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REPÚBLICA PORTUGUESA

DA CÂMARA DOS DEPUTA

SESSÃO N.° 77

EM 6 DE MAIO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
António Augusto Tavares Ferreira

Sumário.— Com a presença de 40 Srs. Deputados, é aberta a sessão e lida a acta. Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia.— O Sr. Paulo Cancela de Abreu ocupa-se da greve dos transportes e suas causas e efeitos.

Responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo), voltando a usar da palavra o Sr. Cancela de Abreu.

O Sr. Pedro Ferreira trata de um incidente militar, cujas conseqüências graves expõe, relativo a distintivos no fardamento dos músicos do exército.

Responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra.

O Sr. Viriato da Fonseca manda para a Mesa e justifica dois requerimentos de oficiais que pedem melhoria de uma pensão que lhes foi concedida.

O orador requere que na ordem do dia se inclua o parecer n.° 440.

Aprovado.

O Sr. Joaquim de Matos presta esclarecimentos sôbre a oferta de uma coroa de bronze feita por um cidadão brasileiro e requere que se lhe agradeça em nome da Câmara.

Aprovado.

O Sr. Lelo Portela apresenta queixas contra a falta de remessa de documentos que solicitou e ocupa-se das relações comerciais franco-portuguesas.

Responde-lhe, na ausência do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro).

É aprovada a acta da sessão anterior.

Dá-se conta do expediente que pendia da resolução da Câmara.

O Sr. Sousa da Câmara pregunta se o Sr. Ministro dos Estrangeiros já se deu por habilitado para responder a uma interpelação que lhe anunciou.

O Sr. Presidente promete informar-se.

O Sr. João Camoesas interroga a Mesa.

Responde-lhe o Sr. Presidente.

Ordem do dia.— Prossegue o debate a que deu origem a interpelação do Sr. Vitorino Guimarães

sôbre a alteração do juro do empréstimo de 6,5 por cento (1923).

Realiza-se uma contraprova, pendente da última sessão, para se admitir uma moção do Sr. Velhinho Correia.

É admitida.

Usam da palavra sôbre a ordem os Srs. Morais Carvalho, Jaime de Sousa e Almeida Ribeiro, que apresentam moções,

Antes de se encerrar a sessão.— O Sr. Carvalho da Silva trata da greve dos transportes, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.

Abertura da sessão, às 15 horas e 16 minutos.

Presentes à chamada, 40 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 48 Srs. Deputados.

Presentes à chamada:

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Ferreira Vidal.

Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

Amaro Garcia Loureiro.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Maria da Silva.

António Pais da Silva Marques.

António Resende.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

António Vicente Ferreira.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Martins de Paiva.

David Augusto Rodrigues.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Ernesto Carneiro Franco.

Francisco Cruz.

Jaime Júlio de Sousa.

João Cardoso Moniz Bacelar.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

Joaquim Serafim de Barros.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Pedro Ferreira.

José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel de Sousa da Câmara.

Maximino de Matos.

Nuno Simões.

Paulo Cancela de Abreu.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.

Tomás de Sousa Rosa.

Viriato Gomes da Fonseca.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Alberto Lelo Portela.

Alberto de Moura Pinto.

Álvaro Xavier de Castro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Abranches Ferrão.

António Correia.

António Ginestal Machado.

António Lino Neto.

António Pinto de Meireles Barriga.

António de Sousa Maia.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur Brandão.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.

Bernardo Ferreira de Matos,

Custódio Maldonado de Freitas.

Delfim Costa.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Dinis de Carvalho.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Hermano José de Medeiros.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

Jaime Pires Cansado.

João José da Conceição Camoesas.

João José Luís Damas.

João de Ornelas da Silva.

João Pereira Bastos.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Dinis da Fonseca.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José António de Magalhães.

José Carvalho dos Santos.

José Domingues dos Santos.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

Lourenço Correia Gomes.

Luís da Costa Amorim.

Manuel de Sousa Coutinho.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Vasco Borges.

Vergílio da Conceição Costa.

Vergílio Saque.

Vitorino Henriques Godinho.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Abílio Marques Mourão.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso Augusto da Costa.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alberto Xavier.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Américo da Silva Castro.

António Alberto Torras Garcia.

António Dias.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António de Mendonça.

António de Paiva Gomes.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

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Augusto Pereira Nobre.

Carlos Cândido Pereira.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Domingos Leite Pereira.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Feliz de Morais Barreira.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Germano José de Amorim.

Jaime Duarte Silva.

João Baptista da Silva.

João Estêvão Águas.

João Luís Ricardo.

João Pina de Morais Júnior.

João Salema.

João de Sousa Uva.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

João Vitorino Mealha.

Joaquim Brandão.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Jorge Barros Capinha.

José Cortês dos Santos.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Marques Loureiro.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

José do Oliveira Salvador.

Júlio Gonçalves.

Júlio Henrique de Abreu.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Lúcio de Campos Martins.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Manuel Alegre.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Duarte.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Mariano Rocha Felgueiras.

Mário de Magalhães Infante.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Paulo da Costa Menano.

Paulo Limpo de Lacerda.

Rodrigo José Rodrigues.

Sebastião de Herédia.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Tomé José de Barros Queiroz.

Valentim Guerra.

Ventura Malheiro Reimão.

Às 14 horas principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 6 Srs. Deputados.

A segunda chamada far-se há às 15 horas.

Estão interrompidos os trabalhos.

Ás 15 horas principiou a jazer-se a segunda chamada.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 40 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Ofícios

Do juiz de direito do 2.° Juízo de Investigação Criminal, enviando a cópia dum despacho contra três argüidos, sendo um deles o Sr. Hermano José de Medeiros.

Para a comissão de legislação civil e criminal.

Da Associação dos Operários Corticeiros de Silves e da Associação dos Trabalhadores Rurais de Siborro e S. Geraldo, pedindo a amnistia dos presos por delitos sociais.

Para a Secretaria.

Telegramas

Do Congresso Feminista e Educação, saudando o Parlamento e confiando no seu patriotismo para bem da Pátria e da República.

Para a Secretaria.

Dos chauffeurs, condutores de carroças e cocheiros de Cascais, pedindo a revogação dos artigos 7.° e 8.° da lei n.° 1:581.

Para a Secretaria.

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4 Diário da Câmara aos Deputados

Representações

Da Associação de Classe dos Proprietários de Automóveis de Lisboa, contra a taxa complementar.

Para a comissão de finanças,

Dos proprietários de trens de praça e cocheiros de aluguer de Lisboa, contra a taxa complementar.

Para a comissão de finanças.

Da comissão mixta das classes dos proprietários de automóveis, camiões, carroças, trens de aluguer e de praça e side-cars, apoiando as classes assalariadas em greve.

Para a comissão de administração pública.

De várias associações do classe (chauffeurs e outras) pedindo a revogação dos artigos 7.° e 8.° da lei n.° 1:581.

Para a comissão de administração pública.

Da comissão de démarches do Conselho Geral da Federação Portuguesa dos Empregados do Comércio, pedindo a aprovação do projecto de lei do Sr. Bartolomeu Severino.

Para a comissão de finanças.

Requerimentos

Do coronel de engenharia, do quadro de reserva, António Carlos Aguado Leote Tavares e do major do mesmo quadro, Manuel Gregório da Rocha, pedindo a actualização do quantitativo das suas pensões.

Para a comissão de guerra.

O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Cancela de Abreu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: tinha ontem pedido a palavra para, em negócio urgente, tratar da greve dos transportes.

A Câmara, incluindo aqueles Deputados que, mais ou menos, tem combatido con-

tra a carestia da vida e todos os embaraços opostos à melhoria das condições actuais, rejeitou o meu negócio urgente.

Felizmente, que hoje me chega a palavra para me ocupar da referida questão.

Eu, em princípio, sou contrário a greves, mormente contra aquelas que prejudicam a economia do País, mas parece-me que não estamos em presença de uma greve.

Entendo que uma greve é o resultado de um conflito entre proprietários e assalariados, e nunca o resultado de um conflito entre determinadas classes e o Govêrno.

Em boa verdade, trata-se de um movimento de protesto, absolutamente legítimo e feito dentro da lei, e para êle chamo a atenção do Govêrno, e nomeadamente a dos Srs. .Ministros do Comércio e do Interior.

Sr. Presidente: os ilustres legisladores da República, orientados pela lei do menor esfôrço, que é aquela que adoptam aqueles que não estão dispostos a trabalhar nem a preocupar-se com problemas que ao Estado interessam, entenderam que, pelo facto de a moeda portuguesa se ter desvalorizado cêrca de 30 vezes, deviam actualizar na mesma proporção as multas e encargos dos serviços públicos ou particulares.

Sr. Presidente: quem queira ver um pouco, e para isso não necessita ser financeiro ou economista, chega à imediata conclusão de que há determinadas multas e impostos, que de forma nenhuma podem ser actualizados nas condições em que se pretende fazer.

O Sr. Ministro do Interior nem sequer se lembrou de que há multas que já estavam em parte actualizadas e que, portanto, não podiam sofrer um novo aumento.

Daqui resulta que, por exemplo, a multa relativa ao excesso de velocidade de qualquer automóvel eleva-se a cêrca de um conto, e se alguém, na emaranhada teia que é o Rossio moderno, seguir por lado diferente daquele que as posturas indicam, está sujeito a uma multa de setecentos e tantos escudos.

É por êstes exemplos, e por tantos outros que podia apresentar, que entendo que as multas não deviam ser actualizadas.

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Sou de opinião que deve haver rigor por parte da polícia, ruas é necessário que as multas sejam eqüitativas, para se não dar lugar a abusos, quer da parte de quem anda à caça da multa, quer da parte de quem tem de satisfazer as suas importâncias.

Sr. Presidente: êste procedimento adoptado pelo Govêrno aumentará o encarecimento da vida, porque ao comerciante ou locandeiro da Praça da Figueira necessàriamente os transportes hão-de sair mais caros, visto que os proprietários dos meios de transportes terão sempre de ter em cofre, como reserva, a quantia precisa para satisfazer as multas.

Sr. Presidente: depois do que venho de expor, só me resta ver que o Sr. Ministro da Agricultura concorde com a abolição das balanças aos padeiros.

Se o Govêrno transige com êste ponto, porque não quere transigir em nada na questão dos transportes?

Porque é que o Sr. Ministro do Interior teima constantemente?

Consta-me que o Sr. Ministro do Interior tomou o compromisso de trazer ao Parlamento ama proposta de lei, tendente a solucionar o assunto. O Sr. Ministro do Interior quere atirar para cima do Parlamento a solução do caso.

Foi assim que procedeu em relação aos funcionários o Sr. Presidente do Ministério e é assim que pretende proceder o Sr. Ministro do Interior, para se livrar do responsabilidades.

É preciso que, se o Sr. Ministro do Interior tomou êsse compromisso, o que não posso afirmar, venha cumpri-lo, trazendo ao Parlamento a proposta.

É indispensável que o movimento dos transportes tenha uma solução imediata, transigindo-se de uma parte e de outra para evitar que se agrave o custo da vida.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Vou transmitir ao Sr. Ministro do Interior as considerações feitas pelo Sr. Cancela de Abreu, mas não posso deixar de estranhar que seja o Sr. Cancela de Abreu que venha protestar contra o que chamarei o volume das multas, quando S. Exa. aqui tantas vezes se cansou a gritar contra a desvalorização do escudo.

Não sei como se possa achar pesada uma multa que tem de ser paga num número considerável de escudos que se encontram desvalorizados.

Direi o seguinte, como recordação pessoal. Houve tempo em que pai a ir à Estrela se pagava no carro $04. Hoje, se eu quiser ir, terei de pagar $70, ou seja quásí 20 vezes mais do que então.

Porque é que as pessoas que recebem 20 vezes uma quantia superior, à que recebiam em 1914, não estão habilitadas a pagar uma multei correspondente a essa quantia aumentada?

O assunto tratado D elo Sr. Cancela do Abreu não tem a importância que S. Exa. lhe quis atribuir. Todas as pessoas que em Lisboa têm precisado do transportes de uma carroça ou de um camião, e tem enviado a requisição à repartição de transportes que funciona no Ministério da Guerra, têm obtido êsses transportes.

