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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 97
EM 6 DE JUNHO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Afonso de Melo Pinto Veloso
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Custódio Maldonado de Freitas
Sumário.—Respondem à chamada 54 Srs. Deputados.
Procede-se à leitura da acta.
Dá-se conta do expediente, que tem o devido destino.
Sôbre uma representação da Câmara Municipal do Pôrto usa da palavra o Sr. Hermano de Medeiros, dando explicações o Sr. Presidente.
Antes da ordem do dia.— O Sr. Ferreira da Rocha ocupa-se, em negócio urgente, do decreto que modificou, a forma de pagamento dos juros da dívida pública. Responde o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro).
Usam ainda da palavra sôbre o mesmo assunto os Srs. Carvalho da Silva, Pinto Barriga e Velhinho Correia, que fica com a palavra reservada.
O Sr. Presidente interrompe a sessão, que é reaberta às 22 horas, concitando o Sr. Velhinho Correia as suas considerações.
Verificando-se não haver número para admitir a moção enviada para a Mesa pelo orador, o Sr. Presidente encerra a sessão e marca a seguinte para o dia imediato.
Abertura da sessão às 15 horas e 14 minutos.
Presentes à chamada 54 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 40 Srs. Deputados.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto de Moura Pinto.
Albino Pinto da Fonseca.
Amaro Garcia Loureiro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Pinto Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
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José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário de Magalhães Infante.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé de Barros Queiroz.
Vasco Borges.
Ventara Malheiro Reimão.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Bernardo Ferreira de Matos.
Delfim Costa.
Domingos Leito Pereira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Jaime Júlio de Sousa.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
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João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas principiou a fazer-s e a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 54 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vão ler-se as actas.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Foram lidas as actas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Da Inspecção de Sanidade Escolar, convidando o Sr. Presidente a assistir no dia 9 do corrente á parada de gimnástica.
Comunique-se que êste oficio não pode ser apresentado ao Sr. Presidente que, pela sua categoria e tratando-se duma
festa oficial, só pode ser convidado pelo Sr. Ministro e tomar lugar junto do Sr. Presidente da República.
Do oficial da Polícia Judiciária Militar, instando pela comparência do Sr. Malheiro Reimão, a fim de ser ouvido.
Comunique-se que à Mesa apenas compete submeter à Câmara o pedido de autorização a que se refere o artigo 16.° da Constituição.
Representações
Da Câmara Municipal do Pôrto, protestando contra a morosidade como têm decorrido os trabalhos nesta Câmara na actual sessão legislativa.
Para a Secretaria. .
Da Junta Geral do Distrito de Portalegre, pedindo alteração do limite da percentagem sôbre as contribuições do Estado.
Para a comissão de administração pública.
Do Grupo dos Modestos, do Pôrto, pedindo a aprovação duma emenda à lei de inquilinato.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Telegrama
Dos alunos do Liceu de José Falcão, de Coimbra, pedindo o imediato encerramento das aulas por motivo dos atentados pessoais.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara para a representação que vai ler-se da Câmara Municipal do Pôrto.
Foi lida na Mesa.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente: a Câmara, estou convencido, não ouviu, com certeza a representação da Câmara Municipal do Pôrto, que acaba de ser lida na Mesa.
A Câmara não ouviu, porque, de contrário, faria o que eu faço agora, que é lavrar o meu mais veemente protesto contra os termos insólitos e incorrectos em que ola veio redigida.
Sr. Presidente: porque a minha sensibilidade é tal e não se subordina a aceitar do alto dessa tribuna a afirmação afron-
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tosa contra o Parlamento, é que lavro o meu protesto.
A Câmara não ouviu, mas visto que o meu partido me autorizou a falar em seu nome, declaro que êste lado da Câmara repele a representação que acaba de ser lida, e mal avisado andou V. Exa., deixando-a ler.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — O Sr. Hermano de Medeiros fez as considerações que entendeu acerca da matéria da representação que foi lida na Mesa.
Quanto à última frase, devo dizer que a representação foi lida na Mesa só depois de eu ter dela conhecimento e devo informar que hesitei em mandá-la ler, mas só deliberei fazê-lo depois de verificar bem que conquanto nela haja acres censuras à maneira como o Parlamento funciona, em todo o caso não se empregam expressões incorrectas nem impróprias de uma representação feita por uma corporação administrativa, tam representativa como a Câmara do Pôrto.
O Sr. Hermano de Medeiros (interrompendo): — A única cousa a fazer para prestígio do Parlamento, é devolvê-la.
O Sr. Presidente: — Sempre foi uso que os organismos populares se dirigissem às Cortes Gerais da Nação, muitas vezes em termos tam severos como os que constam desta representação.
Se a Câmara quiser responder a esta representação, por conter algumas expressões inexactas, julgo que o deve fazer, mas que V. Exa. diga que ela contém expressões impróprias, não concordo.
S. Exa. não reviu.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Peço a atenção da Câmara.
Quatro Srs. Deputados dirigiram-se à Mesa, solicitando que a palavra lhes fôsse concedida para negócios urgentes.
O primeiro foi o Sr. Carvalho e Silva, que formulou o seu pedido nos seguintes termos:
«Declaro que desejo, em negócio urgente, ocupar-me do decreto que reduziu,
para os portugueses, os juros da dívida externa, empréstimos dos tabacos e empréstimo do 6 1/2 por cento, concedendo aos estrangeiros direitos que não reconhece aos nacionais.
4 de Junho de 1924. — O Deputado, Artur Carvalho da Silva.
O Sr. Presidente: — O segundo foi o Sr. Ferreira da Rocha, que entregou a seguinte declaração:
«Desejo discutir, em negócio urgente, o uso que o Govêrno pretende fazer da autorização conferida na lei n.° 1:515, especialmente no que respeita ao pagamento dos juros e amortização da dívida pública portuguesa.— Ferreira da Rocha».
O Sr. Presidente: — O terceiro foi o Sr. Pinto Barriga, que redigiu o seu pedido nos seguintes termos:
«Desejo tratar, em negócio urgente, da constitucionalidade do decreto n.° 9:761 e das suas conseqüências financeiras. — O Deputado, António Barriga.
O Sr. Presidente: — O quarto foi o Sr. Paiva Gomes, que declarou à Mesa desejar ocupar-se do incidente com a aviação militar.
Vou, portanto, consultar a Câmara, pondo à votação aqueles pedidos, pela ordem por que foram apresentados na Mesa.
O Sr. Júlio Gonçalves: — Requeiro a V. Exa. se digno consultar a Câmara sôbre só concede prioridade para o negócio-urgente do Sr. Paiva Gomes.
O Sr. Cunha Leal: — Desejo que V. Exa. mo informe se o pedido de palavra para um requerimento, feito antes da ordem do dia, prefere a respeito dos outros oradores que estão inscritos.
Se não prefere, o requerimento do Sr. Júlio Gonçalves não podia ser formulado.
O Sr. Presidente: — Na verdade não prefere, mas eu supus que o Sr. Júlio Gonçalves tinha pedido a palavra sôbre o modo de votar.
O Sr. Júlio Gonçalves (para interrogar a Mesa): — Desejo saber se V. Exa.
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ou não à votação o requerimento que há pouco apresentei.
O Sr. Presidente: — Vou pôr à votação os negócios urgentes e a Câmara resolverá como entender.
O Sr. Júlio Gonçalves: - Mas porque motivo não submete V. Exa. o meu requerimento à votação?
O Sr. Presidente: — O pedido de palavra para um requerimento não prefere.
Pausa.
O Sr. Júlio Gonçalves: — Mas o meu requerimento foi feito precisamente sôbre o assunto em discussão.
O Sr. Presidente: — Eu dei a V. Exa. a palavra sôbre o modo de votar, mas como V. Exa. se refere ao procedimento da Mesa, devo dizer o seguinte:
Muito propositadamente e com a imparcialidade que costumo ter sempre neste lugar (Apoiados), dei conhecimento à Câmara dos quatro negócios urgentes, o que, de resto, podia ter deixado de fazer.
Nestas condições, V. Exa. não tem de estranhar o meu procedimento.
O Sr. Cunha Leal (sobre o modo de votar): — Visto que se está falando sôbre o modo de votar, é porque suponho que está sujeito à votação o primeiro negócio urgente.
Mas é bom que esclareçamos o incidente, porque V. Exa. disso há pouco à Câmara que havia uma maneira muito simples de dar a prioridade à votação do negócio urgente do Sr. Paiva Gomes.
Recusa o seu voto aos primeiros três negócios urgentes e aprova o quarto. Desta maneira evitamos interpretações abusivas do requerimento.
O Sr. Paiva Gomes: — Sr. Presidente: Havia pedido a palavra para um requerimento.
O Sr. Presidente: — Já disse que antes da ordem do dia a palavra para requerimentos não prefere.
O Sr* Paiva Gomes: — Peço a palavra sôbre o modo de votar.
O Sr. Presidente: — Tem V. Exa. a palavra.
O Sr. Paiva Gomes (sobre o modo de votar): — Peço a V. Exa. para consultar a Câmara sôbre se consente que eu retire o meu negócio urgente.
Foi retirado o negócio urgente do Sr. Paiva Gomes.
O Sr. Presidente: — Consulto a Câmara sôbre se considera urgente o negócio apresentado pelo Sr. Carvalho da Silva.
A Câmara não considerou urgente o negócio do Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Presidente: — Vou pôr à votação o negócio urgente do Sr. Ferreira da Rocha.
O Sr. Paiva Gomes (sobre o modo de votar): — Entendo que êste assunto deve ser discutido ria presença do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ferreira da Rocha: — No meu, pedido de negócio urgente não solicitei a presença do Govêrno, mas o Sr. Ministro das Finanças sabe que eu pretendo ocupar-me do assunto na sessão de hoje.
O Sr. Velhinho Correia: — V. Exa. diz-me se o negócio urgente prejudica a ordem do dia?
O Sr. Presidente: — Certamente que o negócio urgente prejudica a ordem do dia. Está na Câmara evitar maior prejuízo, não votando a generalização do debate, cingindo-o ao Sr. Deputado interpelante e à resposta do Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: — Consulto a Câmara sôbre o negócio urgente do Sr. Ferreira da Rocha.
A Câmara considerou urgente.
O Sr. Velhinho Correia: — Requeiro a contraprova.
Procede-se à contraprova, dando o mesmo resultado.
O Sr. João Luís Ricardo: — A interpretação que o Sr. Presidente dá à votação da Câmara é de que o negócio urgente
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se realiza com a presença do Sr. Ministro das Finanças?,
O Sr. Presidente: — Não tenho que interpretar a votação da Câmara, mas apenas dar cumprimento à deliberação tomada. Desde que algum membro do Govêrno se dê por habilitado a entrar no debate, êste têm realizar-se.
O Sr. Júlio Gonçalves: — Desejo saber se o Sr. Ferreira da Rocha só realizará o negócio urgente na presença do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Presidente: — Nem pelas palavras do orador, nem no seu negócio urgente, o Sr. Ferreira da Rocha exprimiu a necessidade da presença do Govêrno. Pelo contrário, o Sr. Ferreira da Rocha declarou que não exigia a presença do Sr. Ministro das Finanças.
Entrou na sala um Sr. Ministro que poderá dizer se entende conveniente que se faça essa discussão.
O Sr. Velhinho Correia: — V. Exa. julga possível que uma discussão sôbre tal assunto se realize sem estar presente o Sr. Ministro das Finanças?
O Sr. Presidente: — Eu não julgo possível nem impossível. A Câmara é que julga e não eu. Desde que a Câmara votou o negócio urgente, só me cumpre respeitar essa votação.
O Sr. Ferreira da Rocha (para interrogar a Mesa): — No meu negócio urgente não exijo a presença do Govêrno, nem o Regimento faz essa exigência, a não ser quando se trata de propostas de lei, apresentadas à Câmara por qual quer, membro do Poder Executivo.
