir o que tenho a dizer. Ninguém me pode impedir.
O Sr. Vitorino Godinho: — Mas tem muita ocasião de o dizer, sem ser sôbre o modo de votar.
O Orador: — Eu vou terminar as minhas considerações, e se não fossem as constantes interrupções, já as teria terminado.
A presente proposta veio contrariar tudo que há na legislação militar. A comissão de guerra não deu parecer, o para isso chamo a atenção da Câmara, Tanto mais que a comissão é contrariamente unânime a essa proposta. Parece-me melhor que o Sr. Presidente do Ministério modificasse o seu requerimento do forma a que a comissão de guerra desse o seu parecer com rapidez.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas,
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: V. Exa. diz-me se o requerimento do Sr. Presidente do Ministério é com prejuízo dos oradores inscritos?
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro do Castro): — O meu requerimento é para que a proposta de lei ser discutida na segunda-feira, antes da ordem, e sem prejuízo dos oradores.
O Orador: — Eu acho que é mau fazer-se uma discussão tam importante parcelarmente.
O orador não reviu.
O Sr. Pereira Bastos: — Pedi a palavra para informar V. Exa. e a Câmara que a comissão do guerra não tem deixado de trabalhar; apenas as férias e a, doença do seu Presidente fizeram com que se interrompessem os trabalhos, mas tem tomado em muita consideração os trabalhos do Sr. Ribeiro de Carvalho.
A questão das taxas militares não é tam fácil de considerar como parece e eu
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já tive ocasião de relatar a êsse respeito uma proposta da autoria do Sr. Correia Barreto, e encontrei grandes dificuldades.
Os trabalhos sôbre a proposta do Sr. Ribeiro de Carvalho foram tomados em muita consideração, e têm sido estudados pelo Sr. Pinto da Fonseca e por mim.
Julgo que essa proposta deverá ter o parecer da comissão de guerra, e estou certo que o dará ràpidamente.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — O Govêrno não tem dúvida em esperar pelo parecer da comissão, desde que êle seja dado ràpidamente.
O orador não reviu.
OBDEM DO DIA
Acta aprovada.
Leram-se duas propostas que foram admitidas e vão adiante publicadas por extracto.
Continua a discutir-se o contra-projecto da comissão de finanças referente ao parecer n.º 684 — remodelação da lei do sêlo.
O Sr. Morais Carvalho: — Os discursos proferidos pelos Srs. Carvalho da Silva, meu querido amigo, e Marques Loureiro tiveram o condão de fazer com que o Sr. Presidente do Ministério visse pela primeira vez a proposta que mandou para a Mesa, e que aqui confessou ter assinado de cruz.
É singular a posição do Sr. Ministro das Finanças num assunto de tanta magnitude!
S. Exa. confessou que essa proposta não era do seu conhecimento; fora preparada pelas repartições do seu Ministério, e S. Exa. se limitasse a pôr-lhe a sua assinatura.
Sr. Presidente: foram tam fundamentadas as acusações feitas pelos Deputados da oposição, calaram elas tam fundo no ânimo do Sr. Ministro das Finanças, que êste, não encontrando maneira de justificar aquilo que na sua proposta se encontrava, saíu-se por êste expediente, que não sei se para S. Exa. é o mais airoso de confessar perante o Parlamento
e o País que não tinha conhecimento da proposta que no emtanto ora aqui trazida sob a responsabilidade do seu nome!
Trata-se de uma nova proposta de finanças, o que quere dizer, em regime republicano, que se trata de uma nova proposta de agravamento do impostos.
Como vão longe e esquecidos os tempos em que a máxima era «O povo não pode nem deve pagar mais».
Agora, que o povo está mais sobrecarregado, é que não pode pagar mais, mas o Govêrno e a sua maioria sustentam que elo deve pagar mais. Mas, Sr. Presidente, é evidente a todo o País que à República falece a autoridade para vir por esta forma agravar os encargos tributários, quando todo o desastre financeiro em que o País se debate é conseqüência da sua má administração.
Nem sequer pode ser tomada a valer a defesa de que a nossa má situação financeira é resultante da Grande Guerra, visto que a maior parte das despesas que fizemos com a guerra ainda está por pagar a maior parte dessas, desposas foi feita a sombra dum empréstimo à Inglaterra, que ainda não pagámos e que, infeliz mente, não sei como o poderemos pagar, empréstimo cujo montante, triste é dizê-lo, o País não sabe ainda qual seja.
Sr. Presidente: a proposta do Sr. Velhinho Correia, que o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças não mantém na sua totalidade, conquanto a defenda, dizendo que ela é digna de consideração e que só dificuldades de execução de momento fazem com que S. Exa. não deseje a sua votação na íntegra a proposta Velhinho Correia é uma verdadeira monstruosidade. Não é tam somente uma proposta que visa a regular o imposto de sêlo, é uma proposta em que se encontram incluídas disposições referentes a todas as contribuições do Estado. Nela encontramos, com efeito, taxas que são propriamente matéria de imposto de sêlo; outras que mais pertenceriam à contribuição industrial; outras que são próprias do imposto de rendimento, e ainda outras até da contribuição do registo. É um embróglio de impostos; é um conjunto de taxas desconexas; é uma maneira de tornar ainda maior o caos já tremendo de toda a nossa organização financeira.
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Essa proposta vinha à consideração da Câmara sob o pretexto do que a moeda, tendo-se desvalorizado, haveria que utilizar as taxas de imposto de sêlo.
E fácil a demonstração do que assim não é, porque, por um lado, criaram-se imensos novos factores tributáveis, que não existiam na tabela anterior, e, por outro lado, os factores que existiam naquela tabela sofreram uma tributação muitíssimo mais elevada do que a correspondente à desvalorização da moeda.
É assim, que há taxas que subiram 15 vezos, há outras que subiram 20 vezes, e outras que subiram 30 o 40 vezes, chegando a haver taxas que sofreram um aumento tal que é representado por 60 vezes aquilo que se encontrava na tabela do 1902.
