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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 121

EM 10 DE JULHO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
António de Mendonça

Sumário.—A sessão é aberta com a presença de 48 Srs. Deputados.

É lida a acta.

Dá-se conta do expediente, que seguiu o devido destino.

Antes da ordem do dia. — Continua a discussão do parecer n.º 736, referente às Misericórdias, usando da palavra os Srs. Cancela de Abreu, João Luís Ricardo, Morais Carvalho e Dinis da Fonseca, que fica com a palavra reservada.

É aprovada a acta.

Ordem do dia.—Prossegue o debate político sôbre a apresentação do Govêrno, usando da palavra os Srs. Joaquim Ribeiro, Carvalho da Silva, Jaime de Sousa, Pinto Barriga e Álvaro de Castro, que fica com a palavra reservada.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato, com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão, às 15 horas e 15 minutos.

Presentes, 48 Srs. Deputados.

São os seguintes:

Alberto Ferreira Vidal.

Albino Pinto da Fonseca.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Dias.

António Ginestal Machado.

António Maria da Silva.

António de Mendonça.

António Pais da Silva Marques.

António de Paiva Gomes.

António Pinto de Meireles Barriga.

Artur Brandão.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Custódio Martins de Paiva.

Domingos Leite Pereira.

Ernesto Carneiro Franco.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Dinis de Carvalho.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Hermano José de Medeiros.

Jaime Júlio de Sousa.

João Baptista da Silva.

João José da Conceição Camoesas.

João Luís Ricardo.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Dinis da Fonseca.

Joaquim Serafim de Barros.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

José Pedro Ferreira.

Júlio Gonçalves.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel de Sousa da Câmara.

Mariano Martins.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Paulo Cancela de Abreu.

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.

Viriato Gomes dá Fonseca.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Lelo Portela.

Alberto de Moura Pinto.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Álvaro Xavier de Castro.

Amaro Garcia Loureiro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Abranches Ferrão.

António Correia.

António Lino Neto.

António Vicente Ferreira.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Augusto Pereira Nobre.

Bernardo Ferreira de Matos.

Constâncio de Oliveira.

Delfim Costa.

Feliz de Morais Barreira.

Francisco Cruz.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João José Luís Damas.

João de Ornelas da Silva.

Joaquim Brandão.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

José Carvalho dos Santos.

José Domingues dos Santos.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

José de Oliveira Salvador.

Lourenço Correia Gomes.

Lúcio de Campos Martins.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Alegre.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel de Sousa Coutinho.

Mariano Rocha Felgueiras.

Mário de Magalhães Infante.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Sebastião de Herédia.

Tomás de Sousa Rosa.

Vasco Borges.

Vergílio Saque.

Vitorino Henriques Godinho.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Abílio Marques Mourão.

Afonso Augusto da Costa.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto Xavier.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Américo da Silva Castro.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Resende.

António de Sousa Maia.

Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.

Carlos Cândido Pereira.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Custódio Maldonado Freitas.

David Augusto Rodrigues.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Germano José de Amorim.

Jaime Duarte Silva.

Jaime Pires Cansado.

João Estêvão Águas.

João Pereira Bastos.

João Pina de Morais Júnior.

João Salema.

João de Sousa Uva.

João Vitorino Mealha.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Jorge de Barros Capinha.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José António de Magalhães.

José Cortês dos Santos.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Marques Loureiro.

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José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.

Júlio Henrique de Abreu.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Duarte.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Maximino de Matos.

Nuno Simões.

Paulo da Costa Menano.

Paulo Limpo de Lacerda.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Rodrigo José Rodrigues.

Teófilo Maciel Pais Carneiro*5

Tomé José de Barros Queiroz.

Valentim Guerra.

Ventura Malheiro Reimão.

Vergílio da Conceição Costa.

Às 15 horas e 16 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 48 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte.

Ofícios

Do Ministério da Justiça, para que os membros do Conselho Disciplinar, constituído pelos secretários gerais dos Ministérios, possam examinar o processo de inquérito parlamentar chamado da Questão dos Trigos.

Comunique-se que o processo a que se refere o oficio está à disposição dos secretários gerais, num gabinete do Palácio do Congresso.

Do Juízo de Direito do 3.º Distrito Criminal de Lisboa, pedindo autorização para os Srs. Brito Camacho, Pedro Pita e Ginestal Machado comparecerem naquele juízo no dia 25 do corrente, pelas 12 horas, para deporem como testemunhas de defesa num processo por abuso de liberdade de imprensa.

Concedido.

Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

Do Senado, enviando uma proposta dê lei que regula a forma de substituir temporariamente os farmacêuticos legalmente habilitados.

Para a comissão de instrução especial e técnica.

Do Senado, Enviando a proposta de lei promovendo por distinção, ao pôsto de general, o coronel de artilharia Pedro Francisco Massano de Amorim.

Para a comissão de guerra.

Do Senado, enviando a proposta de lei alterando a lei n.° 15, de 7 de Julho de 1913.

Para a comissão de administração pública.

Do Senado, enviando a proposta de lei regulando a promoção dos tesoureiros da Fazenda Pública.

Para a comissão de finanças.

Do Senado, comunicando ter rejeitado a proposta de lei n.° 524 (de 1920), autoriza os governos das colónias a criar e manter em Lisboa uma instituição denominada Instituto Colonial.

Para a comissão de colónias.

Do Senado, comunicando ter rejeitado a proposta de lei n.° 338, que manda reforçar a verba destinada a renovação do material dos campos de aviação.

Para a comissão de guerra.

Do Senado, devolvendo, com alterações, a proposta de lei n.° 702, que autoriza o Govêrno a liquidar os deficits de gerência de determinadas Misericórdias.

Para a comissão de saúde e assistência pública.

Do Ministério da Marinha, remetendo o ofício n.° 26:309 da Repartição de Contabilidade de Marinha, e pedindo para que seja tomado na devida consideração.

Para a comissão do Orçamento.

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Do Ministério da Instrução, enviando documentos relativos a alterações no respectivo orçamento.

Para a comissão do Orçamento.

Do Centro Democrático Alhandrense, pedindo a aprovação da proposta do Sr. José Domingues dos Santos, sôbre a Lei da Separação.

Para a Secretaria.

Do 2.° Tribunal Militar Territorial de Lisboa, rogando para se determinar que ao Sr. Agatão Lança seja dado conhecimento que o julgamento do capitão José Lopes Correia tem lugar no dia 19 do corrente, a fim de tomar conta do processo.

Comunique-se que a Mesa só pode pedir a autorização a que se refere o artigo 16.º da Constituição.

Pedido de licença

Do Sr. Francisco Coelho do Amaral Reis, trinta dias.

Concedido.

Para a comissão de infracções e faltas.

Telegrama

Da Associação Comercial de Mirandela, solidarizando-se com a representação da Comissão Central das freguesias de S. José de Camões.

Para a Secretaria.

Nota de interpelação

Desejo interpelar o Sr. Ministro da Instrução sôbre as atitudes contrárias à Constituição e organização civil do estado republicano, assumidas por elementos do corpo docente da Universidade de Coimbra.— António Alberto Tôrres Garcia.

Expeça-se.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de «antes da ordem do dia».

Continua em discussão o parecer n.° 736, relativo às Misericórdias.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: o Sr. Carvalho da Silva, ilustre membro da minoria monárquica, disse ontem a V. Exa. e à Câmara que nós não concordamos com o artigo 1.° da proposta.

Nos mesmos termos, eu já me tinha manifestado na sessão anterior, porque, na realidade, entendemos que não é por êste modo que o problema das Misericórdias pode ser resolvido.

Trata-se, além disso, de elevar até 10 por cento as contribuições gerais do Estado, sem sequer se fazer distinção entre contribuições directas e indirectas.

Sr. Presidente: é indispensável que a Câmara pondere o que vai votar.

Eu tive a honra de fazer parte do Congresso das Misericórdias, e por isso tive ocasião de ouvir a opinião dos congressistas que falaram, e bem assim a da assemblea que, em princípio, se manifestou contrária à solução do problema pelo aumento dos impostos.

Recordo-me bem de que um dos Congressistas se referia à possibilidade de se recorrer a adicionais a impostos e de que a assemblea se manifestou contrariamente a êste ponto de vista.

Sr. Presidente: eu não vi as reclamações que êsse Congresso trouxe à Câmara, e por êsse motivo não sei se há qualquer referência a esta medida.

Em todo o caso, êste lado da Câmara não concorda com a doutrina do artigo 11.°, porque, repito, entendo que o problema...

O Sr. João Luís Ricardo (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?

Um dos votos do Congresso é exactamente a disposição do artigo 1.°

O voto do Congresso é o seguinte:

Leu.

O Orador: — Mesmo assim não se modifica o meu modo de ver.

Suponho que a suspensão da execução das leis de desamortização de 1866 e 1873, e a revogação dos artigos 32.° e 33.° e outros da Lei da Separação, na parte que estabelece maiores restrições aos legados pios, pelo que respeita aos chamados «bens de alma» seriam soluções que muito poderiam ajudar a resolver o problema, sem ir agravar ainda mais a situação aflitiva do contribuinte. Mas, desde que se queira obrigar as Misericórdias e demais institutos de beneficência a cumprir as leis de desamortização, torna-se então indispensável que o Estado

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aumente o juro dos títulos da dívida interna, especialmente, das inscrições de assentamento, para 10 por cento ou 12 por cento, pois que assim adviriam benefícios porventura superiores aos que esta proposta traz.

Aproveito a ocasião de estar no uso da palavra para mandar para a Mesa um artigo novo pelo qual é restabelecida, precisamente, a doutrina do Código Civil relativa aos legados pios e que foi objecto do projecto de lei que apresentei a esta Câmara em 3 de Julho de 1922.

O artigo novo é o seguinte:

Leu.

O Sr. João Luís Ricardo: — Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa umas emendas ao artigo 1.°, que julgo indispensáveis.

São as seguintes:

Propostas

Proponho que as palavras «com recurso para o Ministério do Trabalho» da proposta do Sr. João Camoesas, sejam substituídas pelas seguintes: «com recurso para o Conselho de Administração do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral».— João Luis Ricardo.

Artigo 1.° Entre as palavras «gerais e do Estado» a palavra «directos».— João Luis Ricardo.

Foram lidas e admitidas as propostas apresentadas pelo Sr. João Luis Ricardo.

O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: já os meus colegas Srs. Carvalho da Silva e Cancela de Abreu disseram a V. Exa. a forma de ver dêste lado da Câmara.

