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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 79

EM 8 DE MAIO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João Vitorino Mealha

Sumário.— A sessão é aberta com a presença de 41 Srs. Deputados.

É lida a acta e o expediente.

Antes da ordem do dia.— O Sr. Tavares de Carvalho deseja conhecer as condições em que findou a greve do pão.

Responde o Sr. Ministro da Agricultura (Joaquim Ribeiro), usando novamente da palavra para explicações o Sr. Tavares de Carvalho.

O Sr. Ministro do Trabalho (Lima Duque) apresenta uma proposta de lei para a qual pede urgência e dispensa do Regimento, que a Câmara concede, em prova e contraprova, requerida pelo Sr. João Camoesas.

É lida a proposta na Mesa.

Aprova-se na generalidade.

Usam da palavra os Srs. João Camoesas, Ministro do Trabalho e Velhinho Correia, tendo o Sr. João Camoesas apresentado um projecto de lei acerca da propriedade das emprêsas jornalísticas.

É aprovada a proposta do Sr. Ministro do Trabalho.

O Sr. Cancela de Abreu deseja tratar em negócio urgente do «raid» a Macau.

É rejeitado.

Ordem do dia.— Continua a interpelação do Sr. Vitorino Guimarães ao Sr. Ministro das Finanças, usando da palavra os Srs. Portugal Durão, Vasco Borges, Barras Queiroz, Velhinho Correia e Presidente do Ministério.

Antes de se encerrar a sessão.— Usam da palavra os Srs. Cancela de Abreu, David Rodrigues, Carvalho da Silva e Carlos Pereira, respondendo o Sr. Presidente do Ministério (Álvaro de Castro).

Seguidamente foi encerrada a sessão, marcando o Sr. Presidente a seguinte para o dia imediato com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 15 horas e 10 minutos.

Presentes 41 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.

Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Correia.

António Ginestal Machado.

António Pais da Silva Marques.

António Resende.

Artur Brandão.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.

Ernesto Carneiro Franco.

Francisco Cruz.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

Jaime Júlio de Sousa.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João José da Conceição Camoesas.

João Salema.

João Vitorino Mealha.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Joaquim Narciso da Silva Matos.

Joaquim Serafim de Barros.

José Carvalho dos Santos.

José Marques Loureiro.

José Mendes Nunes Loureiro.

José de Oliveira Salvador.

José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Manuel de Sousa dá Câmara.

Paulo Cancela de Abreu.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Tomás de Sousa Rosa.

Viriato Gomes da Fonseca.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abílio Marques Mourão.

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Lelo Portela.

Alberto de Moura Pinto.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Álvaro Xavier de Castro.

Amaro Garcia Loureiro.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Abranches Ferrão.

António Lino Neto.

António de Paiva Gomes.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Bernardo Ferreira de Matos.

Carlos Cândido Pereira.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Martins de Paiva.

David Augusto Rodrigues.

Delfim Costa.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Dinis de Carvalho.

Hermano José de Medeiros.

João José Luís Damas.

João de Ornelas da Silva.

João Pina de Morais Júnior.

Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.

Joaquim Brandão.

Joaquim Dinis da Fonseca.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Domingues dos Santos.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

Lourenço Correia Gomes.

Lúcio de Campos Martins.

Manuel Ferreira da Rocha.

Mariano Martins.

Mário de Magalhães Infante.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Pedro Góis Pita.

Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.

Sebastião de Herédia.

Tomé José de Barros Queiroz.

Vasco Borges.

Vergílio Saque.

Vitorino Henriques Godinho.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Afonso Augusto da Costa.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Xavier.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Américo da Silva Castro.

António Dias.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Maria da Silva.

António de Mendonça.

António Pinto de Meireles Barriga.

António de Sousa Maia.

António Vicente Ferreira.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Augusto Pereira Nobre.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Custódio Maldonado Freitas.

Delfim do Araújo Moreira Lopes.

Domingos Leite Pereira.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Feliz de Morais Barreira.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Manuel Homem Cristo.

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Sessão de 8 de Maio de 1924 3

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Germano José de Amorim.

Jaime Duarte Silva.

Jaime Pires Cansado.

João Baptista da Silva.

João Estêvão Águas.

João Luís Ricardo.

João Pereira Bastos.

João de Sousa Uva.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Jorge de Barros Capinha.

José António de Magalhães.

José Cortês dos Santos.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

José Pedro Ferreira.

Júlio Gonçalves.

Júlio Henrique de Abreu.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel Alegre.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Duarte.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel de Sousa Coutinho.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Rocha Felgueiras.

Maximino de Matos.

Nano Simões.

Paulo da Costa Menano.

Paulo Limpo de Lacerda.

Rodrigo José Rodrigues.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Valentim Guerra.

Ventura Malheiro Reimão.

Vergílio da Conceição Costa.

Às 14 horas principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 5 Srs. Deputados.

Não há número.

A segunda chamada far-se há às 15 horas.

Estão interrompidos os trabalhos.

Às 15 horas fez-se a segunda chamada.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 41 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte.

Expediente

Ofícios

Da Câmara Municipal de Rio Maior, pedindo modificação da lei n.° 123 e decreto n.° 9:131, sôbre estradas e turismo.

Para a Secretaria.

Do Sindicato Único dos Operários da Construção Civil de Silves, pedindo amnistia para os presos por delitos de ordem social.

Para a Secretaria.

Do juiz de Direito do 2.° Juízo de Investigação Criminal, pedindo indicação dos nomes completos e moradas dos Srs. Cunha Leal, Vasco Borges e Carvalho da Silva.

Para a Secretaria.

Telegrama

Dos sargentos do terceiro batalhão de infantaria n.° 17, pedindo justiça para a exposição de Hermínio Branco.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.

O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: peço a atenção do Sr. Ministro da Agricultura para as considerações que vou produzir.

Li nos jornais que tinha sido solucionada a greve dos padeiros, e ainda, que tinha havido transigências de parte a parte.

Nestas circunstâncias, desejava que o Sr. Ministro da Agricultura me informasse de quais tinham sido as transigências com a moagem, que afirma ter na mão o Govêrno e muitos políticos, tanto mais que, tendo eu há tempos pedido que fossem fiscalizados o peso e a qualidade do

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pão, o Mundo e o Rebate dizem hoje que os padeiros de ora avante podem vender o pão sem o pesarem.

Sr. Presidente: são várias as preguntas que tenho formulado, e, porque hoje se encontra presente o Sr. Ministro da Agricultura, desejava ser esclarecido sôbre algumas delas, como sejam, por exemplo, as que dizem respeito à constante elevação dos preços de todos os géneros e ao contrabando para Espanha.

Estou certo que o Sr. Ministro, que por mais duma vez tem demonstrado a sua energia, quer em defesa da República, quer nos campos de batalha, saberá também dar batalha aos assambarcadores e a todos êsses grandes potentados que representam estados dentro do Estado.

Sr. Presidente: eu não pretendo atacar o Sr. Ministro, tanto mais que a nossa antiga amizade é salvaguarda suficiente para que às minhas palavras não possa ser atribuído outro sentindo. Procuro, apenas, dar-lhe incentivo, se S. Exa. dele carecer, pois não pode continuar a constante subida, nos preços dos géneros, sem que sejam aplicadas as devidas sanções.

Eu creio que o Sr. Ministro da Agricultura vai envidar todos os esfôrços para que a moagem não possa contar com os políticos, como ela o afirma, e se eu conhecesse essas pessoas, não teria dúvida em as denunciar à execração do País.

Aproveito o ensejo de estar no uso da palavra para pedir ao Sr. Ministro do Trabalho, a fineza de me elucidar e à Câmara, sôbre o que se tem passado no Lazareto.

S. Exa. já ontem no Senado disse que havia roubos, que tinha sido retirado quási todo o mobiliário daquele estabelecimento, que era modelar, e que, para repor as cousas como elas primitivamente estavam, eram precisos muitos milhares de escudos.

Espero que, sejam tomadas as devidas providências, para ver se se acabam com os escândalos permanentes que não têm tido repressão alguma.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Agricultura (Joaquim Ribeiro): —Sr. Presidente: -nem sempre

tenho conseguido estar à abertura da sessão, para responder às preguntas diárias-que o ilustre Deputado Sr. Tavares de Carvalho costuma fazer ao Ministro da Agricultura.

O Sr. Tavares de Carvalho diz, creio-o bem, que não pretende de maneira nenhuma fazer um ataque ao Ministro, e que apenas procura, acima de tudo, marcar a sua situação política, e nisso só tenho que o louvar, porque mostra a sua competência como Deputado, e o desejo que tem de marcar o lugar a que tem jus, pelo seu valor pessoal e político.

Mas, Sr. Presidente, eu tenho a dizer a S. Exa. que, sendo um antigo Deputado, não tive assento nesta Câmara desde a revolução de Dezembro, até à presente legislatura, e foi durante êsse período que se publicaram leis que permitiram à moagem engordar de tal forma que chegou à situação em que hoje se encontra.

Não tenho, portanto, responsabilidade, nenhuma nessas leis, e antes pelo contrário fui eu quem acabou com o maior, abuso que a moagem usufruía e que era o a pão político.

Devo acrescentar ainda ao Sr. Tavares de Carvalho que era natural que tivesse lido o decreto que mandei para o Diário do Govêrno e que ontem veio publicado em todo os jornais, relativamente ao pêso do pão e à sua qualidade.

Pela leitura dêsse decreto S. Exa. poderá ver que mais do que nunca fica garantido o pêso do pão.

Qualquer pessoa poderá fiscalizar o pêso e apreender todo o pão, logo que ele não satisfaça aquilo que a lei exige.

Portanto a medida tomada há-de garantir a intenção que tive.

Quanto à exportação do gado para Espanha, tenho feito tudo quanto tenho podido, para obstar a êste mal.

Pelo estudo do assunto, cheguei à conclusão de que as rondas da guarda fiscal são o meio mais eficaz para impedir a passagem do gado.

Os manifestos não servem para nada.

A legislação sôbre a repressão do contrabando de gados na fronteira, alguma cousa tem feito.

Hoje passa menos gado para Espanha.

São as informações.

Sôbre a repressão de abusos na eleva-

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cão dos preços, alguma cousa se tem feito também, indo-se até à arbitrariedade de se fechar o estabelecimento, onde se comete o abuso de se venderem os produtos mais caros.

Compreende-se que de um momento para o outro, não é fácil modificar-se a situação, com os elementos que o Govêrno tem à sua disposição.

Entretanto o Govêrno alguma cousa tem feito no sentido de impedir o aumento do custo dos géneros.