Assim, por exemplo, os escritos particulares, que na tabela de 1902 sofriam o solo do 200 réis, sofrem, agora o de 6$, isto é, 30 vezes o que era.
O aforamento que estava sujeito a uma taxa de 1 por cento sôbre o foro, passa a ter a taxa de 2 por cento sôbre vinte pensões. É 40 vezes aquilo que estava fixado anteriormente.
Determina-se ainda que haverá um imposto de 2 por cento sôbre a importância do laudémio.
Ora, todos que andam na vida jurídica sabem que o laudémio está proibido na nossa legislação e só continua a existir para os aforamentos fortuitos; dêste modo torna-se estranho que a comissão de finanças venha propor uma taxa contra um facto jurídico que é proibido pelo Código Civil.
Pretender-se-há por esta forma restabelecer o laudémio, revogando assim o artigo do Código Civil que o extinguiu?
Se assim é havemos de concordar que é uma forma muito atrabiliária de revogar legislação.
Na lei do inquilinato há um artigo que proíbe terminantemente o traspasse de casas de habitação o até que qualquer senhorio receba alguma importância pela chave.
Todavia, na proposta em discussão, estabelece-se determinada taxa do sêlo sôbre os traspasses a que me acabei de referir.
Pregunto: os membros da comissão de finanças, à qual pertencem vários dis-
tintos jurisconsultos, não conhecem esta disposição do decreto n.º 5:411?
Se a conhecem, porque deixaram vir um artigo desta natureza na proposta que se discute?
Querem S. Exas. por êste meio revogar aquela disposição?
Sr. Presidente: eu não quero cansar a atenção;da Câmara, enumerando um a um todos os factos novos em matéria colectável, sôbre os quais vai recair o imposto do sêlo.
Entretanto, não quero deixar de chamar a atenção do V. Exas. para alguns dêles, para que o Parlamento veja que, pela proposta do Sr. Ministro das Finanças, não há nenhum acto na vida, nenhuma transacção, que não esteja sujeita ao imposto do sêlo.
O indivíduo, logo ao nascer, é atingido pela lei do sêlo, o até os mortos não escapam. É uma rede varredoura que vai dificultar ainda mais a já bastante difícil vida portuguesa.
Sr. Presidente: o artigo 4.° é também bastante interessante.
Neste tempo de desvalorização da moeda desdobrar o capital de uma sociedade não significa mais do que os seus corpos gerentes procurarem, tanto quanto possível, aproximar o seu capital da desvalorização da moeda, e não me parece que, nestas condições, isso seja matéria a colectar.
Um outro facto novo é o que respeita à Exploração do Pôrto de Lisboa.
Já ontem o meu amigo Sr. Carvalho da Silva mostrou quanto esta tributação ia encarecer os artigos a importar.
Mas há mais factos novos para que desejo chamar a atenção da Câmara e que não estavam previstos na lei de 1902.
Por exemplo: averbamentos de títulos, de jazigos, bebidas engarrafadas, bilhetes de clubes e associações, catálogos, programas, calendários, contratos de riscos marítimos, etc.
Quero dizer, é um nunca acabar.
Sr. Presidente: para disfarçar a violência das taxas, a comissão de finanças recorreu ao seguinte expediente não provoca relutância por parte do contribuinte, mas ao mesmo tempo declara que a taxa será multiplicada por o coeficiente 15.
Quere dizer, esta maneira arrevessada de dizer quais são os verdadeiros montantes da nova taxa demonstra logo a
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consciência do legislador e o convencimento que tem do não dever abusar da paciência do contribuinte. Por isso necessita ocultar os seus propósitos sob esta forma de alterar um esclarecimento, que depois diz que será multiplicado por 15.
Será isto coerente? Não seria mais natural que se dissesse logo quanto havia a pagar, sem ocultar a verdade?
Sr. Presidente: mas há ainda outro facto que mostra o pouco cuidado que os membros desta Câmara põem ao tratar dêstes assuntos.
Já disse há pouco o que tinha do incoerente e do in jurídico a pretensão de querer tributar os laudémios nos aforamentos, quando são actualmente proibidos pelo Código Civil.
Sr. Presidente: no artigo 87.° da comissão fala-se em licença para aluguer de quartos, quando se devia empregar a palavra arrendamento, porque aluguer só se refere a uma cousa imóvel.
A propósito de bilhetes de identidade, a comissão propõe um verdadeiro imposto de rendimento de 100 por cento dos rendimentos do cidadão, aumentando também os impostos de rendimento e a taxa militar, que o Sr. Presidente do Ministério diz que vai ser aumentada.
Para que se veja como isto é feito, basta dizer que o Sr. Ministro das Finanças, ao mesmo tempo que na sua proposta de contribuição de registo propõe a supressão da contribuição para os cônjuges, neste parecer propõe sôbre partilhas judiciais a taxa de 1 por cento.
Veja-se a desorientação de tudo isto: de um lado, não se paga contribuição, e no outro estabelece-se uma taxa de imposto.
Veja-se a harmonia com que se propõem êstes casos à apreciação do Parlamento!
O Sr. Ministro das Finanças legisla ao acaso, e só quero arranjar dinheiro, aceitando todos os trabalhos quê lhe apresentam, som ao menos se dar ao trabalho de os ler.
Referi-me ao traspasse de prédios urbanos, mas há mais, pois que em outro artigo se faz referência ao traspasse de prédios rústicos, que não sei o que seja, nem como se possa exercer êsse direito.
Traspasso é uma deminuição que não tem carácter definido na nossa legislação.
Representa um conjunto de direitos em
que entram o estabelecimento, os géneros, a clientela, a chave e até o activo do estabelecimento.
Ao conjunto é que se chama traspasse, e nele vai compreendida a sublocação; mas traspasse de prédios rústicos não conheço nem decerto ninguém conhecerá o que isso é.
Na proposta do Sr. Velhinho Correia, entro os artigos considerados de luxo, e sôbre os quais recaia o novo imposto do 10 por cento, que o Sr. Carvalho da Silva já ontem demonstrou à Câmara que era uma duplicação mais violenta ainda do que o actual imposto sôbre o valor das transacções, apontaram-se os monóculos.
