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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 122

EM II DE JULHO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Hermano
José de Medeiros

Sumário. — Aberta a sessão com a presença de 45 Srs. Deputados, é lida a acta e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia.— O Sr. Tavares de Carvalho insiste pela discussão da proposta de lei referente ao inquilinato, prestando-lhe esclarecimentos o Sr. Presidente.

Continua em discussão o parecer n.° 736 (vantagens concedidas a favor da Assistência Pública), prosseguindo no uso da palavra o Sr. Dinis da Fonseca que manda para a Mesa uma proposta de substituição do artigo 1.°, a qual é lida e admitida.

Usa da palavra sôbre o mesmo parecer o Sr. Paiva Gomes.

Ordem do dia. — Concedem-se licenças e fazem-se admissões.

Continua o debate político, a propósito da apresentação do novo Ministério.

Usam da palavra os Srs. Álvaro de Castro, Morais Carvalho, cuja moção não é admitida, Vicente Ferreira e Álvaro de Castro para explicações.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem.

Abertura da sessão às 15 horas e 28 minutos.

Presentes à chamada 46 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Ferreira Vidal.

Albino Pinto da Fonseca.

Amaro Garcia Loureiro.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Correia.

António Ginestal Machado.

António de Mendonça.

António Pais da Silva Marques.

António de Paiva Gomes.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Augusto Pereira Nobre.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Custódio Martins de Paiva.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Dinis de Carvalho.

Hermano José de Medeiros.

Jaime Júlio de Sousa.

João Baptista da Silva.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João José da Conceição Camoesas.

João Luís Ricardo.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

Joaquim Dinis da Fonseca.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Pedro Ferreira.

Júlio Gonçalves.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Alegre.

Mariano Martins.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Sebastião de Herédia.

Tomás de 8ousa Rosa.

Vasco Borges.

Vergílio Saque.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alberto de Moura Pinto.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alfredo Ernesto do Sá Cardoso.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Álvaro Xavier de Castro.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Abranches Ferrão.

António Lino Neto.

António Maria da Silva.

António Pinto de Meireles Barriga.

António Vicente Ferreira.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur Brandão.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Bernardo Ferreira de Matos.

Carlos Cândido Pereira.

Constando de Oliveira.

Delfim Costa.

Domingos Leite Pereira.

Ernesto Carneiro Franco.

Feliz de Morais Barreira.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

João José Luís Damas.

João de Ornelas da Silva.

Joaquim Brandão.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Domingues dos Santos.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

Lourenço Correia Gomes.

Lúcio de Campos Martins,

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel do Sousa Coutinho.

Mariano Rocha Felgueiras.

Matias Boleto Ferreira do Mira.

Paulo Cancela de Abreu.

Vitorino Henriques Godinho.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Abílio Marques Mourão.

Afonso Augusto da Costa.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto Lelo Portela.

Alberto Xavier.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Américo da Silva Castro.

António Alberto Tôrres Correia.

António Dias.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Resende.

António de Sousa Maia.

Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Custódio Maldonado de Freitas.

Davi d Augusto Rodrigues.

Delfim do Araújo Moreira Lopes.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Fausto Cardoso do Figueiredo.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco da Cruz.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Germano José do Amorim.

Jaime Duarte Silva.

Jaime Pires Cansado.

João Estêvão Águas.

João Pereira Bastos.

João Pina de Morais Júnior.

João Salema.

João de Sousa Uva.

João Vitorino Mealha.

Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Joaquim Serafim de Barros.

Jorge Barros Capinha.

José António de Magalhães.

José Carvalho dos Santos.

José Cortês dos Santos.

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José Joaquim Gomes do Vilhena.

José Marques Loureiro.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

José de Oliveira Salvador.

José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.

Júlio Henrique de Abreu.

Juvenal-Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Duarte.

Manuel de Sousa da Câmara.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mário do Magalhães Infante.

Maximino de Matos.

Nuno Simões.

Paulo da Costa Menano.

Paulo Limpo de Lacerda.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Rodrigo José Rodrigues.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Tomo José de Burros Queiroz.

Valentim Guerra.

Ventura Malheiro Reimão.

Vergílio da Conceição Costa.

Às 15 horas e 10 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 45 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 28 minutos.

Foi Lida a acta.

Dá-se conta do seguinte

Ofícios

Do Senado, enviando uma proposta de lei que promove a protecção às aves úteis.

Para a comissão de agricultura.

Do Senado, devolvendo com alterações a proposta de lei n.° 476, que regula a forma do pagamento de arrendamentos de prédios rústicos.

Para à comissão de legislação civil e comercial.

Da Câmara Municipal de Portimão, pedindo â rápida discussão do projecto de lei que eleva aquela vila à categoria de cidade.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de

Antes da ordem do dia

O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente: têm-se passado várias sessões na discussão política sôbre a apresentação do Govêrno, havendo tantos assuntos dependentes da comparência dos Ministros para discutir o votar.

Discursos, grandes discursos, e problemas importantes sem solução. As cadeiras destinadas ao Poder Executivo sem os seus representantes e a Nação a sofrer, impassível aparentemente, o embate de paixões políticas; que nada a interessam;

Não posso, portanto, protestar contra o aumento constante do preço dos géneros, e, por isso, limito-me a pedir a V. Exa. o favor de me informar se está já sôbre a Mesa o parecer da comissão de comércio e indústria relativo à lei do inquilinato.

Caso não esteja, peço a V. Exa. a finesa de instar novamente junto da referida comissão, para que dó o seu parecer com a maior urgência a fim do que sôbre ela não caia a responsabilidade do que possa vir a suceder.

Diz-se lá fora que se estão movendo grandes influências e agitando interêsses para entravar a apresentação do parecer, a fim do que a sua discussão não seja feita nesta legislatura.

Aqueles que têm questões a dirimir nos tribunais voem com desgosto que se apressam os julgamentos estando sujeitos a ver as suas causas perdidas e a braços, com mandados de despejo, tantos vozes executados violentamente contra desgraçados a quem põem os trapos na rua o deixam sem saber onde abrigar a família; nem onde encobrir a sua miséria.

Novamente peço a V. Exa., Sr. Presidente, homem honrado, a quem presto as minhas homenagens, a fineza do instar junto da respectiva comissão, para que a lei do inquilinato possa ser discutida urgentemente.

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O Sr. Presidente: — A comissão de comércio já deu o seu parecer, e o projecto transitou para a comissão de finanças.

O Orador: — Nesse caso, peço a V. Exa. que envide os seus esfôrços junto dessa comissão, para que, brevemente, dê o seu parecer.

Tenho dito,

O Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente: desejaria que estivesse presente o Sr. Ministro do Trabalho, para tratar de uma questão importante: o pedido de demissão, apresentado pelo professor Egas Moniz, do lugar de director do Hospital Escolar de Santa Marta.

Sabe V. Exa. e a Câmara, pelo relato dos jornais, que o professor Egas Moniz mandou instaurar um processo disciplinar a um capataz que foi apanhado a roubar no Hospital Escolar, processo por virtude do qual, depois de apreciado o caso pelo conselho disciplinar, foi o argüido castigado com a passagem à, categoria imediatamente inferior.

O Sr. António Correia: - Devia ser demitido.

O Orador: — Tem V. Exa. razão. Foi assim que procedi quando exerci o lugar de director geral dos Hospitais.

Sr. Presidente: depois de lavrada a sentença o processo transitou para o Ministério do Trabalho, onde o Ministro respectivo, baseado não sei em que lei, deliberou mandar, trancar o castigo imposto e substituí-lo pelo de repreensão.

Nestas condições, o Sr. Director do Hospital resolveu abandonar o seu lugar, porque não quere ser cúmplice na roubalheira do capataz, que como disse foi apanhado a roubar uma lata de óleo.

Peço a V. Exa., Sr. Presidente, a fineza de transmitir estas minhas considerações ao Sr. Ministro do Trabalho, independentemente de com S. Exa. aqui conversar sôbre êste caso e, outros análogos, pois êle é de urgente solução, porque representa um desprestígio para o director do hospital.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Continua em discussão o artigo 1.° do projecto relativo ao
parecer n.° 736 (vantagens concedidas à assistência pública). Continua no uso da palavra o Sr. Dinis da Fonseca.

O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: como ia dizendo quando V. Exa. me interrompeu, as Misericórdias não se encontram neste estado de miséria, porque tenham administrado mal os bens que lhe pertenciam e pertencem. As Misericórdias não vêm perante esta Câmara na situação de mendigas, mas como credoras do Estado.

Todos sabem que a quási totalidade dos haveres e bens das Misericórdias são constituídos por títulos da dívida pública, são por conseqüência credoras do Estado e são credoras não voluntárias, mas credoras forçadas do Estado; isto é, foi o Estado que obrigou as Misericórdias a desfazerem-se dos seus bens imóveis e a transformá-los em títulos de dívida interna do Estado.

