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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 113
EM 30 DE JUNHO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. António Albino Marques de Azevedo
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Sebastião de Herédia
Sumário.— Respondem à chamada 53 Srs. Deputados.
Procede-se à leitura da acta.
Dá-se conta do expediente, sendo lido um ofício do Sr. Presidente da Ministério e Ministro das Finanças sôbre a falta de aprovação de opçamentos e da proposta de lei de meios.
O Sr. Abílio Marçal requere que essa proposta entre imediatamente em discussão. É aprovado.
É lida na Mesa a proposta.
Usam da palavra os Srs. Cancela de Abreu, para invocar o Regimento, Abílio Marçal, sôbre o modo de votar, Carvalho da Silva, pura invocar o Regimento, António Maria da Silva, para invocar a Constituição, Cunha Leal, para invocar o Regimento, Cancela de Abreu, para invocar o Regimento.
Levantam-se protestos contra uma frase proferida por êste orador, sendo a sessão interrompida.
Reaberta, usam da palavra os Srs. Cancela de Abreu, António Maria da Silva, Carlos Pereira, António Correia, Pedro Pita, Carvalho da Silva, Nuno Simões, Sá Pereira, Pereira Bastos, Cunha Leal, João Luís Ricardo, João Camoesas, Vasco Borges, Ferreira da Rocha, Tavares de Carvalho e Vitorino Godinho.
O Sr. Presidente, que durante o debate estabelecido sôbre o incidente usou da palavra algumas vezes, propôs finalmente que a Câmara se manifestasse no sentido de ser retirada a palavra ao Sr. Cancela de Abreu.
Foi aprovado.
O Sr. Abílio Marçal requere que a sessão se prorrogue até se votar a proposta de lei de meios.
Aprovado, interrompendo-se a sessão para se realizar a sessão do Congresso.
Reaberta, foi aprovada, com alterações, aquela proposta.
Seguidamente, o Sr. Presidente encerrou a sessão, marcando nova sessão para o dia imediato, com a mesma ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 15 minutos.
Presentes à chamada 53 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 38 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
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Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Hermano José de Medeiros.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.
Não compareceram os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Joaquim Ferreira, da Fonseca.
António de Paiva Gomes.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas=
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
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João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 53 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 16 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte Expediente
Ofícios
Do Senado, comunicando estar designado o dia de hoje, 30, pelas 17 horas, para a reunião do Congresso e indicando a respectiva ordem do dia.
Para a Secretaria.
Do Senado, comunicando que manteve, por unanimidade, o seu voto relativo à proposta de lei que amnistia determinadas infracções disciplinares, delitos de imprensa e eleitorais.
Para a comissão de guerra.
Do Senado, enviando as seguintes propostas de lei:
Que altera o decreto n,° 7:917, de 14 de Dezembro de 1921.
Para a comissão de correios e telégrafos.
Que cria nas escolas primárias oficiais mutualidades escolares.
Para a comissão de instrução primária.
Que determina a forma de poderem ser convertidas em oficiais as escolas primárias criadas por iniciativa particular.
Para a comissão de instrução primária.
Que determina que logo que seja distribuído qualquer processo de interdição por prodigalidade sejam publicados anúncios e editais na respectiva comarca.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Do Senado, enviando uma proposta de lei que considera de utilidade pública e urgente as expropriações para fins de educação, cultura física e prática de desportos.
Para a comissão de instrução especial e técnica.
Do Ministério do Interior, para solicitar da comissão do Orçamento a inclusão de uma verba para pagamento do sub-inspector da polícia de investigação criminal de Braga.
Para a comissão do Orçamento.
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,Do Ministério da Instrução Pública, pedindo para se manter no Orçamento a verba para pagamento ao preparador, do Laboratório de Física da Faculdade de Sciências da Universidade de Coimbra. Para a comissão do Orçamento.
Da Junta de Freguesia de Leça da Palmeira, pedindo para ser votado um projecto para a ampliação do seu cemitério.
Para a Secretaria.
Da comissão municipal do Partido Republicano Português de Arraiolos, pedindo a aprovação do projecto de lei referente à Lei da Separação.
Para a Secretaria.
Do Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças, chamando a atenção para o facto de que não, estando ainda votados os orçamentos nem a lei de meios, não pode o Govêrno ocorrer às necessidades do Estado, desde amanhã em diante.
Para a Secretaria.
Dos Padrões da Grande Guerra, convidando a Câmara a visitar a Escola Militar, onde estará exposta a taça «Guarnição Militar».
Para a Secretaria.
Pedido de licença
Do Sr. Luís da Costa Amorim, desde 1 a 5 de Julho. Concedido. Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Representações
Da Companhia Portuguesa de Caminhos de Ferro, solicitando a revogação dos artigos 7.° e 8.° da lei n.° 952, de 5 de Março de 1920.
Para a comissão de caminhos de ferro.
Dos oficiais de diligências dos tribunais civis das comarcas de Lisboa e Pôrto, representando contra o projecto de lei relativo a emolumentos judiciais.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Telegrama
De um grupo de liberais, do Bombarral, reclamando a aprovação do projecto sôbre a Lei da Separação.
Para à Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Abílio Marçal: — Sr. Presidente: na última sessão, por parte da comissão do Orçamento, comuniquei à Câmara que esta comissão retinia para considerar a situação em que o país se encontra, por falta de votação dos orçamentos.
De facto, essa reunião fez-se, e deliberou a comissão adoptar como base de discussão a proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças, Álvaro de Castro, pelo que requeiro a V. Exa. se digne consultar a Câmara sôbre se consente que essa proposta entre imediatamente em discussão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovado o requerimento e seguidamente lida na Mesa a proposta.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: nada disso sôbre o modo de votar porque a êste lado da Câmara passou despercebida a votação do requerimento.
Todavia; parece-me que a proposta não pode entrar em discussão sem estar presente o Sr. Ministro das Finanças. É certo que elo está demissionário, mas o que é verdade também é que S. Exa. já se encontrava nessa situação há um ou dois meses, e o Regimento não impede a sua comparência no Parlamento, para tratar, pelo menos, de assuntos inadiáveis. Além disso, a proposta nem parecer tem.
Estou convencido de que V. Exa. não está resolvido a saltar por cima do Regimento.
Tenho dito.
O Sr. Abílio Marçal (por parte da comissão do Orçamento): — Sr. Presidente: a proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças deixou de ser uma proposta ministerial para ser uma proposta perfilhada pela comissão do Orçamento, e sôbre a qual foi dado parecer.
Deixará, portanto, nestes termos, de ser obrigatória a presença do Sr. Ministro, das Finanças.
É ao Congresso da República que compete dar ao Govêrno os meios necessários para administrar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — V. Exa., Sr. Presidente, informa-me se há qualquer parecer?
O Sr. Presidente: — Há só parecer oral.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Isto é espantoso.
£0 que vem a ser parecer oral? V. Exa. não pode submeter à apreciação da Câmara a proposta sem a presença do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Jaime de Sousa: — Há parecer. V. Exas. estão equivocados.
O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. está a desmentir o Sr. Presidente.
O Sr. Abílio Marçal (em nome da comissão do Orçamento): — Sr. Presidente: devo dizer que foi votada a urgência e dispensa do Regimento para esta proposta, mas, não obstante isso, a comissão deu o seu parecer, embora lacónico.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: antes de iniciar as minhas considerações desejo que V. Exa. me informe se realmente a proposta tem ou não parecer.
O Sr. Presidente: — Não há na Mesa qualquer parecer.
O Orador: — O Sr. Abílio Marçal declarou que a comissão do Orçamento havia resolvido dar parecer sôbre a proposta do Sr. Ministro das Finanças.
Peço de novo a V. Exa. que elucide a Câmara se o Sr. Abílio Marçal enviou para a Mesa o parecer da comissão do Orçamento sôbre a proposta do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Presidente: — Na Mesa não há nada escrito da comissão do Orçamento. Mas a Câmara já votou a urgência e dispensa do Regimento.
O Orador: — Mas o Regimento determina que a proposta de lei seja discutida na presença do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Presidente: — Mas a Câmara dispensou o Regimento.
O Orador: — Uma proposta de lei desta natureza não pode ser discutida senão na presença do Sr. Ministro das Finanças.
O orador não reviu.
O Sr. Abílio Marçal: — A comissão do Orçamento reuniu e resolveu adoptar como sua a proposta de lei do Sr. Ministro das Finanças. Portanto, perfilho essa proposta, s.alvo as alterações que resolveu introduzir e que vai mandar para a Mesa durante a discussão. A proposta de lei agora pertence à comissão do Orçamento, que dispensa a presença do Sr. Ministro.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva (para invocar o Regimento): — Se a Câmara aprovou a urgência e dispensa do Regimento, com que direito a comissão do Orçamento resolve considerar sua uma proposta de lei de que não pode ter conhecimento oficial?
Nem a proposta podia ter sido enviada pela Mesa às comissões.
O Sr. Almeida Ribeiro: — Desde que foi apresentada à Câmara tinha de ser enviada às comissões.
O Sr. Nuno Simões: — As disposições regimentais não podiam impedir que a proposta fôsse enviada às comissões.
O Orador: — O Regimento determina que todas as propostas sejam enviadas às comissões.
Mas a Câmara resolveu dispensar o Regimento e a dispensa do Regimento implica o não envio das propostas de lei às comissões.
O orador não reviu.
O Sr. António Maria da Silva: — O Govêrno demissionário cumpriu, na data preceituada pela Constituição, o preceito a que se refere o artigo 54.° da Constituição que manda apresentar à Câmara nos primeiros quinze dias de Janeiro a proposta de lei orçamental.
Desde que o Govêrno cumpriu esta obrigação, o Poder Executivo não tem culpa de o Parlamento não ter discutido e
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aprovado o Orçamento Geral do Estado nos prazos marcados na Constituição.
Não se tendo até agora aprovado o Orçamento Geral do Estado, o Govêrno apresentou uma proposta de lei, que está de harmonia com a Constituição.