O Sr. Tavares de Carvalho, deve reconhecer que certos géneros aparecem no mercado sem aumento, vendendo-se outros mais baratos, como sejam as hortaliças, devido às feiras livres da Praça do Brasil, Campolide, etc.

O Govêrno tomou as providências necessárias para garantir o abastecimento do açúcar, adquirindo um grande carregamento, de maneira a poder fornecer-se o açúcar em boas condições de preço.

O consumo dêste género tem aumentado a tal ponto, que anda por 4:000 toneladas a diferença para mais, no açúcar consumido actualmente.

Com respeito ao carvão devo dizer que neste momento, devido à preferência que têem os caminhos de ferro de transportar o trigo, não é grande a quantidade de carvão em Lisboa, embora não falte.

Espero dentro em pouco obter mais carvão.

Têm-se tomado as providências precisas para evitar que se venda carvão molhado, o que nesta época se não justifica, nem tenho a tal respeito recebido queixas.

O que há é pouco carvão, mas dentro em pouco haverá mais.

O orador não reviu.

O Sr. Tavares de Carvalho: — O Sr. Ministro da Agricultura estranha que eu só agora venha insistentemente tratar dos problemas de que me tenho ocupado.

Devo dizer que é muito difícil tratar no Parlamento do qualquer assunto.

Se combatemos os grandes colossos, imdiatamente se diz que é por que deles queremos receber.

O Sr. Ministro da Agricultura (Joaquim Ribeiro): — Quando combati a moagem, fui atacado por toda a gente.

Até por correligionários de V. Exa.

O Orador: — Não se atacam os grandes, colossos, devido ao receio que todos têm de ver o seu nome manchado.

Tenho um nome limpo, e quero continuar a andar de cabeça erguida.

Ainda hoje, um amigo me contou que havia sido chamado a um escritório da moagem, para receber um cheque em branco que êsse meu amigo repudiou.

Já correu o boato de que eu fora também chamado à moagem, para cobrar a importância que quisesse, a fim de me calar.

Não foi por isso que eu redobrei de violência, contra a moagem...

O Sr. Ministro da Agricultura (Joaquim Ribeiro): — Se isso sucedesse comigo, êsse indivíduo vinha comigo para o governo civil.

O Orador: — Eu não fui aos escritórios da moagem.

Se lá fôsse, não viria um indivíduo só comigo para o governo civil.

Ficaria alguém com a cabeça furada.

Como V. Exa. vê, seria um pouco mais forte.

Outro jornal diz que eu quero o lugar de comissário dos abastecimentos.

Todos sabem que eu nada quero e que me contento com o simples lugar de soldado do meu partido.

Neste país, em que quási tudo é lama, eu não quero fama sem proveito.

Agradeço as palavras do Sr. Ministro da Agricultura, e fico aguardando o novo processo de fiscalização.

Se der bom resultado, muito me felicitarei.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Trabalho e Previdência Social (Lima Duque): — Mando para a Mesa uma proposta de lei para transferência de verba e peço urgência e dispensa do Regimento.

Foi aprovado.

O Sr. João Camoesas: — Requeiro a contraprova.

Procedeu-se à contraprova e foi aprovado.

Leu-se a proposta e foi aprovada na generalidade.

Leu-se o artigo 1.°

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6 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. João Camoesas: — Pelo artigo 1.° desta proposta são anuladas as despesas que vêm consignadas nos artigos 22.° e 34.° do Orçamento.

Não compreendo como se propõe ao Parlamento a anulação destas verbas e muito menos compreendo que essa iniciativa parta de um médico.

Se amanhã houver uma epidemia não teremos elementos para a combater e acontecerá o mesmo que da pneumónica.

O Sr. Velhinho Correia: — O que é preciso é criar receitas para essas despesas.

O Orador: — Isso é com V. Exas., financeiros.

Nesta ordem de ideas eu sou de opinião que não deve merecer a aprovação da Câmara esta proposta.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Trabalho (Lima Duque): — Quando houver uma epidemia, então sé tomarão as providências necessárias, mas isso é uma cousa eventual, emquanto que o caso presente é da máxima urgência, pois se não se reforçar esta verba o vapor para o serviço de saúde não poderá sair por não ter carvão nem gasolina.

É absolutamente indispensável que se faça já a transferência da verba.

Apoiados.

Se a proposta não-for votada, os serviços ficam paralisados.

Se não fôsse assim, eu não iria requerer a urgência e dispensa do Regimento, a que sou contrário.

O orador não reviu.

O Sr. João Camoesas: — Pedi a palavra para simplesmente dizer ao Sr. Ministro do Trabalho que sou de opinião contrária.

Em todos os países se estão adoptando medidas para combater epidemias.

O Sr. Ministro do Trabalho (Lima Duque): — Em 1921, quando estive no Ministério, fui eu que apresentei medidas nesse sentido.

O Orador: — Se é preciso dinheiro para aquisição de gasolina para o serviço de visitas sanitárias aos barcos que chegam

ao Tejo, que se vá buscar o dinheiro necessário a qualquer lado, mas não se vá arrancá-lo a uma verba que é já de si inteiramente deficiente. Tanto mais que se pode muito bem ir buscar a verba precisa para essa aquisição à receita que deriva da actualização da contribuição devida por essas visitas.

Digam lá o que disserem os doutrinários e os homens de sciência: acima de todas as razões e de todos os princípios está a realidade do País e a realidade do País, neste capitulo, é a que eu sucintamente expus à Câmara. O Sr. Presidente: aproveito a ocasião de estar no uso da palavra para mandar para a Mesa um projecto a que não me refiro, desenvolvidamente porque mo não permite o Regimento desta Câmara, mas ao qual, em todo o caso, farei uma ligeira referência.

O projecto que mando para a.Mesa e para o qual requeiro urgência e dispensa do; Regimento, diz respeito...

O Sr. Presidente: — O Regimento não permite que V. Exa. se refira ao projecto que vai enviar para a Mesa...

Vozes: — Fale, fale.

O Orador: — Em face da manifestação da Câmara, que eu penhoradamente agradeço, vou apontar, em breves palavras, para não abusar da atenção que os meus colegas tiveram para comigo, os tópicos do meu projecto.

Ninguém ignora em Portugal que-os órgãos, ou melhor, alguns órgãos de grande informação foram adquiridos por sociedades de carácter económico que na economia nacional têm desempenhado um papel altamente comprometedor para o desenvolvimento da riqueza pública.

Apoiados.

Já tive ocasião de pronunciar nesta Câmara algumas palavras sôbre êste assunto.

Não apresentei, então, o projecto que agora submeto à apreciação de V. Exas., porque quis que fôsse a própria realidade e não uma simples presunção a justificá-lo e a impô-lo.

Efectivamente, com o caso passado há dias num dêsses grandes órgãos de informação, verifica-se que essas sociedades

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económicas mantêm os jornais em questão não para bem informar o público, ou, sequer, para a desassombrada defesa dos seus legítimos interêsses, mas sim para falsificar os factos consoante as suas conveniências, do que resulta quási sempre grande prejuízo para a economia nacional.

Apoiados.

Os únicos elementos que actualmente temos em Portugal para bem informar o País e criar a chamada opinião pública, não passam de máquinas de falsificação.

Muitos apoiados.

E por tal forma elas têm sido conduzidas que hoje todos vivemos enleados num ambiente moral absolutamente nefasto e dissolvente...

Estamos em frente de um facto que interessa a vida da Nação, ao funcionamento normal dos poderes públicos, que ataca nas próprias raízes a possibilidade da vida democrática em Portugal.

Não pretendo desapossar os proprietários das emprêsas jornalísticas dos elementos cuja posse lhes pertença. O que pretendo é, adoptando uma regra, pôr dentro dessas emprêsas um delegado, do Estado com o direito de fiscalizar a maneira como são constituídos os corpos redactoriais, de modo a que a sua função não seja a de meros delegados das emprêsas económicas para filtrarem todos os acontecimentos através dos interêsses dessas emprêsas.

Não quero abusar do favor excepcional da Câmara e mando para a Mesa o meu projecto de lei, para o qual pedirei urgência e dispensa do Regimento na devida altura, isto é, depois de votada a proposta que está em discussão.

Tenho dito.

O orador não reviu.

C Sr. Almeida Ribeiro: — Sr. Presidente: duas palavras apenas em resposta às considerações do Sr. João Camoesas. S. Exa. falou de realidades. Ora, eu devo dizer a S. Exa. que, infelizmente, a verdade é apenas esta: um orçamento desequilibrado de que resulta um déficit de mais de 400:000 contos por ano.

Há a ilusão de que as verbas orçamentadas, simplesmente porque estão incluídas no Orçamento, são fàcilmente realizáveis. Ora, não sucede assim, e, quanto a

mim, o Sr. Ministro do Trabalho procedeu muito bem. Necessitando de reforço para uma verba, só tinha dois caminhos a seguir: ou propor um crédito extraordinário ou fazer uma transferência de verba. Fez S. Exa. muito bem em adoptar êste último procedimento, visto que o regime de créditos extraordinários não pode seguir-se numa democracia bem administrada.

Nas considerações do Sr. João Camoesas há um outro ponto de vista que já não é da hora que atravessamos. É o de que os Ministros das Finanças são para arranjar dinheiro. Esta teoria fez o seu tempo e hoje há uma política financeira que tem de ser seguida a política da redução das despesas até o limite das receitas. A êste critério se deve subordinar a vida de um país bem governado.

Tenho dito.

O orador não reviu.

É aprovado o artigo 1.°

É lido na Mesa e aprovado sem discussão o artigo 2.°

O Sr. Pires Monteiro (pela comissão de finanças): — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o parecer sôbre o orçamento do Ministério do Trabalho, por mim relatado.

O Sr. Tavares de Carvalho (para um requerimento): — Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se dispensa a leitura da última redacção da proposta aprovada há pouco.

É dispensado.

O Sr. João Salema (para um requerimento): — Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que entre imediatamente em discussão o projecto n.° 617, para o qual já foi votada a urgência e dispensa do Regimento.

O Sr. Almeida Ribeiro (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: peço a V. Exa. o favor de me informar a que horas se passa à ordem do dia.

O Sr. Presidente: — Já se devia ter passado.

O Sr. Almeida Ribeiro (péla comissão de finanças): — Sr. Presidente: peço a

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V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se autoriza que a comissão de finanças reúna imediatamente.

É autorizado fim prova e contraprova requerida pelo Sr. Paulo Cancela de Abreu.

É aprovada a acta sem discussão.

Procede-se na Mesa a segundas leituras de vários projectos e propostas de lei.

