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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 72
EM 29 DE ABRIL DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 38 Srs. Deputados, é lida a acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Tavares de Carvalho ocupa-se da greve dos padeiros e da falta de pão.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio (Nuno Simões).
O Sr. Tavares de Carvalho tem a palavra para explicações.
O Sr. Cancela de Abreu apresenta um projecto de lei para que o Estado subsidie a viagem aérea Lisboa-Macau, requerendo urgência e dispensa, e propõe, ao mesmo tempo, um voto de saudação aos arrojados aviadores.
Associam-se a êste voto os Srs. Jaime de Sousa, Hermano de Medeiros, António Correia, Dinis da Fonseca, Plínio Silva e Ministro da Instrução (Helder Ribeiro).
O voto de saudação é aprovado por unanimidade.
O Sr. Carvalho da Silva interroga a Mesa sôbre se foi publicado no «Diário do Governo» um determinado projecto de lei.
Responde-lhe o Sr. Presidente.
O Sr. Ministro da Instrução manda para a Mesa, ama proposta de lei, pedindo para ela urgência e dispensa do Regimento, as quais são aprovadas, bem como a proposta.
É aprovada a acta da sessão anterior.
São concedidas licenças.
São feitas admissões.
Aprovam-se votos de sentimento pela morte do Director Geral do Congresso, Sr. Abílio Soeiro, Senador; do Sr. João Bonança, publicista e propagandista, e ainda da mãe do Sr. Crispiniano da Fonseca, tendo falado os Srs. Almeida Ribeiro, Carvalho da Silva, Dinis da Fonseca, Artur Brandão e Ministro do Comércio.
O Sr. Carlos Pereira requere a palavra para um negócio urgente, sendo o requerimento rejeitado depois de usar da palavra o Sr. Carvalho da Silva.
Ordem do dia.— Prossegue o debate sôbre a interpelação do Sr. Vitorino Guimarães ao Sr. Ministro das Finanças acerca da redução do juro do empréstimo interno de 0,5 por cento.
Usa da palavra o Sr. Barros Queiroz, a quem responde o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro}, que fica com ela reservada.
Antes de se encerrar a sessão.— O Sr. Carvalho da Silva protesta contra medido.s de ordem tomadas em Marco de Canaveses, por ocasião da estada do orador naquela localidade.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso).
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Propostas de lei — Últimas redações — Requerimento.
Abertura da sessão às 15 horas e 14 minutos.
Presente& à chamada 39 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 38 Srs. Deputados.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Alberto Ferreira Vidal.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
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António Correia.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Maldonado Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomé José de Barro s Queiroz.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Maria da Silva.
António de Sousa Maia.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José António de Magalhães.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Pedro Augusto Ferreira de Castro.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henrique Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Mendonça.
António de Paiva Gomes.
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António Pinto de Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Pereira Nobre.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Ás 14 horas principiou afazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 6 Srs. Deputados.
A segunda chamada far-se há às 15 horas.
Até lá interrompo os trabalhos.
Ás 15 horas principiou a fazer-se a segunda chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 39 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 14 minutos.
Foi lida a acta e deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Da Câmara Municipal de Serpa, pedindo a aprovação Já lei n.° 1:238 e decreto n.° 9:131, sôbre estradas e turismo.
Para a Secretaria,
Do Senado, enviando as propostas de lei seguintes:
Que cede ao Faial Sport Club o terreno conhecido por Relvão da Doca, na cidade da Horta.
Que eleva à categoria de vila a freguesia de Gontinhães, que se ficará denominando Vila Praia da Ancora.
Para a comissão de administração pública.
Do Ministério das Finanças, remetendo cópia das peças do processo em virtude do qual foram promovidos funcionários da Direcção Geral das Contribuições e
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Impostos e a da declaração da responsabilidade ministerial, de 29 de Março último.
Para a comissão de finanças.
Do Ministério da Guerra, satisfazendo ao pedido em ofício n.° 156, para o Sr. Pires Monteiro.
Para a Secretaria,
Do Ministério do Comércio, respondendo ao ofício n.° 275 sôbre o requerimento do Sr. João Camoesas.
Para a Secretaria.
Do Ministério das.Colónias, para modificações na proposta orçamental dêste Ministério para 1924-1925.
Para a comissão do Orçamento.
Do mesmo, satisfazendo ao requerido pelo Sr. Viriato da Fonseca e comunicado no ofício n.° 138.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Instrução, respondendo ao ofício n=° 56 e em satisfação ao requerimento do Sr. João Camoesas.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Agricultura, satisfazendo ao pedido feito em ofício n.° 282 para o Sr. Pedro Pita.
Para a Secretaria.
Das Câmaras Municipais de Chamusca, Benavente, Oliveira do Hospital, Condeixa-a-Nova, Valença, Anadia, Aljezur, Campo Maior, Manteigas, Caminha, Alter do Chão e Aguiar da Beira, aderindo à representação da Câmara Municipal de Miranda do Corvo acêrca da lei n.° 1:452.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal do Seixal, contra a representação da Câmara Municipal de Miranda do Corvo.
Para a Secretaria.
Das comissões executivas das Câmaras Municipais de Ferreira do Zêzere, Cartaxo, Barreiro, Resende, Oliveira do Hospital, Moncorvo, pedindo que seja resolvido ràpidamente o problema das estradas.
Para a Secretaria.
Da Federação dos Trabalhadores Rurais Portugueses, pedindo que sejam incluídos na amnistia que se projecta os presos por questões sociais.
Para a Secretaria.
Da Associação dos Operários Corticeiros do Seixal, pedindo amnistia para os presos por questões sociais.
Para a Secretaria.
Do 1.° Tribunal Militar Territorial de Lisboa, pedindo para comparecer, para depor, o Sr. Francisco Cruz, no dia 23 do corrente.
Arquive-se.
De Mário Bonança, participando o falecimento de seu tio João Bonança.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da Câmara Municipal das Caldas da Rainha, pedindo a discussão da proposta sôbre estradas.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Sant’Ana da Madeira o dos agricultores, protestando contra a proposta da comissão do rateio do álcool.
Para a Secretaria.
Dos fabricantes de aguardente, do governador civil e do Senador Vasco Marques, reclamando contra o rateio de aguardente, concedido a restrito número de fábricas.
Para a Secretaria.
Representações
Da Associação Comercial dos Lojistas de Lisboa, pedindo que na nova lei do sêlo se multiplique a taxa do sêlo para ás especialidades farmacêuticas estrangeiras pelo coeficiente 5.
Para a comissão de finanças.
Da Comissão Executiva da Câmara Municipal de Vila Viçosa, pedindo a reparação das estradas n.ºs 173 e 174.
Para a Secretaria.
Requerimento
Do soldado licenciado António Pinto Salgueiro, pedindo para ser reintegrado
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como factor nos caminhos de ferro do Minho e Douro.
Para a comissão de legislação criminal.
Expediente
O Sr. Presidente: — Vai ler-se um acórdão da Comissão de Verificação de Poderes.
Foi lido o acórdão.
Da Comissão de Verificação de Poderes, considerando válida a eleição e proclamando Deputado pelo círculo n.° 19, Coimbra, o cidadão José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.
O Sr. Presidente: — Em virtude dêste parecer, proclamo Deputado da Nação o Sr. José Vasconcelos de Sousa Nápoles.
Pausa.
Deu entrada na sala o Sr. Sousa Nápoles, que ocupou o seu lugar.
Antes da ordem do dia
O Sr. Tavares Carvalho: — Sr. Presidente: as considerações que desejo fazer interessam particularmente ao Sr. Ministro da Agricultura, mas, como S. Exa. não está presente, peço ao Sr. Ministro do Comércio o obséquio da sua atenção.
Segundo li nos jornais, o Conselho de Ministros de ontem ocupou-se da questão do pão, o eu desejava que S. Exa. me informasse o sôbre as medidas que o Govêrno tomou para obviar a falta daquele género, pois as bichas são enormíssimas, não aparecendo pão algum, ou, quando aparece, é tam tarde que os que dele necessitam já se, viram forçados a retirar-se.
Eu sei que a greve dos padeiros foi declarada com três dias de antecedência, e a razão por que pregunto ao Govêrno quais as medidas que tomou, é porque li no Diário de Lisboa de ontem que o Sr. Comissário dos Abastecimentos se queixa de que não foram autorizadas a tempo as indispensáveis medidas para obviar aos inconvenientes da greve.
Como considero êste ponto muito grave, para êle chamo a atenção do Govêrno, tanto mais que o congresso do meu partido votou uma moção de louvor ao actual Govêrno, e, em minha opinião, necessário
se torna que êle corresponda à consideração que lhe é dispensada.
V. Exa. não ignora que os preços estão constantemente a subir, sem que qualquer medida se tome no sentido de travar esta marcha vertiginosa, e de evitar que a miséria aumente ainda mais, pois os vencimentos que percebemos não chegam sequer para a terça parte da alimentação.
Nestas condições, desejava saber quais as medidas que o Govêrno tomou ou tenciona tomar sôbre a questão que venho de expor.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Nuno Simões): — Sr. Presidente: o Sr. Tavares Carvalho, no louvável intuito de concorrer para melhorar a situação económica do País, e para melhorar a situação das classes desprotegidas, não quis deixar de, mais uma vez, chamar a atenção do Govêrno para as circunstâncias em que está decorrendo a greve dos padeiros.
S. Exa. apelou para o Govêrno, a fim de que êste o elucidasse sôbre as medida? que tomou ou tenciona tomar.
Sr. Presidente: devo dizer ao ilustre Deputado e à Câmara que os Srs. Ministros da Agricultura e do Interior foram particularmente encarregados de tratar dêsse assunto, e S. Exa. são duas pessoas que costumam honrar as funções públicas que exercem, estando pelo seu patriotismo e republicanismo a coberto de quaisquer dúvidas acerca do modo como se desempenham dessa missão.
O Sr. Ministro da Agricultura não tem descurado a questão um instante sequer, como ainda o não descurou o Sr. Ministro do Interior, e se a Manutenção Militar, que se tem desempenhado o melhor possível, não conseguiu obviar em absoluto à falta do pão, não pode êsse facto ser atribuído a ausência de vontade ou de energia.
Quero também dizer ao Sr. Tavares Carvalho que transmitirei as considerações de S. Exa., afirmando que o Govêrno tem procurado exercer uma acção de moralização administrativa, que não pode sofrer a menor censura de ninguém, devendo acrescentar que o voto do Congresso do partido a que S. Exa. pertence
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não representa mais do que verdadeira justiça. S. Exa. sabe que é fácil fazer crítica e todos a fazem como podem; no emtanto o que afirmo é que o empenho do Govêrno é o mesmo que S. Exa. manifestou.
Aproveito o ensejo de estar no uso da palavra para me referir a outro ponto.
O Sr. Tavares Carvalho levantou aqui uma questão que reveste para mim, pessoalmente, um aspecto de certo melindre, tendo eu, como Deputado, levantado na Câmara a questão da assemblea geral da Companhia das Águas e pedido as devidas sanções, mal me ficaria se, como Ministro do Comércio, não tratasse do assunto.
Devo dizer que vieram ao meu encontro as devidas informações, pois o Sr. João Barreira, delegado do Govêrno junto da Companhia, apresentou um relatório minucioso, e pelo qual se verifica que o accionista em questão foi «corrido», permitam-me V. Exa. o têrmo.