Qual é a função do Parlamento?
É fazer o que está no n.° 3.° do artigo 26.° da Constituição.
O Sr. Carvalho da Silva: — O que eu queria é que V. Exa. me dissesse se a maioria se compromete a votar só dois duodécimos.
O Orador: — O que eu posso dizer é que, se V. Exa. quiser, e o Regimento dá-lhe essa faculdade, pode, fazendo obstrucionismo, não permitir que a proposta seja aprovada tal como se encontra.
O Sr. Carvalho da Silva: — O que era indispensável era saber-se se a maioria discute ou não os orçamentos.
O Orador: — O que posso dizer a V. Exa. é que sem a aprovação desta proposta não fica assegurada a vida normal do Estado.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Nós estamos criando uma situação irregular.
Dentro do Parlamento há duas minorias: a nacionalista e a monárquica.
Separa-as esta diferença: a minoria nacionalista não quere criar dificuldades à República e a monárquica quere.
Ora nós vemos que não se pode deixar de cumprir o preceito constitucional relativo às receitas e despesas do Estado; mas não podemos deixar de frisar que a maioria não tomou a tempo (Apoiados) providências para que no dia 30 de Junho estivessem votados os orçamentos.
Nós não podemos votar senão um ou dois duodécimos.
Eu pregunto se não seria melhor substituir esta proposta por outra.
Não quis a comissão de finanças ter êsse trabalho e a responsabilidade cabe inteira à maioria.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: o artigo 172.° do Regimento é bem expresso.
Não está presente nenhum membro do Ministério, e eu pregunto: como é que, nestas condições, se pode cumprir êste preceito expresso no Regimento?
Não há relator porque não há parecer, mas ainda que houvesse relator êste facto não dispensava a presença de qualquer membro do Govêrno.
Apesar de o Govêrno estar demissionário, êle existe de facto e mesmo é indispensável que o Sr. Ministro das Finanças venha a esta casa do Parlamento para dar conta do escândalo da venda da prata.
Nos termos do artigo 171.° do Regimento, reclamo a presença do Sr. Ministro das Finanças para acompanhar a discussão da proposta que se discute e dar conta da venda da prata feita à porta fechada.
O País está-entregue a uma quadrilha de ladrões!
O Sr. Presidente: — Convido o Sr. Cancela de Abreu a retirar a frase que acaba, de proferir.
O Orador: — Não retiro frase alguma! Estabelece-se sussurro.
O Sr. Tavares de Carvalho (interrompendo e dirigindo-se ao orador): — Ou re-tira a frase ou vai lá para fora. Sussurro.
O Sr. Presidente: — Peço ao Sr. Cancela de Abreu que retire a frase que é ofensiva para toda a Câmara.
O Orador: — Não retiro a frase; explico-a se V. Exa. quiser.
Trocam-se àpartes.
Esboça-se tumulto.
O Sr. Presidente: — Novamente convido V. Exa. a retirar a sua frase!
O Oradora — Não retiro.
O Sr. Nuno Simões (interrompendo): — Uma cousa dessas não se diz! V. Exa. não tem o direito de aqui estar.
Vozes: — Lá para fora!
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O Sr. Presidente: — Pela última vez convido o Sr. Deputado a retirar a palavra.
O Orador: — Não retiro. Grande agitação.
O Sr. Ferreira da Rocha: — O Sr. Deputado tem o direito de explicar a frase. Só não a explicar em termos convenientes, será então o momento de se adoptarem outros meios.
Estabelece-se grande sussurro.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Convide V. Exa. os Srs. Deputados a ocuparem os seus lugares e acabe-se com isto!
O Sr. Cancela de Abreu: — V. Exa. o Sr. Presidente, e a Câmara puseram a questão em termos que eu não posso aceitar, porque não aceito imposições. Nunca retirarei nenhuma frase, ainda que seja proferida em momento de exaltação.
Não é porque seja fisicamente valente; mas sim porque tenho a fôrça da linha consciência. Mas, tendo-se reconsiderado, mudada a feição das cousas, eu, mantendo o que disse, declaro a V. Exa. que não quis acusar de ladrões o Parlamento ou o Govêrno.
O que eu disse foi que o País estava entregue a uma quadrilha de ladrões.
Ladrões são todos aqueles que têm roubado o País.
Tenho dito.
Estabelece-se grande tumulto.
O Sr. Presidente: — Está interrompida a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Às 17 horas foi reaberta a sessão.
O Sr. Presidente: — Peço ao Sr. Cancela de Abreu para se explicar por forma a que nenhuma das figuras prestigiosas da República possa continuar sob o pêso da injuria que V. Exa. há pouco lhes dirigiu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Sr. Presidente: não retiro a frase. Nunca retirei, nem retirarei o que digo. Das conversas havidas durante a interrupção da sessão, eu depreendi que a Câmara deu à minha frase um: sentido diferente daquele que eu lhe quis dar.
Declaro a V. Exa. e à Câmara que aquilo que vou dizer é a rigorosa expressão do que sinto.
Eu quis com a minha frase constatar precisamente o. mesmo que tem sido constatado já quer na imprensa, quer no Parlamento, em todos os campos políticos; isto ó, que durante a vigência da República, os roubos têm sido constantes. Haja em vista o que se passou com os Transportes Marítimos, com os Bairros Sociais; com a Exposição do Rio de Janeiro, com o Lazareto, com o carimbo mágico, com os fornecimentos da guerra, etc.
O Sr. Nuno Simões: — É bom que V. Exa. se não esqueça também dos roubos cometidos pela Companhia dos Tabacos, pelos Bancos, etc., etc.
O Orador: — Evidentemente a minha frase, diz apenas respeito a êsses e a semelhantes roubos. Mas, evidentemente, que tenho de atribuir a sua possibilidade às deficiências da administração pública, à falta de fiscalização e à impunidade.
Numa síntese, Sr. Presidente: A minha frase, que tanta celeuma levantou, tem precisamente o mesmo significado do que esta frase do Sr. António Maria da Silva, pronunciada nesta casa do Parlamento, perante a indiferença dos seus membros:
«O País estava a saque»!
São estas as explicações que posso dar, e que dou porque traduzem a verdade. Tenho dito.
O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: pronunciaram-se nesta Câmara palavras, a despropósito do que se discute, lesivas do prestígio não só das pessoas que dela fazem parte, mas até daquelas que ao Parlamento não pertencem. Essas palavras não podem passar sem a devida sanção.
Apoiados.
O Congresso tem dado toda a liberdade à minoria monárquica para discutir, mas discutir não é insultar.
Apoiados.
Tem havido abusos o crimes na República? Tem. Mas crimes e abusos deram-se sempre em todos os tempos e em todos os regimes. E para os punir que existem os tribunais.
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O Sr. Cancela de Abreu, que se tem prometido usar e abusar da quási licença que lhe temos dado, na cegueira do seu faceio sismo, nem sequer vê que desprestigiando o Parlamento a que pertence, se, desprestigia a si próprio.
S. Exa., porém, esquece-se de que nós temos sanções contra os seus desmandos, e de que estamos dispostos a usar delas sempre que tal se torne necessário.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: a frase, as explicações da frase, visam ainda baixos intuitos políticos, política que se faz calcando a sensibilidade dos outros, começando por amarfanhar a própria honra pessoal.
Evidentemente que os aqui estão dentro, pelas suas relações políticas ou porque intervieram já na administração pública, foram atingidos pela frase de que o País estava entregue a uma quadrilha de ladrões. E, tam irreflectido foi S. Exa. na sua frase, que se esqueceu de que evidentemente se nivela com êles.
Vieram as explicações de ordem política, que só servem para deminuir-nos lá fora, preguntando-se até se S. Exa. pretendia atingir alguns grandes homens da República, figuras prestigiosas no nosso meio político.
Mas, Sr. Presidente, que me importa a mim o prestígio dos grandes homens se eu prezo por igual o prestígio do «pé descalço» que no dia 5 de Outubro andou de carabina ao ombro, se a honra dêsses vale para mim tanto como a dos vultos prestigiosos do meu país?
Muitos apoiados.
Não tem infelizmente sanção expressa o Regimento.
Pode, porém, cada um de nós tomar a sanção que julgue conveniente para aqueles que julgando deminuir os outros, somente se deminuem a si próprios.
Sr. Presidente: se as explicações do Sr. Cancela de Abreu não forem mais além das já apresentadas, eu declaro terminantemente que elas não me satisfazem.
Eu esperei que a questão fôsse posta por êste lado da Câmara em termos claros e precisos; mas o Sr. António Maria da Silva ao falar, não o fez como leader, porque S. Exa. somente, ergueu a voz por uma referência pessoal que lhe foi feita. E, Sr. Presidente, maldito leader seria êle, malvado leader, se ficasse satisfeito com as vagas explicações que amanhã hão-de ser atiradas para as parangonas dos jornais, com o fim de atacar as instituições e os seus homens, inclusivamente aqueles que, apesar de pequenos, são capazes de dar à República e à Nação toda a dedicação e até a própria vida.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Correia: — Sr. Presidente: porventura algumas das sessões tumultuarias que precederam a queda do Sr. Álvaro de Castro, permitiram que neste Parlamento se usassem expressões que não são próprias da primeira assemblea do País.
E, Sr. Presidente, digo com sincera mágoa que os exemplos do nosso colega da Câmara que se afastou voluntariamente dos trabalhos parlamentares, pelo emprego de expressões ultrajantes, têm frutificado de tal maneira que mais vêm contribuindo para a obra, de descrédito daqueles que nela pretendem envolver o Parlamento da República.
As expressões ofensivas têm vindo, passo a passo, a ser pronunciadas nesta casa, transformando-se já, como no caso presente, em ofensas dirigidas à honra e honestidade dos membros do Parlamento.
O Sr. Cancela de Abreu, empregando a palavra de que usou para criticar a administração republicana, envolveu no significado de ladrões todos os membros do Poder Executivo.
Para mim não pode ter outra interpretação a expressão de S. Exa.
