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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 89
EM 26 DE MAIO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário.— Respondem à chamada 48 Srs: Deputados.
Procede-se à leitura da acta, que é depois aprovada, e do expediente.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Tavares de Carvalho refere-se à repressão do jôgo e ao conflito dos Correios e Telégrafos, respondendo os Srs. Ministro da Guerra (Américo Olavo) e Ministro do Interior (Sá Cardoso).
O Sr. Lelo Portelo aprecia várias medidas adoptadas pela pasta da Guerra, estabelecendo-se debate em que tomam parte o Sr. Ministro da, Guerra, António Maia, Cunha Leal, Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro} e João Camoesas.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato, com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 15 minutos.
Presentes 48 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos Leito Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Vergílio Saque.
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Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pereira Nobre.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Delfim Costa.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro.
Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
David Augusto Rodrigues.
Delfim do Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
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José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Ventura Malheiro Reimão.
Pelas 15 horas e 15 minutos com a presença de 48 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte
Expediente
Ofícios
Do Senado, enviando um projecto de lei que autoriza a Junta da Freguesia de Alvendre, concelho da Guarda, a vender designados prédios.
Para a comissão de administração pública.
Do Senado, enviando uma proposta de lei que altera a lei do inquilinato.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Da Junta Geral do distrito de Bragança, pedindo a conservação do curso complementar de letras do Liceu Nacional Central de Bragança.
Para a Secretaria.
Telegramas
Dos reclusos militares, de S. Julião da Barra, pedindo a discussão do projecto da amnistia.
Para a Secretaria.
Do Presidente da Câmara Municipal de Braga, agradecendo a aprovação do projecto da linha do Vale do Cávado.
Para a Secretaria.
Da Junta da Freguesia, e Monte Pio da Marinha Grande, pedindo para não se encerrar a fábrica de Vidros, do Estado.
Para a Secretaria.
Do reitor do Liceu de Vila Real, pedindo para se pôr na ordem do dia a proposta para troca do edifício do liceu.
Para a Secretaria.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: há oito dias a esta parte que venho solicitando a presença do Sr. Ministro da Agricultura para tratar da carestia da vida, principalmente do pão que se vende de duas qualidades e uma delas sem ser pesada o que dá lugar a ser vendido por mais de 3$ e o de 2.ª qualidade a ser intragável.
Como está presente o Sr. Ministro da Guerra peço a S. Exa. para transmitir ao Sr. Ministro da Agricultura a necessidade que tenho de tratar dêstes problemas que são urgentes.
Peço também a V. Exa. que esclareça a Câmara e o país sôbre a greve telégrafo-postal, pois eu vejo várias notícias nos jornais, sôbre notas oficiosas do Govêrno, em contradição com as notas oficiosas dos empregados grevistas.
Esta greve está causando graves prejuízos e é preciso que o Sr. Ministro da Guerra nos esclareça sôbre êste assunto, tomando as providências que julgar convenientes para a normalização dos serviços.
Desejava também chamar a atenção do Sr. Ministro do Interior sôbre o jôgo e a sua repressão.
S. Exa. dá certamente ordens aos seus delegados, mas não são cumpridas.
Em Évora houve um desfalque de 210 contos, que foram perdidos ao jôgo, feito por um rapaz de 24 anos e que deixa sem amparo duas irmãs e órfãs de pai e
Apesar das comissões políticas do Partido Republicano Português terem instado para que se não jogue, o facto é que em todo o distrito se joga, deixando a autoridade funcionar bancas, não cumprindo, portanto, as ordens que o Sr. Ministro do
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Interior lhe deve ter transmitido, sôbre a repressão do jôgo.
Em Lisboa foi agora assaltada uma casa pelo comissário da polícia e êsse acto só mereço elogios, mas já não posso vir aqui elogiar o procedimento desta autoridade que arbitrariamente deixou 148 pessoas presas, por tempo que a lei lhe não permitia, demais a mais tratando-se de indivíduos que não são cadastrados, e na maioria crianças que para ali tinham ido enganados pelos reclames do dono da casa.
Êsses rapazes estavam vendo jogar e jogando o box o foram presos, quâsi todos em mangas de camisa, traje pouco próprio, certamente para estarem nas salas do jôgo.
Eu tive a infelicidade do ali ser preso um filho que estava auxiliando um boxeur e é indignado, que, como pai, protesto contra o procedimento da autoridade que conserva presas crianças, junto com indivíduos, cornos quais não poderão aprender bons preceitos de moral. Dos 148 presos só 24 ou 26 é que estavam na sala do jôgo; o resto eram, na sua maioria, mulheres o crianças que estavam vendo e fazendo box.
V. Exa., Sr. Ministro do Interior, devia ter a coragem do Sr. Domingos Pereira que mandou fechar as casas de jôgo, mas V. Exa. já aqui disse que as não mandava fechar, por ter medo da revolução, que os batoteiros fariam se lhe fechassem as casas de jôgo.
O Sr. Ministro dó Interior (Sá Cardoso): — Isso já foi há muito tempo.
O Orador: — Eu tenho por V. Exa. a máxima consideração. Se falo neste tem, tam violenta, exaltada e apaixonadamente, é porque tenho um filho preso há mais de 48 horas, contra todas as leis, porque entrou numa casa, onde ignorava que se jogava e onde se encontrava auxiliando um dos boxeurs, quando essa casa foi assaltada, por um Sr. comissário, que foi para a tourada e não cuidou da destrinça dos presos, e fez como Primo de Rivera, não respeitando a lei.
Peço a V. Exa. que não veja nas minhas palavras menos respeito e consideração. Eu sei que V. Exa. é bom, é um valente militar, um bom pai, e um dedicado patriota.
Apoiados.
Por isso apelo para V. Exa., como pai que também sou, a fim de que se cumpra a lei e seja chamado à responsabilidade-o comissário da polícia, que, depois das prisões que determinou, foi dormir para sua casa, indo muito tranqüilamente divertir-se para a tourada, sem ter mandado entregar à polícia de investigação todos os presos, dentro das doze horas que se seguiram à prisão; se não lhe fôsse possível efectuar a destrinça entro os jogadores de banca francesa e os de box, sabendo, por ter verificado, como me disse, que jogando jogos de azar apenas estavam cêrca de vinte pessoas.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Quanto ao tipo único, transmitirei ao Ministro da Agricultura as considerações do Sr. Tavares do Carvalho. Quanto ao caso dos correios e telégrafos, os jornais têm informado tudo quanto tem havido. Apenas posso, para bem se ficar sabendo quais eram os propósitos, do pessoal maior, ler os seguintes telegramas que foram interceptados pelo tenente de infantaria n.° 33, Sr. Luís Vila Verde, na estação de Loulé:
«Aos nossos delegados: — Esta comissão determina: ao recomeçar a passiva, que toda a correspondência ordinária endereçada a Lisboa, Pôrto e Coimbra seja retida nas estações durante três dias, pelo menos, e depois dêsse período de tempo deverá ser enviada para a ambulância, juntamente com outra correspondência, ficando assim assente que nenhuma mala se fechará com correspondência a distribuir em Lisboa. Outrossim se recomenda que a correspondência encaminhada erradamente não levará marca do dia senão a que fôr afixada na estação de origem. Queiram fazer sciente a todas as estações que devem cumprir rigorosamente esta determinação».
«Nós estamos à espera de virem os militares tomar posse disto, por isso quando virem isto em terra já sabem o que é. Veio uma circular da comissão de resistência dizendo que o pessoal maior foi pôsto fora central e estações pelo pessoal
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menor e guarda republicana. O pessoal menor desta estação solidário connosco. Aí já sabem o que têm a fazer, quando forem tomar posse se lhes preguntarem se querem trabalhar digam que sim e que para isso estão no seu pôsto, se os mandarem sair saiam então, «mas sempre fixes» está tudo muito bem encaminhado. Daqui a pouco esperamos militares, devem preguntar-nos se estamos resolvidos a trabalhar e nós responderemos que sim e que para isso cá estamos no nosso pôsto, se nos mandarem sair sairemos e isto ficará muito bem preparado. Não se esqueçam guardar muito bem todas as instruções que lhe têm dado e rasgar isto para não haver provas».
«Estão todos nosso lado, em Évora também, e não sei se Beja. Bem mas já sabem que dizem sempre que estão dispostos a trabalhar e que não abandonam o serviço. Nós só recebemos ordens dos nossos superiores, digam até o fim que não estão em greve e êles quando muito podem estar na casa do público. Se os «obrigarem a sair exijam uma declaração do comandante e como os põem fora da «estação. Se êle exigir alguma declaração declarem que tem estado ao serviço e querem continuar, mas visto as ordens, obrigados pela Guarda assim terão que abandonar estação. Podem trabalhar e tomem todos compromissos e juramentos declarando que não são grevistas. «Trabalham, mas fazem sempre o que querem». Agora, se os mandarem sair saem. Se não mandarem sair, temos que o fazer e então Isto ficará tudo em terra e não terão comunicações e aí procedem sempre como se não fossem grevistas, isto é, se forem alguns militares tomar posse».
O Orador (prosseguindo): — O processo do pessoal maior era, pois, fazer que trabalhava, mas nada fazer. Estava organizado um movimento para prejudicar o país num dos seus ramos de actividade mais importantes: nas comunicações. O Govêrno não podia permitir semelhante situação.
Apoiados.
A distribuição da correspondência está já perfeitamente normalizada, sendo até hoje muito mais perfeito e muito mais rápida do que dantes. O serviço das enco-
mendas está também quási normalizado o mesmo sucedendo com o de registos que está quási em dia. O Govêrno, com a sua atitude apenas teve em mim os interêsses do país. E o que é certo é que há males que vêm por bem. Esta greve habilitou o Govêrno a poder dominar qualquer movimento dos correios e telégrafos. Todo o pessoal está já organizado de modo a poder ser deslocado ràpidamente, conforme as exigências do serviço. Terminando, declaro que não posso deixar de render as minhas homenagens ao pessoal menor, que, durante o conflito, se manteve absolutamente conforme às exigências do serviço, comparecendo sempre ao trabalho.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Interior (Sá Cardoso): — Entrei na sala no momento em que o Sr. Tavares de Carvalho fazia considerações sôbre o jôgo e chamava a minha atenção para um caso passado em Évora.
Já tive ocasião de dizer que mandei expedir circulares para todos os governadores civis, a fim do jôgo ser reprimido.
Imagino que, se as minhas ordens não são inteiramente cumpridas, é porque os governadores civis lutam nos seus distritos com as mesmas dificuldades com que-eu luto aqui, e só a isso se podem atribuir algumas faltas que se dão. O que é certo é que alguma cousa se tem feito no sentido da supressão do jôgo. Ao contrário de muita gente dizer que só permite o jôgo, a verdade é que as autoridades têm feito essa repressão, mas lutam com as dificuldades próprias.
Em Lisboa mandaram-se fechar vários clubes onde se jogava.
Ora, o que eu não quero, é seguir êsse procedimento, de fechar clubes sem fundamento legal, porque o acho deprimente e desprestigiante. Encerrar as casas de jôgo hoje para as mandar abrir amanhã, isso não. Não estou disposto a desempenhar papéis que a minha consciência inteiramente repudia.
Sr. Presidente: o Sr. Tavares de Carvalho, criticando a acção da polícia, queixou-se da morosidade dos processos e reclamou a imediata libertação daqueles que se encontram presos injustamente.
S. Exa., porém, esquece-se do que as autoridades estão em frente de 148 pró-
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cessos, cujo apuramento ,se não pode fazer com aquela rapidez que seria para desejar. Se realmente há entre os indivíduos presos — e eu quero crê-lo — alguns que não estavam jogando, a sua libertação não se fará esperar, mas. só depois de examinados todos os processos.
O Sr. comissário de polícia entrou sozinho numa casa de jôgo para verificar se nela se jogava ou não. Por parte, de alguns assistentes esboçou-se a tentativa de o agredir. Foi então que essa autoridade, correndo a uma janela, disparou um tiro, advertindo a polícia que prontamente acorreu, prendendo todos quantos na referida casa se encontravam.
Nestas condições, não é muito fácil destrinçar os culposos dos inocentes, tanto mais que agora todos dizem que só não encontravam jogando.
Eu compreendo a situação do Sr. Tavares de Carvalho pugnando pela liberdade de seu filho preso na confusão do momento, e, possivelmente, sem qualquer responsabilidade ou culpa. Bem andaria, porém, S. Exa., como muitos outros pais em idênticas circunstâncias, evitando por todas as formas que seus filhos freqüentem antros de perversão e de vício.
Pela minha parte, continuarei empregando todos os esfôrços para reprimir, quanto possível, o exercício do jôgo. Eu creio ter conseguido arranjar já, dentro da lei, uma base de repressão, encerrando todas as casas de tavolagem. Algumas dessas casas encontram-se já encerradas e outras se seguirão...
O Sr. Paula Cancela de Abreu (interrompendo): — Mas o governo civil recebe determinadas quantias destinadas aos fundos de assistência dadas pelas casas de batota.
O Orador: — A afirmação do Sr. Cancela de Abreu é inteiramente inexacta. Desde que eu sou Ministro do Interior, pelo menos, nem um ceitil tem entrado nos cofres do governo civil.