As palavras por êle proferidas não tiveram a aprovação da assemblea.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente quando me referi ao caso da assemblea da Companhia das Águas, o que eu preguntei foi se o fiscal do Govêrno junto da Companhia tinha dado conhecimento do referido incidente ao Govêrno; não disse que êle não tivesse cumprido o seu dever, e folgo imenso com as declarações do Sr. Ministro.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: a minoria monárquica tem acompanhado com verdadeiro entusiasmo & viagem aérea dos dois ilustres oficiais Sarmento de Beires e Brito Pais, e, com verdadeiro orgulho de portugueses, temos seguido as diversas étapes dessa viagem, como já aqui, em circunstâncias semelhantes, acompanhamos à Câmara dos Deputados nas saudações calorosas a Gago Coutinho e Sacadura Cabral.
Estamos neste momento em presença dum empreendimento idêntico, e se as duas viagens aéreas se não podem confrontar em absoluto, a de Brito Pais e
Sarmento de Beires revela da parte dêstes dois briosos oficiais um rasgo de audácia e desprendimento da vida digno do maior aplauso.
Do nosso íntimo para êsse empreendimento vão todas as palavras de louvor e incitamento, que são poucas, a atenderem-se as circunstâncias em que realizaram o mesmo empreendimento.
Seria fácil aos dois oficiais esquivarem-se a realizar a viagem em face da injustificada atitude que o Govêrno assumiu para com êles. Mas não o fizeram.
As desculpas que o Govêrno tem apresentado para justificar o seu desinteresse não encontram no espírito público a menor justificação.
Fossem quais fossem as razões do Govêrno, só tinha de aceitar os factos consumados, e desde que aos aviadores foram conferidos documentos oficiais, êles não estão realizando o raid como simples particulares.
É inadmissível a atitude do Govêrno, que não hesitou, quando a viagem presidencial ao Pôrto, em enviar ao norte dois navios de guerra, como não hesitou em mandar ao estrangeiro missões cujos resultados financeiros se desconhecem, e que enviou e auxiliou as equipes que no estrangeiro foram jogar o foot-ball.
Diz o Mundo que se o Govêrno apresentasse um pedido para a abertura de crédito, a fim de custear as despesas da viagem, não faltariam os protestos dos monárquicos. Para provar exactamente o contrário, mando para a Mesa um projecto de lei.
Como se trata dum aumento de despesa, peço a V. Exa. que aguarde a presença do Sr. Ministro das Finanças para a admissão do projecto, e, caso seja admitido, requeiro a urgência e dispensa do Regimento, e que uma calorosa saudação seja endereçada a êsses dois ilustres oficiais.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: a proposta de saudação do Sr. Cancela de Abreu aos ilustres aviadoras portugueses que vão a caminho de Macau leva-me a declarar porque doutra forma não teria podido falar nesta altura a V. Exa. que êste lado da Câmara se as-
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sócia calorosamente a qualquer voto de saudação, ou a qualquer voto que tenda a exaltar ainda e sempre o gesto arrojado e heróico dêsses portugueses.
Hoje congratulo-me, como da outra vez em que tive a honra de versar êsse assunto, com todas as homenagens prestadas, e faço-o gostosamente, não só em nome dêste lado da Câmara, mas em meu nome pessoal. Todos os portugueses neste momento vibram em uníssono no mesmo sentimento, em face do feito altamente patriótico que estão realizando os ilustres aviadores.
Nestes termos, entendo que o voto de saudação tem toda a oportunidade.
Quanto ao projecto de lei preconizando a votação da verba para custear as despesas dessa viagem, julgo indispensável que o Sr. Ministro das Finanças esteja presente para dizer o que se lhe oferecer acerca da admissão e dos outros trâmites que tem de seguir o projecto de lei, porquanto a Mesa e a Câmara não podem aceitar êsse projecto em face da lei-travão.
É necessário que o Parlamento, sentindo bem as vantagens è os intuitos patrióticos do raid, descubra a fórmula de pràticamente, autorizar as verbas que porventura sejam julgadas indispensáveis para êsse raid terminar com honra para nós.
Portanto, julgo interpretar o sentimento da Câmara propondo que se aguarde a presença do Sr. Ministro das Finanças, para vir dizer o que pensa sôbre a oportunidade do projecto de lei, ou quais as medidas que tomou para financiar a viagem que várias subscrições patrióticas estão auxiliando.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente t em nome dêste lado da Câmara, associo-me ao voto de saudação aos heróicos aviadores.
Desejo fazer também algumas considerações sôbre essa viagem, que se me afigura não ser monos valiosa do que a viagem transatlântica»
Sr. Presidente: tenho assistido com pasmo à atitude do Govêrno que se tem conservado mudo e quedo, sem dar nenhum auxilio à viagem de Beires e Pais.
Apoiados.
Não compreendo que o Govêrno não dê sinal de si.
Apenas o Ministério da Guerra contribuiu para a subscrição nacional.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Em nome do Grupo do Acção Republicana, associo-me à saudação proposta pelo Sr. Cancela de Abreu.
Acho êste ensejo oportuno para prestar as minhas homenagens e as dêste Grupo aos dois brilhantes aviadores, que tanta emoção tem despertado no País, mas não posso deixar de protestar contra a atitude assumida pelo Sr. Cancela de Abreu e pelo Sr. Hermano de Medeiros que pretenderam atacar o Govêrno, dizendo que êle tem ficado indiferente perante o raid a Macau, quando a verdade é que o Govêrno tem acompanhado com todo o carinho e patriotismo êsse maravilhoso raid, em que os nossos aviadores têm dado as maiores provas da sua bravura.
Apoiados.
O Sr. Ministro da Guerra já teve ensejo de exprimir na imprensa o pensar do Govêrno acerca do raid de Lisboa a Macau.
Sr. Presidente: quem analisar a sangue frio o sem parti-pris a situação presente, não pode de forma alguma atribuir ao Govêrno responsabilidades pelo silêncio que êle tem tido, porque o Govêrno fez: as declarações que no momento podia fazer.
O Sr. Hermano de Medeiros (interrompendo): — Quais declarações?
O Orador: — Disse o Sr. Ministro da Guerra, clara e terminantemente, na sua entrevista., que ao Govêrno não era indiferente o raid Lisboa-Macau, que lhe dispensava toda a atenção e que naquele momento, em que estava fechado o Parlamento, não podia dizer mais nada, mas que logo que o Parlamento reabrisse se apressaria a fazer tudo o necessário para auxiliar a realização do raid.
Assim, quando vemos que o Govêrno tem recebido do todos os pontos do País provas inequívocas de confiança, é para lastimar que a propósito dêste caso se
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queira fazer uma questão política, (Não apoiados das direitas), pretendendo-se atribuir ao Govêrno um pensamento bem diferente daquele que êle realmente tem.
Sr. Presidente: o raid Lisboa-Macau, que tanto entusiasmo tem produzido no País, tem sido feito à custa de um grande carinho da Nação o à custa do amor que a Nação tem pelo prestígio dos seus filhos, e, não obstante o mutismo de que o Govêrno é acusado, aos aviadores ainda não faltou o carinho de ninguém, pois que êles tem feito as suas étapas não sentindo a falta de qualquer cousa. Se realmente um movimento de simpatia da população, despertado por intermédio da imprensa, não chegar para a conclusão de tam audaciosa empresa, o Govêrno, que é constituído por autênticos patriotas, a quem não é indiferente o nome português, no momento oportuno apresentará à Câmara qualquer medida tendente a não permitir que fracasso, mesmo à custa da nossa angustiosa situação financeira, um raid que mais uma vez vem pôr em foco o valor da aviação portuguesa.
Terminando as minhas considerações e associando-me ao voto de saudação proposto pelo Sr. Cancela de Abreu, eu faço votos para que o nome português mais uma vez se imponha ao conceito do mundo inteiro, não podendo deixar neste momento de prestar homenagem ao Govêrno, que pela boca do titular da pasta da Guerra disse tudo o que tinha a dizer agora, sem invadir as atribuições do Poder Legislativo.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia (para explicações): — Sr. Presidente: não pedi a palavra para me associar ao voto de saudação, porque quem me conhece sabe bem que eu acompanho os meus camaradas desde o início do seu raid, ou melhor desde que êles pensaram em realizá-lo, o se alguém lhes tem dado o seu apoio moral, porque outro não podia dar, êsse alguém sou eu, e tanto assim que no sou relatório êsses meus camaradas o manifestaram com algumas palavras que muito me são gratas. Se pedi a palavra, foi para rebater algumas das afirmações aqui feitas.
Disse-se aqui que o Govêrno tem seguido a par e passo o raid dêsses nossos
aviadores desde que êles partiram. Ora isso é menos exacto, e tam pouco exacto que quando êles partiram da Amadora nem um representante, sequer, do Govêrno estava presente; e então eu pregunto se desde o início do raid o Govêrno acompanhou êsses dois aviadores...
Mas há mais: partiram êles de Vila Nova de Milfontes e nem sequer um representante do Govêrno estava lá presente.
Logo o Govêrno não lhes deu a assistência moral, pelo menos, que era natural que desse àqueles dois homens que partiam para procurar engrandecer o nome da Pátria.
Apoiados.
Para provar ainda a V. Exa. quam desamparados êsses aviadores partiram, devo dizer que, havendo necessidade de gastar 40 contos em gasolina, foi-se pedir a necessária autorização ao Ministro da Guerra e S. Exa. recusou-a.
Devo dizer, para elucidação do País, que sou amigo pessoal de S. Exa. e não me move. pois, antipatia ou intuito político contra S. Exa.; e para que se veja, Sr. Presidente, que isto é como eu digo, basta dizer que levando êsses dois oficiais guias de marcha e passaportes diplomáticos, não se fez aquilo que era natural que se fizesse para oficiais que sa,em em missão oficial, isto é, dar-lhes um certo vencimento para custearem as suas despesas militares, o que se fez, por exemplo, para não citar mais castas, com os oficiais que acompanharam o team de foot-ball militar que foi a Madrid, o que de resto se fez bem, porque é pelo desporto que se hão-de melhorar as condições físicas da nossa raça.
Entretanto, passou-se isto tudo com êsses briosos oficiais, e só depois dos jornais começarem a falar e o povo se começar a interessar pela sorte dos aviadores, é que o Sr. Ministro da Guerra veio dizer numa entrevista que o Govêrno seguia com todo o interêsse o raid.
Mesmo assim, era natural que nessa altura o Govêrno fizesse aquilo que sempre se tem feito, sem ser precisa a intervenção do Parlamento: era dar aos aviadores vencimento em ouro!
Apoiados:
Note-se, porém, ainda a diferença que existe entre o início dêste raid e o do co-
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mandante Sacadura Cabral o almirante Gago Coutinho!
Sr. Presidente: o Sr. Paulo Cancela do Abreu apresentou um projecto pelo qual se autoriza o Govêrno a facultar os meios necessários à boa e completa execução do raid.
São louváveis os propósitos de S. Exa. mas, a meu ver, neste momento, só há uma entidade que tem o direito de custear as despesas dêsse raid, e essa entidade é o País.
Apoiados.
Àparte do Sr. Paulo Cancela de Abreu, que não se ouviu.
O Orador: — E possível que dentro em pouco haja necessidade do auxílio do Govêrno. Antes, porém, de essa necessidade se impor não devemos tirar à Nação o que a Nação chamou a si.
Feitas estas ligeiras considerações, que a proposta apresentada pelo Sr. Paulo Cancela de Abreu me sugeriu, eu termino associando-me ao voto de saudação proposto por S. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Em nome da minoria católica associo-me ao voto de saudação proposto pelo Sr. Paulo Cancela de Abreu, aos dois distintos aviadores, que estão neste momento realizando o raid Lisboa-Macau.
Os dois heróicos aviadores, que vão de terra em terra, de vôo em vôo, a caminho de Macau, realizam êsse grande empreendimento por sua própria iniciativa.
Essa iniciativa merece de todos nós, que aqui representamos o País, e do Govêrno, muito especialmente, toda a protecção e todo o apoio.