Doutro modo, o Govêrno podia impedir a realização de negócios urgentes, fugindo à discussão, não comparecendo na Câmara.
Essa doutrina seria tam absurda que era contrária às instituições parlamentares.
Eu, como Deputado interpelante, é que teria o direito de requerer a presença do Sr. Ministro das Finanças.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — A maioria mais uma vez negou o seu voto a um negócio urgente, pedido por êste lado da Câmara, e aprovou o pedido do negócio urgente do Sr. Ferreira da Rocha, donde claramente se vê que há o propósito de agravar êste lado da Câmara.
Nós protestamos indignadamente contra êsse facto e declaramos que nunca mais aceitaremos quaisquer combinações para prosseguimento dos trabalhos.
O orador não reviu.
O Sr. Paiva Gomes: — Pedi a palavra para dizer à minoria monárquica que os negócios urgentes não são positivamente iguais.
No negócio urgente do Sr. Carvalho da Silva fala-se em portugueses e estrangeiros, havendo ainda outros termos que nos levaram a recusar a urgência.
O Sr. Ferreira da Rocha refere-se ao uso feito pelo Govêrno da autorização conferida pela lei n.° 1:015.
São só estas as~ razões por que aprovámos êste e rejeitámos o outro.
Tenho a máxima consideração pela minoria monárquica e não houve dêste lado da Câmara o propósito de agravá-la.
O Sr. Carvalho da Silva: — Agradeço ao Sr. Paiva Gomes a amabilidade das suas palavras, mas dir-lhe-hei que os termos dos dois negócios urgentes são os mesmos.
Repito: agradeço as explicações, ma» mantemos o propósito que eu afirmei.
O Sr. Paiva Gomes: — As minhas explicações foram claras; a forma como a minoria monárquica apresentou o negócio urgente é que não foi razoável.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: a discussão — que bem pode chamar-se-lhe discussão — levantada em volta dum simples pedido de negócio urgente, não me fazendo arrepender de o ter formulado, faz-me supor que a maioria desta,Câmara se havia convencido de que a análise do decreto do Govêrno visava a promover o seu derrubamento.
Êsse convencimento deriva duma falsa noção da maioria ou dos parlamentares, que essa impressão manifestaram.
Não é papel único das oposições o der-
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rubar Governos. Embora o devam desempenhar quando se encontrem em presença de Governos inconvenientes aos interêsses nacionais, têm, mesmo fora dessa circunstância, a obrigação de impedir que os Governos governem mal.
Apoiados.
Creio eu — e estou convencido de que creio bem—que o facto de um Deputado da oposição pretender discutir determinado decreto, para a sua consciência produto dum mau processo de governar, não significa que haja da eua parte o propósito de derrubar o Govêrno, nem autoriza a maioria a lançar mão de expedientes vários tendentes a impedir ou a demorar uma discussão que não pode deixar de ser feita no Parlamento.
Não pretendo, pois, apresentar nenhuma moção de desconfiança ao Govêrno, nem provocar qualquer votação que o leve ao abandono do Poder, desde que aceite a anulação do decreto, que indevidamente publicou.
Afirmou o Sr. Presidente do Ministério, ao pedir à Câmara a autorização à sombra da qual praticou o acto que me proponho apreciar, não pretendia fazer ditadura, nem havia êsse perigo, porque a Câmara poderia sempre apreciar os seus decretos logo após a publicação no Diário do Govêrno:
Assim, respondo neste momento ao chamamento do Sr. Presidente do Ministério, para lhe dizer que o decreto que êle publicou é inconveniente e deve ser anulado.
Resultará desta minha indicação, se a Câmara com ela concordar, ver-se o Govêrno obrigado a abandonar aquelas cadeiras?
É possível. Mas isso dependerá da vontade do Sr. Presidente do Ministério e não da minha atitude. Se o fizer, a responsabilidade de tal procedimento caber-lhe há inteiramente.
O diploma que discuto é a execução prática dum conselho dado nesta Câmara, há dias: «mandam-se os decretos para o Diário do Govêrno e coloque-se a Câmara perante os factos consumados». O Sr. Presidente do Ministério aceitou o conselho e julgou que o melhor, no caso presente e não obstante tratar-se dum problema gravíssimo que deveria merecer a prévia consideração do Poder Legislativo,
era apresentar o facto consumado à Câmara, colocando-a entre as dificuldades da manutenção do decreto e inconvenientes da saída do Govêrno empenhado, neste momento, na solução de outros problemas.
Lamento que o Sr. Presidente do Ministério haja seguido o conselho. Sei que o Govêrno se afirma empenhado na solução de alguns problemas importantes em termos de reputar inconveniente o abandono do Poder nesta altura.
Mas mesmo que a condenação dêste decreto o levasse a tal, eu nem assim deixaria de a fazer por entender que a necessidade de um Govêrno se manter para certos actos lhe não dá o direito de praticar outros inteiramente inconvenientes para o País. Apoiados.
Sr. Presidente: não começarei por discutir o decreto pondo a questão prévia da sua constitucionalidade. Não tenho superstições legalistas e não creio que a exposição do aspecto inconstitucional de um decreto, a não ser quando êsse carácter apareça aos olhos de todos nitidamente marcado, seja suficiente motivo para levar a Câmara a determinar a sua anulação.
Mais nos importa decerto conhecer do fundo da questão.
Deixando para depois a apreciação da legalidade, prefiro desde já discutir o acto do Sr. Presidente do Ministério sob o aspecto da sua conveniência e da sua justiça. Da sua conveniência, pelas vantagens que da aplicação podem advir para o Estado.
Da sua justiça pela necessidade de que nas leis publicadas as noções de justiça, de equidade e de direito se não sintam viva e profundamente ofendidas.
A economia do decreto é, de uma forma geral, a redução forçada de juros em relação a títulos da dívida externa. Trata-se de uma redução de juros, meio porventura honesto e justificado para os devedores que os não podem pagar completa e imediatamente.
Mas nessa redução de juros estabelece-se o princípio de que ela só será aplicada àqueles que nasceram em Portugal, qualquer que seja o lugar onde residam, e aos estrangeiros que residirem em Portugal.
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Aqui aparece a primeira, profunda, noção de injustiça. Mas, além dessa profunda noção de injustiça, aparece nítida a noção de inconveniência em relação aos interêsses políticos e económicos do Estado.
Apoiados.
Um país que precisa de recorrer ao crédito — assim se afirma constantemente e por toda a parte — um país que está a menos de dois anos da prática de um acto em que, naturalmente, terá de recorrer a êsse crédito, que não pode ignorar que o crédito público deriva principalmente da satisfação regular e honesta dos compromissos existentes, um país que se encontra nestas condições inscreve se no livro negro dos bancar roteiros. Sem que se tenha sequer demonstrado a impossibilidade do pagamento, sabendo que pagará caro êsse acto, bem caro quando ao crédito novamente recorrer, vai para a lista, que comités de credores, em todo o mundo organizam, dos governos e corpos administrativos que usam do calote como meio de administração.
E, sôbre êste facto, um Govêrno que não pode ignorar que a nacionalização da dívida pública por meio da repatriação da dívida externa é um instrumento a que todos os Governos devem recorrer, procurando, tanto quanto possível, que os nacionais a si chamem aquela que na mão de estrangeiros se encontra, um Govêrno que conhece as dificuldades políticas que resultam do se acumular a dívida externa na mão de indivíduos que ao País não estão ligados pelo mesmo laço de sangue e de nascimento, um Govêrno que deve ter a noção política dêste facto pratica o gravíssimo êrro de afastar os nacionais da posse dos títulos da dívida pública.
Um Govêrno que não ignora que é deficitária a balança comercial do País, embora seja ou possa ser possível ter a balança de pagamentos equilibrada, e que sabe que a maneira de saldar essa última deriva, principalmente, da aplicação de economias dos portugueses residentes nas colónias ou no estrangeiro e da aplicação de economias de estrangeiros que se habituaram a viver em Portugal ou a amar Portugal; um Govêrno que sabe que para a sua normal administração carece do auxilio das economias dêsses por-
tugueses e dêsses estrangeires em Portugal residentes pratica o gravíssimo êrro de punir, como se fora um crime, o emprego dessas economias em fundos portugueses, de obrigar êsses seus compatriotas a procurar colocação de capitais em títulos de outros Estados, de compelir estrangeiros que se habituaram a residir em Portugal a desistir dessa residência se quiserem possuir títulos da dívida portuguesa.
O que o Govêrno fez equivale a dizer a uns e outros que a única maneira de se fugir aos perigos que a depreciação da moeda, aliás causada pelos próprios Governos, traz é afastar de Portugal a aplicação de fundos. É ainda o Govêrno que vai dizer a êsses que fortemente auxiliam a vida económica do País, que a única maneira de não ser expoliados do dinheiro que tiverem aplicado em títulos portugueses é irem residir para fora de Portugal ou, a tempo, ràpidamente, passar êsses títulos para a posso de estrangeiros.
Êste é o aspecto geral do decreto publicado, sob o ponto de vista da sua conveniência política e económica. Vejamos agora o da sua justiça.
Sr. Presidente: lembro-me ainda do que o Sr. Álvaro de Castro, quando nesta Câmara se discutiu o decreto que reduzia o juro do empréstimo dos 6 e meio por cento, respondendo a um Deputado que sôbre o assunto o interpelara, afirmou que o conceito da dívida pública era bem diverso do conceito da dívida particular, que estavam bem longe das modernas teorias em matéria de finanças ou mesmo em matéria de direito público aqueles que supunham que as mesmas regras de interpretação se aplicavam à dívida pública e às particulares.
Não sei até que ponto, porque não o definiu, o Sr. Álvaro de Castro pretendia estabelecer a divergência dos conceitos, mas creio bem que S. Exa. a referia apenas à questão da exigência ou coacção ao pagamento, visto que, para o caso de que se tratava, nenhuma outra fundamental diferença existe entre a dívida pública e a dívida particular. É que ao passo que as dívidas entre particulares podem ser cobradas por forma coerciva, pois há instituições que podem compelir os~ devedores a cumprir os seus compro-
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missos, para a dívida pública não existe essa forma, prática de obrigar o pagamento, sendo os Estados que, soberanamente, decidem do momento oportuno de pagar OQ resolvem do não pagar.
Mas não há aqui, de facto, uma diferença de conceito, há, quando muito, a verificação prática de um facto e nada mais.
Se na verdade não há tribunais que possam compelir o Estado ao pagamento das suas dívidas, se é a própria lei que pode estabelecer, por acto do devedor a resolução do não pagar, não se infere daí que exista o direito de não satisfazer os compromissos derivados da dívida pública. Erra quem da verificação realista dês-se facto pretender deduzir um direito que nela se não comporta; tal interpretação faria lembrar o sentido que alguns pretendem deduzir de modernas teorias de direito público, para afirmar uma espécie de anarquismo que de maneira nenhuma nelas só contém.
Há, porém, uma limitação real a essa falta de sanção coerciva quanto à dívida pública. Exactamente porque os Estados não podem ser compelidos a pagar as suas dívidas por uma fôrça estranha, resulta logo outra conseqüência: é que em todos os países civilizados, em todos os países que se presam de honrados, a inviolabilidade da dívida pública é também um princípio assente.
Apoiados.
E êsse mesmo princípio que se impõe a todos os Governos para impedir que êles possam desrespeitar os compromissos que os Estados tenham querido tomar.
Apoiados.
Há pelo menos um tribunal a que nenhum País só exime: é o tribunal da honra, é o veredictum que há o direito legítimo de esporar da lealdade da Nação.