Eu fui até o ponto de proibir o emprego das tômbolas, não obstante a receita que êle produzia em favor dos fundos de beneficência.
Sr. Presidente: Eu creio ter respondido cabalmente ao Sr. Tavares de Carvalho, e, por isso, tenho dito.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: pelas considerações que acaba, de fazer o Sr. Ministro do Interior, parece-me poder concluir que S. Exa. não compreendeu bem as minhas palavras.
Eu não censurei o procedimento do Sr. comissário de polícia. Bem ao contrário, eu fui o primeiro a reconhecer a coragem do seu procedimento e a louvar a forma desassombrada por que S. Exa. cumpriu o seu dever, entrando no clube onde se estava jogando.
O que eu censurei foi o procedimento posterior dessa autoridade, que não procurou destrinçar os indivíduos presos, separando absolutamente os estranhos ao exercício do jôgo, de azar, que deviam ser restituídos à liberdade desde que assistiam ou jogavam box, para que tinham sido convidados e autorizados oficialmente pelas autoridades a êle assistirem.
Prendeu-se muita gente, mas não houve a natural e justa preocupação de pôr em liberdade aqueles que tivessem sido injustamente presos.
Ao regressar de Évora tive conhecimento da arbitrariedade que se estava cometendo, e dirigi-me ao governo civil cêrca das dez horas de hoje, onde apenas encontrei um Sr. chefe de polícia, que me facilitou os telefones para procurar falar ao Sr. comissário captor, ao Sr. comissário geral da polícia, ao Sr. Ministro do Interior e ao Sr. juiz de investigação criminal, único com quem consegui falar e que me informou que ainda não tinha recebido os presos, contra o que estava determinado por lei.
Saí do Govêrno Civil, às 11 horas, por nada ali fazer, por isso que o Sr. governador civil só vinha às 14 horas, assim como o Sr. comissário geral, que se haviam deitado cêrca das 5 horas, mercê da prevenção.
Fui informado de que as primeiras investigações são feitas pela polícia de segurança, que as reduz a participação, sendo esta depois enviada para o Juízo de Investigação. Criminal.
Quando voltei ao Govêrno Civil, às 14 horas, falei novamente com o Sr. juiz de investigação criminal, S. Exa. disse-me que até essa hora não tinha recebido processo nenhum.
Esta situação é que não se compreende-
Tudo que após a captura se houvesse-
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de praticar para descriminar responsabilidades deveria ser feito com a máxima brevidade, pois não se devem reter nas prisões aquelas pessoas que a elas foram levadas pelo reclame da sessão de «box», e só pelo facto de se encontrarem na casa onde foram capturados os jogadores de jogos proibidos.
Foi o próprio Sr. comissário captor que declarou que apenas vinte ou vinte e quatro pessoas estavam no jôgo de azar; depois é que houve a confusão, em virtude da qual se misturaram as pessoas que estavam jogando com as que não jogavam. Estão portanto sob prisão umas cento e tantas pessoas, que já deviam ter sido postas em liberdade, notando que a maior parte são crianças e mulheres.
Era isto que eu queria que o Sr. Ministro do Interior ponderasse, para que providências fossem tomadas e para que de futuro, em casos análogos, se porventura os houver, os serviços de investigação sejam cumpridos com a devida e necessária celeridade, como determina a lei, e se não pratiquem novas arbitrariedades. Sr. Presidente: admiro o procedimento do oficial captor, que cumpriu valentemente o seu dever, mas só até ao acto da prisão.
Depois não posso louvar.
Procedeu à Primo de Rivera.
A lei era êle e só êle. Se eu tivesse feito a captura de indivíduos inocentes, não ficaria descansado emquanto os não restituísse à liberdade. Não iria dormir,para casa! Estaria no meu lugar até que os actos a praticar ficassem concluídos e os inocentes fossem restituídos à liberdade.
Entendo que assim é que eu cumpria integralmente o meu dever e dignificava o regime, que dia a dia se desprestigia, mercê do desleixo das autoridades, ou do arbítrio com que desempenham a sua mis-
Vozes: — Não apoiado.
O Orador: — Ainda há pouco um nosso colega, que já foi governador civil, disse que se os Srs. governadores civis quisessem o jôgo seria eficazmente reprimido.
Compreende-se que não se possa evitar á organização de «comboios», ou que se jogue em casas particulares.
O que não se compreende é que o Sr. Ministro do Interior não mande fechares clubes onde se joga, como o fez o Sr. Domingos Pereira, sendo Ministro do Interior e chefe do Govêrno a que S. Exa. presidia.
Faça V. Exa. o mesmo.
Não tenha receio que os batoteiros façam uma revolução, porque ao seu lado terá muita gente que não se arreceia dos batoteiros.
Sei que no Clube Montanha se joga; mas a êste clube e aos clubes chiques não vai fazer assaltos a polícia!
Todos os dias se estão abrindo novas casas de jôgo, com o consentimento das autoridades.
Trocam-se àpartes.
O Orador: — Não digo mais nada, porque a indignação de que estou possuído pode levar-me a pronunciar palavras que não quero que saiam dos meus lábios.
Tenho dito.
O Sr. Lelo Portela: Sr. Presidente: sou forçado a fazer à Câmara algumas considerações sôbre actos de S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra, devido à atitude tomada por S. Exa. que vem para público, em entrevistas jornalísticas, justificar os seus actos acerca de disciplina.
Eu não posso conceber que haja um Ministro da Guerra, cioso de manter a disciplina no exército, que venha à Imprensa trazer cousas que devem ser absolutamente confidenciais, não saindo das notas trocadas oficialmente, e apreciar os actos de disciplina dos seus subordinados.
Esta atitude do Sr. Ministro da Guerra considero-a eu como contrária aos bons princípios da disciplina.
Numa entrevista publicada no Diário de Lisboa, de 25 do corrente, o Sr. Ministro da Guerra vem a público, a pedido do um jornalista, explicar os seus actos como Ministro e a sua acção como chefe do exército, encarregado de manter a disciplina.
Diz nessa entrevista o Sr. Ministro da Guerra:
«Eu quero tornar o exército um organismo disciplinado e habilitado para a guerra».
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Provarei a S. Exa. que a sua acção tem sido 5 contrária à disciplina do exercito e preguntarei quais são as medidas que tem tomado no sentido de «habilitar o exército para a guerra».
Que medidas tomou S. Exa. para au-mentaç a eficiência do organismo militar?
O que tem S. Exa. feito em matéria de instrução elementar e técnica?
Que eu saiba nada fez em questões de instrução. Portanto, por êste lado, não aumentou a eficiência do exército.
Para tornar o exército um organismo habilitado a fazer a guerra, é indispensável, em primeiro lugar, depois de ter pessoal instruído, dispor do necessário material, e eu pregunto ao Sr. Ministro da Guerra que medidas tomou, quer para desenvolver a indústria nacional para a colocar em condições de poder fornecer êsse material ao exército, quer para fazer aquisição dêsse material.
Mostrarei que, pelo contrário, S. Exa. tem pôsto obstáculos à aquisição de material novo e à conservação e aperfeiçoamento do material existente.
Desejaria também que o Sr. Ministro da Guerra me dissesse o que fez em matéria de organização. Que nova organização deu S. Exa. ao exército para a sua melhor utilização em campanha?
Como base fundamental do seu programa, S. Exa. adoptou o princípio das economias. O que se vê a tal respeito?
Vemos que S. Exa. para realizar pequenas economias, tem provocado grandes despesas e, sobretudo, uma enorme desorganização dentro do exército.
Sôbre economias disse S. Exa. na sua entrevista ao Diário de Lisboa:
«Que tomou medidas especiais para tirar os cavalos àqueles que não tinham direito a ter cavalo».
Falta que S. Exa. nos diga quem são, de facto, os oficiais ou entidades que não têm direito a ter cavalo.
Como havemos de ter oficiais de cavalaria aperfeiçoados para a guerra, se lhe tiram o principal elemento - o cavalo?
Ante as necessidades técnicas, uma tal medida é absolutamente condenável.
Vejamos agora a economia que se fez em virtude de uma tal medida.
Das fileiras saíram 280 cavalos.
Em que condições?
Em condições que eu julgo serem desmoralizadoras.
Segundo os regulamentos, os oficiais podiam, depois de cinco anos, vender os cavalos que tinham ao seu serviço, e assim uma boa medida seria acabar com isso, isto é, fazer com que os cavalos depois dos cinco MIOS continuassem nas fileiras do exército. S. Exa. foz justamente o contrário: reduziu o prazo, e assim fez com que muitos vendessem os seus cavalos por quatro, cinco e seis contos de réis.
S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra incompatibilizou-se com os oficiais dá arma de cavalaria, como se vê pelo que se passou relativamente ao concurso hípico, concurso êsse em que estavam inscritos tantos oficiais estrangeiros como nacionais. Pois a verdade é que tendo alguém com assento nesta Câmara falado com S. Exa., creio que chegou a um acordo com o Sr. Ministro da Guerra.
O Sr. Ministro da Guerra (interrompendo): - Antes de V. Exa. continuar eu devo dizer-lhe que não entrei em acordos nenhuns, pois sou absolutamente incapaz de entrar em acordos dessa natureza. Cumpri os regulamentos, o mais nada.
O Orador: — O que eu posso garantir a V. Exa. é que alguém, de uma alta categoria, disse a êsses oficiais que o S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra revogaria a sua medida, razão por que muitos deles foram concorrer, esperando que ela fôsse revogada.
Isto, Sr. Presidente, é o que S. Exa. fez relativamente à arma de cavalaria.
S. Exa., sendo um político, neste assunto adoptou um critério errado, pois a verdade é que procedeu como um cabo, desculpe-me V. Exa. o termo.
S. Exa., porém, não se contentou só com incompatibilizar-se com os oficiais de cavalaria incompatibilizou-se também com os oficiais de engenharia. Veja-se a criação da Direcção Geral de Transportes, que foi criada ilegalmente, e digo ilegalmente por isso que não foi criada pelo Parlamento. Foi criada com o título de provisória, mas já se tornou definitiva.
Se bem que essa Direcção fôsse criada para resolver a greve dos eléctricos, ela
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tem-se mantido para outros organismos, como por exemplo para os caminhos de ferro, o que não faz sentido mesmo sob o ponto de vista disciplinar, pois a verdade é que só não compreende que oficiais superiores estejam a receber ordens de oficiais inferiores, como sejam aqueles que fazem parte da Direcção Geral de Transportes.
Isto, Sr. Presidente, na verdade, não faz sentido, e daí a razão de S. Exa. se encontrar igualmente incompatibilizado com os oficiais de engenharia.
A verdade é que S. Exa. não sé encontra somente incompatibilizado com os oficiais de cavalaria e engenharia, mas também com os oficiais da aeronáutica militar.
S. Exa., na verdade, e ultimamente, tem-lhes recusado os elementos indispensáveis para êles poderem desempenhar a sua missão.
O Sr. Presidente: — Previno V. Exa. que são horas de se passar à ordem do dia.
Vozes: — Fale, fale.
O Orador: — Cumpre-me, Sr. Presidente, em primeiro lugar agradecer, a atenção que a Câmara acaba de ter comigo, permitindo que ou continue as minhas considerações.
O que é um facto é que o Sr. Ministro da Guerra desde Dezembro do ano passado tem procedido por forma a que a aeronáutica militar não tem podido desempenhar, cabalmente a sua missão, pois a verdade é que os aviadores do nosso exército estão impossibilitados de voar, por isso que lhes são recusados os meios indispensáveis para poderem comprar gasolina e os óleos necessários.
Veja a Câmara a situação em que se encontra o Sr. Ministro da Guerra e aquela em que colocou os aviadores.
O primeiro acto do Sr. Ministro da Guerra ao assumir a gerência da sua pasta foi preguntar à Direcção da Aeronáutica qual a forma de a suprimir sem prejuízo para a aviação e para os aviadores.
Invertendo os papéis, eu desejo saber o que é que S. Exa. responderia se eu lhe fizesse tal pregunta.
Terminando, devo dizer que para a disciplina do exército é inconveniente a permanência do Sr. Ministro da Guerra nessa pasta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Começou por agradecer ao Sr. Lelo Portela a oportunidade que lhe proporcionou de responder à campanha que se levantou e que lhe dá cada vez mais tenacidade para a aplicação das suas normas de disciplina e administração.
É inteiramente falso tudo o que se diz dos seus propósitos de hostilizar a aviação, à qual, apesar das palavras imprudentes dalguns aviadores, rende a sua homenagem de português e do soldado, salientando os feitos notáveis do Sacadura Cabral, Gago Coutinho, Brito Pais, Sarmento Beires, evocando a memória de Monteiro Tôrres.
Reconhece que os exércitos de hoje não podem lutar sem aviação. Sabe-o por experiência própria, pois durante um ano, nas trincheiras, constantemente sentiu a cooperação dos aeroplanos ingleses voando sôbre a sua cabeça. A aviação é, pois, absolutamente necessária para o exército e isso basta para que êle, Ministro, cuja preocupação única é habilitar o exército para a sua verdadeira missão, não pudesse de forma alguma opor-se ao seu justo desenvolvimento. Entende, porém, que é preciso manter o desenvolvimento das diferentes armas dentro de um justo equilíbrio, dentro de rigorosa disciplina, dentro da severa administração que as dificuldades do Tesouro impõem, sendo os sacrifícios partilhados igualmente por todos.