Ninguém pode negar a êsses valorosos portugueses a sua assistência, quer material, dando-lhes os elementos indispensáveis para êles levarem a cabo a sua arrojada tentativa, quer moral, fazendo-lhes ver que os seus concidadãos os seguem com sinceridade e patriótica ansiedade.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr.. Plínio Silva: — Sr. Presidente: em meu entender, o empreendimento que estão levando a efeito os capitães Brito
Pais, Sarmento Beires e o sargento Gouveia é de tal natureza que não dá a ninguém o direito do fazer política com êle.
Apoiados.
Eu bem sei que esta assemblea, pelas suas características, é uma assemblea essencialmente política, mas entendo que num caso dêstes nós temos de abstrair completam ente a política.
Apoiados.
Não pretendo defender o Govêrno nesta questão. Isso seria dar ensejo aos Deputados do outros partidos para uma discussão que só poderia ser inconveniente. Todavia não posso deixar de declarar que muito folguei com as declarações que há pouco fez o Sr. António Maia.
Efectivamente, o auxílio do Govêrno só pode ser admissível quando fôr indispensável, e por emquanto não o tem sido, merco do patriotismo dos portugueses, que tam bem têm sabido acompanhar, quer materialmente, quer moralmente, os heróicos aviadores.
Eu quis há dias apresentar um projecto redigido em determinado sentido, mas como reconheci que apresentado por mim, êle poderia ter um significado político, desisti do o apresentar, resolvendo lembrar ao Govêrno a idea que me levara a apresentar êsse projecto.
Sr. Presidente: V. Exa. sabe que, por ocasião do raid Sacadura Cabral e Gago Coutinho, foi quando chegaram aos Pene-, dos que o Parlamento tomou a iniciativa de promover ossos oficiais.
Não temos que averiguar se um raid vale mais ou menos do que o outro.
O meu alvitre de propor dois postos de acesso ao mecânico Gouveia é baseado no parecer de todos os aviadores, que muito estimam êsso mecânico o sabem quanto êle é dedicado e que a êle se devo muito o êxito do todas as étapes, pois sendo a nona, tem-se visto bem o zêlo e dedicação dêsse mecânico.
Nestas palavras não há a menor sombra de política e presta-se a maior homenagem a êsses homens.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução (Helder Ribeiro): — Pedi a palavra para mo associar ao voto do saudação aos heróicos-aviadores Sarmento do Beires e Brito Pais e
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para dizer que estava muito longe de supor que êste assunto servisse ao Sr. Paulo Cancela de Abreu para acusar o Govêrno e a sua acção.
O Govêrno tem acompanhado sempre os aviadores e só assim podem proceder portugueses e patriotas.
Apoiados.
A despeito de atravessarmos uma hora de dificuldades, e em que por todas as formas se tem procurado reduzir as despesas...
O Sr. Artur Brandão: — Tem-se visto!
O Orador: — Tem-se visto e é verdade!
O Govêrno não deixará de acompanhar o raid e não deixará de intervir, no momento oportuno, para o coadjuvar financeiramente.
Declaro, em nome do Govêrno e em meu nome pessoal, como camarada que sou dos briosos militares que vão a caminho do Oriente, e ainda como Ministro da Instrução, que me associo com todo o entusiasmo e fé à saudação proposta, pois o raid que se está fazendo é um belo exemplo do que podem a fôrça, de vontade, a competência profissional e a rigidez de carácter.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa). — Desejo que V. Exa., Sr.
Presidente, me informe se houve quaisquer dúvidas sôbre a publicação, no Diário do Govêrno, do projecto que aqui foi apresentado pelo Sr. Vitorino Guimarães visto que não aparece publicado naquela folha oficial.
O Sr. Presidente: — Vou informar-me e depois satisfarei o pedido de V. Exa. Pausa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Instrução.
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Helder Ribeiro): — Sr. Presidente: na lei publicada em 29 do Fevereiro relativa ao reforço de 106:000$ para o artigo 41.° da proposta orçamental de 1921-1922, ver-
ba constituída pelo que haviam rendido a mais as propinas universitárias, e que às Universidades deve ser entregue, houve êrro na citação dos competentes artigos, e assim sou forçado a apresentar uma proposta de lei que envio para a Mesa, pedindo para a sua discussão a urgência e dispensa do Regimento.
Leu-se a proposta do teor seguinte:
Tendo sido inexactamente indicado na lei n.° 1:558, de 7 de Março de 1924, o artigo 41.° do capítulo 5.° da tabela orçamental do Ministério da Instrução Pública, relativa ao ano económico de 1921-1922, para ser reforçado com a. quantia de 106.000$, e devendo o crédito autorizado por essa lei ser adicionado à dotação consignada no capítulo 5.°, artigo 35.°, da mesma tabela, para restituição dos rendimentos, que constituem receita própria dos estabelecimentos universitários, tenho a honra de apresentar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É reforçada a liquidação do artigo 35.°, capítulo 5.°, da proposta orçamental do Ministério da Instrução Pública que vigorou no ano económico de 1921-1922 com a. quantia de 106,000$.
Art. 2.° O artigo 1.º substitui o artigo 1.° da lei n.° 1:558 de 2 de Março de 1924, o revoga a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 29 de Abril fie 1924.— O Ministro da Instrução Pública, Helder Ribeiro.
Seguidamente foram aprovadas a urgência e dispensa do Regimento requeridas pelo Sr. Ministro da Instrução.
O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão a proposta apresentada pelo Sr. Ministro da Instrução.
Foi lida na Mesa e aprovada na generalidade.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco § 2.° do artigo 116.°
Seguidamente fez-se a contraprova e procedeu-se à contagem.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 54 Srs. Deputados e em pé 5.
Está aprovada.
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Vai discutir-se a especialidade. Foram lidos e aprovados, sem discussão, os artigos 1.° e 2.°
O Sr. Ministro da Instrução Pública (Helder Ribeiro): — Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Chamo a atenção do Sr. Carvalho da Silva.
Tenho de informar V. Exa. que o projecto apresentado pelo Sr. Vitorino Guimarães ainda não foi para o Diário do Govêrno.
O Sr. Carvalho da Silva: — Peço a palavra para invocar o Regimento.
O Sr. Presidente: — Tem V. Exa. a palavra.
O Sr. Carvalho da Silva: — Em face da disposição do artigo 72.° do Regimento, o projecto do Sr. Vitorino Guimarães já devia ter vindo publicado no Diário do Govêrno.
O Sr. Presidente: — Não foi publicado porque o Sr. Vitorino Guimarães deixou à Mesa o encargo de ordenar a publicação quando o entendesse.
O Sr. Carvalho da Silva: — Então S. Exa. retirou o seu projecto?
O Sr. Presidente: — Não, senhor.
O Sr. Carvalho da Silva: — ntão está sôbre a Mesa e tem fatalmente de ser publicado. Assim o ordena o Regimento.
O Sr. Presidente: — Vai ser enviado para o Diário do Govêrno.
Em virtude da manifestação da Câmara, considero aprovada por unanimidade a saudação aos aviadores Brito Pais e Sarmento de Beires e ao mecânico Gouveia.
O Sr. António Maia (para interrogar a Mesa): — A saudação votada não é comunicada aos ilustres aviadores?
O Sr. Presidente: — Eu entendo que ser e será transmitida.
Vai passar-se à ordem do dia.
Está em discussão a acta.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como ninguém peça a palavra considero a acta aprovada.
Pedido de licença
Do Sr. Aires de Ornelas, 1 mês. Do Sr. João Luís Ricardo, até 15 de Maio.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Admissões
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e Colónias, abrindo um crédito em 1:500 contos a favor do Ministério das Colónias e a inscrever sob a rubrica «crédito para reforço dos depósitos da colónia de Timor na Caixa Geral de Depósitos» no capítulo 2.° de despesas extraordinárias do orçamento dêste Ministério.
Para a comissão de colónias,
Projectos de lei
Do Sr. Amadeu Leite de Vasconcelos, autorizando os proprietários de terrenos incultos atravessados por carreiros ou caminhos vicinais a vendê-los sob designadas condições.
Para a comissão de administração pública.
Do Sr. Marques de Azevedo, autorizando a Câmara da Póvoa de Lanhoso a vender os baldios desnecessários ao logradouro do concelho.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
O Sr. Presidente: — Proponho que sejam lançados na acta votos de sentimento pela morte do Senador e antigo Deputado, director geral da Secretaria do Congresso, Sr. Abílio Lobão Soeiro, do antigo e dedicado republicano Sr. João Bonança, e da mãe do ilustre Deputado Sr. Crispiniano da Fonseca.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Em nome dêste lado da Câmara associo-me aos votos de sentimento que S. Exa. acaba de
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propor, pelo falecimento do nosso antigo colega Abílio Lobão Soeiro, do velho republicano o propagandista João Bonança o da mãe do nosso colega nesta Câmara, o Sr. Crispiniano da Fonseca.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente:, pedi a palavra para, em nome dêste lado da Câmara, me associar ao voto de sentimento proposto por V. Exa. pejo falecimento dos Srs. Abílio Lobão Soeiro e João Bonança, e bem assim pela morte da mãe dó nosso ilustre colega nesta Câmara, Sr. Crispiniano da Fonseca.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome da minoria católica, mo associar aos votos do sentimento propostos por V. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Artur Brandão: — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em meti nome e no dêste lado da Câmara, me associar aos votos de sentimento propostos por V. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Nuno Simões): — Sr. Presidente: pedi a palavra para, em nome do Govêrno, me associar sentidamente aos votos propostos por V. Exa. pelo falecimento dos Srs. Abílio Lobão Soeiro, director geral ao Congresso da República, João Bonança, antigo funcionário do Congresso da República, e bom assim pela morte da mãe do nosso prezado colega nesta Câmara o Sr. Crispiniano da Fonseca.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovados por unanimidade os votos de sentimento que propus.
O Sr. Carlos Pereira: — Peço a palavra para um negócio urgente.
O Sr. Presidente: — Convido V. Exa. a vir à Mesa declarar qual o assunto do negócio urgente que deseja tratar.
Pausa,
O Sr. Presidente:— O Sr. Carlos Pereira deseja tratar em negócio urgente de umas acusações feitas ao Sr. Ministro da Agricultura pela Companhia União Fabril o bem assim do caso dos funcionários dos Caminhos do Ferro do Estado.
O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo. devotar): — Sr. Presidente: estou inteiramente de acordo em que o Sr. Carlos Pereira trate dos assuntos sôbre que deseja falar em negócio urgente; entendo porém, que, estando a realizar-se a interpelação do Sr. Vitorino Guimarães ao Sr. Ministro das Finanças, assunto êsse que é da maior urgência, por isso que se liga com o crédito do País, elo o faça somente depois de finda essa interpelação.
Esta é a minha opinião e estou certo de que será esta a opinião da maioria da Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que estão de acordo em que o Sr. Carlos Pereira trato do seu negócio urgente, queiram levantar-se.
Foi rejeitado.
O Sr. Carlos Pereira: — Preferem deixar na lama o nome dos Ministros!
Nesta altura o Sr. Carlos Pereira, muito exaltado, lê à Câmara um papel.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: visto estar presente o Sr. Ministro das Finanças, peço a V. Exa. o obséquio do o consultar acerca do projecto de lei que mandei para a Mesa.
O Sr. Presidente: — O pedido de V. Exa. ft não pode ser atendido pela Mesa.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Continua a discussão sôbre o motivo da interpelação do Sr. Vitorino Guimarães ao Sr. Ministro das Finanças, e tem a palavra o Sr. Barros Queiroz.