Sr. Presidente: estou no princípio da minha vida, sou novo mas costumo sacudir, com muita dignidade e com muito brio, as ondas de lama que porventura alguém pretenda lançar sôbre mim.
Não estou disposto a consentir que sôbre o meu nome caiam salpicos de lama, partam donde partirem, apesar de saber que não ofende quem quero.
Não me satisfazem as explicações do Sr. Cancela de Abreu, e, como não estou aqui para defender a gamela, visto que não tenho qualquer benesse do Estado,
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que não estou enfeudado a nenhum Banco ou companhia e tenho tam somente a minha carta de formatura, advogando para manter a minha vida em Lisboa, só me resta um caminho a seguir: emquanto o Sr. Cancela de Abreu não retirar a expressão que empregou, conservar-me hei afastado desta assemblea, manifestando a V. Exa., Sr. Presidente, aos membros da maioria, à minoria nacionalista, à minoria católica, aos independentes, aos membros da Acção Republicana, e aos Deputados monárquicos, que têm direito à nossa consideração, os protestos do meu respeito.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: não crê a minoria nacionalista que o momento seja para grandes discursos, e por isso limita-se a declarar a V. Exa. que, respeitando o lugar que V. Exa. ocupa, confia inteiramente em que V. Exa. saberá resolver êste incidente, que se prende com a honra da Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: —Sr. Presidente: com a calma que é indispensável possuir-se num assunto desta natureza, devo dizer a V. Exa. que a ninguém assiste o direito de julgar que as palavras do Sr. Cancela de Abreu tiveram a intenção de ferir qualquer pessoa.
Todos os dias êste lado da Câmara intervém nas discussões parlamentares, e até hoj«, como daqui para o futuro, nunca ninguém pode nem poderá encontrar nas nossas palavras uma referência pessoal afrontosa.
Todavia, não nos pode ser coaretada a liberdade de denunciarmos, — como se tem feito de todos os lados da Câmara — as irregularidades de administração pública que se praticam, sem que possa atribuir-se a essa atitude o significado de que pretende afirmar-se que os Ministro metam as mãos nos cofres do Estado.
Solidarizamo-nos, portanto, com as palavras do meu querido amigo Sr. Cancela de Abreu, que não tiveram a intenção, repito-o, de ferir ninguém.
E êste incidente dá-me ensejo a que mais uma vez, dêste lado da Câmara, eu lembre a V. Exa. que é chegado o momento em que se torna absolutamente necessário fazer uma barreira contra a impunidade.
Explicadas as únicas intenções que tem sempre êste lado da Câmara, estou absolutamente certo de que ninguém poderá atribuir-nos, a nós todos, solidários uns com os outros, o intuito de discutir pessoas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: há pouco quando usei da palavra, fi-lo simplesmente em meu nome pessoal, chamado a terreiro por uma referência pessoal do Sr. Cancela de Abreu no decurso das suas explicações.
Êste lado da Câmara entregou a solução final do conflito nas mãos do V. Exa.
Não podemos aceitar as palavras do Sr. Cancela de Abreu como justificação do seu procedimento.
Se há pouco não disse isso, foi porque não vinha a propósito, e não fazia sentido que, tendo eu já dito que entregávamos a V. Exa. a resolução do conflito, lhe indicássemos a sua linha de conduta.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: apesar de me ter habituado já ao modo desabrido e atrabiliário com os inimigos das instituições republicanas, menos no Parlamento do que nos seus jornais, estão efectivamente dirigindo os seus violentíssimos ataques à República, apesar disso, foi com grande surpresa que ouvi ao Sr. Cancela de Abreu a frase verdadeiramente inaceitável e insólita que aquele Sr. Deputado acaba de proferir.
Essa frase dita em qualquer outra ocasião, numa exaltação de momento, depois dum debate acalorado sôbre qualquer motivo da administração pública, poderia ter porventura uma explicação; dita agora e com a maior serenidade, e repetida como S. Exa. entendeu que a devia repetir, insistindo nela em termos de a sua explicação não ser senão uma confirmação do que tinha dito, toma já o aspecto, porém, não duma injúria ao Parlamento,
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mas a todos os republicanos, que não aceitam de S. Exa., nem da minoria monárquica, quaisquer lições de honestidade, porque não se habituaram a aceitá-las da monarquia, quando ela foi regime entre nós.
Apoiados.
Mas a frase do Sr. Cancela de Abreu assume mais insólito aspecto se a relacionarmos com aquilo que se está fazendo lá fora, se a cotejarmos com essa lastimável sessão da Associação Comercial de Lisboa, em que o Sr. Schroeter, que foi, se não estou em êrro, uma das figuras representativas do Sr. João Franco, se esqueceu que, por muito menos do que êle disse, foi dissolvida a Associação Comercial do tempo.
Apoiados.
Não nos importa agora considerar as explicações do Sr. Cancela de Abreu; o que nos importa considerar é o momento, é a ligação que estas cousas têm com o que se passa lá fora, procurando-se fazer o desprestígio do Parlamento e da República, para se entregar o País nas mãos inexperientes, para não dizer outra cousa, de pessoas que muitas vezes costumam confundir os seus interêsses com os do Estado.
O que hoje o Sr. Cancela de Abreu afirmou tem lá fora a reforçá-lo o pensamento duma Associação Comercial, em que um dos seus elementos se permitiu já, não só considerar incompetentes os homens da República, ou fazer insinuações sôbre a sua honorabilidade, mas quási pretender impor à República que abstraísse da ,sua função, para se substituir por um regime de pessoas cuja idoneidade, sob o ponto de vista político, para mão abordar outros aspectos, tem muito que discutir.
Apoiados.
Eu sei que alguns republicanos desta Câmara têm proferido muitas palavras imprudentes.
Sei que alguns republicanos - e isso mais é de lastimar — têm aqui proferido palavras de que deviam abster-se.
Esta situação de alguns republicanos que não ligam às palavras que dizem o valor que elas deviam ter, tem permitido aos inimigos das instituições Jazer juízos que, se não nos deprimem, nos vexam a todos.
Mas a circunstância dos republicanos abusando duma, autoridade moral que possuem, pelos serviços que têm prestado, mas que não é outorgada pelos serviços que deviam prestar, usarem dessas palavras, não dá direito aos inimigos das instituições, não com o desejo de corrigirem e fiscalizar, mas com o propósito de desprestigiarem e aniquilarem, de fazer aquilo que estão fazendo.
Pela minha parte protesto, tanto mais que não costumo pôr, sequer, em jôgo a honestidade das pessoas cujos actos critico, muito embora não sejam republicanas.
O Sr. João Camoesas: — Concordo com as considerações de V. Exa., excepto num ponto: é que não podemos assemelhar as expressões do Sr. Cancela de Abreu com as de vários republicanos.
Dentro do ponto de vista crítico está bem, mas dentro do ponto de vista moral, dizendo S. Exa. que a sua frase não dizia respeito a qualquer dos Governos da República, nem a qualquer Deputado, não pode pôr-se em paralelo com as que os republicanos aqui têm proferido.
O Orador: — Efectivamente há que considerar a finalidade com que as cousas se dizem e os antecedentes com que elas se proferem.
Por mim, usando da palavra, quis apenas formular o meu protesto contra êste sistema de ataque, que não honra ninguém, e que eu esperava que o Sr. Cancela de Abreu, numa prova de correcção que eu supunha, até há pouco, estar dentro dos seus hábitos, não empregaria dentro desta casa do Parlamento. Mas fique a frase com S. Exa. porque, como aqui se disse, as injúrias só tem o valor das pessoas que as proferem.
A injúria fique com S. Exa. por que só o desprestigia a si.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Sá Pereira: — Sr. Presidente: muito serenamente, pesando todas as palavras que vou proferir, devo dizer que entendo ser minha obrigação declarar a V. Exa. que êste assunto precisa de ficar perfeitamente a claro.
Apoiados.
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Além, daquele lado das bancadas monárquicas e pela boca do Sr. Paulo Cancela de Abreu, proferiram-se palavras que envolvem graves acusações para todos os homens do regime e em especial para alguns.
Proclamou-se que a administração pública estava entregue a quadrilhas, frase que é como que a repetição do que uma vez se escreveu num jornal que circulava em Lisboa, intitulado A Monarquia, e onde se dizia: «Está no Poder a quadrilha liberal».
Daquele lado repetiu-se a mesma afirmação, que, num momento de exaltação, foi proferida. Mas com uma agravante: a de querer atingir a dignidade de todos os homens que, com sacrifício, através da sua vida, têm servido com honestidade o regime.
Neste caso especial não houve pretexto para pronunciar essas palavras.
Dizem se em volta dum homem que está acima de todas as suspeitas, que tem sido, e é, um intemerato republicano, sempre digno, e que tem dado ò melhor do seu esfôrço à República.
Refiro-me ao Sr. Álvaro de Castro, que está acima de todas as suspeitas.
Apoiados.
Eu não podia de maneira nenhuma aceitar o modo de ver do Sr. Cancela de Abreu.
S. Exa. declarou que as suas palavras não atingiam os homens do Govêrno nem os parlamentares.
Mas a palavra «roubo» foi proferida conscientemente.
Não atinge os homens da República? Não podemos consentir que aqueles que tem feito tantos sacrifícios sejam abandalhados pelos representantes do regime que nos últimos trinta anos da sua existência não cometeu senão roubos, não cometeu senão latrocínios, atentando contra a liberdade dos cidadãos.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — A minoria monárquica não quis referir-se nunca à honra dos homens do Govêrno, e sempre reconheceu que o Sr. Álvaro de Castro é um homem de bem.
O Orador: — Se na República se têm praticado roubos, ela tem tido a coragem, que a monarquia nunca teve, de remeter os ladrões ao Poder Judicial. Ou que roubaram na monarquia continuaram a servi-la.
O orador não reviu.
O Sr. Pereira Bastos: — O grupo parlamentar de Acção Republicana entrega nas mãos de V. Exa. a solução do conflito; mas declara que o não satisfizeram as explicações do Sr. Cancela de Abreu.