Não são de admitir no exército castas à parte, gozando de tudo, emquanto outros lutam com as maiores deficiências. Está à frente de um exército onde a cavalaria não tem cavalos o não os pode comprar, porque a remonta não recebe os duodécimos atrasados há seis meses. Há regimentos onde para dar instrução a mais de 200 recrutas não há mais do que 30 cavalos, a maior parte deles incapazes.
A infantaria não tem espingardas capazes, porque não há dinheiro para a montagem das máquinas nem para a com-
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pra do aço necessário para a reparação dos canos. Exercícios na artilharia não -só podem lazer porque não há dinheiro para comprar munições.
A sua política tem sido restringir todas as despesas inúteis ou menos necessárias, para dentro em pouco adquirir o que fôsse preciso, política esta que tem merecido a aprovação de muitas pessoas competentes.
Assim, vai responder às injustas argüições de má vontade contra a aviação ou contra os aviadores, demonstrando que não praticou, em relação à aviação, nenhum acto que não fôsse justo, moral ou necessário.
O primeiro despacho desagradável para os aviadoras foi sôbre um subsídio de vôo. A Procuradoria da República deu um parecer provocado pela 1.ª Direcção de Aeronáutica, dizendo que a lei determina que o subsídio especial de vôo só pode ser abonado quando se efectuem os vôos que a mesma lei determina. Posteriormente a êste parecer a mesma Direcção pediu ao Ministro para mandar abonar o subsídio, mesmo quando os oficiais não pudessem voar por causa, do mau tempo, alegando que nisso havia vantagem para a Fazenda Nacional, por isso que os aviadores indo voar com mau tempo e com as pistas encharcadas podiam estragar um aparelho, o que ficava mais caro do que o subsídio.
O Ministro respondeu que a lei não lhe permitia conceder o subsídio nessas condições e que os comandantes das unidades eram pecuniàriamente responsáveis pelos estragos produzidos nos aparelhos por terem voado em más condições.
Quanto a ter metido na gaveta a reforma da aeronáutica, tam benéfica para o serviço, não é verdade. Leu-a com atenção e despachou no sentido de que as
actuais circunstâncias do Tesouro antes aconselhavam, como medida transitória,
a concentração das unidades aeronáuticas:
Não é de justiça nem de boa técnica militar dotar largamente um serviço quando se está procedendo à compressão das verbas despendidas com outros igualmente imprescindíveis.
É preciso notar que a dita reforma determinava imediatamente (bases 7.ª e 12.ª)
a promoção ao pôsto imediato, pelo menos, de todos os aviadores, havendo talvez alguns que subiam dois postos.
Qualquer vôo seria sempre serviço no ar e o serviço no ar é sempre serviço de campanha (base 15.ª).
O director do serviço teria a faculdade de, ouvida a comissão técnica, composta só de oficiais aviadores, propor gratificações especiais de risco de voo em determinadas circunstâncias (base 16.ª).
Depois um oficial agraciado por um Ministro anterior com a medalha de bons -serviços por ter realizado um voo, para o qual pedira autorização, requereu para não usar a medalha por não ter o distintivo de campanha, que a lei só prescreve para os vôos determinados superiormente.
O Ministro não alterou a medalha e deferiu o requerimento.
No cofre da esquadrilha mixta de Tancos encontrou-se um desfalque de mais de 40 contos. Verificou-se que o responsável era um tenente, que recebera o dinheiro do comandante, Sr. capitão Ribeiro da Fonseca, mas o oficial inspector e as repartições que deram o parecer acentuaram, e justamente, que o desfalque não teria sido possível ou não atingiria tanta importância se o comandante cumprisse as suas obrigações de exigir do tenente conta,s do dinheiro que recebia, tanto mais que o próprio comandante era o primeiro a dizer que o oficial não era digno de confiança.
O que sucedeu ao capitão Ribeiro da Fonseca, a quem apenas foi pedida a responsabilidade pecuniária do seu desleixo na fiscalização dos serviços a seu cargo, foi muito menos do que tem sucedido a muitos oficiais do exército.
Ainda há dias se descobriu um desfalque muito menor numa unidade de infantaria. Pois já deram entrada na Casa de Reclusão todos os oficiais que faziam parte dos conselhos administrativos, embora alguns deles tenham, apenas a responsabilidade de não ter exercido a fiscalização. É porém o tribunal que há de dividir responsabilidades.
Os serviços aeronáuticos entendem que podem gastar dinheiro no que entendem e como entendem, sem necessidade de aprovação superior para os seus contratos ou para as suas aquisições.
Há dois exemplos que vai citar, mas
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jnas os arquivos da repartição estão cheios de cacos dêstes em que as unidades aeronáuticas, na administração dos seus fundos, não conhecem, nem respeitam a lei. Os dois exemplos em questão tem as seguintes informações da repartição respectiva, informações que lhe parecem bastante elucidativas.
Uma diz:
Vê-se que a Direcção de Aeronáutica desviou do sou legal destino para obras que não tinham relação com a construção dos hangares quantias importantes. Declara que nem mesmo o saldo de 163 contos já existe.
O argumento do não ordenamento dos títulos não justifica tal procedimento; apenas poderia ocasionar a aplicação provisória dêsses fundos, mas nunca o seu emprego definitivo.
A repartição parece que se trata de um caso grave de abuso de poderes e de administração.
A outra diz:
Não conhece a repartição autorização alguma para a Direcção de Aeronáutica aplicar os 300 contos. Disse na nota que ia pedir autorização para aplicar a verba em obras e foz o pedido, mas tal pedido não foi deferido, ordenando S. Exa. o Ministro que, o dinheiro entrasse na Agência Militar.
Conclui-se que a Direcção de Aeronáutica arbitrariamente gastou êstes 300 contos, pedindo autorização já depois de os tem gasto.
É mais um abuso que V. Exa. se dignará apreciar.
Várias unidades de aviação ocuparam por requisição vários terrenos sem se fazer a imediata expropriação, necessária para legalizar o assunto. Para as indemnizações a pagar pelo terreno da Granja do Marquês foi solicitada a inserção no Orçamento da verba de 600 contos e provável é que não chegue.
Pelo terreno da Quinta das Drogas em Alverca pedia o proprietário em 1920 1:000 contos.
Não se pode calcular com exactidão que indemnização o tribunal mandará que o Ministério pague, mas é fácil de prever o pesado encargo que há-de representar para o Estado a ocupação absolutamente irregular daquela propriedade.
Com certeza, êsse encargo não é inferior a 3:000 ou 4:000 contos.
O caso dos automóveis é simples de expor.
Uma comissão de oficiais nomeada pelo seu antecessor fixou as viaturas automóveis que deviam ter as diferentes unidades e estabelecimentos militares, entendendo que as unidades de aviação não necessitavam de automóveis ligeiros de passeio, visto que ficavam com camiões, camionnettes, ambulâncias, motos com side-car e motos simples, etc., em número suficiente para todos os seus serviços, mesmo em caso de desastre, dispondo de elementos bastantes para um pronto socorro.
Ele, orador, mandou efectivar o parecer da, comissão, expedindo as ordens necessárias.
Fez a Direcção de Aeronáutica uma exposição que não foi, porém, atendida, mantendo-se a ordem dada.
Apesar disso, a Direcção não a cumpre e é preciso que um mês mais tarde a Repartição do Gabinete lhe pregunte que andamento deu ao assunto para o director da Aeronáutica fazer uma nova exposição em que claramente, referindo se a uma determinação ministerial, a classifica de absurda.
Todavia, êle, Ministro, limitou-se a comunicar que mantinha a ordem e que não admitia mais considerações sôbre o assunto.
O» contratos de compra de aviões no valor de 200:000 libras e a correspondência relativa constituem um dossier muito complicado que a Câmara terá ocasião naturalmente de apreciar minuciosamente quando discutir a proposta de crédito apresentada para legalizar a situação absolutamente irregular em que tinha sido utilizada parte do crédito dos 3 milhões de libras.
Há que citar, porém, desde já o que o então director da Aeronáutica, Sr. tenente-coronel Freitas Soares, e o general quartel-mestre do exército Sr. Sinel de Cordes, entenderam expor a Ministros seus antecessores. Sôbre êste assunto, importantíssimo do serviço de que êle chefe é responsável, diz em 5 de Dezembro o director da Aeronáutica:
«Acontece, porém, que chegou ontem ao meu conhecimento, por uma forma
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particular, que o contrato para aquisição de material já tinha sido assinado e que algum do mesmo material importado estava a chegar a Lisboa».
Isto é, quasi um mês depois de terem sido assinados os contratos relativos à aquisição do alguns milhares de libras de material de aviação (os três primeiros contratos foram assinados em 10 e 12 do Novembro), e que o director dos serviços aeronáuticos tem conhecimento, por uma forma particular, de que êsses contratos foram assinados.
O Sr. general Sinel de Cordes, que, consultado anteriormente, como quartel-mestre do exército, fora de opinião «que não devia proceder se à compra de material aeronáutico», nesta ocasião também expõe na mesma data (5 do Dezembro) que, tendo tido conhecimento pelo director da Aeronáutica, do que só passava, «manifestava a sua estranheza pelo facto de se ter contratado a aquisição do material aludido, em cifra absolutamente elevada, e para as circunstâncias do nosso Tesouro extremamente importante sem qualquer consulta prévia ao estado maior, o qual, dadas as funções orgânicas que lhe competem, nunca poderia deixar de ser ouvido antes da resolução definitiva sôbre a matéria, como teria, sido tomada a ser exacto que já foi subscrito qualquer contrato para fornecimento de material».
Mais tardo, e com melhor conhecimento do assunto, o mesmo oficial general expõe então em termos que constam das notas existentes no processo o que êle julga constituir matéria para atenção do Ministro, isto é, que o comandante da Escola Militar de Aviação, tendo apenas «autorização» e não «ordem», e aquela mesmo dada por vias não competentes, assinou os contratos som dar quaisquer conhecimentos ao seu legítimo superior o apesar de saber, porque o director da Aeronáutica lho pediu informações sôbre o assunto, que aquele seu chefe estava tratando do mesmo caso, continuou ocultando-lhe tudo o que estava fazendo, incluindo-lhe a assinatura dos contratos.
Verifica-se também que, apesar dêsses contratos envolverem enormes responsabilidades, tanto para o Ministério da Guerra, como para o Ministério das Finanças, nenhuma comunicação é feita a estas entidades depois dos contratos assinados, sendo preciso que a Repartição do Gabinete peça pôr três vezes o processo ao director da Aeronáutica, já então a mesma pessoa que assinara os contratos, para o Ministro da Guerra saber aquilo que, em seu nome, tinha sido firmado.
Há que salientar ainda que o oficial em questão, não obstante o carácter absolutamente extraordinário dos seus poderes, não procurou renová-los junto de cada um dos Ministros que sucessivamente ocuparam a pasta da guerra, a ponto de alguns deles só por via externa saberem de assunto tam importante que estava a correr sob sua responsabilidade.
Finalmente, há que esclarecer o que se tem feito correr na falta de apoio por parte do Govêrno ao raid Lisboa-Macau.
Em síntese, a atitude do Govêrno e do Ministro pode definir se: as condições oficiais em que se devia efectuar a viagem foram fixadas anteriormente a 6sto Govêrno. O actual Ministro da Guerra não as alterou e não fez qualquer entra concessão pela razão simples de que ninguém lho pediu.
Na véspera da partida dos aviadores alguém o procurou para lhe preguntar se o Ministério da Guerra se responsabilizava pela gasolina que a direcção da Aeronáutica tinha pedido a Vacuum Oil Company. O Ministro respondeu que êsses assuntos só podiam ser resolvidos-no seu gabinete, em despacho sôbre documentos oficiais, se do facto se tratava de um assunto oficial. Se não era assunto oficial o Ministério da Guerra não tinha que assumir responsabilidade alguma. Aquela démarche correspondia a um pedido dos aviadores? Nesse caso era uma incorrecção absoluta ser feita por um civil.
Quanto às ajudas de custa aos aviadores é absolutamente falso que o Ministro as tivesse recusado, por isso que ninguém as pediu. E certo que a direcção da Aeronáutica, em 30 de Abril, isto é, quási um mês depois da partida dos aviadores, «preguntou» à Direcção Geral dos Serviços Administrativos quais as ajudas de custo a abonar aos aviadores que estavam «em serviço» no estrangeiro. A Direcção dos Serviços Administrativos pré-
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guntou à Repartição do Gabinete em que condições tinham ido os aviadores, e esta respondeu a única cousa que podia responder, isto é, o que constava dos documentos oficiais: «que êles tinham ido sem dispêndio para a Fazenda». Não houve, por consequência, um pedido. Houve sim o propósito acentuado de evitar um pedido claro feito com clareza e nobreza, preferindo-se a forma indecisa de uma pregunta de serviço, e que leva a crer que a própria Direcção da Aeronáutica não queria solicitar o que julgava justo.