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O Sr. Sarros Queiroz: — Sr. Presidente: só o sentimento da vaidade movesso a minha acção política nesta casa do Parlamento, eu teria inteira satisfação com a interpelarão ao Sr. Vitorino Guimarães. S. Exa., com a lealdade que o caracteriza, confessou que a acção do todos os parlamentares dêste lado da Câmara tinha sido realmente justa, muito principalmente na parte relativa a toda a matéria fiscal votada em 1922.
Fiz e fizeram os mons correligionários a oposição que entenderam justa às propostas de finanças de 1922, apresentadas ao Parlamento pelo Sr. Portugal Durão, porque essas propostas não correspondiam à necessidade do País e eram inexeqüíveis.
Demonstrei isso, o os factos vieram a dar-nos razão, o que nem eu nem os meus correligionários desejaríamos o com o que não sentimos prazer. Antes sentimos pesar disso, movidos sempre pelo interêsse do País, que nunca esquecemos, som facciosismo político.
Acima dos interêsses políticos estão os interêsses da República e acima dos interêsses da República estão os interêsses do País.
Apoiados.
O Sr. Vitorino Guimarães pretendeu demonstrar à Câmara que o seu empréstimo não correspondeu àquilo que êle e os seus amigos esperavam, por não terem sido aprovadas pelo Parlamento, paralelamente, cortas medidas.
A minoria nacionalista não cabe nenhuma responsabilidade das acusações feitas pelo Sr. Vitorino Guimarães, porque, sendo oposição, não usou dos meios que o Regimento lhe facultava para impedir a sua votação. Só alguém há que acusar é a própria maioria, e não evidentemente, as oposições.
Apoiados.
As palavras do Sr. Vitorino Guimarães são inteiramente e justamente aplicadas aos seus correligionários, o menos ainda o poderiam ser aplicadas ao meu Partido, porque os homens do meu Partido, qualquer que seja o Ministro das Finanças que se sento naquelas cadeiras, têm dado apoio às medidas que julgue serem boas.
O Sr. Vitorino Guimarães encontrou uma forte oposição ao empréstimo porque este era lançado em ruinosas condições,
e S. Exa. fora evidentemente iludido com as informações que lhe davam.
Os títulos foram emitidos a 438$, quando primeiro só pensou em omitir a 282$ cada 10 títulos.
Desta pequena diferença já resultou para o País o benefício de 60:000 contos.
É certo que sustentei e sustento que o empréstimo nos seus resultados práticos é ruinoso para o País, porque só os países falidos lançam empréstimos com juro tam elevado.
O Sr. Vitorino Guimarães, com a sua interpelação quanto à obra do Govêrno, relativamente a um empréstimo de 6,5 por cento, expôs um plano financeiro que entendia dever ter sido seguido na administração do País.
Não vou fazer a análise do plano não é êste o momento próprio, nem êsse plano está em discussão.
Devo dizer, porém, que em muitos pontos estou inteiramente de acordo com o Sr. Vitorino Guimarães. Divirjo, porém, inteiramente noutros.
Em matéria de contribuição industrial; no momento, sou contrário ao procedimento adoptado. A República acabou com o existente no tempo da monarquia, quanto à contribuição industrial, por entender que ora inexeqüível.
Apoiados.
Só quem não conheço a maneira come» era feita a repartição do impostos, é que pode admitir a possibilidade de se voltar a tal regime.
Toda a gente sabe que a lei que permitia a constituição dos grémios, autorizava-os a reduzir até a décima parte da respectiva contribuição ou a aumentar até dez vezes a taxa iniciai da contribuição.
Toda a gente sabe as poucas vergonhas, permita-se-lhe o têrmo, que se praticaram contra os interêsses do Estado.
Se isto era assim quanto às taxas o que seria quando só aplicasse êsse sistema às actuais contribuições, multiplicando, por dez ou por vinte a contribuição!
Quantas reclamações apareceriam da indústria e do comércio, tornando execrável a República que permitia tal cousa!
A lei n.° 1:736 tem defeitos; é necessário que se apresentem emendas que a tornem capaz de não exagerar aquilo que o contribuinte deve pagar.
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Não posso por isso acompanhar o Sr. Vitorino Guimarães nos seu ponto de vista, e, quando aqui se discutir a proposta que o Sr. Ministro das Finanças mandou para a Mesa, terei ocasião de a ela me opor com toda a energia, mas sem nenhum parti pris,
Analisou o Sr. Vitorino Guimarães a obra do Govêrno. Vou também fazê-lo e, apesar de S. Exa. ter sido violento, eu serei mais enérgico, mas sem ofensa pessoal para ninguém.
O Sr. Ministro das Finanças publicou o seu decreto reduzindo os juros em ouro do empréstimo que era também em ouro.
Essa redução teve todos os inconvenientes, e mais ainda constituem um descrédito para o Estado.
Apoiados,
Não se compreende que um homem que se senta nas cadeiras do Poder, e que assume as responsabilidades da pasta das Finanças, não se convença de que um país que vive com déficit, e que necessita de recorrer a crédito a todo o momento, não pode ter êsse crédito abalado, e S. Exa. não fez outra cousa senão desacreditar o Estado.
Apoiados.
Garantiu o Sr. Ministro das Finanças, autor do empréstimo, que êste seria em ouro e que os juros seriam em ouro, e poucos dias depois dessa resolução e do empréstimo ser emitido, o actual Sr. Ministro das Finanças modificou as condições dele e vem dizer que um decreto, pelo qual se assumia a obrigação do pagamento dos juros em ouro, ficava revogado.
O acto do Sr. Presidente do Ministério e .Ministro das Finanças representa pouca atenção e respeito pelo Parlamento, pois não se teve dúvida «m praticar um acto que não posso deixar de classificar de ruínoso para o País e desonroso para o crédito de Portugal.
É lamentável que S. Exa. tenha praticado um acto de tal natureza, e que o Parlamento, ao. ter conhecimento de tal facto, não tivesse imediatamente tomado a atitude necessária para levantar bem alto o crédito do Parlamento-e do País, que devem ser respeitados por todos.
Sr. Presidente: estou convencido de que o Sr. Ministro das Finanças praticou o seu acto na melhor das intenções, faço-lhe essa justiça, e sem pensar madura-
mente nos efeitos perniciosos da sua acção.
O Sr. Vitorino Guimarães, ao terminai-a sua interpelação, mandou para a M< sã um projecto.de lei restabelecendo as condições do empréstimo nos precisos termos em que foi votado nesta Câmara.
Não posso deixar de considerar essa proposta em discussão conjuntamente com a interpelação, porque mal ficaria ao Parlamento que, depois duma discussão desta natureza, não se pronunciasse abertamente pelo cumprimento integral das leis do País.
Se tal não fizesse, era o reconhecimento de que ao Parlamento não merece respeito aquilo que ele próprio fez.
Estou convencido de que no cérebro dos meus colegas desta Câmara se fará a luz necessária para que, antes de terminar a discussão, se adopte uma atitude que nobilite o País, assumindo a inteira responsabilidade dos actos praticados, ou então que se reconheça que as leis os votos do Parlamento, os compromissos do Estado Português não merecem consideração alguma.
Estou convencido, repito, de que, no fundo, todos os meus colegas, incluindo o próprio Sr. Presidente do Ministério, 1ôm o desejo de que saia daqui nobilitado o nome fio País, e o nome do País só pode nobilitar-se quando se assuma inteira responsabilidade dos actos praticados.
Sr. Presidente: o Sr. Álvaro, de Castro, Ministro das Finanças, iniciou a boa acção administrativa naquela pasta, investindo com o Banco de Portugal, impondo--lhe uma série de exigências, algumas das quais humilhantes, que depois não efectivou.
Assim, o Sr. Ministro das Finanças impôs, por um decreto, ao Banco de Portugal um vogal ao seu conselho fiscal.
Numa segunda publicação do mesmo decreto, o vogal do conselho fiscal passou a ser fiscal junto do conselho fiscal e no contraio feito finalmente com o Banco «1o Portugal engoliu se o vogal do conselho fiscal, e o fiscal junto do conselho fiscal, não ficando nada, absolutamente nada.
Sr. Presidente: não me merece elogios muito rasgados a acção que as direcções do Banco de Portugal têm exercido no País, e já o tenho demonstrado mais de uma vez à Câmara, mas não posso deixar de lamentar que os Governos, por
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capricho, por acção sem finalidade prática de nenhuma ordem, estejam a inffigir vexames a pessoas que podem, em determinadas circunstâncias prejudicar interêsses do Estado, pessoas que independentemente dos interêsses que representam, têm a sua individualidade própria, não podendo fàcilmente consentir essas humilhações porque, vendo homens tendo dignidade, tem de ver tratados aos devidos termos.
O Sr. Ministro das Finanças, ao mesmo decreto, determinava que os bancos aumentassem a seu capital effectivo, não excluindo dêsse, aumento do capital o Banco de Portugal, e aqui o Sr. Álvaro de Castro, ia no encontro dêsse projecto mirabolante de certo alemão que se permite vir dar conselhos num país estranho; conselhos que talvez fôssem defensáveis por parte de qualquer português sôbre o aumento do capital do Banco de Portugal.
Mas, sabe a Câmara o que sucedeu?
É que, no contrato assinado em 24 do mês passado pelo Sr. Ministro das Finanças, entre o Estado e o Banco de Portugal, se diz expressamente que o aumento de capital que se impõe aos outros bancos não terá aplicação ao Banco de Portugal.
Determinou-se também o Sr. Ministro das Finanças que ficava êle com o direito de levantar livremente das [...] que estava, na posse do Banco, em virtude da convenção realizada pelo Sr. Vitorino Guimarães em Dezembro de 1922. Pois sabem V. Exas. o que resultou?
Foi dizer-se no contrato assinado em 24 do mês passado que só faria uma nova convenção entre o Banco e o Govêrno, sôbre a convenção de 1922, nos termos permitidos pelo n.° 11.º do artigo 19.° dos estatutos do Banco, quere dizer, naqueles termos em que o Conselho Geral do Banco de Portugal pode outorgar sem consulta da assemblea. Isto, praticamente, quere dizer que o Govêrno não poderá dispor das cambiais que lá tenha, resultando assim absolutamente inútil a ameaça que veio nesse decreto.
Determinou também o Sr. Ministro das Finanças, nesse mesmo decreto, que os acordos a fazer entre o Govêrno e o Banco não seriam feitos nem prévio conhecimento da assembleia geral, que dêles tomaria conhecimento o que, só com cies não concordasse, recorreria no Parlamento.
Pois, Sr. Presidente, o acôrdo entre o Govêrno e o Banco fez-se depois da reunião da assemblea geral e do seu consentimento.
Fizeram-se assim ameaças ao Banco de Portugal que não só efectivaram, ameaças de quem arma em tigre para beber o sangue do adversário e no final se transforma num cordeirinho cheio do amor pelo Banco de Portugal. E, se não vejamos.
For êste contrato de 24 de Março último, o Sr. Ministro das Finanças comprometo o Estado a pagar ao Banco o custo das notas que representam a prata do Estado, isto é, as notas que o Ba aço de Portugal tinha emitido em 1917 para recolher a prata do Estado e cujo custo fôra lançado nos gastos gorais dêsse ano será agora restituído ao Banco de Portugal, representando algumas centenas de contos em pura perda do País.
Polo mesmo convénio o Sr. Álvaro do Castro consentiu que o Banco de Portugal paga se, em ouro, a prata que tinha em caixa tomando por base o valor da prata em Londres, quero dizer que os 3:800 contos do prata que o Banco tinha nos seus cofres em garantia da sua circulação fiduciária, são utilizados pelo Banco de Portugal para os transformar em 40:000 contos do notas.
Êste é o segundo benefício que o Sr. Álvaro de Castro fez ao Banco do Portugal!