São os seguintes:

Propostas de lei

Do Sr. Ministro das Finanças, aumentando de um primeiro fiel o quadro da tesouraria da Junta de Crédito Público.

Para a comissão de finanças.

Dos Srs. Ministros das Finanças e Interior, abrindo um crédito do 2:200:000$ a favor do Ministério do Interior para encargos resultantes da execução da lei n.° 1:436, de 31 de Maio de 1923.

Para a comissão de administração pública.

Dos mesmos, abrindo um crédito de 10.600$ a favor do Ministério do Interior para reforço da verba destinada a investigações e inquéritos.

Para a comissão de administração pública.

Dos mesmos, abrindo um crédito de 20.000$ para reforço da verba destinada a material e despesas diversas — Polícia Civil do Pôrto.

Para a comissão de administração pública.

Projectos de lei

Dos Srs. José Pedro Ferreira e António Correia, aplicando aos sargentos das diversas armas a doutrina do § único do artigo 2.° da lei de 28 de Novembro de 1910.

Para a comissão de guerra.

Do Sr. Abílio Marçal, autorizando a Junta da Freguesia da Póvoa do Rio de Moinhos, concelho de Castelo Branco, a alienar o prédio Malhada de Santa Águeda, aplicando o produto a designados melhoramentos.

Para a comissão de administração pública.

Do Sr. João Camoesas, sôbre licenças para estabelecimentos ou traspasse de casas de penhores.

Para a comissão de comércio e indústria.

O Sr. Presidente: — Comunico à Câmara o falecimento do sogro do Sr. Lopes Cardoso e proponho que na acta seja exarado um voto de sentimento.

É aprovado.

O Sr. Presidente: — O Sr. Paulo Cancela de Abreu deseja ocupar-se em negócio urgente do raid a Macau.

Os Srs. Deputados que aprovam fazem favor de se levantar.

É rejeitado.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.

Procedeu-se à contraprova.

O Sr. Presidente: — Estão de pé 51 Srs. Deputados e sentados 16.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Continua em discussão a interpelação do Sr. Vitorino Guimarães ao Sr. Ministro das Finanças.

É lida na Mesa e admitida a moção do Sr. Almeida Ribeiro.

É a seguinte:

Moção

A Câmara reconhece os patrióticos intuitos que determinaram a proposta e votação da lei n.° 1:424, de 15 de Maio de 1923; mas verificando, pelas declarações do Govêrno, que - êste considera o decreto n.° 9:416, de 11 de Fevereiro de 1924, elemento essencial do seu plano de melhoramentos económicos e financeiros do País, confia em que o mesmo Govêrno continuará a dedicar à prossecução e efectivação dêsse plano o mais cuidadoso estudo e vigilante actividade, e passa à ordem do dia. — O Deputado, A. de Almeida Ribeiro.

Admitida.

O Sr. Portugal Durão: — Sr. Presidente: não quero alongar-me nas considera-

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coes que teria de fazer, pois entendo que é absolutamente necessário que se liquide esta questão.

Falarei em meu nome pessoal, pois que em nome do meu Partido já falou o Sr. Almeida Ribeiro, e, antes do entrar no assunto e emquanto o Sr. Ministro das Finanças não está mal disposto com o que vou dizer, se bem que não me mova menos confiança na obra do Govêrno, mas apenas o desacordo em que estou com um dos seus actos, tenho a fazer a S. Exa. um pedido que certamente me deferirá.

Por Abarias vezes, quer no Parlamento, quer lá fora, e creio mesmo que em comunicações à imprensa, o Sr. Ministro das Finanças teve ocasião de salientar, a diferença entre os resultados das negociações emquanto fui Ministro das Finanças e os das negociações por S. Exa. feitas agora, fazendo notar que então nada se conseguia, quando agora se conseguiu um crédito de 2.000:000 libras.

Em primeiro lugar, se o actual Govêrno conseguiu de facto êsse crédito, terá de fazer justiça ao Govêrno de que fiz parte, porque êle promoveu a tranqüilidade no país e lançou as bases da nossa reconstituição financeira.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — V. Exa. dá-me licença?

Eu não deixei de pronunciar as devidas palavras de justiça, até precisamente em relação a V. Exa.

O Orador: — A situação interna e a situação internacional eram inteiramente diferentes do que são hoje. Quando os emissários que enviei a Londres ali chegaram, as relações com a Franca atingiam uma tal tensão que se chegou a recear a sua ruptura, e ao mesmo tempo declarava-se em Portugal uma greve revolucionária.

De resto, não faltavam ao homem que foi a Londres representar o Govêrno nem as altas qualidades dum velho republicano, nem categoria, porque foi Ministro de Estado, nem competência, nem a precisa representação para tratar destas questões em Londres.

A verdade á que eu, com as mesmas garantias que o Sr. Ministro das Finanças ofereceu, teria possivelmente obtido os mesmos resultados.

É isto o que eu digo, não querendo, no emtanto, com isto dirigir qualquer censura ao actual Sr. Ministro das Finanças, cujo patriotismo eu admiro, mas simplesmente justificar perante a Câmara um facto cuja responsabilidade me pertence, e bem assim as circunstâncias em que êle se deu.

Sr. Presidente: passando agora ao assunto para que pedi a palavra, devo dizer a V. Exa. e à Câmara que tenho visto, não porque tenha assistido às sessões, mas pelos relatos que têm vindo nos jornais pois a verdade é que o Sr. Ministro das Finanças tem procurado pôr-se em contacto com a opinião pública que S. Exa. está na disposição do procurar realizar a melhoria do escudo, a melhoria da nossa situação cambial.

Eu desejaria muito, Sr. Presidente, que sôbre êste ponto S. Exa. nos diga quais as ideas que tem.

Sr. Presidente: o que é um facto é que nós de há muito vivemos numa situação desgraçada, com a moeda depreciada, por isso que o Govêrno Português se tem visto na necessidade de emitir um número de notas superior ao que deveria ser o montante da nossa circulação fiduciária.

É preciso que isto se diga, tanto mais quanto é certo que é uma verdade que não pode de maneira nenhuma ser contestada.

É inútil, Sr. Presidente, lembrar à Câmara as condições em que foi aqui discutido o empréstimo de 6 1/2 por cento; porém, devo dizer que eu fui um dos que na comissão de finanças se pronunciaram contra êle, muito principalmente pela forma como êle devia ser lançado.

O que é certo é que todos aqueles que têm em Portugal os seus bens representados por títulos da dívida pública estão prejudicados em 97 por cento, e o que é também certo é que todas as emprêsas nacionais que têm valores representados por escudos tiveram uma depreciação de 80 por cento.

O Banco Ultramarino tinha as suas acções cotadas a 20 libras e hoje estão a 2 libras.

O accionista do Banco Ultramarino perdeu em cada acção 18 libras.

Nestas condições, era intuitivo que 9

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Ministro das Finanças de Portugal dissesse que o empréstimo devia ser bem encarado é que quem tivesse economias as devia empregar nesse empréstimo, cujo juro devia ser remunerador e com todas 03 garantias.

Foi êsse sempre o meu objectivo.

Não basta que a Câmara vote os orçamentos. Votado um orçamento com déficit é necessário cobrir êsse déficit.

Tendo todos nós entendido que não se devia aumentar a circulação fiduciária, o Si. Vitorino Guimarães foi lançar o empréstimo, que aliás não se tinha feito quando foi da guerra.

Êstes são os factos que têm de ser tratados com verdade e sem subterfúgios.

Ora, depois de fugirem para o estrangeiro todas as economias portuguesas, vemos os órfãos obrigados a converterem as suas fortunas em fundos portugueses, ficando reduzidos à miséria.

Não conheço ninguém que hoje tenha a sua fortuna em fundos portugueses que tenha uma vida desafogada, e vemos o que se passa nas misericórdias.

Quando cheguei ao Pôrto logo duas gentis senhoras me pediram dinheiro para os pobres do hospital, porque o Estado pagava os juros*dos seus títulos em moeda depreciada.

É esta, pois, a situação do País.

Àpartes.

Sr. Presidente: todos êstes exemplos não os devem esquecer os homens de Estado, porque êles são verdadeiros em toda a sua rudeza.

Quando se fez o empréstimo de 6 1/2 por cento, muita gente, encontrando nessa operação um juro superior, empregou o seu dinheiro na compra dos respectivos títulos, que inspiravam confiança.

Acreditava-se nas promessas feitas no Parlamento, que não deve faltar nunca aos seus compromissos.

Mas o que se fez foi o seguinte, que vou expor à Câmara.

Emitiu-se um título a pagar o juro em ouro, e quando o câmbio começa a descer já não se paga o juro que fora estipulado, e faz-se descer êsse juro.

Faz-se isso quando o Banco de Portugal vai receber mais dinheiro.

Apartes.

É uma situação que não se compreender e é um contrasenso.

Eu devo afirmar que não estou a defender os interêsses dos portadores do empréstimo, estou a defender o crédito do meu País.

Diz-se que se pensa organizar uma representação ao Govêrno agradecendo a medida tomada, e não sei se essa representação é dos próprios tomadores do empréstimo.

Nos tempos dos lutadores em Roma, os gladiadores diziam a César: Ave, César Morituri te salutant!

Hoje pode ser que também assim seja, que os subrescritores do empréstimo, agradeçam também.

Compreende-se que se exigisse êsse sacrifício àqueles que nos entregaram o seu dinheiro, fruto do seu trabalho e das suas economias e futuro de seus filhos, mas só depois de todos os funcionários públicos terem renunciado aos seus vencimentos e de todos os Deputados terem feito o mesmo.

Eu compreendo que se pedisse uma moratória; mas nunca que se tivesse feito a declaração da falência do Estado, da bancarrota.

E isto quando o Sr. Ministro do Trabalho ainda há pouco aqui apresentou uma proposta de lei, para a qual pediu a urgência e dispensa do Regimento, abrindo um reforço de verba para conserto do seu automóvel.

Sr. Presidente: pela lei n.° 1:545, foi o Govêrno autorizado a adoptar as providências necessárias para melhorar á situação cambial do País.

O factor da confiança é também e principalmente importantíssimo no problema da melhoria do câmbio.

Eu tenho aqui um título, do empréstimo interno, assinado pelo Estado que se obriga a pagar em determinada época uma certa quantia; e tenho aqui também uma nota do Banco à qual o Govêrno deu o sou aval.

Como é que, faltando ao compromisso, de juros aos possuidores dos títulos, eu valorizo a nota?

Evidentemente que o não posso fazer.

Permita-me a Câmara que lhe conte uma história.

Aqui há anos, antes da guerra, houve uma greve em Inglaterra, que o Ministro do Trabalho se recusou a resolver.