É, pois evidente que o actual Ministro manteve apenas a atitude dos seus antecessores e do Parlamento sôbre o assunto. Nenhum Ministro, nenhum parlamentar, julgou que a viagem a Macau merecesse que o Estado nela despendesse qualquer crédito importante e ninguém fez «qualquer proposta nesse sentido, certo de que o país o não aprovaria.
Depois que a viagem se iniciou nenhum pedido oficial foi feito para qualquer auxílio do Govêrno. Pelo contrário, quando ao saber do desastre da índia, o Ministro preguntou ao director da Aeronáutica se seria preciso algum auxílio do Estado, aquele «respondeu terminantemente que não era preciso. Mas é interessante saber-se por que motivo os anteriores Ministros não julgaram digna de auxílio financeiro do Estado a viagem aérea a Macau.
Para compreender isto basta ler a acta da sessão da Comissão Técnica de Aeronáutica, convocada para o gabinete do então Ministro da Guerra, Sr. coronel Freiria, no dia 9 de Julho de 1923. A comissão, tendo apenas contra o voto do Sr. capitão Brito Pais, votou que «a viagem era impossível de realizar com os recursos da nossa aviação».
O Sr. capitão Ribeiro da Fonseca disse mais: «é um êrro que o Estado distraia pára essa viagem qualquer verba orçamental, e é um crime que a Aeronáutica distraia para essa viagem qualquer parte da sua dotação».
Mais tarde os termos do requerimento do Sr. capitão Brito Pais são claríssimos. Nada pedem, nada, e frisam isto: «senão licença para levarem o Pátria». Foi isso que o Ministro de então lhe concedeu.
Qualquer outra concessão a fazer-se devia igualmente ser pedida e ninguém a pediu.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador restituir as notas taquigráficas.
O Sr. Nunes Loureiro: — Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que a comissão inter-parlamentar de comércio reúna amanhã durante a sessão.
Foi autorizado,
O Sr. Lelo Portela (para ex Sr. Presidente: acabamos de assistir ao libelo acusatório feito pelo Sr. Ministro da Guerra à aviação militar.
Não pretendi tirar qualquer efeito político da minha interpelação, que fiz única e exclusivamente pelo motivo da entrevista dada aos jornais pelo Sr. Ministro da Guerra.
De resto, o cuidado que o Sr. Ministro da Guerra teve em vir munido de uma pasta cheia de documentos relativos à aviação, demonstra bem o altíssimo interêsse que S. Ex a dedica à mesma aviação.
Dizia eu, Sr. Presidente, que propositadamente tive o cuidado, não esquecendo a minha qualidade de aviador, do quási nem sequer tocar em matéria de aviação no decorrer das minhas considerações, simplesmente para mostrar que S. Exa. não tinha dado meios necessários para desenvolver e manter a aviação.
Mas muito folgo em ter dado ensejo a S. Exa. de vir fazer à Câmara as largas considerações que fez sôbre os serviços de aeronáutica militar.
Sr. Presidente: vou seguir a mesma ordem que o Sr. Ministro da Guerra seguiu na sua exposição porque eu sou obrigado a defender a aeronáutica militar de um certo número de acusações feitas por S. Exa. a actos administrativos e a actos técnicos relativos ao mesmo serviço.
Quando eu esperava ver da parte do Sr. Ministro da Guerra desenhar uma política geral militar, quando eu esperava precisamente dar ensejo a S. Exa. de dizer o que pensava sôbre os diferentes problemas militares, S. Exa. limita-se exclusivamente a tratar de actos técnicos, e administrativos de aeronáutica militar, convertendo esta Câmara não numa assem-
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blea política mas numa comissão técnica de aviação.
Seguindo a ordem de considerações do S. Exa. tenho, portanto, de ser, por assim dizer, um membro de uma comissão técnica de aviação.
Disse S. Exa., referindo-se à cavalaria, pela qual passou ao de leve, que foi uma medida de economia ter-se desfeito o exército de 280 solipedes, acrescentando que, desde o momento que tirava a êsses oficiais o direito de terem êsses cavalos, ficava com a faculdade de os vender imediatamente. Seguindo êsse critério pode S. Exa. vender todos os cavalos do exército e então a economia será maior, visto não gastar dinheiro com ração alguma.
Em resposta às considerações que eu fiz acerca de actos praticados por S. Exa. que susceptibilizaram a arma dr engenharia, referiu-se S. Exa. a um jornal monárquico, dizendo que eu viera aqui fazer-me eco de considerações feitas por êsse jornal.
Devo declarar a S. Exa. que não leio êsse jornal monárquico e se nêsse ponto há alguma cousa a lamentar é o tanto de S. Exa. ter dado aso, pelos seus actos, a que êsse jornal fizesse as considerações a que se referiu.
O Sr. Ministro da Guerra começou o seu libelo acusatório à aviação por ler uma nota qualquer relativa a gratificações de voo, querendo levar a Câmara a julgar que os oficiais aviadores pretendiam receber uma gratificação indevidamente, porque das declarações feitas por S. Exa. a Câmara ficaria decerto com a impressão de que foi proposto a S. Exa. pela Direcção de Aeronáutica o recebimento de gratificações sem que êsses oficiais voassem.
Vou responder a S. Exa. e, visto ter-se transformado esta Câmara numa comissão técnica, há-de permitir-me a mesma Câmara que eu detalhe o que são essas justificações de voo.
Existiu em tempo uma lei que determinava que os vôos nas diferentes unidades fossem realizados segundo as instruções e ordens dadas pelos respectivos comandantes e assim, as gratificações de voo eram pagas quando êsses comandantes entendiam que o pessoal tinha direito a elas. Um dia, como medida económica, apresenta-se aqui uma lei modificando essas gratificações de voo e o Parlamento esta-
beleceu o princípio de tornar obrigatórias cinco horas de voo por mês, isto, Sr. Presidente, sem se atender a nenhuma condição de ordem, técnica, ficando assim,, em face da lei, estabelecidas as gratificações ao pessoal da aviação da seguinte-maneira: num mós, por exemplo, o oficiai aviador podia voar trinta ou quarenta horas, mas no mós seguinte, por deficiência de material ou porque o tempo o não permitisse, êsse oficial não voava e então tínhamos que êsse oficial no primeiro mês recebia a gratificação referente a cinco horas de voo, tendo voado trinta, o no segundo mês, como não tinha voado, não recebia gratificação alguma.
A propósito dêsse caso das gratificações o Sr. Ministro da Guerra quis saber a maneira de acabar com a Direcção da Aeronáutica. Isto prova o grande amor do S. Exa. pela Aeronáutica Militar.
O Orador: - Eu creio ter demonstrado que o Sr. Ministro da Guerra não se preocupa com a qualidade do trabalho, mas apenas vê a quantidade de trabalho. Para S. Exa. não há comandos, não há superiores, não há disciplina. S. Exa. diz apenas: é a lei e tem que se cumprir.
O Sr. António Maia: — Agora não ouve a Câmara. Agora não quere ouvir.
O Orador: — O Sr. Ministro da Guerra tem fomentado a indisciplina no exército. S. Exa. não se importa com o princípio da disciplina.
S. Exa. o Ministro da Guerra lançou um labéu sôbre a aviação.
Apoiados e não apoiados.
O Sr. Ministro da Guerra falou em promoções e eu devo dizer que nesse ponto a aviação não quis prejudicar ninguém.
Vários àpartes.
O Orador: — A aviação deu um grande exemplo de isenção.
Apoiados.
Foi pena V. Exa. não ler o resto do relatório.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Eu não podia tirar outra conclusão do relatório.
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O Orador: — Eu não tenho culpa que V. Exa. não percebesse.
Àpartes.
O Orador: — As promoções seriam feitas depois de prestadas as provas necessárias e respeitando-se todas as condições estabelecidas.
O Sr. Ministro da Guerra deseja lançar sôbre o pessoal da aviação mais essa suspeita de organisar uma proposta para seu benefício.
S. Exa. podia concordar ou não com a proposta, e introduzir-lhe quaisquer modificações, mas não metê-la na gaveta e inutilizar os serviços de aviação.
A comissão também diz que a taxa de dez por cento é destinada ao tempo da reforma.
Àpartes.
Mas isso já existe há muito tempo. É do regime estabelecido pelo Sr. Norton de Matos, e tem-se aplicado lá fora a todos, até àqueles que foram à América estudar a aviação.
Não devia o Sr. Ministro da Guerra preocupar-se com pequenos casos sem importância, porque os aviadores estão sempre em serviço de campanha, sempre lutando com os perigos e arriscando a vida, porque não têm tudo que é necessário à sua profissão.
Mas não ficou por aqui o ataque de S. Exa. à aviação.
Transformou o Parlamento numa comissão técnica, vindo tratar casos que devia esquecer para prestígio do exército.
S. Exa. referiu se a um caso passado com um oficial que tem prestado serviços à Pátria.
S. Exa. citou um desvio, que a comissão de sindicância respectiva diz não ser de responsabilidade alguma dêsse oficial.
Apartes.
S. Exa. veio fazer referências a um acto de administração que, infelizmente, não é um caso invulgar no exército.
Porque é que V. Exa. veio aqui trazer êste caso da aviação, e não citou outros casos?
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Mas tal caso não pode servir 'de argumento para me acusar de estar contra a aviação. Não persegui ninguém. Eu até tive ocasião de fazer justiça in-
teira ao carácter dêsse oficial, o capitão Ribeiro da Fonseca, com quem isso aconteceu.
Para que está V. Exa. a tirar efeito dêsse caso?
É um homem de bem; sou o primeiro a reconhecê-lo.
O Orador: — V. Exa. foi buscar o exemplo à aviação, havendo tantos outros exemplos.
Houve um caso com Sacadura Cabral, que escreveu uma carta em termos violentos, e V. Exa. não interveio.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo, Olavo): — Eu não-era Ministro nessa ocasião; e não sou Ministro da Marinha.
O Orador: — Foi em Conselho de Ministros.— e V. Exa. era Ministro da Guerra qoie foi deliberado dar-lhe a gratificação.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Não sou Ministro da Marinha, nem posso, portanto, ter responsabilidades de factos que se passaram sem que eu fôsse Ministro.
O Orador: — V. Exa. falou num relatório que não conheço, e que muito desejaria ver.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Está à disposição de V. Exa.
O Orador: — Quanto ao caso da aquisição da Quinta das Drogas e da Quinta da Granja, cumpre-me dizer que nêsse caso não há nenhuma responsabilidade para a aviação.
Os responsáveis são os Governos que tem desviado as respectivas verbas para outras desposas que ainda se não sabe quais sejam.
Foi portanto infeliz o Sr. Ministro de Guerra, querendo atribuir essas responsabilidades à Direcção de Aeronáutica.
Para se verificar a boa vontade do Sr. Ministro da Guerra e de todo o Govêrno, nas cousas que respeitam à aviação-militar, bastará lembrar que uma das primeiras cousas que se fizeram para iniciar o regime das economias — dessas grandes economias anunciadas pelo Governo foi cortar a verba de 350 contos que se destinava à aviação militar.
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Aquela verba fora votada pelo Parlamento, para se repararem os hangars do Campo de Aviação da Amadora, que haviam sido derrotados por um furacão, e a pista do Campo de Sintra, que está em estado de não poder servir.
Quis ainda o Sr. Ministro da Guerra referir-se aos automóveis em serviço da aviação, assunto em que eu não tocarei, nem sequer ao de leve.
Se nesta Câmara há alguém com autoridade para falar em automóveis, êsse alguém sou eu.
Fui eu quem apresentou nesta casa do Parlamento um projecto de lei que visava a moralizar os serviços de automóveis.
Várias vezos requeri que êsse projecto de lei fôsse pôsto à discussão, mas nunca alcancei o meu desejo.
A Câmara recusou-se sistematicamente entrar nessa discussão.
Quem se der ao trabalho de ler êsse meu projecto, nele encontrará as necessárias disposições para se acautelarem os interêsses do Estado e a boa execução dos respectivos serviços.
Posteriormente foi nomeada uma comissão que, embora fôsse desconhecedora das necessidades dos serviços da aeronáutica, resolveu, sem ouvir as instâncias competentes, destinar uma ambulância para cada unidade da aviação.
Isto só se dá no nosso país.
No estrangeiro há sempre o cuidado de pôr ao serviço de cada unidade da aviação duas ambulâncias pelo menos, para que uma possa estar de reserva.
Se amanhã, por qualquer motivo, houver uma panne numa delas, tem do se esperar que vá uma nova ambulância de Lisboa.
Mas a fúria do Sr. Ministro, da Guerra aos automóveis é tanta, que tirou até um carro oficina que existia na oficina de aeronáutica.
Trava-se diálogo entre o orador e os Srs. Ministro da Guerra e António
O Orador: — Mas, Sr. Presidente, se amanhã...
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?
Eu parto do seguinte princípio: visto que não há ambulâncias para todos os es-
tabelecimentos, eu tenho que as dividir por todos, e concentro-as numa estação, que é o Parque Automóvel Militar, onde qualquer unidade, que tenha uma viatura avariada, pode requisitar outra.