Só os automóveis de luxo é que neste momento só encontram em greve, porque quem quiser um automóvel ligeiro encontra-o.

Decerto, S. Exa. não só importa de que o assunto seja resolvido num sentido ou noutro.

O que S. Exa. deseja fazer é as suas considerações, do maneira que elas sejam lidas por algumas pessoas ligadas ao conflito, com o fim de captar para a sua causa os que o lerem.

S. Exa. é um político e deseja fazer o seu jogo político.

Se o Govêrno transigisse, o ilustre Deputado viria gritar que o Govêrno cede a todas as imposições que lhe são feitas. Como se não deu êsse caso, acusa o Govêrno de não tomar disposições conciliatórias.

Não há razão nas argüições ao Govêrno, porquanto ninguém ainda apelou para o Govêrno que lho não fôsse fornecido transporte.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Guerra sempre vê efeitos políticos nas palavras que pronunciamos. A propósito dos aviadores S. Exa. fez afirmações que não correspondem a faltas. Quando se tratou do raia de Lisboa ao Brasil, fomos nós os

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6 Diário da Câmara dos Deputados

primeiros a propor a promoção dos aviadores por distinção.

As multas que são multiplicadas por dez já estão aumentadas três, quatro e cinco vezes.

Acho uma injustiça êste agravamento de multas e que representa um prejuízo para a população, pois sempre a falta de transportes traz graves prejuízos para os consumidores, tanto mais que a Companhia dos Caminhos de Ferro já deu ordem para não mandarem para cá mais mercadorias pois os seus armazéns não comportam. Foi a êste género de transportes que eu me referi; quanto aos automóveis, eu, feliz ou infelizmente, não os tenho; mas sei que hei-de ser eu e V. Exa. para ir à Estrela que havemos de pagar êsse excesso de multas.

O orador não reviu.

O Sr. Pedro Ferreira: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do. Sr. Ministro da Guerra para um assunto que, podendo parecer à primeira vista insignificante, tem levantado grandes atritos no exército e provocado verdadeiros actos de indisciplina e profundamente tem ferido no seu brio uma classe militar que, com as manifestações da sua arte, tem por vezes enaltecido e honrado o nome de Portugal.

Êsses atritos e êsses actos de indisciplina têm resultado da duplicação de um distintivo de músico exigido pelo § único do artigo 71.° do plano de uniformes para o exército, publicado na Ordem do Exército n.° 3, 1.ª série, de 22 de Março de 1920, decreto n.° 6:373.

Essa duplicação consiste num galão vermelho colocado junto das divisas indicativas do pôsto.

Os músicos militares usavam já, como ainda hoje usam, a lira como distintivo da sua classe.

Tal distintivo é o único que universalmente simboliza a arte da música. Para que exigir, pois, o tal galão vermelho?

Êsse galão só serve para achincalhar os músicos militares, que, sendo primeiros sargentos, são classificados de sargentíssimos pelo facto de usarem quatro divisas indicativas do pôsto e mais uma divisa constituída pelo tal galão vermelho.

Os segundos sargentos como, pela mesma razão, aparecem com 4 divisas são classificados de primeiros sargentos beras.

Essa achincalhação tem-lhes sido feita não só por civis como também por praças do exército, e daí os actos de indisciplina a que já me referi e dos quais têm resultado bastantes castigos.

Os sargentos hípicos, os sargentos ferradores, os sargentos enfermeiros e os sargentos artífices têm apenas um distintivo de classe.

Os músicos militares vêm desde 1920 pedindo aos Ministros da Guerra que se têm sucedido nas cadeiras do Poder a anulação da excepção havida para com êles, mas, apesar de todos êsses Ministros acharem essa pretensão digna de deferimento, apenas o actual Ministro da Instrução Sr. Helder Ribeiro atendeu, quando era Ministro da Guerra, êsse desejo, mas somente com relação aos aprendizes de música, por supor, certamente, que só êsses usavam o galão vermelho. Para os músicos de 1.ª. 2.ª e 3.ª classe ficou de pé a estranha disposição, e assim têm continuado as sensaburias e os desgostos para êsses militares que freqüentemente são achincalhados e desprestigiados.

Isto não pode nem deve continuar.

O Sr. Ministro da Guerra, ao ter conhecimento dêstes factos, não pode deixar de revogar a disposição que se presta a tal achincalhação e a tal desprestígio, e por isso eu estou certo, absolutamente certo, de que q Sr. major Américo Olavo há-de atender finalmente os justificados desejos dos músicos militares, acabando assim com o ridículo que a referida disposição acarreta a êsses membros do exército.

Sr. Presidente: outra pretensão têm os sargentos músicos que me parece também digna do deferimento. Desejam êles que entre a classe dos sargentos seja, para todos os efeitos, válida a antiguidade do pôsto, sem haver prioridade de armas, serviços ou especialidades, não podendo, porém, nenhum sargento exercer funções do comando sôbre as classes ou especialidades a que não pertença.

Tendo cessado entre as classes de oficiais a prioridade de serviços e de especialidades umas sôbre as outras, em virtude de só reconhecer que dessa prioridade advinham inconveniências para a República, justo e coerente é que o mês-

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mo critério se siga com relação aos sargentos.

E depois, Sr. Presidente, os músicos militares não se tornam apenas dignos da nossa consideração o do nosso aplauso pelos serviços que prestam como artistas. Êles devem também ser apreciados pelos serviços extraordinários que prestam quando chamados a combater. Muitos dêsses músicos entraram na grande guerra, onde um grande número deles foi louvado.

Para honra dessa classe, obteve um músico a Cruz de Guerra.

Termino, Sr. Presidente, mandando para a Mesa o seguinte projecto de lei que estou certo será aprovado pelas duas casas do Parlamento:

Artigo 1.° É aplicada aos sargentos das diversas armas e especialidades a doutrina do § único do artigo 2.° da lei de 28 de Novembro de 1910, não podendo, porém, nenhum sargento exercer funções do comando sôbre classes ou especialidades a que não pertença.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Sr. Presidente: eu já sabia que o Sr. Pedro Ferreira se iria ocupar dos sargentos músicos.

Essa questão do distintivo já vem de muito longe. Antigamente os sargentos tinham o distintivo da lira; depois quiseram as divisas.

Ora parece-me que êles se deviam orgulhar de usar o distintivo de músicos. Deixe-me V. Exa. dizer que neste momento, em que tantos problemas importantes nos assoberbam, em que temos de tomar medidas importantíssimas, não faz sentido que vamos ocupar-nos dos distintivos dos músicos.

Direi também que estou disposto a castigar todos aqueles que quiserem provocar a indisciplina. Serei inflexível em castigar qualquer acto de solidariedade de uma banda para com outras.

O orador não reviu.

O Sr. Viriato da Fonseca: — Toda a gente sabe que os vencimentos tem sido aumentados grandemente, apesar de não estarem em relação com a carestia da vida, pesando e afectando muitíssimo os

cofres públicos mas há ainda classes que nem êsse aumento tiveram.

Em 1894, na campanha conhecida pela «do Gungunhana», campanha que trouxe grande prestígio para o exército e para a Pátria, os oficiais e praças que tomaram parte nela foram considerados beneméritos, arbitrando-se aos oficiais uma pensão de 300$ anuais.

Todas as pensões estão presentemente actualizadas, excepto essa que então foi concedida a êsses oficias, caso tanto mais para estranhar quanto é de notar que até as pensionistas que percebiam 3$ mensais recebem hoje mais de 100$. e que não há nenhum contínuo ou servente que não receba para cima de 400$ mensais.

Não se compreende que um oficial considerado como benemérito da Pátria, recebendo então 20$, continue hoje recebendo o mesmo.

É por isso que mando para a Mesa dois requerimentos de dois oficiais tratando dêste assunto, pedindo à comissão de guerra que olhe para êles com toda a atenção e carinho, e lhes dê rápido andamento.

Aproveito a ocasião para pedir a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte a Câmara sôbre se permite que antes da ordem do dia, e sem prejuízo dos oradores inscritos, seja discutido o parecer n.° 440.

Tenho dito.

Posto à votação o requerimento de S. Exa., é aprovado.

O Sr. Joaquim de Matos: — Sr. Presidente: tive ocasião de me referir aqui há dias a uma coroa de bronze que veio do Brasil, e que eu e mais dois ilustres Senadores fomos encarregados de trazer. Ora acabo de receber um jornal do Rio de Janeiro que insere uma notícia a respeito da mesma coroa, e em que há um equivoco quê é mester desfazer.

Não foi a colónia portuguesa do Brasil, pela qual aliás tenho o maior respeito, que fez o oferecimento da coroa, porque ela foi oferecida por um cidadão que, tendo pela Pátria dos seus antepassados a maior consideração, é, todavia, cidadão brasileiro. E não sei se a Mesa já lhe agradeceu Aquele oferecimento...

O Sr. Presidente: — A Mesa só poderá fazê-lo por determinação da Câmara.

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8 Diário da Câmara dos Deputados

O Orador: — Entendo que é conveniente fazê-lo, e nesse sentido requeiro à Câmara.

O orador não reviu.

Posto à votação o requerimento, é aprovado.

O Sr. Lelo Portela: — Sr. Presidente: antes das considerações que tenciono fazer, desejava preguntar a V. Exa. se o Sr. Presidente do Ministéro vem hoje a esta Câmara, pois que pedi a palavra estando presente S. Exa. ou o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Presidente: — Não sei informar V. Exa.

O Orador: — Desejava mais que V. Exa. me informasse se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros já se deu por habilitado a responder a uma nota de interpelação que lhe enviei há perto de,mês e meio.

O Sr. Presidente: — Ainda não?

O Orador: — Desejava mais saber se S. Exa. já enviou para a Mesa os documentos que lhe requeri e bem assim autorização para eu ir consultar as actas do Conselho do Comércio Externo do seu Ministério.

O Sr. Presidente: — Se já tivesse vindo qualquer resposta, teria sido comunicada a V. Exa.

O Orador: — É para lastimar esta falta de pontualidade que existe no Ministério dos Negócios Estrangeiros, o qual devia primar pela cortesia e pontualidade em fornecer aos Deputados aqueles documentos que lhes são indispensáveis para tratarei na Câmara, com conhecimento de causa, os assuntos que julgam importantes para a economia nacional.

Na Câmara há sussurro.

O Orador: — Eu sei que a Câmara pouco se importa comestes assuntos, porque o símbolo do apoio da maioria ao Govêrno e representado pelo Sr. João Damas.

O Sr. João Damas: — V. Exa. é que não sabe tratar os assuntos por forma que mereçam a atenção da Câmara.

O Orador: — Eu vi V. Exa. a dormir e por isso é que tirei a conclusão de que o apoio da maioria ao Govêrno é dado a dormir. Mas isto é um simples incidente.

Voltando ao assunto que estava a tratar, devo dizer que a guerra de tarifas que actualmente existe entre a França o Portugal representa um grande e grave prejuízo para a economia nacional, influindo poderosamente no agravamento cambial, porque importa o valor de 120:000 contos de mercadorias que deixamos de vender no estrangeiro o, sobretudo, representa a guerra feita a um país que nos tem fornecido elementos bastantes para negociarmos, elementos que o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem rejeitado sempre.

Realmente, considero como ruinosa para a economia nacional a política seguida pela pasta dos Estrangeiros.

Desejo, há muito tempo, ocupar-me minuciosamente dêste assunto, para poder provar com números o que tem tido do prejudicial para o País essa política, mas o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros nem se dá por habilitado, nem me envia os documentos que lhe solicitei.

Lamento o facto e que, pelo menos, não esteja presente agora o Sr. Presidente do Ministério para me dizer o que pensa acerca dêste assunto e quando tenciona revogar o decreto publicado em 15 de Novembro por um Ministro que já estava demissionário havia mais de quinze dias.

Não continuo nas minhas considerações a êste respeito, porque as considero inúteis sem uma resposta do Sr. Presidente do Ministério.

Entra na sala o Sr. Presidente do Ministério.

O Orador: — Como já está presente S. Exa., pedia ao Sr. Presidente que chamasse a sua atenção para as considerações que vou fazer.