Todavia isso não obsta a que na discussão na especialidade nós levantemos alguns reparos à proposta tal qual foi apresentada a esta Câmara.

Em primeiro lugar, seja-me lícito dizer que acho muitíssimo deficiente o relatório que precede a proposta.

Era natural que se dêsse a conhecer primeiro à Câmara qual o déficit exacto das Misericórdias, e ao mesmo tempo se fizesse o cálculo de qual o rendimento das contribuições do Estado sôbre que vai recair êste adicional, para assim a Câmara saber bem o que vai votar.

Isto era necessário, apesar do que êle representa de gravame para o contribuinte.

Na verdade, Sr. Presidente, 10 por cento a acrescentar a todos os adicionais que já existem, e ainda àqueles que estão propostos e constantes de outras propostas de lei, é qualquer cousa seriamente onerosa, é qualquer cousa que a Câmara antes de votar deverá considerar para saber se êle caberá nas posses do contribuinte.

O ilustre Deputado Sr. João Luís Ricardo, que me precedeu no uso da palavra, mandou para a Mesa uma emenda em relação ao corpo do artigo 1.°, tendente a restringir o sentido geral das palavras «contribuições gerais do Estado».

S. Exa. propõe que o lançamento do adicional seja feito sôbre as contribuições directas.

Mesmo assim, Sr. Presidente, eu acho que o adicional proposto é muito violento, e na realidade sem nós sabermos quais os outros adicionais que estão propostos, e que virão a ser votados pelo Parlamento, parece-me realmente perigoso votarmos a matéria contida no artigo em discussão.

O Sr. João Luis Ricardo (interrompendo): — É justamente por isso que se teve o cuidado de não propor uma taxa fixa; mas sim uma taxa que pode ir até 10 por cento, a qual está dependente da informação das repartições, que têm todos os elementos necessários para se saber quais as receitas ordinárias e extraordinárias.

Desta forma, sabendo nós o movimento que existe em cada organismo, podemos informar o Ministro das Finanças, e assim o adicional tanto poderá ser de 2 como 3, visto que êle poderá ser lançado até 10 por cento.

O Orador: — Sr. Presidente: agradeço muito ao Sr. João Luís Ricardo a informação que acaba de me dar; porém, devo dizer muito francamente a S. Exa. a que me não convenceu, pois a verdade é que um adicional de 10 por cento sôbre as contribuições gerais do Estado, que estão calculadas em qualquer cousa como um milhão de contos, pode ir até 100:000 contos.

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O Sr. João Luís Ricardo (interrampendo): — V. Exa. parte do princípio que êsse adicional será lançado em todos os concelhos do País quando assim não é.

O Orador: — Eu já me referirei a êsse ponto.

Ainda mesmo, Sr. Presidente, que êsse adicional seja lançado apenas sôbre as contribuições directas, parece-me elevado, excessivamente gravoso para o contribuinte, atentas as condições em que êle actualmente se encontra.

Disse o ilustre Deputado Sr. João Luís Ricardo que o adicional que se propõe não é elevado visto que êle pode ir até 10 por cento, havendo muitos concelhos do País em que êle não será lançado.

Parece-me, Sr. Presidente, que desde que se permite o lançamento de um adicional até uma determinada percentagem é lógico esperar-se que se venha pedir o máximo da percentagem, tanto mais quanto é certo que o § 2.° diz que à distribuição do produto do adicional será feita na proporção dos encargos a descoberto dê cada um dos organismos ou institutos de assistência.

Não posso concordar com o critério dêste parágrafo, tanto mais que êle, a meu ver representa um incentivo à má administração, visto que a proposta mandada para a Mesa pelo Sr. João Camoesas não o alterou em nada, pois a verdade é que a percentagem do adicional é tanto maior quanto maiores forem os encargos a descoberto.

Isto representa, repito, um incentivo à má administração e é justamente por isto que eu digo que conveniente era saber-se qual a percentagem proveniente da aplicação dêste adicional.

Àparte do Sr. João Camoesas.

O Orador: — Em todo o caso, não se diz aqui como é que se entrega, nem como a repartição de finanças faz esta destrinça, porque o tesoureiro limita-se a receber as quantias que são fixadas- na repartição dê finanças pelo chefe. O adicionai é lançado sôbre a colecta de cada contribuinte.

O tesoureiro limita-se a receber a importância do conhecimento que foi dado ao contribuinte, recebendo o correspondente ao adicional.

Não está suficientemente esclarecido êste ponto.

O Sr. João Luís Ricardo: — V. Exa. afaz bem em acentuar êsses pontos. São para constituir matéria regulamentar. Se a minha função oficial coincidir com a função parlamentar, terei ensejo de chamar a atenção do Govêrno para ao publicar o decreto se frisarem êsses pontos no regulamento.

Será fácil saber qual é a totalidade do produto a distribuir pelas Misericórdias. Mando pagar à tesouraria de finanças contribuições do Instituto de Previdência Social; o tesoureiro recebe certas contribuições e, contudo; faz a destrinça para a liquidação.

Portanto a destrinça que se vai fazer já se efectua com determinadas contribuições.

O Orador: — Suponho que não. Isto vai dar lugar na prática a grandes dificuldades.

Desejo chamar a atenção da Câmara para o que diz respeito à segunda parte dá proposta do Sr. João Camoesas.

Pêlo § 2.°, tal como está redigido, será feita a distribuição, mas não se diz quem faz essa distribuição, a quem é entregue o dinheiro.

Parece-me que a proposta de emenda visa a obviar a lacuna do § 2.º

Então diz-se que o tesoureiro faz a distribuição à medida que fôr recebendo estas quantias, que põe à disposição da comissão criada pelo artigo 50.° do decreto de 25 de Maio de 1911.

Ora já tive ocasião de dizer que as verbas que vão ser postas à disposição das Misericórdias são muito importantes, são milhares de contos. Portanto é natural que se cerque a gerência dêste dinheiro de todos os cuidados e garantias.

Qual é a entidade que pela proposta de emenda vai ficar com este encargo?

É uma entidade criada especialmente para funções de beneficência pelo decreto de 25 de Maio de 1911.

É uma entidade que não tem prática da gerência de dinheiros públicos.

É uma entidade que não tem escrita especial para isto.

Essa entidade é uma comissão composta do presidente da câmara municipal, do

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subdelegado de saúde, do facultativo municipal, do provedor da misericórdia e de três vogais eleitos, um pela Junta Geral de distrito, outro pela câmara municipal e outro pelas instituições de beneficência do concelho.

Uma comissão constituída nestas condições por vogais, cuja maioria é de eleição, não oferece garantias precisas de idoneidade para nos concelhos se lhes confiar a guarda e distribuição das importâncias cobradas.

O Sr. João Camoesas (interrompendo): — Na minha proposta estabelece-se a fiscalização.

Há um organismo superior que tem a fiscalização de todos os organismos administrativos e dos organismos de assistência dopais. Êsse organismo fiscaliza a distribuição.

O Sr. João Luís Ricardo: — As considerações de V. Exa. são muito interessantes.

Dada a pressa com que era exigido o parecer, não pude obviar aos inconvenientes que V. Exa. está mostrando.

Êsses pontos hão-de constituir matéria regulamentar.

Essas comissões têm tido até hoje um carácter diferente daquele que se vai dar.

Até hoje distribuiu esmolas da quantia de 100$.

Existe em cada concelho a comissão municipal e a distrital. Vai agora ser criada uma função nova, função muito importante, caminhando-se assim para dar aos concelhos a gerência directa da sua assistência.

Será o ponto de partida para se descentralizar a Assistência Pública.

O Orador: — Deus permita que os meus receios não possam efectivar-se e que a prática não venha a dar razão às minhas afirmações.

O que se tem passado com várias experiências feitas em organismos autónomos criados com o fim do descentralização, autoriza a concluir, som qualquer receio, essa inteira tranqüilidade, que a descentralização que aqui se pretende estabelecer dê bons resultados?

Tenho muitas dúvidas a êste respeito; e não as posso deixar de expor para varrer a minha testada.

A Câmara procederá como entender.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: desde que entrei nesta Câmara tenho manifestado o meu interêsses pela causa das Misericórdias.

Apoiados.

Está em discussão um projecto que diz respeito às Misericórdias, e entrou na especialidade no seu artigo 1.°

Deveria estar também em discussão conjuntamente um projecto que há dois anos apresentei nesta Câmara e que dorme nas comissões.

Parece-me que aqui nesta Câmara foi votada a discussão conjunta a requerimento do Sr. João Camoesas.

Infelizmente o meu projecto não aparece.

O Congresso das Misericórdias apresentou as suas conclusões, e era natural que desde o momento em que o projecto em discussão tem vista atender no todo ou em parte às conclusões dêsse Congresso, elas viessem apensas ao projecto, para que pudéssemos saber em que é que o projecto lhes dá satisfação.

O Sr. João Luís Ricardo (interrompendo): — São uma representação; e nunca se incluíram representações nos projectos.

O Orador: — Lamento que nem sequer ao menos uma praxe o permita; e lamento que o Sr. João Luís Ricardo diga a esta Câmara que o projecto atenda às conclusões que entender, e deitasse para o cesto dos papéis velhos o que lho não convém atender.

Não é da praxe tomar conhecimento das representações, quando um projecto no seu próprio relatório diz que foi na representação que se baseou?

Ficamos, porém, sem saber, sem ter elementos de valor para saber o que foi atendido e o que foi desprezado, para vermos se o Sr. relator atendeu realmente a essa representação no que era justo, ou se pelo contrário os desejos e aspirações das Misericórdias não foram contrariados.

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O assunto das Misericórdias devia merecer desta Câmara e de todos os representantes do País a maior atenção.

Não me move qualquer má vontade para com os apresentantes da proposta, mas isto não impede que eu declare que o artigo 1.° está contrário aos desejos das Misericórdias, que acima de tudo querem a sua autonomia, e por êste artigo vai-se meter dentro dessas instituições o escalracho da política!

Êste artigo tal como está redigido é a ruína moral das Misericórdias porque os 10 por cento sôbre as contribuições gerais do Estado é um adicional pedido pelas Misericórdias, é o odioso que sôbre elas vai cair, e os próprios que baterem às suas portas já não irão receber uma esmola mas uma parte de uma contribuição que ajudaram a pagar. Toda a beleza das tradições das Misericórdias desaparece com êste artigo 1.°

As Misericórdias não precisam de mais nada do que aquilo que têm; o que querem é que o Estado lhes dê aquilo que desvalorizou!