O Orador: — Mas, Sr. Presidente, eu ia dizendo há pouco que, pelo critério do Sr. Ministro da Guerra, se amanhã se der um desastre em Sintra, faz-se uma nota requisitando a viatura, aguarda-se que ela siga todos os seus trâmites, e passado um mês é que é fornecida.
Como vê a Câmara, é realmente um critério digno de aplaudir.
O Sr. João Camoesas (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?
Mesmo o argumento de que os hospitais não têm ambulâncias, não colhe, por que em Lisboa há recursos que não existem em outras terras.
O Orador: — Sr. Presidente: veja V. Exa. o cuidado que o Sr. Ministro da Guerra teve com os automóveis da aviação, que até na Escola de Aviação, onde existiam dois carros, o que não era de mais, um foi tirado.
Sr. Presidente: se o Sr..Ministro da Guerra tivesse tido o cuidado de se informar primeiro do serviço que êsses automóveis prestavam, verificaria que na aviação se dá uma situação especial.
As unidades de aviação precisam de camionettes de socorro que vão buscar os aviões, quando caem em qualquer sitio.
Pela situação actual criada pelo Sr. Ministro da Guerra a aviação não está em condições de poder exercer a sua missão.
Esta economia deu em resultado que um oficial que esteja em Sintra está impossibilitado de fazer todos os dias os nove quilómetros que distanciam ò campo da povoação.
Porque se privam êsses oficiais dêsses meios de transporto?
É um êrro o Sr. Ministro da Guerra querer adoptar o mesmo critério para todas as armas e reconhecido o êrro não lhe ficava mal ter reconsiderado na sua ordem.
Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Ministro da Guerra.
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O Orador: — O adido militar françês, com requerimento ao Ministério da Guerra, comprou um automóvel pelo preço do custo.
O director dos serviços automóveis tem outro e tem um outro ainda o nosso colega nesta Câmara, Sr. Malheiro Reimão, mas, se forem precisos mais casos, mais casos apontarei.
Lamento que o Sr. Ministro tenha tocado a nota pessoal e me obrigue, também, a referir-me a camaradas.
O Sr. Ministro, mostrando os grandes favores que à aviação tem feito, disse que ainda lhe deixou muitos carros, referiu-se V. Exa., por exemplo, ao camião que deixou ao parque, ao carro-guincho que é precisamente o tractor necessário para fazer subir e descer os aeróstatos e ainda a dois projectores. Quanto ao carro-guincho, sabe V. Exa. que elo ô indispensável numa companhia do acrosteiros, a não ser que os aeróstatos passassem a subir e a descer à mão, como os papagaios.
Um àparte.
O Orador: — Vejamos agora a história do crédito das 200:000 libras. O Sr. António Maria da Silva, quando Ministro da Guerra, desejando prestar à aviação o alto serviço do que ela era absolutamente merecedora, determinou quê do crédito de £ 3.000:000 fôsse aberto um crédito especial de £ 200:000, tendo delegado todos os poderes necessários para a aquisição do material ao então Director da Aeronáutica Militar, que não era o efectivo, visto que êste se achava doente ou de licença, e certamente o Ministro da Guerra de então não havia de ir a sua casa dizer que se apresentasse para tratar do assunto.
Mas qual foi, no fim de contas o horrível crime da aquisição dos aviões?
O Director da Aeronáutica, podendo, no uso da incumbência que lhe tinha sido feita, proceder à compra imediata de material, não o fez, tendo preferido mandar reunir a comissão técnica de aviação, e dizer-lhe — temos um crédito de £ 200:000, diga essa comissão qual a melhor maneira de o utilizar. E essa comissão estabeleceu um certo número de aviões-escolas, de aviões de bombardeamento, de aviões de reconhecimento, de aviões de caça,
tendo estabelecido ainda um princípio que é absolutamente indispensável manter: o da aquisição dos sobressalentes necessários, porque sem êles, o material torna-se inútil.
Friso isto para que não venha a dar-se o caso de, por umas 10:000 ou 12:000 libras, se deixarem de comprar os sobressalentes indispensáveis.
Assim, a comissão técnica da aviação resolveu adquirir o material nas proporções determinadas e o Director da Aeronáutica fez um concurso, mandando preguntar às diferentes casas fornecedoras inglesas os preços, condições, etc. Depois de analisadas as respectivas propostas pela comissão técnica de aviação é que esta deliberou escolher determinados aviões depois do todas estas formalidades é que o Director da Aeronáutica fechou os contratos.
Já que falei neste assunto, lamento que o Sr. Ministro da Guerra ainda não tenha dito à Câmara qual é o seu critério a tal respeito, isto é se entende ou não que deve ser votado êsse crédito de 30:000 contos, para cuja discussão não pediu a dispensa do Regimento como tem pedido para todos os outros créditos que tem querido abrir.
Pretende S. Exa. fazer apenas uma manifestação platónica, dizendo que pediu o crédito, mas desinteressando-se, afinal, da sua aprovação, como se desinteressou pela promoção dos aviadores?
Se S. Exa. os tivesse querido promover, tinha poderes bastantes para isso sem necessidade de apresentar qualquer proposta, bastando para isso ouvir o conselho de promoções.
Um àparte do Sr. Ministro da Guerra, que não foi ouvido.
O Orador: — O Sr. Ministro da Guerra acaba de se referir na verdade a uma conversa particular havida entre mim, S. Exa. e o Sr. António Maia; porém, devo dizer de que o nosso desejo seria que êsse concurso fôsse internacional, pois, tenho a certeza de que desta forma se poderiam obter aviões em muito melhores condições.
Foram êstes os desejos que eu manifestei a V. Exa., mas o que vejo é quê o Sr. Ministro da Guerra, relativamente ao assunto, pretende nem mais nem menos
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do que lançar poeira aos olhos dos outros, falando-nos numa proposta dum crédito, se bem que não tenha vontade Alguma de abrir êsse crédito.
Nesta altura trocam-se apartes entre o orador, o Sr. Ministro da Guerra e o Sr. António Maia.
O Orador: — Parece-me Sr. Presidente que não. encontro mais acusações feitas pelo Sr. Ministro da Guerra à Aeronáutica Militar, julgando, portanto, ter respondido cabalmente a S. Exa. invertendo-se neste caso os papéis, defendendo eu um serviço que S. Exa. devia ser o primeiro a defender como Ministro da Guerra.
Creio, repito ter respondido cabalmente a S. Exa., isto é, ter demonstrado claramente que S. Exa. não respondeu às preguntas que lhe fiz, não me dizendo quais foram os meios, ou as medidas que tomou de carácter disciplinar para regularizar essa situação.
Mas esqueceu-me ainda tocar num ponto: é o do raid Lisboa-Macau. Lembra-se o Sr. Ministro da Guerra, por acaso, das considerações feitas por mim nesta Câmara quando S. Exa. aqui trouxe a proposta de lei que promovia os oficiais aviadores? Disse então a S. Exa. que só tinha dois caminhos a tomar: ou proibir o raid, se com êle não concordava, ou então desinteressar-se dele, se com êle concordava.
Apoiados.
Nunca podia S. Exa. consentir que dois oficiais aviadores que partem para uma empresa daquela natureza fossem considerados como dois particulares que vão numa empresa particular; por isso devia dar-lhes todo o apoio para desempenharem cabalmente a sua missão.
Apoiados.
Vem, porém, S. Exa. dizer-me que eu, como aviador, devia vir aqui pedir o crédito necessário.
Mas que confusão faz S. Exa. entre as minhas funções de Deputado e as de aviador? Não consinto que S. Exa. confunda essas minhas funções.
E por agora nada mais.
O orador não reviu.
O Sr. Vergílio Costa (para interrogar a Mesa). — Sr. Presidente: há três ou quatro dias levantei nesta, casa do Parla-,
mento um negócio urgente, em que acusei o Sr. Ministro do Comércio, com provas, de ter lançado despachos prejudiciais aos interêsses do Estado em certos processos, quando S. Exa. não tinha competência para o fazer.
Iniciou o Sr. Ministro do Comercio as suas considerações, mas teve de suspendê-las por finalizar a sessão, ficando com a palavra reservada. Como até hoje S. Exa. não reatou essas considerações, pregunto a V. Exa. quando elas continuam.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O assunto deve discutir-se na ordem do dia da próxima sessão.
O Sr. Pinto Barriga (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: pedi a palavra, para preguntar a V. Exa. o que há sobre-a renúncia do Sr. Fausto de Figueiredo.
O Sr. Presidente: — Nada me consta.
O Orador: — Mas a comissão encarregada de tratar disso já reuniu?
O Sr. Presidente: — Não tenho conhecimento de que já tivesse reunido.
O Orador: — Muito obrigado a V. Exa.
O Sr. Presidente: - Chamo a atenção da Câmara. O Sr. António Maia deseja usar da palavra para explicações sôbre a questão levantada pelo Sr. Lelo Portela, Os Srs. Deputados que autorizam queiram levantar-se.
Foi autorizado.
O Sr. João Luís Ricardo (por parte da comissão de previdência social): — Sr. Presidente: envio para a Mesa o parecer desta comissão sôbre as conclusões do Congresso das Misericórdias, e, como o assunto é urgente, peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se concede para o mesmo parecer a urgência. Ao mesmo tempo requeiro que entre em discussão, antes da ordem do dia o projecto de lei relativo ao mesmo assunto que já está há tempo na Mesa.
Consultada a Câmara, é aprovada a urgência e o requerimento.
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O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Eu fui o primeiro Deputado que nesta Câmara apresentou um projecto sôbre legados pios. Não podia por isso deixar de concordar com o desejo que acaba de manifestar o Sr. João Luís Ricardo, de que esta casa do Parlamento delibere sôbre as reclamações das Misericórdias.
Simplesmente não vejo possibilidade de se discutir n m problema de tal importância dentro do curto espaço de tempo que é o período da ordem do dia.
O Sr. João Luís Ricardo: — Para o meu projecto tendente a cobrir os deficits das Misericórdias eu pedi apenas urgência.
O Orador: — Nesse caso não tenho dúvida em dar o meu voto ao requerimento do S. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Antes de dar à Câmara as explicações para que pedi a palavra requeiro a generalização do debate,.
É rejeitado o requerimento.
O Orador: — Sr. Presidente: se a Câmara não tivesse ficado esclarecida pelo ilustre Deputado Sr. Lelo Portela sôbre a manifesta má, vontade do Sr. Ministro da Guerra contra a aviação, S. Exa. com os documentos que leu, ter-se-ia encarregado de o fazer.
O Sr. Ministro da Guerra começou por falar dum relatório relativo a questões administrativas da aviação, e depois de se referir a desvios de verbas dum para outro fim, acabou por declarar que todos êsses factos se haviam dado durante o período em que esteve na direcção da Aeronáutica o Sr. Freitas Soares.
Isto quere dizer que o Sr. Ministro da Guerra foi buscar factos passados muito anteriormente às origens do actual conflito, simplesmente para provar que a sua má vontade pela aviação é tam grande que vai até o ponto de ir buscar cousas com as quais nada tem o actual comandante da aviação.
O interessante é que eu já vi aqui um Ministro da Guerra acusar a aviação de factos desonestos, aos quais se impunha fazer uma rigorosa sindicância, ao mesmo tempo que defendia calorosamente o Sr. Freitas Soares, então comandante da Aeronáutica e pessoa de sua Confiança.
Pois agora é o actual Ministro da Guerra que rios vem dizer que foi precisamente o Sr. Freitas Soares quem cometeu actos menos regulamentares.
Sr. Presidente: a questão levantada entre a aviação e o Sr. Ministro da Guerra não nasceu, pois, de factos passados com o actual comandante.
Não se compreende, por isso, a razão que levou o Sr. Ministro da Guerra a apontá-los, a não ser que o fim a atingir seja levar-nos a ficar de pé atrás com o actual director da Aeronáutica, obrigando-o a abandonar o seu lugar para que êle fôsse ocupado por um oficial do Estado Maior.
Vamos agora à aquisição dos aparelhos.
Mostrou-se S. Exa. indignado pelo facto de não ter sido ouvido o Corpo do Estado Maior sôbre as marcas e características dos aparelhos a adquirir, muito embora S. Exa. se não tivesse igualmente indignado pelo facto duma comissão qualquer de oficiais ter tirado à aviação os carros que lhe pertenciam, sem ao menos ter consultado os técnicos.
Ora eu sempre supus que quem mandava no exército era o Ministro da Guerra, e, desde o momento em que um oficial recebia ordens directas dêsse Ministro da Guerra para executar determinado serviço, êle não tinha nada que comunicar aos outros o que tinha de fazer.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Não é assim, porque o decreto que reorganizou a Aeronáutica Militar diz que ela fica subordinada ao Estado Maior do Exército.
O Sr. Quartel Mestre General foi a entidade que se queixou de não ter sido ouvido, como de facto devia sê-lo.
O Orador: — V. Exa. veio interromper-me numa altura em que eu já não falava, no Estado Maior, tal é a atenção com que V. Exa. está seguindo as minhas considerações.
O que eu estava dizendo a V. Exa. é que o oficial que foi incumbido pelo Ministro da Guerra de fazer uma certa e determinada cousa não tem que dar sa
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tisfações a ninguém, senão ao próprio Ministro da Guerra, da maneira como cumpre e faz êsse serviço.