Mas o Sr. Presidente do Ministério, não concordando, isentou-os de tributação.
Isto naturalmente explica-se pelo facto de S. Exa. andar à procura de nova matéria colectável, e só a poder encontrar através do seu monóculo.
O piore que S. Exa., quando tiver achado nova matéria tributária, porá de parte a isenção sôbre os monóculos.
E então nessa altura, depois de ter tributado tudo e de reduzir o déficit a 10:000 contos, como prometeu, concordará com o Sr. Velhinho Correia e aceitará plenamente todas as suas propostas.
Sr. Presidente: a proposta em discussão, além de ir causar uma grande perturbação em toda a vida económica o financeira do País, pela multiplicidade dos artigos a que vão ser aplicadas as novas taxas de sêlo, vai contribuir ainda poderosamente para a carestia da vida.
Logo à saída da alfândega, todos os artigos de importação são sobrecarregados com enormes impostos de sêlo, o que resultará evidentemente o aumento dêsse custo.
Mas há mais.
Pelo n.° 87.° da proposta do Sr. Velhinho Correia, e que o Sr. Presidente do Ministério mantém, é criada também uma licença anual, não só para a venda de peixe, mas para a venda de outros géneros, e esta licença não pode deixar de contribuir ainda para a carestia da vida, com a agravante de sobrecarregar os géneros de primeira necessidade.
As fábricas de cervejas e de limonadas, as fábricas de refrigerantes, além dos impostos vários a que já estão sujeitas, além do imposto do valor das transacções, além.
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da contribuição industrial, ficam sujeitas às licenças, que muito hão-de contribuir para aumentar o custo dêsses artigos.
Mas há mais ainda.
O Sr. Presidente do Ministério entendeu que o facto do um comerciante ter de registar no Tribunal do Comércio a sua escritura ante-nupcial denota a existência de bens, merecendo ser tributado; e assim é que quando o comerciante tenha casado, no regime de separação de bens, o queira registar a sua escritura ante-nupcial, fica sujeito a uma tributação de 300 escudos.
Mas não e só isto.
Nem os mortos escapam.
E assim é que os averbamentos dos titules de propriedade de jazigos estão também sujeitos a tributação.
E, ainda a êste respeito, o artigo 88.° da tabela, é muito curioso.
Sr. Presidente, eu gostaria que o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças se dignasse esclarecer a Câmara sôbre o que êste célebre artigo 88.° da proposta quere dizer nos seus termos confusos e sibilinos, o nos indicasse os certos actos para a prática dos quais são concedidas licenças pelas câmaras municipais e juntas de freguesia com referência a pessoas falecidas.
O regulamento não no-lo diz.
E como é que se calcula esta tributação violenta de 10 por cento?
Pelo custo das licenças.
Mas como se calcula o custo das licenças?
Entro as licenças que são tributadas há algumas que têm, realmente, justificação e contra a sua criação nada, portanto, direi.
Outras há, porém, que não têm a mais insignificante razão de ser.
Em vez de se estabelecer nas leis, como seria natural, o princípio da protecção ao estabelecimento de novas indústrias e patentes de invenção, contribuindo assim para o desenvolvimento do País e até para o alargamento da matéria colectável, o Sr. Ministro das Finanças prefere lançar sôbre essas novas indústrias e sôbre as patentes de invenção pesadas tributações.
Na discussão na especialidade desta proposta, e a propósito de cada um dos seus artigos, terei ocasião de mostrar à Câmara as incongruências e inexactidões
que neles se encerram e as dificuldades que surgiriam na sua execução.
Por agora limitar-me hei a tirar a conclusão de tudo quanto deixei dito. E a conclusão é esta: a proposta em discussão não tem por onde se lhe pegue. Como já ontem demonstraram os 5rs. Carvalho da Silva e Marques Loureiro, a única resolução que esta Câmara devia tomar sôbre a proposta era enviá-la à respectiva comissão a fim de ser completamente remodelada.
Aprová-la por esta forma atrabiliária equivale a nada fazer de útil.
Ainda antes de ontem, por proposta do Sr. Ministro das Finanças, a Câmara se ocupou do um novo imposto, também de solo, a aplicar aos tabacos, e a forma precipitada por que o fez, originou a aprovação do uma medida inteiramente inexeqüível.
Teve; é certo, razão o Sr. Ministro das Finanças em vir a esta casa do Parlamento propor a criação de um imposto que de qualquer maneira compensasse a falta de tributação dos tabacos já existentes no País.
Mas, o que não faz sentido é que o Sr. Ministro das Finanças tenha vindo à Câmara com uma proposta de imposto de $30 em grama, aplicável, indistintamente, ao tabaco caro e ao tabaco barato.
30$ em quilograma de tabaco de luxo pode não ser uma tributação exagerada, mas essa mesma taxa aplicada ao tabaco ordinário pode dar em resultado que o imposto seja superior ao valor do tabaco. Eu pregunto se isto é tolerável; se contra isto não nos devemos, insurgir e se todas as propostas do Sr. Presidente do Ministério não carecem do serem sujeitas a um exame apertado, desde que S. Exa. fl foz aqui ontem a declaração espantosa de que a proposta que apresentava, esta proposta que estamos discutindo, a tinha assinado de cruz, que nem sequer a tinha lido; não, Sr. Presidente cruz, e cruz muito pesada, é a dos impostos que a República impõe ao País. Impostos é a República quem os lança, mas é o País quem tem do levar essa cruz ao Calvário.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
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O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: talvez me tivesse dispensado de usar da palavra, na generalidade, para fazer algumas considerações a propósito de alguns dos artigos da proposta que está em discussão, se dão fôsse uma afirmação feita ontem pelo Sr. Presidente do Ministério quando respondia ao meu ilustre colega o Sr. Marques Loureiro.
Disso o Sr. Presidente do Ministério que não conhecia em matéria de impostos o que fôsse filosofia.
Ora eu creio, Sr. Presidente, que esta afirmação não podia passar em julgado sem que sôbre ela alguma cousa se dissesse.