Se é verdade que um Estado pode, quando quiser, negar-se a satisfazer os seus compromissos em matéria de dívida pública, não é menos verdade que o espírito da justiça permanente, que deve subsistir em todos os países que bem se administram, o, impede de fazer; e se é certo que circunstâncias excepcionais podem levar Governos a não satisfazer compromissos, porque não têm recursos para lhes fazer face, é também verdade que não há o direito de negar a satisfa-
ção dos compromissos, emquanto não hajam sido esgotados todos os esfôrços tendentes a alcançar dentro do próprio País inclusive os que permitam deminuição eficaz das despesas não indispensáveis, os recursos precisos para se pagar o que se deve. É que não há o direito de dizer àqueles que nos emprestaram dinheiro, que não se lhes paga porque não queremos fazer mais sacrifícios recorrendo ao imposto ou porque não nos queremos dispensar das despesas que inutilmente mantemos. Só há o direito de não pagar quando sé verifique sincera e honestamente que todos os recursos foram aproveitados sem todavia produzirem os resultados necessários.
E, em Portugal, onde nem sequer se cobra imposto pessoal de rendimento, onde muitas despesas supérfluas subsistem, tal afirmação seria simplesmente falsa.
Ainda quando pela fôrça das circunstâncias haja de se fazer a redução dos benefícios que devem auferir os portadores de títulos da dívida pública, surge então outra noção de justiça de que ninguém se pode esquecer: é que o sacrifício não deve ser só para uns portadores com excepção de outros, como no decreto que discuto se pretende fazer.
Em boa justiça, se sacrifícios são necessários, êles não devem ser impostos a credores, mas sim aos contribuintes, só àqueles se recorrendo quando a capacidade tributária se mostre esgotada, e a administração se mantenha honesta e económica.
Porventura, o decreto do Sr. Presidente do Ministério vem influenciado da moda esquerdista, como tem sido uso designar uma opinião mal esboçada por alguns políticos e altas personalidades portuguesas. Mas ainda aí mesmo haveria errada compreensão de uma tendência talvez legítima.
Se de esquerdismo económico - permita-se-me o termo — só trata, pois que não posso supor em homens que amam a liberdade, o desejo da forma de despotismo que se compreende no esquerdismo político, se de esquerdismo económico se trata, a solução, em matéria financeira, não se encontra na confiscação de parte dos bens de um grupo de indivíduos pertencentes a todas as classes sociais e condições de fortuna; antes há-de resultar da rigorosa aplicação de impostos directos,
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progressivos, que atinjam, sem exceção, aqueles que dentro do regime económico presente acumulam ,a maior parte das riquezas produzidas e que pala suas faculdades mais podem contribuir para as despesas do Estado, que mais não seja a título de compensação pelas vantagens que auferem do mal necessárío contido nesse regime.
Porém o Sr. Presidente do Ministério, não se contentando em fazer incidir o sacrifício sôbre um grupo de pessoas e entidades, entre os quais se encontram decerto muitos que não o devem, nem podem suportar, estabelece no capítulo excepções, uma distinção odiosa, aquela a que já me referi.
A espoliação é só para os portugueses em qualquer parte do mundo e para os estrangeiros que residam em Portugal. É que os nacionais não podem atemorizar o Estado na aplicação dessa medida; se nem sequer constituem um grupo que possa agir pela ameaça das revoluções.
E que os estrangeiros podem recorrer aos seus Govêrnos, vindo dêstes a exigência de ama arbitragem ou de uma intervenção que não poderia deixar de descobrir as possibilidades de reformas financeiras suficientes para se manter a satisfação dos compromissos tomados, sob pena de fraudulenta se considerar a recusa do pagamento.
Dos nacionais, não há motivo para receios; disso não há medo nenhum, e assim nega-se-lhes o direito de receber aquilo a que têm direito.
Apoiados.
No relatório do decreto, citam-se exemplos: um italiano, que o relatório diz ser de 1922, e outro espanhol de 1898.
A prática dos outros, nem sempre é de conveniente aceitação; e, no caso de que se trata, os exemplos citados não são de adoptar, ambos constituindo expedientes que não servem a países que precisem de recorrer ao crédito externo.
Pondo por agora de parte o sistema italiano, a cujo respeito o relatório, segundo creio, se engana na data, o exemplo espanhol é daqueles em que nem sequer se pode falar para recomendação a qualquer país; tal foi êle que conquistou para o Estado que o adoptou a reputação de país bancarroteiro por excelência, reputação ainda hoje mantida após tantos anos; e no emtanto foi êsse, quási integralmente, o modelo que o Sr. Presidente do Ministério adoptou.
Em prazo determinado, os títulos de dívida externa na posse de estrangeiros, foram estampilhados especialmente, só êsses conservando direito aos juros o amortização em moeda verdadeira, em moeda forte; os outros, na posse de nacionais, ficaram recebendo juros em pesetas, e vieram depois, com uma melhoria de 10 por cento, a ser trocados por títulos de dívida interna.
O processo italiano, aliás repetição do que já tinha sido adoptado em 1875 e em 1894, novamente em vigor desde 1915, nem sequer pode servir de fonte próxima ao que se pretende fazer em Portugal; os juros são pagos em moeda estrangeira desde que o portador, por declaração, affidavit, afirme que não pertence a italianos ou residentes em Itália: sina qualquer título pode em qualquer época, ser transmitido a estrangeiros, gozando das vantagens respectivas.
Nenhum dos exemplos é, repito, de aconselhar; mas as suas circunstâncias diferem fundamentalmente do caso em Portugal.
Assim, na Itália, não havia a classificação de dívida interna e externa, ao passo que em Portugal essa divisão existe, e levou naturalmente os que queriam comprar fundos portugueses, fiados na boa fé dos contratos e no respeito da palavra dos governantes, a escolher a primeira se queriam manter os seus capitais em moeda portuguesa, a preferir a segunda se pretendiam garantir-se contra as depreciações monetárias.
Além disso, em nenhum daqueles países, a depreciação atingia o grau que alcançou já, e prometo atingir a moeda portuguesa, por acto que é de culpa da administração do Estado e não de falta dos portadores da dívida.
E sobretudo em nenhum dêsses países, a dívida tinha a garantia especial da consignação de rendimentos aduaneiros, que legitimamente os possuidores dos títulos supuseram garantia bastante, sem se lembrar que o facto de serem nacionais os privava de todas as garantias, mesmo daquelas que mais asseguradas parecessem estar.
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Vejamos agora, Sr. Presidente, sem discutir o projecto na especialidade, porque de tal se não trata agora, algumas das suas principais disposições, para confirmar, em analise rápida, as afirmações que fiz quanto à sua inconveniência e injustiça.
Refere-se a primeira ao empréstimo dos 6 1/2 por cento, aquele a que alguns chamaram o empréstimo rácico.
A história do caso, toda ela de meses somente, é bem conhecida de todos; e sem dúvida todos sabem qual a classificação que a êsse conto dariam, se se não tratasse de um acto do Govêrno, mas sim de um procedimento de particulares.
O empréstimo foi anunciado em larga propaganda, falando-se ao coração e ao interêsse dos possíveis subscritores, ao coração para que salvassem a Pátria, entregando ao Estado as suas economias, ao interêsse para que empregassem estas em moeda estável, a libra, garantindo-se-lhe o rendimento — os juros — na mesma espécie, assim só assegurando de que se livravam dos ricos da constante depreciação dos escudos.
E, poucos meses volvidos, o decreto n.° 9:416, fixava para o pagamento dos juros, um câmbio certo, reduzindo desde logo o rendimento, negando aos portadores as vantagens moeda estável que os haviam levado a subscrever, de facto, reduzindo logo o juro e decretando que essa redução fôsse sendo tanto maior quanto mais se agravasse a situação cambial.
Agora, a esta espoliação, faz-se juntar uma excepção odiosa, porque dela se retiram es títulos que pertencerem a estrangeiros, não residentes em Portugal.
O castigo fica só para os nacionais ou residentes que acudiram ao chamamento patriótico.
Os outros, porventura poucos, ficam na situação de privilegiados, como se o decreto da redução de juros não houvesse sido publicado.
Para os nacionais, a moeda estável serviu para a entrega do capital.
No pagamento dos juros, serve a moeda depreciada.
Faz lembrar um processo, também da autoria de alguns estadistas portugueses, na questão do tabelamento do preço da venda dos géneros de alimentação: liberdade de comércio, quando não há géneros
em Lisboa, a fim de que, nela fiados, os comerciantes abasteçam a cidade; tabelamento de preços, logo que os géneros chegaram para a venda ao público.
É curioso é que todas estas cousas aparecem feitas por patriotismo.
Sintomático é também saber-se que poucos estrangeiros, serão portadores dos títulos de 6 YS por cento, porque os estrangeiros, e os factos vêm dar-lhes razão, não emprestam em regra, sem garantias a Estados que de seu próprio crédito tem a noção que êste decreto vem mostrar.
Segue-se agora, Sr. Presidente, o caso do empréstimo dos tabacos.
Em Março último, o Govêrno, pelo decreto n.° 9:506, mandou que a amortização e os juros das obrigações dos empréstimos dos tabacos passassem a ser pagos somente em Paris, isto é, que ficassem sendo pagos em francos, papel, o que representou de facto uma redução de pelo menos 75 por cento nos pagamentos devidos, visto que até então êstes desde 1918, creio, se vinham fazendo em libras.
Foi isto feito a menos de dois anos do vencimento final, de todos os títulos, isto é, a menos de dois anos, da data em que finda o contrato dos tabacos a menos de dois anos da data em que o País desejará provavelmente recorrer ao crédito realizando uma operação financeira baseada no futuro rendimento do monopólio ou da livre exploração da industriardes tabacos.
Sem discutir o direito legal do Govêrno a fazer a determinação do pagamento em Paris, apesar de estar convencido de que a cláusula que estabelece o pagamento em várias praças estrangeiras se deve interpretar não como deixando a escolha ao arbítrio do devedor, mas sim como garantia que o credor pode usar para se defender do pagamento em moeda depreciada, sem discutir a legalidade dessa ordem, fiquei eu como ficaram todos os que leram pela primeira vez êsse decreto, profundamente surpreendidos pela inoportunidade da medida.
Procurei, Sr. Presidente, conhecer que vantagens podiam determinar a adopção dêsse procedimento; mas ainda hoje não vejo se não a de uma pouco importante economia no pagamento a fazer nesses
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últimos dois anos, vantagem bem inferior aos prejuízos resultantes da destruição da confiança que o Estado Português, com sacrifício, havia sabido manter, e que elo próprio faz desaparecer precisamente quando mais dela ia carecer.
Vantagens para o Estado, repito, não encontrei. Evidentemente elas não existem também para os portadores; e só vi que dêsse acto podiam resultar vantagens unicamente para o grupo financeiro que estivesse já constituído para concorrer a um futuro empréstimo dos tabacos. Êsse, sim, êsse é que teria vantagens e grandes em que o pânico se introduzisse nos possíveis subscritores necessário?., à formação de qualquer outro grupo.-E justo dizer que, prevenindo esta observação, já o Sr. Presidente do Ministério disse nesta Câmara, que depois daquela ordem de redução de juros lhe tem aparecido proponentes financeiros sôbre o futuro empréstimo dos tabacos.
Não me convenceu a objecção, porque sei bem quam fácil seria ao grupo constituído a quem o dito acto houvesse servido, fazer aparecer vagos proponentes que desfizessem a suspeita do mau resultado da redução, só essa suspeita, como era natural, a todos- surgisse.
Agora, porém, ainda mais longe se vai. O decreto que estamos apreciando, retira a todos os portugueses e a todos os residentes em Portugal o direito de receber êsse mesmo reduzido juro em francos papel.
Contra a garantia categórica, porque a própria Companhia deve responder, êsses terão do receber em escudos a um câmbio arbitrariamente fixado, câmbio que, diga-se de passagem, não é aquele que o decreto fixa para os outros títulos. Podem mesmo êsses, portugueses residir em Paris ou em Londres, haver comprado os seus títulos com francos ou libras.