Um dia, numa das primeiras praças de

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Londres, um dos dirigentes dessa greve, tribuno de comícios, propôs aos 5:000 operários que o ouviam que ajoelhassem todos e pedissem a Deus que matasse instantaneamente o Ministro do Trabalho. Êsses 5:000 operários ajoelharam, fizeram a tal prece a Deus, mas o Ministro do Trabalho, em vez de morrer, ficou, com mais saúde ainda.

Estou convencido de que o desejo dos prestamistas do Estado, que aspiram pelo agravamento do câmbio, em nada influi nesse agravamento, porque a principal causa desta situação é o descrédito do Estado.

A economia que se faz na redução dos juros dos títulos há-de sair caríssima ao País.

Disse-nos o Sr. Presidente do Ministério que temos muito quem nos ofereça dinheiro.

Os negócios desta natureza são tanto mais interessantes, quanto mais precária é a situação do País com o qual são tratados.

Um negócio feito com a Nova Zelândia, com a África do Sul, ou com qualquer País de crédito consolidado é uma corretagem bancária de poucos lucros; mas êsse mesmo negócio realizado com um País como o nosso, de crédito avariado, representa um «negociarrão».

Nós fizemos a República para emendar os erros passados e para não continuarmos a correr ao desgraçado processo da bancarrota.

Sr. Presidente: eu sou daqueles que crêem que sem a consolidação do nosso crédito não há política financeira possível.

Eu desejava muito particularmente, pela muita consideração que tenho pelo Sr. Ministro das Finanças e porque vejo que S. Exa. está com uma dedicação absoluta procurando melhorar a nossa situação financeira, que S. Exa. nos dissesse o seu plano.

Quando S. Exa. não tiver recursos de Tesouraria e se vir na contingência de recorrer ao crédito em Londres, o que pensa fazer? Vai recorrer à circulação fiduciária?

Isso seria a ruína completa do País.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): —

Nós temos dentro do País os meios para assegurarmos as receitas necessárias.

Sou absolutamente contrário aos empréstimos internos e externos.

O Orador: — O crédito aberto em Londres é de dois milhões de libras, que representam ao câmbio actual 300:000 contos.

Quando se esgotarem êsses 300:000 contos, o que se faz?

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Suponho ser êsse o prazo de tempo suficiente para que o Parlamento vote as receitas necessárias para o Estado fazer face às despesas.

O Orador: — Quere dizer que ávida financeira do Estado mais ou menos depende das receitas.

O Govêrno não teve outros recursos senão levantar dinheiro sôbre a prata que estava no Banco.

Mas qual é a situação financeira do País?

Quero pôr esta questão clara e lealmente para que V. Exa. se explique perante o País.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — O que digo é que o crédito do Estado é completo.

O Orador: — Folgo imenso em ouvir dizer a V. Exa. que o crédito é completo.

Mas, repito, um país que deixe de pagar juros dum empréstimo arruinou o seu crédito.

Demais cansei a atenção da Câmara com êste assunto. Por um dever imposto à minha consciência e pelo lugar que ocupo nesta casa do Parlamento, entendi de minha obrigação dizer, á Câmara o que disse.

É possível que não tenha empregado todos os argumentos que devia para convencer a Câmara, mas êste é o meu critério. Aprovei o empréstimo, e V. Exa. também o aprovou.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): —Aprovei-o integralmente.

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O Orador: — Lembro-me de que a questão foi morosamente discutida. Lembro-me de que quando aqui foi votado, o nosso colega Sr. Nunes Loureiro disse: «Aprovo com a consciência do que aprovei».

Pois bem; se amanhã se pedir um empréstimo ao país quero aprová-lo com a consciência do que aprovo.

O orador não reviu.

O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: cumprindo as disposições regimentais, mando para a Mesa a minha moção de ordem:

Moção

A Câmara, reconhecendo os patrióticos intuitos que determinaram a publicação do decreto n.° 9:416, de 11 de Fevereiro, e continuando a confiar na acção patriótica do Govêrno, resolve aguardar a discussão do projecto de lei do Sr. Vitorino Guimarães, e passa à ordem do dia.

Câmara dos Deputados, 8 de Maio de 1924.— O Deputado, Vasco Borges.

Não há dúvida de que todos os Govêrnos têm feito esfôrços para remediar a situação financeira e cambial.

Todos reconhecemos o esfôrço e o intuito patriótico do Sr. Álvaro de Castro, a quem fazemos toda a justiça. Certo é, porém, que esta medida de S. Exa. por ser isolada, é chocante.

O Govêrno veio dizer ao Parlamento que tem outras medidas, mas até agora só temos a singularidade dêste decreto em discussão, se bem que o Govêrno outras medidas poderia publicar sem a cooperação do Parlamento.

Isto faz com que cada vez haja mais desconfiança nos espíritos.

Sr. Presidente: para terminar, faço votos, de harmonia com o texto da minha
moção, para que no mais curto prazo de tempo possível se verifique se o decreto
deve ou não ser mantido.

Essa seria a altura era que o Parlamento, com conhecimento perfeito do causa, podia, emitir a sua opinião. Sr. Presidente: as considerações que fiz são, pois, no sentido de saber se o Govêrno realiza totalmente o seu programa de modo a que esta medida de 11 de Fevereiro perca o aspecto desagradável que possui, e então nos possamos pronunciar definitivamente sôbre a questão.

Sr. Presidente: é neste sentido a moção que mandei para a Mesa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi admitida a moção apresentada pelo Sr. Vasco Borges.

O Sr. Barros Queiroz: — Sr. Presidente: está já largamente discutido o assunto da interpelação do Sr. Vitorino Guimarães.

Eu já tive ocasião de dizer à Câmara o que reputava essencial dizer, e não tornaria a falar se um dever de cortesia mo não obrigasse a agradecer ao Sr. Presidente do Ministério a gentileza que teve respondendo-me imediatamente, e se as palavras de S. Exa. não me forçassem a acrescentar mais alguma cousa ao que já havia dito.

Sr. Presidente: fiz ao Govêrno a que preside o Sr. Álvaro de Castro as acusações merecidas pelos erros praticados na pasta das Finanças, e das minhas palavras, que só tinham o grande desejo de que fossem corrigidos erros cometidos, resultou que o Sr. Presidente do Ministério se irritou por tal forma que se esqueceu de responder a parto dos meus argumentos, e veio fazer-me acusações descabidas e que nada tinham com esta discussão.

Assim, o Sr. Presidente do Ministério disse que quando eu tinha ocupado a pasta das Finanças não tinha pôsto em prática aquelas medidas que aconselhava aos
outros.

Foi profundamente injusto o Sr. Presidente e Ministério, pois sabe S. Exa. muito bem, que eu trouxe ao Parlamento as medidas para resolver o problema, mas que não consegui a sua aprovação.

O Sr. Presidente do Ministério nesse dia estava muito injusto.

Disse mais que eu tinha desprezado e separado os homens republicanos.

A isso oponho o mais formal desmentido, pois tenho feito sempre o contrário.

Sempre e em todas as circunstâncias, eu tenho empregado os maiores sacrifícios nesse sentido.

O Sr. Álvaro de Castro, continuando nas suas injustiças, disse que eu até tinha praticado violências num acto eleitoral.

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Estranho que o Sr. Álvaro de Castro, a três anos de distância, me venha acusar de um acto, em que só posso ter responsabilidade moral, pois outra não posso ter nesses acontecimentos.

Estranho o procedimento do Sr. Álvaro de Castro.

Estranho que seja o Sr. Álvaro de Castro quem venha fazer uma tal acusação, quando no meu Govêrno e contra a opinião dos meus correligionários, foram nomeados correligionários de S. Exa. Poderia ouvir reparos e censuras de alguém; do Sr. Álvaro de Castro, nunca, com Justiça.

É precisa muita serenidade, Sr. Álvaro de Castro!

Pelo menos tanta como a que eu costumo usar, porque nunca insulto, nunca vexo e apenas me limito a exprimir com inteira sinceridade o meu pensamento.

Feitas estas ligeiras, mas indispensáveis observações, eu sou forçado a constatar que todas as acusações que eu fiz ao Sr. Ministro das Finanças, de adoptar processos de energia aparente contra determinadas entidades, para depois se transformar em dócil cordeirinho, ficam inteiramente de pé.

Senão veja-se que às acusações que lhe dirigi quanto ao convénio com o Banco de Portugal, o Sr. Ministro das Finanças nada respondeu, nem sequer a elas aludiu.

Sr. Presidente: hoje, como há uma semana, eu penso que o acto praticado pelo Sr. Ministro das Finanças, reduzindo o juro do empréstimo de 1923, foi um acto não só contrário aos legítimos interêsses de quem confiou os seus dinheiros ao Estado — O que já é importante — mas, ainda e sobretudo, altamente prejudicial aos interêsses do próprio Estado, pelo enfraquecimento do seu crédito, pela desconfiança que sôbre êle acarreta, de mais a mais num período em que o crédito e a confiança são — como muito bem disse o ilustre Deputado Sr. Portugal Durão — os principais factores da nossa regeneração financeira.

A razão determinante da grande especulação cambial desenvolvida entre nós deve atribuir-se, em grande parte, à falta de confiança que todos os portugueses têm no Estado e nos seus Governos.

Sr. Presidente: criou-se entre muitas pessoas do nosso país um equívoco que é preciso desfazer.

Afirma-se constantemente, mas sem nenhuma prova, que a baixa da nossa moeda resulta exclusivamente do desequilíbrio da nossa balança económica.

É uma afirmação, como muitas outras, absolutamente gratuita. Há cêrca de trinta anos que o Estado português não contrai empréstimos no estrangeiro.

Há cêrca de oito anos que as casas de crédito, portuguesas, vêem restringidos, os seus créditos no exterior, e que o nosso comércio importador vê igualmente apertados os seus créditos

Isto indica que as dívidas dos portugueses, incluindo o Estado, são hoje menores do que eram antes da guerra, e mesmo do que eram há vinte ou trinta anos.

As importações têm-se feito regularmente e consoante as necessidades do país, os portugueses com dinheiro vão passar para o estrangeiro, satisfazem-se todos os encargos do exterior e não faltaram até hoje os recursos cambiais para tudo isso.

A balança económica do meu país está pois equilibrada.

A única determinante do esgotamento de todos os saldos positivos da nossa balança económica é a desconfiança.

Sr. Presidente: pode o Sr. Ministro das Finanças estar convencido de que o . acto que praticou sôbre o empréstimo de 1923 nenhum prejuízo causa ao País, porque êle tem um indicador na cotação dos títulos, que não desceu abaixo do preço que tinha antes da redução dos juros. Mas êsse indicador é absolutamente insignificante, nada traduz, porque S. Exa. e a Câmara sabem muito bem como só fazem cotações na Bolsa de Lisboa, porque se fazem quando se fazem.