O Sr. Presidente (interrompendo): — Deu a hora de se entrar na ordem do dia. V. Exa. fica com a palavra reservada?

O Orador: — Certamente, pois agora é que entrava nas minhas considerações!

O Sr. João Camoesas (àparte): — É assim que V. Exa. quere salvar as Misericórdias.

O Orador: — Tudo quanto seja impedir a votação dêste artigo tal como está redigido será de facto em favor das Misericórdias.

O orador ficou com a palavra reservada.

Foi aprovada a acta.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Vai continuar o debate político. Tem a palavra o Sr. Joaquim Ribeiro.

O Sr. Joaquim Ribeiro: — Pedi ontem a palavra quando o Sr. Cunha Leal estava fazendo afirmações com as quais eu não concordava e se referiam à crise e à atitude do Sr. Afonso Costa.

Principio por dizer que tenho pelo Sr. Rodrigues Gaspar uma grande estima.

S. Exa. é um grande parlamentar.

Possui excepcionais qualidades e ainda agora as revelou na organização do seu Govêrno.

Assim é que, tendo sido — está isto na convicção de todos — empurrado para formar Govêrno por aqueles que de antemão estavam na persuasão de que o não conseguiria, S. Exa. conseguiu com a sua grande tenacidade, através de todas as dificuldades, levar a bom termo a sua missão.

Sr. Presidente: em meu parecer êste Govêrno não será tam mau como dizem.

Dizem uns que o Gabinete presidido pelo Sr. Rodrigues Gaspar é um Ministério de verão. Eu digo que é um Ministério que tem a desventura de passar o verão no Poder.

Todos os seus componentes merecem a nossa consideração e de entre êles podemos destacar as figuras prestigiosas de Catanho de Meneses, general Vieira da Rocha e Pereira da Silva, meu ex-colega.

Na hora que passa a obra a fazer não é de um Govêrno, mas sim de nós todos.

É, pois, indispensável que todos se convençam da necessidade de se fazer uma obra comum para salvação do País.

Eu, Deputado sem filiação partidária, sinto-me triste e desanimado com a situação que se tem criado, que só pode prejudicar a República e fazer mal ao País.

Dela só poderemos sair se todos quiserem cumprir o seu dever e darem-se as mãos para se trabalhar pela salvação do País.

A meu ver não são verdadeiras as razões que alguns apontam como tendo sido a causa da última crise ministerial.

Por isso eu me manifestei contra algumas das afirmações que ontem foram feitas aqui pelo Sr. Cunha Leal, que à primeira vista poderiam parecer razoáveis, como a de que estamos esperando um Messias que não vem.

Devo dizer que tenho opinião contrária.

Todos nós, mesmo os que se julgam em posição muita alta e que tomaram situações que talvez não queiram largar, devemos reconhecer que homens que,

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como o Sr. Afonso Costa já têm prestado relevantes serviços ao País, podem e querem governar.

Apoiados.

Como tudo se modificou depois da Grande Guerra, até a democracia que tem assento nesta Câmara, é natural que da parte de muitos não haja o desejo de ver no Poder aquele homem do Estado. Mas então tenham a coragem de tomar atitudes claras.

Foi também dito que o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro foi derrubado porque a maioria discordava das suas medidas financeiras.

Ora não é assim.

A moção que derrubou o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro dizia, concretizando, que ficasse o Sr. Álvaro de Castro o pusesse fora os seus colegas.

Afirmei que a maioria desta Câmara não quere o Sr. Afonso Costa e voa prová-lo com o facto mais recente.

S. Exa. declarou aos seus correligionários que levassem ao fim a obra do Govêrno transacto.

Êle não podia e não queria tomar as responsabilidades nem as glórias dessa obra, que estava, como o declarou o Sr. Álvaro de Castro, quási finalizada.

Formaria governo a seguir e apresentaria ao Parlamento em Outubro as suas propostas.

Pois a maioria, 24 horas após a saída dêsse estadista, derrubava o Govêrno com a intenção manifesta do impedir o Sr. Afonso Costa de formar Govêrno. Não o correm porque as fôrças que os elegem são ainda afonsistas, mas quando o virem desacreditado, para o que concorrem quanto podem, fazem-no imediatamente. São as ambições mal mascaradas.

Lembro-me de que quando estudante em Coimbra um curso que saiu publicou um álbum em que cada estudante escreveu o seu pensamento.

Um dos mais distintos alunos dêsse curso escreveu o seguinte: «As grandes culminâncias só chegam os reptis e as águias».

Se alguns do V. Exas. são águias, descansem que lá chegarão. Como reptis não vale a pena subir.

Fará pois muito bem o actual, Govêrno em continuar a obra do Sr. Álvaro de Castro.

Todo o Govêrno que estiver naquele lugar tem de resolver o problema da ordem, custe o que custar, por mais dificuldades que tenha.

Vimos agora greves em que funcionários superiores da República fazem ao País o mal que podem. Greves que se prolongam; e a gente admira o tempo que duram, na esperança de que uma revolução ou um movimento rebente.

Apresentam-se sempre êsses grevistas como servidores da República e certamente com o fácil diploma de revolucionários para lá entrarem.

Queremos salvar o País, e só o salvamos com ordem e energia.

Essa ordem e energia coube ao Govêrno do Sr. Álvaro de Castro.

Teve a coragem de se lançar sempre para a frente, arrostando com todas as dificuldades, mantendo sempre inalterável a ordem.

Cumpre ao Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar manter essa ordem, o mal irá se transigir.

Quero deixar bem clara o bem nítida qual a acção do Govêrno, para amanhã poder exigir responsabilidades ao Govêrno.

Desejo ao Sr. Rodrigues Gaspar todas as facilidades, e estou certo que êste Govêrno completará uma obra que já foi iniciada.

O Sr. Carvalho da Silva: — Em obediência à praxe regimental, mando para a Mesa a seguinte moção:

Considerando que o Ministério da Presidência do Sr. Álvaro de Castro caiu no Parlamento perante a oposição que levantaram as suas medidas de finanças, quero as já efectivadas, quero as propostas — o que se deduz claramente da rejeição da moção em que só significava o aplauso da Câmara à política financeira do mesmo Govêrno;

Considerando que outro as medidas prejudiciais aos interêsses da Nação avultam as que atingiram os juros da dívida pública e as que permitiram e permitem a expatriação da prata e outros valores do património nacional, medidas essas que carecem de ser instantemente revogadas; Considerando que o actual Govêrno,

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longe de tranqüilizar os justos sobressaltos da opinião pública, diz, na sua declaração ministerial, que seguirá a política financeira do anterior Govêrno, perfilhando até as propostas da sua autoria;

A Câmara nega a sua confiança ao actual Ministério e continua na ordem do dia.— Artur Carvalho da Silva.

Depois de se terem pronunciado todos os lados da Câmara acerca da resolução da crise ministerial, julgava eu que não teríamos já nenhum ponto dos que apaixonam a opinião pública para abordar nas nossas considerações.

Um dos oradores foi o parlamentar brilhantíssimo Sr. Cunha Leal (Apoiados) que o seria por certo em qualquer época, e que produziu um largo e brilhante discurso, como todos que costuma produzir nesta Câmara; mas, apesar do seu altíssimo valor e seu excepcional talento, não se esqueceu de que é republicano, e de que os republicanos estão impossibilitados de abordar nesta Câmara os problemas do mais alto interêsse nacional.

Já ontem o Sr. Cunha Leal irisou quanto de incoerente e verdadeiramente inexplicável contém esta declaração ministerial.

«Então o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro foi derrubado pela maioria parlamentar, por não concordar de nenhuma maneira com as suas medidas financeiras, e afirma-se que a solução da crise disse o Sr. Vitorino Guimarães tinha sido rigorosamente constitucional, dentro dos termos rigorosos da Constituição?

Não, a solução da crise foi rigorosamente anti-constitucional.

Apoiados.

De maneira nenhuma o actual Govêrno pode julgar que tem o apoio do bloco a que se refere, porquanto vários Deputados da maioria parlamentar, nomeadamente o Sr. Portugal Durão, impugnaram a obra financeira dêsse Govêrno. Também se pronunciaram igualmente contra essa obra.

E não foi o Sr. Portugal Durão, um dos que discutiram a questão da prata?

Um dos oradores que usaram da palavra foi o Sr. António Maria da Silva, que declarou ter discordado da orientação financeira do gabinete Álvaro de Castro,
e precisamente por isso tinha tomado atitudes que muitos não tinham sabido compreender.

Pode, portanto, apoiar a política financeira do actual Govêrno?

Apoiados.

O programa do actual Govêrno, tal como vem expresso na sua declaração, é o contrário do que preconizava o Sr. António Maria da Silva numa entrevista que concedeu ao Diário de Noticias.

Apoiados.

Então pregunto: onde está a constitucionalidade da resolução da crise? Podemos continuar assistindo ao espectáculo verdadeiramente inédito de os parlamentares republicanos se manifestarem um dia duma maneira e outro dia doutra?

Não me demorarei muito na apreciação dêste aspecto da questão, porque o que me importava é que a crise tivesse tido uma solução nacional, e ela foi o mais antinacional que é possível.

É já conhecido o bom humor de actual Presidente do Ministério, Sr. Rodrigues Gaspar; são conhecidas as suas blagues, quási sempre cheias de espírito. Eu cumpro gostosamente a praxe parlamentar de apresentar ao Govêrno os meus cumprimentos, mas não posso deixar de frisar que, dentro do seu feitio irónico, o Sr. Rodrigues Gaspar nunca teve uma blague tam cheia de espírito como esta da constituição do actual Ministério.

Êste Govêrno é a melhor blague do Sr. Rodrigues Gaspar. Não sei até se durante as horas amargas da crise S. Exa. chegou a perder o seu bom humor; mas creio que não, porque S. Exa. não hesitou em dar à imprensa nomes de Ministros que toda a gente procurava saber quem eram. Creio até que houve um concurso para se saber quem era o Sr. Salema.

Risos.

Mas vamos à blague. Na hora grave da situação financeira que o país atravessa qual foi a alta competência financeira que o Sr. Rodrigues Gaspar foi buscar? O Sr. Daniel Rodrigues! Tinha S. Exa. o seu plano financeiro? Êle próprio confessa que não.

Mas não pára aqui a blague do Sr. Presidente do Ministério.

Sabendo que o problema colonial é um dos mais graves, que fez S. Exa.? Como não encontrou um Ministro competente,

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arranjou um que pudesse nadar na pasta, e, para melhor nadar, convidou o Sr. Pato!