É inútil disso indagar. Basta que sejam nacionais para que sejam espoliados.
E, para cúmulo, abre-se outra excepção. Os ingleses receberão em Londres e em libras. A mesma portugalização no sentido deprimente do termo que em outras disposições do decreto melhor se demonstra.
A redução determinada no decreto n.° 9:006, abrem-se duas excepções: uma tornando ainda maior a redução feita;
essa é evidentemente a excepção que se aplica aos portugueses. Outra, abolindo essa redução: esta é para ingleses. Está na lógica do decreto. Vejamos agora, Sr. Presidente, a parte do decreto que especialmente se refere à dívida externa resultante da conversão do 1902.
Ocioso será recordar a situação dessa dívida, garantida expressamente pela consignação dos rendimentos aduaneiros.
Sabem todos V. Exas. que os governos estrangeiros, especialmente os governos francês e alemão, exigiram, além das próprias disposições que no convénio se continham, que a clara noção dessas garantias ficasse expressa em notas trocadas.
Sabem ainda todos V. Exas. que os governos estrangeiros e os portadores estrangeiros dos títulos exibiram que o próprio regulamento da Junta do Crédito Público não pudesse ser alterado pelo Govêrno Português para ficarem garantidos de que ela administraria a dívida pública com o rendimento das alfândegas dia a dia, e em termos tam exigentes que até o Govêrno ficava compelido a depositar diariamente o que faltasse porventura nos rendimentos das alfândegas para o serviço da dívida.
Compreende-se que assim os estrangeiros residentes em Portugal acreditassem nas garantias que os títulos lhes davam, e que os portugueses os procurassem obter por todas as formas para aplicar capitais, porque os portugueses sendo homens como os estrangeiros procurariam seguir, pelo menos, aquela primeira lei económica de todos conhecida e da qual as outras por dedução derivam, a de que o homem procura sempre obter o máximo de satisfação com o mínimo de esfôrço; isso os levaria a aplicar economias nos títulos que mais garantias lhes davam.
Naturalmente os portugueses teriam visto na dívida externa um dos mais seguros meios de garantir os seus capitais. Pensavam êles, os ingénuos, que o Estado não poderia alterar as garantias da dívida externa, más não se lembraram de que o Govêrno viria a negar as garantias contratuais aos títulos que lhes pertencessem, deixando-as subsistir sòmento nos títulos de estrangeiros ou melhor nos ti-
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tulos de ingleses que dispunham da protecção da Inglaterra.
O Sr. Presidente do Ministério no seu decreto mantém o regime do convénio somente para os títulos apresentados em Londres e em Paris, como pertencentes a «estrangeiros que não residam em Portugal.
Para êsse fim o decreto estabelece que até 31 de Julho os títulos vão ao carimbo de delegações que cria nesses lugares e que terão de averiguar da nacionalidade e domicílio dos portadores.
Logo aqui surge a primeira dificuldade, de tal natureza que ela por si só bastará para consideràvelmente reduzir a soma do confisco que com tam grande desrespeito da de dos contratos se pretendo efectuar.
Em títulos ao portador a mera posse é prova de propriedade. A transferência faz-se por simples entrega.
Qual é a prova eficaz que o Govêrno vai exigir para só convencer que quem «m Londres ou Paris lhe apresentar um título a registo o adquiriu antes da data dêste decreto?
Exigo-lhe escritura de compra?
Pede-lhe certificado de corretor?
Como o pode fazer se em Portugal ou em qualquer dêstes países a venda de títulos ao portador se efectua pela simples transferência, de mão para mão, sem que outras formalidades a lei exija?
Quando um Banco lhe disser que certos títulos lhe pertencem ou são propriedade dos seus clientes, como o há-de contestar?
Em verdade, os astuciosos, aqueles que tiverem argúcia para evadir essas disposições, fàcilmente delas se livram. Os que de negócios de títulos de dívida externa fazem habitual profissão não se hão-de preocupar muito com a dificuldade, se é que já dela se não livraram a tempo e horas. As vítimas serão principalmente as pessoas de pequenas economias, os juristas que vivem afastados do meio da finança e dos negócios, aqueles que não têm êsses fáceis meios de evasão.
Na rede do confisco em que se não deixarão também por certo colhêr os ingleses residentes em Portugal, poucos mais irão do que êsses tímidos possuidores, e porventura aqueles que, por terem títulos empenhados a servir de cauções, deles não
poderão dispor, e as instituições que pela sua especial organização ou publicidade não puderem usar de clandestinos expedientes. Mas há mais dificuldades.
Assim, sabendo-se que há títulos de divida externa no Brasil e em várias colónias portuguesas no estrangeiro, pregunto: como é que até 31 de Julho essa carimbagem em Londres e em Paris poderá ser feita?
É facto que logo noutro parágrafo diz o decreto que tal prazo poderá ser prorrogado, quando o Govêrno, sob proposta dos delegados, quiser conceder a prorrogação, mas quem conjugar as disposições do decreto há-de ver que naturalmente em Paris pouca carimbagem será feita, pois que os títulos estampilhados em Paris passam a receber juros e amortização em francos-papel, com um prejuízo de 75 por cento.
Praticamente todas as apresentações serão feitas em Londres. Sente-se bem que o artigo com o seu parágrafo não é feito para inglês ver, mas para inglês aproveitar.
Apoiados.
A excepção a que já me referi, quanto às obrigações dos tabacos em poder dos ingleses domiciliados em Inglaterra, a forma diversa como os ingleses aparecem tratados quanto ao registo dos títulos que apresentados em Londres ficam em situação de especial privilégio sôbre os apresentados em Paris, faz-me constatar com mágoa quanto neste diploma, há de portugalização no sentido em que um Deputado belga empregou pela primeira vez êsse termo.
Apoiados.
Ainda como conseqüência do decreto resulta o seguinte: é proibida a venda futura a portugueses de títulos de dívida externa, porque os títulos uma vez carimbados em Londres, passando às mãos dos portugueses, deixarão de ter as vantagens dessa carimbagem, o que pràticamente tornará impossível a venda a nacionais.
Disto resulta que é o próprio país que impede que os seus nacionais tragam para Portugal a dívida pública externa. É o Govêrno a colaborar na desnacionalização da dívida portuguesa!
Apoiados.
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Mais ainda: ao Govêrno há-de constar também que houve muita gente que, conhecendo não sei como a próxima publicação dêste decreto, vendeu o mais que pôde de títulos de dívida externa, a aproveitar a margem de depreciação que era inevitável.
Assim os portugueses compelidos a vender para aproveitar as vantagens daquela margem, e impedidos mais tarde de readquirir, vão ficar afastados da dívida pública portuguesa. E aquela afirmação de que Portugal era um País em tam privilegiada situação que até a sua própria dívida externa estava quási toda na mão dos nacionais, desaparece, porque efectivamente os nacionais não mais possuirão títulos do Estado, quaisquer que sejam as garantias, as promessas ou as palavras com que os convidam, em nome de todos os patriotismos, a contribuir com um ceitil para o Estado.
Dentro do mecanismo do decreto, o Sr. Presidente do Ministério emprega o mesmo sistema de espoliação relativamente á amortização dos títulos, e assim ainda mais flagrantes se apresentam o êrro e a injustiça;
No momento do sorteio, no momento em que o portador do título tinha direito a cobrar a importância com que contava, aos portugueses aplica-se-lhes logo uma redução que é já do um têrço do valor do título e que poderá atingir proporções de previsão impossível.
As várias companhias de seguros de vida, o Montepio Geral e as instituições de mutualidade, que têm o encargo do futuro dos órfãos daqueles que para elas contribuíram, aparecem imediatamente espoliados desde já num têrço dos bens que colocaram nessa forma de capitalização.
O decreto, para curvar as suas disposições, — como é lógico que aconteça sendo obra dêsse Governo, — acaba por comprimir despesas, e comprime-as criando delegações em Paris e Londres, incumbidas do registo de títulos de averiguação a fazer sôbre a nacionalidade dos portadores, delegações que certamente vão originar ajudas de custo e gratificações pagas em ouro.
A êste propósito, e já agora por incidente, porque não está nos meus hábitos nem no meu temperamento acusar sem provas de acusação, eu desejo fazer sentir
ao Sr. Presidente do Ministério a necessidade de proceder a um inquérito, pelo qual se averigue se é verdade que dêste decreto havia conhecimento na praça há perto dum mês; se é verdade que os íntimos dos inspiradores presumíveis dêste diploma o, conheciam antes da sua publicação para o efeito de se aproveitar das suas vantagens; se é verdade que casas-bancárias portuguesas indicaram a clientes seus a necessidade de vender os títulos imediatamente, comunicando-lhes que se ia fazer a redução do juro aos nacionais; se é verdade que notas oficiosas apareceram nos jornais garantindo que o dinheiro existia já para o pagamento da coupon, iludindo-se assim os ingénuos, e promovendo-se as oscilações do mercado; se é verdade que se realizaram vendas a prazo de títulos de dívida externa, na esperança da cobertura abaixo de preço logo após a publicação dêste decreto.
A mulher de César não precisa só de ser honesta, mas é indispensável também que o pareça.
Sem assumir a paternidade das acusações que se fazwm nos meios em que se conversa de assuntos financeiros e políticos, desejo fazer sentir ao Sr. Presidenta do Ministério a necessidade que existe, para sua própria salvaguarda, dêsse inquérito a fim de ficar sabendo se alguém que não tenha a estrutura moral de S. Exa. homem que eu considero absolutamente honesto prevaricou no sentido dos boatos que se propalam e que acabei de enunciar.
Sr. Presidente: - continuando o exame do decreto, é curioso citar três sintomáticas excepções que nele se encontram: pára os títulos na posse da Fazenda, para os títulos do fundo de amortização e reserva criado no Banco de Portugal pela lei n.° 404, e para os títulos do fundo de reserva da Caixa Geral de Depósitos. O Govêrno condena-se a si próprio, quando reconhecendo que o decreto é uma expoliação aos portadores da dívida, deseja garantir a êsses títulos exceptuados os mesmos direitos que reservou para os portadores estrangeiros.
Apreciemos agora a legalidade do acto.
Sem me preocupar com exagerados preconceitos legalistas, entendo que nem o próprio Sr. Presidente do Ministério pode ter a mais pequena dúvida de que se
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seu decreto excede todas as faculdades que a Constituição lhe garante ou que o Parlamento lho conferiu.
Para tanto nem sequer preciso de me referir àquela disposição da Constituição que determina que as autorizações ao Govêrno não podem ser usadas senão uma só vez, para ruim, as práticas constitucionais não derivam apenas do que na Constituição se escreve, mas também das praxes e hábitos que estabelecem doutrina. Embora a rigorosa interpretação do texto constitucional não deixe dúvidas sôbre que autorizações ao Poder Executivo só podem ser dadas nos casos taxativamente indicados na Constituição, não podendo, ainda assim, sôbre a mesma matéria, ser mais de uma vez usadas, não empregarei êsse argumento para alegar e demonstrar a ilegalidade do decreto, porque seria êle talvez fraco de mais perante uma assemblea de pessoas que de longa data se habituaram a dar ou consentir mais rasgadas interpretações no texto constitucional.
Ponhamos também de parto a circunstância de ser privativo do Congresso fixar as condições dos empréstimos, o que logicamente deve impedir o Govêrno de mudar as condições por êle fixadas. Esqueçamo-nos ainda de que do Congresso é privativo resolver sôbre a forma de pagamento dos juros da dívida interna e externa o que impossibilita ao Govêrno o exercício de uma função que lhe não compete.
E que a própria lei que o decreto invoca como autorização bastante, a lei n,° 1:545, não contém disposição alguma em que tal diploma se possa basear. Trata-se da lei que autorizou o Govêrno a tomar medidas que pudessem influir directamente sôbre a situação cambial.