Sabendo toda a gente que-esses títulos se desvalorizaram, mercê da crise, económica e sobretudo do aumento da circulação fiduciária, levado a efeito pelos Poderes Públicos, evidentemente aquilo que hoje recebem as Misericórdias, como rendimento, não é positivamente aquilo que lhes pertence.

Elas têm uma situação diferente de quaisquer outros credores do Estado.

Poder-se-há dizer que as Misericórdias, pretendem para elas uma situação de excepção que não têm os demais credores, que também têm títulos da dívida pública e, muitas vezes, forçadamente são obrigados a adquiri-los, e estão nas mesmas circunstâncias, vendo os seus títulos desvalorizados pelo Estado.

Mas há uma situação inteiramente diversa, que precisamos de considerar, é que as Misericórdias nem têm outros meios, como sucede aos menores, nem foram credoras voluntárias, como sucede aos particulares.

Foram credoras forçadas e não têm outros rendimentos,, senão títulos da dívida pública, que o Estado obrigou a trocar, a adquirir em troca dos bens imóveis, que valeriam hoje fortunas, se, porventura, o Estado não as obrigasse a vendê-los, e por isso é de inteira justiça que apareçam, como credoras, a exigir que lhes paguem o que lhes devem.

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Não é, por conseguinte, um pedido de beneficência que fazem as Misericórdias.

Não é uma situação de mendigas; é como credoras do Tesouro que temos de as considerar e que pode justificar-se um adicional moderado.

Se o Estado alega a sua pobreza de recursos, não pode alegá-la para deixar de pagar a quem deve, e o Estado, devendo às Misericórdias, tem obrigação de ' pagar.

Por isso, quando encaramos a situação das Misericórdias, como representantes do País, devemos lembrar-nos de que é uma situação de justiça, e não uma situação de favor, de beneficência, a que devemos encarar.

O único argumento que se tem invocado contra, para não dar nada às Misericórdias, é que o Estado não pode, porque não tem recursos.

Seria um acto de justiça, por parte do Estado, valorizar integralmente os rendimentos que pertencem às Misericórdias, o que importaria numa soma realmente exorbitante no momento.

Pois bem. Se o critério de justiça absoluto não é possível de realizar imediatamente, não é isto razão para que ponhamos inteiramente de parte o critério que todos reconhecem que é inteiramente justo, antes devemos buscar aquilo que dentro dele pudermos fazer em beneficio das Misericórdias.

Não pode o Estado fazer às Misericórdias justiça completa, integral, o que seria pagar-lhes inteiramente o que se lhes deve.

Pois bem. Peça-se às Misericórdias uma moratória em parte, mas paguemos paio menos uma parte, valorizemos uma parte dos títulos da dívida pública, dos rendimentos que se lhes devem.

Êste tem de ser o critério, porque, dentro do artigo que estou analisando, o que se não admite é que as Misericórdias sirvam de bandeira para arrancar tributos, com o fim de os distribuir arbitrariamente por todas as instituições que arvorem taboletas de beneficência.

Se não sairmos do critério de justiça, temos de valorizar os títulos da dívida pública, pelos quais as Misericórdias são credoras do Estado e cujos rendimentos há muito se não pagam integralmente.

Para isso, o artigo deve visar a pagar inteiramente às Misericórdias que aparecem na situação de credoras do Estado e outras instituições de beneficência que estejam em iguais circunstâncias, isto é, que se apresentem como credoras do Estado.

A verdade, porém, é que o artigo, tal como se encontra redigido, visa apenas a iludir inteiramente esta situação de justiça.

Sr. Presidente: não é um subsídio que as Misericórdias pedem, não é uma subvenção que elas pedem, pois o que elas pedem, é que o Estado lhes pague o que lhes deve.

Não é, Sr. Presidente, um subsídio que elas pedem, mas sim, repito, que o Estado lhes pague no todo, ou em parte, o que lhes deve.

Poderá, Sr. Presidente, o Estado dizer que não tem recursos, argumento êste que, no em tanto, se não pode admitir, visto que o Estado tem a obrigação de pagar o que deve.

Pode, de facto, o Estado não ter nas receitas ordinárias os fundas necessários para pagar o que lhes deve, e assim, justo é que lance um pequeno imposto; mas, nestas condições, justo é igualmente que êle seja inteiramente destinado a pagar esta dívida, e pagar às Misericórdias no todo, ou em parte, o que lhes é devido.

Devo dizer em abono da verdade que não concordo, nem posso concordar, com o critério dêste artigo, muito principalmente na parte em que se diz que o rendimento será entregue a uma comissão formada por todos os elementos políticos da localidade, que depois distribuirá arbitrariamente o subsídio a essas instituições.

Não concordo, repito, com êste critério, que considero até injusto, tanto mais quanto é certo que êle pode representar «um bodo aos pobres» distribuído pelos políticos da localidade.

Pela minha parte protesto contra êste critério, pois não acho justo que se vá lançar sôbre o País um imposto para êle depois ser distribuído arbitrariamente sem qualquer base ou critério de justiça.

Para se ver bem, Sr. Presidente, a arbitrariedade que existe basta ver o que diz o § 2.°, isto é, que a distribuição do produto do adicional será feita na proporção dos «encargos a descoberto» de cada

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um dos organismos ou institutos de assistência.

Ora esta expressão «encargos a descoberto» poderá dar lugar a muitos abusos.

Os «encargos a descoberto» podem resultar da má administração e desta forma se um subsídio os cobrir representará um prémio dado àqueles que não zelaram como deviam os haveres dos pobres.

Ora êste critério daria lugar a flagrantes injustiças; por esta forma o artigo representaria uma verdadeira burla na qual creio bem que, não desejaria colaborar nenhum dos que se encontram aqui presentes.

Não concordo com êste critério, razão por que em devido tempo mandarei para a Mesa uma proposta de substituição, baseada exclusivamente num critério de justiça.

É preciso atender a que êste artigo, não visa a fazer beneficência a quaisquer institutos.

Nós não temos de fazer beneficência neste momento; estamos aqui para fazer uma lei que leve o Estado a pagar o que deve, o só dentro dêste princípio nós podemos dizer ao Estado que pague, não porque êle possa suportar novos encargos, mas para que seja o primeiro a dar o exemplo de pagar aos credores. E se não puder pagar tudo, ao menos que pague uma parte do que deve às Misericórdias!

E note-se que, propondo isto na substituição que mando para a Mesa, não faço qualquer innovação; foi o que se fez em 1891 quando foram reduzidos os rendimentos dos títulos da dívida pública.

Quem estava no Poder, o Sr. Dias Ferreira, atendeu, como todos os políticos devem acender, à desvalorização dos títulos das Misericórdias, e foi então que se criou no orçamento a verba da «renda perpétua», depois consolidada pelo Sr. Afonso Costa, que não é mais nem menos do que a indemnização dada às Misericórdias e outros institutos que são credores do Estado da desvalorização que em 1891 os seus títulos sofreram.

De forma que o que é que eu peço dentro do critério da justiça que nós devemos colocar?

Que se siga o exemplo de 1891, que se aumente a renda perpétua quando fôr
possível, e isto será possível com a criação dum adicional, mas unicamente destinado a êste fim.

Apoiados.

E ainda eu quero que se atenda por um lado, disso eu, à soma das receitas ordinárias, e por conseguinte serão os rendimentos que o Estado lhes paga desvalorizados, e por outro lado aos encargos de asilagem e hospitalização que as Misericórdias tinham em 1914. Também neste critério não fui inteiramente original, porque não fiz mais do que pagar numa lei assinada pelos Srs. Bernardino Machado, António Maria da Silva e José Domingues dos Santos e tirar dela um critério muito semelhante.

É a lei n.°. 1:139, no seu artigo 5.°

Aqui está a fonte em que me inspirei para redigir o artigo do substituição que vou mandar para a Mesa.

De maneira que, concluindo, neste artigo não há maioria nova; quero apenas que o Estado português faça hoje o que fez em 1891, e se diferença existe é apenas porque o Estado não pode hoje, pelas suas receitas ordinárias aumentar a renda perpétua, e desta forma eu admito que realmente se lance um adicional quanto possível moderado, mas para ser aplicado unicamente a êste fim e não em bodos distribuídos arbitrariamente por comissões de carácter político a todas as instituições que se apresentem, porque isso seria uma burla na qual não desejará colaborar qualquer parlamentar.

Apoiados.

E quanto aos encargos das Misericórdias eu sou tanto mais insuspeito, apesar de ser representante na Câmara dos católicos, que não compreendo neles os destinados a fins pios, mas unicamente aos de asilagem e hospitalização.