Risos.

Depois de apreciar as blagues do Sr. Rodrigues Gaspar, vamos ver em que situação S. Exa. se encontra.

Quem colocou na mais dolorosa situação o Sr. Rodrigues Gaspar foi o Sr. Carlos Olavo, que disse que dava o seu apoio nas condições que por escrito lhe tinha comunicado.

Somos forçados a concluir que quem manda no Govêrno não é o Sr. Rodrigues Gaspar, mas o Sr. Álvaro de Castro;

É lamentável que o Govêrno não tivesse feito referência na sua declaração acerca da prata que o Sr. Álvaro de Castro, no dia seguinte à declaração da crise, altas horas mandou embarcar.

Mas foi tam grande o movimento de opiniões contra êsse facto que o Sr. Álvaro de Castro fez publicar nos jornais uma nota pela qual dizia que tinha mandado, sustar a operação que tinha feito em Londres.

O meu desejo era que o Sr. Presidente do Ministério fizesse o favor de nos elucidar sôbre quais as condições em que foi feita essa operação, e se está ou não disposto a mandar voltar a prata para o Banco de Portugal, de onde nunca devia ter saído, visto que ela pertence aos portadores das notas.

Mas, falando a respeito da obra financeira do Govêrno transacto, eu desejaria que o Sr. Presidente do Ministério nos dissesse se está ou não disposto a propor à Câmara a revogação de todas aquelas medidas ditatoriais que o Sr. Álvaro de Castro fez publicar no Diário do Govêrno, inclusive sôbre a venda da prata, que nunca devia ter saído, repito, do Banco de Portugal.

A questão da prata começou a ser tratada no tempo do Sr. Velhinho Correia, quando Ministro das Finanças, tendo tido S. Exa. a opinião de que a prata poderia ser trocada pelo seu valor efectivo em ouro, que ficaria em depósito no Banco de Portugal, visto isto ser mais proveitoso para o Estado.

Veio depois o Sr. Cunha Leal, quando foi igualmente Ministro das Finanças, e manteve a mesma opinião: que a prata podia ser trocada pelo seu valor efectivo em ouro, que ficaria depositado no Banco de Portugal.

O Sr. Álvaro de Castro, porém, servindo-se duma lei, isto é, duma autorização que nada tinha com o assunto, decretou ditatorialmente a venda da prata.

Transformou aquilo que podia ser uma operação útil para o país numa operação ruinosa, e isso foi a característica do Govêrno do Sr. Álvaro de Castro, a de liquidação dos bens nacionais.

Tem o Govêrno a intenção de vender o resto da prata e o fundo de reserva que estava no Banco de Portugal?

É necessário que o Sr. Presidente d,p Ministério, no seu discurso, responda a êstes pontos, para que o país saiba que tal sistema não continuará.

Desejo que S. Exa. responda a estas questões e desde já declaro que da sua resposta dependerá a atitude dêste lado da Câmara, não consentindo também que S. Exa. não dê uma resposta concreta e clara, pois que são assuntos fundamentais para a vida do País.

Mas diz S. Exa. que o Govêrno continua a obra financeira do Govêrno transacto, e assim pregunto se S. Exa. considera legal o decreto publicado pelo Sr. Álvaro de Castro agravando os impostos, e à sombra duma autorização de que não se podia servir, pois que a Constituição diz que uma autorização não pode ser usada pelo respectivo Govêrno mais duma vez.

Mas ainda a outros pontos desejo que S. Exa. responda.

S. Exa. quando simplesmente ocupava o seu lugar de Deputado, disse que o mais alto lugar diplomático no nosso País é o de embaixador em Londres.

S. Exa. do seu lugar, com brilho e isenção, disse que se revoltava contra o predomínio que na política podiam ter aqueles que chamou aventureiros políticos.

O Sr. Domingos Pereira, respondendo a S. Exa., disse que o Sr. Norton de Matos tinha as qualidades diplomáticas necessárias para garantir o bom desempenho do seu lugar em Londres.

Mas S. Exa. respondeu que nunca verificara essas qualidades no Sr. Norton de Matos e que por isso continuaria a insurgir-se contra tal nomeação.

Peço, pois que S. Exa. diga se está dis-

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pôsto a manter o Sr. Norton de Matos naquele lugar, quando S. Exa. dizia, como Deputado, que êle tenha sido ilegalmente nomeado.

Mas, Sr. Presidente, outros pontos há da maior importância, sôbre os quais desejava ouvir a opinião do Sr. Rodrigues Gaspar.

Assim: S. Exa. mantém os decretos ditatoriais que reduziram os juros da Dívida Pública?

Diz S. Exa. que cumprirá o programa do bloco. Ora dentro do bloco muitas vozes se levantaram a protestar contra aquela medida, como a dos Srs. Portugal Durão, Vitorino Guimarães, etc.

Desejo, portanto, saber se o Sr. Presidente do Ministério está na disposição de manter êsse decreto que já fez abandonar o seu lugar do Deputado ao Sr. Barros Queiroz.

Estamos nós também a 10 de Julho e ainda não foi discutida nesta Câmara a proposta que se refere à determinação do preço dos trigos para êste ano. A lavoura nacional está verdadeiramente atrapalhada sem saber o preço que vai ser atribuído ao trigo da colheita dêste ano.

É um assunto de urgência tal que não posso deixar de chamar para êle a atenção do Sr. Presidente do Ministério, que de mais a mais é também Ministro interino da Agricultura, isto, é claro, emquanto não vem o Sr. Salema!

De resto, êste ponto ô indesculpável que não venha na declaração ministerial.

Também nem uma palavra diz S. Exa. na declaração ministerial acerca de medidas tendentes a diminuir o custo da vida, e, pelo contrário, o Govêrno, dizendo que vem cumprir a obra financeira do Govêrno transacto, propõe apenas agravamentos de impostos que só vêm aumentar o custo da mesma vida.

Sôbre inquilinato é também preciso que o Parlamento se pronuncio sem perda de tempo.

Lamento que o Sr. Rodrigues Gaspar nada diga de concreto sôbre o assunto, a não ser que acompanhará a discussão que dele se fizer. Mas acerca dêste ponto eu falarei depois, e portanto não ocupo mais por agora a atenção da Câmara a êste respeito.

Vejo também que o Sr. Ministro das Finanças, a quem o Sr. Velhinho Correia

já não larga, num cerco apertadíssimo, não diz uma palavra acerca das medidas que tenciona tomar para melhorar as desgraçadas condições da.s praças de Lisboa e Pôrto, com falta de numerário e aflições de toda a ordem. Anuncia-nos o Sr. Presidente do Ministério que perfilha as propostas do Sr. Álvaro do Castro, mas estas propostas, ainda que pudessem ser aprovadas tal como foram apresentadas, o que seria uma monstruosidade, não poderão ocorrer às dificuldades de tesouraria que o Govêrno fatalmente vai encontrar.

Logo, quais são as medidas que o Govêrno vai tomar para obviar a êstes deficits de tesouraria?

Tenciona aumentar a circulação fiduciária?

Ou tenciona fazer qualquer outra cousa?

Sr. Presidente: também nem uma palavra nos diz a declaração ministerial acerca do que pensa o Govêrno sôbre pautas alfandegárias. Entende o Govêrno que não é necessário remodelar essas pautas, porquanto é certo e mais que certo — e há muito tempo dêste lado da Câmara há reclamações para que isso se faça! — que isso traria até uma notável redução no custo da vida.

Diz o Sr. Rodrigues Gaspar, na sua declaração ministerial, que perfilha as propostas económicas do Sr. Álvaro de Castro, como as da remodelação dos serviços públicos, redução de despesas, actualização dos impostos e a das estradas.

Mas pregunto concretamente a S. Exa.: perfilha todas as propostas de actualização de impostos? Perfilha aquela que diz respeito ao aumento dos adicionais?

Sôbre contribuição de registo diz S. Exa. que desejava também ver aprovada essa proposta. Ora como o Sr. Rodrigues Gaspar, com uma sinceridade muito para louvar, tem dito nesta Câmara várias vezes que os assuntos de finanças não são os da sua especialidade, eu atribuo ao Sr. Ministro das Finanças, com certeza uma pessoa largamente especializada nestes assuntos, porque de contrário o Sr. Rodrigues Gaspar não o teria escolhido para Ministro das Finanças, as afirmações que vêm na declaração ministerial acerca desta proposta da contribuição de registo. Foi um êrro que o Sr. Álvaro de Castro

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cometeu trazendo esta proposta à Câmara, um êrro flagrante para quem conhece o a b e destas cousas de finanças!

S. Exa. julgando que trazia só uma proposta sôbre contribuição de registo, trouxe quatro, o que demonstra que o Sr. Álvaro de Castro nem sequer sabia que as outras propostas que trouxe à Câmara agravavam enormemente a contribuição de registo. Vejo agora que o Sr. Daniel Rodrigues continua no mesmo êrro o na mesma ignorância, o que é mau prenúncio para ser um bom Ministro das Finanças.

A todos êstes pontos desejava que S. Exa. fizesse o obséquio de responder.

Para terminar direi a V. Exa., Sr. Presidente, o à Câmara, que a pseudo-resolução da actual crise veio demonstrar, e talvez a ninguém mais do que ao próprio Sr. Presidente do Ministério, veio demonstrar a S. Exa. e contra aquilo que desejava, que dentro do regime não é possível constituir-se um Ministério senão por forma a calar as reclamações extremistas, as reclamações esquerdistas que lhe são apresentadas pelos organismos políticos que constituem propriamente a base em que assenta o regime, criando-lhe assim as maiores dificuldades.

No momento em que o problema da confiança é o mais grave e que só com uma resolução salvadora se poderia minorar êsse mal, verifica-se, pelo contrário, que dentro da República só se podem constituir Governos da extrema esquerda para cumprir aquele plano que o Congresso Democrático do Pôrto exigiu.

Também se torna necessário que o Sr. Presidente do Ministério, para tranqüilizar a consciência católica do país, faça o favor do dizer se pousa pôr em execução, na sua pureza augusta, na pureza primitiva, a lei da Separação da Igreja do Estado, ou se, pelo contrário, não concorda com a proposta apresentada nesta Câmara pelo Sr. José Domingues dos Santos. IS êste um ponto concreto sôbre o qual desejo também ouvir a opinião do Sr. Presidente do Ministério.