Está o Sr. Presidente do Ministério, está alguém nesta Câmara, convencido de que essa lei, destinada a regular a fiscalização do comércio de cambiais, feita numa daquelas ocasiões em que, como de costume, a um novo agravamento cambial se seguiu um clamor contra a especulação, como se a especulação criasse em vez de aproveitar êsse agravamento, está alguém honestamente convencido de que a lei n.° 1:545, supondo que o podia fazer, tinha sequer a intenção de autorizar o Govêrno a, sem intervenção do
Parlamento, destruindo o crédito do Estado, originando pesadíssimos encargos nos futuros empréstimos que pudermos contrair, praticar o acto gravíssimo de desrespeitar convenções internacionais, e confiscar aos portadores da dívida externa uma grossa parte do seu capital e rendimentos?
Está o Sr. Presidente dó Ministério, está alguém convencido de que uma mera autorização em matéria cambial, lhe atribuiu faculdades para declarar o repudia de parte da dívida externa ou de parta dos seus encargos?
Vejo que o Sr. Presidente do Ministério acaba de esboçar um gesto de surpresa por eu falar talvez em confisco ou repúdro de parte do capital da dívida externa.
Mas essas expressões cabem rigorosamente no significado do acto que o Govêrno praticou.
A redução imposta na amortização é de facto uma redução imposta no capital da dívida.
Não nos iludamos. Um título emitido em escudos, libras, francos, etc., representa sempre o ouro que se contém na moeda menos depreciada daquelas em que o título tiver sido emitido. Nem para outra cousa a emissão se faz em mais de uma moeda simultaneamente. Não é um expediente para que o devedor possa escolher a mais conveniente forma de pagamento, ou para que pague aos credores na moeda do país em que estão domiciliados.
Bem ao contrário.
Em títulos ao portador, tal cláusula é uma garantia de que o credor se assegura para ter a certeza de que emprestando em ouro, em ouro receberá juros e capital.
Para isso é que exige a emissão em várias moedas; para que no caso do algumas virem a ser depreciadas êle possa escolher a que valorizada subsistir. Para efeitos práticos, por isso mesmo, os títulos da nossa dívida externa são de 20 libras; o seu juro, em libras tem de ser contado.
Qualquer que seja o artifício empregado pelo Govêrno, desde que o juro não represente o número de libras devido, desde que a amortização se não faça pelo número de libras que o título representa,
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há a confiscação, a favor do Estado, em prejuízo imposto ao credor, de uma parte, do capital e dos juros que o Estado lhe deve.
Pouco importa que o artifício se revista da fantasia da fixação de um câmbio oficial para o pagamento em escudos.
O facto fica sendo o mesmo, na sua positiva significação.
Mas, voltando à autorizarão que o Govêrno pretende invocar em defesa do decreto.
Um dia o leader da maioria apresentou «ma proposta dando autorização ao Sr. Presidente do Ministério para tomar vagas medidas sôbre a situação cambial.
Nessa altura um Deputado, ao tempo servindo de leader da minoria nacionalista, pretendeu substituir essa proposta por outra em que só definisse o que o Govêrno podia fazer no uso dessa autorização.
A maioria, talvez por teimosia do proponente, manteve a proposta inicial, acrescentando-lhe somente uma palavra para se frisar que se tratava das medidas que tivessem directa influência sôbre a situação cambial.
Pondo de lado a impropriedade da expressão, porque directa influência no mercado cambial só tem a compra e Venda de ouro ou cambiais, todas as outras causas actuando de facto indirectamente, pondo do parte a impropriedade da expressão, ninguém tinha, ninguém tem a mais pequena dúvida sôbre a intenção do proponente, sôbre os intuitos da Câmara, sôbre o significado da autorização votada.
Seqüência natural daqueles clamores com que os governantes sempre procuraram iludir as multidões, fazendo-lhes ver em vagos especuladores a causa palpável da depreciação da moeda, cuja responsabilidade cabe, em verdade, à péssima administração financeira do Estado, e a conseqüente emissão constante de papel moeda, uma sôbre a outra actuando, conseqüência natural dêsse estado de espírito, SL lei votada autorizava o Govêrno a reprimir essa volátil especulação e a melhor regular o comércio bancário e de cambiais que a fomentava ou facilitava. Para mais acentuar essa intenção, ainda um Deputado propôs, e a Câmara aprovou, que da autorização ficasse expressamente excluído o lançamento de impostos.
Evidentemente a Câmara não se lembrou de excluir a confiscação dos capitais ou juros da dívida externa, como não se lembrou de proibir logo a confiscação de quaisquer outros capitais ou rendimentos.
Não lhe ocorreu decerto êste processo de aproveitar a autorização, precisamente porque, no espírito com que a votava, no significado que lhe atribuía, tal processo não tinha cabimento possível.
Pode assim alguém ter legitimamente qualquer sombra de dúvida sôbre a ilegalidade do decreto publicado, mesmo sem precisar do se pronunciar sôbre a sua constitucionalidade?
Por êstes fundamentos me convenço de que o decreto excede as faculdades do Poder Executivo. Mesmo que assim não fôsse eu o reprovaria, pelo que nele se contém do injusto o de gravemente prejudicial para o crédito do Estado. Mais ainda. Se porventura ainda existe meio de reparar os males causados, êle só pode encontrar-se na imediata anulação do acto do Govêrno, anulação largamente publicada, a todo o mundo transmitida, para que por toda a parte se saiba que Portugal, ainda quando seja obrigado pelas circunstâncias, e isso não se alegou ou provou até êste momento, a suspender a satisfação dos seus compromissos, jamais empregará os expedientes que nêsse decreto se contêm.
E dessa publicidade que Portugal carece, sobretudo agora, em vésperas porventura da necessidade do recurso ao crédito externo. É dessa propaganda que o país precisa, o não daquela que o decreto manda fazer no artigo 5.°, quando incumbe aos banqueiros estrangeiros, delegados da Junta do Crédito Público, o encargo de divulgar imediatamente o acto que o Govêrno praticou, para tal usando os meios de publicidade em uso.
Claramente definindo essa atitude, fazendo cessar a hipócrita acusação aos especuladores ou àqueles que procuram garantir em moeda estável ou em riqueza real os seus haveres, a Câmara prestará um serviço ao país, forçando os Governos a uma política financeira definida, obrigando-os a apresentar e defender os seus planos de redução de despesas e organização tributária, proíbindo-os de lançar mão da circulação fiduciária ou de se
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servirem do fácil meio do lançar sôbre o Parlamento a culpa da não aprovação das suas propostas quando estas se limitem, como tem sucedido, a meros expedientes, sem obediência, a qualquer finalidade, ou a projectos de inexeqüibilidade absoluta.
É fácil, é cómodo lançar os ódios da multidão, na febre de encontrar os causadores dos males do que sofre, sôbre aqueles que se não julgam obrigados, por nenhuma espécie de patriotismo, a deixar-se arrumar, a sacrificar o futuro dos seus, a perder os seus haveres, para deixar os governantes na confortável situação de não promover as medidas, porventura impopulares, que forem indispensáveis para evitar a depreciação da moeda nacional, por uma administração financeira equilibrada.
Mas essa facilidade e êsse comodismo sempre se pagaram muito caros, e não há perseguição aos que pretendem fugir dos perigos duma moeda instável, quer procurando moeda valorizada, quer procurando propriedades ou riquezas não fictícias, não há perseguição dessa ordem, que seja capaz de impedir a bancarrota final.
Faço justiça ao Sr. Presidente do Ministério, no seu desejo de bem servir o país e promover o equilíbrio orçamental, mas há-de S. Exa. reconhecer que o ataque tem de ser dirigido contra as causas e não contra os efeitos, e que jamais um Govêrno poderá praticar actos contra direito, actos que repugnem à noção de justiça, inata em todos nós.
Concluindo, desejo, Sr. Presidente, repetir que não tenho a menor intenção de provocar a queda do Govêrno, sendo somente necessário para o ponto de vista que defendo a anulação do decreto que o Govêrno publicou. Não faço sequer esta interpelação em nome do Partido Nacionalista.
Falo exclusivamente em meu nome individual, e para o fazer não careço de manifestar qualquer desejo da queda dêste Govêrno, ou ignorar a utilidade que porventura a sua acção terá tido em outros capítulos de administração em que a energia ou coragem dos membros do Govêrno tenha estado posta à prova.
Nenhuma consideração, porém, dessa natureza me pode levar a não sentir a
extraordinária o grave inconveniência do sêlo que o Govêrno acaba de praticar.
Fique o Govêrno, só aceitar a anulação imediata do diploma que publicou, e se quiser e souber entrar no caminho que essa anulação impõe. Mas só com essa condição a Câmara poderá, a meu ver, permitir a sua continuação à frente dos destinos do país. E, assim, a minha moção, que dentro dêsse critério o Govêrno poderá aceitar, se limita a constatar as duas verdades que estão certamente no ânimo daqueles que desapaixonadamente estudarem o assunto: a verificação de que o decreto n.° 9:761 excede as faculdades do Poder Executivo o a afirmação de que Cio prejudica gravemente o crédito do Estado, com a conclusão lógica de que, por tais fundamentos, êsse diploma deve ser imediatamente anulado.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
O orador foi muito cumprimentado.
A moção do orador é a seguinte:
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o decreto n.° 9:761 excede ns faculdades do Pudor Executivo o prejudica gravemente o crédito do Estado, espera que o Govêrno determino imediatamente a anulação dêsse decreto, e passa à ordem do dia.— Ferreira da Rocha.
Foi lida e admitida a moção do Sr. Ferreira da Rocha.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Álvaro de Castro): — Sr. Presidente: começo por responder às considerações feitas pelo Sr. Ferreira da Rocha acerca da suposta divulgação da matéria contida no decreto.
Não era fácil que isso acontecesse, pois o conhecimento do assunto estava limitado a um número de pessoas da maior confiança; mas na praça havia certamente a suspeita de qualquer cousa naquele sentido depois do que se tinha passado com o empréstimo 6 1/2 por cento, ouro, de 1923. Mandarei, no emtanto. fazer um inquérito para o esclarecimento completo do assunto.
Devo acentuar que a responsabilidade do decreto é só minha.
Quanto à legalidade do decreto, entendo que as suas disposições estão dentro
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do âmbito da autorização votada ao Govêrno.
Com respeito à medida pm si, eu direi que, de facto, é urna medida que revela desigualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, porque o Govêrno entendeu que só aos nacionais era legítimo impor os sacrifícios exigidos pela hora presente.
Quanto às dúvidas enunciadas pelo Sr. Ferreira da Rocha, acerca da data do decreto do Govêrno Italiano, devo declarar que a data mencionada é a dos anúncios mandados fazer pelo Govêrno Italiano, em 1922, pois o afidavit para êste efeito é dó 1873.
A Itália praticou três vezes êste sistema, em 1873, em 1894 e, ultimamente, não tendo precisado publicar disposições relativas ao afidavit pela circunstância de que desde 1916 tinha publicado uma série de- decretos em que se restringia o pagamento dos títulos-ouro.
Tendo sido praticado o afidavit precisamente para actuar sôbre o câmbio e tendo-se praticado, como disse, desde 1873, durante os interregnos em que o sistema não esteve em vigor a Itália não deixou de recorrer ao crédito externo que, efectivamente, nunca lhe faltou.
O Sr. Ferreira da Rocha (interrompendo): — Não há nenhuma maneira de se confundir o afidavit, com o que V. Exa. faz.
Estabelece-se diálogo entre o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças e o Sr. Ferreira da Rocha.
O Orador: — O sistema tem dado resultado nos dois países em que tem sido praticado, quer em Espanha, onde se fez a nacionalização,o total da dívida pública, quer na Itália, onde os números que tenho, e que se referem a 1894, porque os últimos ainda não foram publicados, mostram a deminuição dos pagamentos em ouro, feitos no estrangeiro.