Tal foi o critério que me orientou ao propor a substituição. A minha proposta, que mando para a Mesa, é concebida nos termos seguintes:

Proposta de substituição

Artigo As Misericórdias e outras instituições do beneficência com encargos de hospitalização o asilagem receberão, emquanto durar a actual crise económica, uma indemnização anual do Estado, proporcional às suas receitas ordinárias, apli-

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caveis à sustentação dos hospitalizados ou asilados e à média diária dêstes, no triénio do 1914-1916.

§ 1.° Para satisfação dêste encargo fica o Govêrno autorizado a fazer o lançamento dum adicional, até 10 por cento, sabre as contribuições directas do Estado, e cujo produto será exclusivamente destinado ao pagamento das indemnizações a distribuir, segundo a regra indicada.

§ 2.° A indemnização será paga em duodécimos pela Repartição de Finanças do respectivo concelho, no 1.° dia de cada mós.

Em 11 de Julho de 1924.- O Deputado, Joaquim Dinis da Fonseca.

Fui lida na Mesa e seguidamente admitida, entrando em discussão.

O Sr. Paiva Gomes: — Sr. Presidente: se intervenho no assunto em debate é porque sou contrário a esta forma de lançar impostos, tanto mais que é cedo para acudirmos a estas situações, que, porventura, são muito respeitáveis, porquanto, infelizmente, ainda não acudimos à situação do Estado.

Todos sabem, mesmo aqueles que agitam números optimistas, que estamos multo afastados do equilíbrio orçamental, e apesar de todos os esfôrços até hoje empregados ainda não vejo que trilhemos o caminho seguro do equilíbrio orçamental; ainda não vejo que estejamos todos, deliberadamonte, a trabalhar no sentido de procurar para o Estado as receitas indispensáveis para satisfazer os seus encargos.

Se o momento político me aconselhasse, que não aconselha, a alargar mo em considerações sôbre êste tema, iria muito longe; mas, não querendo entrar em considerações vastas, no emtanto pretendo dizer à Câmara, o não ao Govêrno, porque êste ainda não está presente, que mal vai a nós todos se, contando neste momento, como contamos, mesmo até a oposição, com o produto derivado da operação da prata, não nos prepararmos para o momento em que êsse recurso esteja esgotado.

Tenho imenso receio do que hoje, como ontem, sejamos surpreendidos por necessidades imperiosas. Então estaremos com as facas ao peito, para se fazer o aumento dá circulação fiduciária.

E por esta razão que se me entristece a alma ao ver as facilidades com que têm sido votados adicionais para acudir a determinadas situações pessoais e colectivas, situações que, sendo porventura bastante atendíveis, não o podem ser até o ponto de nos levar, para atendê-las, a prejudicar o próprio Estado,

Nestas condições, Sr. Presidente, eu não podia deixar de ser inteiramente contra êste projecto, ainda mesmo que êle tivesse surgido ou devida oportunidade, o que, ainda por cima, não sucedeu.

Dentro do meu raciocínio não cabem outras ideas, e quero crer que ando bem.

Admito que se preste assistência a quem a merece, mas nunca por esta forma.

A máquina dos impostos não funciona bem. As peças não chegam para o seu eficaz funcionamento; algumas delas não prestam; e a multiplicação do trabalho que dela se exige, acentuando ainda mais essas deficiências, dificulta extremamente o regular andamento de todo o maquinismo e impede que elo produza aquilo que nós desejávamos. Há impostos lançados há mais de um ano que ainda se não encontram à cobrança. Sendo assim, como é possível a votação de medidas desta natureza?

No momento em que nós verificássemos que o equilíbrio orçamental havia sido atingido, então sim, eu não teria dúvida em votar um aumento de contribuição para êsse fim, mas, em todo o caso, para ser realizado pelo Estado e não por qualquer estabelecimento autónomo...

O Sr. João Luís Ricardo; — O Estado é que tem prejudicado os interêsses dos serviços autónomos, chegando por vezes a paralisá-los.

O Orador: — Mau é que assim suceda. Mas...casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão.

Àparte do Sr. João Luís Ricardo, que se não ouviu.

O Orador: — V. Exa. considera o Estado como um devedor que não merece a mais insignificante confiança.

O Sr. Jorge Nunes: - E com toda a razão!

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O Sr. Velhinho Correia: — É inacreditável que homens com responsabilidades do Poder estejam a acusar o Estado, quando a culpa de termos orçamentos deficitários pertence exclusivamente ao Parlamento que os tem votado.

O Orador: — O pobre Estado é que é sempre o grande culpado da situação a que o conduziram os poderes públicos. Com que autoridade se vem aqui gritar contra o Estado? Não é possível a vida de qualquer organismo desde que lhe não facultem os meios para viver.

Quanto à autonomia dos serviços autónomos, devo dizer que essa classificação tem por vezes um significado muito curioso.

Autonomia de certos serviços consiste em gastar como, se o dinheiro não fôsse do Estado e pertencesse exclusivamente a êsses serviços. Ainda quando administram bem!

Em alguns serviços do Ministério das Finanças entende-se que as receitas são para gastar...

O Sr. Luís Ricardo: — É uma afirmação de V. Exa.

O Orador: — As verbas orçamentais são para gastar.

Interrupção do Sr. Luís Ricardo.

O Orador: — V. Exa. defende os seus pontos de vista. Agora que tenha procuração dos outros...

Tenho dito.

O orador não reviu.

É aprovada a acta.

Pedidos de licença

Do Sr. Nuno Simões — vinte e cinco dias.

Do Sr. Aires de Ornelas, até 20 do corrente Julho.

Concedido.

Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

Admissão

Projecto de lei

Do Sr. Joaquim de Matos e mais seis Srs. Deputados, mandando ficar adido ao

Liceu Central de Passos Manuel, de Lisboa, o antigo professor do 1.° grupo do mesmo liceu, Manuel Borges Grainha. Para a comissão de instrução secundária.

O Sr. Presidente: — Continua o debate político. Tem a palavra o Sr. Álvaro de Castro.

O Sr. Álvaro de Castro — Sr. Presidente: por mais algum tempo fatigarei a atenção da Câmara.

Ontem fiz uma afirmação por estar convencido que o facto só tinha dado.

O Deputado Sr. Cunha Leal que, infelizmente, se hão encontra presente, disse, em interrupção ao que eu afirmara, que não tinha em nenhum caso apresentado ao Parlamento qualquer proposta para a supressão do imposto pessoal de rendimento.

Eu não teria feito a afirmação que fiz se não estivesse inteiramente convencido do que dizia. No momento não pude verificar os papéis que trazia.

Hoje, porém, posso ler à Câmara o artigo da proposta apresentada pelo Sr. Cunha Leal, Ministro das Finanças de então, em 29 de Dezembro de 1923.

Diz êle:

«É suprimido o imposto pessoal de rendimento».

Era, pois, inteiramente exacta a minha afirmação de ontem, donde concluí que as repartições de finanças que tinham de fazer essa cobrança do imposto pessoal de rendimento não fizeram o trabalho correspondente para essa cobrança, porque o imposto havia sido suprimido.

Na verdade, na declaração ministerial o Sr. Ginestal Machado, então Presidente do Ministério, tem palavras que são de contrapartida do que se encontra na proposta apresentada mais tarde ao Parlamento.

Assim, estão inteiramente justificadas as minhas considerações acerca do imposto de rendimento.

Afirmei que tinha tomado a responsabilidade de fazer cessar êsse trabalho emquanto não estivesse feita a outra cobrança, para se poder efectuar o trabalho, durante o verão, do preenchimento de todos os papéis e documentos nas vá-

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rias repartições de finanças, a fim de se fazer a cobrança dêsse imposto, que está destinado a ser o que mais tarde poderá ser considerado como o que mais receita dá para o Estado.

Qualquer Ministro das Finanças que ali se sentar tem de fazer com que a cobrança atinja o nível que deve atingir.

Verificando os mapas que se referem à liquidação dos meses que decorrem até Abril, vê-se quê os serviços estão infelizmente desorganizados, não só por falta de pessoal, mas por haver pessoal incompetente.

Apoiados.

O pessoal de finanças, pelo seu patriotismo, conseguiu melhorar a cobrança e assim é que as receitas aumentaram aproximadamente 100:000 contos.

Assim se tem conseguido, pelas contribuições votadas pelo Parlamento, evitar o aumento da circulação fiduciária.

Como, não estive presente na ocasião da discussão da lei de meios, preciso justificá-la.

A proposta que apresentei tende a autorizar o Govêrno a cobrar receitas em harmonia com a legislação anterior e Orçamento, de 1923-1924.

O que era norma era apresentar o duodécimo de harmonia com a proposta orçamental do ano anterior, mas isso equivalia a desnaturar o voto do Parlamento, o que era inconstitucional.

Eis porque apresentei na proposta autorização para o Govêrno fazer as despesas, conformo o Orçamento de 1923-19-4, alteradas com as modificações feitas.