O critério da necessidade de arranjar receita, que S. Exa. advogou, não exclui a necessidade de que os impostos sejam lançados atendendo à justiça e à própria honestidade com que se lançam, e justiça e honestidade supõem filosofia no mais alto conceito desta palavra.
Trata-se de mais a mais de impostos indirectos; quere dizer, de impostos que, satisfazendo ao critério político de arranjar mais fácil receita, todavia, na realidade, são aqueles que se prestam também às mais graves injustiças, lançando-os sem ter em conta as receitas e fortunas daqueles que hão-de ser obrigados a pagá-los, aplicando-os igualmente tanto aos que têm como aos que não têm, tanto aos que podem como aos que não podem pagar impostos.
Creio que esta simples consideração da natureza do imposto é alguma cousa que reclama do legislador um critério que envolve filosofia.
Sr. Presidente: ainda que os impostos indirectos sejam os mais difíceis, os mais custosos na sua cobrança, todo o critério legislativo, em matéria do impostos, em todos os países que se preocupam a valor e olham as cousas não superficialmente, é simplificar quanto possível e deminuir por todas as formas o custo da cobrança dos impostos.
Ora sucedo, Sr. Presidente, que esta proposta nos vem dizer que a conjuguemos com outras que tem sido apresentadas em matéria de sêlo.
A multiplicidade que se está fazendo fragmentariam ente no lançamento de impostos de sêlo, tributando cousas que já estão tributadas por outras contribuições
e algumas delas até por outros selos, toda esta complexidade e duplicidade de impostos levou ontem o meu ilustre colega Sr. Marques Loureiro a propor que o Sr. Ministro das Finanças autorizasse a que no mais curto espaço de tempo possível só fizesse uma revisão completa da lei do solo, actualizando-a, mas sem injustiças, e tendo em vista que o diploma que saísse desta Câmara nos não envergonhasse lá fora e não só dissesse que uma Câmara onde, felizmente, ainda existem pessoas que sabem direito, continua a deixar sair daqui diplomas que muitas vezes não são escritos com gramática e muitas vezes sem senso jurídico.
Sr. Presidente: eu acho de inteira justiça a proposta do Sr. Marques Loureiro; ela não ia contra a necessidade de se legislar sôbre esta matéria.
O Sr. Presidente do Ministério declarou, porém, que não a aceitava, e a meu ver S. Exa. andou mal. A única solução, a única que se imporia para que desta Câmara e da própria proposta alguma cousa se pudesse fazer de aceitável, seria votar-se a proposta do Sr. Marques Loureiro e refundir-se nas comissões próprias a proposta que está em discussão; e ainda por uma outra razão, qual seja a falta de clareza, a falta de simplicidade, de conhecimento mesmo dos diplomas e das disposições que estão em vigor em matéria de sêlo, porque dá lugar a que não chegue ao conhecimento dos próprios interessados e êstes muitas vezes se 'vejam embaraçados em saber o sêlo a aplicar.
Daqui resulta que os caçadores de multas lançam-se sôbre aqueles que não têm culpa de que a lei não seja clara, como deve ser toda a lei do solo.
Por simples ininteligência da lei, pelo facto de ela não sair daqui clara, é o povo sobrecarregado constantemente com multas que multiplicam os impostos que são lançados.
A clareza e a simplicidade tem de ser as duas notas fundamentais duma lei do sêlo.
Esta proposta tal como está feita, quaisquer que sejam as emendas, nunca ficará clara, nunca ficará simples.
Por isso digo que seria de toda a vantagem o ser aprovada a proposta do Sr. Marques Loureiro, para que a proposta do Govêrno fôsse revista numa comissão,
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que unificasse em um só diploma tudo quanto em matéria de sêlo está legislado.
Todos reconhecem a necessidade e vantagem de codificar toda essa legislação.
A proposta que foi enviada para a Mesa, autorizando o Govêrno a publicar a lei do solo, não atinge o mesmo fim que a proposta do Sr. Marques Loureiro, porque por essa proposta estava autorizado a codificar, mas não rever e a alterar.
Deve-se pagar depressa, mas também se deve pagar com justiça; poderá ser um critério político o pagar depressa, mas o pagar com justiça é o critério jurídico.
Apoiados.
E isto não se poderá fazer se êste projecto fôr aprovado atrabiliàriamente.
O mais que eu teria a dizer sôbre cada um dos artigos reservo-o para a discussão na especialidade, porque nesta Câmara não costumo falar senão quando tenho alguma cousa que julgo útil para dizer.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Pedro Pita: — Não vou falar sôbre êste projecto com o intuito de demorar a sua discussão ou de impedir que êle possa ser votado, como deseja o Sr. Ministro das Finanças, o se incomodo S. Exa. é porque nem posso recorrer ao relator, porque o projecto o não tem.
No presente projecto faz-se referencia a artigos que não estão em discussão, o quem tem de aplicar as leis na prática vê-se impossibilitado de lhes dar execução, como me tem sucedido a mini.
É preciso não esquecer que os indivíduos que têm de -aplicar as leis estão sujeitos a multas, o que lhes acarreta enormes prejuízos.
O que deveria fazer-se era coligir as disposições que se se pretendesse aprovar mais ràpidamente, e trazer-se uma nova proposta que poderia ser discutida numa comissão técnica da Câmara, e então saber-se o que estávamos a fazer, porque o que aqui está não é nada.
Não se leve as minhas considerações à conta de estar a querer fazer a esta proposta uma oposição simplesmente porque ela tende a aumentar os impostos ou provém do Govêrno.
Não se trata, manifestamente, de uma questão política e, portanto, dêste lado da Câmara não há o propósito de se fazer política ou tirar efeitos políticos.
Mas há matéria tributável que não está ainda taxada? Há taxas que são pequenas? Está bem, mas daí a votar-se com inconsciência vai uma grande distância.
Apoiados.