Sr. Presidente: estando presente o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças, entendo que é ocasião oportuna para tratar do assunto a que me estava referindo, o qual, a meu ver, é a causa

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principal da baixa da nossa divisa cambial.

O Sr. Presidente do Ministério, que veio a esta Câmara pedir autorizações especiais, que lhe foram concedidas, para melhorar a nossa divisa cambial, deve compreender muito bem que uma das causas da depreciação da nossa divisa cambial é justamente a falta da divisa estrangeira.

Sr. Presidente: essa falta de divisa estrangeira sente-se sobretudo de há um ano a esta parte, depois da guerra comercial que existo entre o Govêrno francês e o Govêrno português, em virtude de um decreto assinado por dois Ministros de então, nossos colegas nesta Câmara, os Srs. Queiroz Vaz Guedes e Domingos Pereira, Ministros respectivamente das pastas do Comércio e Comunicações e dos Negócios Estrangeiros.

É lamentável, Sr. Presidente, que êsses Ministros, que então estavam em crise, tivessem publicado, no dia 15 de Novembro, isto é, no próprio dia em que o novo Ministério deveria tomar posse, um decreto, assinado pelos dois, aumentando extraordinariamente os direitos alfandegários.

Sr. Presidente: é na verdade absolutamente lamentável que tal se tivesse feito, não tendo o assunto sido submetido à apreciação do Conselho de Ministros, nem tam pouco ouvida a opinião desta Câmara sôbre o assunto; no emtanto, o que é um facto é que isso nos tem levado para a triste situação em que nos encontramos.

Eu pregunto, Sr. Presidente, ao Sr. Ministro das Finanças se por acaso não é necessário, nem nos faz falta, a entrada em Portugal de cêrca de 120.000:000 de francos.

Vou ler a V. Exa. e à Câmara uma nota que aqui tenho tirado de uma estatística publicada no Boletim da Câmara de Comércio Francesa, autoridade oficial que nos mostra claramente o seguinte:

Leu.

Vê-se, por esta estatística, Sr. Presidente, que existe um saldo na balança comercial a favor de Portugal de cêrca de 120.000:000 de francos.

Isto, a meu ver, é uma das causas principais da baixa da nossa divisa cambial, e eu pregunto ao Sr. Presidente do Ministério ç Ministro das Finanças se esta

situação -não merece ser atendida, muito principalmente no que diz respeito as marcas dos nossos vinhos do Pôrto, depois do decreto que foi publicado em França, o qual nos tem levado à situação que vou mostrar à Câmara:

Leu.

E esta, Sr. Presidente, a triste situação em que nos encontramos e, assim, espero que o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças nos dê esclarecimentos sôbre o assunto, a fim de nós sabermos o que é que S. Exa. pensa a êste respeito, e quais as medidas que tenciona tomar para pôr 4ôrmo a êste estado de cousas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: parece-me que o Sr. Deputado que acaba de falar não tem razão quando diz que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros tomou deliberações sem seguir os devidos trâmites.

As deliberações tomadas foram seguidas depois de ouvido o Conselho Superior do Comércio Externo e de terem sido presentes ao Parlamento que as aplaudiu calorosamente.

Até hoje não tem havido indicação nenhuma da parte da Câmara para que se altere o que então se entendeu necessário fazer em virtude da situação criada.

Se me preguntarem se há vantagem em que a situação em que as cousas estão se prolongue, eu direi que não há nenhuma vantagem, visto que a situação é nociva aos dois países.

Devo acrescentar que determinadas circunstâncias ocorridas na política interna da França é que tem obstado a que se haja já chegado a um acordo vantajoso para ambas as partes.

Não posso entrar em detalhes sôbre o estado actual do problema, porque não sou o titular da pasta dos Negócios Estrangeiros. Posso, porém, comunicar as palavras de S. Exa. ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que se encontra retido em Braga por motivo de doença, o S. Exa. virá, aqui, logo que possa expor o que há sôbre tal assunto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

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O Sr. Lelo Portela: — Sr. Presidente: cumpre-me agradecer a resposta que acaba de dar-me o Sr. Presidente do Ministério e dizer que S. Exa. labora em êrro...

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Perdão, eu não estou em êrro. Era Deputado e sei que a Câmara não protestou.

O Orador: — Eu protestei e protesto. Essas deliberações foram tomadas por um Govêrno que se encontrava, então, já demissionário.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — O próprio Govêrno presidido pelo Sr. Ginestal Machado manteve essas deliberações.

O Orador: — Se V. Exa. se dá por habilitado a responder-me à interpelação que poderei fazer-lhe sôbre o assunto, mostrarei quais foram as medidas tomadas por êsse Govêrno.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Se bem que não seja eu quem está gerindo a pasta por -onde êstes assuntos correm, não tenho dúvida em dar-me por habilitado a responder a essa interpelação.

O Orador: — Em presença da declaração que acaba de fazer o Sr. Presidente do Ministério, peço a V. Exa. Sr. Presidente, que se digne marcar dia para eu efectuar a interpelação que acabo de anunciar sôbre as nossas relações comerciais com a França.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Vai passar-se à ordem do dia.

Está em discussão a acta.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Ninguém pede a palavra; considero-a aprovada.

Deu-se conta do expediente que pendia de resolução da Câmara.

O Sr. Sousa da Câmara (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: desejo que V. Exa. me informe se o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros já se deu por habilitado para responder à interpelação que eu anunciei há já bastante tempo, sôbre a importação de várias partidas de chá.

O Sr. Presidente: — Vou mandar colhêr os devidos informes à Secretaria da Câmara para responder a V. Exa.

O Sr. João Camoesas (para interrogar a Mesa): — Pedi a palavra para pregun-tar se V. Exa., Sr. Presidente, já tem os necessários elementos para pôr em discussão, na ordem do dia, o problema das Misericórdias.

O Sr. Presidente: — Ainda não.

ORDEM DO DIA

Prossegue o debate motivado pela alteração do juro do empréstimo de 6 1/2 por cento, de 1923.

O Sr. Presidente: — Prossegue o debate iniciado com a interpelação do Sr. Vitorino Guimarães ao Sr. Ministro das Finanças por motivo da redução dos juros do empréstimo de 6 1/2 por cento (1923).

Antes, porém, de continuar a discussão, vai fazer-se a contraprova que ficou pendente da última sessão, para admissão da moção do Sr. Velhinho Correia.

Foi lida na Mesa a moção e seguidamente admitida.

É a seguinte:

Moção

A Câmara, reconhecendo a necessidade de se atingir ràpidamente o equilíbrio do Orçamento pela supressão de todas as despesas e encargos que não sejam essenciais à vida do Estado, e pela realização de uma política fiscal que faça entrar nos cofres públicos tudo quanto ao Estado pertença, numa conveniente efectivação, para êsse fim, das leis fiscais em vigor e das autorizações concedidas ao Poder Executivo, sem prejuízo das medidas complementares pendentes da aprovação parlamentar, continua na ordem do dia.

30 de Abril de 1924.— F. G. Velhinho Correia.

Admitida.

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra sôbre a ordem o Sr. Morais Carvalho.

O Sr. Morais Carvalho: — Mando para a Mesa a minha moção, que diz assim:

A Câmara, tendo em vista que ao Govêrno impende zelar o crédito do Estado e portanto respeitar os compromissos por ele solenemente assumidos para com os seus credores, e reconhecendo ainda. conseqüentemente, que foi prejudicial a alteração, ordenada pelo decreto n.° 9:416, de 11 de Fevereiro último, dos juros do empréstimo de 6,5 pôr cento de 1923, continua na ordem do dia.

Conquanto a interpelação do Sr. Vitorino Guimarães respeitasse apenas, no seu enunciado, ao decreto que ordenou a redução dos juros do empréstimo de 6,5 por cento de 1923 e conquanto também a minha moção, ajustando-se ao enunciado da interpelação, se refira apenas a êsse empréstimo, o certo é que tanto o Deputado interpelante como o Sr. Presidente do Ministério, na resposta que lhe deu, colocaram a questão num terreno mais amplo, não apenas da redução dos juros do empréstimo de 1923, mas no de toda a política financeira do Govêrno.

O Sr. Presidente do Ministério chegou mesmo a dizer que era nesse último campo que aceitava a interpelação, visto que havia conveniência em que a Câmara se pronunciasse sôbre a conduta do Govêrno em matéria do finanças.

Posta a questão nêstes termos, nas considerações que vou fazer (e que eu procurarei tornar breves, uma vez que o assunto da interpolação já se vai arrastando há algumas sessões), não poderei cingir-me estritamente ao decreto que reduziu arbitrariamente os juros do empréstimo de 6,5 por cento.

A outros decretos mandados publicar pelo Govêrno da presidência do Sr. Álvaro de Castro terei de me referir também, muito embora ligeiramente, assim como às declarações que S. Exa. ultimamente tem feito por intermédio da imprensa, entre as quais se contêm afirmações da mais alta gravidade.

O Sr. Presidente do Ministério, quando preguntado sôbre os seus planos financeiros, tem dito por mais de uma vez que o Govêrno não os tem, que o seu objectivo é apenas o de equilibrar o Orçamento e restabelecer a confiança.

Há, porém, um facto que nós desde já verificámos, e vem a ser que o câmbio se agravou desde que o Sr. Álvaro de Castro se encontra à frente dos negócios públicos...

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — É um facto novo desde 1919!

O Orador: — E infelizmente um facto velho, mas eu vou tratar de apreciar se os últimos agravamentos se deram em resultado de razões anteriores ou se provêm da política desastrada que em matéria de finanças tem seguido o actual Govêrno.

Sr. Presidente: entre as medidas da autoria do Sr. Ministro das Finanças avulta uma, qual seja aquela que foi objecto da interpelação que neste momento se discute, isto é, a que respeita ao empréstimo de 6,5 por cento.

Por essa começarei a minha apreciação.

Eu compreendo muito bem os queixumes, e, mais do que os queixumes, a indignação do Sr. Vitorino Guimarães.

S. Exa. bateu-se com denodo por sua dama — o célebre empréstimo rácico — a que se uniu em espectaculoso enlace que as juntas de freguesia entreviram auspiciosíssimo.

S. Exa. pôs nesse empréstimo as suas melhores esperanças de regeneração financeira do país.

A operação foi lançada ao público, como sendo a filha dilecta da República.

Subscrever os seus títulos era, no dizer dos placarás afixados em todas as esquinas, dar a maicr prova de bom republicano, era quási o mesmo que obter o apetecido diploma de revolucionário civil.

É certo que a grande maioria dos monárquicos e alguns republicanos, entre os quais eu mo permito destacar o Sr. Portugal Durão, combateram também com afinco a operação do empréstimo de 6,5 por cento.

Mas tudo isso foi levado à conta de facciosismo.

Sobretudo os monárquicos combatiam-no não porque estivessem convencidos da

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sua inconveniência, mas sim porque receavam os maravilhosos resultados dêsse famoso elixir.

Depois, por hipérbole, com o lançamento do empréstimo não era apenas a grandeza da República que estava em jôgo; era a própria nacionalidade que se procurava salvar; era até o mesmo revigoramento da raça que se procurava atingir.

Daí o cognome de «rácico» por que êle ficou conhecido.

Mas, de repente, todo êsse castelo de enganadoras promessas e encantadoras fantasias ruiu, como um simples castelo de cartas, de um instante para o outro, ao sopro de uma brisa do oriente, que o Sr. Ministro das Finanças soube fazer chegar até as cadeiras do poder.

Sr. Presidente: eu compreendo os queixumes, eu compreendo mesmo a indignação do Sr. Vitorino Guimarães.

A minoria monárquica esteve desde a primeira hora em ataque cerrado ao famoso empréstimo de 6,5 por cento.

Temos por isso toda a autoridade para hoje nos insurgirmos contra a alteração dos juros primitivamente fixados.

E porque atacamos nós o chamado empréstimo «rácico»?

Por vários motivos.

Porque não compreendíamos que o Estado ficasse sujeito a encargos-ouro, quando o empréstimo em ouro não fora lançado e ouro algum real viesse para o país por fôrça dele.

Porque as condições onerosas em que foi lançado não faziam dele uma operação de crédito, antes o tornavam num pregão de descrédito.