Isso representava o desejo de o Govêrno se manter dentro de certos limites e deminuir tanto quanto possível as despesas do Estado, e seria interessante cotejar os respectivos números com o déficit orçamental, como consta da proposta apresentada.

A política do anterior Govêrno, no que diz respeito ao Orçamento, teve a orientá-la um princípio que não pode deixar de ser seguido num país que tem importantes despesas em ouro.

Quem vir o Orçamento constatará que a diferença entre as despesas-ouro e as receitas-ouro eram muito avultadas.

A preocupação do Govêrno para caminhar segundo a desvalorização da moeda não podia deixar de ser aquela que actuaria sôbre o Orçamento para o modificar no sentido de atender às verbas pagas em ouro.

Foi por isso que o Govêrno dirigiu a sua atenção para o aumento das receitas em ouro, e diminuição de despesas também em ouro, modificando o sistema de alcançar ouro.

Não se compreende que na situação em que se encontra o país se pratique como, por exemplo, na marinha, e se compre artilharia de todo o calibre como se estivéssemos em guerra, quando não se devia comprar qualquer espécie de material.

Em outros serviços dos Ministérios se compram cousas como se fizessem colecções de bric-à-brac; até se mandava vir do estrangeiro.

Em alguns serviços manda-se vir material do estrangeiro, dizendo-se que no país custa mais caro, mas esquecendo que essa despesa ficaria na riqueza do país. Tudo isto se deve evitar.

O anterior Govêrno, autorizado pelo Parlamento, actuou nas receitas ouro, elevando os emolumentos consulares e criando certas receitas por vários. Ministérios, como pelo da Marinha, Comércio e outros.

$r. Presidente: bom seria que efectivamente o Parlamento e os Governos estudassem a forma do fazer o aumento das receitas ouro relativamente a outras tributações, porque seria essa a maneira mais rápida de alcançar a estabilização das verbas orçamentais em virtude da anulação de influência do ágio do ouro no Orçamento.

O Govêrno da minha presidência actuou de forma a reduzir a 30:000 contos a diferença proveniente do ágio do ouro.

Se o esfôrço feito neste sentido pelo Govêrno anterior fôr continuado pelo Ministério que actualmente se senta nas cadeiras do Poder, ter-se há dado um passo agigantado para a solução do problema a que ontem se referiu aqui o Sr. Paulo Cancela, quando me preguntou o motivo por que o Govêrno tinha deixado o câmbio a 1490.

É evidente que S. Exa. me fez essa pregunta politicamente.

O Sr. Carvalho da Silva (àparte): — O pior é que nós não podemos pagar politicamente.

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O Orador: — Essa pregunta, evidentemente, teve apenas um sentido, político, porque de contrário deixar-me ia tirar a conclusão de que o Sr. Paulo Cancela desconhece em absoluto êste assunto.

Actualmente as doutrinas financeiras antigas não têm uma aplicação infalível, porque existem outros factores que não são de ordem económica, mas de especulação.

O grande problema do custo da vida só se pode pôr em equação quando o Orçamento estiver equilibrado. É necessário valorizar o escudo, porque o agravamento cambial é uma causa da desconfiança.

É necessário evitar o agravamento da circulação fiduciária, porque é necessário afirmar o equilíbrio financeiro.

O Sr. Cancela de Abreu (em àparte): — Isso são palavras!

O Orador: — Até hoje ainda não conheço outra forma da raça humana manifestar o seu pensamento.

Apoiados.

Sr. Presidente: exposta assim, ràpidamente, a maneira de ser financeira do Govêrno, não quero fatigar mais a atenção da Câmara.

Desejarei, somente, referir-me à política iniciada pelo Ministério do Comércio, política económica e que consistia em fixar a doutrina de que o Estado não deve fazer nenhuma concessão a qualquer empresa que tenha por fim explorar essa concessão, sem que fique participando gratuitamente da sua formação. Assim é que, sem nenhuma lei especial para o fazer, o Govêrno conseguiu que em duas companhias que se organizaram o Estado tivesse participação gratuita do capital, iniciando desta forma uma política de futuros resultados e que tira o Estado da situação em que se encontrava de ceder riquezas formidáveis sem participar de uma maneira directa na sua exploração. Essa política foi iniciada pelo Sr. Nuno Simões que conseguiu vê-la adoptada som diploma legislativo que obrigasse as emprêsas a aceita Ia, mas simplesmente pela circunstância de que o Poder Executivo se podia recusar a fazer as respectivas concessões em termos diferentes.

Estava o Sr. Ministro do Comércio dispôsto a tornar essa política extensiva aos Bancos que pedissem aumento de capital, obrigando emprêsas ou sociedades anónimas a dar ao Estado uma participação do seu capital, de maneira que, além das receitas gerais que por virtude do imposto devem entregar ao Estado, êste participasse, também, dos seus lucros por uma maneira que muito interessaria ao equilíbrio do sou orçamento.

O Sr. Cancela de Abreu (interrompendo): — Que ré dizer: V. Exa. confessa que fez ditadura.

O Orador: — Não há nenhuma ditadura.

Há a aceitação de termos de um contrato e nada mais.

Um àparte do Sr. Carvalho da Silva.

O Orador: — Não quero também deixar de' me referir à elevação a embaixada da nossa representação em Londres.

Isso mostra que a República Portuguesa é prestigiada em toda a parte pelos estrangeiros.

Para terminar ns minhas considerações quero dizer que tenho a esperança de que o bloco parlamentar não se desunirá e que os agrupamentos do Partido Democrático Português, da Acção Republicana, e dos Independentes não se separarão sem ter feito aquela obra financeira e económica que é necessária ao País.

Faço votos por que assim seja, e para que a República não encontre nenhum perigo, não o perigo monárquico, que não é nenhum, mas o perigo de uma situação difícil, e assim continuarei a dar à acção republicana todo o meu esfôrço no sentido de cumprir um programa que não é de um agrupamento, mas da República.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem. O orador foi muito cumprimentado por Srs. Deputados.

O orador não reviu.

O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: tendo pedido a palavra sôbre a ordem, começo por ler a minha moção:

«A Câmara, não confiando no Govêrno, continua na ordem do dia».

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Já, em nome da minoria monárquica, o seu sub-leader o meu prezado amigo Sr. Carvalho da Silva dirigiu ao Sr. Presidente do Ministério e aos seus colegas os cumprimentos da praxe, a -que eu gostosamente me associo.

Sr. Presidente: o Govêrno constituído pelo Sr. Rodrigues Gaspar assenta num bloco constituído pelo Partido Republica-no Português, em cujo nome falou o Sr. Vitorino Guimarães; pela Acção Republicana, em cujo nome falou o Sr. Carlos Olavo, e por independentes, em cujo nome falou o Sr. Pinto Barriga.

Parece que o Sr. Álvaro de Castro, que acabou de usar da palavra, não tendo do se pronunciar em. nome de qualquer dos componentes do bloco, fê-lo em nome do todo êle. S. Exa. não o disse claramente, mas dou-o a entender, além de que, em face do exposto, é essa conclusão que se impõe.

Sr. Presidente: não sei porque, ao atentar neste tacto, me recordo da recepção que ao Govêrno da presidência do Sr. Ginestal Machado fez nesta Câmara o Sr. Álvaro do Castro. O resultado todos nós conhecemos, e foi que o apoio, a breve trecho, se transformou numa manifestação de hostilidade a êsse Govêrno.

Suponho que outro não será o destino que espera agora o Sr. Rodrigues Gaspar, depois do apoio que, em nome do bloco parlamentar, lhe acabou de prometer o Sr. Álvaro de Castro.

Parece-me que o Sr. Rodrigues Gaspar não conseguirá conservar-se naquelas cadeiras sequer durante os 28 dias de Clarinha, que tantos foram aqueles que se manteve no Poder o Sr. Ginestal Machado.

O Sr. Carvalho da Silva (em aparte): — Daqui a pouco é o Ministério Rodrigues Gaspar, em lugar de Gaspar.

O Orador: — De tal modo o Sr. Álvaro de Castro colocou o Govêrno que atacar a obra financeira e desastrosa daquele é combater a obra financeira do actual Govêrno, que assenta no mesmo bloco parlamentar que apoiava o Ministério anterior.

O Sr. Álvaro de Castro, procurando ontem concretizar em frases curtas todo o plano financeiro do Govêrno da sua presidência, disse à Câmara que êsse plano se cifrava em evitar a desvalorização da moeda por meio d um a oposição feroz a quaisquer novos aumentos do circulação fiduciária, embora para isso tivesse de caucionar ou alienar a prata e outros valores do património nacional.