Ainda há mais: do lucro do Banco o Estado não é participante, porque o valor diferencial da prata figura no passivo do Brinco, até que o ouro chegue à sua paridade.
Por contraio de 1918, o Estado paga ao Banco de Portugal pela emissão que fizer, 1 por cento, e dêsse 1 por cento ficam 3/8 para as despesas do Banco o os 3/8 restantes são lançados na conta.
Êste assunto foi trazido ao Parlamento pelo Sr. Cunha Leal e foi autorizado o Govêrno a pagar aquilo que estava a mais da omissão, mas sabe a Câmara o que fez o actual Ministro das Finanças?
Leu.
Só por esta verba o Estado pagaria mais do 2:000 contos por ano.
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São estas as atitudes tigrinas do Sr. Ministro das Finanças!
Eu não tenho nenhum propósito de ser desagradável ao Sr. Álvaro de Castro, pois a S. Exa. me ligam velhos laços do amizade e basta a circunstância de ser filho de um dos meus amigos mais queridos para pessoalmente não ter por S. Exa. a menor antipatia, e só desejava que S. Exa. me desse oportunidade para o louvar por serviços prestados ao "País nesta hora do apreensão para todos.
Mas tenho o desgosto de verificar que êste contrato com o Banco do Portugal é o mais prejudicial para o País do todos os contratos feitos até aqui.
Nunca ninguém foi duma generosidade tam grande para com o Banco de Portugal como o Sr. Álvaro de Castro. E senão veja a Câmara: o Banco de Portugal tem o exclusivo da emissão de notas desde 1887.
Apesar de todas as vicissitudes da vida portuguesa, êsse Banco chegou a Fevereiro de 1924, isto é, 36 anos depois, e podendo usar apenas de 130:000 contos do emissão de notas, autorizado pelo Sr. Álvaro de Castro, aumentou essa emissão em mais 130:000 contos.
Se eu fôsse accionista do Banco, teria de felicitar-me e de felicitar a direcção pelo triunfo que alcançou dum modo retumbante sôbre o Sr. Ministro das Finanças que, armado dum facalhão, aparentemente, acabou por ser duma doçura dum cordeiro inocente para com o Banco.
Mas o Sr. Ministro das Finanças tem, em administração pública, certas teorias que eu não atinjo, certamente pela minha insuficiência.
Assim, S. Exa. veio ao Parlamento o pediu a votação duma lei que lho permitisse tomar todas as providências tendentes a proibir a especulação cambial, propondo-se S. Exa. estrangular essa especulação.
Essa lei foi votada, e ainda hoje estamos para ver quais fortim, as providências adoptadas por S. Exa.
O Sr. Álvaro de Castro vem para o Govêrno e acabou em reconhecer que não tinha mais do que limitar a sua acção ao que caísse do céu.
Mas o Sr. Presidente do Ministério tem outras teorias mais estranhas, segundo consta dos jornais.
S. Exa. forneceu também à imprensa uma nota que termina por afirmar que o listado tem o fundo ouro necessário para não carecer do comprar e que também não tem de intervir na venda. Mas, Sr. Presidente, eu não compreendo, certamente por insuficiência minha.
O Govêrno tem encargos ouro de cêrca do um milhão e meio de libras. O Govêrno tem das alfândegas um milhão e pouca cousa mais de libras, e tem receitas dos consulados e portos que, somadas, excedem as suas necessidades. O Sr. Ministro das Finanças afirma que não vende cambiais.
Mas então que fez S. Exa. dos 50por cento que recebeu dos exportadores?
Sr. Presidente: fazem-se afirmações de muita importância, e essa importância deriva justamente do quem faz essas afirmações.
O facto de qualquer pessoa sem responsabilidade na administração do Estado afirmar que se vendem ou não vendem libras pode não ter nenhuma significação; mas se o Sr. Ministro das Finanças afirma que há recursos necessários para os encargos do Estado e que não se venderão cambiais, equivale a dizer aos especuladores que não terão a concorrência do Estado, e o Estado não pode fazer semelhante afirmação, porque ela nem sequer corresponde a verdade.
O Estado tem ouro que sobra para as suas necessidades e êsse ouro tem do ser necessàriamente vendido, porque, senão, a. quantidade de escudos emitida pelo Banco do Portugal atingirá uma cifra tal que influirá de modo decisivo na depreciação da monda.
Mas isto não é assim. Toda a gente sabe que o Govêrno do Br. Álvaro de Castro tem necessidade do vender libras à praça.
O Sr. Presidente do Ministério já há dias, respondendo a uma pregunta minha a propósito do crédito aberto em Londres, expressou-se do um modo que eu reputo absolutamente inconveniente para os interêsses do Estado.
Perguntando-lhe ou, daqui, em face das suas afirmações, para que destinava o milhão e meio de libras do Estado — o tendo eu tido o cuidado de fazer a pregunta de um modo que facilitasse uma resposta S. Exa. respondeu que não viria de modo,
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algum à praça vender libras. A esta afirmação correspondeu imediatamente um agravamento da situação da praça.
Teria sido de boa política financeira o Sr. Presidente do Ministério ter deixado sôbre quem tem libras aferrolhadas a espada de Damocles, com a ameaça de que traria essas libras para o mercado.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças, segundo o desastrado sestro do muitos dos seus antecessores, vem afirmando constantemente que não aumentará a circulação fiduciária.
Eu sou daqueles políticos portugueses que estão dispostos a todos os sacrifícios para impedir que a circulação de notas seja alargada; mas nunca me atrevi a afirmar que jamais aumentaria essa circulação, porque nunca estive absolutamente seguro de que seria obrigado a fazê-lo. Simplesmente o que afirmei, das várias vezes que ocupei a pasta das Finanças, foi que era necessário por todos os meios impedir a inflação fiduciária. E, afinal, o Sr. Ministro das Finanças já aumento a circulação em 40:000 contos.
Mas que estranha contradição é esta de afirmar uma cousa e praticar outra?
Fale-se com franqueza; não se iluda o Parlamento e o País.
O Sr. Álvaro de Castro herdou uma situação muito má, para a qual não tinha contribuído na máxima parte; mas por isso mesmo tenha a sinceridade necessária para não ocultar à Nação as necessidades do Tesouro.
A moeda desvaloriza-se pelo aumento efectivo da circulação e não com palavras.
Apoiados.
O Sr. Velhinho Correia, quando Ministro das Finanças, julgou que o País não via a sua acção económica e que esta se não sentia, e que a sua obra era ilegal (Apoiados) e abusiva.
Apoiados.
O Sr. Velhinho Correia: — Não fui abusiva e eu vou prová-lo talvez amanhã.
O Orador: — O que V. Exa. devia era tê-lo feito antes.
Todos tem horror às responsabilidades.
Também o Sr. Vitorino Guimarães disse que dos 140:000 contos, nada seria desviado e nesta altura já 600:000 libras estão colocadas como caução do suprimento ao Banco de Portugal.
O Sr. Presidente do Ministério, em matéria financeira, tomou atitudes a que eu não posso deixar do me referir. Foi precipitado no juízo que fez, com respeito ao cálculo feito pelo director geral de contabilidade, pois êsse cálculo é feito como se fôsse o primeiro encargo.
A companhia pediu o aumento do preço dos tabacos e, como o Govêrno não lho concedesse, fez o aumento por si própria.
O Sr. Presidente do Ministério andou precipitado, julgando como bom o cálculo feito pelo director geral de contabilidade.
S. Exa. foi precipitado e achou como bom êsse número, quando na verdade elo é muito maior.
Mas efectivou S. Exa. sequer a cobrança dêsses 3:000 e tal contos da diferença do têrço de uma indemnização que a companhia, por um despacho sem publicidade, por um despacho que ninguém conhece, se permitiu descontar na ronda dos tabacos do Estado?
Empregou porventura para com essa companhia a violência que é necessária para fazer entrar êsse dinheiro nos cofres do Estado?
Não consta nada a tal respeito.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro das Finanças (Álvaro de Castro}: — V. Exa. indica o processo do violência a adoptar.
O Orador: — Não sou eu quem governa, mas o Govêrno que está no poder e o Sr. Álvaro, daquele lugar de Presidente do Ministério, disse que empregaria os meios necessários para coagir a companhia a cumprir o seu dever.
E o que é que, decorridos já três meses, S. Exa. fez para receber êsse dinheiro?
O Sr. Ministro das Finanças praticou um acto que, agradando à praça pública, é dos mais perniciosos para o futuro do País.
S. Exa. s sem ponderar as conseqüências futuras do que ia fazer, adoptou um determinado critério acerca do pagamento do juro das obrigações dos tabacos numa altura em que era absolutamente inconveniente mexer em tal assunto.
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Em 1926 termina o monopólio dos tabacos.
É necessário que sôbre o novo contrato ou como eu pretendo, sôbre a liberdade de fabrico, se obtenha u m empréstimo com a consignação do rendimento dos tabacos para de um modo eficaz se acudir à situação do País.
É pois nesta altura, decorridos trinta e três anos sôbre o primeiro empréstimo, que o Sr. Álvaro de Castro se lembra de determinar que o juro das obrigações será pago exclusivamente em francos, em prejuízo dos portadores franceses e portugueses, é certo, mas também de alguns portadores ingleses, que na melhor boa fé tinham adquirido no seu país obrigações que foram pagas em libras e que hoje se vêem privados do pagamento dos juros nessa moeda para os receberem em outra que está reduzida a cêrca de um têrço do seu valor.
Porque sei medir bem a responsabilidade das minhas palavras, não afirmo que dentro do contrato não haja o direito de tomar a atitude que o Sr. Álvaro de Castro tomou, mas o que afirmo é que, a dois anos da terminação do contrato, não havia vantagem de nenhuma espécie em ir mostrar ao mundo que éramos capazes de nos servir de todos os pretextos para faltar ao que solenemente tínhamos prometido.
Não é em defesa dos portadores das obrigações que eu protesto, mas em nome dos interêsses nacionais, em nome do prestígio» e do respeito do que careço para o meu País.
A acção que o procedimento do Sr. Ministro das Finanças terá em futuras negociações de empréstimos garantidos pelos rendimentos dos tabacos ou por quaisquer outros, será tido em tal conta que muitíssimo caro êle virá a custar ao Estado.
Apoiados.
Faço justiça ao Sr. Álvaro de Castro.
Reconheço as dificuldades com que luta e que se segura a todos os recursos para ver se consegue alguma cousa útil.
Presto lhe essa justiça, porque não chega a ser favor.
Há porém expedientes que não se adoptam, porque são muito mais prejudiciais do que aqueles que se tomam à plena luz do dia.
O Sr. Álvaro de Castro tem, revelado na pasta das Finanças o feitio de homem violento, de homem de espírito tigrino, de uma valentia que só sei comparar à do um bravo matador de touros.
Sou peninsular e não sei se nas minhas veias porventura corre algum sangue árabe.
Gosto de touradas — à portuguesa e à espanhola. Confesso que me sinto sugestionado quando na frente de um touro bravo vejo um valente matador manejando a sua espada e dominando a fera. E o Sr. Álvaro de Castro, no modo como tem encarada as questões, de frente, dá-me a impressão do bravo matador que vai dominar as feras que encontra na sua frente. No emtanto, eu tenho também um pouco o hábito de recrear o meu espírito, de vez em quando, nos círculos e, ainda pela mesma circunstância de amador de touradas, sorriu-me quando, diante de touros simulados, vejo pessoas com uma brava espada na mão avançarem para a fera para a matar, encantando-me a ingenuidade das crianças que imaginam que a espada é de aço e se enterra no corpo da fera simulada, quando afinai ela tem uma mola que a faz recolher ao tocar no touro. É como o Sr. Alvará de Castro tem procedido para com as entidades que tem pretendido esmagar, avançando para elas como um bravo toureiro e saindo, afinal, como um simulador da arte de matar.