Sr. Presidente: em cada uma das disposições dêste parecer, em virtude da publicação da lei recente que modificou as taxas de solo, há que introduzir modificações na discussão da especialidade. Veja V. Exa. que até mesmo sob o ponto de vista da economia de tempo se não lucra nada com o que se está fazendo. Esta proposta foi elaborada quando estava em vigor a lei do sêlo de 1902, mas depois disso votou-se aqui uma proposta de lei alterando a tabela e taxas do solo, de forma que a maior parte destas disposições têm de ser alteradas para se poderem harmonizar com o que nós votamos.
E quanto à questão da urgência, eu creio que em dois ou três dias se podiam numa comissão harmonizar as disposições desta tabela cora a lei ultimamente votada, conseguindo-se até uma votação mais rápida da Câmara e porventura uma maior receita, do que estarmos na discussão da especialidade a alterar constantemente os artigos da proposta.
Mas, emfim, nós estamos num tempo em que nem argumentos desta natureza, nem a autoridade da palavra do Sr. Marques Loureiro conseguem modificar êste processo de fazer leis, leis que não nos honram, porque passam por cima das praxes antigas e até da nossa própria inteligência.
Onde se viu, quando se viu trazer ao Parlamento uma proposta como esta que está em discussão?
Se se pretendia extrair desta proposta determinadas disposições, se se desejava fazer discutir separadamente uma parte delas, se se não queria ter o trabalho de verificar quais as modificações a introduzir na proposta, havia uma cousa elementar a fazer: era tirar desta proposta êsses elementos, fazendo uma proposta nova, que traria concretizado tudo o que havia a aprovar, deixando de ser o caos que é esta proposta, em que há até referências a artigos que não existem. Assim,
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eu cálculo, habituado como já estou ao sistema de não valerem cousa nenhuma os argumentos do valor, habituado como já estou a ver apenas opor a argumentos dêsses o argumento do número, cálculo que esta manta de retalhos vai ser votada pela maioria, saindo daqui uma cousa sem nexo nem coordenação, que só pode ser — perdoem-me V. Exas. - uma porcaria.
Eu creio que as assembleas valem por aquilo que produzem, e creio que é mau fornecer elementos de apreciação do valor tam pouco cuidado como se pretende fazer esta lei.
Apoiados.
Se o Parlamento continuar a votar nos termos em que o tem feito, sobretudo se entrar por êste caminho de pegar em retalhos, aqui e ali colhidos, quási sem ligação alguma entre si, isso não será senão um maior descrédito para o próprio Parlamento, isso não será senão ume, afirmação de valores que, fatalmente, devem ser negativos. Estou convencido de que teríamos aproveitado muito mais o tempo se se tivesse procurado dar a esta proposta aquilo que lhe falta um pouco de coordenação, um pouco de ordem fazendo dela uma cousa que se pudesse entender. Procuraremos, porém, tanto quanto possível, adivinhar o que se possa pretender com ela e ver se é possível apreciar as suas disposições.
Logo no projecto de lei, que ontem por V. Exa. foi dito estar em discussão, há que modificar e a própria proposta depois apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças o diz a taxa da multiplicação das várias verbas. Há um artigo que logo salta à vista, que é o que diz respeito às multas a aplicar e à maneira de as repartir. Eu sei que hoje o fiscal só tem um fito: é ver quanto lhe cabe na multa.
Hoje o Estado não tem funcionários que fiscalizem para cumprir o seu dever, mas para receber a sua parte na multa.
Ora, Sr. Presidente, para que se veja até onde isto pode ir, eu quero chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para a circunstância de três fiscais em Lisboa, encarregados da fiscalização do sêlo de avenças e contribuição de registo por títulos, terem recebido para cima de 600 contos cada um. Não é lígitimo que
se estabeleçam com esta margem os lucros dos indivíduos encarregados da fiscalização, funcionários modestos muitas vezes, mas que, aproveitando como neste caso a circunstância de ter caído em desuso êsse imposto e de se ter deixado de pagar durante algum tempo, teia a certeza de que em cada sociedade anónima em que entram encontram uma multa, não tendo outro trabalho senão lá ir e receber de uma assentada uma ou duas centenas de contos, como sei que só de uma companhia receberam.
Há uma outra disposição que, francamente, não é fácil de ligar-se com outra, disposição também de natureza fiscal.
Ô artigo a que me refiro só traz uma inovação: vem estabelecer que a multiplicação pelo factor 20 se não faz do rendimento líquido, mas do rendimento ilíquido. Dá-se, pois, êste caso curioso: na transmissão da propriedade imobiliária, por exemplo, a contribuição de registo é paga calculando-se e liquidando-se a importância respectiva pela multiplicação por 20 do rendimento líquido pelo que respeita ao imposto de sêlo, multiplica-se não o rendimento líquido mas o ilíquido. Dêste modo, pelo mesmo acto e pela liquidação de dois impostos, que pelo mesmo acto são devidos, para um há uma base e para outro há outra base.
Não me parece que esteja bom como exemplo e, creio até, que há conveniência em harmonizar as duas disposições.
Há disposições neste projecto que eu confesso que não sei o que querem dizer.
Por exemplo, qual é êste artigo 8.° que não está em discussão?
Ninguém percebe isto.
A taxa do artigo 1.°, que também não está em discussão, não condiz com esta citação.
Não posso saber o que dá a goma destas duas taxas; não sei se a tributação é excessiva ou não, como também estou impossibilitado de apreciar o que elas dizem e o que pretende o legislador.
Há taxas que estão erradamente citadas, talvez por êrro de tipografia, chegando à conclusão que na lei há disposições que não se podem aplicar, como por exemplo as do artigo 5.°, n.° 9.°
Manifestamente que nada tem que ver uma cousa com a outra.
Não estamos ainda na discussão na es-
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pecialidade, e por isso tenho que o apreciar em conjunto estas disposições.
O que se pretende com êste projecto?
Conseguir mais ràpidamente determinadas receitas; mas para isso chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças para a disposição do artigo 82.°
Apesar de se elevarem as taxas fixas, entende-se, e muito bem, que as variáveis, sendo aplicadas sôbre muitas transacções, de harmonia com o valor delas numa proporção maior, e, portanto, em harmonia...
Pausa.
Peço desculpa a V. Exas., mas se não fôr seguido êste raciocínio é inútil falar.