Que tem isto com o Estado Maior?
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo: — O Estado Maior sempre que se trata da aquisição de aparelhos e que determina as condições em que só deve fazer essa aquisição.
O Orador: - V. Exa. acaba de dizer que o Ministro da Guerra autorizou o crédito. Tinha que consultar o Estado Maior?
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — O Ministro da Guerra, mandando fazer a aquisição por conta dos três milhões de libras, destinando para êsse efeito duzentas mil libras, praticou um acto das suas atribuições, mas quem havia de determinar a natureza dêsses aparelhos e as suas devidas características era o Estado Maior, a quem a aviação está subordinada.
O Orador: — Não á isso, porque o Sr. Ministro da Guerra incumbiu o Sr. Cifka Duarte da aquisição de aparelhos. Foi o Sr. Ministro da Guerra que deu ordem ao director da Aeronáutica para comprar os aviões.
O Sr. Lelo Portela: — Ou então é o Estado Maior que se permite censurar o Sr. Ministro da Guerra.
O Orador: — Em resumo, o que se passou foi o seguinte:
O Ministro da Guerra incumbiu o director da Aeronáutica, interino, de fazer *a aquisição dos aparelhos.
O Estado Maior protestou por não ter sido ouvido.
Êsse protesto foi evidentemente contra o Ministro da Guerra, pois fora êle que directamente dera aquela ordem.
Ora como S. Exa. o Ministro diz a todo o momento que para manter o prestígio do exército não sabe senão proceder em conformidade com as disposições do regulamento disciplinar, eu pregunto-lhe que procedimento teve para com o Estado Maior, que se permitiu censurar o seu acto.
Pausa.
O Orador: — Nesta altura S. Exa. não me ouve.
Parece que S. Exa. achou bem que o Estado Maior lhe dissesse que tinha andado mal.
Para com o director da Aeronáutica usa do todo o rigor — é para mostrar o amor e carinho que tem pela aviação—, mas para com o Estado Maior tem toda a benevolência.
É um critério muito interessante.
O Sr. Ministro da Guerra invocou como prova irrefutável do seu muito amor péla aviação o facto de já lhe haver dado 30 mil contos.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Eu não dei nada. Apenas apresentei a proposta. Agora o caso é com o Parlamento. Êle a votará ou não.
O Orador: — Está muito bem.
Mas S. Exa. apresentou essa proposta porque deseje com efeito pelo seu amor à aviação que ela deve...
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Se me pregunta se nas actuais condições do tesouro eu, Ministro da Guerra, destinaria 200 mil libras para compra de aviões, dir-lhe-bei que não.
Se apresentei a proposta dos 30 mil contos, é porque, por uma questão de crédito do Estado, tenho de pagar êsse encargo no estrangeiro.
O Orador: — Agradeço a explicação que S. Exa. acaba de dar notando, porém, que ràpidamente mudou de opinião. Há pouco disse que daria; agora diz que não dá.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — O que eu disse foi que havia necessidade de se pagar o que havia de pagar-,se.
O Orador: — Disse que a aviação é que tinha necessidade...
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): - V. Exa. interpretou mal as minhas palavras.
Eu fiz a afirmação clara de que não dava as 200 mil libras.
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O Orador: — Está bem. E mais uma prova de carinho que tributa à aviação. É assim que prova o grande amor que tem pela aviação.
O Sr. Almeida Ribeiro (interrompendo): — Prova o seu amor ao país.
O Orador: — Tem tanto amor ao país, que o deixa na mais critica situação no que toca à defesa nacional.
Sr. Presidente: já que falo nisto eu quero dizer que em todos os países com a moeda tam desvalorizada como a nossa, e que precisam equilibrar o Orçamento, se vê constantemente aumentar os serviços de aviação.
Àpartes.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo) (interrompendo): — É por isso que no Orçamento do ano que vem eu apresento alguns aumentos de verbas para a aviação, satisfazendo alguns pedidos, o que mostra que não tenho má vontade contra a aviação.
Àpartes.
O Orador: — Se V. Exa. vir o que gastam os outros países com a sua aviação, verá que essas quantias não chegam para nada.
S. Exa. entende que gasta muito com a aviação, o pelo seu critério pode somar tudo que se tem gasto com a aviação e dizer que se gasta então muito.
S. Exa. diz que se gasta muito, mas não cita os reformados.
Um aviador efectivo ganha menos que um reformado.
Só acha que se gasta muito, o melhor é propor a extinção dos serviços de aviação.
Certamente que o melhor sistema para quem está doente, no entender de S. Exa. será cortar a cabeça, e fica o mal sanado.
Não desejo alargar as minhas considerações, mas não posso deixar de chamar a atenção do S. Exa. para um determinado facto, deixando o muito que tinha a dizer.
Quero referir-me ao caso sucedido numa esquadrilha, a que se refere uma sindicância feita já, estando o implicado oficial para responder a conselho de guerra e estando preso.
O caso já tem sido aqui referido.
Àpartes.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): - V. Exa. quere ouvir outro caso pior em confronto com êsse?
Foi levantado um auto aos oficiais incriminados na questão, estando presos por ignorância das disposições legais, segundo a nota do parecer do técnico que foi fazer a inspecção à unidade a que aludo.
Houve crime?
Julgo que fossem incapazes de qualquer crime.
Houve a não observância dos preceitos regulamentares.
É êste o parecer dos técnicos.
O Orador: — Não é bem assim. V. Exa. não leu todo o relatório.
O Sr. Presidente: — É a hora de dar a palavra aos oradores que a pediram para antes de encerrar a sessão.
O Orador: — Tenho muita cousa a dizer, tanto mais que fui visado pelo Sr. Ministro da Guerra.
Tenho que provar que S. Exa. não cumpre as leis.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Acho bem...
O Sr. Presidente: — V. Exa. pede amanhã a palavra para explicações, sôbre o assunto em discussão.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Amanhã tenho um serviço a que não posso faltar, o que torna improvável a minha comparência na Câmara.
O Orador: — Qualquer dos Srs. Ministros saberá responder às minhas considerações.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se consente seja prorrogada a sessão até se liquidar êste incidente.
Assim pode assistir o Sr. Ministro da Guerra.
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O Sr. Presidente: — Já passou a hora de poder ser votado êsse requerimento.
O Sr. Cunha Leal: — O respeito que tenho por V. Exa. leva-me a pedir-lhe o favor de que se não coloque e:n circunstâncias de nós lhe perdermos o respeito.
Pregunto se o Presidente da Câmara que não seja simultaneamente o Presidente duma facção, tendo dado a palavra a um Deputado que a pediu para um requerimento, pode recusar-se a pôr êsse requerimento, à votação.
O Sr. Presidente: — Não sabia sôbre era o requerimento.
O Orador: - V. Exa. não sabe; nem podia sabê-lo: era um requerimento.
O Sr. Plínio Silva: — O Sr. Cunha Leal terminou por dizer que V. Exa. era o Presidente duma facção...
O Sr. Cunha Leal: — V. Exa. é demasiadamente «magriço» para tomar a peito à defesa do Sr. Presidente.
O Orador: — Eu vou prenunciar-me até em sentido contrário, porque ainda não há muito tempo que o Sr. Presidente, que costuma sempre consultar a Câmara para votar negócios urgentes, tem recusado a Deputados da maioria essa faculdade, não tendo dúvida em proceder dê forma diversa para com os Deputados da oposição.
Mas quero dizer o seguinte: às 7 horas e 10 minutos, preguntei a que hora se encerrava a sessão, e o Sr. Presidente declarou que era às 7 horas o 15 minutos.
São 7 horas e 20 minutos; será ainda horas para votar requerimentos?
Assim, pregunto quem tem o direito de protestar: te somos nós, que nos informámos junto da Mesa sôbre, a hora a que a sessão fechava, se o Sr. Cunha Leal, que às 7 horas e 18 minutos pediu a palavra para um requerimento.
Nestas condições, parece-me que V. Exa. tem, apenas de cumprir o Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente os protestos contra a aceitação de qual-
quer requerimento que seja feito à Mesa, assim como os protestos da Mesa, devem ser feitos anteriormente à aceitação dêsse requerimento. Desde que êle foi aceito, parece-me que se não deve estabelecer o precedente de protestar contra êle falando sôbre o modo de votar.
Não sei se estamos ou não no momento de fazer requerimentos, mas desde que V. Exa. Sr. Presidente, o aceitou, não podemos fazer outra cousa que não seja votá-lo, aprovando-o ou rejeitando-o.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: parece-me que o Sr. Plínio Silva está de acordo com a interpretação do Sr. Cunha Leal, e tanto assim, que S. Exa. falou sôbre o modo de votar. Se assim foi, é porque S. Exa. reconheceu que o requerimento apresentado pelo Sr. Cunha Leal, tem de ser votado.
O orador não reviu.
Posto à votação o requerimento do Sr. Cunha Leal, foi aprovado, continuando no uso da palavra, o Sr. António Maia.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: ia eu dizendo que S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra, achava extraordinário que o serviço do ar, fosse considerado como serviço de campanha, mas eu devo dizer que acho tudo quanto há de mais natural, tanto mais que há uma lei que assim o determina.
Preguntou ainda o Sr. Ministro da Guerra qual era a distinção entre a aviação em campanha, e o restante exército. Sr. Presidente: devo responder que, emquanto o exército não estiver em campanha, a aviação distingue-se dele pela sua maneira de ser, pelo risco que corre constantemente, pela depressão física e ainda por outros motivos, ao passo que estando todos em campanha, entendo que a compensação deve ser igual para todos, porque aí, todos igualmente arriscam a vida.
Direi ao Sr. Ministro da Guerra que as despesas com o exército eram incomportáveis, mas o que S. Exa. não disse, foi que havia toda a necessidade de ditar esta arma devidamente, e que todos os países põem antes do restante exército a aviação.
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A verdade é que para se fazer um aviador leva algum tempo, mais do que é necessário para se fazer uma mobilização.
O que é um facto Sr. Presidente é que a, nossa vizinha Espanha está aumentando consideravelmente a sua aviação e assim nós não devemos esquecer que o único inimigo que poderemos ter é apropria Espanha, apesar de todas as suas manifestações à) simpatia.
Não nos devemos esquecer disto, repito; porém, o Sr. Ministro da Guerra não obstante o que acabo de expor à Câmara responde-nos mostrando-nos a grande necessidade que há de fazer economias, colocando tudo, absolutamente tudo acima da defesa do País.
Não admira que um Ministro da Guerra que assim procede tenha contra si o exército inteiro, como S. Exa. tem.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro) (interrompendo): — E pode V. Exa. ter a certeza que um outro Ministro da Guerra com um critério diverso do actual, não pode agora sentar-se nas bancadas do Poder.
O Orador: — Diz o Sr. Presidente do Ministério que nesta ocasião não poderá ir para ali outro Ministro da Guerra.
Francamente, Sr. Presidente, eu nada tenho com isso; pois a verdade é que isso é com S. Exa.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo (interrompendo): — O Sr. Presidente do Ministério não disse que não poderia vir para aqui outro Ministro da Guerra; o que disse é que não poderia vir para aqui outro Ministro da Guerra com um critério diferente daquele que eu tenho, que é o da necessidade que há de fazer economias. De resto, pode V. Exa. ter a certeza do que não tenho interêsse algum em aqui estar.
O Orador: — Nos outros países não se faz o que se está fazendo entre nós, pois, a verdade é que a condição principal dum Ministro da Guerra é olhar pelo exército, o que se não faz entre nós, antes pelo contrário, pois, a verdade é que S. Exa. coloca a economia acima da defesa do País, o que não pode ser.
Vou agora, Sr. Presidente, referir-me ao raid Lisboa-Macau.
S. Exa., para demonstrar que realmente tinha pelo raid todo o carinho, começou por dizer que a comissão técnica foi de opinião que êle não devia realizar-se; mas S. Exa. esqueceu-se de declarar que quatro dos membros que compunham essa comissão não são aviadores.
É, de resto, o que se disse nessa comissão?
Afirmou-se simplesmente que com a verba orçada para a Aeronáutica Militar não se podia, efectuar o raid.
Evidentemente; e a comissão técnica entendeu muito bem.
Mas o Sr. Ministro da Guerra, apesar de todo o seu carinho pelo raia, não trouxe aqui qualquer proposta no sentido de atender às necessidades dos aviadores.
Pelo contrário, S. Exa. pôs-lhes entraves.
Sr. Presidente: como o 5r. Ministro da Guerra é um fio cumpridor das lei?, eu recorde-lhe que no ano passado houve um Oficial que reclamou contra a sua folha de informações. Essa Colha seguia vários trâmites: ia à Secretaria da Guerra, ia ao Conselho Superior de Promoções, e êste Conselho tinha de dar o seu parecer até 15 de Fevereiro do ano passado. Pois o Sr. Ministro da Guerra sabe muito bem que êste parecer ainda não chegou às mãos dos interessados, e S. Exa. não deu até agora as providências que o caso requere, segundo os regulamentos militares.