Se V. Exa. me permite chamarei a sua atenção para o facto de ter saído da sala um Deputado nosso colega, pertencente à Acção Republicana, e entendo ser preciso chamar a atenção de V. Exa. e da Câmara para êste facto.
O Deputado que saiu não se achava bem nesta sala emquanto êste assunto se não liquidasse.
Devem ter a liberdade de apreciação os Srs. Deputados da minoria monárquica, mas não a liberdade da injúria, o que é diferente.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Sr. Cancela de Abreu: como V. Exa. acaba de ouvir, por vários oradores que se referiram ao lamentável incidente determinado pelas palavras de V. Exa. a Câmara não ficou satisfeita com as explicações por S. Exa. dadas.
V. Exa. proferiu graves afrontas ao regime, e eu também não me dou por satisfeito com as explicações de V. Exa., porque ofendeu o Parlamento, que tem de fiscalizar a moralidade do regime.
V. Exa. disse que «o país estava entregue a uma quadrilha de ladrões».
Esta frase, visto ter declarado que não foi proferida com intenção de afrontar a República e os seus homens, V. Exa. não deve ter dúvida em retirá-la.
Apoiados.
É isto que mais uma vez eu poço a V. Exa., a quem convido a retirá-la, tanto mais, repito, que presta assim uma homenagem à Câmara.
Convido, pois, V. Exa. a retirar a frase que proferiu.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Já declarei à Câmara que na minha frase eu não pretendi referir-me ao Parlamento ou ao Govêrno. De resto, eu não costume
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estender a mão às pessoas que considero ladrões, e costumo estendê-la aos Srs. parlamentares.
Nada mais posso acrescentar.
O Sr. Presidente: — E profundamente de estranhar que V. Exa. não tendo a intenção de manter a injúria, não retire a sua frase.
A frase, torno a repeti-lo, foi esta: «O país tem estado entregue a uma quadrilha de ladrões».
A quem está o país entregue? Ao Govêrno e ao Parlamento.
Lamento, pois, que V. Exa. não retire a sua frase, e, assim, terei de usar um procedimento que preferia não pôr em prática.
Pedia a V. Exa. mais uma vez para retirar a frase, visto não ter intenção de manter a injúria.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Devo dizer mais uma vez que não retiro a frase e que ela não teve a intenção que V. Exa. lhe atribuiu.
O Sr. Presidente: — Confesso que é deveras lamentável a insistência, de V. Exa., tanto mais quanto é certo que tendo V. Exa. já dado explicações que significam o propósito de não manter a injúria, em nada se deminuída retirando a frase que proferiu.
Pela última vez, pois, convido V. Exa. a retirar essa frase.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Cunha Leal: — Sr. Presidente: não sei francamente se o acto que vou praticar será impolítico; porém, vou dizer em minha consciência o que penso sôbre o assunto.
Fui, Sr. Presidente, das pessoas que mais profundamente sentiram a frase aviltante contra o regime proferida pelo Sr. Cancela de Abreu, e tanto mais quanto é certo que nós temos dispensado aos Srs. Deputados adversários do regime toda a consideração que nós temos o direito de exigir para nós próprios.
O Sr. Cancela de Abreu proferiu essa frase impensadamente, como tantas outras que aqui têm sido proferidas, como por exemplo a de que o País está a saque, que julgo igualmente ser injuriosa para o regime.
O Sr. Cancela de Abreu, na verdade, sôbre o assunto já deu explicações que eu declaro francamente que me satisfazem (Muitos apoiados), pois, a verdade é que o Sr. Cancela de Abreu já declarou à Câmara que não era seu intuito atingir nenhum homem da República, nem nenhum Ministro.
S. Exa. proferiu essa frase impensadamente, repito, como na verdade outras idênticas aqui têm sido proferidas, porém, o que nós podemos é lembrar-lhe os escândalos praticados no tempo da monarquia, que também não foram poucos, o que prova que o mal não é do regime, mas sim infelizmente de alguns homens que fazem parte dêsses regimes.
Esta é que é a verdade, porém, o que não podemos a meu ver é colocar um homem que tem dignidade debaixo desta pressão «retire a frase» ou então teremos de adoptar o devido procedimento.
Sr. Presidente: V. Exa. fará aquilo que bem entenda dever praticar, pois a minoria nacionalista sujeita-se ao que V. Exa. determina em todo o caso pedimos licença para expor a nossa opinião.
O Sr. Cancela de Abreu afirma:
Primeiro. Que tem havido escândalos no regime republicano.
Segundo. Que êsses escândalos não são da culpa dos homens que servem as instituições.
É isto uma verdade monstruosa!
A melhor forma que temos de responder aos representantes daquele regime que conta desde Silva Carvalho até Mariano de Carvalho não sei quantos actos de corrupção, é meter na cadeia os criminosos dos Transportes Marítimos, da disposição do Rio de Janeiro e dos Bairros Sociais.
Desde que o Sr. Cancela de Abreu já explicou que na sua frase não quere referir-se aos homens representativos do regime, ficando ela para atingir alguns prevaricadores, eu dou-me por satisfeito, pois não quero cobrir êsses prevaricadores.
Recuso-me terminantemente a dizer que na República não tem havido crimes; Metam-se na cadeia os responsáveis dêsses crimes.
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Depois de assim termos feito, voltar-nos hemos para o Sr. Cancela de Abreu e diremos: a Republica sabe castigar os criminosos, ao passo que a monarquia deixou impunes todos que delapidavam a Fazenda Nacional.
Em nome da minoria nacionalista declaro que nos satisfizeram as explicações do Sr. Cancela de Abreu.
O orador não reviu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Como V. Exa. está encarregado de solucionar êste incidente, eu devo fazer-lhe a minha última e formal-declaração.
Mantenho inteiramente o que inicialmente disse e as 4 explicações que depois dei.
Não é verdade que a minha frase tivesse sido proferida impensadamente.
Podem expulsar-me; podem bater-me; podem matar-me, mas eu não retiro o que disse.
Nada mais.
O Sr. Carlos Pereira:—Ao ter falado neste incidente, fi-lo, evidentemente, em meu nome pessoal.
Nem então deleguei em V. Exa. para aplicar as sanções necessárias para o caso.
Vi depois que em nome dos vários agrupamentos políticos os respectivos -representantes delegaram em V. Exa. a solução do caso, mas posteriormente fazem declarações no sentido do dizer se estavam ou não satisfeitos com as explicações dadas.
Mas só independentemente disto há que constatar uma verdade. É que todos delegaram em V. Exa. A minoria nacionalista não condicionou a sua delegação, nem V. Exa. a aceitaria nesses termos. Delega-gamos todos em V. Exa.; no emtanto, todos manifestámos a nossa opinião.
O orador não reviu.
O Sr. João Luís Ricardo: — Sr. Presidente: fui eu a primeira pessoa que re-velou quanto ferido se sentia com a frase do Sr. Cancela do Abreu, saindo imediatamente do meu lugar para me aproximar de S. Exa. Êste acto não foi irreflectido. Fiquei, porém, inibido de prosseguir na minha atitude, visto que atrás de mim foram outros Srs. Deputados. Eu, que
por ser republicano, por ter sido já uma vez Ministro e ser membro do Parlamento, me sentia directamente visado pelas palavras do Sr. Cancela de Abreu, aguardava a intervenção, única legítima, de V. Exa. para obrigar aquele Sr. Deputado a retirar a sua frase.
Não querendo, porém, S. Exa. retirá-la, só havia uma cousa a fazer: ficarmos nós nesta sala e sair o Sr. Cancela de Abreu.
Ouvi as palavras do Sr. Cunha Leal, que sendo, como eu, um impulsivo, tem, no emtanto, em determinados momentos, o domínio dos seus nervos, e, assim, pôde serenamente pôr o problema em equação.
Aquilo que ouvimos da boca do Sr. Cancela de Abreu é a conseqüência lógica do desbragamento da linguagem de nós todos, republicanos.
Somos nós que não temos sabido respeitar-nos uns aos outros; somos nós que não temos sabido dignificar a República. Sofremos-lhe as conseqüências, e agora o que temos a fazer? Expulsar o Sr. Cancela de Abreu? Mas eu já ouvi dizer que não havia paralelo entre as injúrias lançadas pelo Sr. Cancela de Abreu contra o regime e contra os seus homens com as frases proferidas pelos republicanos.
Se não pode haver paralelo, e se fazemos sair a bem ou pela fôrça das armas um Deputado da monarquia, estabelecemos um paralelo com o que se fez no tempo da monarquia, expulsando desta sala os Deputados republicanos. Êsses foram expulsos por uma atitude nobre e alevantada, e o Sr. Cancela de Abreu seria expulso, não por ter tomado uma atitude de defesa da sua causa, mas simplesmente por ter proferido uma frase, que afirmou depois não ofender os homens da República, não ofender a República, não ofender o Parlamento, nem o Poder Executivo.
Nestas circunstâncias, eu só encontro uma solução: é que V. Exa. e a Câmara, è eu formulo um requerimento nesse sentido, não considerem como proferida a frase do Sr. Cancela de Abreu nesta sala, e não consintam que ela seja escrita na acta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: nós devemo-nos determinar por um facto, e êsse é que o Sr. Cancela de Abreu, apesar de não ter retirado a sua frase, ela está virtualmente retirada.
S. Exa. afirmou que a sua frase não queria atingir nenhum dos membros do Poder Legislativo, nem Executivo, e, nestas condições, S. Exa., levado por uma falsa noção de amor próprio, não quere desdizer-se, embora já se tenha desdito.
Eu, por mim, considero-me perfeitamente satisfeito, porque me basta a situação moral em que S. Exa. fica, de ter produzido uma acusação genérica que depois não manteve, e não é capaz de manter em parte nenhuma.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: depois das considerações produzidas por vários oradores eu compreendo a situação especial em que V. Exa. se encontra.
V. Exa. há pouco, depois de ouvir as exposições do Sr. Cancela de Abreu, e depois de ouvir vários oradores, declarou que elas não satisfaziam V. Exa. nem a Câmara.