Aguardo as respostas de S. Exa., e se elas não forem de molde a tranqüilizar-me, respondendo de uma maneira cabal às reclamações da opinião pública, voltarei a usar da palavra. Por agora termino as minhas considerações, afirmando mais uma vez aos membros do Govêrno que quaisquer que sejam as nossas divergências políticas cumprimos gostosamente todas aquelas praxes de correcção, apresentando-lhe os nossos cumprimentos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi admitida a moção.

O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: permitam-me V. Exa. e a Câmara que comece por endereçar as minhas saudações ao novo Govêrno, composto todo êle do amigos meus pessoais e políticos.

Se é certo que esta altura da situação da política nacional não é do molde a congratular-nos com qualquer que seja o nosso amigo que vá sentar-se naquelas cadeiras, deixe-me V. Exa., no emtanto, prestar a minha homenagem a todos os homens públicos que nesta hora de sacrifício entenderam dever aceitar um pôsto que é realmente difícil.

Sr. Presidente: de entre êsses homens permita-me V. Exa. e a Câmara que eu destaque particulares amigos meus e camaradas na mesma arma. O Sr. Rodrigues Gaspar em primeiro lugar, oficial de marinha dos mais ilustres, homem com quem me habituei a trabalhar de longa data, tendo no mais alto aprêço as suas qualidades de talento, de carácter e de trabalho que sobejamente o indicam para ocupar na administração do seu país o lugar de destaque que de justiça lhe pertence.

Em segundo lugar o meu ilustre camarada, capitão de fragata Sr. Pereira da Silva, Ministro da Marinha, que a Câmara conhece, não por uma longa gerência dessa pasta, mas porque já dêle tem o suficiente conhecimento para apreciar quão distintas e nobres são as suas qualidades, que o impõem para aquele lugar.

Além dêstes dois camaradas meus, há ainda no Govêrno amigos pessoais e políticos que gostaria de distinguir, mas o que neste momento deixo de fazer para evitar longas referências.

Para todos vai o meu preito sincero de homenagem.

Sr. Presidente: não tenho moção alguma a apresentar.

O Sr. Pedro Pita: — Mas V, Exa. pediu a palavra sôbre a ordem,

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O Orador: - Foi para assegurar a minha posição na inscrição.

Vozes: - Não pode ser.

O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: chamo a atenção de V. Exa. para este facto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jaime de Sousa não pediu a palavra sobre a ordem.

O Orador: - Sr. Presidente: já que de moções se trata, desejo levantar nesta altura uma acusação que tem vindo a ser feita aqui e lá fora contra o facto que se produziu, no momento em que foi retirada a confiança ao Governo passado, de várias moções terem sido apresentadas por este lado da Câmara.

Sr. Presidente: é de toda a conveniência que este ponto se esclareça para acabar com a especulação política que tem vindo a ser feita nesta casa do Parlamento.

Tratava-se essencialmente de um debate político e V. Exa., Sr. Presidente, assim como todos que me ouvem, sabem bem que nos debates políticos se apresentam sempre moções.

Se algum facto tem de ser registado pela circunstância de várias moções terem sido apresentadas deste lado da Câmara, isso significa que não foi da primeira entrada, de absoluto acordo, que nós resolvemos que se desse um voto de desconfiança in limine ao Governo, e antes que se lhe indicasse o caminho da recomposição.

Não foi culpa nossa que algumas moções aparecessem de pura e simples desconfiança e que, de repente, sem combinação alguma, vários Deputados entendessem que era a queda do Governo que se impunha e não um caminho que conduzisse mais logicamente a uma recomposição.

Se algum êrro houve não foi dêste lado da Câmara, porque à última hora ficou de pé uma única moção e essa oficialmente apresentada pelo nosso leader; as outras foram todas retiradas. Portanto, o significado dêste acto é nem mais nem menos o que têm todos os actos de disciplina, de acatamento a uma directiva primária, isto é, o de obedecer aos ditames do Partido e às indicações do leader.

O facto que é verberado aqui e lá fora não tem razão de o ser e, ao contrário, veiu provar que nas ocasiões decisivas para a política da nação, nas ocasiões em que um determinado assunto pode envolver os interêsses sagrados da Pátria, nós, deste lado da Câmara, temos a noção de que é necessário fazer "costas com costas", numa forte coligação e num procedimento harmónico, que não se coadunam com quaisquer divisões.

Posta a questão nestes termos, julgo que se algum erro houve foi da parte dos amigos do Governo transacto, que, julgando prestar-lhe um bom serviço, vieram, com um exame superficial da questão, apresentar uma moção rígida de confiança que nessa altura nada indicava,

Estou certo, Sr. Presidente, de que os que a apresentaram são os primeiros a arrepender-se em não ter deixado prosseguir o debate em vez de ter levado a Câmara a pronunciar-se sobre uma moção que, nas condições em que o fez, deu lugar a toda esta confusão. A política que se impunha na ocasião era a de uma recomposição.

Não me pode acusar a consciência de não ter, desde a primeira hora, feito o possível para facilitar a obra do Govêrno. Falo, portanto, com toda a autoridade ao declarar que nessa altura era convicção geral que a política a adoptar era a da recomposição, visto que todos reconheciam que o Govêrno tinha sido apanhado, na sua actividade, por questões que tinham deixado mal colocados alguns dos seus membros.

Tudo indicava, pois, repito, uma recomposição. E dêste, êrro de visão é que proveio depois a confusão que se estabeleceu, as dificuldades que tivemos de remover e todos os trabalhos de dar solução a uma crise.

Há pontos que foram tocados aqui e que é necessário rebater, para honra dos que militam dentro da República e para que não se imagine que dentro do regime e dos seus agrupamentos políticos há mal-entendidos, que podem originar, a breve trecho, porventura, complicações graves e até grandes catástrofes.

Refiro-me às explicações que aqui fo-

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ram produzidas e reproduzidas lá fora acerca das tentativas para resolver a crise por forma diversa por que foi resolvida.

Tem-se propositadamente confundido toda a atitude de um grande homem público e republicano, o Sr. Afonso Costa, e eu entendo que não convém ao regime que a figura sôbre todas ilustre de S. Exa. seja colocada em circunstâncias de desprimor ou deminuição daquela grandeza que êle conquistou através de longos anos de lutas pela República.

O Sr. Afonso Costa já por duas vezes foi chamado a Portugal para constituir Govêrno e a Câmara sabe como foram invalidadas as tentativas de S. Exa.

É por isso lamentável que, sendo conhecidos êsses motivos e do domínio público todos os elementos que invalidaram essas tentativas, ainda se procurem fazer afirmações tendentes a deminuir o valor dêsse homem, colocando-o em situação difícil para com o país.

Desejava o Sr. Afonso Costa fazer uma obra de salvação nacional, com a colaboração de todos os agrupamentos da República.

O Sr. Pedro Pita (interrompendo): — E com que direito tinha êle a esperar essa colaboração de nós?

O Orador: — Eu não deixo de falar pelo facto de as minhas palavras não agradarem a V. Exas.

Sabe a Câmara que a invalidação de se ter formado um Govêrno Afonso Costa da primeira vez resultou da oposição sistemática feita por um partido da República contra a formação de um Govêrno Nacional.

Mas para honra de alguns, devo lembrar que não foi todo o partido nacionalista de então que só opôs a que aquele grande homem público formasse Govêrno; foi uma parte apenas dêsse partido, e tanto que originou a breve trecho um esclarecimento da situação política determinando uma scisão nítida e completa de um agrupamento que depois constituiu um grupo absolutamente destacado, nesta Câmara, daquele partido.

Tal foi a história da primeira tentativa do Sr. Afonso Costa para formar Govêrno.

O Sr. Pedro Pita: - É realmente uma autêntica história!

O Orador: — Ainda que pese a alguns dos Deputados que mo escutam, é assim mesmo, sem tirar uma vírgula.

O Sr. Pedro Pita: — Êste partido não está disposto a servir de muleta a ninguém!

O Orador: — A segunda tentativa do Sr. Afonso Costa para formar Govêrno também é interessante, se bem que tenha uma explicação muito mais simplificada e de muito menos interêsse que a primeira, por que não teve acontecimentos políticos da mesma importância e antes foi um simples episódio da actual crise.

Conhece todo o país e especialmente a Câmara os pontos de vista do Sr. Afonso Costa quanto à nossa situação política.

S. Exa. mantém-se intransigente quanto à necessidade que há de um rápido equilíbrio orçamental e de um arranjo de contas rigoroso, por forma tal que o seu procedimento de 1913 tenha inteiramente realização nesta hora ou em qualquer momento que S. Exa. venha tomar conta da administração do Estado, e portanto tendo sido chamado a Portugal para vir resolver uma situação financeira que aparenta ser muito grave, S. Exa. veio naturalmente com êste intuito de organizar um Govêrno que tivesse como primeiro objectivo fazer o equilíbrio nas contas públicas e sanear portanto a atmosfera política do país, toda ela assente em mal-entendidos que derivam do mau estado das finanças.

Quando o Sr. Afonso Costa vinha em viagem para Portugal leu nos jornais que no Parlamento tinham sido apresentados dois documentos, sendo um o relatório económico e financeiro do Govêrno transacto, no qual se expunha o estado financeiro do país, afirmando-se que estávamos em face de um déficit pequeno e muito próximo de um superavit, desde que determinadas propostas fossem aprovadas.

O Sr. Pedro Pita (interrompendo): — Eu não desejava usar da palavra novamente, por isso peço a V. Exa. que me diga se fala em seu nome individual ou em nome do seu partido, porque se é em nome do seu partido eu terei que pedir a palavra,

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se é em nome particular, numa simples conversa eu, desfaço o engano em que V. Exa. está.

O Orador: — Falo em meu nome pessoal.

O outro diploma apresentado ao Parlamento era para atender às instantes reclamações, do funcionalismo, para acudir à sua lamentável situação.

Em face dêstes dois diplomas o Sr. Afonso Costa reconhecei que a sua acção era tam reduzida e limitada que voltou para Paris, pois a situação não requeria uma figura de tam alta grandeza de conhecimentos, dependia apenas de uma questão de continuidade governativa.

Portanto, a questão da crise não existe, porque devia estar no poder o Sr. Álvaro de Castro e foi nesse sentido que apresentei a minha moção.

O Sr. Domingos Pereira (interrompendo): — V. Exa. fala em sou nome ou foi encarregado por alguém...

O Orador: — Já disso por mais de uma vez que falo em meu nome.

O Sr. Domingos Pereira: — V. Exa. não tem que estranhar a pregunta, pois já tem falado em nome do partido.