Porque forçoso era que secundasse aqui-lo que na realidade sucedeu e que nós prevíamos, isto é, que o juro alto do novo empréstimo havia de fazer com que os portadores de bilhetes do Tesouro viessem trocar os seus títulos pelos do novo empréstimo, de onde resultaria, como resultou, o Estado não receber dinheiro novo, dando-se apenas a conversão de uns títulos noutros de juro muito mais alto e portanto com agravamento He encargos para o Estado.

Nós combatemos também, êsse empréstimo porque, desde quê se ofereceram ao público títulos com a firma do Estado a um juro de 15 por cento, a conseqüência natural devia ser, como foi, que a capi-

talização de todos os títulos se viria a fazer a um juro mais alto, portanto com grande baixa do capital nominal e assim realmente sucedeu; todos os outros títulos diminuíram conseqüentemente de valor, desfalcando-se assim grandemente a fortuna dos particulares.

Mas, uma vez realizado o empréstimo por o Parlamento não ter tomado como boas as considerações que então aduzimos, uma vez que a assinatura do Estado ficou ligada aos títulos do empréstimo, o que havia a fazer era respeitar os compromissos solenemente assumidos pelo mesmo Estado. Se nós nos encontrássemos numa situação em que não tivéssemos de recorrer ao crédito, ainda se desculpava, embora não fôsse de aconselhar a resolução que o Sr. Presidente do Ministério tomou. Mas a nossa situação financeira, sendo de molde a não se resolver só com aumentos de impostos, mas com prudente recurso ao crédito, não comporta uma providência daquela natureza: S. Exa. com ela fechou para muito tempo as portas do crédito do Estado, dentro do País,

Disse uma vez um economista célebre, que eu suponho ter sido Bastiat, que não havia economia mais cara para um Estado do que aquela que resultava ria quebra dos seus compromissos. Para mais, a redução dos juros dos títulos do dito empréstimo nem sequer apresentou uma economia, porque, como ontem sobejamente o demonstrou o meu querido amigo, Sr. Carvalho da Silva, com números que leu, os encargos resultantes da operação, directos e indirectos, são superiores até às pequenas quantias que, por fôrça do empréstimo, entraram nos cofres públicos.

Mas o Sr. Ministro das Finanças não se limitou a investir com o crédito interno do Estado,, foi mais longe: acerca das obrigações que têm a garantia da Companhia dos Tabacos, tomou outras providências que afinal não servem e não servirão senão, como já há dias o demonstrei, para atacar profundamente o crédito do Estado no estrangeiro.

Já aqui temos, portanto, dois decretos de S. Exa. que, longe do poderem ter produzido qualquer vantagem para a divisa cambial, não contribuíram senão para o seu agravamento; e assim não é devido

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apenas a factos anteriores, mas especialmente à acção perniciosa de S. Exa. na gerência da sua pasta, que se deu o agravamento do câmbio.

Mas não há apenas isso! S. Exa. tomou outras providências: empenhou a prata ou muniu-se dos poderes para mobilizar livremente a prata que estava no Banco de Portugal, e o mesmo fez com relação ao cobre que estava na Casa da Moeda. Ora pregunto se o facto de o Estado alienar valores efectivos que tinha em depósito é de molde a avigorar o seu crédito e a influir benèficamente na divisa cambial.

Mas S. Exa. fez mais ainda: decretou por um outro decreto a mobilização das obrigações da dívida externa que constituem o fundo dos conventos suprimidos. Pregunto ainda se esta providência é também de molde a exercer qualquer benefício na divisa cambial.

Razão me sobrava, pois, quando sustentei há pouco que o agravamento do câmbio não é conseqüência apenas de factos que vêm de longe, mas da acção nefasta que tem exercido no Govêrno o Sr. Álvaro de Castro.

Mas que mais fez S. Exa.? Suspendeu as amortizações da circulação fiduciária e no lhe eram impostas por lei votada no Parlamento em Dezembro de 1923.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — V. Exa. está enganado, eu não suspendi cousa alguma!

O Orador: — E possível que S. Exa. ainda não tenha suspenso, mas concedeu a si próprio autorização para o fazer. Mas não! Eu disse bem, porque me recordo agora que de facto V. Exa. as suspendeu: é o objecto de um dos decretos ultimamente publicados.

O Sr. Presidente o Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Eu decretei a suspensão, porque as amortizações estavam de facto suspensas.

O Orador: — Não é um tostão, mas sito cinco vinténs, como se costuma dizer! S. Exa. não suspendeu as amortizações, mas disse que as amortizações que lhe eram impostas por lei...

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Só podem ser impostas ao Estado quando êle tiver dinheiro. Isto é que é moral! O resto é blague!

O Orador: — O Sr. Presidente do Ministério acaba de classificar de blague a de liberação do Parlamento, constante da lei n.° 1:501, que impõe ao Govêrno a obrigação de amortizar, do último aumento da circulação fiduciária, uma terça parte até 30 de Junho do corrente ano e a parte restante até 30 de Junho do ano próximo.

Não pode dizer-se que esta lei tenha já cabelos brancos, porquanto ela foi publicada no Diário do Govêrno de 29 de Novembro de 1923, o apesar disso o Sr. Presidente do Ministério, duma simples penada, põe-na de lado após três meses apenas da sua promulgação, determinando, pelo decreto n.° 9:415, que a amortização dos referidos débitos do Estado ao Banco de Portugal só se efectivará quando o Orçamento Geral do Estado acusar saldos favoráveis para o Tesouro, isto é, na semana dos nove dias.

Mas vejamos que outras providências decretou o Sr. Presidente do Ministério tendentes a obter a melhoria cambial, que segundo diz S. Exa. é o objectivo máximo da actividade do Govêrno.

S. Exa., por certo para inspirar mais confiança ao público, determinou que das situações semanais publicadas pelo Banco de Portugal desaparecesse daqui para o futuro a nota da conta corrente com o Banco de Portugal relativa ao movimento das cambiais das exportações, bem como que não mais será publicado nas notas mensais da dívida flutuante o movimento dos saldos credores ou devedores das contas correntes do Tesouro com os banqueiros do Estado no estrangeiro! E eu pregunto, agora sem ironia: é assim que o Sr. Presidente do Ministério pensa contribuir para o restabelecimento da confiança pública, base indispensável para um novo período do regeneração financeira?

Sr. Presidente: o Govêrno decretou também a proibição das rendas em ouro. É esta uma questão delicada, mas toda a gente sabe que a moeda tem, no mecanismo das trocas, a função primacial de ser

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uma medida dos valores; e no dia em que a moeda deixa de poder desempenhar essa função, como vem sucedendo entre nós, surge uma confusão enorme em todo O organismo económico de ama nação.

Assim como o metro é medida das dimensões, o metro quadrado das superfícies e o metro cúbico dos volumes, assim também a moeda é medida dos valores.

Para se ter uma impressão nítida tias perturbações causadas pela variação constante do valor da moeda, o que é ainda bem mais grave do que a sua depreciação, basta imaginar o que seria a construção de um edifício em que o metro, simples, quadrado ou cúbico, indispensável a cada momento, variasse constantemente, sendo umas vezes equivalente a cem centímetros verdadeiros, outras de maior número dêstes e outras ainda inferior. Seria o caos.

Sem querer, neste momento, pronunciar-me definitivamente sôbre o assunto, direi que tenho a impressão de que, ou conseguimos estabilizar o câmbio, ou teremos de recorrer à adopção do escudo-ouro.

O Sr. Presidente do Ministério, como se não bastara a acção verdadeiramente perniciosa das providências que decretou sob a inspiração infeliz do seu colaborador Dr. Alberto Xavier, vem de vez em quando a público com declarações que confia aos jornais e que não são muitas vezes de molde a sossegar e a tranqüilizar a opinião pública, bem pelo contrário.

Assim, o Sr. Presidente do Ministério, no dia 28 de Abril, fez à imprensa uma exposição da acção do seu Govêrno, exposição que os jornais publicaram no dia seguinte. Disse S. Exa., entre outras cousas, o seguinte:

«O Estado não terá também de recorrer ao mercado para as suas necessidades, visto estarem assegurados créditos em Londres. E a êste propósito devo informar que, independentemente dêsses créditos, em momento oportuno, como nas épocas anteriores idênticas, o Govêrno porá à disposição da Junta do Crédito Público as somas em esterlino necessárias para anunciar em Londres o pagamento do cupão da dívida externa vencível em Julho próximo».

Eu tinha a impressão de que a Junta de Crédito Público recebia diariamente do produto dos direitos em ouro das alfândegas aquilo com que fazer lace aos cupões no prazo do seu vencimento, e parece-me até que o Sr. Presidente do Ministério, num dos discursos pronunciados nesta Câmara e a propósito da interpelação do Sr. Viturino Guimarães, em resposta ao Sr. Barros Queiroz, confirmou esta minha maneira de ver.

Vem agora S. Exa. e diz que o Govêrno em tempo oportuno fornecerá à Junta de Crédito Público as somas esterlinas necessárias para fazer o pagamento da dívida externa, donde parece concluir-se quê a Junta do Crédito Público até agora não tem- essas quantias e que é o Govêrno que lhas vai fornecer.

Não sei se é assim, mas o Sr. Presidente do Ministério fará favor de dizer à Câmara se assim é na realidade; eu não tenho outro fim senão provocar essa declaração.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro) (interrompendo): — São essas as considerações que V. Exa. fez.

Quando entrei para o Govêrno a situação era a de que o Estado não tinha ouro para pagar o cupão externo.

Tive necessidade de ouro e recorri ao Banco de Portugal. Depois a situação modificou-se.

O que vem das alfândegas não é suficiente, e foi necessário o Govêrno entrar com uma determinada quantia.

O Orador: — O Sr. Presidente do Ministério, na resposta que acaba de dar, salientou que as quantias com que o Govêrno entra para o pagamento à Junta do Crédito Público para o cupão externo, são apenas as necessárias para cobrir as deficiências das que a Junta recebe directamente da alfândega.

Mas, Sr. Presidente, há ainda outro ponto interessante nas declarações dos jornais feitas por S. Exa.

S. Exa. diz que a soma dos débitos do Estado ao Banco de Portugal é de 1.325:005.900505 e que o limite da circulação fiduciária autorizado não foi excedido.

Em primeiro lugar não é bem exacta a

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afirmação do Sr. Presidente do Ministério, desculpo-me S. Exa., de que a circulação fiduciária não tenha sido excedida.

Já ontem o Sr. Carvalho da Silva provou que o Govêrno autorizara o aumento da circulação fiduciária para ocorrer a despesas do Estado, mas as cousas fizeram-se de modo diferente do habitual.

O lotado autorizou o Banco de Portugal a aumentar a sua circulação privativa em cêrca d3 40.000 contos e o Estado depois obteve do Banco que êste lhe emprestasse parte do aumento da circulação que aquele autorizara.

O Sr. Presidente do Ministério, que já aqui, em plena Câmara, afirmara que preferia abandonar o Poder a ter de aumentar a circulação fiduciária, a qual acabámos de ver que de lacto foi aumentada por forma indirecta, foi agora mais cauteloso, ou antes, menos preciso, nas declarações feitas à imprensa, pois que já não diz que preferirá abandonar as cadeiras do Poder a aumentar a circulação fiduciária, limitando se a prometer que tudo fará o Govêrno para não exceder o limite, o que é muito diferente.

O Sr. Presidente do Ministério, também da sua cadeira ministerial, proferiu palavras que são de molde a alarmar mais ainda êste desgraçado País a respeito do nosso crédito.

S. Exa., referindo-se aos encargos que pesam sôbre o Estado por fôrça da utilização do crédito de 3.000:000 de libras, que nós dêste lado da Câmara tanto combatemos, disse, em resposta ao Sr. Barros Queiroz, que, em determinado momento, lhe rebentou sôbre a sua secretária, e empregou o termo «rebentou» como expressão bem típica, para frisar quanto o lacto tinha de inesperado e de estrondoso, um cheque de 128:000 dólares, que urgia pagar e cuja existência era até então desconhecida no seu Ministério!