Neste momento V. Exa., Sr. Presidente, encontra-se nesta situação: uma parte da Câmara julga suficientes as explicações e a outra parte não as aceita:
É facto que nós confiamos em V. Exa., mas o que é verdade é que V. Exa. não se pode alhear do que aqui se tem dito.
O Sr. Cancela de Abreu declarou que o país estava entregue a uma quadrilha de ladrões. Necessariamente referia-se ao Poder Executivo, ao Legislativo, e, porventura, às altas funções de Estado, que estabelecem a direcção dos negócios públicos.
Mas afinal o que fica? O Sr. Cancela de Abreu, dizendo que a frase não se refere ao Parlamento, nem aos Ministros, mostra que se trata apenas duma teimosia inaceitável dum Deputado, que quere manter uma frase que êle mesmo considera inconsistente.
Interrupção do Sr. Sá Pereira que não se ouviu.
O Orador: — S. Exa. referiu-se aos Transportes Marítimos e aos Bairros Sociais.
Pregunto: Mas a que propósito, relativamente à lei de meios, veio S. Exa. reivindicar para si o direito de insultar um regime?
Porventura êsses assuntos não foram tratados nesta Câmara e entregues a quem de direito?
Nestes termos, não pôde V. Exa., Sr. Presidente, deixar de atender à doutrina contida no § único do artigo 66.° do Regimento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: o ambiente que se forma, em volta de certas questões, ambiente de paixões, de facciosismos, por vezes de sentimentos excessivos e exagerados, faz cem que se profiram palavras, digamo-lo assim, inconvenientes.
Sr. Presidente: os tempos que correm, as questões que se agitam, a atmosfera de suspeições, de calúnias que se têm formado proporcionam com efeito uma possibilidade especial a que factos tam lamentáveis, como aquele de que estamos tratando, se, produzam.
Foi ainda na sessão de sexta-feira que nesta casa do Parlamento se proferiram palavras improvisadas, dessas palavras que não comportavam o objectivo que à primeira vista poderia parecer.
Ainda há pouco o Sr. Sá Pereira a isso fez referência pondo em destaque a honorabilidade pessoal do Sr. Dr. Álvaro de Castro, e eu, Sr. Presidente, aproveito esta ocasião para prestar a S. Exa. a minha mais alta homenagem, para exprimir ao Sr. Dr. Álvaro de Castro a minha mais alta consideração.
O Sr. Cunha Leal: — V. Exa. esteve presente na sessão de sexta-feira?
O Orador: — Sim, senhor.
O Sr. Cunha Leal: — Como fui um dos oradores que mais directamente atingiram a obra do Sr. Álvaro de Castro, parece-me que as considerações que V. Exa. está fazendo têm por fim interpretar as minhas palavras.
V. Exa., armando à última hora e fora de horas em magriço do Sr. Álvaro de Castro, coloca-me numa situação especial.
Se o intuito de V. Exa. é provocar no-
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vás explicações da minha parte, tenho a declarar que já dei as que tinha a dar.
O Orador: — Não só estive presente na sessão de sexta-feira como me recordo de ter apoiado as considerações que V. Exa. fez a propósito da honorabilidade do Sr. Dr. Álvaro de Castro.
Foi apenas incidentalmente que ao caso me referi neste momento sem desejar chamar V. Exa. à barra para dar novas explicações.
Sr. Presidente: eu creio que a frase proferida pelo Sr. Cancela de Abreu foi com efeito ama frase determinada por um impulso de momento, por um sentimento excessivo, frase inconveniente sem dúvida, frase som dúvida de repelir, frase que à dignidade do Parlamento, à dignidade de todos os seus membros, e à dignidade, estou certo, do próprio Sr. Cancela de Abreu, convém que seja rectificada. Mas, Sr. Presidente, o Sr. Cancela de Abreu, êle próprio, já fez declarações em termos de tornar inconsistente a sua afirmação, de tornar inconsistente a sua frase.
Declarou S. Exa. que não tinha em vista referir-se ao Poder Legislativo nem a qualquer membro do Poder Executivo; somente não se referiu S. Exa. ao Poder Judicial; e como por outro lado também aqui já se falou em impunidade para criminosos, podendo esta omissão dar lugar a poder supor-se que efectivamente a responsabilidade caberia ao Poder Judicial, apesar de estar convencido de que não foi êsse o pensamento de S. Exa., todavia, como membro que muito me honro de ser do Poder Judicial, parece-me justificado, pelo que respeita a êsse Poder do Estado, varrer a testada de tal afirmação.
Sr. Presidente: o Sr. Cancela de Abreu é o primeiro a declarar que a sua frase foi mal interpretada, mas, Sr. Presidente, se a frase de. S. Exa. era susceptível duma má interpretação, podemos pensar e concluir que ela foi uma frase infeliz, e então, se se trata duma frase infeliz, se se trata duma frase a que o próprio Sr. Cancela de Abreu claramente atribui uma outra interpretação e outro intuito, pode S. Exa. retirar a má interpretação que essa frase pôde ter para deixar ficar â interpretação exacta que lhe atribuiu.
Sr. Presidente: sou amigo pessoal do Sr. Cancela de Abreu; em relação a S. Exa. como em relação a qualquer outro dos meus amigos nunca desejaria vê-lo colaborar numa situação de desprimor, de vexame, e porque o não desejo é que permito proferir estas palavras.
Entendo que o Sr. Cancela de Abreu não se deminuiria; pelo contrário, mais uma vez autenticaria a sua correção de proceder, mais uma vez autenticaria de que natureza é a sua educação, retirando a sua frase que manifestamente foi infeliz até porque não correspondeu ao pensamento de S. Exa., para apenas deixar ficar aquela interpretação que S. Exa. lhe deu.
Creio que nestes termos se poderia liquidar êste incidente com enaltecimento para S. Exa., com prestígio para a Câmara, que S. Exa. decerto, como membro do Poder Legislativo não deseja por modo algum que saia daqui diminuído.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Chamo a atenção da Câmara.
Em face do debate e a despeito de opiniões largamente expressas por todos os Srs. oradores eu continuo a não julgar suficientes as explicações do Sr. Cancela de Abreu.
Não compreendo como S. Exa. dizendo duma maneira clara e peremptória, que com a sua palavra não queria atingir nenhum dos homens representativos do regime, nem parlamentares nem Ministros, não compreendo como S. Exa. queira manter a frase que proferiu.
Se S. Exa. não tinha intenção alguma de lançar a menor injúria sôbre os homens ou organismo a quem está entregue a administração do país, e, simplesmente se queria referir a quaisquer pessoas que tenham prevaricado tanto nos Bairros Sociais como nos Transportes Marítimos e Exposição do Rio de Janeiro, não compreendo como S. Exa. queira manter a frase debaixo dêste aspecto.
Por estas razões, repito, não julgo suficientes as explicações de S. Exa.
Como a Câmara me confiou a solução dêste conflito em que se manifesta divergência de opiniões, e como no desempenho dêste lugar me compete traduzir o pensar da maioria da Câmara, entendo dever consultá-la sôbre se julga ou não
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suficientes as, explicações dadas pelo Sr. Cancela de Abreu. S. Exa. não reviu.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Disse V. Exa., Sr. Presidente, que seguiria a generalidade do pensar da Câmara; eu direi a V. Exa. - o que V. Exa. por lapso não disse — que lhe compete acima de tudo seguir o Regimento, do qual S. Exa. é o guarda.
Vai V. Exa. preguntar à Câmara se ela considera ou não ofensivas as palavras proferidas pelo Sr. Cancela de Abreu, £ mas qual é a disposição do Regimento em que V. Exa. se fundamenta?
Qual é à sanção que aplica depois da consulta da Câmara?
O Sr. Presidente: — Não há disposição regimental para êstes factos, mas desde que há divergência eu consulto a Câmara.
O Orador: — O Regimento dispõe que V. Exa. pode chamar à ordem o Deputado e depois de fazer essa chamada retirar-lhe o uso da palavra e mais nada.
Ora como as autoridades — e V. Exa. neste caso é uma autoridade — não podem fazer no uso das suas funções senão aquilo que as leis lhe permitem. V. Exa. não pode praticar um acto que pelo Regimento da Câmara não lhe esteja especialmente atribuído, ainda que nós todos, por unanimidade, lhe dissessem que o praticasse.
A frase empregada pelo Sr. Cancela de Abreu é de uma extraordinária incorrecção e nem sequer é possível admitir que um homem culto se lembre de a proferir nesta sala onde estão companheiros seus.
Ainda que todos nós lhe disséssemos que a frase do Sr. Cancela de Abreu não fora própria do Parlamento e de um Deputado; ainda que todos nós lhe disséssemos que as explicações seguidamente dadas por S. Exa. não eram bastantes, e efectivamente as explicações do Sr. Cancela de Abreu significam por completo a destruição da frase que proferiu e que não quer retirar por um capricho de teimosia infantil; ainda que a maioria a V. Exa. afirmasse que não se dava por satisfeito, V. Exa. só podia constatar o resultado da votação da Câmara nesse sentido e mais nada.
Eu, que nunca emprego palavras incorrectas no Parlamento & que tenho a pretensão de saber dizer o que quero sem ofender o prestígio da instituição de que faço parte, não quero o precedente de amanhã a maioria da Câmara entender que uma expressão por mim proferida não está explicada e aplicar-me uma sanção que não consta do Regimento desta Câmara.
Se o Regimento é omisso modifiquemo-lo mas não se faça a vontade à maioria desrespeitando o Regimento que é para nós a lei orgânica que regula o funcionamento da instituição parlamentar.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Evidentemente que eu não aplicarei outra sancção além daquela que o Regimento estabelece.