O Orador: — Não tenho procuração de ninguém nem devo o meu lugar na Câmara ao favor de ninguém.

Ficando isto bem entendido, eu julgo que foram circunstâncias de outra ordem que imperaram directamente, por forma a colocar a situação da crise no pé em que hoje se encontra.

Nestes termos, não tenho nenhuma razão para atacar ou defender o Govêrno que acaba de sentar-se naquelas cadeiras. A declaração que foi lida à Câmara não diz nada, de onde se possa inferir que o Govêrno vai adoptar esta ou aquela medida, e até nas declarações feitas no acto da posse nós verificámos que houve o meticuloso cuidado de restringir as afirmações, por forma a não criar imediatamente grandes embaraços à obra do Govêrno.

Sr. Presidente: porque defendi sempre, desde a primeira hora, o Govêrno transacto, e ainda porque à última hora a minha opinião era de que se devia modificar o elenco do Ministério do Sr. Álvaro de Castro, eu julgo-me com a autoridade precisa para não dirigir ao actual Govêrno nem ataques nem louvores.

A mesma simpatia que mo merecem os parlamentares que faziam parte do Govêrno anterior é a mesma que me merecem os parlamentares que pertencem ao actual Govêrno.

Posta a questão nestes termos, não quero alongar demasiadamente as minhas considerações; todavia, devo salientar que há problemas graves que ainda neste momento estão em aberto e a respeito dos quais a declaração ministerial nada diz.

Sr. Presidente: no acto da posse do Sr. Ministro das Colónias o problema da descentralização administrativa das colónias foi abordado, mas, no emtanto, na declaração ministerial nada se diz a êsse respeito, parecendo que se pretende restringir a administração colonial.

Eu chamo a atenção da Câmara para êste ponto importante, tanto mais que um funcionário superior das colónias é de parecer que se deve restringir o âmbito administrativo das colónias.

Um outro ponto importante, sôbre o qual não há a mínima palavra na declaração ministerial, é o que se refere às questões de carácter externo.

Sabe V. Exa., Sr. Presidente, que existem convenções comerciais, algumas delas de imperiosa necessidade para o país, tratados cujo estudo está em andamento e para os quais muito contribuíram os esfôrços dos Ministros anteriores, designadamente o meu querido amigo Sr. Domingos Pereira, que necessitam de ser levados a bom termo.

Não ignoram V. Exas. que o problema das reparações volta novamente à tela da discussão e que no dia 16 do corrente vai reunir-se em Londres uma conferência da mais alta importância e, todavia, na declaração ministerial nada se diz a êsse respeito.

É necessário considerar-se o assunto o ver com a devida antecedência a quem deverão ser entregues os nossos interêsses. E preciso que tudo se resolva pela forma mais própria para o nosso país.

Estou certo de que o actual titular da pasta dos Negócios Estrangeiros dedicará todo o seu cuidado ao assunto, mas nem

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por isso compreendo que na declaração ministerial nenhuma referência se faça a tal respeito.

Vou terminar, dizendo mais uma vez que nenhum intuito tenho de ataque ao Govêrno; pelo contrário, tenho o maior empenho em auxiliá-lo na sua tarefa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pinto Barriga: — Sr. Presidente: em meu nome e no dos Deputados independentes cumprimento o Govêrno.

Tem sido sempre norma dos Deputados independentes não hostilizarem os Governos que se constituem em conformidade com as indicações parlamentares e constitucionais.

Êste Govêrno está nessas condições e, portanto, vamos colaborar no Parlamento com êle, fazendo-o com tanto maior gosto, quanto é certo que dele faz parte um dos nossos queridos amigos o Sr. Abranches Ferrão.

Os elogios devidos ao Sr. Presidente do Ministério já estão feitos e de uma forma insuspeita pelo leader do Partido Nacionalista que é oposição e eu, fazendo minhas as palavras de S. Exa., é a maior homenagem que posso prestar às qualidades do Sr. Rodrigues Gaspar. Seja-me, porém, permitido que eu destaque o nome do Sr. Abranches Ferrão.

É S. Exa. um distinto professor da Universidade e foi feliz o Sr. Presidente do Ministério na escolha que fez de S. Exa.

Eu tenho por S. Exa. uma elevada admiração, aquela admiração que é devida às pessoas que como o Sr. Abranches Ferrão, se destacam pelas suas qualidades de inteligência e faculdades de trabalhos. Para S. Exa. vão os melhores cumprimentos dos Deputados independentes.

Em meu nome pessoal quero referir-me ao Sr. Xavier da Silva.

Muito há a esperar da acção de S. Exa. no Govêrno, visto que possui qualidades de inteligência que lhe permitirão o evidenciar-se no seu novo cargo.

S. Exa. cultiva como eu a sciência penal, onde já tem um nome criado pelas suas qualidades inegáveis de trabalho, pela sua persistência, pela sua inteligência ponderada.

Nos cargos que até hoje tem ocupado destacou-se sempre pela dedicação e desinteresse com que os serve.

É um colaborador que honrará, estou disto convencido, a escolha que dele fez o Sr. Presidente do Ministério.

A declaração ministerial é um pouco sóbria, mesmo lacónica.

Realmente o que é necessário são obras e não palavras.

Esta declaração ministerial para mim é um mero índice de um programa de governo que, por esquecimento, o Sr. Presidente do Ministério deixou na Imprensa Nacional; é mais uma enumeração de problemas do que soluções. Mas emfim que importa; neste momento o que é necessário são obras e não palavras.

Em meu nome e no dos Deputados independentes que tenho a honra de representar, afirmo que se o Govêrno atacar os graves problemas financeiros e económicos que ora se agitam, terá o apoio de todos nós e estou convencido de que se o Sr. Presidente do Ministério desenvolver a mesma tenacidade que teve para conseguir a constituição do seu Ministério — porque S. Exa. é de uma incansável tenacidade — conseguirá fàcilmente ter-nos a seu lado.

Tenho dito.

O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: começo por saudar o Govêrno, e devo dizer que todos os homens que o compõe têm defendido com galhardia as suas ideas políticas.

Foi para mim grato ver na declaração ministerial a afirmação de que subsiste o bloco parlamentar que se organizou para apoiar o Govêrno anterior, porque isso significa que grande número de republicanos se unem para a obra urgente que é indispensável efectuar na administração pública.

Tenho muito prazer em consignar a possibilidade de se manter uma maioria capaz de apoiar um Govêrno que queira realizar obra útil, e é-me grato constatar que o esfôrço feito pelo Govêrno a que presidi não se perdeu, pois que o actual Govêrno se propõe continuar a obra que êle encetou.

O Sr. Cunha Leal, em referência à crise que se deu, analisou a expressão das moções votadas, sem atender às palavras que foram pronunciadas por grande nu-

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mero de Srs. Deputados da maioria democrática, do grupo independente e da Acção Republicana.

Todos êles significaram bem claramente o seu desejo de que o Ministério tivesse uma outra composição, sem procurar destruir a linha de conduta política, financeira e administrativa que tinha caracterizado o Govêrno a que eu presidia.

O Sr. Cunha Leal: — Mas não foi com a conclusão que V. Exa. tirou da carta que dirigiu ao Sr. Presidente da República.

O Orador: — V. Exa. precipita-se. Lá vamos.

Efectivamente, eu não podia desconhecer, porque foi do conhecimento de todo o País, que o Sr. Vitorino Guimarães, ao apresentar a sua moção, que obteve a votação da Câmara, significou no seu discurso o que entendia por essa votação, o que ela representava politicamente em relação à existência do Govêrno, e refiro-me em especial ao Sr. Vitorino Guimarães porque foi também S. Exa. quem nesta Câmara exprimiu a opinião do Partido Republicano Português em relação ao actual Govêrno.

E, nesta altura, eu quero agradecer, em meu nome pessoal e no de todos os membros do Govêrno transacto, as saudações que, em nome do seu partido, o Sr. Vitorino Guimarães nos dirigiu, e também significar a S. Exa. e ao seu partido a minha estima e a minha consideração, bem como os meus agradecimentos pelo apoio dado ao meu Govêrno, apoio que nas. ocasiões necessárias não deixou de ser activo e eficaz.

Na realidade, num agrupamento de homens como é ò bloco parlamentar, num agrupamento de homens como é o Partido Republicano Português, ansioso sempre de acompanhar os progressos políticos e sociais, não podia deixar de dar-se uma certa flutuação de opiniões. O contrário seria absurdo, porque seria necessário que o Partido Republicano Português se alheasse, com o bloco, da vida nacional para que não fôsse agitado por todas as ideas, por todos os princípios que se agitam lá fora, e que têm naturalmente a sua repercussão entre nós, traduzindo-se por vezes numa flutuação de opiniões parlamentares. Poderia traduzir-se mesmo, em relação a certas medidas, numa votação que fôsse de hão apoio ao Govêrno, uma votação que correspondesse a uma falta de confiança, mas nunca o bloco parlamentar manifestou numa votação a sua reprovação à política financeira e económica do Govêrno.

Dada a crise que todos conhecem, e que melhor conhecerei eu porque tenho o dever de estar ao facto de todos os seus -detalhes, conhecendo não só aquilo que se revelava ao publico, mas o que era ocultado aos próprios sentimentos de cada um, todos desejando bem servir a República, embora com directrizes diferentes, não podia eu deixar de exprimir ao Sr. Presidente da República o que a tal respeito entendia.

Chamados, porém, os partidos à Presidência da República para darem o seu parecer sôbre a solução da crise, tive o prazer de constatar que, efectivamente, o bloco parlamentar mantinha, em relação ao Presidente do Ministério transacto, a mesma opinião que tivera quando êsse Ministério se havia constituído.

Eu não desconhecia os factos, que não eram só, nem podiam ser, na responsabilidade da maioria parlamentar mas de todo o Parlamento. Não podia desconhecer êsses factos para sôbre êles meditar e a bem da República procurar dar à solução da crise aquela fórmula mais útil aos negócios do Estado, e mais necessária nessa ocasião. Foi por êsse motivo que, usando dum direito que, não pode ser contestado, o Presidente do Ministério cessante dirigiu ao Sr. Presidente da República uma carta em que lhe indicava o seu modo de ver sôbre a solução da crise,

Ainda hoje, porque nenhuma das palavras que se encontram nessa carta, nenhuma das ideas que nela se exprimem contêm, para qualquer membro do Poder Legislativo, para qualquer partido ou para qualquer grupo, o menor sentido pejorativo, ainda hoje penso da mesma maneira por que pensava quando redigi essa carta. O que é que eu significava ao Sr. Presidente da República? A existência incontestável duma maioria parlamentar sôbre a qual se podia organizar um Govêrno, certo como estava de que essa maioria se mantinha e manteria em virtude das declarações que tinham sido produzidas nes-

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ta Câmara por aqueles — e muitos foram — que usaram da palavra e enviaram moções para a Mesa. Mas, significando que êsse agrupamento dava lugar à formação dum Govêrno com o seu apoio, eu necessitava escolher e indicar a pessoa que mais fàcilmente pudesse congregar para um trabalho útil todos os grupos que se juntaram para votar a moção que foi aprovada, e, assim, indiquei o Sr. Afonso Costa.