Tal foi, em resumo, a obra do Sr. Álvaro de Castro, e, conseqüentemente, será a do Sr. Rodrigues Gaspar, pois essa é uma das condições sine qua non do apoio indispensável dum dos elementos do famoso bloco.

Mas se é certo, e ninguém o contesta, que o aumento da circulação fiduciária influi na desvalorização da moeda, não é menos certo que ela não é a única causa desta desvalorização.

Para o demonstrar bastará verificar que a circulação fiduciária se encontra actualmente 15 vezes superior ao que era na ocasião em que a moeda estava ao par, e que a desvalorização da moeda se representa pelo coeficiente 30. É inegável, portanto, que há outros factores que influem poderosamente na desvalorização, e entre êsses avulta o factor «confiança».

Para que o Sr. Álvaro do Castro tivesse o direito do vir dizer à Câmara que o Govêrno da sua presidência havia contribuído para melhorar a situação financeira do país, S. Exa. deveria ter antes demonstrado que, pelos seus actos, pelos decretos que o seu Govêrno publicou pelas várias pastas, muitos deles até inconstitucionais, a confiança se, restabelecera. Ora, a verdade é que a desconfiança é cada vez maior, traduzindo-se em dezenas de indicadores iniludíveis.

Essa desconfiança representa a repulsa de todos os portugueses pela obra económica e financeira que a República vem realizando.

Mas essa demonstração o Sr. Álvaro de Castro nem sequer tentou fazê-la.

Foi melhor assim, porque ir aos credores externos e reduzir os juros da respectiva dívida do Estado, embora essa dívida tenha garantias especiais, agarrar na prata, que caucionava parte da circulação fiduciária, o mandá-la pela barra fora, pegar em todos os outros valores ouro e expatriá-los, pretender introduzir o Estado na direcção do Banco do Portugal, levando para lá os processos de administração, ou melhor, de desadminis-

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tração, se assim me é lícito exprimir, que tornaram célebres os Bairros Sociais, os Transportes Marítimos, etc., tudo isto, e muito mais, que, por brevidade, omito, não é por forma alguma contribuir para restabelecer a confiança; isso não serve, ao contrário, senão para aumentar a desconfiança e para acabar de destruir o crédito do Estado.

Tal é, em resumo, a obra do Govêrno do Sr. Álvaro de Castro! Tal é a obra que o novo Ministério promete continuar!

Sr. Presidente: como ontem muito bem salientou, num àparte, o meu querido amigo Sr. Cancela de Abreu, àparte que, ao que se deduz da resposta do Sr. Álvaro de Castro, o feriu fundamente, o Govêrno anterior, tendo encontrado o câmbio que êle se propunha melhorar numa determinada divisa, deixou-o numa divisa agravada, tendo passado a libra de cêrca de 120$ para cêrca de 160$.

Como é, Sr. Presidente, que perante a evidência dos factos, porque os factos são êstes, como é que depois dos resultados insufismáveis S. Exa. ousa dizer que a obra do seu Govêrno teve principalmente? em vista evitar a desvalorização da moeda?

Pois se era êsse o seu principal objectivo, êle falhou por completo.

Quando ontem o Sr. Álvaro de Castro se insurgia contra novos aumentos de circulação fiduciária, aumentos que no emtanto o Govêrno da sua presidência decretou ou sancionou, S. Exa. foi muito apoiado por alguns Srs. Deputados da esquerda da Câmara, isto é, por muitos daqueles que já durante o período da actual legislatura, contra o nosso voto,-com a nossa formal oposição, votaram aumentos, mais de um, dessa mesma circulação fiduciária, que declaram abominar.

Nós, dêste lado da Câmara, somos dos poucos que em todos os pedidos de aumento de circulação fiduciária, que têm sido o pão nosso de cada dia nestes dois anos e meio decorridos da actual legislatura, temos sido dos poucos que continuamente, sem uma única excepção, temos combatido à outrance êsses aumentos de circulação fiduciária, e muitos daqueles que, como o Sr. Velhinho Correia, agora se insurgem contra êsses aumentos, muitos daqueles, que como S. Exa. ontem
apoiavam com veemência o Sr. Álvaro de Castro na sua sanha anti-infla-cionista, os votaram aqui, sendo para notar que o mesmo Sr. Velhinho Correia, que ora aparece à fronte dos defiacionistas, não hesitou até, sem voto do Parlamento até, em decretar ilegalmente o lançamento de novas notas na circulação.

O Sr. Velhinho Correia: — Pela parte que me toca já V. Exas. sabem que não foi ilegalmente.

Na lei existe a palavra irregular, não existe a palavra ilegal.

O Orador: — É a mesma cousa.

O que tem de se regularizar é porque está irregular, está contra a regra, está fora da lei, é ilegal.

O Sr. Velhinho Correia: - V. Exa. tem na lei a confirmação da interpretação que eu dei aos textos.

O Sr. Cancela de Abreu: — Foi até preciso um bill da Câmara.

O Orador: — Não tem razão o Sr. Velhinho Correia.

Tanto o aumento de circulação fiduciária que S, Exa. autorizou, foi ilegal, ou o mesmo é dizer irregular, que foi por isso que teve de deixar o Govêrno perante uma moção de censura dos seus próprios correlegionários; foi até necessária uma lei posterior, quando S. Exa. já deixara de ser Ministro, tendente a regularizar aquilo que não estava regular, porque S. Exa. saltando por cima dos textos da lei, tinha aumentado a circulação fiduciária além dos limites que o Parlamento tinha autorizado.

Sr. Presidente: o Sr. Álvaro de Castro, ao abandonar o Govêrno, enviou para os jornais uma nota de carácter oficioso, declarando que o Govêrno havia resolvido suspender a operação que privativamente decretara em relação à prata, e já ontem a êste respeito o meu ilustre colega, Sr. Carvalho da Silva, no seu tam. eloqüente como substancioso discurso, formulou concretamente ao actual Sr. Presidente do Ministério uma pregunta a que não dispensamos uma resposta clara e concreta para saber se

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S. Exa. mantém o ponto do vista do Govêrno anterior, ou só S. Exa., consciente da oposição tenaz e violenta que essa medida injustificada e ruinosa levantou, no país, se S. Exa. determinará, quanto à prata já expatriada, que ela regresse ao sítio de onde nunca devia ter saído, e, quanto à restante, que se não efectivem as disposições do Govêrno transacto.

Sr. Presidente: o Sr. Álvaro de Castro declarou ontem que se ninguém queria tomar a responsabilidade de haver mandado alienar a prata, que êle se sentia com coragem para arcar com essa responsabilidade, e que a si exclusivamente a avocava.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Não é exacto. Não esteja V. Exa. a especular com o que se não disso.

O Orador: — Sr. Presidente: se o Sr. Deputado que me interrompeu, tivesse seguido a discussão com a atenção que devia, não iria afirmar que o Sr. Álvaro de Castro não dissera o que eu lhe atribuí; para exercer a minha acção política não careço de fazer especulações, não estou senão a reproduzir aquilo que o Sr. Álvaro do Castro ontem declarou à Câmara; fique-o sabendo o Sr. Deputado que tam intempestiva e infundadamente me interrompeu. A questão é só com o Sr. Álvaro Vê Castro; a S. Exa., que me está escutando, se eu nalguma cousa, pouco que seja, alterar as palavras que S. Exa. ontem aqui proferiu, peço-lhe até o favor do me rectificar, pois só quero argumentar com a verdade.

O Sr. Áivaro de Castro, repito mais uma vez, declarou ontem que só ninguém queria tomar a responsabilidade das providencias relativas à alienação da prata que S. Exa. entendia que já vinha do Governos anteriores, disse-o em resposta ao Sr. Cunha Leal, que êle chamava para si essa responsabilidade porque muito bem podia arcar com ela.

O Sr. Álvaro de Castro: - V. Exa. dá-me licença?

Há dois factos perfeitamente distintos.

A lei que foi aprovada pelo Parlamento determinava a venda da prata dentro do prazo de um ano.

A lei diz precisamente «a venda da prata», e esta venda devia ser feita dentro de um ano.

É na verdade muito inteligentemente andou a Câmara dos Deputados, porque se se tivesse feito a venda logo ter-se-iam perdido algumas centenas de contos.

A responsabilidade que assumi depois não foi só de pegar na prata, e vendê-la, para a transformar em ouro, mas também a do colocar êsse ouro em operações tendentes a equilibrar o Orçamento.

O Orador: — É exactamente o que eu estava a dizer; o Sr. Carlos do Vasconcelos é que percebeu mal.

Havia uma lei votada no Parlamento que permitia a alienação da prata, mas ficando em vez dela valores efectivos em ouro, e o Sr. Álvaro de Castro assim o reconheceu precisamente num decreto publicado em 11 de Fevereiro do 1924, o decreto n.° 9:415, embora aí atribua alei a faculdade para vender.