As explicações do Sr. Cancela de Abreu, não me satisfazem e procuro orientar-me na opinião da Câmara para proceder.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: eu sou um daqueles que não se dão por satisfeitos com as explicações do Sr. Cancela de Abreu, e como estava na disposição de puxar por um braço a S. Exa. e pô-lo lá fora, declaro que se a Câmara, se der por satisfeita com essas explicações ver-me hei obrigado a pedir desculpa a S. Exa. Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vitorino Godinho: — Sr. Presidente: de todos os lados da Câmara, e muito bem, foram dados a V. Exa. plenos-poderes para a solução do conflito, tendo-se alguns Srs. Deputados manifestado individualmente.
Eu, por temperamento e educação, estou habituado a marchar direito no caminho que encetei.
Declaro categoricamente que de modo algum me dou por satisfeito com as explicações dadas pelo Sr. Cancela de Abreu.
Nestes termos e porque de algum modo se tem dito que não é fácil ou que não è regimental V. Exa. submeter a votação uma maneira de ver da Câmara que definitivamente possa orientar V. Exa., tomo a liberdade de mandar para a Mesa, em meu nome individual, uma moção que representa a minha forma de sentir perante a atitude do Sr. Cancela de Abreu.
O orador não reviu.
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Sessão de 30 O Sr. Cunha Leal (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: esta questão é desde o seu princípio uma questão malfadada. Questões desta natureza, quando a sanção não corresponde imediatamente ao acto praticado, tornam-se absolutamente impróprias da instituição e só servem para a fazer cobrir de ridículo. Quanto mais V. Exas. prolongarem o incidente tanto mais ridículo o tornam e, se êle amanhã ainda durar, o que V. Exas. hoje querem que seja uma questão de dignidade, amanhã será uma questão de chacota. Mal de nós, portanto, se formos a apresentar moções, e eu não discuto se, à face do Regimento, a oportunidade é boa para o fazer. Bem ou mal, todas as pessoas que entregaram a V. Exa. a solução do pleito puseram restrições a êsse poder amplo que, à primeira vista, lhe davam. Mas a V. Exa. cabe o direito, que é simultaneamente um dever, de resolver por si próprio. Não é debalde que alguém ocupa as altas funções de Presidente da Câmara. Essas funções, se dão direitos, impõem deveres, e o primeiro dêstes é o julgar em questões de moralidade. V. Exa., delegando noutrem, pode, à primeira vista, praticar um acto cómodo para V. Exa. porque de si alija a parte de responsabilidade que lhe compete, mas perde o prestígio, não o seu próprio, porque o seu prestígio pessoal está acima de todas as suspeitas, mas o das suas funções. Se V. Exa. e a Câmara ,ma permitissem um conselho, eu diria a V. Exa. que seria preferível resolver como entendesse, embora sempre dentro das disposições regimentais, êste malfadado incidente que já dura há quási duas horas. Tenho dito. O orador não reviu. O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: não era intenção minha tornar a usar da palavra até que a Câmara tomasse qualquer resolução: no emtanto, devo dizer a V. Exa. e à, Câmara o seguinte. Tem o Sr. Presidente no Regimento à maneira de intervir quando entenda que houve alguma ofensa a qualquer das pessoas que constituem o Parlamento ou à instituição parlamentar. Foram porventura visadas pessoas que compõem êste Parlamento? Não. Não era preciso dizê-lo, visto a atitude costumada da minoria monárquica. Foi atingida a instituição parlamentar? Não, porque foi esclarecido o sentido da frase proferida pelo Sr. Cancela de Abreu. Eu pregunto a V. Exa. e à Câmara o que é preciso esclarecer mais? Não é a primeira vez que nesta casa se proferem palavras que à primeira vista são consideradas atentatórias das pessoas ou das instituições, e, uma vez esclarecidas, explicadas por aqueles que as proferiram, todos se julgam satisfeitos, e quem ocupa êsse lugar também se dá por satisfeito. Ainda não há muitos dias, nesta casa do Parlamento foi proferida uma palavra incontestavelmente mais atentatória do prestígio parlamentar, e ao Deputado que a proferiu nenhuma sanção foi aplicada. O Sr. Cancela de Abreu, meu amigo, a quem êste lado da Câmara dá toda a solidariedade, já explicou a frase. Nada mais tenho a dizer, e só mais uma vez declaro que a minoria monárquica nunca tem o intuito de ferir pessoas. O orador não reviu. O Sr. Presidente: — Tenho a declarar ao Sr. Cunha Leal que sei muito bem, quando os acasos me trazem a êste lugar, sei muito bem, repito, que tenho direitos a fazer respeitar e obrigações a cumprir. Não me dou por satisfeito com as explicações do Sr. Cancela de Abreu e, nestas condições, vou consultar a Câmara sôbre se concorda com a aplicação da sanção regimental que manda retirar a palavra aos oradores que, três vezes chamados à ordem, não tenham obedecido às intimações da Mesa. Os Sr s. Deputados que concordam em que seja retirada a palavra ao Sr. Cancela de Abreu queiram levantar-se. Está aprovado. Em face, pois, da deliberação da Câmara, retiro a palavra ao Sr. Cancela de Abreu. O orador não reviu. O Sr. Abílio Marcai: — Peço a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que a sessão seja prorrogada até se votar a proposta da chamada lei de meios. O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam o requerimento feito
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pelo Sr. Abílio Marçal, queiram levantar-se. Está aprovado.
O Sr. Presidente: — Vou interrompera sessão da Câmara dos Deputados, a fim de se reunir o Congresso.
Está interrompida a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: — Esta reaberta a sessão.
Eram 20 horas e 30 minutos. Foi a acta aprovada.
O Sr. Presidente: — Durante o incidente parlamentar desta casa saiu da sala o Sr. António Correia.
Eu peço aos Srs. Jaime de Sousa, Bernardo de Matos, Pinto Barriga, Morais de Carvalho e Carlos de Vasconcelos o favor de irem aos Passos Perdidos dar conta do resultado do conflito e convidar S. Exa. a regressar aos trabalhos parlamentares.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a proposta de lei de meios. É a seguinte:
Senhores Deputados. — Em 15 de Janeiro do corrente ano submeteu o Govêrno ao exame e estudo do Parlamento, em cumprimento do disposto no artigo 54.° da Constituição Política da República Portuguesa, o Orçamento geral das receitas e das despesas do Estado para o futuro ano económico de 1924-1925. Esperava o Govêrno que ao iniciar-se êsse ano económico estariam votados não só os orçamentos das receitas e das despesas, como também as providências necessárias para eliminar o déficit que então se previa. Infelizmente, o Parlamento só há bem poucos dias principiou a discussão dos orçamentos, e algumas das propostas apresentadas com o intuito de aumentar as receitas e deminuir as despesas continuam, também, pendentes da sua discussão. Por êste motivo, o Govêrno traz à apreciação do Congresso da República uma proposta de lei que permita, até a aprovação do Orçamento do ano económico de 1924-1925, a cobrança das receitas e a realização das despesas do Estado nesse mesmo ano.
Em ocasiões anteriores, em que também não foi possível a votação dos orçamentos antes do começo de novo ano económico, recorreu-se ao sistema de votação de autorizações mensais, a que se deu a designação de «duodécimos», não parecendo, todavia, que êle seja o melhor para os interêsses do Estado, em conseqüência da relativa facilidade em agravar de mês para mês as despesas dos diversos serviços públicos, além de que embaraça a administração dos mesmos serviços. Por êste motivo, a presente proposta, na parte respeitante às despesas, destina-se a permitir a realização das que, com as formalidades regulamentares, se compreendam dentro das autorizações em vigor no ano económico de 1923-1924, segundo á lei n.° 1:449, com as alterações introduzidas por diplomas publicados posteriormente a essa lei. Não resulta dêste facto serem concedidas mais largas autorizações do que as que constam da proposta orçamental para o ano económico de 1924-1925, visto que, nesta proposta, a despesa total atinge a quantia de 1.193:240.249$91 emquanto que a despesa conforme o orçamento aprovado para 1923-1924 com os adicionamentos que provêm dos créditos especiais, sem compensação em receita abertos até hoje, soma 1.070:136.361$12.
Como, porém, se reconhece necessário que, em curtos intervalos de tempo, haja conhecimento da situação financeira do Tesouro, estabelece-se, na presente pro: posta de lei, a obrigação de se publicar mensalmente uma conta provisória, compreendendo as importâncias das receitas cobradas, as das despesas cujos pagamentos tenham sido autorizados e as dos fundos saídos dos cofres públicos para satisfação, dessas despesas.
Por último, estabelece-se também que, no ano económico de 1924-1925, nenhum encargo a pagar em moeda estrangeira possa ser contraído, quer pelos serviços dependentes dos Ministérios, quer pelos serviços autónomos, sem que previamente o Ministro das Finanças tenha dado o seu assentimento à realização da respectiva despesa.
O Govêrno continua, pois, com o firme propósito de melhorar a situação do Tesouro, sendo certo, todavia, que uma grande oposição tem encontrado, derivada do agravamento, ainda que lento, do prémio do ouro.
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Na proposta orçamental para o ano económico de 1924-1925 foi o prémio do ouro computado em 2:555 por cento; verifica-se, no emtanto, que êsse prémio é bastante inferior ao efectivo no presente momento, pois que atinge 3:289 por cento. Se se tiver em consideração esta circunstância, as receitas e as despesas ouro que se descrevem na mencionada proposta orçamental elevam-se, respectivamente, de 42:150.827$ a 96:163.437$, o que produz um maior desequilíbrio orçamental de 54:012.610$. Em face dêstes números não se pode deixar de reconhecer a necessidade de limitar as despesas em ouro. Com êste propósito se procurou estabilizar o pagamento em escudos da maior soma de encargos em moeda estrangeira, como são os que provêm da dívida pública. A simples redução das despesas pela reforma dos serviços públicos não produziria sensíveis efeitos se não se exigisse dos portadores da dívida externa uma cota parte de sacrifício, sendo de notar que a proposta de lei destinada à reorganização dos serviços públicos e compressão das respectivas despesas, não obstante ter sido apresentada em 24 de Janeiro, encontra-se ainda neste momento nesta Câmara, para serem discutidas e votadas as emendas que pelo Senado lhe foram introduzidas.