Êsses títulos são cotados a um preço ainda hoje ínfimo, porque não inspiram confiança, porque desde há muito se vinha dizendo que uma redução seria imposta do seu juro.

Parte do empréstimo não foi colocado.

Mas quem desejasse os respectivos títulos encontrava sempre quem os fôsse buscar ao Ministério das Finanças a 450$, o que impedia que a sua cotação fôsse maior.

Com o Ministério do Sr. Álvaro de Castro praticou-se êrro mais grave, por-

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,que se autorizou a Direcção Geral da Fazenda Pública a vender títulos pela cotação da Bolsa de Lisboa. Quem pretendia títulos vendia-os na Bolsa, fazia-os descer e depois comprava-os a um preço mais favorável.

O Sr. Ministro das Finanças deu ordem para não só venderem mais títulos nessas condições e êles voltaram então para 4505.

Quando há dias eu apelava para que nesta Câmara os republicanos se entendessem no sentido de formularem um plano salvador, não pretendia milagres, mas apenas uma boa orientação em matéria financeira.

O País não pode, não deve estar à mercê das opiniões individuais seja de quem fôr.

Um dos problemas mais graves é precisamente o que temos presente.

Qual é a orientação do Estado Português quanto à depreciação da moeda?

Êste problema que parece duma simplicidade máxima é da máxima gravidade e pede uma solução adequada e imediata.

Veja a Câmara os números que apresentou o Sr. Portugal. Durão para reconhecer que uma valorização rápida e considerável do escudo provocaria as mais graves conseqüências.

Hoje o meu País vale em todas as suas manifestações de riqueza 3 a 4 milhões de contos, ouro. Amanhã, valorizado o escudo sem previamente se ter tomado qualquer medida, encontrar-nos-íamos em sérios embaraços.

Temos, portanto, de tomar medidas tendentes a impedir que o facto se dê e essas medidas podem ser de vária natureza, comtanto que sejam algumas. Se se conseguisse a valorização do escudo ate um certo limite, entrando com os valores ouro, representativos da conservação ao câmbio do dia dêsses escudos, nos cofres do Tesouro, a circulação fiduciária, — à cotação de hoje — seria apenas de 45.000 contos.

Há, evidentemente, muito que considerar, muito que realizar e muito que resolver; mas o que o regime não pode é estar à mercê do Sr. Álvaro de Castro, que pensa que o escudo deve ser valorizado até o par, e do Sr. Portugal Durão que entende quê o País não deve sofrer as conseqüências da valorização da moeda.

Em minha opinião pessoal, eu entendo que devemos ver se conseguimos a estabilização, porque sem ela nada se pode fazer.

Como se vê, os homens da República têm cada um a sua opinião diversa. Não existe uma política financeira dos partidos mas sim uma política-financeira dos Homens.

É necessário, já que os partidos não conseguem, dentro de cada um deles, estabelecer uma política financeira própria, ao menos que os homens que têm responsabilidades públicas e que, pelos estudos especiais, podem intervir neste assunto, se entendam para a realização dum p]ano comum.

Como é, efectivamente, que o regime pode viver ao «Deus dará» num assunto desta magnitude ?

Não apelo neste momento para os entendimentos políticos da Câmara. Sou muito menos político do que àquilo que muita gente pensa. É para os sentimentos patrióticos nos pontos de vista que podem ser comuns a todos os homens da Repú-blica, digo mais, a todos os homens de Portugal.

Em assuntos desta natureza não posso nunca distinguir entre um republicano e um monárquico, se êsse monárquico é patriota e quere ao seu país como eu quero, porque diante dos sagrados interêsses da Pátria não há credos políticos que possam impedir que os homens realizem a obra precisa, a obra que é necessária.

Sr. Presidente: ainda com uma insistência que é um rebate do coração diante dêsse decreto de 11 de Fevereiro eu tenho a esperança de que a Câmara pondere o que de grave existe nesse decreto que determinou e autorizou o primeiro empréstimo da República, porque, pela votação que o Parlamento fizer sôbre a proposta do Sr. Vitorino Guimarães ou sôbre qualquer moção que afirme princípios, a Câmara terá determinado ou a impossibilidade absoluta de realização de qualquer novo empréstimo no País ou o estabelecimento do crédito e a afirmação de que mesmo diante de situações difíceis, que mesmo diante de considerações pessoais, a Câmara sabe pôr os interêsses do País, os interêsses do regime e os interêsses da honra nacional acima de todas essas considerações.

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Eu tenho ainda a esperança de que os meus colegas dêste casa do Parlamento se não deixem sugestionar pela situação política o não sancionem -essa obra do Sr. Ministro das Finanças, que é uma obra nefasta pelas suas conseqüências, impedindo a realização de quaisquer operações de crédito durante muitos anos no País e abalando profundamente o crédito dopais, porque, não se esqueçam V. Exas., que os homens que estudam as questões financeiras lá fora sabem tam bem como nós aquilo que aqui dentro se passa em relação às finanças públicas.

Comenta-se, e não pode deixar de comentar-se, o acto do Sr. Ministro das Finanças por todos aqueles homens que estão ligados ou podem estar ligados a negócios com o nosso País ou com outros de igual fôrça.

O nosso Pais tem, infelizmente, para nós, uma tradição de baucarroteiro.

Um livro de Leroy Beaulieu pelo qual certamente o Sr. Álvaro de Castro estudou na cadeira de direito...

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Nesse tempo já era velho.

O Orador: — Mas ainda hoje vale a pena ler.

Pois êsse autor, aliás amigo de Portugal, e eu tive ocasião de mais de uma vez verificar que em situações que estavam em jôgo interêsses franceses e portugueses êle só pronunciou pelos portugueses, pois esse homem, no seu Tratado de Finanças apresenta-nos como protótipo de bancarroteiros.

Interrupção do Sr. Carvalho da Silva que não se ouviu.

O Orador: — Não posso dizer qual a edição em que li isto; é uma edição, que tenho há já alguns anos e que é com certeza anterior a 1911.

Mas não me admira que o Sr. Leroy Beaulieu considerasse Portugal como país bancarroteiro, porque infelizmente a monarquia constitucional foi tantas vezes bancarroteira que dou direito àquele autor, como a outros, para o considerar assim.

Se eu leio com vergonha essa classificação com respeito a actos praticados

por um regime em que não tive responsabilidade, eu fico vexado se amanhã qualquer outro autor vier apontar a República como a continuadora da obra da monarquia.

O Sr. Carvalho da Silva: — Descanse V. Exa. que ninguém a apresenta.

A República tem-se conservado em bancarrota permanente desde que nasceu até agora.

O Orador: — O regime constitucional monárquico faliu muitas vezes; fez várias tranquibérnias até 1842. Fez a sua conversão em 1842 prometendo pagar 30 por cento no primeiro período de 4 anos e aumentar um por cento em cada outro período do 4 anos, até que em 1862 devia pagar integralmente G por cento de juro, o País em 1852 quando ainda estava no segundo período de pagamento de juros, quere dizer, nos 4 por cento fazia uma nova conversão, que confesso, por amor à verdade o à justiça, foi uma conversão inteligente. Por ela reduziu os juros de todos os títulos de dívida a 3 por cento, quere dizer, que todas aquelas pessoas que tinham aceito a conversão se viram forçadas a receber apenas 3 por cento.

É daí dessa conversão de 1852 que data a criação do cupão da dívida interna consolidada de 3 por cento. Foi ainda a monarquia, num período crítico, que procedeu um pouco à moda do Sr. Álvaro de Castro reduzindo 30 por cento no juro dêsses títulos.

O Sr. Carvalho da Silva: — Mas quanto tempo depois da emissão?

O Orador: — Havia só apenas uma diferença, é que se estava em 1892 e a conversão dêsses títulos era de 1802, tinham passado por conseqüência 40 anos sôbre a sua criação, não era apenas alguns meses, como sucedeu com o empréstimo de 6,5 por cento.

Mas, Sr. Presidente, devo dizer em abono da verdade que acho verdadeiramente estranhável a coragem de alguns parlamentares, muito principalmente os monárquicos, de virem para aqui atacar o Sr. Álvaro de Castro, quando o facto que deviam confessar previamente de que ro-

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legavam o procedimento de seus pais e avós, que fizeram com que o País merecesse essa epíteto de bancarroteiro.

O que é um facto, Sr. Presidente, é que o País praticou um grande êrro inicial, do qual deriva toda a nossa grave situação financeira.

Refiro-me, Sr. Presidente, à errada política financeira da guerra, pois a verdade é que é devido a ela que se deve exclusivamente a situação em que nos encontramos, por se não ter encarado o problema como êle devia ser encarado.

A essa política se deve, Sr. Presidente, e muito, o alargamento da circulação fiduciária, isto é, à situação desgraçadíssima em que nos encontramos, e que nos poderá levar a conseqüências que eu temo a é de as dizer.

Quando um País, Sr. Presidente, como o nosso, vai sentindo dia a dia que as despesas se agravam, não por desperdício, não por alargamento das suas despesas; mas pela depreciação do valor da sua moeda, só tem uma maneira de impedir a sua ruína completa, é empregando todos os sacrifícios, e impedindo por todas as formas que se tenha de recorrer mais ao alargamento da circulação fiduciária, como se tem feito até hoje, pois, a verdade é que todas as vezes que ela tem sido alargada a vida encarece, os salários aumentam, aumentando igualmente as despesas do Estado.

Torna-se, Sr. Presidente, necessário saír dêste círculo vicioso, pois a verdade é que amanhã se o Sr. Presidente do Ministério, esgotados todos os recursos, não tiver ainda equilibrado o seu Orçamento, êle ou quem lá estiver será forçado a vir pedir mais notas porque empréstimo não poderá fazer mais nenhum e sendo assim nós marchamos, não já aos escalões de dez, de vinte, de trinta mil contos sôbre o anterior, mas em escalões de duzentos, de trezentos, de quatrocentos mil contos por ano.

O restante é o abismo, é o caminho da Áustria, é o caminho da Alemanha.

A propósito vem também dizer que o Sr. Presidente do Ministério afirmou aqui em resposta ,às minhas considerações que não tem medo do alargamento da situação fiduciária, quando essas notas forem pedidas para acudir às necessidades da economia nacional porque então, diz

S. Exa., não influía de modo nenhum no poder de aquisição da moeda nacional.

Está em perfeito equívoco o Sr. Álvaro de Castro.