No artigo 1.° o Govêrno determinou que no acordo ou acordos a celebrar entre o Govêrno e o Banco de Portugal se estabeleceria, entre outras cousas que para o caso não vêm, o seguinte:

1.ª Que a venda autorizada da prata se efectue como e quando o Govêrno o entender oportuno;

2.º Que o valor efectivo em ouro, proveniente da referida prata, possa ser livremente utilizado pelo Govêrno, caducando conseqüentemente a obrigação de êsse valor ouro ficar em depósito, a que só refere a base 3.ª do contrato do 7 de Junho do 1923.

Ora aqui está. Esta última parte é que não estava autorizada por lei.

A lei autorizava a troca, não a venda, da prata por ouro, mas não consentia que se aplicasse êste ouro senão nas operações que a prata estava caucionando.

Apoiados.

Não havia, por lei, nenhuma alienação a fazer; simplesmente se mandava converter a prata em ouro.

Logo as responsabilidades do Sr. Álvaro do Castro começara quando, ao contrário do que dispunha a lei, S. Exa. determinou que os valores efectivos em ouro ficassem livros do depósito a que estacam sujeitos, para livremente poderem ser empenhados ou alienados.

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A troca da prata, permitida por lei, tinha um objectivo vantajoso: transformá-la em ouro, mas o novo valor efectivo em ouro assim obtido ficaria em depósito no Banco de Portugal, em conta separada, em quanto a soma total dos suprimentos do Banco ao Govêrno não fôsse reduzida ao saldo de 31 de Dezembro de 1920, tal é o preceito da referida base 3.a do contrato de 7 de Junho de 1923.

É pois muito diferente aquilo que a lei n.° 1:424 permitia que se fizesse com a prata daquilo que o Sr. Álvaro de Castro a si próprio, por decreto seu, se autorizou a efectuar.

Difere como o dia difere da noite.

A verdade é que por um decreto ditatorial, publicado abusivamente à sombra de uma autorização que dava ao Govêrno poderes tam somente para influir nas divisas cambiais, o Sr. Álvaro de Castro contrariou uma disposição da lei, substituindo-a pelo seu arbítrio, prejudicialíssimo para o crédito da Nação.

Sr. Presidente: não extranhe V. Exa. que eu me refira tanto à obra financeira do Sr. Álvaro de Castro, tendo S. Exa. já abandonado o Govêrno, mas se o faço é por duas considerações.

A primeira é que êste Govêrno parece estar animado do espírito de continuar a obra financeira do seu antecessor, sem o que mesmo não pode contar com o apoio do bloco, apesar de dêste fazerem parte os democráticos que deitaram abaixo o Sr. Álvaro de Castro, por dessa obra financeira discordarem; a segunda é que se depreende do debate travado, e designadamente do discurso do ex-Presidente do Ministério, que o Sr. Rodrigues Gaspar está no Poder desempenhando uma interinidade de curta duração e que o Sr. Álvaro de Castro se habilita a retomar dentro em pouco tempo a chefia do Govêrno.

Pareceu ao Govêrno do Sr. Álvaro de Castro que o dito decreto n.° 9:415, de 11 de Fevereiro último, em que êle a si próprio se arrogava afoitamente o direito de utilizar livremente o valor efectivo em ouro, proveniente a prata, ainda não lhe dava todas as facilidades de que êle entendia carecer para, na operação que tinha em mente, se desprender das peias das leis da contabilidade; e, então, o Sr. Álvaro de Castro, cuja funesta e desastrada política financeira êste Govêrno vai

ao que parece continuar, pois se o não fizer logo lhe faltará, repito, o apoio de uma parte importante do bloco parlamentar em que assenta, publicou em 21 de Fevereiro do ano corrente um outro decreto, que é tudo quanto há de mais extraordinário, decreto que está escrito propositadamente em linguagem confusa, para que o público não possa à primeira leitura apreender o que nele se contém!

Se a operação que o Govêrno queria efectuar lhe parecia inteiramente legítima dentro das autorizações de que estava munido, se o Govêrno se sentia à vontade para decretar a expatriação da prata e até a sua -alienação, sem peias de qualquer natureza, porque é que o Govêrno o não declarou em linguagem bem portuguesa, em linguagem que todos entendessem, sem refolhos, sem ambigüidades e sem sofismas?

Eu vou ler os termos confusos, emaranhados, retorcidos, em que esta autorização se encontra redigida, para que V. Exa. e a Câmara possam ver bem que o Ministro das Finanças, o assinar êste decreto, tinha bem a consciência de que as autorizações que a Câmara dera ao Poder Executivo para tomar apenas (e já era muito) providências directamente tendentes a obter a melhoria cambial, não lhe permitiam fazer aquilo que S. Exa. fez.

O decreto de 11 de Fevereiro dizia, como vimos, que o Govêrno poderia utilizar livremente o valor efectivo, proveniente da troca da prata.

Mas utilizar livremente chega para dar como penhor, mais para expatriar, para alienar?

E, ainda quando se entendesse que sim, aquele «livremente», não podia significar outra cousa senão a independência da caução dada à circulação fiduciária.

Mas há as leis da contabilidade, que impõem formalidades incómodas, que é preciso arredar.

Para tanto é que se promulgou um outro decreto, o decreto n.° 9:437, de 21 de Fevereiro em que se desenvolve toda a astúcia para, que o público não possa perceber bem aquilo de que se trata.

Êste decreto, Sr. Presidente, tem cinco artigos, apenas cinco artigos, mas os bastantes para acabar com as últimas restrições ao arbítrio governamental. V. Exas. vão ver de que artifícios de linguagem,

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de que circunlóquios o de que contradanças de orações o autor dêste decreto só serviu para esconder o seu pensamento.

Sr. Presidente: a propósito de um aparto que eu ouvi ontem ao ex-Presidente do Ministério, que disse que não sabia para que tinha sido dada a palavra, senão para exprimir o pensamento, atentando bem na redacção dêste decreto, sou levado a lembrar à Câmara, a frase célebre de Tayllerand, de que a palavra fora dada ao homem para encobrir o seu pensamento.

Tem, Sr. Presidente, como acabo de dizer, cinco artigos o famoso decreto n.° 9:437.

O artigo 1.° determina que «o fundo especial em valores-ouro constituído na Junta do Crédito Público por virtude do decreto de 24 de Dezembro do 1924 (isto é, o fundo dos conventos de religiosas suprimidos), será transferido, no estado em que se encontrar, para as caixas centrais da Direcção Geral da Fazenda Pública, ficando à ordem do Ministro das Finanças, que poderá com êsses valores-ouro realizar, com dispensa de quaisquer prévias formalidades prescritas nas leis, todas as operações de transformação para a mobilização deles que entender mais convenientes o úteis para a melhoria da situação económica do País».

Vejam V. Exas. como começa aqui a confusão propositada.

Os fundos-ouro que estavam na Junta do Crédito Público passaram para a, Caixa Central da Fazenda Pública, ficando à ordem do Ministro das Finanças, que poderá com êsses valores-ouro realizar, com a dispensa do quaisquer prévias formalidades prescritas nas leis, todas as operações de transformação para a sua mobilização!

Transformação para mobilização é um eufemismo elegante, mas escuro, de alienação ou venda.

Mas há mais.

O artigo 2.° permite as mesmas operações, com dispensa também de todas as formalidades, em relação aos demais valores-ouro da mesma natureza, que já eram pertença do Estado o estavam na sua posse, bem como em relação àqueles que voltarem à sua plena posso depois de vencidas as operações efectuadas com a caução dêsses valores!

Perceberam V. Exas. bem? Não, por certo.

Era isso mesmo o que pretendia o autor do decreto.

Êstes últimos valores-ouro, que voltarem à plena posse do Estado depois de Vencidas as operações que êles caucionavam, são, vamos lá a ver se adivinham, são ... a prata.

Com eleito, esta, cuja conversão em valor-ouro tinha, sido autorizada, estava a caucionar pai te da circulação fiduciária e só voltaria à plena posse do Estado depois do feito o novo contrato com o Banco de Portugal.

É preciso ter-se muito desejo de ser propositadamente escuro, para assim se empregar, num diploma oficial, um circunlóquio tam encobridor da verdade.

Pois ainda não liça por aqui a adrede misteriosa redacção dêste celebérrimo decreto.

Como o que afinal se pretendia era chegar à alienação da prata, pondo de lado as formalidades da lei da contabilidade, que não consentem alienações som o cumprimento prévio de concursos públicos, e como ainda restasse a dúvida de que o que estava para Irás permitia, do facto, ir até à alienação, nessas condições, ou, melhor, sem condições, o decreto di-lo mais precisamente no artigo 4.°, mas, como era preciso não despertar a atenção pública, a confirmação aparece sob a forma de uma oração condicional:

Artigo 4.° «Se das operações do transformação a que se referem os artigos 1.° o 2.° dêste decreto resultar a entrada nos cofres do Tesouro de somas em escudos, estas somas serão escrituradas em rubrica especial».