Mas, Sr. Presidente, eu pregunto: como é que estão arrumadas as contas do Estado e de que servo a nossa contabilidade pública se o Ministro das Finanças não sabe as quantias que tem a pagar e se é possível que num dado momento lhe apareça sôbre a banca ministerial um cheque de que instantes atrás não tinha conhecimento?!

Eu pregunto: Uma confissão desta na-

tureza pode inspirar confiança ao País no estado das nossas contas e na escrita do Tesouro, que assim se prova serem, o mais imperfeitas e caóticas?

Esta declaração de S. Exa. não pode se não agravar a desconfiança, que lavra já tam fundo, e, portanto, há-de contribuir infelizmente para o maior agravamento do ágio do câmbio.

Sr. Presidente: permita-me V. Exa. que eu aborde agora outro assunto, aliás já tocado, embora sob outro aspecto, no decorrer desta interpelação: refiro-me ao chamado fundo de maneio das exportações e reexportações criado por decreto, salvo êrro, de Julho de 1922. De há muito que desejei saber qual tem sido o movimento dêsse fundo.

No desempenho do meu dever de Deputado, procuro obter pelas instâncias oficiais informações que são inteiramente indispensáveis para conhecimento exacto da situação do Tesouro a êsse respeito e foi assim que em Maio do ano passado eu pedi. por intermédio da Mesa, que, com urgência, me fôsse fornecida pelo Ministério das Finanças a nota do movimento da aquisição e conseqüente alienação das cambiais de exportação e reexportação e designadamente dos preços por que o Govêrno as obteve e aquele por que as alienou.

Vai decorrido um ano e a repartição, competente não satisfez a curiosidade do Deputado, pelo que volto a instar com o Sr. Presidente do Ministério a fim de que dê as suas ordens para que me seja enviada sem mais tardar essa nota.

O Sr. Presidente do Ministério (Álvaro de Castro): — A nota que V. Exa. pede é a actual ou é anterior?

Se é a actual, não forneço. V. Exa. tem a nota global que o Banco fornece.

O Orador: — A nota, a que respeita o meu requerimento que está sôbre a Mesa, abrange até o mês de Maio do ano passado que foi quando eu o formulei. Mas entendo que o Govêrno tem a obrigação de elucidar o País sôbre assunto de tanta importância, e, portanto, protestando energicamente contra a afirmação do Sr. Presidente do Ministério de que não pode fornecer a nota actual, eu reclamo que tudo se publique, porque o País tem o

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direito de tudo conhecer, não se compreendendo que haja contas encobertas, verdadeiras contas de saco, misteriosas.

A nota global do Banco de Portugal, para que o Sr. Presidente do Ministério pretende remeter os Deputados, não basta a esclarecê-los. Ela limita-se a dizer qual o valor das cambiais que, em determinado momento, se encontram em poder do mesmo banco, feudo em atenção um determinado câmbio, naturalmente o câmbio do dia a que essa nota se refere.

Ora o que a mim me interessa conhecer, como Deputado, é o movimento completo da conta das cambiais da exportação e da reexportação, os preços por que o Govêrno as adquiriu e aqueles por que depois as largou.

A minha curiosidade, direi melhor, a minha necessidade de tudo conhecer subiu de ponto depois que li as recentes declarações do Sr. Presidente do Ministério à imprensa, expondo a sua acção como Ministro das Finanças.

Com efeito, o Sr. Presidente do Ministério, depois de confessar que do decreto que mandou reter à ordem do Estado cortas cambiais de exportação e reexportação se não tiraram todas as vantagens que êle continha e que algumas dessas cambiais caíram porventura nas mãos da especulação, diz o seguinte textualmente:

«Por exemplo, v desde 26 de Julho de 1922, data da vigência do decreto que mandou reter à ordem do Estado 50 por conto das cambiais de exportação, até 31 de Dezembro de 1923, o valor global em escudos dessa percentagem de cambiais foi de 642:324.299$40 e o valor global em escudos dessas mesmas cambiais que foram lançadas novamente no mercado livro por meio de vendas e outras operações foi de 517:613.535$39, aproximadamente.

Isto disse o Sr. Presidente do Ministério à imprensa. Não se compreende que haja uma diferença de cêrca de 135:000 contos, que é quanto dá o balanço daquelas duas verbas. Se a libra tivesse deminuído de valor, ainda se poderia compreender, mas como foi o invés que se deu, não encontro explicação para aquela diferença e é indispensável que o Sr. Presidente do Ministério no-la dê.

Eu agradeceria que o Sr. Presidente do Ministério, mesmo interrompendo mo, me desse uma explicação satisfatória.

Interrupção do Sr. Presidente do Ministério, que não se ouviu.

O Orador: — V. Exa. desculpe, mas é isto que cá está.
Eu leio novamente:

«... o valor global em escudos dessa percentagem de cambiais foi de 642:324.299$40 e o valor global em escudos dessas mesmas cambiais que foram lançadas novamente no mercado livre por meio de vendas e outras operações foi de 517:613.535$39, aproximadamente».

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro do Castro): — Perdão... Eu quando escrevi não entendi assim.

Dos 642:000 contos foram lançados no mercado 500 e tantos mil contos.

E o que resulta dos câmbios o é o que ainda hoje sucede.

Pondo, por exemplo, 300:000 libras e lançando-as no mercado pelas várias maneiras, guias-ouro, etc., 150:000 vão para o mercado.

Infelizmente V. Exa. tinha razão desde que fôsse assim. O câmbio tem-se agravado...

O Orador: — O Estado, alienando as cambiais depois da sua aquisição, deve ganhar, por isso que o câmbio tem seguido urna linha de agravamento constante e por conseqüência V. Exa. compreendo a minha estranheza de encontrar, em vez de lucro, prejuízo para o Estado.

As explicações do Sr. Presidente do Ministério não me satisfazem. Verifico com mágoa que S. Exa. hão pode explicar aquela diferença.

Pretende S. Exa. agora que a segunda verba representa, não o valor das mesmas cambiais retidas pelo Estado, mas apenas o das que foram de novo lançadas no mercado. Não é o que se infere claramente das declarações feitas à imprensa, e S. Exa. foi o primeiro a reconhecer, na sua interrupção de há pouco, que a minha interpretação era a mais rigorosa, mas que a palavra atraiçoara o seu pensamento.

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Não tenho eu presente de memória qual o valor das cambiais existentes em 31 de Dezembro no Banco de Portugal, mas suponho que não se elevam à quantia de corça de 124:000 contos, que é a diferença apontada entre os dois números revelados pelo Sr. Presidente do Ministério.

De modo que falta ainda explicar a perda de várias dezenas de milhares de contos de prejuízos, quando o que devia Ha ver-era lucros. E tudo leva à conclusão de que os Ministros das Finanças, o actual e os seus antecessores, deviam ter trazido há muito ao Parlamento todos os elementos necessários, mesmo espontaneamente, sendo inacreditável que não o houvessem feito, para mais existindo um requerimento, como o meu, formulado há um ano, no sentido de se esclarecer êste mistério das cambiais, cujos prejuízos trazem justamente alarmada a opinião pública.

O Sr. Velhinho Correia: — V. Exa. tem isso no relatório do Banco.

O Orador: — Não tenho tal. Já disse mais de uma vez, e não é minha culpa se V. Exa. não quis ouvir, que no relatório do Banco não há elementos para apreciar o movimento da conta de aquisição e saí*da das cambiais, que há mais de um ano requeri, com urgência, me fôsse fornecida pelo Ministério das Finanças.

O Sr. Velhinho Correia: — No relatório do balanço tem a situação referente a 31 de Dezembro.

O Orador: — Tenho apenas o valor das cambiais então em poder do Banco, o que não é a mesma cousa, como quero crer que V. Exa. não ignorará.

Mas êsse valor não o possuo de memória, nem o Sr. Presidente do Ministério, nem V. Exa. tam pouco.

Sei apenas que não serve a explicar a diferença achada, o que portanto leva à certeza de que há prejuízos espantosos.

Havemos de voltar ao assunto que promete dar de si.

Sr. Presidente: não quero alongar as minhas considerações, e por isso, de tanto que tinha ainda a dizer, tocarei apenas em mais dois ou três pontos que julgo conveniente frisar.

O Sr. Presidente do Ministério foz ain-

da por intermédio da imprensa a declaração, que confirmou nesta casa do Parlamento, de que as cambiais da exportação e reexportação não mais serão lançadas no mercado daqui para o futuro.

O Sr. Barros Queiroz disse que S.Exa. as não lançava, porque, tendo feito venda delas a prazo, não possuía mais nenhumas, o que é grave.

O Sr. Presidente do Ministério afirmou ainda que, de futuro, sobejando-lhe cambiais, depois de satisfeitos os encargos-ouro do Estado, não as iria entregar à praça, mas entrega-las há directamente aos importadores, procurando assim evitar a especulação.

Salvo o devido respeito, parece-me a emenda pior que o soneto.

Seria criar uma nova fonte de favoritismo para uns em detrimento do outros.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Não apoiado.

É a única política a seguir.

O Orador: — Afigura-se-me, repito, que por êsse processo S. Exa. abrirá uma nova fonte do favores em detrimento dos que não tenham lâmpada acesa em Meca.

Quere dizer, vai aumentar-se-á confusão no que respeita a essas mal fadadas cambiais, quando o que se impõe é a maior clareza, a prestação de contas à vista de todos.

A propósito direi ainda que espero que o Sr. Presidente do Ministério não ignore o que determina a lei n.° 1:424.

O § 2.° do artigo 8.° dessa lei sujeita o Govêrno à obrigação de apresentar ao Parlamento detalhadamente em 31 de Dezembro o estado do contas referentes ao ano, designando claramente as diferenças do câmbio a favor ou contra o Estado.

É o que se não faz.

Apoiados.

Uma política financeira de verdade se impõe de há muito tempo, mas ainda se não realizou, embora a devessem pôr em prática os Ministros que se tem sentado naquelas cadeiras.

Mas agora reclamo do Sr. Presidente do Ministério que se deixe de tergiversações e que só disponha a dar cumprimento, quanto antes, àquilo que lhe impõe o dito § 2.° do artigo 8.° da referida lei,

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Sr. Presidente: a desgraçada situação financeira em que o país se encontra, é resultante em primeiro lugar e acima de tudo do gasto excessivo em que parece que têm andado empenhados, ao desafio, os vários Governos da República, que se têm sucedido nas cadeiras do Poder.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças, procurando desfazer esta acusação que daqui lançamos constantemente à República, e seguindo nas águas do Sr. Portugal Durão, faz o cálculo das despesas do listado, em ouro, e então diz-nos: em 1914, as despesas orçavam por cêrca do 11.000:000 de libras, e actualmente andam à volta de 8.000:000; logo, conclui S. Exa. já está feita a compressão das despesas.

Sr. Presidente: se esta maneira de argumentar fôsse legítima, a conclusão a tirar seria que o melhor caminho que os Governos teriam a seguir seria lançarem--se abertamente no aumento da circulação fiduciária, seria provocar mais e mais a desvalorização da moeda.

A libra hoje vale 140$.

Se amanhã valesse 400$ ou 500$ o Sr. Presidente do Ministério viria triunfantemente dizer-nos que não lhe falassem em compressão de despesas, porque êle já as havia realizado, por isso que, então, as despesas se computariam em menor número ainda de milhões de libras.

O propósito, já até concretizado numa proposta de lei, da chamada «actualização das receitas», querendo com isto significar-se que se devem cobrar as de 1914 em escudos ouro, parece-me que não se justifica.

Para que houvesse o direito, por parte do Estado, de exigir dos seus contribuintes todos os impostos em moeda actualizada, como o Sr. Presidente do Ministério quere, era necessário que S. Exa. fizesse primeiro a demonstração de que os rendimentos da propriedade urbana, da propriedade rústica, da riqueza mobiliária, os das profissões liberais e mesmo os do comércio e industria tinham aumentado 30 vezes. Só então é que o Estado pó dia reclamar dos seus contribuintes que lhe pagassem os impostos em moeda actualizada.

Mas essa demonstração é impossível, porque a triste verdade é que, salvas raras excepções, o rendimento colectável

dos portugueses mão aumentou em nada que se pareça com isso. Noutra ocasião desenvolverei êste ponto.