Dizia eu há pouco que os vários aumentos que se têm aplicado à tabela de sêlo de 1902 foram inspirados pelo desejo de aumentar o imposto e pelo desejo de actualizar o imposto.
Era 1918 houve de facto o desejo do o aumentar. Posteriormente houve o imposto no sentido de o actualizar, atendendo à desvalorização da moeda.
Nessas, condições, as taxas de sêlo sôbre hipotecas são elevadas a 3/4 por mil, e assim se tem conservado. A desvalorização da moeda não tem que ver com êste imposto.
Em 1918 a quantia necessária para construir um prédio era 15 ou 20 contos. Hoje são precisos 100 ou 200 contos.
Nestas condições, o número de escudos é maior mas o seu poder de aquisição é o mesmo,
Quere dizer, não se aumentam estas taxas proporcionalmente ao valor entre quantidade e qualidade.
Não há razão, portanto, para aumentar estas taxas, que são calculadas em percentagem sôbre o valor do contrato, e é de toda e, inconveniência aumentá-las no que respeita a hipotecas.
Todos sabem que em Lisboa, principalmente, há uma falta enorme de casas para alugar. Ninguém ignora que são raros os prédios construídos por indivíduos que não sejam os construtores civis, que, por hipoteca, levantam o próprio preço do terreno, e por hipotecas sucessivas vão constituindo capital para chegar à conclusão da obra.
Sendo amanhã tributados por esta maneira, ninguém faz mais construções, e pior ficamos com respeito a habitação.
Apoiados.
Mas há mais: os contratos de hipoteca que são renovados pagam por cada vez, por cada período de renovação, e, assim, estabelece-se um imposto novo que é formidável.
Este mesmo imposto é por esta forma aumentado 150 vezes, e, assim, ninguém fará mais habitações, o que maior fará a crise.
Os benefícios que o Sr. Ministro das Finanças pensa alcançar serão nulos, em vista do agravamento do imposto.
Quem é que, depois de tantos impostos, se arrisca a fazer uma construção, tanto mais que nunca sabe as greves que lhe surgirão, o aumento da mão de obra e do material, e a vária série de dificuldades ?
Em matéria de heranças por título gratuito, o com respeito à proposta, ou direi que principalmente nas províncias V. Exas. o sabem, ninguém se dá ao trabalho de ter as suas escrituras em regra. Estão aqui colegas meus que o sabem muito bem.
O ilustre Deputado Sr. Alfredo do Sousa conhece bem êstes casos.
A maior parte dos actos, incluindo os de compra e venda, já hoje se fazem de boca, sem ninguém querer saber dos instrumentos respectivos, por serem caros. Acho inconveniente encarecer êsses actos, tanto mais que há meio de fugir à tributação.
Há algumas tributações estabelecidas que são verdadeiramente formidáveis. Uma delas é o imposto de 1 por mil sôbre o capital duma sociedade por virtude de qualquer alteração do pacto social.
Não compreendo que se estabeleça assim um tal imposto.
Sr. Presidente: temos agora a ver os artigos 167.° e 168.°, com uma disposição que se refere ao traspasse.
Quanto ao artigo 167.°, que trata de traspasse de estabelecimentos industriais e comerciais, acho muito bem, só tendo de estranhar que o inquilino e o Estado recebam dinheiro, e o senhorio nada receba.
Está bem que o Estado receba uma percentagem sôbre êsses traspasses.
Achava também muito bem que o senhorio, no tempo em que a moeda tinha valor fixo, não recebesse nada com o traspasse, que muitas vezes resultava apenas
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da valorização que o inquilino tinha dado à casa que havia tomado de arrendamento.
Se um determinado estabelecimento valia uma quantia de traspasso era porque o seu dono o tinha desenvolvido com o seu trabalho, inteligência e acção, ou porque estando num prédio destinado a habitação o tinha transformado em estabelecimento de negócio, em sítio em que não havia outro, e, assim, justo era que num dado momento recebesse o valor dessa iniciativa quando traspassada a outrem; mas hoje as cousas são diferentes disso.
Hoje se uma propriedade ou estabelecimento, vale um conto, amanhã pode valer três contos, suponhamos, não porque êsse inquilino o tenha feito render mais, mas porque a moeda se tem desvalorizado.
Assim, não é justo que não permitindo ao senhorio o aumento da renda conforme a sua desvalorização, consentindo ao inquilino essa compensação pelo traspasse, se estabeleça assim uma desigualdade.
Não é justo que não se dê ao senhorio uma compensação por tal facto.
Mas no artigo 178.° há uma disposição que é ainda mais extraordinária.
Hoje é absolutamente proibido pela lei do inquilinato o traspasse das casas de habitação. E justa a proibição. Em Franga essa proibição é feita em termos rigorosíssimos e para evitar, apesar do todo êsse rigor, que o traspasse possa ir no valor da mobília, oleados ou candeeiros, não é permitida a sublocação de casas desde que elas não estejam inteiramente vazias.
Isto passa-se em França.
Entre nós o traspasse é igualmente proibido, mas não se estabelecem para êsse efeito quaisquer penalidades, de forma que o traspasse existe de facto à sombra dos tais oleados, mobílias e candeeiros.
Será, porém, de manter a proibição do traspasse? Precisamos de ver se o que está é que está mal. E vem a propósito o argumento que apresentei ainda há pouco para o traspasse dos estabelecimentos comerciais e industriais.
As casas que em 1914 estavam arrendadas por vinte escudos e que hoje só
podem estar legalmente arrendadas por 00 escudos, não vaiem apenas 50 escudos e daí resulta que o senhorio não pode hoje adquirir com êsses 50 escudos os materiais para reparações que em 1914 adquiria com os 20 escudos.
O senhorio, porém, não pode aumentar as suas rendas, mas reconhece-se ao inquilino o direito à posse da casa que habita mediante o pagamento de uma renda muito inferior àquela que pagava em 1914.
E reconhece-se êsse direito por efeito de razões várias e, até, por motivos de ordem pública.