Não tenho, Sr. Presidente, de fazer outra espécie de afirmações, porque todos aqueles que estão dentro do bloco e todos aqueles que estão fora dele sentem que efectivamente as minhas palavras são exactas, que correspondem a factos que não podem ser desmentidos e a sentimentos que todos conhecem.

Sr. Presidente: tenho muito orgulho em afirmar neste momento que nem sempre nos períodos, não digo já longos, mas nos largos períodos da minha vida política, nem sempre estive de acordo com o Sr. Afonso Costa na sua forma de agir. Discordei dalguns dos seus actos, discordei de muitas das suas atitudes, e nunca deixei de lho afirmar, quer pessoalmente, quer publicamente. Faltaria, porém, aos deveres que tenho para com a minha própria consciência se não afirmasse que sinto que há o direito de demorar cinco dias a solução duma crise para verificar se efectivamente é possível que o Sr. Afonso Costa assuma o Govêrno.

Apoiados.

S. Exa. é, na verdade, detentor dum tal passado e uma personalidade tam forte, tara inteligente e tam prestigiosa, que não é demais que se espere, cinco dias pela solução duma crise, quando tantas têm sido resolvidas ao cabo de quinze dias, e mais, para afinal assumirem as cadeiras do Poder Governos que muitas vezes nem êsse nome têm merecido.

Mas fica comigo a responsabilidade da indicação que fiz ao Sr. Presidente da República. Embora eu não tivesse conhecimento detalhado do que se passou entre o ilustre Chefe do Estado e os representantes dos vários agrupamentos políticos que foram ouvidos por S. Exa., sou, todavia, levado a acreditar que alguns houve que manifestaram o desejo de que efectivamente fôsse chamado a constituir Govêrno o Sr. Afonso Costa.

Quiseram, porém, as circunstâncias, os factos, e sobretudo os desejos dêsse homem público, que não fôsse êle o encarregado de organizar Gabinete. E, nessas condições, o Sr. Presidente da República teve de seguir as indicações doutros agrupamentos parlamentares.

Devo, no emtanto, afirmar à Câmara, peremptoriamente, que na carta que escrevi ao Sr. Presidente da República não se continham quaisquer palavras que, de perto ou do longe, insinuassem a S. Exa. a dissolução do Parlamento como solução eficaz da nossa crise política, quer essa dissolução fôsse dada em favor do Govêrno a que eu presidia, quer em favor de qualquer outro Govêrno saído fôsse êle de que partido fôsse.

Entendi sempre, e entendo ainda hoje que a dissolução do Parlamento não poderia, nem poderá ser nunca o processo de resolver o nosso problema político. Muitos apoiados da esquerda.

Da adopção dêsse princípio, tam acarinhado por algumas pessoas, não resultaria senão mais um motivo de agitação e de agitação nefasta, absolutamente inútil para a política portuguesa.

Na minha carta não se manifestava, pois, qualquer desejo de dissolução em favor de qualquer Govêrno e muito menos, porque isso seria verdadeiramente absurdo, em favor de Govêrno a que presidi, em favor dum Govêrno que não estava nas cadeiras do Poder com intuitos ou fins políticos.

Apoiados.

Seguidamente o Sr. Presidente da República, em virtude das indicações dos vários grupos políticos representados no Parlamento, novamente mo chamou para me dar a subida honra de constituir Govêrno.

S. Exa. significou-me que nas palavras que lhe tinham sido dirigidas pelo maior dos agrupamentos que constituem o Bloco havia uma clara indicação da maioria no sentido de que fôsse eu b encarregado de formar gabinete.

Nestes termos eu dirigi uma carta ao Directório do Partido Republicano Português, comunicando-lhe o convite que me havia sido feito e fazendo a tal propósito algumas preguntas e estabelecendo algumas condições sem as quais eu não aceitaria ò encargo de formar Ministério,,

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O Directório, consultados os seus corpos dirigentes, respondeu-me que estava inteiramente de acordo com a minha orientação financeira e que estava disposto a empregar todos os esfôrços para que os trabalhos parlamentares se intensificassem, não podendo, todavia, garantir que as medidas, cuja aprovação imediata eu exigia, o fossem dentro do limitado espaço de tempo de que o Parlamento dispunha, para as apreciar.

Em face duma tal resposta, eu declinei perante o Sr. Presidente da República o encargo de formar gabinete.

Seguidamente o Sr. Presidente da República teve de chamar outra pessoa do bloco, visto que não havia outra indicação para a constituição do Ministério.

Resultou disso a organização do Govêrno presidido pelo Sr. Rodrigues Gaspar.

Está muito bem!

Propõe-se êste Govêrno seguir a política adoptada pelo seu antecessor. Está também muito bem, nem podia deixar de ser assim. O Sr. Rodrigues Gaspar entende que pode alcançar o objectivo proposto paio Govêrno transacto, com aqueles meios que eu entendi deficientes.

Efectivamente eu disse na carta que escrevi ao Directório quando lhe dei a notícia de que ia declinar a missão de organizar gabinete, que não podia assumir as responsabilidades do Govêrno, quando era certo que as responsabilidades do Govêrno estavam, por actos do Parlamento, transformados em responsabilidades do próprio Parlamento.

As dificuldades que poderia ter o Ministro das Finanças resultavam essencialmente da acção parlamentar negativa, que continua a ser negativa, e que o será até 15 de Agosto, estou, infelizmente, convencido disso.

Não é possível que um Govêrno assuma tais responsabilidades.

É preciso claramente dizer ao País que essas responsabilidades são do Parlamento.

E não poderia deixar de me referir nesta parte do meu discurso à obra do Govêrno transacto, principalmente porque é necessário fazer um relato do que foi a política do Govêrno que passou, e porque nesta Câmara foram feitas referências a actos do Govêrno já depois dele ausente, clamando-se pela presença do Ministro das Finanças com a coragem que provinha da certeza de que êle não podia estar aqui presente.

Apoiados.

Tenho a impressão de que efectivamente estamos no momento em que é necessário -uma política forte, — de convicções sim, mas de coragem e decisão!

Os movimentos que se manifestam já nos vários campos financeiros portugueses devem esclarecer o espírito de todos os republicanos (Apoiados) para lhes significar que o seu caminho deve ser muito outro que aquele que se pretende fazer trilhar a todos os governos da República.

Não sou um partidário, — porque não sei bem o que significa o termo, — duma política que se possa denominar das esquerdas; mas entendo que a política financeira hoje em Portugal só pode ter um significado radical, e dou a êste termo a significação que comporta toda um política financeira que tenda a afastar todas as possibilidades de aumentos da circulação fiduciária.

Apoiados.

Foi assim que a política do Govêrno transacto se definiu, querendo o equilíbrio orçamental não como fim, mas como meio de subtrair o valor do escudo às quebras derivadas das necessidades do Estado! Mas esta política é ceia de abrolhos para quem a quere trilhar, porque os obstáculos daqueles que ganham com uma maior depreciação do escudo são fortes e activos, e os dos desgraçados que sofrem com a desvalorização do escudo não a percebem senão duma maneira indirecta; e são êstes precisamente os que atacam os governos inconscientemente orientados pelas classes capitalistas.

A política em Portugal de ordem financeira não pode ser outra no primeiro passo senão aquela que tenda a estancar a circulação fiduciária.

Êsse é o primeiro passo e tudo o que seja realizar todas as possibilidades do Estado, todos os seus valores, para que se estanque essa circulação, é uma política séria e honesta.

Apoiados.

Toda a política que pretenda guardar os valores do Estado para deles fazer notas, é má, prejudicial ao País.

Apoiados.

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Quando se fala, com as lágrimas nos olhos, da prata que vai pelo mar fora, da prata que vai para Inglaterra, pretende-se fazer a política da alta finança!

(Apoiados da maioria e protestos das minorias).

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Palavras, palavras!

O Sr. Lelo Portela: — É preciso provar!

O Orador: — Porque é que a prata é do património nacional e os títulos-ouro não são, tendo sido utilizados pelos governos anteriores em operações idênticas àquela que pode ser realizada com a prata?

O que importa nesta hora, quaisquer que sejam os sistemas e formas, é evitar que se estampe mais uma nota que seja!

Apoiados.

São lágrimas fingidas aquelas que se choram, porque são lágrimas só para aqueles que têm dinheiro e não para os que tanto sofrem com a fabricação de mais notas!

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Mas é preciso provar que a saída da prata enxugará essas lágrimas!

Vozes da esquerda: — Ora, ora!

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Pondo tudo no prego é que o País se não salva!

O Orador: — A operação da prata, que aliás incito o Govêrno presente a realizar integralmente, foi uma operação efectivamente tratada aqui com largueza e podia ter sido o Govêrno transacto a ter alcançado na Câmara o direito de vender essa mesma prata que se ninguém quisesse assumir a responsabilidade dos diplomas respectivos eu assumi-la-ia.

O Sr. Cunha Leal: - V. Exa. assuma as responsabilidades que lhe pertencem, que com as minhas posso bem!

O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. não obteve autorização da Câmara para a venda da prata...

O Orador: — Não se precipite V. Exa., já lá vou.

O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. pode esclarecer-me num ponto? Quando eu preguntei a V. Exa., na Câmara, se a prata tinha sido vendida, V. Exa. disse-me que não, mas que tinha sido trocada por ouro em barra.

O Orador: — Tenho aqui, por acaso, o relato do meu discurso, pelo qual se vê que não disse isso.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — O que eu posso garantir a V. Exa. é que está enganado. Tenho a absoluta certeza disso, posso garanti-lo.

O Orador: — A questão da prata já é muito conhecida da Câmara, pois a verdade é que ela não só autorizou a sua troca, come autorizou a sua venda; porém, ela não foi vendida, tendo sido posta no Banco de Portugal para garantir um aumento da circulação fiduciária.