Sr. Presidente: o problema máximo da questão financeira é o problema da desconfiança, e tanto esta verdade vai, caminhando que até o Sr. Vitorino Guimarães, na sua interpelação, declarou, ao contrário do que dantes sustentava, que não existe o problema da carestia da vida, mas o da desvalorização da moeda.

Se assim é, o que se torna necessário é restabelecer a confiança, factor principal duma moeda sã; porém, o que o Sr. Presidente do Ministério tem feito até hoje é estabelecer as, bases em que assenta uma justificada e cada vez mais funda desconfiança.

Disse S. Exa. que o mais inadiável é alcançar primeiramente o equilíbrio orçamental, por isso que, em seu entender, feito isso, os capitais que estão lá fora hão-de regressar ao país.

É êste um êrro profundo, pois a verdade é que o que há a fazer é restabelecer primeiramente a confiança; depois de ela restabelecida é que os capitais regressarão e que o equilíbrio orçamental mais fàcilmente se obtura.

Mas tal é impossível de conseguir dentro da República, porquanto confiança e Republica são cousas incompatíveis.

O ilustre Deputado Sr. Barros Queiroz serviu-se numa das passadas sessões, dum símile tauromáquico, dizendo que o Sr. Álvaro de Castro era um empada de feira, que ao entrar a matar o touro da alta finança, quando todos o tomavam a sério, verificou-se que a espada era de malhas.

Se o símile, tauromáquico é permitido, há que rectificar a versão do Sr. Barros Queiroz.

O touro não é a alta finança; é o regime que investe, às marradas, contra o país, que, por isto, está em perigo de vida.

O espada, porém, não pode ser o Sr. Álvaro de Castro, nem nenhum dos estadistas do regime, porque êstes são incapazes de matar o touro—a República.

A verdade é que, emquanto êste regime viver, o país corre o risco de morrer às suas mãos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

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O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Morais Carvalho.

Foi lida e admitida.

O Sr. Tavares Ferreira: — Peço a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre só permite que a comissão do Orçamento reúna amanhã durante a sessão.

Foi concedida.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Peço a V. Exa. o obséquio de me dizer se o Sr. Ministro do Interior vem hoje a esta Câmara dar conta do estado em que se encontra a greve dos transportes, e apresentar a célebre proposta que já anunciou.

O Sr. Presidente: — Vou mandar saber se S. Exa. se encontra no Senado.

O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: começo por ler a minha moção de ordem, que diz o seguinte:

Moção

Considerando que o empréstimo interno de 6 1/2 por cento ouro foi autorizado e lançado em condições técnicas perfeitamente aceitáveis um princípio;

Considerando que o facto de não ter tido a acompanhá-lo a prática duma política de equilíbrio efectivo do Orçamento da gerência prejudica em grande parte os efeitos salutares que eram de esperar, originando uma atrocíssima especulação de câmbios;

Considerando que o equilíbrio urgente das contas públicas, com um superavit que permita iniciar a amortização da dívida flutuante, deve ser obrigatório do Parlamento, dos Governos e do país;

Considerando que não é menos imperiosa a necessidade de compensar a nossa balança de pagamentos no estrangeiro;

Considerando que para êsse efeito é indispensável realizar, sem perda do tempo, a unidade económica e financeira da metrópole com as suas colónias;

Considerando que é de esperar do patriotismo dos portugueses que tem vindo depositando os seus tesouros em países estranhos que passem, a empregá-los no

aproveitamento das formidáveis riquezas que os variados territórios nacionais encerram:

A Câmara dos Deputados da República Portuguesa, reconhecendo a relativa facilidade com que melhores dias podem vir em breve à nação portuguesa, passa à ordem do dia.

Sala das Sessões, 6 de Maio de 1924.— Jaime de Sousa.

Não é um programa de Govêrno, mas apenas uma série de aspirações que estão no ânimo do país e de toda esta Câmara.

Sr. Presidente: eu fui um dos parlamentares que tiveram a honra do defender o empréstimo de 6 1/2 por cento, que tam largamente foi discutido nesta casa do Parlamento, e não estou arrependido da defesa que fiz.

Não foi só Portugal que entrou no caminho dos empréstimos internos ouro. O mesmo só tem feito no estrangeiro, tendo, ainda não há muito, a Inglaterra lançado um empréstimo em dólares.

Esta operação foi feita em dólares em 1921 e destinou-se à conversão do empréstimo anterior exageradamente caro, realizado em libras.

Sr. Presidente: chamo a atenção da Câmara para a campanha que nesta casa do Parlamento e lá fora se produziu contra o empréstimo-ouro, e recordo as acusações de toda a espécie que foram feitas acerca das intenções do Govêrno, apontando se a êsse empréstimo até erros técnicos.

Em determinada altura, e já quando se discutia a proposta do empréstimo na especialidade, vieram os maiores atacantes dela e introduziram-lhe emendas tendentes a aperfeiçoá-la, e desde então o empréstimo foi considerado útil para o País.

Qual era essencialmente o objectivo dêsse empréstimo?

Era o de deminuir a circulação fiduciária e sanear o meio circulante, determinando, por vontade da lei da oferta e da procura, a valorização da moeda.

Deu-se então o caso formidável, do que, uma vez lançado o empréstimo na praça, êle foi largamente coberto, o que originou um clamor enorme, nos meios financeiros e económicos contra a deminuição do meio circulante, que nas vésperas era

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considerado como um benefício indispensável para a melhoria da nessa situação.

Daqui resultou um jôgo de bolsa e que bem pode chamar-se especulação cambial, e foi justamente essa a causa que inutilizou o valor do empréstimo.

É por isso que, na moção que mando para a Mesa, eu respondo sucintamente a um dos pontos tocados pelo Sr. Morais Carvalho.

O empréstimo-ouro lançado em 1923 foi completamente estropiado nos seus efeitos, porque uma especulação cambial se produziu, explorando o ensejo que se apresentava para asfixiar o Estado quando ele se preparava exactamente para se defender dessa especulação.

Não é, porém, propositadamente êste ponto aquele que mais preocupa as oposições, mas a questão do limite do juro do empréstimo.

Sr. Presidente: eu devo lembrar a V. Exa. e à Câmara que a comissão de finanças, que deu o seu parecer sôbre a proposta do empréstimo, não foi tam contrária a esta limitação do juro, que não tivesse apresentado êsse parecer.

Se a Câmara me preguntar se eu defendo a limitação do juro, responder-lhe hei que não.

Não defendo a prática usada pelo Sr. Presidente do Ministério de limitar o juro do empréstimo, porque não sou partidário da mudança de características do empréstimo, visto que tenho a impressão de que o crédito do País e a nossa situação financeira nada lucram com tal medida.

Todavia, há uma justificação que iliba em grande parte o Sr. Presidente do Ministério de ter pôsto em execução esta medida: que neste empréstimo dos 6,5 por cento se manifestou a maior e mais desenfreada especulação cambial.

É que cada tomador, de um único título que fôsse, no dia seguinte estava transformado num especulador, numa pessoa que não deseja outra cousa senão o agravamento do câmbio, a valorização da libra de que tem um título na mão.

Ao formidável exército dos inflacionistas veio juntar se a falange dos detentores, nacionais ou estrangeiros, dos títulos do empréstimo.

Um àparte do Sr. Carvalho da Silva que não se ouviu.

O Orador: — Já lá voa àqueles que não fazem senão pregar aqui e lá fora que é necessário fazer a compressão das despesas, e que para nada serve o aumento das contribuições e dos impostos, pretendendo equilibrar o Orçamento com elixires que ninguém compreende. A única explicação que o Sr. Ministro das Finanças tem para a medida que decretou é a de ter pretendido evitar mais um novo elemento de perturbação da nossa situação financeira.

Só assim é que eu posso compreender que o Sr. Ministro das Finanças, homem esclarecido, parlamentar antigo, de uma inteligência que ninguém pode deixar de reconhecer, conhecedor como poucos dos assuntos de administração e financeiros, viesse transformar a característica do -empréstimo, que era em ouro, para qualquer cousa parecida com um empréstimo interno em escudos.

O velho republicano que se chamou José Barbosa tinha uma frase lapidar para classificar aqueles que pregavam a doutrina da compressão de despesas e o apoucamento da doutrina do aumento dos impostos para equilibrar o Orçamento. José Barbosa dizia assim:

Leu.

As pessoas que usam de tal arteirice não procuram defender o contribuinte pobre, o que realmente está exausto ou que, na verdade, já atingiu a sua capacidade tributária, mas apenas defender aqueles que ainda não pagam senão uma percentagem do que devem pagar, aqueles que detêm a grande quantidade do capital, que fazem a grande indústria e o grande comércio, que são possuidores de formidáveis fortunas e as vão guardando em divisas e em bancos estrangeiros.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo). — V. Exa. sabe muito bem que nós, dêste lado da Câmara, tendo em atenção a defesa do contribuinte pobre, fomos sempre de opinião que se não podem aumentar os impostos de forma a agravar o custo da vida.

V. Exa. procede de maneira diferente.

O Orador: — O que eu tenho visto é que a maior energia, a maior fúria, tanto de V. Exa. como dos outros seus colegas, quando aqui defendem o contribuinte,

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são em favor do pequeno contribuinte, mas sim do grande; é a contribuição predial, é a contribuição industrial, é o imposto pessoal de rendimento que lhes toca de perto, que os atingem nos seus capitais o grandes lucros.

Isso é que V. Exas. vêm aqui defender, e contra isso é que me insurjo.

Para m i m, o maior mérito, tanto dêste Govêrno como do Govêrno anterior, é o ataque à grande propriedade que não paga nada que se pareça com aquilo que deve pagar.

O Sr. Carvalho da Silva: — Nenhum Estado tem o direito de exigir impostos para pagar cousas que não são precisas.

É o bolchevismo!

O Orador: — Isso é a história da carochinha, mas ou vou tranqüilizar V. Exa.

A gerência do actual Govêrno, como já foi a última parte da gerência anterior, não se pode apelidar de bolchevista, nem de comunista; vamos caminhando devagarinho, não vamos de salto.

Lá chegaremos ao dia em que se poderão nivelar as fortunas.

O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. é o nível das fortunas.

O Orador: — Tenho esperança de que ainda chegaremos ao dia em que o nivelamento das fortunas ou a melhor distribuição da riqueza se possa produzir neste País.

Eu só desejo que V. Exa. viva o tempo suficiente para ver essa melhor distribuição de haveres e de capitais, que é indispensável que só faça, para a qual se caminha.

Sr. Presidente: V. Exa. sabe bem e sabe a Câmara que nós votámos aqui o imposto a que se chamou o imposto pessoal de rendimento e que ainda não foi possível começar a aplicá-lo.

Preguntará V. Exa. porque não só começou ainda a aplicar êsse imposto.

Pela mais elementar das razões: é que, sendo o imposto pessoal de rendimento o mais lógico, o mais razoável, o mais justo, porque se vai pedir justamente a quem tem dinheiro que pague dinheiro para o Estado, porque se vai pedir àqueles que auferem lucros do seu capital e do seu

trabalho que dêem a contribuição natural para o Estado, deixando assim de se obrigar aqueles que não ganham cousa alguma, aqueles que não sabem o que será o dia de amanhã, a que contribuam para o Estado com uma contribuição que excede muito a realidade do seu trabalho.

Em todos os países em que um sistema financeiro bem organizado permite uma distribuição justa do imposto é justamente o imposto de rendimento que se adopta como formula única de equidade, de bem distribuir êsses impostos, o assim estabelece se, como, aliás, a lei portuguesa já estabelece, uma tabela de proporções em que só contribuam para o Estado aqueles que ganhem dinheiro e numa proporção tanto maior quanto maiores sejam os seus lucros, ou seus ganhos.

Sr. Presidente: é tal a reacção do grande proprietário, do abastado lavrador e do comerciante que ainda não se conseguiu que um sistema sério e honesto do declarações permita servir de base às repartições fiscais para lançar êsse imposto, imposto que existe era todos os países em que a civilização atinge qualquer cousa do elevado comparativamente com a sua congénere de Portugal.

Mas ainda há mais.