O senhorio não tem o direito de fazer sair da casa o inquilino quando quiser, mas o inquilino tem o direito de se despedir da casa quando quiser, sem a entregar ao senhorio sublocando-a a outro indivíduo. São legítimos êstes direitos?
Eu nego êstes direitos, e tam imoral isto é que o inquilino se dá o direito de manter-se na casa pagando uma renda muitíssimo inferior em capacidade à que pagava em 1914.
Deu-se êste direito por motivo de ordem pública; mas não compreendo que ainda se lhe dê o direito de dispor da casa e não o senhorio quando já não precisa da casa e, portanto, já não devia ter o direito de sublocação.
Os países em que o problema do inquilinato tem atingido a sua fase mais aguda, e que tem andado sempre à frente do movimento que se tem feito, para, de alguma maneira, melhorar a situação dos inquilinos o acudir à falta de habitações, nesses países, como a França, é absolutamente proibido o traspasse e absolutamente proibida a própria sublocação que fôr acompanhada de venda de móveis e quaisquer objectos, e cujo valor possa por qualquer circunstância suportar o traspasse.
Impede-se, proíbe-se que por qualquer forma se subloque, fazendo venda de quaisquer objectos.
Sr. Presidente: se o intuito é facilitar o traspasse, dar ao inquilino a faculdade de ter vantagens que o senhorio não tem, porque lhe é vedado não só aumentar as rendas, mas até, tendo, senhorio e inquilino, assinado um contrato de arrendamento em que se obrigue a pagar uma renda
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maior, está inteiramente no seu direito de se dispensar dêsse pagamento, pagando a renda anterior; se se tiram inteiramente aos senhorios todas as condições de poderem tirar das suas casas maior lucro, não só devem dar outros direitos ao inquilino.
Não acredito em milagres, mas, milagre seria na verdade fazer desta proposta, tal como está redigida, com todos os defeitos que eu lhe venha a notar, fazer desta proposta, repito, um texto capaz de poder ser apresentado como produto de trabalho da Câmara dos Deputados. Mas, oxalá, Sr. Presidente, que êsse milagre não venha a contribuir ainda mais para o desprestígio do Parlamento, porque não tenho prazer nenhum em contribuir para êsse desprestígio, porque não tenho prazer nenhum em ver sair aprovada pelo Parlamento uma proposta que apresentada nestes termos nunca pode ser outra cousa senão uma verdadeira coberta feita de bocadinhos sem ligação uns com os outros, sem nenhuma ligação entre si, sem condições nenhumas de poder ser uma lei em condições ao menos de executar-se, e quando pudesse executar-se em condições de ler-se, escrita em português com um poucochinho de gramática, com um poucochinho de método.
Sr. Presidente: porque o assunto a isso me forçou alonguei um pouco mais do que desejava as minhas considerações; tenho a convicção de que embora tivesse produzido argumentos não lucrei grande cousa com isso; não lucrou a própria proposta, não lucraram aqueles a quem esta proposta, transformada em lei, terá de ser aplicada para a cumprirem, mas há uma cousa apenas que eu lucrei: é que para cada um de nós há um ponto onde começam e onde acabam as responsabilidades próprias dos parlamentares, e como eu tenho um quinhão, embora pequeno de responsabilidade nos diplomas que saem do Parlamento, procurei, quanto pude, contribuir para que o diploma hoje sujeito à nossa apreciação fôsse elaborado em melhores condições, podendo, uma vez transformado em lei, ser aplicado também em melhores condições.
Repito, fiz quanto pude, e culpa não tenho de que, embora eu tivesse empregado todos os meus esfôrços, porventura se te-
nham derretido sem chegarem alguns dê-lês, talvez a sua maioria, a ser ouvidos.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem! Muito bem!
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Documentação
Proponho que o projecto e proposta que se estão discutindo baixem à respectiva comissão, para que esta, com a possível urgência, procure harmonizar as suas disposições com as da lei n.° 1:552, organizando um projecto que compendie os preceitos reguladores do imposto da sêlo e relegando para diplomas distintos o que mais directamente respeita a outras contribuições e a diversos ramos de direito.
12 de Março de 1924.—José Marques Loureiro.
Admitida.
Proponho que os artigos da proposta que mandei para a Mesa sejam precedidos dos artigos que sintetizam os do projecto em discussão:
Artigo 1.° Os actos mencionados nos artigos seguintes, com as taxas que lhes vão indicadas, serão incluídos na tabela geral da lei do sêlo.
§ único. As taxas não declaradas em percentagem serão multiplicadas por 15.
Art. 2.° As taxas de licenças anuais estabelecidas na tabela geral do sêlo compreendem-se por ano ou fracção.
Art. 3.° Fica ô Govêrno autorizado a publicar a tabela geral do solo conforme a legislação em vigor.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.— Álvaro de Castro.
Admitida.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: pedi a atenção do Sr. Presidente do Ministério.
Não vou atacar S. Exa. — até parece mentira! —; não vou mesmo fazer considerações, mas apenas fazer preguntas, nos termos do Regimento, pedindo uma resposta clara e precisa.
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18 Diário da Câmara dos Deputados
Veio há tempo na imprensa a notícia de que o director geral da Fazenda Pública, Sr. Alberto Xavier, tinha partido para França e Inglaterra em missão oficial do Govêrno.
Esta notícia não sofreu qualquer desmentido, e antes factos ocorridos posteriormente levaram toda a gente ao convencimento do que era realmente verdadeira essa notícia. Correram várias versões sôbre os fins que levaram lá fora S. Exa.
Disseram os jornais também, sem qualquer desmentido, que S. Exa. tinha ido a Londres tratar da venda da prata, que, de harmonia com o decreto bolchevista relativo ao Banco de Portugal, o Govêrno projecta levantar e vender, se é que a não levantou já.
Além disso, correu também a versão de que S. Exa. foi a Londres por motivo de quaisquer planos relativos a papéis de crédito.
Há alguns dias dois jornais, um da tarde, outro da manhã, fizeram-se eco de boatos relativos ao resultado da acção de S. Exa. em Londres, e não apareceu qualquer desmentido oficial a êsses boatos.