Mas há mais. O Sr. Ministro da Guerra castigou há pouco tempo um oficial com trinta dias de prisão correccional. Êsse oficial, segundo determina o regulamento, tinha de cumprir imediatamente êsse castigo, mas até hoje ainda não deu entrada na prisão
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo) (interrompendo}: — Não dou, mas vai dar entrada na prisão. E o facto de não ter cumprido ainda o castigo é o de estar prestando serviço numa comissão parlamentar de inquérito.
O Orador: — E interessante êsse critério. Um secretário dum membro duma comissão de inquérito tem mais regalias do que um Deputado! Terminando as minhas considerações,
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só me resta repetir que a acção do Sr. Ministro da Guerra tem sido prejudicial à bacilo e à disciplina do exército.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Quatro palavras apenas para que S. Exas.. não julguem que deixo de responder por menos consideração.
S. Exa. apreciou tantos assuntos, que mais parece ter feito uma interpelação.
O Sr. António Maia (interrompendo): — Foi V. Exa. quem trouxe esta questão à Câmara.
O Orador: — O que é verdade é que não encontro na argumentação de V. Exa. nenhum motivo para mudar de critério, pois ficaram de pé todas as considerações que eu fiz.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Não pretendo introduzir uma nota política no debato, mas desejo lembrar ao Sr. Ministro da Guerra que está procedendo nesta questão como uma criança amuada.
Num Ministério presidido pelo Sr. Liberato Pinto, a que eu pertenci, sucedeu que um oficial de marinha recusou-se a estender a mão a um Ministro.
Êsse Ministro foi ao seio do Conselho e expôs o facto, pedindo para êle a sanção devida.
Houve então um membro dêsse Govêrno que disse mais ou menos o seguinte: «Um homem político não tem o direito, num caso como êste, de praticar qualquer acto que seja prejudicial dos interêsses do País, permitindo na sua idea de castigar o oficial que o desconsiderou».
Eu não digo quem, em pleno Conselho, lembrou ao Sr. Júlio Martins que era melhor para os interêsses da República que se demitisse; apenas garanto que êsse alguém não fui eu.
O Sr. Ministro da Guerra tem o dever de meditar, sem que eu tenha o propósito de lhe dar uma lição, as palavras que acabo de dizer.
Não têm o intuito de ameaçar, nem o de ferir politicamente, as minhas palavras.
Se o Sr. Ministro quere que lhe fale com toda a franqueza, devo dizer que até
sob certos aspectos simpatizo com a sua aparência de bom português, porque o é. Mas há mal entendidos, porventura.
Eu mesmo não sei se pôsto em presença duma questão que excede os simples princípios duma questão disciplinar, para tornar, pelas razões que exporei, o aspecto político tomaria a atitude que S. Exa. tomou.
Quem sabe se eu; talvez, colocado na situação de S. Exa., seria capaz dos mesmos gestos exaltados e do não meditar na conseqüência dos meus actos?
Nós somos, todavia, um país que sente decompor-se a si próprio; somos um país que, interrogando-se cuidadosamente, reconhece que todas as fôrças de desassociação que existem na sociedade portuguesa actuam ou pretendem actuar no sentido de nos levar à decomposição final.
Obedece isto a um objectivo? E apenas o resultado da impotência das fôrças orgânicas da sociedade? Porventura tudo isto obedece a uma premeditação ou é um fenómeno fatal?
No meio, porém de todas estas fôças negativas que se manifestam na sociedade portuguesa há um conjunto de belos rapazes que provam perante a sociedade que existe ainda dentro deles a qualidade que sobreleva a tudo para os portugueses: verdadeiro desprêzo pela vida, audácia que desafia tudo, o espaço e o infinito, e que têm uma aspiração claramente definida.
Querem demonstrar que existem neles fôrças que pretendem encaminhar-nos para um futuro melhor e que a raça portuguesa tem condições de persistência, de audácia e de ambição por um destino melhor.
Apoiados.
Digo-o sem nenhum espírito de acrimónia contra V. Exa., o bravo combatente da Flandres, a quem eu nesta hora presto justiça.
V. Exa. procedeu como um mau político, mas com bons intuitos.
Não tive o prazer de estar presente à sessão em que a questão foi levantada no Parlamento. E, a propósito ou despropósito dêste incidente, deixem-me V. Exas. aludir ao suposto prejuízo de cêrca de 80:000 contos que o Estado teria tido» com a compra e venda de cambiais. Não
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houve prejuízo algum. O que há é uma lamentável irregularidade nas contas do Estado.
O aparento prejuízo resulta principalmente do pão político, da diferença com que o Estado vendia as cambiais destinadas à importação de trigo para não se elevar o preço do pão.
O que é que isto significa? Que não há contas, que vivemos num regime absolutamente de irresponsabilidades. E é neste momento, num país que vive nestas circunstâncias, que, por não se terem cumprido pequenas formalidades, V.Ex. Sr. Ministro da Guerra, se indigna contra a aviação e procura andar num conflito com uma corporação, que, tenho a certeza, S. Exa. respeita 'tanto como eu, mas que, pelas suas funções públicas, tem o dever de prezar um pouco mais do que preza.
Em presença do que estamos qual é, portanto, o problema?
O problema é o Sr. Ministro da Guerra aceitar os factos como êles se apresentam.
Veja S. Exa. como eu sou tam pouco explorador político, que me sentiria mal com a minha consciência se nesta hora não lhe fizesse uma confissão, o é a seguinte: declaro, e digo-o exactamente para merecer o respeito de pessoas que aqui estão o que viram o meu procedimento quando Ministro das Finanças, que eu talvez também não tivesse dado essas libras para a compra do aparelhos de aviação, mas declaro que se me encontrasse em presença de contratos feitos da procuraria tirar o máximo proveito a lavor da aviação, procuraria prestigiá-la, procuraria aproveitar o sacrifício que a nação tinha feito com uma arma que pretende lutar, voar, arriscar-se a morrer, arriscando-se a sofrer todas as contingências da sorte para levantar o nome nacional.
Visto que a situação estava criada, teria dito: aí têm os aparelhos, façam o favor de continuar a lutar pela sua terra, sejam o que tem sido até agora, e eu só lhes não dou mais porque não posso.
Mas parece que a tática do Sr. Ministro da Guerra foi exactamente oposta; procurou criar um conflito, e de facto criou uma situação de intranqüilidade que é desagradável para todos nós.
Moralidade desta pequenina fábula: o Sr. Ministro da Guerra, tenho disso a certeza, é pessoa capaz de meditar no que acabo de dizer; acredito que o Sr.. Ministro da Guerra, e isto sem nenhum segundo sentido, sem segunda intenção, é capaz de acarinhar a aviação portuguesa, porque o merece especialmente neste momento em que, metidos num avião que vai a trouxe-mouxe por êsse espaço fora, sem condições de segurança, vão uns dois bons rapazes, Brito Pais e Sarmento Beirés, movidos pela nobre paixão de servir o seu país.
Neste momento tenho a certeza de que S. Exa., que andou na guerra, já fez mais pela Pátria do que eu, está já arrependido do que disse a respeito da nossa aviação.
Não digo isto por uma política baixai? mas como português.
A aviação é alguma cousa na nossa terra, e todos nós ternos o dever de esquecer as suas faltas, e certamente será essa já a atitude de S. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Sr. Presidente: começo por agradecer as generosas palavras que o Sr. Cunha Leal disse a meu respeito, mas devo dizer que fui o primeiro, no princípio das minhas considerações, a render homenagem à nossa aviação.
Eu sei também que não se pode ser aviador sem ter condições de um certo estouvamento, empregando esta palavra no bom sentido.
Eu vejo também a porção de benevolência que é necessário ter para com certas faltas por êles praticadas, mas não a posso ter para faltas de natureza grave, e não posso aceitar que na 5.ª arma se pratiquem actos que não são conformes com as leis e regulamentos militares.
Apartes.
A certos casos não posso deixar de aplicar as devidas sanções, embora com alguma benevolência.
Narrou o Sr. Cunha Leal um caso ocorrido num Govêrno de que S. Exa. fez parte.
Se V. Exa. quere pôr a questão de me avisar que devo abandonar o meu cargo, devo dizer que o abandonarei na primeira
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hora em que a Câmara me disser que não mereço a sua confiança, mas só nessa hora.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): — V% Exa. dà-me licença?
E provável que o meu aviso tenha qualquer cousa de malcriado. Se a tem, peço desculpa, mas eu quis apenas dizer o seguinte: que numa dada altura alguém a meu lado tinha dado a outrem um conselho que eu me permiti relembrar a V. Exa., embora não supondo que as cousas tenham atingido a paridade dessa época. E devo dizer que existe uma grande dose de maleabilidade política a que nem os Ministros da Guerra devem ser estranhos. Que certa pessoa um dia me dera uma lição que ou não esqueci; foi a única cousa que eu quis recordar.
Nada mais.
O Orador: — Continuo a dizer que independentemente da votação do Sr. Cunha Leal, eu medito bem as minhas resoluções- e que nelas ponho sempre possível benevolência que é compatível com os regulamentos militares.
0Quando a Câmara me manifestar a sua desconfiança, sei o que me caberá fazer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: o ilustre Deputado Sr. Cunha Leal, com uma memória extremamente feliz, recordou um episódio da nossa vida política a que S. Exa. e eu estamos ligados e a que, infelizmente, já hoje se ligam, também, recordações muito magoadas e muito dolorosas, tanto para S. Exa. como para mim, porque nos lembra uma figura de republicano muito querida, o Dr. Júlio Martins.
Apoiados.
Já não posso reconstituir inteiramente o episódio que S. Exa. recordou. Lembro-me que no Conselho de Ministros em que o assunto foi tratado eu manifestei opinião no sentido que o Sr. Cunha Leal expôs à Câmara, ocultando o meu nome por uma circunstância política e para não desvendar o mistério.
Mas, Sr. Cunha Leal, eu apelo, também, para a sua memória para recordar
que o episódio de então não tem nada de semelhante com o de agora.
Neste momento não se trata de nenhum acto extra-regular ou extra-legal praticado por um Ministro no desempenho das suas funções.
Não sei bem, não posso averiguar, nem é talvez fácil saber, qual o episódio, qual o despacho, qual o acto do Ministro que deu lugar a esta campanha intensa, viva que se faz contra o Ministro da Guerra, procurando-se fazer dele um instrumento, talvez inimigo, contra a aviação do exército, contra a aviação republicana.
Não sei como isso chegou a formar-se, quando é certo que nem a exposição do Sr. Lelo Portela, nem a do Sr. António Maia, nem em tudo que tenho lido ou a que tenho assistido eu tenho encontrado qualquer acto do Ministro da Guerra contra o que se podem chamar as justas aspirações da aviação.
O facto a que o Sr. Cunha Leal aludiu é muito diferente. Tratava-se da prática, de um acto que não está regulamentado, de uma exigência que não é regulamentar
Em face disto seria absurdo manter uma atitude que era absolutamente contrária a todos os preceitos que regulam, as relações de oficiais.
Mas agora não se trata disso. Trata-se de actos praticados pelo Sr. Ministro da. Guerra no uso das suas atribuições, que-a Câmara conhece pela exposição feita. por S. Exa. em resposta aos Srs. Lelo Portela e António Maia, e pelos aplausos que ouvi não me resta dúvida de que a Câmara deu razão ao Sr. Ministro da. Guerra.
Sr. Presidente: já tive ocasião de dizer que a aviação, como aliás, todas as restantes armas, me merece também toda a simpatia, e compreende-se que assim seja visto que eu também pertenço ao exército de que essa aviação faz parte e tenho pela farda que visto o mesmo orgulho que tem qualquer daqueles que fazem serviço nos corpos. Também fiz serviço-militar e a todo o exército devo o meu respeito.
Se alguma vez na República tive de lutar com algum contratempo foi exactamente por eu, em ocasião bem difícil, querer levar ao máximo a dignificação do exército.
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Foi precisamente por actos meus praticados nesse sentido, que eu sofri horas bem amargas.
Entendia e entendo ainda que a dignificação do exército está não só no valor dos seus componentes, mas também no principio: de que do exército devem ser excluídos todos aqueles que nele não estão bem, que não podem vestir uma farda.
O Sr. António Maia: — Isso é comigo?
O Orador: — As minhas palavras não necessitam de algum esclarecimento.
Todos que aqui estão na Câmara, as percebem.
O Sr. António Maia: — Excepto eu!
O Orador: — Não tenho a pretensão de convencer V. Exa.
Fez-se por essa ocasião uma campanha contra mim, empregando-se os mais desleais e miseráveis processos.
O Sr. António Maia: -Isso é comigo?
O Orador: — Infelizmente não posso dizer pois não tenho a certeza, mas V. Exa. meta a mão na sua consciência.
V. Exa. é que pode saber.
Se eu soubesse que as minhas palavras deviam visar V. Exa. creia que não tinha dúvida nenhuma em dizer-lhe com toda a clareza.
Eu sei que a aviação, como todo o exército, tem grandes necessidades; mas nós estamos fazendo economias e temos também de acudir a muita miséria, aos hospitais, à assistência em geral.