Na realidade, o sistema é útil, dando ao Estado a possibilidade, que aliás se reconheceu em Itália, de uma melhoria cambial por uma menor necessidade de ouro a pagar no estrangeiro, tendo ao mesmo tempo um reflexo no Orçamento, pela exoneração de contas grandes, o que
nos aproxima do equilíbrio orçamental e nos afasta da necessidade que, de outra, forma, seria fatal, impossível de evitar, do agravamento da circulação fiduciária.
Basta apenas a garantia, para o interior e para o exterior, da possibilidade de afastar a necessidade de mais aumentos de circulação fiduciária, para imediatamente isso se traduzir na certeza de uma melhoria cambial, na certeza de melhores condições financeiras e na certeza do regresso a um câmbio suportável.
Isso representará um benefício considerável para os que vão sofrer agora um. sacrifício áspero, mas que em todo o caso são os que o podem sofrer, não se tendo, no emtanto, levantado aqui uma voz em defesa dos possuidores do 3 por cento interno, aos quais na verdade há muito tempo o Estado não paga aquilo a. que tinham direito.
Trocam-se vários apartes.
O Orador: — Os portadores de 3 por cento interno foram na verdade espoliados, roubados pelo Estado até agora, sem que o Estado lhes tivesse dado qualquer compensação.
Em face destas circunstâncias é legítimo o Estado assumir uma posição que importa não uma espoliação, mas sim o fazer reconhecer aos seus nacionais a necessidade de um sacrifício forte, para que entremos num período de regeneração financeira.
A Câmara analisará o facto de se tornar a medida extensiva aos estrangeiros e, se a Câmara entender que o deve fazer, o Ministro das Finanças assumirá a responsabilidade da sua execução.
Não quis assumi-la por si próprio, por entender que, tendo o direito de pedir aos nacionais todos os sacrifícios para que no exterior possamos gozar do crédito que nos é necessário, o sacrifício agora pedido, com as restantes medidas que o Parlamento já votou e com aquelas que ainda votará, seria suficiente para entrarmos num caminho de maior prosperidade.
Eu, como particular, não deixo de pagar aquilo que devo; como Ministro das Finanças posso realizar uma operação destas, porque está inteiramente dentro do critério da soberania do Estado impor aos seus nacionais um sacrifício necessário nesta hora.
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Não tenho receio de alargar a redução credores estrangeiros.
Idêntica medida foi adoptada por Dias Ferreira, em 1892, e não deixou de se cumprir.
Se o Parlamento quiser seguir por êsse caminho, o Ministro das Finanças não se recusa a aceitar o voto da Câmara.
Mas penso que êsse sacrifício não é necessário.
Temos condições financeiras para fazer os pagamentos esternos.
Sr. Presidente: peço a V. Exa. e à Câmara me desculpem de não falar mais largamente, embora tivesse muitas possibilidades de largamente discretear sôbre este assunto, mas estou extremamente fatigado e a minha garganta não me deixa fazer maior esfôrço.
Creio que nestas ligeiras razões que apresentei, está a justificação dos meus actos, podendo a Câmara julgar dos intuitos do decreto, das vantagens ou desvantagens dessa medida.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pinto Barriga: — Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que se abra inscrição especial sôbre o negócio urgente apresentado pelo Sr. Ferreira da Rocha.
Posto à votação o requerimento do Sr. Pinto Barriga foi aprovado.
O Sr. João Bacelar: — Sr. Presidente: peço a V. Exa. o favor de consultar a Câmara sôbre se permite que na segunda parte da ordem do dia, isto é, na sessão nocturna, continue a discussão dêste assunto, e que ainda, no caso de não terminar essa discussão na sessão nocturna, poder V. Exa. ficar autorizado a marcar sessão para amanha..
O Sr. Cunha Leal (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: concordo com o requerimento do Sr. João Bacelar por uma razão simples: afirma-se, não sei com que razão, é possível que sem nenhuma, que uma grande jogatina só tem desenvolvido à volta do decreto em questão.
Ora o Parlamento não pode alimentar jogatinas, não devendo, portanto, interromper as suas sessões por dois dias, sábado e domingo. E necessário que a Câmara se pronuncie sôbre se êste decreto deve ou não conservar-se.
O Sr. Paiva Gomes (sobre o modo de votar): — Pedi a palavra simplesmente para dizer que acho razoável que se prorrogue a sessão; mas realizar sessão amanhã acho que talvez não seja cousa que possa efectivar-se.
Parece-me, portanto, que o requerimento do Sr. João Bacelar se deve limitar unicamente à prorrogação da sessão.
O Sr. João Bacelar (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: o meu intuito ao formular o requerimento foi do que, caso não terminasse hoje a discussão dês-te assunto, ela não ficasse demorada até segunda-feira e nesse caso, ficaria V. Exa. já autorizado a marcar sessão para amanhã.
O Sr. Vitorino Godinho (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que o requerimento do Sr. João Bacelar seja dividido em duas partes, a primeira no que diz respeito à segunda parte da ordem do dia ser ocupada por êste debate, e a segunda parte a V. Exa. ficar autorizado a marcar sessão para amanhã.
Consultada a Câmara resolveu afirmativamente.
Posta à votação a primeira parte do requerimento foi aprovada.
Posta à votação a segunda parte do requerimento foi igualmente aprovada.
O Sr. Agatão Lança: — Requeiro a contraprova.
Feita a contraprova verificou-se o mesmo resultado.
O Sr. Carvalho da Silva (sobre a ordem): — Sr. Presidente: como pedi a palavra sôbre a ordem, mando para a Mesa a minha moção concebida nos seguintes termos:
Moção
A Câmara, reconhecendo que o decreto n.° 9:761, além de insofismavelmente inconstitucional, contém doutrina de todo o ponto funesta para os interêsses do Estado;
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E reconhecendo que a eliminação de todas as despesas supérfluas do Estado constitui uma inadiável e fundamental necessidade para a salvação nacional, continua na ordem do dia. — O Deputado, Artur Carvalho da Silva.
Para a Secretaria.
Sr. Presidente: ouvi com a maior atenção o ilustre Deputado Sr. Ferreira da Rocha, uma das figuras mais prestigiosas do Parlamento, que dêste assunto tratou com o mesmo brilho com que trata sempre de todos os assuntos.
Mas, se S. Exa. tratou com o maior brilho o assunto em discussão, não deixou de patentear bem que é um republicano.
Ocupando-se dêste assunto, o Sr. Ferreira da Rocha fez as considerações acerca da doutrina dêste empréstimo, mas esqueceu-se S. Exa. duma circunstância que é fundamental que todos digamos ao País, com a verdade com que lhe devemos falar.
Muita gente se insurgiu com êste decreto de declaração o confissão de bancarrota da República.
Mas, Sr. Presidente, confesso a V. Exa. que não me surpreendeu tanto como a essa gente, porque não pode deixar de cair na bancarrota um Estado que se administra como a República, porque não pôde deixar de cair na bancarrota um Estado que tem o Orçamento nas circunstâncias em que o tem a República.
O Sr. Ferreira da Rocha esqueceu-se por completo dessa circunstância, como representante de um Partido da República que tem tantas responsabilidades, como o Partido Democrático, no descalabro a que levaram o País (não apoiados), como representante de um Partido que assinou os 30 suplementos ao Diário do Govêrno, e que constitui um crime de lesa-Pátria não se ter ainda arrumado.
Sr. Presidente: quem olha para o Orçamento Geral do Estado, e vá ler o relatório com que o Sr. Portugal Durão, quando Ministro das Finanças, fez acompanhar o projecto de Orçamento que apresentou a esta casa do Parlamento, tem a certeza mais absoluta de que não há nenhuma maneira de salvar um País que se administra como se tem administrado a República.
Tenho ouvido nesta Câmara, aos Srs.
Deputados republicanos de todos os lados, defender a necessidade de impostos-Tenho ouvido a necessidade de exigir do País o mais extraordinário sacrifício, e v£ que-o Sr. Ferreira dá, Rocha, fez ao decreto em questão, uma oposição cuidadinha, pois começou por declarar que o Govêrno se devia manter no Poder, e que não se ia preocupar com o aspecto constitucional desta questão.
Sr. Presidente : uma oposição feita desta maneira, salvo o devido respeito às pessoas, não representa de nenhuma forma a atitude enérgica e sincera, que a todos os portugueses é imposta no actual momento.A condição fundamental para que o País se possa salvar, é a redução das despesas públicas, mas a República não é capaz de as reduzir, porque as; criou como necessidade da sua existência.
O Sr. Ferreira da Rocha (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?
Eu sei que V. Exa. tem que dizer essas cousas, mas o que tem é que ocultar que um dos principais argumentos que invoquei, foi que não havia o direito de efectivar o redução dos juros sem ter primeiro criado novos recursos, quer pelos impostos, quer pela redução de despesas.
O Orador: — Sr. Presidente: eu não compreendo como nós podemos olhar para o Orçamento geral do Estado como estamos olhando. Fala-se em actualização de receitas e redução de despesas dividindo-as em duas partes: despesas anteriores a 1913 e 1914, e posteriores a 1914. Se fôssemos buscar o confronto com as despesas de 1910 seria esmagador.
É, preciso diz-se, actualizar as receitas para se conseguir o equilíbrio orçamental.
Pois bem, vejamos as despesas e as receitas de 1914.
Têm sustentado êste lado da Câmara, e o Partido em que milita o Sr. Ferreira da Rocha, quando se discutiu o parecer n.° 717, que não há o direito de actualizar as receitas de 1914, porque o País não tem capacidade tributária para tanto. É isto evidente; e o argumento da necessidade de actualizar as receitas já não pode ser encarado.
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O País não pode viver nestas condições e, como a República, não tem fôrça, não tem autoridade para reduzir as despesas que criou, a República só pode representar a perda da nacionalidade.
Eu pregunto se há alguém que pondo o seu País acima das paixões políticas possa contestar esta grande verdade: a República é a perda de Portugal. Era inevitável que a República havia de levar-nos à bancarrota e êste decreto ditatorial vem provar-nos mais uma vez a acção nefasta que este regime tem exercido. A República levou-nos a esta situação verdadeiramente desgraçada que atinge não só as classes abastadas mas até as classes pobres, às quais os propagandistas republicanos prometeram o bacalhau a pataco.
Diz-se que vivemos no regime democrático, no regime em que são respeitados os direitos dos nacionais. Diz-se que o Parlamento é casa de representação nacional e quando um Govêrno publica um decreto ditatorial como êste em que reconheço aos estrangeiros mais direitos que aos nacionais, os representantes da Nação levantam-se como se levantou o Sr. Ferreira da Rocha para dizerem que não querem que o Govêrno caia, que desejam que êle se mantenha.
O Sr. Presidente do Ministério quis justificar o seu decreto e a distinção existente entre portadores de títulos portugueses e portadores que não são portugueses, dizendo que é preciso não prejudicar o crédito externo e que o crédito externo assim não é prejudicado. Que erro fundamental!
Se S. Exa. quisesse amanhã recorrer ao crédito esterno veria que os banqueiros que faziam a operação financeira tratariam acima de tudo de colocar o títulos na sua maior parte, no seu País.
Eu pregunto à Câmara se galguem pode, neste País, emprestar mais um centavo que seja ao Estado?
Sr. Presidente: esta questão tem ainda um outro aspecto que já foi aqui tratado pelo Sr. Ferreira da Rocha.
Sr. Presidente do Ministério tendo sido há dias interrogado nesta casa do Parlamento pelo meu querido amigo o ilustre colega Sr. Morais Carvalho, sôbre se tencionava, como era voz corrente, reduzir os juros de dívida interna, S. Exa.
declarou da maneira mais categórica ser falso êsse boato.