Aqui tem V. Exa., Sr. Presidente, como neste artigo se corta a dúvida de que «as operações do transformação para mobilização» (que, à cautela, não se declaravam expressamente quais eram o, sobretudo, se mantinham veladas quanto à prata) podiam ir até à alienação.

Pois se delas podia resultar a entrada de escudos nos cofres do, Tesouro em troca!

O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): — Tudo isso é permitido pelas leis

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que autorizam o Poder Executivo, quando o Orçamento esteja desequilibrado, a dispor da prata.

Êste é o fundamento legal.

O Orador: — Não autorizam tal.

Sinto que V. Exa. não tivesse ouvido as minhas considerações, pois foi o próprio Govêrno que reconheceu que a prata não podia ser utilizada livremente, tendo tido, para assim o fazer, de publicar o primeiro decreto a que me referi, em que se diz expressamente que por êle, e só por êle (embora abusivamente, por o Govêrno a tanto não estar autorizado) caducava a obrigação dela ficar em depósito, como já há pouco o demonstrei, não podendo estar sempre a repetir a mesma cousa.

O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo): — Eu fiz isso por uma autorização parlamentar.

O Orador: — Peço perdão, mas a autorização parlamentar só autorizava V. Exa. a decretar as providências que directamente influíssem no câmbio.

Nenhuma autorização foi dada ao Sr. Álvaro de Castro para dispor da prata, e muito menos com dispensa de quaisquer prévias formalidades prescritas nas leis.

Não há lei alguma, recente ou antiga, em que isto pese ao Sr. Velhinho Correia, que autorize a alienar o património do Estado, muito menos, repito, pela forma como se fez.

Então as peias, as restrições, as cautelas e garantias são apenas para as pequenas operações, e dispensam-se para as grandes?

Para comprar canetas, papel, mata-borrões ou quaisquer outros insignificantes artigos para o expediente dos Ministérios é preciso concursos públicos, e só quando se trata da alienação de caução de valores tam importantes, como são a prata e os valores-ouro a que aludi, é que se dispensam todas as formalidades?

E há aqui ainda a agravante de que o Sr. Álvaro de Castro fez sair a prata quando o seu Govêrno já havia pedido a demissão.

Tal acto, a seguir ao da reducção dos juros dos empréstimos-ouro e ao da preparação do futuro salto sôbre o Banco de Portugal, com revogação até de artigos do Código Comercial, decretada sempre à sombra da famosa autorização para intervir directamente nos câmbios, arrasou por completo o crédito do Estado, acentuou a bancarrota, a impressão da liquidação final e deu novas asas à desconfiança, um dos elementos mais poderosos da desvalorização da moeda e do encarecimento da vida.

Mas não foi apenas defraudando os credores da dívida externa e os da dívida dos Tabacos, não foi apenas alienando os valores-ouro do Estado, expatriando a prata e o cobre, que o Sr. Álvaro de Castro aumentou espantosamente a desconfiança geral - factor êste poderosíssimo do agravamento da divisa cambial.

Para aquela desconfiança contribuí muito, também, a convicção, a certeza do caos em que se encontram as contas públicas, inteiramente à matroca, sem regra nem fiscalização.

Basta acentuar o que se tem passado com as contas famosas das cambiais da exportação e reexportação, desde que há dois meses e meio eu aqui levantei essa questão.

Os jornais de 29 de Abril publicaram todos uma exposição da acção financeira do Govêrno, que o Sr. Álvaro de Castro lera na véspera, solenemente, aos representantes da imprensa de Lisboa e Pôrto.

Nessa exposição continha-se a revelação de uns números tremendos no que respeitava àquelas cambiais.

Tendo o Estado, desde 26 de Julho de 1922, o direito de reter à sua ordem 50 por cento do seu valor, êste, até 31 de Dezembro último, elevou-se, no dizer do Sr. Álvaro de Castro, a 642:324 contos, números redondos.

«E o valor global em escudos dessas mesmas cambiais (não outras) que foram lançadas novamente no mercado livre, por meio de vendas e outras operações, foi de 517:613.535$39, aproximadamente» — disse então ainda, textualmente, na sua exposição escrita, o ex-Presidente do Ministério, que acrescentou que só uma «parte muito reduzida dessas cambiais», foi empregada para a adquirição de trigos e outros cereais.

Fazendo o balanço das duas verbas es-

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capadas ao Ministro das Finanças de então, achei a diferença de 124:710 contos, números redondos, de prejuízos, quando o agravamento sucessivo do câmbio deveria ter ocasionado lucros importantes.

Pois não só êstes não apareciam, como, em seu lugar, surgiam prejuízos avultadíssimos.

Logo que consegui ter a palavra, nos primeiros dias de Maio, chamei a atenção da Câmara e do Govêrno para o misterioso caso, reclamando que as contas detalhadas e claras fossem publicadas.

Disse-me, então, em resposta, o Sr. Álvaro de Castro, que as contas iam ser publicadas e que, quanto aos prejuízos apontados, havia que rectificar o balanço, entrando em linha de conta com as cambiais que àquela data de 31 de Dezembro de 1923 se encontravam em poder do Banco de Portugal.

Achei a observação justa, mas não tinha à mão os elementos precisos para, no mesmo momento, fazer a precisa rectificação.

Indo buscar êsses elementos ao relatório do Banco de Portugal, a minoria monárquica verificou existirem lá cêrca de 50:000 contos de cambiais no fim do ano, o que baixava a diferença estranhada d© 124 para cêrca de 74:000 contos.

Quere dizer, continuava a haver prejuízos ainda formidáveis, quando só lucros se justificariam, o que o meu ilustre amigo, Sr. Carvalho da Silva, verberou com veemência extraordinária.

Continuámos, portanto, nós dêste lado da Câmara, a reclamar luz, muita luz, luz plena, para que pudesse começar a ver-se claro nas contas do Estado, até então imersas em trevas densas.

O Sr. Álvaro de Castro prometendo sempre atender às instâncias cada vez mais apertadas da minoria monárquica, apoiada largamente pela sua imprensa tam insigne, o certo é que pretextava ora uma cousa ora outra para desculpar a demora na apresentação das contas.

Até que um dia, o Sr. Vitorino Guimarães, que até aí se mostrara surdo a tanta reclamação, acorda do seu torpor, e, em manifesto entendimento com o Presidente do Ministério de então, pede a êste que ponha tudo em pratos limpos, para acabar com a especulação que a minoria monárquica vinha fazendo.

E vai daí o Sr. Álvaro de Castro e saca da algibeira um papel com uns números, que S. Exa. leu entre a gritaria da maioria, afrontada com os manejos da alta finança, dizendo que aquilo era um resumo, que a conta definitiva e completa breve seria publicada no Diário do Govêrno, mas que mesmo assim resumido bastava a sufocar os protestos da oposição monárquica.

Não conseguimos que nos fossem facultados os números para os examinarmos, nem sequer a mim me foi lícito, por violência da Presidência, usar da palavra para explicações.

Mas, no dia seguinte, vinha publicada, uniformemente, em todos os jornais, a tal perlenga em algarismos do Sr. Álvaro de Castro.

Imediatamente vim a esta casa do Parlamento e afirmei que êsses números estavam errados.

Era assim que no mapa, que se dizia representativo do movimento das cambiais desde 26 de Julho de 1922, aparecia, sob letra B, uma operação em que só achavam 715:000 contos, pela adição de quatro parcelas, duas das quais de 517:000 contos, cada uma!

Uma destas parcelas era dada como o valor das cambiais gastas pelo Estado na compra de trigos e arroz, isto é, era uma parcela que absorvia quási o valor total das cambiais adquiridas pelo Estado, quando o Sr. Presidente do Ministério dissera na sua exposição que «só uma parte muito reduzida» tivera êsse emprego.

Perante esta evidência, o Sr. Álvaro de Castro, só encontrou uma saída na afirmação de que os seus números estavam certos, e que o engano devia ter sido na cópia feita pelos jornais, mas que ia providenciar e que os números exactos nos seriam fornecidos.

Meteu-se depois muita cousa de permeio: o conflito dos correios, o da aviação, a crise ministerial, etc.

E, entretanto, tanto tempo decorrido e não só a conta detalhada, minuciosa, não apareceu, como nem sequer me foi facultado ver, a mim que sou representante da Nação o que em nome dela reclamava, a cópia autêntica, senão o original, do papel lido à Câmara pelo -Sr. Álvaro de Castro, em desagravo das atoardas

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e das especulações da minoria monárquica!