A política financeira do Govêrno tem sido e será de compressão e redução das despesas públicas, de prover à maior cobrança dos rendimentos do Estado, e de não usar de outros recursos, além dêsses, que não sejam as habituais operações de tesouraria. De tal maneira o Govêrno tem providenciado que, esgotado em fins de Janeiro dêste ano o resto do saldo do aumento de circulação fiduciária, determinado em Novembro de 1923 pela lei n.° 1:424, de então até hoje nem um centavo tem sido acrescido à circulação das notas em representação dos débitos, por contratos, do Estado ao Banco de Portugal.
O mapa que segue mostra, sem contestação, a veracidade dêste facto.
Discriminação das situações semanais das notas do Banco de Portugal, em circulação
[Ver valores da tabela na imagem]
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Os números relativos às datas até 4 de Junho, inclusive, são extraídos das situações semanais já publicadas; os respeitantes a 11 e 18 de Junho e descritos nas duas colunas intermédias são designados em números redondos por estarem sujeitos a pequenas rectificações que podem vir do Funchal e Açores.
As notas em circulação em representação dos débitos do Estado por contratos atingiram o máximo de 1:325.005.900$55, em 23 de Janeiro de 1924, e assim se tem mantido.
Quanto às notas em representação dos suprimentos ao Governo, segundo a convenção de 29 de Dezembro de 1922, para maneio das exportações, elas variam conforme o valor das cambiais. As flutuações que se observam são resultantes, portanto, da maior ou menor existência de cambiais. E uma conta integralmente representada por valores ouro.
Quanto à circulação própria do Banco, ainda está afastada do limite máximo que, nos termos doa contratos vigentes, é de 207:536.292$45.
Ficam, assim, completamente anuladas as afirmações que, injustificadamente, por várias vezes se têm produzido, de que o Govêrno se socorre do aumento da circulação fiduciária para efectuar o pagamento das despesas públicas.
Convém agora mostrar quais as sucessivas alterações no déficit orçamental previsto para o ano económico de 1924-1925, tendo em atenção o agravamento do prémio do ouro que passa de 2:555 por cento, conforme está fixado na respectiva proposta orçamental, para 3:289 por cento segundo as últimas cotações, e bem assim as deminuições de despesas e os aumentos, de receitas já seguramente obtidos, em consequência de providências já adoptadas e as que serão alcançadas se determinadas autorizações forem conferidas pelo Parlamento.
[Ver valores da tabela na imagem]
O deficit orçamental previsto para o ano económico de 1924-1925, segundo a respectiva proposta de 14 de Janeiro de 1924, é de
O aumento dêsse deficit, proveniente do agravamento do prémio do ouro, sendo de
resultante de:
Aumento em escudos, de receitas ouro
Aumento em escudos, de despesas ouro
elevaria, portanto, o déficit previsto a
Em consequência, porém, de providências já adoptadas, verificam-se as seguintes demínuições nas verbas de despesas da referida proposta orçamental e os seguintes aumentos de receitas:
Deminuíções nas verbas de despesas:
Execução de diplomas que extinguiram diversos cargos
Redução dos encargos das obrigações do empréstimo dos tabacos
Pagamento dos encargos do empréstimo consolidado de 6 1/2 por cento ouro- ao câmbio de 2 3/8 e supressão dos encargos respeitantes à 2.ª emissão do mesmo empréstimo
Pagamento dos encargos da [...] externa de 3 por cento ao câm-
Soma e segue
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[Ver valores da tabela na imagem]
Transporte
bio de 2 3/8, não se compreendendo, porém, neste regime 1/3 do total da mesma, que se supõe na posse de estrangeiros domiciliados fora de Portugal
Aumentos de receitas:
Imposto de sêlo
Emolumentos consulares
Lucros de amoedação
Diversos emolumentos e outras receitas
Soma a diferença para menos no deficit orçamental
do que resulta poder-se assegurar que o deficit de 1924-1925 está reduzido a
O Govêrno está convicto de que, com a remodelação dos serviços públicos, que iniciará logo que o Parlamento vote a necessária autorização e a renove para o próximo ano económico, se pode conseguir uma compressão de despesas de cêrca de
e bem assim de que poderá obter--se no futuro ano económico, com o acordo a firmar com a Companhia dos Tabacos de Portugal, um aumento de receita de
A estas importâncias adicionar-se hão, se o Parlamento votar as propostas que estão presentemente submetidas à sua apreciação, as seguintes quantias provenientes de:
Aumentos de receitas:
Aplicação de novas taxas de imposto de selo
Contribuição predial rústica
Contribuição de registo
O que tudo soma
Verificando-se por conseqüência um saldo de
Soma e segue
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transporte
[Ver valores da tabela na imagem]
Como, porém, o custo da vida tem, aumentado, o que obriga à concessão de maior melhoria de vencimentos, terá o Tesouro de despender aproximadamente com êste fim a quantia de
Para fazer face a esta despesa propôs o Govêrno que fossem aumentadas as percentagens dos adicionais que, para melhorias de vencimentos, incidem sôbre determinadas contribuições. O produto dêste aumento avalia-se em
Déficit
De tudo isto resulta que o déficit previsto para o ano económico de 1924-1925 fica reduzido a, aproximadamente, 25:000.000$. É, portanto, ainda preciso adoptar medidas que anulem por completo êste desequilíbrio, para o que o Govêrno apresentará ao Parlamento as necessárias propostas.
Em vista do exposto e a fim de regular a vida financeira do Estado, emquanto não é votado o orçamento geral das receitas e das despesas para o ano económico de 1924-1925, tenho a honra de apresentar a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° Emquanto não fôr aprovado o Orçamento Geral do Estado para o ano económico de 1924-1925, é permitido ao Govêrno proceder à cobrança das receitas públicas em conformidade com os preceitos legais vigentes, e bem assim realizar, com as formalidades regulamentares, as despesas que se compreendam dentro das autorizações constantes do Orçamento em vigor no ano económico de 1923-1924, segundo a lei n.° 1:449, datada de 13 de Julho de 1923, com as alterações nele introduzidas por diplomas publicados posteriormente a essa lei e que tenham também de ser atendidas no referido ano de 1924-1925.
§ único. A classificação das despesas far-se há de conformidade com a da proposta orçamental para 1924-1925.
Art. 2.° Os serviços autónomos da Caixa Geral de Depósitos, Caminhos de Ferro do Estado, Correios e Telégrafos, Florestais e Agrícolas e Pôrto de Lisboa continuarão aplicando as receitas próprias ao pagamento das respectivas despesas, de conformidade com as disposições vigentes.
Art. 3.° O Govêrno publicará mensalmente uma conta provisória compreendendo as importâncias das receitas cobradas, as das despesas cujos pagamentos tenham sido autorizados e as dos fundos saídos dos cofres públicos para satisfação dessas despesas. Esta publicação far-se há dentro do prazo máximo de quarenta e cinco dias, contados do fim do mês a que respeitar a respectiva conta.
Art. 4.° No ano económico de 1924-1925 nenhum serviço do Estado, quer tenha ou não autonomia administrativa, poderá contrair encargos a pagar no estrangeiro, quaisquer que sejam os motivos que os justifiquem, e ainda que para a sua satisfação haja verba especialmente descrita em orçamento aprovado e se tenham cumprido as formalidades actualmente prescritas nos regulamentos, sem que, pelo Ministro das Finanças, seja dado assentimento à realização da respectiva despesa.
§ único. Não poderão as repartições da Direcção Geral da Contabilidade Pública expedir autorizações para pagamento de despesas a satisfazer no estrangeiro quando se não mostre cumprido o disposto neste artigo, sendo responsáveis, quanto aos serviços autónomos, pela sua contravenção, os administradores gerais ou os conselhos administrativos dos mesmos serviços.
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Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 23 de Junho de 1924.— O Presidente do Ministério o Ministro das Finanças, Álvaro Xavier de Castro.
O Sr. Carvalho da Silva: — Como V. Exa. e a Câmara vêem, não há dêste lado da Câmara, a intenção de impedir que se votem hoje os duodécimos, o que na nossa mão estava, mesmo sem fazer obstrucionismo, mas discutindo apenas o projecto como devem ser discutidas as contas, públicas.
O Sr. António Maria da Silva, em nome da maioria, já declarou que estava no propósito de discutir os orçamentos, e portanto, essa declaração nos serve.
O Sr. António Maria da Silva: — Eu já disse a V. Exa. que os duodécimos devem ser votados só até 30 de Agosto.
O Orador: — A declaração do Sr. António Maria da Silva, em nome da maioria, vou responder com aquela boa vontade que todos devemos manifestar quando se trata de circunstâncias, que, embora não tenhamos as responsabilidades, são de tal ordem, que se impõe a todos procurar arranjar-se uma solução legal.
Não quero portanto discutir, visto que as emendas vão ser apresentadas e o Orçamento vai ter depois uma larga discussão; não quero portanto demorar muito a apreciação desta proposta; mas não posso, ao ver um relatório como aquele de que o Sr. Ministro das Finanças demissionário fez preceder esta proposta, não posso deixar de lamentar mais uma vez que ante uma situação da gravidade daquela que o país atravessa se faça um relatório de brincadeira, como é êste, e que ante uma situação verdadeiramente angustiosa para as finanças do Estado, se venha anunciar um superavit, ou quási um superavit, o que levaria todo o país a supor que estávamos numa situação que se não coaduna em nada com o triste espectáculo que o país acaba de presenciar, resultado da saída para Londres duma parte do património nacional.
Como queria o Sr. Ministro das Finanças que no mesmo momento em que manda sair, vendida ou empenhada, não se sabe ainda, a prata do país, para ocorrer às dificuldades do Tesouro, como é que êsse Ministro quere que o país possa acreditar num superavit?