E que uma das maiores dificuldades com que lutam os Govêrnos de agora, não digo êste, mas todos os que presentemente têm estado a administrar a cousa pública, é a cobrança das receitas.

Essa cobrança, mesmo mal interpretada como está a forma de lançar o imposto, mesmo desviada da sua natural directiva em que esteja a forma de lançar o impôsto, não se efectiva devidamente.

Se V. Exa. tiver o trabalho de examinar o estado das contas públicas, em matéria de cobrança, neste País, V. Exa. vai verificar que ainda estão para receber os resultados da contribuição de 1922.

O ano de 1922-1923 está em grande parte por cobrar e do ano de 1923-1924 nem se fala.

Há um bairro em Lisboa em que as contribuições estão sendo sensivelmente recebidas em dia, mas, em todos os outros bairros estão atrasadíssimas, havendo alguns em que ainda se estão a cobrar contribuições de 1922.

O Sr. Presidente do Ministério tem denunciado à Câmara factos concretos, mas

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eu tenho conhecimento do estado da cobrança em um distrito que é perfeitamente deplorável. Posso mesmo adiantar que, se essa cobrança se fizesse duma maneira regular era perfeitamente dispensável criar-se novos impostos porque com os actuais poderíamos equilibrar o orçamento e até arranjar um superavit, desideratum que deve ser não só do Govêrno, mas do Parlamento e do Pais.

Tenho aqui uma nota dum dos distritos, sôbre matéria de cobrança, nota que recebi há dias e que vem documentar inteiramente o que estou a afirmar a V. Exa. e à Câmara.

Trata-se duma junta geral que tem direito a umas determinadas contribuições que por lei lhe foram atribuídas, e que se queixa desta maneira contra a forma como estão sendo cobradas essas contribuições:

Leu.

Chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças para êste ponto. Trata-se da Junta Geral do Distrito de Ponta Delgada que se queixa de que os cofres para o recebimento da contribuição predial do 1923 só abriram em Janeiro do corrente ano.

Há distritos que se queixam, mas há outros em que o contribuinte se não queixa, porque o dinheiro, emquanto êles não pagam, está rendendo, assim explorando o próprio Estado porque, durante os anos em que a contribuição se não paga, a respectiva verba está empregada numa indústria, em detrimento do listado que não recebe a respectiva contribuição.

Quando há alguém que se queixa, como acontece com as juntas gerais, abrem os cofres do Estado para a cobrança das contribuições de 1922 a 1923. Nos outros concelhos fez-se o mesmo.

Estão abertos os cofres; mas para a cobrança na capital do distrito não se sabe ainda quando abrirão.

Assim são impossíveis as contas públicas.

Apelo para o Sr. Ministro das Finanças. S. Exa. declarou estar empregando o melhor dos seus esfôrços para aperfeiçoar a cobrança fiscal.

Sr. Presidente: há ainda outros factos que vêm agravar êste mal da cobrança das receitas públicas.

Chamou o Sr. Morais Carvalho a aten-

ção para o agravamento da situação cambial. A causa principal é o desequilíbrio orçamental.

O Sr. Vitorino Guimarães — honra lhe seja trouxe à Câmara uma proposta para o preenchimento de 400 vagas nos quadros de finanças. Mas, se S. Exa. viu a questão com uma nítida e justa compreensão das necessidades do Estado, outro tanto não sucedeu a muitas pessoas que aqui e lá fora clamorosamente se ergueram para protestar contra aquilo que elas julgavam ser o simples desejo de anichar amigos ou correligionários políticos. E todos se lembram ainda, certamente, da forma porque a Câmara resolveu o assunto, permitindo, por muita concessão, que essas vagas fossem preenchidas pelo melhor pessoal que se conseguisse obter nos restantes quadros do funcionalismo público.

O certo, porém, é que êsse pessoal, originário de outros departamentos da administração pública, não possuindo a necessária especialização para o cabal exercício das suas novas funções, não tem conseguido produzi» aquela soma de trabalho indispensável para que das novas leis fiscais o Estado pudesse auferir a tempo as receitas de que tanto carece.

O pessoal nomeado não possuía nem a preparação técnica, nem as habilitações literárias suficientes para poder agir com eficiência adentro duma corporação que tem a seu cargo uma tam importante missão como é a cobrança dos impostos.

O imposto pessoal de rendimento, por exemplo, que é um daqueles que maior receita devem dar ao Tesouro Público, não tem podido ser lançado porque a fórmula algébrica — aliás elementar — em que êle se baseia não tem sido compreendida na maior parte dos concelhos do País, por falta de pessoal idóneo.

Portanto, quando o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças nos vem dizer, que não tem maneira, desde que o Parlamento o não auxilio, de equilibrar as contas públicas, esquece-se S. Exa. de que num mais completo e rápido lançamento e cobrança de impostos está, em parte, a solução do assunto, se outro não houvesse ainda, como vou demonstrar à Câmara.

O Sr. Ministro das Finanças, quando se tratou da compressão das despesas pú-

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blicas, foi com grande espanto meu — à Direcção Gerai de Estatística e suprimiu sete lugares. Eu tive, então, ocasião de dizer a S. Exa. que não concordava com tal medida, antes entendia que a essa direcção, que está sendo actualmente dirigida com inexcedível proficiência por um colega nosso desta Câmara, deviam ser dados todos os elementos indispensáveis para que ela pudesse corresponder cabalmente ao fim para que foi criada.

Não se pode compreender que se venha afirmar que há estatísticas; dá-se até êste caso formidável, de que as próprias estatísticas aduaneiras, quer da metrópole quer das colónias, não estão em dia. V. Exa. não tem elementos, senão porventura indo às publicações que no estrangeiro se faziam, para conseguir um apanhado geral da marcha económica do País.

É indispensável, portanto, que êste aspecto da questão, que é um dos que mais tem causado o estado de desconhecimento da situação económica e financeira do País, seja ràpidamente pôsto em dia por forma que todos nós, Govêrno e Parlamento, possamos pisar bom firmemente o caminho que trilhamos.

Todas as despesas, portanto, que forem votadas em matéria de melhoria de cobrança do impostos e em matéria de beneficiação dos serviços de estatística, nos seus múltiplos e variados aspectos, são despesas que não podem estar debaixo daquele gládio de compressão que êste ou qualquer Govêrno queira fazer.

Há despesas que não podem ser comprimidas. Há despesas que têm de se efectuar porque nelas está, porventura, a única maneira do bem conhecer os fundamentos da administração pública e portanto a resolução dos problemas que com ela se ligam.

Sr. Presidente: já que falei em economias da metrópole e das colónias, permita-me V. Exa. que ou responda a algumas considerações do ilustre Deputado que me precedeu no uso da palavra, o Sr. Morais Carvalho, sôbre cambiais de exportação.

Toda a gente sabe que o recurso às cambiais de exportação não é invenção nem do Govêrno português nem dos financeiros portugueses; êsse recurso foi iniciado pelos Governos por forma a es-

tarem sempre habilitados a satisfazer as despesas com os seus serviços e nomeadamente o pagamento de encargos no estrangeiro, de maneira a evitar os recursos à praça em épocas regulares ou ocasionalmente, dando lugar a grandes especulações e a jogos de Bolsa que são tanto mais importantes quanto mais regulares são êsses recursos à praça por parte dos Governos.

Ainda sôbre êste assunto — maneio de cambiais de exportação —, que, como já disse, não é invenção portuguesa, permita-me V. Exa. que eu afirme que êsse jôgo de cambiais de exportação de modo nenhum desvaloriza a moeda; o que desvaloriza a moeda é a falta de equilíbrio da balança de pagamentos no estrangeiro, é a falta de compensação dos pagamentos que temos a efectuar no estrangeiro com aqueles pagamentos que há a efectuar cá dentro.

Portanto, não é propriamente a balança comercial que atrapalha a nossa gerência de fundos; a balança dos pagamentos em ouro é que é a nossa grande dificuldade.

Se estabelecermos uma balança de pagamentos em ouro deficitária com um orçamento também deficitário, aí temos os dois elementos máximos da desvalorização da moeda.

O fito, portanto, dêste Govêrno, como de qualquer outro que tenha a noção patriótica da sua missão, é equilibrar não só o Orçamento Geral do Estado mas ainda preparar a plataforma económica do País, de todos aqueles elementos que influem na balança de pagamentos no estrangeiro por forma a equilibrar também essa balança de pagamentos.

É justamente da aplicação dessa fórmula de conjunto que estabeleça á unidade económica de todo o País, tanto da metrópole como das suas colónias, que há-de resultar uma unidade financeira, que é essencial também, para que possamos estabelecer uma balança de pagamentos no estrangeiro baseada não só sôbre a praça de Lisboa mas baseada em toda a vida económica e financeira do povo português, que não se limita só a Lisboa, mas se estende às colónias, a uma das quais, como V. Exas. sabem, há muitos dias estamos à espera que cheguem os nossos heróicos aviadores que em sal-

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tos de centenas do quilómetros por dia vão caminhando nessa direcção.

É portanto, Sr. Presidente, à união financeira da metrópole com as colónias que devo ir buscar-se aquela plataforma de que deve sair o equilíbrio da balança de pagamentos no estrangeiro.

Sr. Presidente: não quero alongar mais as minhas considerações porque creio ter dito o suficiente para justificar a minha moção.

Só tenho agora a fazer um apoio a todos aqueles que dentro desta Câmara e lá fora têm a consciência do que o País atravessa um momento gravíssimo, de que é necessário fazer a união do todos os portugueses, de que é necessário reunir todas as boas vontades, do que é necessário apelar para o sentimento patriótico de todos por forma-a que o problema português, que é um só, se possa resolver depressa auxiliando a acção governativa tendente, ao equilíbrio das contas públicas o do qual há-de resultar forçosamente o equilíbrio da vida nacional.

Desde que êste ou qualquer outro Govêrno tenha inscrito no seu programa esta simples cousa, o equilíbrio das contas públicas, como base essencial do equilíbrio da vida nacional, o Parlamento Português e toda a Nação têm o dever imperioso de auxiliar essa obra. Assim o exigem os sagrados interêsses da Pátria e da República.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem. O orador não reviu. Leu-se e foi admitida a moção do Sr. Jaime de Sousa.

O Sr. Velhinho Correia: - Requeiro a V. Exa. que seja consultada a Câmara sôbre se permite que a comissão de finanças reúna amanhã durante a sessão às 16 horas.

Foi autorizado.

O Sr. Almeida Ribeiro: - Sr. Presidente: em obediência ao Regimento mando para a Mesa a minha moção o cuja primeira parte exprimo o reconhecimento dos intuitos levantados o patrióticos que inspiraram a lei que autorizou o empréstimo de 6 1/2 por cento.

Na verdade, todos os que entraram na

discussão dessa lei fizeram-no convencidos de que o conjunto de medidas que se encontravam na proposta produziriam os melhores benefícios para o nosso equilíbrio financeiro.

Efectivamente, o Sr. Vitorino Guimarães, ao tempo Ministro das Finanças, estava então convencido das vantagens da sua proposta e conseguiu que uma grande parte de uma o outra Câmara o acompanhassem nessa convicção, e todos se empenharam na propaganda do empréstimo, de modo que todos os que o subscreveram estavam convencidos de que, pelo modo como elo era lançado, daria os melhores frutos o que, acompanhado de outras medidas, concorreria para o nosso melhoramento financeiro.

Sr. Presidente: fez-se a colocação do uma grande parte do empréstimo e a restante parte das medidas preconizadas no respectivo relatório não se efectivou, por vários motivos atribuídos à vida política que então atravessávamos.

A verdade é que essas medidas não foram postas em prática e passados meses o próprio Sr. Vitorino Guimarães abandonava a pasta das Finanças, reconhecendo a necessidade e urgência de realizar tais medidas.

Êle afastou-se nessa ocasião com o seu modo de ver, isto é que êsse conjunto de medidas era indispensável para que o empréstimo pudesse produzir todos os benefícios que lhe atribuía.

Afastou-se, o os Ministros que se lhe seguiram não puderam também conseguir o restante das medidas que faltavam e eram indispensáveis para que o empréstimo produzisse o melhoramento financeiro que o País necessitava, chegando-se a uma situação a que se entendeu poder dar remédio publicando-se entre outros decretos, o relativo aos juros do empréstimo.