Qualquer que seja a razão por que o meio circulante tenha aumentado, quer êsse meio circulante seja prata ou ouro, o facto do seu aumento, além das necessidades normais da economia nacional, determinará uma imediata depreciação.

Disse o Sr. Presidente do Ministério que a permissão que tinha dado ao Banco de Portugal de emitir notas como representação de ouro não viria de modo nenhum afectar o poder de aquisição da moeda, do meio circulante, porque êsses 40:000 contos eram dados ao Banco de Portugal para a vida económica do país, não para o Estado.

Eu quero afirmar que S. Exa. está equivocado, porque, quer essas notas sejam entregues pelo Banco de Portugal ao comércio, quer sejam entregues à indústria ou ao Estado, vão influir no poder de aquisição da moeda, do mesmo modo, nem sequer ao menos é inteiramente verdade que êsses 30 ou 40:000 contos de notas, tenham ido servir as dificuldades da economia do comércio e da indústria.

Infelizmente nem isso é verdade.

Poucas foram as notas que dêsses 40:000 contos puderam ser cedidas pelo Banco de Portugal à vida comercial e industrial.

16:000 contos foram convertidos pelo Banco em títulos da dívida externa, nos termos da lei de Setembro de 1915, e fez muito bem o Banco em constituir essa reserva que já devia estar feita há muito tempo; 20:000 contos foram cedidos em suprimentos ao Ministério das Finanças.

A propósito e com desagrado meu, o Sr. Álvaro de Castro, quando me referi-a factos que eu conhecia terem-se passado no Banco de Portugal, disse por duas vezes que eu conhecia muito de perto o que ali se passava, querendo de algum modo insinuar que alguém dêsse Banco me informava, ou querendo insinuar que eu tinha ligações com o Banco de Portugal.

Afirmo â Câmara, para que o Sr. Álvaro de Castro ouça, que não tenho nenhuma espécie de ligação com o Banco de Portugal, nem com qualquer outro Banco do meu país.

Sou negociante há trinta e tantos anos, e não tenho nem uma letra descontada

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em qualquer Banco; nem depósito tenho em qualquer Banco do meu país.

Os meus depósitos como comerciante estão na Caixa Económica Portuguesa.

Nunca quis nem quero relações comerciais com qualquer Banco do meu país.

Tenho sido solicitado, permita-se-me a vaidade de o dizer, para director de algumas casas bancárias, e nomeadamente para director do Banco de Portugal, para onde fui convidado oficialmente.

Não sou rico, trabalho para viver; mas recusei sempre a minha colaboração a qualquer dêsses estabelecimentos.

Não tinha necessidade de fazer estas declarações, mas a insinuação do Sr. Presidente do Ministério tornava-as necessária.

Dentro do Banco de Portugal está como governador um dos meus velhos e queridos amigos, que à República deu o melhor do seu esfôrço, oferecendo a sua vida e a de sua família, porque da casa dele saíram revolucionários.

Garanto sob a minha palavra de honra que não foi êsse homem quem me deu as informações a que aludi, porque não precisava das informações do Sr. Inocêncio Camacho.

Quem conhece a praça de Lisboa e os homens que se interessam pelos negócios do país não precisa de ir procurar os secretários de Estado, nem os Ministros das Finanças, para saber o que se passa.

Para quem conheça mais ou menos o funcionalismo do Estado, não era difícil concluir nitidamente o que se estava fazendo.

O Sr. Presidente do Ministério, esqueceu-se de que os assuntos tratados no Conselho do Banco têm. a assistência de dezoito pessoas, que êsses assuntos passam pela secretaria, que depois são divididos pelas repartições, e assim acontece muitas vezes que essas cousas sabem:se cá fora primeiro que o Ministro das Finanças tome delas conhecimento.

Assim, vem alguém e diz: o Govêrno tem de pagar tanto é não tem senão tanto, pelo que é obrigado a ir ao mercado.

Quem tem cambiais, espera que o Govêrno as venha comprar.

O Govêrno está vendendo libras, logo os homens que têm as goelas muito abertas procuram adquiri-las, pelo modo que puderem, de maneira a esperarem uma alta qualquer.

Ainda as operações não estão inteiramente realizadas, e já cá fora se sabe as condições dessa operação, etc., etc.

Nestas circunstâncias, o Sr. Presidente do Ministério não poderá supor que o governador do Banco de Portugal me tivesse dado quaisquer informações.

Há um assunto a que aludiu o Sr. Velhinho Correia que pode ter graves conseqüências.

S. Exa. afirmou terminantemente que a lei de 1918 relativa ao contrato com o Banco de Portugal permitia ao Estado emitir notas de representação ouro.

Já na véspera ou antevéspera da queda do Sr. António Maria da Silva tive ocasião de dizer aqui que tal interpretação não cabia nesse contrato, e vou dizer porquê.

Pelo contrato de 29 de Julho de 1887, fundado na lei que instituiu o regime bancário, o Banco de Portugal é autorizado a emitir uma certa quantidade de notas e no § 2.° do artigo 14.° diz-se que pode, porém, o Banco emitir notas além daquelas que forem autorizadas no seu contrato desde que tenha ouro nos seus cofres além da reserva que deve ter.

Em 1917 o Sr. Afonso Costa, autorizando o alargamento da circulação fiduciária, entendeu que devia valorizar as reservas dessa circulação e determinou que as 72:718 obrigações que pertenciam ao Estudo, das companhias dos caminhos de ferro, as chamadas 72:000 virgens, fossem entregues ao Banco para garantirem as responsabilidades do Estado.

Em 15 de Setembro de 1910, por lei do Sr. Vitorino Guimarães foi constituído um fundo de amortização e reserva para que com o valor-ouro determinado constituir um fundo que serviria de garantia das responsabilidades do Estado.

Na mesma orientação o contrato de 1918, da autoria do Sr. Santos Viegas, determinou o princípio de que o Banco mantinha a mesma reserva em ouro.

Estabeleceu-se pela alínea i) da base 2.ª uma reserva, fundo-ouro. Mas êsse fundo-ouro é uma garantia aparente.

Isto era estabelecido por êste contrato e não por outro.

Nesta altura travam-se apartes entre a orador e o Sr. Velhinho Correia, que não foi possível reproduzir.

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O Orador: — Foi assim que sempre se entendeu, e até hoje ninguém, absolutamente ninguém, se atreveu a dar-lhe outra interpretação.

Era esta, Sr. Presidente, a situação em que se encontrava o Banco, e foi esta a razão por que o Sr. Vitorino Guimarães, nos fins do ano de 1922, vendo a necessidade que havia de o Banco apresentar o seu balanço no fim ao ano, se convenceu de que era preciso arranjar uma fórmula, se bem que transitória, tendente a legalizar essa situação, e daí a razão porque se redigiu a convenção de 29 de Dezembro de 1922.

Foi esta, Sr. Presidente, a providência adoptada pelo Sr. Vitorino Guimarães.

Interrupção do Sr. Vitorino Guimarães, que não se ouviu.

O Orador: — S. Exa. não teve outro processo urgente para resolver êsse conflito senão recorrendo à convenção de carácter transitório, a que acabo de me referir, tendo eu nessa ocasião declarado muito francamente a S. Exa. que não poderia deixar de considerar o acto ilegal.

Lembro-me muito bem, Sr. Presidente, quando aqui se discutiu o decreto n.° 1:424, relativamente ao empréstimo e ao alargamento da circulação fiduciária, que fui eu que insisti sôbre o assunto, tendo sido até o autor de uma proposta para que o Parlamento tornasse legal aquilo que eu, em minha opinião, considero ilegal.

Posteriormente o Sr. Vitorino Guimarães obteve autorização para converter a prata em ouro.

Foi o Sr. Cunha Leal que se considerou impossibilitado de fazer representar êsse ouro por notas sem uma lei especial e foi assim que o Parlamento votou a lei em que autoriza que aqueles depósitos que estiverem feitos no Banco de Portugal, na base do contrato de 1918, sejam para efeito da representação em notas nas condições do § único do artigo 4.° da lei dê 1887.

O que fica assente é que se amanhã o Govêrno Português tiver fundos em ouro depositados no Banco de Portugal, não podem ser convertidos em notas ouro, sem' que o Parlamento autorize que isso se faça.

O Sr. Velhinho Correia já expendeu aqui esta doutrina, e ela pode ser perigosa.

Reputo mau processo forçar a interpretação de leis em casos que carecem da máxima firmeza e seriedade para se poderem impor ao respeito de toda a gente.

Vou terminar, pedindo desculpa do tempo que tomei à Câmara, divagando sôbre assuntos que não tinham muito com a interpelação; mas eu quis afirmar que o Sr. Ministro das Finanças, em certos actos que tem praticado, prejudicou e há-de prejudicar gravemente os interêsses do Estado.

Pelo que respeita ao empréstimo de 6 1/2 cento, êle torna quási impossível quaisquer outras operações de crédito dentro do país.

Pelo que respeita às obrigações dos tabacos, eu, sem negar, porventura, o direito que o Estado Português tem de proceder como procedeu o Sr. Ministro das Finanças, declaro que considero inconveniente que se houvesse feito o que se fez a dois anos de terminar o contrato, desacreditando o Estado Português, no momento em que êle mais necessitava que o seu prestígio se acentuasse para se alcançar melhores condições em negociações futuras.

Sr. Presidente: não me movem interêsses políticos. Em assuntos desta natureza só os interêsses do país determinam a minha acção.

O pouco conhecimento que tenho dêstas questões dá-me a convicção de que os actos praticados pelo Sr. Ministro das Finanças, e outros que venha a praticar na mesma orientação, serão uma grave machadada no crédito do país.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Velhinho Correia: — Depois das palavras dó Sr. Barros Queiroz, sôbre a interpretação das leis que regulam a vida do Estado com o Banco de Portugal, sou, levado a dizer alguma cousa sôbre o assunto, no qual eu tenho opinião oposta à, de S. Exa.

Todos sabem que no Banco de Portugal, pelo seu contrato, há duas circulações: a limitada e a ilimitada. A limitada é a que se conserva dentro dos limites da lei; a ilimitada é a que pode resultar duma caução de valores iguais.

A Câmara conforma-se agora com o ponto de vista do Sr. Barros Queiroz,

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mas votou uma interpretação absolutamente diferente quando se votou o empréstimo.

A Câmara, estando eu agora a emitir o mesmo ponto de vista quando da discussão do empréstimo, dá razão ao Sr. Barros Queiroz, quando me dava então razão a mim,

O Sr. Barros Queiroz (interrompendo): — A Câmara sabe que o Banco então não tinha lei. Agora tem a do Sr. Cunha Leal, que o autoriza.

Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Barros Queiroz.

O Orador: — Esta doutrina já foi sancionada duas vezes pela Câmara. A primeira na lei do empréstimo e a segunda na lei do Sr. Cunha Leal.

O Sr. Presidente: — Peço ao Sr. Deputado que resuma as suas explicações.

O Orador: — Terminarei imediatamente. Eram estas explicações que tinha a dar. Não possuo o brilho de palavra do Sr. Barros Queiroz, nem quero passar por cima da competência de ninguém, mas creio que não digo nada que seja em meu desabono quando afirmo que estudo estas questões com o propósito de bem os conhecer em todos os seus aspectos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Pedi a palavra para responder a algumas considerações aqui feitas e que merecem resposta imediata. Quero também fazer as considerações que neste momento reputo oportunas a propósito do que foi dito pelo Sr. Barros Queiroz, relativamente à minha apreciação dos homens públicos e dos Deputados que falam neste Parlamento.

O Ministro mesmo que não seja Deputado, tem o direito de fazer as apreciações que entender a propósito do actos praticados pelos Srs. Deputados, nesta Câmara, ou pelos homens públicos que os pratiquem em qualquer outra parte.

Sendo o Ministro simultaneamente Deputado, mais larga é essa faculdade, e por isso estranho que o Sr. Barros Queiroz se admirasse de eu ter produzido con-

siderações sôbre a sua vida política, que aliás versaram sôbre factos passados comigo e com S. Exa. que não podem ter nenhuma espécie de desmentido.

Mas, Sr. Presidente, eu fiz considerações, e justas foram elas, sôbre a atitude do Sr. Barros Queiroz, porque S. Exa. se referiu à obra do Govêrno, sob o ponto de vista financeiro, numa crítica que é do legítimo direito de todos os parlamentares, desde que da seja ajustada aos actos praticados.

S. Exa. aludindo a um determinado acto praticado pelo Sr. Ministro do Trabalho, ao qual atribuiu o intuito de ferir correligionários seus, estabeleceu como que o confronto entre o que nesse acto há, segundo o seu entender; de perseguição a pessoas que pertencem ao Partido Nacionalista, e os propósitos que tenho manifestado de só alcançar a união dos republicanos, união que de resto eu tenho procurado fazer, quer por palavras, quer por factos.

Nestas condições, eu não podia ter deixado de analisar a acção política do Sr. Barros Queiroz, para mostrar que ninguém mais do que eu tem de facto empregado esforços para conseguir essa

Mas esta questão não interessa directamente ao debate, porque nada tem com as medidas que se impõem para se ver modificada a situação económica e financeira do país.

Êsse é que é o assunto que interessa a todos e, por isso, eu senti grande prazer em ouvir o discurso que S. Exa. hoje fez, porque embora discorde da doutrina que expôs, reconheci que falou como bom republicano, no desejo de esclarecer o problema que se debate, sem propósitos de ataque ao Govêrno.

Das considerações feitas hoje pelo Sr. Barros Queiroz e pelo Sr. Portugal Durão — não me refiro agora às que foram produzidas pelo Sr. Morais Carvalho, porque coloco S. Exa. num plano especial, visto que pertencendo ao partido monárquico é o porta voz do descrédito da República e dos seus homens — eu traduzo em síntese o seguinte:

A nossa situação cambial deriva essencialmente da falta de confiança nos Governos.

Ao Sr. Barros Queiroz ouvi até a afir-

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mação de que a nossa situação financeira actual derivava da criminosa política financeira do tempo da guerra.

Protesto contra semelhante asserção!

A política financeira do Govêrno, que fez a guerra, só pode ser para nós motivo de orgulho.

Os números o demonstram.

Fez-se a guerra, e em conseqüência dela foi consumida muita riqueza, em vidas e em bens.

Pois em Março de 1819, acabada a guerra, o preço da libra era de 7$.

Depois de Março de 1919 desencadeia-se a tempestade cambial.

A entrega da Agência Financial do Rio de Janeiro a fuma casa bancária marca vivamente o início da nossa derrota cambial.

Apoiados.

Começou aí a má política financeira.

Mas como acusar com justiça os homens que estavam no Ministério, até 5 de Dezembro de 1917, da política que se seguiu depois dessa data?

Como acusar um Govêrno que depois de ter obtido lá fora um crédito, cuja garantia estava apenas na defesa que fizemos, da liberdade nacional e da integridade das nossas colónias, no momento em que se dispunha a iniciar o indispensável lançamento de impostos, foi violentamente arrancado das cadeiras do poder?

Apoiados.

E se os homens da guerra não tiveram tempo para estabelecer a política financeira que se impunha, porque a não realizaram aqueles que depois de 5 de Dezembro empunharam as rédeas da administração pública?

Essa política financeira, não se realizou porque a tal se opôz a acção criminosa do dezembrismo (Apoiados), acção que, infelizmente, foi deletéria porque logrou insuflar-se em muitos espíritos, é de tal forma que conseguiu impedir a realização da obra necessária ao restabelecimento da nossa situação financeira...

O Sr Barros Queiroz: — Nessa parte estamos de acordo.

O Orador: — Havemos de estar nas restantes.

Criado o desequilíbrio, os Governos — bem ou mal — emitiram circulação fiduciária e dêsse e doutros factos resultou, como era de prever, a depreciação do escudo.

Mas como acusar os Ministros das Finanças dêsses factos, se êles se viram muitas, vezes sem os meios financeiros necessários para fazer face às despesas do Estado?

Ninguém o pode fazer honestamente.

Logo que o Estado deixou de poder fazer êsses pagamentos cessou porventura a confiança dalguns nesse mesmo Estado.

Podia sentar-se na cadeira das Finanças o primeiro financeiro do mundo, fôsse êle quem fôsse, que não poderia restabelecer aquilo que não existia.

Mas, o crédito do Estado era grande, como ainda hoje é, porque o crédito da República é ainda hoje um grande crédito, por muito que queiram desacreditá-lo, mesmo os homens da República.

Eu tenho a convicção plena e absoluta de que ainda hoje o crédito do Estado é o mesmo que era.

Mas se então o crédito do Estado nessa ocasião era, como se tem afirmado aqui na Câmara, superior ao que é agora, como se compreende que tendo o Parlamento votado o crédito de três milhões ouro, tendo-se obtido a fiança do Estado, isto é, a garantia de pagamento por parte do Estado, não se reputasse essa garantia suficientemente forte, sendo preciso justapor-se-lhe um consórcio de banqueiros para garantir o próprio Estado?

Pois se o Estado garantia a operação era preciso mais alguém a garantir o próprio Estado?

O Sr. Portugal Durão: — A operação era proposta pelos banqueiros e não pelo Estado.

O crédito de três milhões não podia ser negociado directamente pelo Estado.

O Orador: — O que aqui está escrito é que a garantia do Estado foi acrescida da garantia dos banqueiros, sem o que não se faria a operação.

O Sr. Portugal Durão: — O Ministro das Finanças nessa ocasião era eu, e não me afastei das condições normais do Crédit Export Department. A garantia dos

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bancos era exigida para os créditos a particulares.

O Orador: — Eu estou inteiramente de acordo, mas o facto é que e Estado não pôde então obter créditos noutras condições.

O Sr. Barros Queiroz disse que a nossa balança de pagamento estava equilibrada. Eu já fiz considerações quanto à depreciação da moeda.

O câmbio fiduciário é tudo quanto há de mais errado e de mais variado, mas
daí a dizer-se que as variações cambiais podem ter qualquer influência nele, vai uma grande distância.

E a propósito, vou citar a V. Exa. um facto curioso. Em 1891, quando se deu a redução dos juros, foi precisamente na ocasião em que essa medida foi promulgada, que a melhoria do câmbio se acentuou.

O Sr. Barros Queiroz (em àparte).— Foi porque o Govêrno reduziu os encargos e não aumentou a circulação fiduciária.

O Orador: — Não há dúvida. Trava-se diálogo entre o orador e o Sr. Barros Queiroz. )

O Orador: — Efectivamente, o Conselho de Ministros reuniu há dias e deu-me poderes para falar aos leaders dos diferentes partidos, a fim de que se activasse a votação dos orçamentos e de outras medidas.

Sr. Presidente: façamos um pequeno exame ao que se tem passado.

Quando aqui falei pela primeira vez sôbre esta questão, eu disse que o problema financeiro tinha dois aspectos, e acentuei que êle era resolúvel mas que as medidas deviam ser adoptadas com velocidade.

Na verdade, Sr. Presidente, da velocidade com que as medidas se adoptem, poderá resultar ou não a sua maior ou menor eficácia.

Se não tivéssemos tido férias, nós já tínhamos feito há um mês a cobrança de determinadas receitas, e em boa verdade, quando os cálculos do Ministro se baseiam em dados que se não realizam por qualquer circunstância, tudo cai como um castelo de cartas. Isto acontece a todos os Ministros.

Para atacar o nosso grande mal da desvalorização da moeda não vejo senão os meios conhecidos: o equilíbrio do Orçamento, a única maneira de impedir novas emissões.

Não falo na deflação; unicamente falo em não continuar a emissão de notas.

Tenho defendido e continuo a defender a valorização progressiva do nosso escudo.

Em França já um tribunal lançou um acórdão no sentido de um devedor dever pagar em francos, mas em francos ouro.

Àparte do Sr. Barros Queiroz que não foi ouvido.

O Orador: — Eu apresentei êste facto para mostrar que os argumentos formulados relativamente a uma bancarrota, não eram aplicáveis, porque sendo assim já todos os países estavam em bancarrota.

Àpartes.

Mas daqui não há a deduzir outro princípio senão o de que é necessário equilibrar o Orçamento, para sermos conduzidos a uma política que melhore a nossa situação financeira.

Preguntou o Sr. Portugal Durão se era possível fazer essa política.

E essa a política que importa.

Àpartes.

O que eu posso garantir a V. Exa. é que êsse mal se pode fàcilmente corrigir, votando as medidas que fossem necessárias votar, pois estou certo que desta forma, empregando todos nós o nosso maior esfôrço, poderemos equilibrar o Orçamento para o ano de 1924-1925; mas para isso, repito, necessário se torna que trabalhemos com vontade, votando as medidas de impostos e todas aquelas que forem necessárias, para fazer pagar aqueles t que devem pagar.

É isto o que se torna necessário fazer, e é isto o que eu estou disposto a fazer, quer esteja nestas, ou naquelas cadeiras.

Estou absolutamente convencido, Sr. Presidente, que poderemos com facilidade chegar à situação de termos o Orçamento equilibrado para o ano de 1924-1920.