Aí está a verdade com que o Sr. Presidente do Ministério respondeu ao meu ilustre colega, e dessas palavras resultou que uma grande quantidade de portugueses acreditando em que assim sucedesse, foi empregar o produto das suas economias representativas duma vida inteira de trabalho na compra de títulos da dívida externa. E agora vem o Govêrno com êste decreto e, faltando àquilo que o Sr. Presidente do Ministério aqui declarou, reduz um têrço ao juro dêsses títulos.
Eu, que conheço o Sr. Presidente do Ministério há longos anos, que fui condiscípulo de S. Exa., não quero proferir uma palavra, que possa ser contrária à sua probidade pessoal, porque sei bem que êle tá acima de todas as acusações que lhes possam fazer; mas a verdade também é que S. Exa. pode então cercado por elementos que não tenham sabido guardar aqueles segredos indispensáveis e que porventura se tenham conluiado com entidades financeiras como é voz corrente, na praça, tendo essas entidades vendido a prazos longos quantidades de títulos de dívida externa por forma a obter grandes lucros à custa dos desgraçados ingénuos que acreditaram nas palavras do Sr. Presidente do Ministério.
Sr. Presidente: são quatro os títulos a que S. Exa. se refere no decreto.
O empréstimo de 1923 foi criado pelo Sr. Vitorino Guimarães, que afirmou ao país que era um empréstimo sério.
Empréstimo sério, vejam V. Exas.!
Eu não gosto de fazer comparações, mas direi que às vezes, nas ruas da capital, são vendidos a provincianos incautos uns cordões de latão, dizendo-se-lhes que são de ouro.
Chama o vulgo a isto o conto do vigário.
Os que praticam êsse acto são punidos com cadeia.
Isto dá-se com os particulares; ora o Estado não tem direito de impingir a ninguém o conto do vigário.
Vários àpartes e protestos.
O Orador: — Eu presto as minhas maiores homenagens à probidade do Sr. Presidente do Ministério, mas S. Exa. pode ter sido exagerado.
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Sr. Presidente: eu julgo ter dito o suficiente para provar que o decreto do Sr. Ministro das Finanças sôbre a redução dos juros da divida externa deve ser anulado.
Simplesmente lamento que a uma questão de tal importância a Câmara não tenha prestado aquela atenção que ela merece.
Efectivamente eu não compreendo que representantes da Nação se não interessem por outra cousa que não seja arrancar impostos aos seus representados.
Vai ter uma larga repercussão por todo o país, e até mesmo no estrangeiro, êste extraordinário decreto, se porventura a Câmara o mantiver, o que não acredito.
Há ainda um ponto que eu não quero, deixar de pôr a claro, antes de terminar as minhas considerações.
Quero referir-me à imoralidade revoltante que representa o facto de o Estado, ao mesmo tempo que lança sôbre o desgraçado portador de títulos da dívida externa uma tal redução, se arrogar a qualidade de estrangeiro para o efeito dos seus títulos não serem abrangidos por essa redução.
Sr. Presidente: a situação em que se encontra o Estado republicano em relação ao país é a situação de inimigo.
Não admira por isso que êle se arrogue a qualidade de estrangeiro.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É lida, admitida e entra em discussão a moção do Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Vasco Borges (para um requerimento): — Sr. Presidente: requeiro para em «negócio urgente» tratar da questão da ordem pública.
Vozes da direita: — Não pode ser! Não pode ser!
O Sr. Pinto Barriga: — Invoco o artigo 66.° do Regimento.
O Sr. Vasco Borges (para invocar o Regimento): — Sr. Presidente: penso que o negócio urgente que foi requerido nesta sessão está já transformado em assunto da ordem, e assim suponho poder acontecer que surja um assunto de tal gravidade e transcendência, que efectivamente
possua o merecimento de ser tratado antes de qualquer outro.
Creio que é esta a hipótese.
Toda a gente sabe o que se está passando com o caso da aviação.
Afirmam-se as cousas mais graves.
Chega até nós a afirmação de que o comandante da divisão pediu a demissão, que lhe foi concedida, e chega até nós o boato de que está prestes a sair para a rua um movimento revolucionário.
É por isso que julgo dever tratar-se da assunto com prejuízo de todos os outros.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: a posição da minoria nacionalista está claramente definida.
Porque ontem chegaram boatos muito graves aos nossos ouvidos, resolvemos levantar a questão.
A Câmara, por uma grande maioria manifestou confiança ao Govêrno, para resolver o caso.
Ora a não ser que essas cousas tétricas que acabam de ser invocadas pelo Sr. Vasco Borges nos sejam afirmadas pelo Sr. Presidente do Ministério, nós não podemos dar o nosso voto a intercalações neste negócio urgente doutro assunto.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo): — Sr. Presidente: ouvi agora com uma grande surpreza as palavras que acaba de pronunciar o Sr. Vasco Borges, porque S. Exa. falou em movimentos militares já postos na rua.
Devo dizer a V. Exa. que sendo Ministro da Guerra e estando em contacto permanente com a divisão e o meu Ministério não tenho informação alguma a êsse respeito, e não há dois minutos que estive em contacto com o meu Gabinete.
Sôbre o caso da aviação, que, nesta casa foi pôsto pelo Sr. Presidente do Ministério, sabe V. Exa. que a Câmara votou uma moção de confiança ao Govêrno para a resolver.
Parece-me que o Govêrno só tem de voltar a referir-se ao caso quando o tenha resolvido.
Apoiados.
Mas em Junho a Câmara em presença
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da resolução que ela tomou há dias, quando foram dadas ordens para o efeito do procedimento militar contra os oficiais revoltosos, sem que se tenha disparado um tiro, aqui nesta Câmara correram verdadeiros rios de sangue, e a Câmara atemorizada com qualquer pretensa violência, dando a confiança ao Govêrno, ao mesmo tempo indicava-lhe que queria a resolução do caso, sem a menor violência, porque se tratava de aviadores dos mais heróicos, como de facto são.
Nestas condições, o Ministro da Guerra, armado com o voto da Câmara, limitou-se a cercar os oficiais em questão, procurando pouco a pouco, como conseguiu, isolá-los do contacto com o exterior para o efeito de os levar a reconsiderar e, sem nenhuma espécie de violências, a renderem-se, que é o que têm a fazer.
É a situação em que se encontra o conflito.
Ontem deram-se alguns casos desagradáveis, porque V. Exa. sabe o que é um serviço dêstes feito de noite. Algumas pessoas conseguiram transpor o cerco, mas hoje é já impossível que isso se dê.
Entretanto, se a Câmara exige uma solução rápida do assunto que me diga, que eu darei as ordens mais severas para que o caso se resolva.
Mas não foi isso que a Câmara me pediu; o que a Câmara me pediu claramente foi que não fizesse correr sangue de portugueses. Eu subordinei-me imediatamente, como é meu dever, à solução da Câmara, e não modificarei o meu procedimento emquanto a Câmara não me disser que quere que eu adopte um procedimento violento.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: continuamos esperando que nos esclareçam.
Com uma notável falta de memória o Sr. Ministro da Guerra inverteu os termos ao problema. De facto, houve pessoas que, alarmadas com os boatos, fizeram correr ondas de sangue, porque de facto os boatos chegavam e as afirmações vinham de pessoas de honra e eu não duvidava delas, como não duvido ainda hoje.
Mas antes disso afirmou ontem peremptòriamente o Sr. Presidente do Ministério que tinha dado, anteriormente a qualquer sugestão desta Câmara, ordens para que a questão se liquidasse sem se disparar um tiro. Foi assim que o Sr. António Maria da Silva, contente por o Govêrno encontrar uma solução que não exigia sangue derramado, disse que isso era o desejo de todos nós, o que de facto é. Porém, o que a Câmara votou foi uma moção que exprimiu fundamentalmente três cousas: primeira, quem tem de saber como deve derimir a questão é o Poder Executivo; segunda, que uma vez que a Câmara afirmou a sua confiança ao Sr. Ministro da Guerra, confia na sua acção; terceira, que espera o cumprimento exacto dos regulamentos militares.
Foi isto o que a maioria votou. Portanto, encontramo-nos, como a Câmara; vê, na mesma posição.
Dissemos que o Sr. Ministro da Guerra, com um pouco mais de táctica, poderia ter evitado êste conflito grave.
Desde que o Sr. Presidente do Ministério nada nos diz sôbre o assunto, nós não podemos votar o negócio urgente requerido, pelo Sr. Vasco Borges, tanto mais que o assunto diz respeito ao Sr. Presidente do Ministério, e não ao Sr. Ministro da Guerra.
O Sr. Ministro da Guerra (Américo Olavo) (interrompendo). — Eu disse à Câmara, quando falei, que o fazia pelo facto de o Sr. Presidente do Ministério se encontrar impossibilitado de falar.
O Orador: — Peço desculpa a V. Exa., mas não o tinha ouvido; no emtanto, nós vemos que, de facto, S. Exa. se encontra doente.
O nosso desejo, porém, Sr. Presidente, é mostrar à Câmara que a nossa atitude de hoje é a mesma de ontem, razão por que não podemos votar o requerimento feito pelo Sr. Vasco Borges.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vou dar a palavra ao Sr. Vasco Borges; porém, desde já peço a V. Exa. o obséquio de restringir as suas considerações.
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O Sr. Vasco Borges: — Pode V. Exa. estar descansado que cingir-me hei ao assunto para que pedi a palavra.
Tinha, Sr. Presidente, pedido a palavra para um negócio urgente, por isso que corre com insistência o boato, que chegou até esta Câmara, de que se prepara um movimento revolucionário; porém, depois das declarações feitas pelo Sr. Ministro da Guerra, podemos ficar tranqüilos, desistindo, portanto, do meu negócio urgente.
O orador não reviu.
O Sr. Pinto Barriga: — Sr. Presidente: cumprindo os preceitos regimentais, passo a ler a minha moção de ordem.
A Câmara, reconhecendo que o decreto n.° 9:761 acarreta graves prejuízos ao crédito' do Estado, passa à ordem do dia.— O Deputado, Pinto Barriga.
Sr. Presidente: nenhuns intuitos políticos me levam a entrar nesta discussão, pois o meu único desejo é apenas apreciar, como Deputado, as conseqüências financeiras resultantes para o crédito do Estado da publicação do decreto n.° 9:361. Tem três aspectos esta questão. Um de ordem jurídica, outro de ordem financeira e ainda outro de ordem política.
Sôbre o ponto de vista jurídico, devo dizer que arguo êsse decreto de ser inconstitucional, em face do artigo 27.° da Constituição, que diz o seguinte: (Leu).
Sr. Presidente: três interpretações se tem dado a este artigo, uma das quais foi que ao Poder Executivo não podiam ser dadas outras autorizações que não fossem as que constaria dos n.ºs 4.° e 14.° do artigo 26.°
Quem tiver seguido com atenção as discussões da Assemblea Constituinte, terá verificado que esta interpretação não pode ser dada, porque o artigo 27.° não pode ter interpretação restrita, o que se conclui das diversas interpretações dadas ao artigo 27.°, e que se não pode legislar mais de uma vez sôbre a mesma matéria e servindo-se da mesma autorização.
Sr. Presidente: estou convencido do que a publicação do decreto sôbre os juros do empréstimo de 6 1/2 por cento foi uma precipitação, e nós, no momento que atravessamos, não podemos dar manifestações de indisciplina, infringindo claramente as disposições constitucionais.
Mas, além dêste aspecto, temos outro, o financeiro, que é deveras importante.
Sr. Presidente: na nossa história financeira encontramos três conversões: a de 1852 a provisória de 1892, e a que resultou do convénio de 1902. Em todas estas conversões houve um critério de justiça, mas agora seguiu-se um caminho diferente, o qual foi de estabelecer um tratamento diverso entre os nacionais e estrangeiros, o que representa uma flagrante injustiça.