Sr. Presidente: eu não exagerei dizendo que a fé dos que votaram a proposta do Sr. Vitorino Guimarães era firme, quási ilimitada.

Em primeiro lugar, por essa proposta anunciava-se um empréstimo representado por títulos-ouro, e julgávamos, que esta expressão era por si só bastante para impor valor ao empréstimo, pela velha fé de que a palavra ouro é ainda padrão de um valor conhecido em toda a parte e em todos os trapos.

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Mas, embora o ouro de que se falava fôsse ouro-papel, em todo o caso a magia da palavra ora do molde a contribuir para o nosso crédito.

Ainda a proposta de lei mais tarde nos falava na prata de que o Estado era dono; dizia-se então que se poderia obter um valor apreciável desde que fôsse vendida. É certo que na lei se procurava aumentar ainda a circulação fiduciária, mas afirmava-se que seria medida transitória; seria uma medida destinada a obter recursos necessários de momento, mas que não se repetiria porque a melhoria que havia de conseguir-se com o empréstimo e outras medidas tornaria desnecessário o recurso a novas emissões. Tudo que se esperava, porém, falhou.

Nesta situação de falência da lei do empréstimo, não por efeito da própria lei, não por vício das medidas que ela continha, mas por falta de coadjuvação de outras medidas complementares, se encontrou o Govêrno actual, e o Sr. Ministro das Finanças entendeu que o melhoramento financeiro exigido pelo País teria de resultar essencialmente de dois factores fundamentais: a redução de despesas e o aumento das receitas. E, para se obter êsse aumento de receitas, o Govêrno estabelecia que todas as pequenas e grandes verbas deveriam ser eliminadas sempre que fôsse possível, ou reduzidas quando fôsse possível a sua redução.

Foi certamente em obediência a êste conceito que o Sr. Ministro das Finanças publicou o decreto n.° 9:416, não reduzindo, como se tem dito, mas propriamente fixando o juro dos títulos do empréstimo de 6,5 por cento. Não é uma redução, mas sim uma fixação conforme com as variações do câmbio.

Logo que o câmbio chegue à divisa em que estava à data da emissão do empréstimo, a lei passa a aplicar-se regularmente.

O Sr. Carvalho da Silva: — Nessa altura o Govêrno reserva-se para fixar novos juros.

O Orador: — Trata-se, repito, duma fixação e não duma redução. Nos termos em que essa fixação é feita, com base no câmbio médio da ocasião da comissão

do empréstimo, afigura-se-me ser tudo quanto há de mais legítimo.

O tomador do empréstimo não podia contar com outro câmbio que não fôsse o da data da emissão. Em geral o tomador do empréstimo foi a pessoa que procurava ajudar a sua Pátria, confiando que do empréstimo o outras medidas complementares resultaria a melhoria do câmbio. Êste tomador não contava com o agravamento cambial. Pelo menos a grande maioria dos tomadores não contava com o agravamento do câmbio.

Do resto, Sr. Presidente, há muitos meios em considerar o empréstimo; no em tanto, eu devo dizer que, a meu ver, a política seguida pelo Govêrno não é tam desesperada como se diz na bancada monárquica.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — Será essa a opinião de V. Exa.; o que eu, porém, lhe posso garantir é que desesperados hão-de estar os tomadores do empréstimo.

O Orador: — Não estou de acordo com V. Exa. Muita gente há que tem comprado os títulos já depois da fixação do juro.

Nesta altura trocam-se apartes entre ò orador e os Srs. Carvalho da Silva, Velhinho Correia e Morais Carvalho e que não foi possível reproduzir.

O Orador: — Embora um empréstimo interno tenha tomadores no estrangeiro, o Govêrno tem plena liberdade de acção para actuar como entender. E uma questão entre êle e os nacionais, com que a política internacional nada tem que ver. Por isso mesmo julgo injustificada qualquer intervenção nestas circunstâncias.

Estou convencido de que o decreto n.° 9:416 não é contra o que o Sr. Vitorino Guimarães, na sua plena liberdade, afirmou na sua proposta. Não é impedimento para que êle continue como homem de bem, que é, a merecer a nossa consideração, quando volte a ocupar o lugar de Ministro das Finanças, o que fará com aquele mesmo brilho com que o ocupou e com a mesma nítida compreensão dos interêsses do Estado.

O que tenho dito representa o sentir dêste lado da Câmara e os nossos votos

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são para que os esfôrços do Govêrno sejam coroados de melhor êxito e nesse sentido mando para a Mesa a minha moção.

Quanto ao meu voto pessoal, tenho a impressão de que a nossa política financeira vem já há anos desordenada e mal guiada, não se lhe procurando dar remédio.

Sr. Presidente: acho que o Estado anda mal, por melhor que sejam as suas intenções e propósitos, quanto à utilização e aproveitamento do ouro como economia do País.

Quanto a mim, a política que se tem seguido nesse, sentido, e de que o atual Govêrno não tem responsabilidade, não é boa.

Eu não confio na omnipotência, nem sequer na vulgar aptidão do Estado para o exercício desta função económica. Se quisesse procurar exemplos, encontrá-los-ia à farta na história económica dos últimos anos.

Ainda a propósito da última greve dos padeiros, o Govêrno propôs-se suprir as deficiências resultantes da referida greve, e nós tivemos a experiência bem desagradável de que o Estado não conseguiu fazer utilmente e a tempo a distribuição de pão a cêrca de 600:000 habitantes.

Se êle não conseguiu fazer isto que era insignificante, como poderá fazer a distribuição por todo o País do ouro que a economia nacional produz?

Êste é um modo de ver exclusivamente pessoal.

Um outro ponto para que desejo chamar a atenção da Câmara é para a minha discordância acerca da política seguida nos últimos três ou quatro anos, e que constitue a guerra aos valores ouro.

Esta guerra acentuou-se em 1922, pelo lançamento do imposto especial sôbre êsses valores, e já havia começado dois ou três anos antes, pela proibição de colocação de valores escudos, no estrangeiro.

Sr. Presidente: eu creio que, por muito que se pense em modificar a estrutura económica e financeira do uma sociedade, não há maneira de fazer com que valores meramente normais, sem realidade nenhuma, bastassem para satisfazer às suas necessidades.

O crédito, por si só, não basta; pode temporariamente servir para acudir às ne-

cessidades de ocasião, mas para continuar indefinidamente não basta.

É necessário que ao crédito corresponda um valor efectivo, sem o qual o crédito se afundará.

Estabelece-se discussão entre o orador e vários Srs. Deputados.

O Orador: — Tive sempre a impressão de que a riqueza do um País não resulta apenas dos valores metálicos, dos valores materiais que possui, mas, também, do seu crédito no estrangeiro.

Tem êste sido sem pré um grande elemento de riqueza na Inglaterra, por exemplo, e a França, se o não tivesse possuído, ter-se-ia visto numa situação bem difícil.

Finalmente, o Sr. Presidente do Ministério entende que a publicidade das contas do Banco emissor precisa de ter determinadas limitações.

Estou inteiramente de acordo com S. Exa. porque entendo que, efectivamente, se convém que qualquer particular não assoalhe as operações que realiza, o Estado precisa também defender-se.

Há porém, forma de tudo conciliar e, embora ressalvando-se essas cautelas que são indispensáveis, é necessário que à vida económica e financeira do Estudo s« dê a maior publicidade.

Pura isso são precisas estatísticas, é preciso publicar qualquer cousa, e eu já tive ocasião de aqui falar no assunto ao Sr. Presidente do Ministério, mostrando-lhe até uma publicação interessante feita há anos.

Em vez de irmos buscar exemplos a países, como o nosso, de moeda desvalorizada, devemos antes seguir o exemplo de outros em boa situação e em que há um sistema de publicidade perfeita.

Refiro-me, especialmente, à Inglaterra e, a propósito, devo dizer que já vi no Times do dia 1 de Abril de um dos últimos anos um extracto da conta das receitas e despesas referentes ao mês de Março, findo no dia anterior.

Com urna publicidade assim, compreende-se que haja civismo, que a população esclarecida se interêsse pelas cousas do Estado e as auxilie.

Tenho a convicção de que os esfôrços empregados pelo Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças hão-de

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dar bons resultados e dessa convicção compartilha êste lado da Câmara.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Vai passar-se ao período de autos de se encerrar a sessão, e tem a palavra o Sr. Carvalho da Silva.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: como V. Exa. sabe, há uns oito' dias que existe uma greve de transportes que está causando graves prejuízos à economia da cidade, greve motivada pelo lançamento de multas que são verdadeiramente exorbitantes, tendo-se, de facto, seguido o mesmo critério que se seguiu em matéria de impostos.

As reclamações são de toda a justiça, e assim necessário se torna que o Govêrno as atenda, como aliás já o deveria ter feito.

Desejava, pois, que o Sr. Presidente do Ministério me dissesse se está disposto a apreso atar imediatamente ao Parlamento qualquer providência destinada a revogar as monstruosidades criadas pela lei em vigor, e que tam grandes prejuízos está causando à economia da cidade.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: desnecessário se torna dizer à Câmara o estado em que se encontra a greve, visto ela ser do conhecimento de todos.

A greve deu-se em virtude das multas impostas, havendo uma grande parte de condutores de carroças e chauffeurs que estavam na disposição de retomar o trabalho, desde que fôsse modificada a lei votada pelo Parlamento.

Só uma parte dos proprietários de automóveis, gente de capitais, é que não acoitou essas condições e exigiu que se fizesse primeiro a revogação do diploma, porque só depois entraria ao serviço.

O Govêrno entendeu que não podia acertar essa fórmula, porque só satisfaria, por meio do Parlamento, o desejo dessa classe depois de ela retomar o trabalho.

De resto, o próprio Sr. Ministro do Interior reconheceu que a medida era dura de mais, porque, quando a lei foi votada, não se reparou que em 1919 se tinha elevado já o custo das multas; sendo certo, porém, que o Sr. Ministro do Interior, por uma interpretação muito lata da lei, tinha limitado o máximo das multas a 300$.

Antes de a greve ter rebentado foi declarado aos comissionados que o Sr. Ministro do Interior traria à Câmara uma proposta no sentido de ser revogada a lei, e portanto não tem desculpa a atitude que êles tomaram.

Contudo consta-me, embora não tenha informações exactas, que a greve está quási terminada, pelo menos pelo que se refere aos condutores de carroças, o que é o mais importante.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, às 14 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:

Antes da ordem do dia:

A de hoje, e no final o parecer n.º 440, que suprime o artigo 4.° da lei n.° 1:340, de 25 de Agosto de 1922.

Ordem do dia:

A de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Documentos mandados para a durante

Proposta de lei

Do Sr. Ministro das Finanças, aumentando de um primeiro fiel o quadro da Tesouraria da Junta do Crédito Público.

Para o «Diário do Govêrno».

Projecto de lei

Dos Sr. José Pedro Ferreira e António Correia, aplicando aos sargentos das diversas armas e especialidades a doutrina do § único do artigo 2.° da lei de 28 de Novembro de 1910.

Para o «Diário do Govêrno».

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Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, me seja fornecida nota do número de matrículas efectuadas no ano escolar corrente nas escolas industriais de Bragança, Vila Real de Trás-os-Montes e Chaves e bem assim da freqüência média das referidas escolas.

Em 6 de Maio de 1924. - Lopes Cardoso.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério do Trabalho, me sejam fornecidas cópias dos despachos ou portarias referentes à comissão das águas do Gerez especialmente à prorrogação da concessão e transferência da

mesma a outra empresa, inclusive cópia dos respectivos requerimentos e pareceres das repartições ou conselhos.

Em 6 de Maio de 1924.— Artur Brandão.

Expeça-se.

Pedido de licença

Do Sr. Prazeres da Costa, oito dias.

Concedido.

Para a comissão de infracções e faltas,

Substituição

Substituídos os Srs. Rêgo Chaves e Júlio de Abreu, pelos Srs. Amadeu de Vasconcelos e Vergílio Saque.

Para a Secretaria.

O REDACTOR — Avelino de Almeida.

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