Foi assim que fez com o Banco de Portugal, bem como com a Companhia dos Tabacos, e, quanto a esta, bem deploràvelmente quando afirmou publicamente que não abonaria o dinheiro necessário para o pagamento do juro das obrigações, visto que seria abonado pela Companhia, para afinal, como se a matar o tal touro de canastra, acabar em remeter para Paris os francos respectivos.,
Sr. Presidente: se isto é assim na parte financeira, apenas analisada a largos traços, o que se passa na parte administrativa não é melhor.
O Sr. Álvaro de Castro, não contente em tornar conhecidas as suas medidas pelo Diário do Govêrno e pelos jornais que o apoiam, fez um relatório que trouxe ao Parlamento; mas, Sr. Presidente,, é realmente mau prometerem-se cousas que depois se não cumprem.
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O Sr. Álvaro de Castro afirmou ao País que acabaria com os administradores de concelho. De facto, a partir de Janeiro, os administradores dos concelhos não recebem as subvenções do Estado, isto é, S. Exa. conseguiu arranjar, na verdade, um novo modelo de funcionários em todo o País; conseguiu arranjar umas 400 pessoas patriotas que estão prontas a servir o Estado gratuitamente; mas, Sr. Presidente, o facto é que os funcionários civis e militares que foram requisitados para prestar serviços, à ordem do Govêrno, estão recebendo os seus vencimentos pelos respectivos Ministérios, e assim a economia, se existe, com êstes administradores de concelho, será apenas no Ministério do Interior.
Sr. Presidente: o Sr. Álvaro de Castro diz no seu relatório que os velhos republicanos, no tempo da propaganda, eram contra os administradores de concelho.
Evidentemente que nós, no tempo da propaganda, éramos contra os administradores de concelho, isto é, éramos contra êsses agentes políticos dos governos ; mas de modo nenhum contra a autoridade, pois que a ordem pública não pode estar entregue a simples regedores ou cabos de polícia.
Se, na verdade, é preciso acabar com os administradores de concelho, isto é, com êsses agentes políticos dos governos, necessário se torna substituí-los por comissários de polícia, ou qualquer outra autoridade administrativa.
O Sr. Sá Cardoso julgou que encontraria-no País cêrca de 400 patriotas prontos a servir às ordens do Govêrno sem compensação de qualquer espécie.
O Sr. Álvaro de Castro, no seu relatório, afirmou, que suprimiu cinqüenta comarcas no País; meses depois, porém, veio com uma providência de qualquer natureza adiando essa supressão. Não se suprimem comarcas do pé para a mão, sendo esta, na verdade, uma simples promessa para iludir os ingénuos.
O Sr. Presidente do Ministério afirma, num relatório por êle assinado, que o Govêrno ia reduzir o número de divisões militares de oito para quatro, o que me satisfez, porque é essa a minha opinião.
Mas pregunto: até hoje já S. Exa. suprimiu algumas dessas divisões ou supri-
miu algumas das muitas unidades militares, ou ainda licenciou os recrutas que haviam sido chamados para instrução?
Ninguém viu.
No emtanto, se o Sr. Presidente do Ministério se dêsse ao trabalho, que eu tive, de ir consultar o Orçamento do Ministério da Guerra para 1923-1924, verificaria que existem dotações para 21:900 praças de pró em 365 dias, além do dinheiro necessário para instruir cêrca de 28:000 praças, nos termos regulamentares.
Para que temos 21:900 praças de pré, no serviço permanente do exército, quando nos regimentos não há praças para constituir a guarda dos quartéis?
Porque estão espalhados por essas igrejinhas militares ou estão dados como impedidos de oficiais, em lugar de serem soldados da Nação.
Porventura, o Sr. Presidente do Ministério já mandou embora as praças chamadas em Janeiro, passando a instrução a ser feita nas próprias freguesias? Não o fez.
Como a Câmara vê, há muito onde se pode fazer economias, sem deitar poeira nos olhos de quem vê.
O Sr. Presidente do Ministério também entendeu, e muito bem, que os propostos e auxiliares do tesoureiros não estavam nos devidos termos da lei de 1900.
Pelo regime anterior a esta lei os tesoureiros tinham o ordenado fixo, a percentagem e uma certa quantia para os propostos, que eram da sua exclusiva responsabilidade.
Á lei de 1920 fez dos propostos funcionários do Estado, mas o Sr. Álvaro de Castro entendeu que era melhor voltar ao regime anterior.
Até aqui está bem, mas da forma por que o fez é que discordo, porque teve de colocar novamente auxiliares nos lugares de onde haviam sido retirados.
Não seria mais prestigiante para o Sr. Ministro das Finanças e para os funcionários que intervêm em tais serviços que êsse decreto, suprimindo os auxiliares, só fôsse até onde seria possível ter êle inteira execução?
Também o Sr. Presidente do Ministério, com a colaboração do Sr. Ministro da Instrução, entendeu que devia suprimir as Escolas Primárias Superiores. Sabe
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S. Exa. que conta co o voto dêste lado da Câmara para a supressão dessas escolas. De facto elas não merecem o nosso respeito, devido à forma como foram criadas, como se estabeleceram os programas e como foi recrutado o pessoal. É necessário suprimi-las.
O Sr. Presidente do Ministério foi até o fim nos seus propósitos: transigiu em que elas ainda funcionassem até o tini do ano lectivo. Ora, como S. Exa. não será certamente Presidente do Ministério no fim do ano lectivo, sucederá que essas escolas ficarão.
Pelo Ministério do Trabalho, o Govêrno também não se dispensou de apregoar economias, economias que ninguém vê, mas que o Sr. Álvaro de Castro e os amigos do Govêrno pregam aos quatro ventos.
Mas aí, Sr. Presidente, o caso é mais completo.
Procurou fazer-se reduções naqueles serviços onde se pudesse, simultaneamente, perseguir ferozmente o de modo incorrecto os adversários políticos. Aí não foi uma obra de deitai aos olhos do público as economias; foi uma obra de ferir os adversários que dias antes eram correligionários. Mas, atrás de tempo, tempo vem, e atrás do tempo se há-de fazer justiça.
O Sr. Presidente do Ministério dedicou também uma parte do seu relatório às economias alcançadas com a redução do número dos telefones ao serviço de funcionários do Estado. Creio que S. Exa. supôs que alcançava de facto uma economia, mas hoje já estará, por certo, convencido de que não fez mais do que um favor à Companhia dos Telefones, pois que grande parte dêsses telefones eram pagos pelos próprios funcionários que os tinham em seu nome, servindo-se apenas da sua situação oficial para o efeito de terem uma redução de 50 por conto.
Com a supressão dos lugares vagos nas secretarias do Estado, julga S.'Ex.a ter feito uma economia de cêrca de 9:000 contos, mas o certo é que o processo seguido por S. Exa. não trouxe economia alguma, porque êsses lugares estavam vagos, e, portanto, as verbas orçamentais respectivas não eram gastas.
O que S. Exa. fez foi suprimir lugares que não estavam preenchidos, mas que
não podiam, porém, ser suprimidos, deixando assim para o seu sucessor o espinhoso encargo de para o futuro ter de os restabelecer.
S. Exa. não hesitou em suprimir, por exemplo, os lugares do chefes do tráfego e outros, estando o tráfego sem chefes o ficando o sucessor de S. Exa. obrigado a amanhã criar de novo êsses lugares.
Não quero abusar da atenção da Câmara o fatigar mais os meus colegas.
Vozes: — Não apoiado.
O Orador: — Mas não quero também terminar sem fazer umas referências ainda ao relatório do Sr. Álvaro de Castro.
Afirma S. Exa. que, a respeito de receitas, houve providências tais que fizeram com que a arrecadação do imposto sôbre contribuição industrial se realizasse do modo mais rápido, mais simples e mais rendoso.
Pois quero afirmar a S. Exa., apesar dos poucos conhecimentos que tenho do assunto, que o que S. Exa. fez é pior do que aquilo que existia, como o mostram as reclamações do comércio, e porque as suas medidas dão ensejo aos maiores roubos ao Estado.
Afirma-se nesse decreto, em determinado ponto, que o comércio e a indústria são obrigados a apresentar declarações das quais constem os ordenados, rendas de casa, despesas de iluminação, despesas miúdas, etc., e estabelecendo quedas vendas não poderão ser calculadas do modo inferior ao quíntuplo dessas verbas.
Não quero censurar o Sr. Álvaro de Castro, porque S. Exa. não é comerciante, não é industrial, não conhece, emfim, a vida do comércio, assim como os funcionários do seu Ministério igualmente a não conhecem; o que lamento é que os altos funcionários do Ministério referido, bem como o Sr. Ministro das Finanças, não consultem quem esteja em condições de lhes dar indicações convenientes, o neste País há muita gente que sabe e deseja dar informações ao Estado, séria e honestamente.
Sr. Presidente: a forma como o Sr. Álvaro de Castro e o seu Govêrno têm conduzido a administração pública não dá nenhuma tranqüilidade àqueles dos por-
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tugueses que se alarmam com a situação.
O Sr. Álvaro de Castro não praticou até hoje actos do Govêrno que me dêem a esperança, a mim e aos outros portugueses, do que a situação se vai modificar; pelo contrário, não vejo na vida administrativa do Govêrno do Sr. Álvaro de Castro mais do que uma administração do expedientes, sem uma finalidade definida, sem um objectivo definido.
A acção administrativa de S. Exa. não pode conduzir o País aonde é necessário que seja conduzido por quem saiba e queira governar.
S. Exa. tem tido por parte desta Câmara um auxílio, que poderia ter aproveitado melhor, trazendo propostas em condições de serem votadas, do merecerem estudo; mas o que nós vimos até hoje foi que S. Exa. não trouxe aqui cousa alguma que merecesse as honras de aprovação, nenhuma medida financeira, nenhuma medida de ordem geral, tendo-se socorrido apenas de propostas anteriores, simples emendas de S. Exa., sem nenhum alcance, para serem momentos depois postas de parte.
A sua acção parlamentar no campo administrativo tem sido quási inútil.
Se não fora a boa vontade da Câmara e a acção perseverante de quem põe acima dos interêsses políticos os interêsses do País, nada leria saldo desta Câmara, depois de o Sr. Álvaro de Castro ser Presidente do Ministério, que merecesse as honras de referência. Apenas daqui saíram a primeira e a segunda propostas de lei do solo. que representam o trabalho maior que o Parlamento tem tido sôbre contribuições, mas isso não se deve nem ao esfôrço nem à actividade do Sr. Presidente do Ministério, que nem sequer ao menos na discussão de tais projectos entrou, limitando-se a ouvir essa discussão como só o.caso lho fôsse estranho.
O Sr. Álvaro de Castro tem um apoio tam incondicional por parte da maioria que ale levou essa maioria a abandonar o seu leader, não lhe admitindo a discussão imediata da proposta que êle enviou para a Mesa estabelecendo o respeito à lei pelo que se refere ao empréstimo de 6 1/2 por cento.
Pois, apesar dêsse apoio, que parece incondicional por parte da maioria, o Sr.
Álvaro de Castro não trouxe nenhum pia no financeiro, não trouxe nenhum plano administrativo que convença a Câmara e o País daquilo que S. Exa. pensa, daquilo que S. Exa. quere, daquilo que S. Exa. julga indispensável para resolver os graves problemas da administração pública.
Estamos numa situação gravíssima e a obra do Sr. Presidente do Ministério é por assim dizer andar — desculpe a Câmara o termo — aos caídos!
Aproveita os restos que a maioria lhe oferece e alguns bocados que o Partido Nacionalista e, possivelmente, a minoria católica lhe dêem.