Sr. Presidente: não sei se porventura, a simples aproximação dêsse super-homem da República serviria para sugestionar os ilustres homens da República, por forma a convencerem-se que havia um superavit, mas só essa sugestão vem da aproximação do super-homem, eu sem querer de maneira alguma ser desagradável à maioria desta casa do Parlamento e avaliando o estado de consternação em que cada um de S. Exas. se encontra, dar-lhe hei os meus sentimentos pela saída rápida e brusca do super-homem, daquele cuja vinda representava um milagre do tam grande alcanço como êste.
Sr. Presidente: houve sempre homens ingratos, e francamente foi muito ingrato o Sr. Afonso Costa quando, ao saber que ia receber um telegrama daqueles que ansiosamente o esperavam, os abandonou, fugindo para Paris e deixando mergulhados na dor e nas lágrimas os ilustres membros da maioria parlamentar.
A S. Exas. apresento os meus sentimentos sinceros.
Está de luto a maioria democrática, e está de luto porque teve o desgosto de ver desaparecer, de ver fugir, aquele ente que representa a última esperança da maioria parlamentar.
Mas, Sr. Presidente, se era a sugestão dêsse super-homem que inspirava êsse superavit, a velocidade extraordinária com que êle fugiu, abandonando os entes queridos, deve ter j á transformado o superavit em, déficit colossal, e assim, Sr. Presidente, eu devo em todo o caso, embora em 'poucas palavras, dizer a V. Exa. e à Câmara, que na verdade um superavit assim arranjado se desfaz com um simples sopro.
O Sr. Álvaro de Castro, Ministro das Finanças, que Deus haja, anunciou ao país enormíssimas reduções de despesas.
Sucede porém esta causa curiosa: é que a cada uma das reduções de despesa correspondiam certos decretos, e êstes foram suspensos e revogados há poucos dias, de forma que não temos nenhuma redução de despesas, e esta redução dos 200:000 contos é absolutamente uma história.
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A redução já se não justifica: os números agora nada valem, mas sim as intenções.
As receitas previstas pelo Sr. Álvaro de Castro têm absoluta, falta de base.
São exageradas.
O rendimento do valor das transacções é exagerado.
O cálculo é erradíssimo com o adicional, o mesmo sucedendo com a contribuição industrial.
Nem mesmo que a Câmara se resolvesse a aprovar a proposta defendida pelo Sr. Velhinho Correia, nem mesmo assim atingiria a receita de 80:000 contos.
Da mesma forma o aumento atribuído à contribuição predial rústica não creio que a Câmara o vote. O mesmo creio relativamente aos adicionais.
A República, depois de declarar a bancarrota e espoliar os contribuintes, e, apesar de tudo, tendo um déficit de muitos milhares de contos, supondo não poder agüentar-se neste estado de cousas, vem pretender enganar-nos, indicando nas suas contas um superavit que não existe senão talvez pela aproximação do Sr. Afonso Costa.
Já vêem V. Exas. que se o Parlamento abandonasse a discussão cuidada dos orçamentos cometeria um crime, como um crime tem sido o deixar-se a administração do Estado com deficits como aqueles que tem tido, sem se atender ao problema fundamental da redução das despesas, não a redução deixando de pagar aos credores do Estado, mas a redução deixando-se de pagar a funcionários que nada fazem.
É relativamente ao aumento proposto para o funcionalismo público, devo dizer que o acho irrisório. Somos partidários da redução de despesas, mas entendemos que se deve pagar bem àqueles que trabalham.
Não quero alongar-me em mais considerações, porque aquelas que acabo de formular são mais do que suficientes para demonstrar a gravíssima situação do Tesouro, e quanto não têm sombra de verdade os números apresentados pelo Sr. Álvaro de Castro.
Mas não quero deixar ainda de salientar que é cerrada a verba, consignada como receita, proveniente dos lucros da amoedação.
Autorizou-se o Govêrno a amoedar, além do que já estava autorizado, mais 20:000 contos para substituir as cédulas. O decreto-lei respectivo diz que é também o Govêrno autorizado a fazer a amoedação necessária para fazer face aos trocos, mas não determina a quantia. Nestas condições, o Estado julga sempre indispensável ter muito dinheiro para trocos e amoeda grandes quantidades de dinheiro, produzindo os aumentos de circulação fiduciária que quiser.
Não venha o Sr. Velhinho Correia nem a Câmara alegar ignorância dêste facto, para o qual chamo desde já atenção da Câmara.
Mas há mais; pois a verdade é que nós vemos que são 60:000 contos de moedas, o que nos dá a entender que o valor intrínseco da moeda vem a ser inferior ao valor intrínseco do papel notas.
Nestas condições, Sr. Presidente, nós vemos que a República continua precisamente no mesmo caminho de desvalorizar o dinheiro, como o tem feito até aqui com os constantes aumentos da circulação fiduciária.
Não venha, pois, o Sr. Velhinho Correia, nem o Sr. Álvaro de Castro, nem ninguém, afirmar que a República entrou noutro caminho pois a verdade é que a República continua no mesmo caminho de desvalorização, fabricando moeda, tendo um déficit dalgumas centenas de milhares de contos.
Nestas condições, Sr. Presidente, reservando-me o direito de noutra ocasião discutir mais largamente os orçamentos, tendo em conta que a maioria tomou o compromisso para com o país de não votar mais do que êstes dois duodécimos e de que vai discutir neste período de prorrogação da sessão legislativa os orçamentos, eu reservo-me, Sr. Presidente, para nessa altura discutir largamente as contas do Estado.
Não quero terminar, porém, sem deixar de contar a V. Exa. e à Câmara um facto que eu tive ocasião de observar, e que é verdadeiramente desolador, que não pode deixar de revoltar todos aqueles que tenham um bom coração.
Estive não há muito tempo na Guarda, e visitei o Sanatório, o qual tem três pavilhões, o pavilhão de 1.ª, o pavilhão de 2.ª e o pavilhão de 3.ª classe, sendo êste
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último destinado aos pobres, isto é; àqueles que nada pagam.
Se bem que, Sr. Presidente, êsse pavilhão esteja habitualmente cheio de doentes, êste ano, devido às dificuldades com que vive o Sanatório, não foi sequer aberto ao público, isto justamente quando a tuberculose tem aumentado, segundo se vê pelas estatísticas.
Isto não faz sentido, e o meu desejo seria que o Estado votasse uma verba, maior para acudir às dificuldades do Sanatório da Guarda;
Entendo que não há o direito de reduzir estas verbas quando não há a coragem de tirar do Orçamento outras verdadeiramente inúteis.
Eu chamo para êste caso a atenção da Câmara e desde já prometo não o largar de mão emquanto êle não fôr devidamente atendido.
Sr. Presidente: êste Orçamento é um êrro, mas como êrro ainda maior seria deixar chegar o fim do ano económico sem tomarmos qualquer deliberação, eu termino, certo de que o compromisso tomado pela maioria será facto dentro de breves dias.
Tenho dito.
O orador não reviu.
É aprovada a proposta na generalidade.
Entra em discussão o artigo 1.°
O Sr. Abílio Marçal: — Mando para a Mesa uma proposta de emenda ao artigo 1.º.
É lida, admitida e entra em discussão.
É a seguinte:
Proponho que no artigo 1.° da proposta, a seguir à palavra «realizar», se intercalem as seguintes: «até 31 do Agosto do corrente ano».— Abílio Marçal.
O Sr. Carvalho da Silva: — A Câmara vai votar uma cousa que ninguém sabe o que é.
Depois é bom frisar que a aprovação da proposta do Sr. Abílio Marçal não impede que os orçamentos sejam votados.
O Sr. Abílio Marçal: — Evidentemente.
O Orador: — Registo a confirmação de V. Exa.
É aprovada a proposta de emenda do Sr. Abílio Marçal.
É aprovado o artigo 1°, salvo a emenda. Lê-se o artigo 2.°
O Sr. Abílio Marçal: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa duas propostas de emenda.
São as seguintes:
Proponho que no artigo 2.° adiante das palavras «respectivas-despesas» se intercalem as palavras «até 31 de Agosto do corrente ano».—Abílio Marçal.
Artigo 2.°:
A seguir a «Porto de Lisboa», acrescentar «Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e Previdência Geral».—Abílio Marçal.
Foram admitidas e em seguida aprovadas.
Em seguida foram aprovados os artigos 2.° (salvas as emendas), 3.°, 4.° e 5.°
O Sr. Abílio Marçal: — Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.
Foi dispensada.
O Sr. Velhinho Correia (para uma declaração de voto): — Declaro que rejeitei, por uma questão de coerência, a proposta de lei que acaba de ser votada.
O Sr. António Correia (para explicações): — Sr. Presidente: durante o incidente ocorrido nesta Câmara na sessão da tarde, sabe V. Exa. que declarei que abandonava os trabalhos parlamentar e emquanto as expressões injuriosas proferidas pelo Sr. Cancela de Abreu não fossem retiradas ou a Câmara, não só satisfizesse com as explicações de S. Exa.
Tendo tido a honra dê receber da Mesa e vários representantes dos lados da Câmara a informação de que o assunto tinha sido resolvido com honra, evidentemente que, pela muita consideração que tenho pelos meus colegas, não poderia considerar como subsistente ainda as expressões do Sr. Cancela de Abreu e tomo-as como tendo sido retiradas.
Nestes termos, correspondo à gentileza de V. Exa., afirmando mais uma vez a
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minha consideração pelo Parlamento a que me honro de pertencer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, 1, às 14 horas, com a mesma ordem do dia marcada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 10 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.° 736, que autoriza o Govêrno a lançar um
imposto até 10 por cento sôbre as contribuições do Estado para pagamento das subvenções ou subsídios a distribuir pelas instituições de assistência.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.° 709-B, que manda aplicar a taxa de um décimo de milavo por quilograma ao papel importado pelas emprêsas jornalísticas, até conclusão da revisão das pautas em vigor.
Imprima-se.
Da comissão de guerra, sôbre o n.° 760-A, que autoriza o Govêrno a ceder o bronze e fundição da estátua do grande poeta Guerra Junqueiro, a erigir em S. Paulo (Brasil).
Para a comissão de finanças.
O REDACTOR—Herculano Nunes.