Interrupção do Sr. Morais Carvalho que se não ouviu.

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O Orador: - Não pense V. Exa. nisso, e não querendo agora entrar em mais detalhes, tanto mais quanto é certo que a hora vai bastante adiantada, eu peço a V. Exa., Sr. Presidente, o obséquio de me reservar a palavra para a sessão de amanhã.

O orador não reviu.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Presidente: — Vai passar-se ao período antes de se encerrar a sessão.

Tem a palavra o Sr. Paulo Cancela de Abreu.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: pedi a palavra para antes de se encerrar a sessão para chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério para a desgraçada situação em que se encontram as pensionistas do Estado, pois a verdade é que devo haver três meses que não recebem as suas pensões.

Nada justifica semelhante procedimento, a não ser a política.

O Govêrno, porque não pode contar com a influência política das pensionistas do Estado, não lhes paga o que lhes deve, lançando-as numa situação de verdadeira miséria.

Peço, portanto, ao Sr. Presidente do Ministério que não descure o pagamento dessa dívida sagrada, porque nada há que justifique o atraso existente.

Sr. Presidente: pretendi há pouco tratar em negócio urgente do raid de Lisboa a Macau, com o propósito de indicar à Câmara a necessidade de ola afirmar o seu desgosto pelo percalço de que os ilustres aviadores foram vítimas, percalço que aliás em nada deminui a grandeza do seu feito e a sua coragem e arrojo.

Entendo, efectivamente, que a Câmara não pode ser alheia a êste facto, lamentando sinceramente o desastre e fazendo votos para que as dificuldades resultantes dêsse percalço se resolvam de maneira a que os ilustres aviadores possam levar a bom termo e seu empreendimento.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças {Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: em resposta ao Sr. Cancela de Abreu, devo declarar que não tinha conhecimento de que não se tenha pago às pensionistas do Estado, e que vou mandar averiguar, dando ordem para se efectuar sem demora êsse pagamento.

Com respeito aos aviadores, o Sr. Ministro da Guerra adoptará as providências que o caso requer, para que êles possam completar a sua viagem, se o tempo, as monsões do Oriente, não se opuserem à continuação da rota aérea que êsses ilustres aviadores gloriosamente empreenderam.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. David Rodrigues: — Sr. Presidente: chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério para um telegrama que hoje recebi das forças vivas de Bragança, e em que se protesta contra qualquer medida projectada acerca daquela do liceu cidade.

Não sei, na verdade, Sr. Presidente, o que é que se pretende fazer, se bem que conste que o Govêrno vai acabar com o curso complementar de letras.

Chamo, pois, para o assunto a atenção do Sr. Presidente do Ministério, tanto mais quanto é certo que o Liceu de Bragança é um dos mais concorridos do país, merecendo por isso um pouco de atenção por parte do Govêrno.

De resto, Sr. Presidente, a supressão do curso de letras, a ser verdade o que se diz, representa uma economia muito pequena, em relação aos serviços que presta.

Nesta conformidade, eu chamo, repito, a atenção do Govêrno, pedindo ao Sr. Presidente do Ministério que tome o assunto na devida consideração, pois entendo que se trata dum acto de toda a justiça.

Em nome, pois, dos interêsses da cidade de Bragança, que tenho a honra de representar nesta casa do Parlamento, peço ao Sr. Presidente do Ministério o obséquio de tomar na devida consideração a reclamação que acabo de fazer.

Tenho dito,

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: ouvi com a máxima atenção as considerações que acaba de fazer

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o ilustre Deputado Sr. David Rodrigues. Devo dizer, porém, que a medida a que aludiu se refere a todos os liceus.

Não deixarei, no emtanto, de transmitir ao meu colega da Instrução as considerações que S.Ex.afez sôbre o assunto, devendo no emtanto dizer-lhe que a economia não é tam pequena como a S. Exa. se afigura.

Não se compreendia uma despesa com dezoito professores para nove alunos. A todos os liceus em igualdade de circunstâncias aplicar-se há o mesmo critério.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: — Tendo eu há dias interrogado o Sr. Presidente do Ministério sôbre o que o Govêrno pensava fazer com respeito à questão das multas que originou a greve dos transportes, S. Exa., muito tranqüilamente, disse que no dia imediato àquele em que estava falando já estaria solucionada a greve dos carroceiros.

Em relação a automóveis, disse que não faziam falta e que era até um meio de não haver gasto de gasolina. Dispenso-me de comentar uma tal forma de ver apenas constato que a população da cidade está privada dos meios de transporte normais.

Todavia, pregunto se S. Exa. continua na mesma disposição em que mostrou estar então.

Mas não são só as classes que sofrem as conseqüências do excesso das multas.

Ainda ontem foi apresentada a reclamação dum proprietário que, por virtude da empresa à qual êle deu o encargo da limpeza das chaminés não ter feito convenientemente a limpeza da chaminé dum prédio do reclamante, foi multado em 612$. Isto é absurdo.

Peço a S. Exa. que pondere o assunto e que tome a iniciativa de apresentar uma
proposta de lei ao Parlamento, no sentido de se acabarem semelhantes monstruosidades.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: a greve dos transportes está já atenuada pela requisição que o

Govêrno tem feito, tanto de carroças e camiões, como de automóveis. Para os serviços indispensáveis está, pois, remediada a situação.

Quanto a apresentar-se uma proposta de lei ao Parlamento, segundo a qual se modificasse o actual regime de multas, cumpre-me dizer que o Sr. Ministro do Interior já declarou que nada poderia fazer, nesse sentido, emquanto a greve se mantivesse.

A greve não é alimentada propriamente pelo pessoal que conduz os veículos; outras entidades a promovem e alimentam.

Ainda hoje foi apresado um automóvel que conduzia várias criaturas que andavam a intensificar a greve. Houve ainda a felicidade de se prender uma dessas criaturas que é de nacionalidade espanhola e que já vai a caminho da fronteira.

Com respeito a chaminés o caso é o mesmo.

O Sr. Carvalho da Silva interrompe o orador e um e outro, simultaneamente, fazem troca de explicações; no termo delas o orador dá por findas as suas considerações.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos Pereira: — Declarou-se na lei n.° 1:368 que o imposto criado não era acrescido de quaisquer percentagens para o Govêrno ou para as câmaras municipais; mas vejo com desgosto que essas taxas complementares continuam a ser aplicadas, isto não só em menosprezo do despacho do Sr. Vitorino Guimarães como do próprio Parlamento.

Desejava também que o Sr. Ministro das Finanças transmitisse ao Sr. Ministro do Comércio o seguinte: estão os navios para ir à praça, já veio publicado o respectivo anúncio e cousa interessante, o Estado que tem leiloeiros, que tem pregoeiros seus, vai contratar um pregoeiro de fora para fazer êsse leilão, quere dizer, ou o Estado vai dar comissão ou essa comissão tem de ser dada por quem compre os navios.

Há ainda um outro ponto que se relaciona com os navios e a que desejo referir-me.

A êsses malfadados navios parece que lhes deu uma razia, parece que uma onda se encapelou sôbre êles, pois que estão a pô-los completamente nus, despojando-

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-os de todos os seus pertences. Ora por uma lei anterior, creio que o Sr. Lima Basto, determinava-se que na alienação de todos êsses pertences teriam preferência as pessoas que comprassem os navios; pois o facto é que êsses pertences estão desaparecendo e eu pregunto a V. Exa. como é que as pessoas que venham a comprar êsses navios se hão-de arranjar sem terem aquilo que se torna indispensável ao fim a que venham a destinar êsses navios.

Tenho dito

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Em resposta às considerações do Sr. Carlos Pereira tenho a dizer que relativamente à parte do imposto de transacção que é pago pelas alfândegas, creio que S. Exa. não está bem informado.

Eu mantive o despacho anterior de um Ministro, mas creio que a interpretação dada nas alfândegas tem sido muito diversa, uns num sentido outros noutro.

Por mim não fiz mais do que manter um despacho.

Houve, efectivamente, uma reclamação sôbre o assunto-que foi estudada pelas entidades competentes, mas creio poder afirmar que foi resolvida contra, precisamente na orientação em que estava dado o despacho.

Relativamente aos navios não conheço os factos que S. Exa. acaba de apontar, porque são assuntos que correm pela pasta do Comércio, a cujo Ministro prometo transmitir as considerações do Sr. Carlos Pereira.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 9, às 14 horas, com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 60 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Proposta de lei

Dos Srs. Ministros das Finanças e Trabalho, alterando designadas dotações do

orçamento de despesa do Ministério do Trabalho para o ano económico de 1923— 1924.

Aprovada a urgência e dispensa do Regimento.

Aprovada.

Para a comissão de redacção.

Dispensada a leitura da última redacção.

Projectos do lei

Do Sr. António Correia, estabelecendo uma segunda época de exames, em Outubro, para os estudantes das Faculdades de Direito abrangidos pela reforma de 21 de Setembro de 1922.

Para o «Diário do Governo».

Dos Srs. Lúcio de Azevedo e Constâncio de Oliveira, autorizando o Govêrno a ceder o bronze e fundição do busto para o monumento ao benemérito Patrão Joaquim Lopes.

Para o «Diário do Governo».

Pareceres

Da comissão de administração pública, sôbre o n.º 708-A, que cede ao Faial Sport Clube da Horta o terreno conhecido por Relvão da Doca.

Para a comissão de obras públicas.

Da mesma, sôbre o n.° 690-A, desanexando da freguesia de Braçal a de Gimonde que constituirá uma freguesia com a denominação de freguesia de Gimonde.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Da comissão de previdência social, sôbre o n.° 695-E, que aprova o estatuto da Caixa de Sobrevivência dos Funcionários do Congresso da República.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 645-B, permitindo a conversão em quaisquer títulos dos empréstimos do Estado do produto da alienação dos bens imóveis das instituições de beneficência, com estatutos aprovados.

Para a comissão de administração pública.

Da comissão de comércio e indústria, sôbre o n.° 570-A, que autoriza o Poder

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Executivo a adjudicar a uma sociedade portuguesa a construção de um arsenal naval na Enseada da Margueira.

Para a comissão de obras públicas.

N.° 645-(b), da comissão do Orçamento, sôbre o orçamento do Ministério do Trabalho e Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral para o ano económico de 1924-1925.

Imprima-se com urgência.

Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 648-G, que autoriza a Associação João de Deus a vender uma faixa de terreno que possui na freguesia de Santa Isabel de Lisboa.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Comissão do Orçamento

Substituir o Sr. João Luís Ricardo pelo Tôrres Garcia.

Para a Secretaria.

O REDACTOR — Herculano Nunes.

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