Mas um Govêrno assim não governa: vegeta; só tem as ideas dos outros; falta-lhe uma idea, não tem um plano!
Há um problema grave a resolver, mas não é o actual Ministério quem o possa resolver.
A hora é grave e não é legítimo a nenhum republicano e patriota recusar o seu concurso na colaboração da resolução dos problemas que tanto preocupam o País, sem preocupações partidárias, mas apenas com os olhos fitos no futuro da Pátria Portuguesa!
Apoiados.
Tenho dito.
O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: Até hoje tenho tido o apoio da maioria parlamentar, tenho procurado cumprir aquilo a que me obriguei; não desfaleço, nem desfalecerei dê hoje para o futuro, na execução de todas as medidas e realização daquelas que entenda úteis para a República. E vem a propósito dizer-se que é injustíssima a acusação que se faz ao Govêrno de ter desrespeitado o Parlamento pela publicação do diplomas que o critério de alguns reputa menos conforme com as disposições constitucionais, porque não pode haver desrespeito para com o Parlamento quando, a seguir à publicação dêsses diplomas, o Govêrno vem perante o Parlamento assumir a, responsabilidade dos seus actos e esperar o seu julgamento.
Apoiados.
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Sr. Presidente: a consideração que me merece o Sr. Barros Queiroz vem, como disse, de longo tempo. Recordo-me ainda das lições que recebi de S. Exa. quando tive a honra pé pertencer à Comissão de Finanças das Constituintes o das Câmaras que só lhes seguiram, onde na verdade a sua palavra e autoridade eram acatadas, não por mim que pouco valho, mas por homens que já não pertencem alguns ao número dos vivos, como José Barbosa, e que representavam verdadeiras competências e autoridades financeiras.
Mas já não digo o mesmo quando me quisesse autorizar na competência manifestada por S. Exa. na pasta das Finanças que ocupou, porque efectivamente a sua passagem pelo Govêrno não assinalou um homem competente na pasta das Finanças e tara pouco os seus actos se podem ajustar às palavras proferidas nesta Câmara: é que embora S. Exa. terminasse por um grande ditirambo à República, por palavras de união dos republicanos, nunca foi, todavia, a sua acção política guiada por êsse instinto.
Ora êste Govêrno, a que pertencera, aliás, homens ligados por laços partidários a um grande partido da Republica, não tem praticado acto algum que possa ser acoimado de político no estreito critério de facciosismo político, e já o mesmo não pode dizer-se do Govêrno a que presidiu o Sr. Barros Queiroz, porque todos recordam as violências, as torpezas praticadas em nome unicamente do facciosismo político.
O Sr. Américo Olavo: - E eu recordo-me melhor do que ninguém!
O Orador: — Neste ponto, que não no financeiro, falece a S. Exa. autoridade para falar em união de republicanos, porque os sou s actos quando Govêrno foram sempre de desunião de republicanos. Porém, tenho eu autoridade para falar em nome dessa união, porque sempre a tenho pregado e até a consegui numa hora difícil para a República.
Apoiados.
E não são palavras vãs, porque tenho documentos assinados por pessoas com responsabilidade dentro dos três partidos principais da República.
Sr. Presidente: têm-se gasto muitas palavras a pedir e exigir aquilo a que se convencionou chamar os planos de salvação da República, como se os planos fossem uma concepção maravilhosa de palavras e artigos que servissem para atacar as realidades!
Mas os planos resumem-se numa cousa muito simples; resumem-se na maior obtenção possível de receitas para o Estado.
E êste é o único plano: não há outro. O resto é tudo uma questão de oportunidade.
Eu posso ser, como de facto sou, partidário do imposto de rendimento em todas as suas modalidades. Eu posso ser, ainda, partidário do sistema de impostos, tal como êle nos foi apresentado pelo Sr. Portugal Durão, que foi—justiça é dizê-lo o primeiro Ministro das Finanças que tomou a decisão de dizer a verdade e de pedir ao contribuinte os indispensáveis sacrifícios. Mas isso não quere dizer que eu não aceite de bom grado aquilo que a Câmara entenda ser preferível em matéria de arrecadação de receitas.
Em medidas de finanças, como de resto em quaisquer outras, tudo depende dá oportunidade. E cedo, até, para avaliar os resultados das contribuições que estão em vigor, mormente daquelas que foram lançadas pela primeira vez entre nós. O imposto de transacção, por exemplo, que a princípio mereceu a crítica de tanta gente, teve já êste ano um rendimento muito superior ao do ano transacto, e tudo faz supor que dentro em pouco êle atinja integralmente o cálculo apresentado inicialmente à Câmara dos Deputados.
A própria contribuição industrial, pelos números que tive ocasião de ver na mão do Sr. Velhinho Correia, teve um rendimento muito mais avultado, do que aquele que poderia ser suposto. É certo que algumas dificuldades têm surgido, mas pode dizer-se que elas têm sido apenas resultantes da acumulação de contribuições várias num curto espaço de tempo. Todavia, estou convencido de que essas dificuldades hão-de desaparecer, a pouco e pouco, com o tempo, com a melhor aplicação do imposto e com a sua cobrança nos períodos próprios que estão previstos na lei.
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Como se vê o plano do Govêrno é apenas êste: cobrar receitas. Não tem outro. Repetidas vezes o tem afirmado à Câmara. Não tenho ideas empedernidas. Sei muito bem que não pode fazer-se uma política exclusivamente fiscal num larguíssimo período em que importa empregar meios fiscais num curto espaço de tempo para que a sua influência possa ser eficazmente contrabalançada por medidas de outra natureza.
Essas medidas são apenas de carácter complementar, mas nem por isso devem deixar de merecer a maior atenção do Parlamento.
Referiu-se depois o Sr. Barros Queiroz às medidas tomadas pelo Govêrno.
A economia resultante da supressão dos administradores do Concelho é positiva, o tenho pena de que o meu voto, em Conselho de Ministros não prevalecesse para a supressão dos governadores civis como autoridades pagas pelo Estado. Estou convencido de que essa função gratuita seria exercida por muitos.
Apoiados.
Muita gente desejaria desempenhar a elevada função do Estado só pela consideração que lhe era dada. Não foi aprovado, porque o Sr. Ministro da Justiça declarou que essa supressão só deveria ser feita pela reorganização dos serviços de Justiça, que ainda não podia ser elaborada.
O Parlamento não podia ocupar o seu tempo com o estudo dessa remodelação, tanto mais que o Govêrno a podia fazer, e não fora feita porque o Sr. Ministro da Guerra, Ribeiro de Carvalho, pediu a demissão, tendo sido substituído pelo Sr. Américo Olavo que está lendo e estudando as propostas dêsse senhor.
Há contudo economias importantes dentro do exército.
Os cavalos deixam de ser pertença dos oficiais, o que representa já a libertação duma quantidade de cavalos, não tendo o Estado que as comprar.
O Sr. Barros Queiroz: — Não me referi a êsse facto. Êsses representam cousas boas.
O Orador: — Sim; V. Exa. só quis dizer mal. O licenceamento das praças faz-se antes do tempo regulamentar.
Foi feita a deminuição da escola de recrutas, sequer no Ministério de V. Exa.? Não.
O Sr. Barros Queiroz: — Nesse tempo, em Agosto, não havia instrução.
O Orador: — O licenciamento das praças não se podia fazer com a simplicidade com que S. Exa. imagina.
O Sr. Ministro da Guerra está estudando as condições dêsse licenciamento; e ver que regimentos podem ser suprimidos, etc.
Brevemente apresentará ao Parlamento um diploma referente aos regimentos de cavalaria.
Se V. Exa. entender que o Govêrno pratica actos maus, V. Exa. o dirá; mas dizer que homens que assim procedem não têm tratado de fazer economias, não admito.
Creio, Sr. Presidente, que existe já nesta Câmara um projecto apresentado, se não estou em êrro, pelo Sr. Sá Pereira, relativo à supressão de lugares inúteis. A Câmara que se ocupe do assunto. O Govêrno, no intuito de fazer economias, não tem o direito do tirar o pão a ninguém, isto é, de suprimir cargos, tirando o dinheiro a funcionários que foram admitidos pelo Estado e que não têm a culpa de terem sido nomeados além dos quadros.
Devo, no emtanto, dizer a V. Exa. que isto se não dá.
Torna-se necessário, na verdade, suprimir alguns cargos que existem; porém, isso não se pode fazer de um momento para o outro, mas sim com toda a cautela e de forma a que os serviços não sejam prejudicados.
Relativamente a tabacos devo dizer o seguinte:
Folgo que o Sr. Barros Queiroz tenha reconhecido que a reclamação do Estado, na importância de 25:000 contos, é inferior àquela que na realidade deve ser.
Sr. Presidente: devo acrescentar que infelizmente o Estado não se encontra munido de fôrça e medidas necessárias para obrigar a pagar a quem deve ao Estado.
Todavia, o Ministro das Finanças fez o que podia dentro das leis, dentro das possíveis violências, e agora, a propósito
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devo dizer o motivo por que preguntei ao Sr. Barros Queiroz quais as violências que adoptaria, para eu as adoptar também.
Sr. Presidente: como a Câmara sabe, a Companhia opôs-se ao pedido formulado pelo Estado, dizendo em primeiro lugar que de há muito dava aquela interpretação que era do conhecimento de todos os Ministros das Finanças, e ainda porque as interpretações resultantes do acordo de arbitragem, etc., o Estado não as podia exigir por aqueles motivos, e portanto propunha a constituição de una tribunal arbitral para decidir a questão.
Devo informar que não deferi ainda essa pretensão, tanto mais que, posteriormente, a Companhia manifestou desejo de pagar aquilo que o Estado lhe exigia. Tenciono amanhã ter uma conferência com o Sr. Burnay sôbre esta questão.
Sr. Presidente: relativamente ao pagamento em francos, devo dizer que não me arrependo da medida que tomei, porque e Estado pagou sempre naquela moeda, e só de determinada época em diante é que passou a pagar em esterlino.
É uma discussão que pode ser larga e que pode dar lugar a outro ponto de vista diferente do do Govêrno.
A nossa situação cambial tem oscilado em torno duma divisa que pode ser considerada alta, mas que se tem mantido.
Os encargos do Estado actualmente não estão bem fixados, porque infelizmente o Ministro das Finanças não tem a certeza, depois de fazer os seus cálculos, que não lhe apareçam de repente 200:000 dólares ou 400:000 libras de contas para pagar.
O Estado precisa de estar garantido para eventualidades desta natureza, porque ainda hoje, em cima da minha mesa, me rebentou o pagamento duma dívida de 128:000 dólares, que eu não podia prever que existisse ao fazer os meus cálculos.
Qual foi o resultado de lançar no mercado muitos milhões de libras?
Acaso isso beneficiou a nossa situação cambial?
O efeito dêsse acto não foi senão prejudicial.
Não tenho de dizer que não me acuso dos mesmos erros dos meus antecessores; mas a verdade é que intervim no merca-
do só quando foi necessário fazê-lo, isto é, quando o pânico se estabeleceu na praça de Lisboa.
Fi-lo quando a divisa chegou a 164, para evitar a especulação e o pânico provocado por alguém que na verdade não devia ter procedido dessa forma; mas a verdade é que o facto deu-se, e eu só nessa altura intervim de maneira a fazer baixar a divisa cambial a 126. Se ou tivesse, como disse o Sr. Portugal Durão, estabelecido as condições económicas - e financeiras necessárias para que a acção do Estado fôsse eficaz teria actuado nos câmbios, mas reconheci pelo estudo de todas as circunstâncias que as receitas entradas na tesouraria não consentiam que eu fizesse isso, porque não consentiam que conservasse permanentes determinados factores que precisavam de se conservar permanentes para que a acção do Ministro das Finanças intervindo nos câmbios fôsse eficaz.