Estávamos então numa situação completamente diferente tanto da de 1852 como da de 1892 e ainda em 1902.
Tínhamos uma situação interna que não era a actual; tínhamos uma moralidade a respeito do empréstimo que não era a actual. Pois nessa altura nunca demos garantias diferentes, a estrangeiros, daquelas que eram concedidas a nacionais.
As pequenas nações, à sombra do movimento que se fez e de que resultou a grande convenção internacional de 1907, foram protegidas; não vingou a doutrina de Drago nem do Calvo, vingou uma proposta dos Estados Unidos da América, em que se garantia coercivamente que nenhum Estado pequeno poderia ser compelido ao pagamento da sua dívida; somente quando tivesse recusado arbitragem então é que se impunha a possibilidade de uma intervenção armada, para cobrança coerciva dos créditos.
Não nos diga, pois, o Sr. Ministro das Finanças que foi com receio da possibilidade de reclamações das chancelarias, porque, então, teria feito o mesmo aos estrangeiros que vivem em Portugal, e não aconteceu assim.
Sr. Presidente: quando a situação em 1892 era muito mais grave, quando estávamos até em face da intervenção de Inglaterra, tivemos a dignidade suficiente para poder igualar nacionais e estrangeiros. Friso êste ponto porque é realmente necessário e útil.
Um país que não respeita os direitos dos seus nacionais possivelmente amanhã não respeitará os dos estrangeiros.
Mas o que é que fez o Estado?
Por esta medida vai desnacionalizar por completo a Dívida Externa.
Àpartes.
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O Sr. Abranches Ferrão (em àparte): — Eu compreendia que o Sr. Ministro das Finanças deixasse de pagar todos os juros mas o seu decreto não compreendo.
Àpartes.
O Orador: — O que é certo, dizia eu, é que pelos decretos de S. Exa. os juros eram pagos em escudos, no que respeita aos 6 1/2 por cento e empréstimo dos tabacos, mas agora como são pagos?
São pagos em ouro aos estrangeiros.
Há também um número que é muito curioso.
Diz assim:
Leu.
Não diz a moeda em que se paga e parece que é em moeda inglesa.
Parece que se vai dar essa garantia de pagamento, mas em ouro, aos ingleses portadores dos títulos dos tabacos.
É bastante curiosa esta concessão?! Existe ainda um ponto que é importante e é o que respeita ao artigo:
Leu.
O decreto não é constitucional, acarreta graves prejuízos ao crédito do Estado, o Govêrno podia recorrer à dívida deferida, aos impostos sôbre os títulos adiamentos da amortização, etc.
Não desejo demorar mais as minhas considerações e assim termino fazendo votos para que o Sr. Ministro das Finanças reconsidere, revogando êste decreto que acaba de publicar, porque êle é inconstitucional e prejudica os interêsses e crédito do Estado.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem. Foi lida e admitida a moção apresentada pelo Sr. Pinto dos Santos.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: começo por ler e mandar para a Mesa a minha moção:
Moção
A Câmara reconhecendo que o critério seguido da fixação de câmbios para os juros dos títulos abrangidos pelas disposições do decreto n.° 9:761 se deve estender a todos êsses títulos, sem qualquer distinção entre os seus portadores ou possuidores, sejam êsses nacionais ou estrangeiros, passa à ordem do dia.— O Deputado, Velhinho Correia.
Sr. Presidente: o Sr. Carvalho da Silva fez algumas referências de carácter político, tendentes a atingir o regime, a propósito do decreto em discussão. Eu tenho por acaso na minha presença um livro de um homem insuspeito, o Sr. Marnoco de Sousa, relativo à nossa dívida externa, onde se mostra que o regime deposto, em matéria de finanças, usou e abusou da bancarrota como processo normal de liquidar os encargos contraídos pelo Estado com os seus credores.
Não se tratava de simples fixações de câmbios e de redução de capital e juros, mas pura e simplesmente da recusa do pagamento.
Interrupção do Sr. Carvalho da Silva, que não foi ouvida.
O Orador: — O Sr. Carvalho da Silva devia ter êste livro na sua carteira, para lhe avivar a memória.
A actual situação não se confunde de modo algum com aquela em que se fez a conversão de 1852, que representou uma redução de 50 por cento no capital.
Houve uma uniformização de toda a dívida pública até essa data.
Trago estas citações em resposta ao que disse o Sr. Carvalho da Silva.
Podia continuar citando o que foi a conversão de 1852, a de 1902 e as medidas do Ministério Dias Ferreira na crise de 1901.
Tudo isto são recordações da vida financeira da monarquia. Portanto, os Srs. Deputados monárquicos nesta matéria não têm autoridade para acusar a República da falta de cumprimento das obrigações que contraiu. Nem os representantes da Nação permitiriam que se não honrassem, os compromissos tomados, como se fez no tempo da monarquia muitas vezes.
Sou obrigado na discussão da interpelação a responder ao Sr. Ferreira da Rocha.
S. Exa. classificou o acto do Govêrno de má administração. Evidentemente o acto do Govêrno não é de muito boa administração. Evidentemente o acto do Govêrno não se recomenda como medida que possa defender-se. Agora o que devo dizer a S. Exa. é que a sua responsabili-
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dade não pertence só ao Poder Executivo, mas também ao Poder Legislativo, porque a ninguém é lícito ignorar a situação do Tesouro. E V. Exa. sabe que ao votar-se o Orçamento até 30 de Junho, se verificou serem as receitas inferiores às despesas em cêrca de 300:000 contos. Portanto, porque é que S. Exa. se revolta contra o Govêrno por ter tomado esta medida, sabendo que essa medida era imposta pelas necessidades do Estado?
S. Exa. acha que é má. Eu acho que é péssima, mas dela são culpados todos os que fazem parte do Parlamento. As responsabilidades pertencem a todos. Se há um clamor contra a emissão de novas notas, se todas as propostas de redução de despesas não tem logrado ser aprovadas, e se, em matéria de impostos, também todas as propostas não lograram a aprovação, esta medida não é mais que a conseqüência dos erros do Poder Legislativo.
Evidentemente que quem não foge aos credores o que escrupulosamente se comprometeu a pagar, não vai por êsse motivo aumentar ou melhorar o BÕU crédito.
Mas não vale isto. Nós temos, realmente, crédito na verdadeira acepção da palavra.
Até hoje a República satisfez os seus encargos de dívida; e eu pregunto: há dois ou três anos, no que respeita à nossa posição no estrangeiro o qual foi o crédito que pudemos aproveitar resultante dêste facto?
E porque a única maneira de manter o crédito é ter as contas do Estado em dia, equilibradas.
Sr. Presidente: tem-se falado muito na situação diferente em que se encontram os portadores dêstes títulos, e tem-se clamado muito contra a situação em que vão ficar os portadores estrangeiros e a situação em que vão ficar os nacionais.
A moção, Sr. Presidente, que mandei para a Mesa foi feita justamente no sentido dêsse regime ser estabelecido para nacionais e estrangeiros, o que não quere dizer que o regime estabelecido pelo Sr. Ministro das Finanças não possa ter uma justificação, pois a verdade é que, Sr. Presidente, os portadores nacionais dêsses títulos são, em geral, homens ricos, os únicos que na verdade não pagam contribuição, não pagam impostos ao Es-
tado, como pagam os proprietários, os industriais,, as profissões liberais e os indivíduos que emprestam dinheiro a juros. A verdade é esta, pois os indivíduos que empregam o seu dinheiro em títulos da dívida externa, ao portador, ficam completamente isentos de todos e quaisquer impostos no país, o que se não dá lá fora, pois a verdade é que os portadores deles são obrigados a fazer a sua declaração para o efeito do imposto de venda.
O Sr. Presidente: — Previno V. Exa. que são horas de se interromper a sessão.
O Orador: — Nesse caso peço a V. Exa. para ficar com a palavra reservada.
O Sr. Presidente: — Interrompo a sessão para logo, devendo a sua reabertura ser feita às vinte e uma horas e meia.
Está interrompida a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
São 22 horas.
Continua no uso da palavra o Sr. Velhinho Correia.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: não desejo neste debate falar nem mais nem menos do que aquilo que devo falar.
Estou absolutamente, à vontade apreciando o acto do Govêrno, porque não me atinge nem directa nem indirectamente. Não tenho outra preocupação senão a de bem servir o meu país, j emitindo o meu voto libèrrimamente nesta assemblea, dizendo o que penso sôbre a medida em questão, e o que penso sôbre os seus resultados e conseqüências.
Devo dizer a V, Exa. que ouvi dizer a um antigo Ministro das Finanças o seguinte: «Vamos para a redução dos vencimentos aos funcionários».
O Sr. Francisco Cruz: — Não apoiado.
O Orador: — Eu digo, Sr. Presidente, como o ilustre Deputado, não apoiado.
Não posso, na verdade, Sr. Presidente, concordar com a redução dos vencimentos aos funcionários do Estado.
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Sessão de 6 de Junho de 1924 27
Sabe V. Exa. e a Câmara que os vencimentos dos funcionários não podem sofrer hoje qualquer redução, tanto dos funcionários militares como civis, pois, pelos seus conhecimentos e pela posição que ocupam, hoje êsses funcionários encontram-se numa situação muito diferente da que se encontravam antes da guerra, não podendo viver hoje tam desafogadamente como viviam então.
Sr. Presidente: eu desejava ainda fazer mais algumas considerações sôbre o assunto, mas como há outros oradores inscritos eu, na segunda vez que falar, direi mais algumas palavras, muito principalmente no que diz respeito às reparações, assunto êste que é bastante interessante.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção mandada para a Mesa pelo Sr. Velhinho Correia.
Foi lida.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que admitem esta moção queiram levantar-se.
Está admitida.
O Sr. Sá Pereira: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se, à contraprova. Os Srs. Deputados que rejeitam queiram levantar-se.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Estão sentados 40 Srs. Deputados e do pé 5. Não há número, pelo que se vai proceder à chamada.
Procedeu-se à chamada.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Álvaro Xavier de Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Henrique Sátiro Lopes Monteiro.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Domingues dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
Júlio Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Disseram «rejeito» os Srs:
Amaro Garcia Loureiro.
António Ginestal Machado.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais de Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
João Cardoso Moniz Bacelar.
José Carvalho dos Santos.
José Pedro Ferreira.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Tomé José de Barros Queiroz.
O Sr. Presidente: — Disseram «aprovo» 30 Srs. Deputados e «rejeito» 22, pelo que a sessão não pode prosseguir.
Em vista da deliberação da Câmara, marco sessão para amanhã, sendo a or-
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28 Diário da Câmara dos Deputados
dem do dia a mesma que estava dada para hoje, mais o negócio urgente do Sr. Ferreira da Rocha.
Está encerrada a sessão.
Eram 22 horas e 35 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Projecto de lei
Do Sr. João Camoesas, alterando a redacção do artigo 11.° da lei de 31 de Agosto de 1915.
Para o «Diário do Governo».
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.° 627-B, que autoriza o Govêrno a ceder o bronze para monumentos de La Couture, Loanda e Lourenço Marques, a erguer por uma comissão de combatentes Grande Guerra.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.° 695-G, que cria um solo comemorativo da intervenção de Portugal na Grande Guerra.
Imprima-se.
Declaração de voto
Rejeitamos a moção proposta pelo Sr. Paiva Gomes, por nela se afirmar implicitamente ter o Govêrno procedido em conformidade com as leis e os superiores interêsses de disciplina, e, tendo a êste respeito as mais justificadas dúvidas, récusamo-nos a sancionar os actos do Govêrno emquanto não puderem ser amplamente apreciados.
5 de Junho de 1924.— A. Ginestal Machado — Lopes Cardoso.
Para acta.
O REDACTOR—Herculano Nunes.