Esta é que é a verdade, o que na realidade não é para admirar, tanto mais quanto é certo que o processo pode considerar-se bom, visto que êle foi feito com o intuito do equilibrar o déficit orçamental existente.

O assunto foi aqui largamente discutido, tendo o Govêrno feito uso de uma autorização votada pela Câmara, e que até hoje ainda não foi revogada.

Isso foi feito com o intuito de eliminar o déficit orçamental, o que é de todo o ponto justo, desde que o Parlamento não deu a êsse Govêrno os meios indispensáveis para êle poder equilibrar as contas do Estado.

Ataca-se o Govêrno, quando de facto a responsabilidade dêsse acto pertence única e exclusivamente ao Parlamento.

Veja-se o que tem acontecido com os orçamentos que, tendo sido apresentados em 24 de Janeiro na Câmara dos Deputados, para serem estudados e votados até 30 de Junho, ainda hoje estão por votar.

O Govêrno não podia proceder doutra forma; a responsabilidade do facto pertence ao Parlamento.

O Govêrno tem sido atacado aqui e lá fora; certo é, porém, que êle alguma cousa fez, muito principalmente no que diz respeito aos serviços públicos, tendo-se feito economias avultadíssimas.

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Mas, se o Parlamento lhe tivesse votado as medidas que êle pediu, a sua obra teria sido de facto mais perfeita e mais completa.

As próprias comissões de economia nomeadas pelos Ministérios para fazerem trabalho em determinado prazo constante-mente preguntavam se o Parlamento votava a autorização para remodelar os serviços, porque não valeria a pena estar a perder tempo com um trabalho que não teria utilização.

Isto no que respeita à obra de economia feita pelo Govêrno transacto, que, quer queiram, quer não, é uma obra importante. Se alguma cousa há a louvar não é o Govêrno mas a boa vontade com que não só os Deputados que apoiavam o Govêrno mas até os da oposição suportaram medidas que os prejudicavam, e nunca o Govêrno, digo-o para honra do Parlamento, foi instado por quaisquer Deputados para que essas medidas não tivessem realização.

Nós, em política, entendemos sempre que a obra dos adversários é asneira, e que só a dos nossos correligionários é que é uma obra grandiosa.

Os inteligentes só estão do nosso lado, os que o não são, estão do lado contrário.

O recurso aos impostos tornava-se evidentemente necessário a qualquer Govêrno e as medidas que tive ocasião de apresentar, como Ministro das Finanças — já o declarei—não eram espectaculosas, não pretendiam ter o mérito da originalidade, porquanto há muitos anos se vêm apresentando propostas de lei semelhantes.

Q propósito do Sr. Daniel Rodrigues de aproveitar o trabalho parlamentar já realizado, porque nesta ocasião a Câmara não pode entregar-se a largos estudos de finanças, é sensato. Portanto o que há a fazer é votar a actualização dos impostos.

A propósito vem o manifestar à Câmara o meu desacordo com uma votação que se realizou ontem.

A Câmara tem sempre uma enorme relutância em votar impostos para o Estado, mas não tem a menor relutância em agravar os impostos do Estado com destino a outras entidades.

Como se compreende que se faça na Câmara um largo debate sôbre os adicionais destinados a aumentar os vencimentos dos funcionários públicos e se discuta com rapidez o adicional de 10 por cento sôbre todas as contribuições destinado às Misericórdias?

Votada a actualização tem o Sr. Ministro das Finanças a possibilidade de lançar o imposto de luxo, como foi oportunamente significado na Câmara.

Os cálculos por mim apresentados estão solidamente estabelecidos.

Só se imagina possível que o Ministro das Finanças esteja na sua pasta para destruir as finanças do País.

A obra do Govêrno neste particular não deixou de ser maior do que aquela que podia resultar em virtude da acção demorada do Parlamento.

A acção do Govêrno traduziu-se na obtenção de deminuição de despesa que está calculada por um número baixo de 298:000 contos, número que estou convencido, quando vierem as contas do ano de 1924-1925, se verificará não estar calculado com exagero.

Eu sei que se desenha uma campanha, não contra o Ministério transacto, mas contra a República, no sentido de estabelecer a convicção de que não é possível exigir ao contribuinte português mais qualquer cousa além do que paga actualmente, para seguidamente se reclamar o aumento da circulação fiduciária.

A campanha parte donde deve partir, donde tem necessàriamente de partir, emquanto os governos não puderem terminar a obra, que já se iniciou, da República entrar dentro do Banco do Estado, dos republicanos dominarem como têm direito a dominar no Banco do Estado, e que se consiga, como é essencial, que o primeiro estabelecimento do Estado não seja um instrumento de descrédito do Govêrno Português e seja de facto o seu mais sólido apoio.

A política iniciada pelo Govêrno nesse particular felizmente já não pode voltar atrás.

Usando da autorização que o Parlamento conferiu ao Govêrno...

O Sr. Carvalho da Silva: — Abusando.

O Orador: — O Parlamento não o disse.

O Sr. Carvalho da Silva: — Não disse mas devia dizê-lo.

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O Orador: — O Govêrno criou um fundo próprio para obtenção de acções de determinadas emprêsas e companhias. Essa posse há-de tornar o Estado, automaticamente, o árbitro de resoluções que muito importam à vida nacional.

O Banco de Portugal publica as suas notas semanais, e nessas notas faz o englobamento de toda a circulação, para o efeito de fazer acreditar ao público, que todo o aumento da circulação fiduciária é para o Estado.

Isto constitui para o Banco uma arma política de propaganda contra a República, e constitui uma defesa para aqueles que vão ao Banco pedir descontos, porque diz que o aumento que apareceu na nota semanal, foi todo para o Estado.

Foi por êste motivo que eu determinei que o Banco fizesse nas suas notas a discriminação da circulação fiduciária relativa aos débitos do Estado, da circulação derivada 4a convenção de 1922, e da circulação própria do Banco.

Quanto às duas primeiras colunas, nenhuma discussão.

Quanto à terceira, toda a discussão, porque o Banco queria escrever em vez de «circulação própria do Banco», «circulação destinada a operações e suprimentos ao Governo».

Evidentemente que a conta-corrente com o Estado acusa o que vai para uso do Estado, mas o que é verdade é que o Banco faz-lhe suprimentos nas mesmas condições que faz a qualquer outra entidade.

Mas isto não convinha aos seus fins políticos, porque quem verificar a totalidade das três colunas verá que a circulação foi aumentando sempre desde que o Govêrno ocupou o Poder até sair, mas o que é facto é que pela primeira coluna se observa que a circulação para o Estado não foi aumentada um centavo, e que a destinada ao Banco aumentou em cêrca de 186:000 contos para operações próprias do Banco.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — Mas aplicada ao Estado em grande parte.

O Orador: — Está V. Exa. enganado.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — Dos 40:000 contos não foi nada para o Estado?

O Orador: — Não senhor.

Do que o comércio se queixa é que o Banco usa da sua circulação própria para favorecer determinados clientes.

O Govêrno tinha o direito, pela autorização que a Câmara lhe deu, de obter 40:000 contos, em representação de moeda metálica.

Trocam-se àpartes.

Não sei francamente o que há-de fazer um Ministro das Finanças quando o Parlamento lhe não dá, votando a tempo e horas, as medidas de que êle carece.

Não, Sr. Presidente, nestes casos o Ministro das Finanças não pode fazer outra cousa, pois o seu dever é recorrer a todos os elementos do Estado, para não se chegar a essa triste situação a que já me referi.

Foi dito aqui pelo ilustre Deputado o Sr. Cunha Leal que eu, o que pretendia, era matar o déficit orçamental.

Não posso deixar de lembrar à Câmara o que em tempos se passou com o Sr. Afonso Costa, que na realidade conseguiu equilibrar o Orçamento de 1913-1914.

Pois a verdade é que não faltavam sorrisos e dúvidas, quando S. Exa. trouxe à Câmara o Orçamento equilibrado.

Sr. Presidente: se o Govêrno, em matéria financeira, fez todo o possível para melhorar a situação do Estado, porque por todos os Ministérios se procurou fazer alguma cousa útil, é certo também que, no que diz respeito à disciplina social, a sua acção foi benéfica e mereceu o apoio do Parlamento.

Assim, não posso deixar de concordar com os propósitos do novo Govêrno no que respeita a disciplina social, que se impõe, porque só com tranqüilidade se poderá fazer uma obra útil à sociedade portuguesa.

O Sr. Presidente: — Tenho a prevenir o orador que é a hora de se encerrar a sessão, e que se S. Exa. não deseja dar por concluídas as suas considerações, reservo-lhe a palavra para a sessão seguinte.

O Orador: — Peço a V. Exa. para ficar com a palavra reservada.

O orador não reviu.

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O Sr. Presidente: — Fica V. Exa. com a palavra reservada.

A próxima sessão é amanhã, 11, às 14 horas, com a seguinte ordem do dia: Antes da ordem: (com prejuízo dos oradores que se inscrevam): Parecer n.° 736, que autoriza o Govêrno a lançar um adicional sôbre as contribuições do Estado, cujo produto será destinado a subsidiar as instituições de assistência, e a que estava marcada.

(Sem prejuízo dos oradores que se inscrevam): A que estava marcada.

Ordem do dia:

A que estava marcada.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Pareceres

Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 749-A, que cede à Câmara Municipal de Penela a antiga residência paroquial da freguesia de S. Miguel, com um terreno anexo.

Para a comissão de negócios eclesiásticos.

Da mesma, sôbre o n.° 749-C, abrindo um crédito de 27.500$, a favor do Ministério do Interior, para reforço da verba inscrita no orçamento sob a rubrica a Material e despesas de Gabinete do Ministro e Secretaria Geral.

Para a comissão de finanças.

Da comissão de finanças, sôbre o n.° 606-1, que autoriza a comissão central do 1.° de Dezembro de 1640 a mandar fundir no Arsenal do Exército uma coroa de bronze, denominada Coroa da Vitória Aliada, para ser colocada no Monumento dos Restauradores.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 734-B, que determina que a pensão de sangue estabelecida na lei n.° 3:632, e decreto de 4 de Junho de 1870, seja concedida em partes* iguais à viúva e à mãe, sendo viúva, de qualquer militar, havendo reversão, quando uma delas contraia novo matrimónio.

Imprima-se

Da comissão de comércio e indústria, sôbre o n.° 761, sôbre inquilinato.

Para a comissão de finanças.

O REDACTOR — Herculano Nunes.

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