Nestas condições, eu entendo que uso dum direito, e satisfaço uma aspiração do País, preguntando ao Sr. Álvaro de Castro:
1.° Qual foi a missão que o Sr. director geral da Fazenda Pública foi procurar realizar a Paris e Londres?
2.° Se o Govêrno já tem conhecimento de quaisquer resultados dessa missão ou da maneira como ela está decorrendo;
3.° Se é verdade ou não que o Govêrno já levantou do Banco de Portugal a prata que é destinada à operação que se diz ter levado a Londres o Sr. Alberto Xavier.
Parece-me que se trata de assuntos de alta importância, e estou convencido de que não provoco uma inconfidência da parte do Govêrno, desde que já na imprensa têm corrido notícias a este respeito.
Parece-me que não se trata de segredos do Estado, e parece-me que é até vantajoso para o País que o Sr. Presidente do Ministério dê esclarecimentos sôbre êstes pontos.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: às preguntas do Sr. Cancela de Abreu é tudo quanto há mais fácil de responder.
O Sr. Alberto Xavier foi tratar de assuntos de tesouraria, respeitante à sua função de director geral.
Quanto à venda da prata, posso dizer concretamente que S. Exa. não foi tratar disso a Londres. S. Exa. não tratou dês-se assunto, nem o Govêrno tem ainda em seu poder a prata.
Efectivamente nos jornais diz-se que o Govêrno não tem libras. Isso é absolutamente falso; essa campanha visa tam somente a uma especulação cambial.
O que o Govêrno fez foi passar para a posse do Estado a prata que estava no Banco de Portugal e na Casa da Moeda, onde se encontra ainda.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu (interrompendo): — V. Exa. tem dúvida em dizer qual foi o fim da missão ao estrangeiro do Sr. director geral das Finanças?
O Orador: — Foi em missão do seu cargo e, por ora, não posso dizer nem a V. Exa. nem à Câmara o que foi fazer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Pereira: — O Diário de Noticias de há dois dias trouxe a desoladora informação de que a viúva de Carvalho de Araújo se encontra cercada das maiores misérias.
Carvalho de Araújo foi nosso colega nesta Câmara e a sua morte não honrou só a corporação a que pertenceu, mas o País, que teve a honra de o ter como filho.
É doloroso ver que os descendentes dêsse herói vivam na mais horrorosa miséria.
Chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério para a situação dessa desejada viúva e dos filhos dêsse benemérito português, e convencido estou que o Govêrno e o Parlamento não hão-de descurar êste assunto, dando os meios necessários de assistência que todos nós devemos a essa família.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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Sessão de 13 de Março de 1924 19
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro do Castro): — Sr. Presidente: a ninguém mais do que a mim é penoso recordar a memória de Carvalho Araújo, meu grande amigo, que eu tive a honra do convidar para governar um dos distritos da província de Moçambique, e com quem tive as mais largas relações do amizade.
Nestas circunstâncias ser-me-ia grato praticar qualquer acto que fôsse uma homenagem à sua memória e à heroicidade com que morreu, ocorrendo à situação em que se encontra-a viúva, melhorando a pensão.
Creio que está no Parlamento uma proposta neste sentido, mas seria legítimo que outras pensões fossem também melhoradas.
Todavia, procurarei com o Sr. Ministro da Marinha assentar no meio de resolver êste caso, se estiver na minha mão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, às 14 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscrevam):
Proposta de lei n.° 668, alterando as leis que criaram as juntas autónomas dos portos de Tavira e Vila Real.
(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam):
Parecer n.° 451, crédito especial de 20.000$ para o Ministério das Finanças.
Parecer n.° 624, crédito especial de 413.000$ a favor do Ministério da Guerra.
Parecer n.° 652, que autoriza a revisão do contrato de empreitadas.
Ordem do dia:
A que estava marcada.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Últimas redacções
Do projecto de lei n.° 620-1, que rectifica a lei orçamental n.° 1:449, na parte relativa ao Ministério do Comércio, e re-
fôrça dotações relativas a construção e reparação de edifícios públicos.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Do projecto de lei n.° 636, que abro um crédito de 2.000.000$, a favor do Ministério da Marinha, para reforço do capítulo 2.°, artigo 9.° «Despesas gerais da armada».
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Projectos de lei
Do Sr. Velhinho Correia, colocando sob designados princípios, e sob a alta protecção do Estado a organização nacional das cooperativas de consumidores constituída pelas cooperativas que contribuam para a deminuição do custo de vida.
Para o «Diário do Governo».
Do Sr. Lelo Portela, sôbre contagem de antiguidade no pôsto de segundo tenente.
Para o «Diário do Governo».
Propostas de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e Interior, extinguindo a «gratificação de efectividade» abonada aos sargentos da guarda nacional republicana e abonando-lhes o antigo «subsídio para alimentação».
Para o «Diário do Governo».
Dos Srs. Ministros das Finanças e Comércio, autorizando a junta autónoma da Ria e Barra de Aveiro a contrair um empréstimo de 300.000$ para obras na Barra e Ria.
Para o «Diário do Governo».
Parecer
Da comissão de guerra, sôbre o n.° 648-B que autoriza o Govêrno a modificar a tabela n.° 4 do decreto n.° 5:570 sôbre gratificações de comando ou comissões.
Imprima-se.
Declaração de voto
Declaro que, se estivesse presente à sessão de ontem, ter-me-ia associado às manifestações de estima e consideração
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20 Diário da Câmara dos Deputados
tributadas ao Sr. Fausto de Figueiredo e aprovado a proposta do Sr. Jaime de Sousa.
Em 13 de Março de 1924.—-Pinto Barriga.
Para a acta.
Requerimento
Requeiro que pelo Ministério da Guerra me seja fornecida cópia dos relatórios
da última fiscalização à Manutenção Militar e Arsenal do Exército.
Que pelo mesmo Ministério me seja autorizada a leitura do processo referente à reforma do major médico Francisco Cortês Pinto.
Em 13 de Março de 1924. — Carvalho.
Expeça-se.
O REDACTOR-—Sérgio de Castro.