Deixei de fazer essa intervenção, repito, e quando deixei de fazer essa intervenção a divisa cambial passou para 126. Conservou-se em 126 uns dias para subir depois a 140; passados dias baixou novamente de 140 e 126 sem intervenção directa, e intervenção directa chamo eu à intervenção do Estado na Bolsa.
Pela oferta brusca duma quantidade de libras feita propositadamente numa tarde em vários Bancos ou na Bolsa, a divisa cambial desce e imediatamente o Estado tem de empregar 5:000 ou 6:000 libras a câmbio baixo.
Todos nós sabemos que num país de moeda-papel o câmbio pode ser agravado no dia seguinte por meras palavras, e basta para isso que a Praça se coloque na situação de compradora e não de vendedora; no dia seguinte a cotação é superior àquela que era normalmente.
O Estudo entendo eu que não devo concorrer para essa especulação e, concordante com a opinião do Sr. Portugal Durão, estou convencido de que o Parlamento não deixará de continuar e talvez com mais actividade na realização de determinadas medidas que garantam os tais factores fixos que é necessário que o Ministro das Finanças tenha, porque na hora em que os tiver o Govêrno procurará realizar aquilo a que precisamente se refere o Sr. Portugal Durão, sem receio
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das conseqüências que possam resultar para todos aqueles que tendo-se colocado na situação da alta venham a perder porque só quem precisa de guardar é o País.
Sôbre circulação eu tenho uma opinião que me parece partilhada por muita gente que conhece questões financeiras.
Há duas espécies de circulação: há a circulação que o Banco emite para o facto de ser utilizada pelo Estado e há a circulação que o Banco utiliza para fornecer ao comércio e à indústria.
A circulação que o Banco utiliza para fornecer ao comércio e à indústria tem em relação à desvalorização da moeda um efeito quási nulo; a circulação fornecida ao Estado para o efeito de êle pagar os seus débitos, os seus serviços, têm um efeito decisivo sôbre o valor da moeda.
Eu sou, portanto, absolutamente oposto ao aumento da circulação para serviço do Estado, mas não sou nada oposto ao aumento de circulação para o efeito de utilização pelo comércio e indústria.
Isto, porventura, define e explica um critério, certamente combatível com elementos e argumentos tam fortes como os meus, porque felizmente nesta matéria os livros e doutrinas são vasta floresta onde cada um colhe o material que entende para provar as ideas que melhor pretenda.
Mas, na verdade, o que me parece ser a última doutrina, nos livros e conferências que tenho lido, é a de que se chegou à conclusão de que a circulação para utilização do Estado é nociva em absoluto; é que num país de moeda papel o efeito não é só de desvalorização da moeda, mas é também de ordem pública e até de ordem psicológica, actuando na desvalorização da moeda mesmo até sem qualquer alargamento de circulação. Isto até explica a razão por que o Sr. Barros Queiroz, conhecedor íntimo dos segredos do Banco de Portugal, sabe que já actuou na divisa cambial o facto de o Banco estar estudando uma proposta para habilitar o Govêrno a fazer pagamentos até ao fim do mês.
O Sr. Barros Queiroz: — V. Exa. já por mais de uma vez disse que eu sou conhecedor do que se passa no Banco de Portugal.
Ora não é assim, porque sei apenas o que consta na praça, não tendo outro conhecimento do que só passa nesse Banco.
O Orador: — Contento-me com isso, embora me cause admiração que a praça saiba uma cousa que devia ser confidencial.
Mas deixe-me tranqüilizar V. Exa. e o público: felizmente as circunstâncias do Tesouro, que têm sido largamente melhoradas desde o mês de Abril e que espero que melhorem ainda pelas votações do Parlamento em poucos dias, tornam absolutamente desnecessário ao Govêrno socorrer-se duma medida, que, aliás, disse-o aqui no Parlamento, tinha de socorrer-se, qual era aquela que lhe dava autorização para fazer a representação de moedas de 1$ e de $50 por notas carimbadas do Banco de Portugal; mas, porventura, por meados de Maio, todos terão conhecimento de que o Govêrno não carece dessa autorização e até estará habilitado á pagar os suprimentos que pediu ao Banco, pelo menos, durante êste Govêrno.
Apoiados.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Não é muito bem para mim, porque o esfôrço não é meu, mas para o Parlamento se se esforçar.
Há muita gente que julga que o Ministro das Finanças cava o dinheiro, ou imagina que êle é como o homem que tinha uma cabeça de ouro, que se raspava e dava ouro; ora o ouro é só produzido pelo Parlamento com a votação das suas medidas.
E eu chamo a atenção da Câmara para um facto que é importante neste particular, e que vem de algum modo defender os ministros que aqui estiveram numa ocasião bastante difícil, quando se deu a crise do escudo, se não me engano em Agosto do ano passado.
Essa crise não foi só do Estado: foi também da praça.
Apoiados.
E é justo dizê-lo: a crise da praça resultou da crise do Estado, porque o Estado teve de dar à praça os meios de que carecia.
A intenção do Govêrno é o evitar por todas as formas o agravamento da circulação fiduciária a favor do Estado.
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26 Diário da Câmara dos Deputados
Consentiu o agravamento da circulação fiduciária a favor do Banco de Portugal, e mais consentiria se fôsse possível, mas o Parlamento tomaria então as providências necessárias para que a praça não tivesse momentos de aflição iguais aos do Ministro das Finanças que aqui se sentar.
Foi o Govêrno forçado a consentir o aumento da circulação fiduciária do Banco, sob pena de o Banco e o Estado abrirem a bancarrota.
Assim procederá V. Exa., que aqui se sentará para o mês que vem.
Impedirá todos os males para assim poder enfrentar um pouco essas dificuldades.
Assim tenho podido sempre falar de cabeça levantada ao Banco; e nem sempre isto se pôde fazer.
Temos infelizmente, por êrro de nós todos, que não só por êrro dos Ministros das.Finanças, faltado ao Estado com os meios para êle cumprir com os seus deveres.
O Sr. Presidente: - V. Exa. deseja ficar com a palavra reservada?
O Orador: — Ficarei com a palavra reservada.
O orador não reviu.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Presidente: — Tem a palavra para antes de se encerrar a sessão o Sr. Carvalho.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: vou ocupar-me da concentração de tropas ordenada pelo Govêrno em Marco de Canaveses, de onde fui convidado para ir inaugurar o Centro da Juventude Monárquica Conservadora.
Seguramente as autoridades com o conhecimento do Sr. Ministro do Interior, é que estão procedendo contra os elementos conservadores, com os quais devem contar.
Não é com os elementos bolchevistas, que lançam bombas, e muitas vezes à ordem das próprias autoridades, o que é um verdadeiro crime.
Fui convidado para ir a Marco de Canaveses assistir à inauguração do Núcleo Regional das Juventudes Monárquicas.
Ao chegar à estação onde era esperado por várias pessoas da maior representação no concelho, meus correligionários, tive a surpresa de ver que fôrças de infantaria e cavalaria igualmente aguardavam a minha chegada, não sei se com o fim de prestarem as homenagens da República a um adversário.
Vozes: — Havia de ser isso!
Risos.
O Orador: — A breve trecho, porém, fui informado de que o Sr. Conde de Leiria fora intimado a comparecer na administração do concelho.
A reunião havia sido proibida, porque houvera alteração da ordem pública.
Foi o caso de ter rebentado uma bomba, no pacato concelho de Marco de Canaveses, sôbre o prédio onde se encontra instalada a redacção do jornal monárquico.
Essa bomba fez largos estragos. Foi uma bomba acentuadamente republicana, como o são, aliás, quási todas as que tem si do lançadas no País, neste desgraçado País em que se prendem pessoas respeitáveis como o Sr. Conde de Leiria, mas se deixa à solta o assassino de Sidónio Pais.
Depois um outro amigo meu, o Sr. Pinto de Sousa, foi também intimado a comparecer na administração do concelho.
Eu acompanhei ali aquele senhor, encontrando lá o Sr. Conde de Leiria.
Daí a pouco chegava o delegado do Govêrno, declarando que a reunião estava proibida, como proibido ficava que os meus correligionários se reunissem num almoço.
O mesmo delegado do Govêrno pretendeu depois que assinássemos um termo de responsabilidade pelo qual garantíssemos que não haveria alteração da ordem.
Eu respondi então que quem devia tomar essa responsabilidade era a autoridade e não nós.
Daí a pouco chegava o delegado do Govêrno que vinha de automóvel — que êle no caminho confiscara a uma família que passeava nessas estradas — e nessa ocasião formava a infantaria e as honras militares foram-me prestadas!
Uma voz: — Honras de príncipe!
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Sessão de 29 de Abril de 1924 27
O Orador: — Não as mereço e dispenso-as, mas não me dispenso de protestar energicamente contra a liberdade que se coartou aos cidadãos portugueses.
Espero que o Sr. Ministro do Interior tomará as devidas providências.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso): — Ouvi com toda a atenção a exposição feita pelo Sr. Carvalho da Silva e não estou completamente habilitado a responder a S. Exa., mas devo informar que o Sr. governador civil me enviou o seguinte telegrama:
Leu.
As informações que S. Exa. me der eu transmitirei à Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 30, às 14 horas, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Proposta de lei
Dos Srs. Ministros das Finanças e Colónias, autorizando o Govêrno a realizar um acordo com a Companhia Nacional de Navegação para restabelecimento das carreiras regulares entre a metrópole e a província de Moçambique.
Para o «Diário do Governo».
Últimas redacções
Do projecto de lei n.° 700-A, que transfere no orçamento do Ministério do Comércio em vigor, do capítulo 12.°-A, artigo 115-H para os capítulos 4.° e 6.° a qunntia fio 1.800:000;?.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Do projecto do lei n.° 706, que manda fornecer pelo Ministério da Guerra o
bronze e fundição para um busto a erigir pela aviação militar, ao tenente-coronel Castilho Nobre.
Dispensada a leitura da última redacção.
Remeta-se ao Senado.
Ofício
Do juiz da 1.ª vara do Tribunal do Comércio de Lisboa, pedindo providências para comparecer naquele Tribunal o Sr. António Maria da Silva para depor.
Oficie-se comunicando que a Mesa da Câmara apenas pode submeter à Câmara o pedido de autorização a que se refere o artigo 16.° da Constituição.
Requerimento
Rogo a V. Exa. se digne requisitar do Ministério da Agricultura cópias autênticas dos documentos abaixo indicados e que se encontram no processo disciplinar em que foi exonerado por suposto abandono de lugar, instaurado no ano de 1920, o agente de fiscalização de 1.ª classe do mesmo Ministério, José Augusto de Sousa Campos.
Êstes documentos são necessários para instruir convenientemente o projecto de lei que tive a honra de apresentar à Câmara, juntamente com os Srs. Vasco Borges e António Ferreira da Fonseca em Julho do ano findo.
Nota dos documentos:
1.° Ordem da 2.a divisão do exército que mobilizou o referido funcionário;
2.° Proposta do comandante da coluna militar do norte, que foi superiormente aprovada, para o referido José Augusto de Sousa Campos exercer o cargo de provisor geral da coluna, sendo considerado como oficial;
3.° Ofício da Direcção dos Serviços Agrícolas do Norte, autorizando a residência de tal funcionário em Trancoso;
4.° Requerimento da Câmara Municipal do Trancoso, pedindo, ao abrigo do Regulamento para prestar serviço junto da mesma sem encargo para o Estado.
29 de Abril de 1924.- Artur Camacho Lopes Cardoso.
Expeça-se.
O REDACTOR—Avelino de Almeida.