Não quere isto dizer que o Sr. Ministro da Guerra não cuide do exército com toda a solicitude e tudo fará em seu favor compatível com os interêsses do Estado, fora disso não fará nada, e tanto S. Exa. como os membros do Govêrno serão intransigentes nesta atitude emquanto a Câmara não lhe significar a reprovação dos seus actos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia: — Sr. Presidente: pedi a palavra em primeiro lugar para dizer ao Sr. Álvaro de Castro, que a insi-
nuação que fez, se é para mim, devolvo-lha inteira e completa.
Quando foi do 21 de Maio, e de uma, pseudo revolução da Marinha, dizia-se que se forjava um movimento planeado por um Ministro que já estava demitido.
Nestas circunstâncias, eu, António Maia, comandante das Esquadrilhas de Aviação República, dirigi-me a infantaria n.° 1, e lá vim a sabor que realmente se pretendia trazer todos os regimentos para a rua para sufocar a pseudo revolta da marinha.
Nestas condições opus-me terminantemente, porque não sei o que são movimentos constitucionais, senão aqueles que dimanam de um governo legalmente constituído.
E por êste motivo que digo, que se os processos desleais e miseráveis a que o Sr. Álvaro de Castro se referiu, eram para mim, devolvo-lhes por completo.
Em segundo lugar, preciso levantar uma expressão atribuída aos aviadores pelo Sr. Ministro da Guerra, a de «estouvados».
Realmente neste país chama-se estouvados a todos aqueles que põem a sua dignidade, brio o honra, acima de todos os seus interêsses.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo) (interrompendo): — A palavra não tem o menor sentido prejurativo.
Afirmei até que essa qualidade deve tê-la todo o indivíduo que se destina a aviador.
V. Exa. é que está no propósito de ver em tudo quanto digo a intenção de deminuir a aviação.
O Orador.— Esse final é que era escusado.
Sr. Presidente: a palavra «estouvado», nos dicionários tem a significação de indivíduo meio maluco, mas como o Sr. Ministro da Guerra, diz que a significação-não é essa, eu dou-me por satisfeito com as explicações de S. Exa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: não teria intervindo no debate se não fossem as considerações do Sr. Lelo Portela.
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Na verdade estou convencido de que o Sr. Ministro da Guerra não tem sido feliz no que respeita á aviação, e esta minha convicção resulta dos termos em que S. Exa. fez a sua exposição.
A aviação é uma arma em formação no nosso país, ainda sem escolas, e o Sr. Ministro da Guerra, melhor do que eu, sabe que ela é indispensável até como medida preparatória para a defesa de um país.
Nestas condições precisamos de dotá-la convenientemente.
O Sr. Ministro da Guerra (interrompendo}: — O que eu posso garantir a V. Exa. é que a própria infantaria não tem espingardas capazes, por isso que não lia dinheiro para a montagem das máquinas, assim como o não há para a compra de aço.
O Orador: — Não digo que V. Exa. não tenha razão fazendo a afirmação que faz relativamente à arma de infantaria, que é, na realidade, uma arma constituída, que tem muitos anos de existência e uma página gloriosa; porém, um outro facto há digno de atender, e para o qual não posso deixar do chamar a atenção da Câmara, qual é o que diz respeito às gratificações de voo.
Se bem que não seja, Sr. Presidente, um amador, o que é facto é que sei, como aliás toda a gente o sabe, as dificuldades que há, e os perigos, na aviação. Um facto há que carece de ser esclarecido, pois a verdade é que pode parecer, pelo que se tem dito, que os oficiais aviadores pretendem ganhar sem trabalhar, o que na verdade não é exacto.
Êsses oficiais, repito, não desejam de forma alguma ganhar sem trabalhar; o que eles desejam é que essas gratificações sejam concedidas e reguladas técnicamente.
Não se trata, pode V. Exa. estar certo, de um caso de interêsse pessoal ou particular, pois a verdade é que apenas, se trata dum problema de carácter técnico.
O Sr. Ministro da Guerra (interrompendo): — Relativamente às gratificações eu devo dizer a V. Exa. que tenho dúvidas, pois a verdade é que não tenho disposição alguma legal para as conceder
sem os vôos se efectuarem, antes, pelo contrário, tenho um parecer da Procuradoria Geral da República que diz que elas não devem ser concedidas.
Já vê, portanto, V. Exa. que não há da minha parte nenhuma má vontade contra a aviação.
Nesta altura trocam-se apartes entre os Sr. Ministro da Guerra, António Maia e Lelo Portela.
O Orador: — Tenho, Sr. Presidente, de considerar que a aviação é uma arma do informação; mas há mais. Na própria exposição que o Sr. Ministro da Guerra fez em relação à aquisição do material e às notas do estado maior, S. Exa. não conseguiu dar à Câmara as informações completas acerca do incidente. A meu ver essas notas do estado maior marcam o fecho da questão.
Relativamente à retirada do material automóvel das unidades da aviação, eu devo dizer que as ambulâncias não bastam, pois já se tem dado o caso de haver desastres em que o acidentado não pode, sem risco para a sua vida, ser conduzido ao local do tratamento, tornando-se necessário que o operador acorra ràpidamente ao próprio sítio onde o doente se encontra para lhe prestar os devidos socorros, e para isso é indispensável que haja material ligeiro, capaz de ràpidamente conduzir o médico junto do doente. O material volante, de resto, figura em todas as aviações do mundo, não como um objecto de luxo, mas como uma cousa absolutamente indispensável para acudir aos riscos inevitáveis da própria natureza do serviço.
O Sr. Ministro da Guerra, não por hostilidade à aviação, mas por um critério demasiadamente estreito dentro do desejo de fazer economias, tem parecido não ser porventura o mais reconhecedor dos esfôrços da aviação militar.
E esta a questão que, aliás, se manifesta em pequenos factos que ligeiramente vou apontar.
Assim, por exemplo, não é costume deslocar nenhum soldado duma unidade sem prévia audiência dos comandantes, principalmente tratando-se duma praça especializada, indispensável ao corpo a que pertence. Pois numa unidade da aviação houve um soldado especializado em
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serralharia que foi mandado transferir sem nenhuma audiência do respectivo comandante.
No momento em que se repercutia na Direcção de Aeronáutica, com uma desuzada intensidade, um dos mais Belos movimentos de solidariedade da raça, momento em que o pessoal que faz parte dessa direcção era pouco para receber os donativos, acusar e agradecer a sua recepção e fazer a respectiva escrita, foi nesse momento que o Ministério da Guerra achou mais próprio para transferir de lá um sargento encarregado dêsse serviço.
Todos êstes pequenos factos conjugados podem lazer supor que há da parte do Sr. Ministro da Guerra um propósito de hostilidade contra a aviação.
Sr. Presidente: a minha intervenção neste debate não foi documentada porque não quero cansar a atenção da Câmara nesta altura da sessão.
Limitei-me a colocar êstes pequenos factos perante os olhos do Sr. Ministro da Guerra, que certamente deles se não havia apercebido. Oxalá que S. Exa., que eu muito considero como político, como parlamentar e sobretudo como militar, possa tirar da conjugação dêsses pequenos factos uma conclusão que o leve a modificar uma atitude que pode levantar lamentáveis susceptibilidades de brio ferido.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Ouvi com toda a atenção as palavras que acaba de pronunciar o ilustre deputado Sr. João Camoesas e a S. Exa. devo dizer que não m.e recordo do caso dos sargentos que S. Exa. apontou, o que me faz pensar que se trata dum caso passado com o meu antecessor.
Mas mesmo que assim não seja, eu devo dizer que a acentuada falta de sargentos que se nota no exército obriga o Ministério da Guerra a transferências constantes dumas unidades para outras.
E se, por vezes, as ordens de transferência são escritas em termos severos, isso se deve à resistência que contra essas transferências levantam as unidades interessadas.
Com respeito ao operário a que se referiu o Sr. Dr. João Camoesas devo dizer que êsse operário foi reclamada por
ser absolutamente necessário para boa regularidade dos serviços. Trouxe à Câmara todos os documentos para que se veja que o Ministro da Guerra não lançou despacho senão em virtude da lei.
Tenho dito.
O orado não reviu.
O Sr. João Camoesas: — Agradeço ao Sr. Ministro da Guerra a amabilidade das suas informações.
O que eu quis frisar foi que havia um certo número de factos que não tinham, certamente, o intuito de magoar a aviação mas que, ligados, podiam revelar êsse propósito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — O que eu disse e repito é que não tenho nenhuma má vontade contra a aviação ou contra qualquer arma do exército.
Não tenho outra cousa a dizer.
O orador não reviu.
O Sr. António Maia (para explicações): — Os operários do Arsenal do Exército, querendo que lhes fossem abonadas algumas determinadas diferenças de vencimentos, procuraram o Sr. Ministro da Guerra, que lhas mandou abonar.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — V. Exa. dá-me licença?
Deixe-me dizer que a informação de V. Exa. é inteiramente inexacta, porque para assuntos do Arsenal do Exército só recebo o seu director.
Como se tratava duma comissão de operários que traziam um papel com as iniciais da Confederação Geral do Trabalho eu mandei-lhes dizer, não por se tratar dessa Confederação, mas de operários dum estabelecimento militar, que não os podia receber, só aceitando as suas pretensões pelas vias competentes.
O Sr. Cunha Leal (em àparte): — Isto tudo é uma série de trapalhadas, Sr. Ministro da Guerra! Eu não entendo, por exemplo, a proposta de lei que V. Exa. aqui apresentou para o crédito dos 30:000.000$. Se não estou em êrro, a lei que regulamentou o crédito dos 3 milhões
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de libras mandava abrir os créditos aproveitados pelos próprios interessados.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Parece-me que V. Exa. está enganado!
O Sr. Cunha Leal: — Talvez, porque isto, como disse, é uma série de trapalhadas que ninguém entende.
Não há dúvidas sôbre o pagamento; simplesmente sucede uma cousa: é que muitas vezes não mandam as libras para o Banco Ultramarino a tempo e horas, e como o Banco não tem fundos para pagar, não paga, e então as entidades queixam-se.
Mas não é só a aviação que havia a habilitar, eram os caminhos de ferro, que não têm verbas, eram os postos de Monsanto, que precisam da mesma cousa, etc. Enfim o que se torna absolutamente necessário é que no Orçamento venham indicadas as verbas precisas para pagar todos êsses serviços.
Tudo isto é uma série de quiproquós e de mal entendidos que nós havemos de remediar.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — É êsse o meu propósito.
O Sr. Cunha Leal:—Desejaria que estas cousas entrassem num bom caminho, mas para isso, o que se torna necessário, é estudar a sério todas estas questões, e procurarmos por todos os modos colaborar uns com os outros.
O Orador: — Agradeço ao Sr. Ministro da Guerra, o desmentido formal que fez à notícia que vem nos jornais, mas o facto é que as diferenças de vencimento foram pagas ao Arsenal do Exército.
O que é que pedia o Parque Automóvel Militar?
Que se pagassem êstes meses aos seus operários que por lei recebem a mesma cousa que os operários do Arsenal do Exército.
Efectivamente os operários pensaram em procurar o Sr. Ministro da Guerra, mas o Sr. director do Parque Automóvel não permitiu que êles saíssem, prometendo êle tratar do assunto, como tratou mas, o Sr. Ministro da Guerra continua a dizer que não.
Há mais, Sr. Presidente.
Desde o ano passado que está pedido para o Parque Automóvel Militar um oficial da Administração Militar; êsse oficial já foi nomeado, a sua nomeação já veio na Ordem do Exercito e ainda lá não chegou.
Porquê?
Porque está no Ministério da Guerra, porque tem amigos, porque tem conhecimentos e porque finalmente tem loja em Lisboa e não pode ir para Alverca.
O Sr. Ministro da Guerra( Américo Olavo) (interrompendo): — O que não posso, é deixar de ter um oficial do Conselho Administrativo na Secretaria da Guerra, onde transitam verbas consideráveis.
Àpartes.
O Orador: — O que é também certo, é que oficiais da Administração Militar estão nos correios e telégrafos, serviços de que não têm prática.
Àpartes.
O que é também certo, é que se está na situação que expus.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 27, às 14 horas, com a seguinte ordem do dia:
Antes da ordem do dia:
A que estava marcada. Parecer n.° 702, que autoriza a liquidação de deficits das Misericórdias.
Ordem do dia:
Negócio urgente do Sr. Vergílio Costa, e que estava marcado.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projecto de lei
Da comissão de previdência social, autorizando o lançamento de um adicional, sôbre as contribuições do Estado, para
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subvenções ou subsídio às instituições de assistência.
Foi aprovada a urgência.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Pareceres
Da comissão de correios e telégrafos, sôbre o n.° 724-E, que aprova o contrato com a Deutsch Atlantische Telegraphen Gesellschaft, para concessão e exploração de um cabo telegráfico submarino no Faial.
Para a comissão de comércio e indústria.
Da comissão de correios e telégrafos, sôbre o n.° 695-G, que cria um sêlo comemorativo da intervenção de Portugal na Grande Guerra, impresso em cores e do valor de $10.
Para a comissão de finanças.
Da comissão de agricultura, sôbre o n.° 605-A, que reintegra no seu lugar de agente de fiscalização de 1.ª classe do Ministério da Agricultura, José Augusto de Sousa Campos.
Para a comissão de finanças.
O REDACTOR—Herculano Nunes.