Mus o diabo tece-as o, há uns três dias, é distribuído o Diário da Câmara dos Deputados, relativo à sessão do 30 de Maio de 1924 e lá vem, querem V. Exas. saber o quê? o mapa referido pelo Sr. Presidente do Ministério de então, reproduzindo, palavra a palavra, número a número, aquilo que os jornais haviam publicado e que estava errado.

Os números lidos à Câmara pelo Sr. Álvaro de Castro são, pois, errados!

O engano não foi da imprensa, o engano foi do Sr. Ministro das Finanças.

É na realidade para verberar indignadamente que num assunto de tal monta se forneçam ao Parlamento elementos com a veracidade daqueles.

Que é no fundo a conta das cambiais, o que é que ela deve conter?

Representa o movimento das cambiais que para o Estado têm no momento das exportações e das mesmas que larga depois, lançando-as no mercado.

Por cada cambial adquirida, o Banco do Portugal adianta o dinheiro, emitindo as respectivas notas; por cada cambial utilizada pelo Estado, o Banco recebe o dinheiro e recolhe as notas emitidas.

Onde estão as contas dêste movimento, onde os elementos detalhados para apreciar os lucros ou perdas das operações efectuadas?

Tal mio se encontra nos números até agora revelados; mas, em compensação, acha-se lá o seguinte, que é espantoso, inacreditável.

Prepare-se a Câmara para um facto inaudito, verdadeiramente revelador do caos em que tudo isto anda, para uma revelação sensacional.

Na coluna das vendas, onde vêm as parcelas que, somadas, dão um total muito mais alto do que aquele indicado do 715:000 contos, lê-se, textualmente, o seguinte, que chega a parecer invenção:

«Deduzindo daqui o produto de cambiais que foram, incluídas no regime de exportações, mas adquiridas directamente no mercado, na importância de 77:205.065$80, obtém-se o número de 038:668.907$».

A diferença achada pouco importa, como pouco importa toda a conta fornecida, que é um embróglio, uma mistificação, uma comédia para tentar encobrir a verdade, não fornecendo as contas completas.

O que interessa é a resolução do mais uma confusão horrorosa dêste caos pavoroso, que já fez dizer aqui um dia ao Sr. Cunha Leal que o Estado não tem contas.

Pois então vai-se a uma conta especial, exclusivamente destinada ao movimento de cambiais da exportação e da reexportação, e introduzem-se lá cambiais que foram adquiridas directamente ao mercado?

Quero dizer, das cambiais da exportação o Govêrno vende, a maior parte a particulares, para depois as ir comprar aos mesmos ou a outros particulares.

É preciso notar isto: Se o Estado carecia das cambiais — e tanto que adquiriu directamente no mercado 77:000 contos delas — para que é que as venderam antes? Como explicar êste acto de loucura? Para se chegar a um suposto equilíbrio? Isto é muito grave e tem de ser apurado.

Venham contas, contas claras, detalhadas, completas.

Estou cansado do as reclamar do Sr. Álvaro do Castro, que não me atendeu.

Veremos se o Sr. Daniel Rodrigues faz aquilo que o seu antecessor não quis, ou não pôde fazer. Mas, se não pode é porque há alguma cousa de muito grave que, a todo o custo, se procura ocultar ao país.

Mas as contas que a minoria monárquica exige são as que a lei ordena que se façam, e não o conto do vigário do Sr. Álvaro de Castro.

O § 2.° do artigo 8.° da lei n.° 1:424 manda:

«Semestral mente o Govêrno apresentará ao Parlamento o estado da conta referente ao fundo de maneio de que trata êste artigo (para o serviço das exportações com aplicação imediata à aquisição das respectivas cambiais), designando claramente as diferenças de câmbio apuradas a favor ou contra o Estado nas operações realizadas».

Venham as contas. A relutância em as, prestar, a recusa dos esclarecimentos pedidos, a demora em concluir o que devia

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estar escriturado dia a dia, tudo isto dá que pensar. Venham as contas.

Sem elas, a desconfiança, a que não faltam, infelizmente, tantas outras causas geradoras, não pode senão acentuar-se mais e mais.

Aos olhos do todos vai-se firmando esta verdade, que para nós de há muito é um axioma, que os escândalos sucessivos não fazem senão confirmar: República e confiança são termos que se excluem.

Repito mais uma vez: parece que estou a bater num morto que é o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro.

Não estou, não se trata dum morto. S. Exa. está ali à espera de qualquer dia, e muito breve, se ir sentar de novo naquele lugar que hoje ocupa o Sr. Rodrigues Gaspar, cujo Govêrno durará aproximadamente aquele tempo que durou ô Ministério da presidência do Sr. Ginestal Machado.

Não apoiados do Sr. Álvaro de Castro.

Tenho o pressentimento de que o Sr. Rodrigues Gaspar o mais que conseguirá é fazer naquele lugar os vinte e oito dias de Clarinha, que pôr lá se conservou o Sr. Ginestal Machado, a quem o Sr. Álvaro de Castro prometera o apoio com que disse que poderia contar o actual chefe do Govêrno.

Passando agora a ocupar-me doutro assunto, mostrarei, Sr. Presidente, com números oficiais, que o Ministério transacto, no curto prazo de seis meses, arrancou ou propôs-se arrancar para cima de 300:000 contos ao contribuinte.

Façamos a soma indo buscar os números ao relatório de que o Sr. Álvaro de Castro fez preceder a lei de meios e que aqui nos trouxe poucos dias antes de cair. São, pois, números frescos.

Importância do aumento dos emolumentos consulares decretados ditatorialmente à sombra da famosa autorização que aliás, expressamente, excluía qualquer agravamento de impostos, 50:000.000$; aumento de diversos, outros emolumentos decretados também em ditadura, 10:000.0005.

Tudo isto, repito, não são números meus; são números fornecidos pelo Sr. Álvaro de Castro no relatório de uma proposta apresentada a esta Câmara.

Taxas novas de sêlo, já em vigor, 20:000.000$; aumento calculado na contribuição predial rústica, por fôrça da chamada proposta da actualização dos impostos, 30:000.000$; novas verbas de imposto do sêlo, já aprovadas nesta Câmara e no Senado, a entrarem brevemente em execução, 40:000.000$.

Tudo o que, somado, perfaz um total de 155:000.000$.

Mas há mais.

Agravamento das taxas de contribuição de registo, já proposto, previsto em 10:000.000$. Novos adicionais, propostos também, para melhorias, 56:950.000$; dinheiro que o Estado vai arrancar ditatorial e violentamente aos seus credores, 34:000.000$ aos da dívida externa e mais 30:000.000$ aos dos chamados empréstimos dos tabacos, ou sejam 64:000.000$, o que eleva aquele total a 285:950.000$, acrescidos ainda com os impostos novos que S. Exa. na sua mesma declaração ministerial, no relatório, anunciou, na importância de 25:000.000$. Obtém-se assim o total geral de 310:950.000$!

E note a Câmara que ainda há, além disto, novos impostos propostos, resultantes da actualização da contribuição industrial, da de registo e de taxa militar.

Quere dizer, são mais de 300:000.000$, não entrando em linha de conta com estas actualizações, que o Sr. Álvaro de Castro, para equilibrar supostamente o orçamento, pensou poder arrancar ao desgraçado contribuinte português no curto prazo de seis meses!

Mas, Sr. Presidente, nós vemos na lei orçamental, que estava em vigor para o ano económico que terminou em 30 de Junho último, que as receitas estavam calculadas em 707:717.000$, o que significa que o Sr. Álvaro de Castro julga ser possível pedir, num repente, a um país, mais 50 por cento dos impostos que êsse país estava pagando.

Mas que idea faz S. Exa. da elasticidade da fortuna dos particulares!

Arrazar esta com impostos é matar a galinha dos ovos de ouro.

Que são afinal as receitas do Estado, senão uma cota parte dos rendimentos da fortuna dos particulares?

Mas então é possível ir estancar assim semelhante fonte de receita. Quere que sobrevenha, pelo jôgo inevitável das repercussões naturais, um tremendo cataclismo económico?

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Sr. Presidente: é esta a obra financeira do Sr. Álvaro de Castro, obra perfilhada pelo bloco em que se apoia o Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar, Govêrno que está destinado a cair logo que se afaste dós te caminho, que é um autêntico despenhadeiro financeiro.

Eu espero que o Sr. Rodrigues Gaspar, melhor elucidado, prefira abandonar brevemente o poder, cumprindo-se assim o meu vaticínio, do que ele não fará os vinte e oito dias de Clarinha, a ter de prosseguir numa obra que conduziria fatalmente a um estrondoso desastre financeiro.

Não quero alongar-me em considerações; sinto mo já fatigado; mas não terminarei sem dizer ao Sr. Presidente do Ministério que nós aguardamos que S. Exa. responda, por uma forma clara e concreta, às preguntas que dêste lado lhe foram formuladas. Esperamos que S. Exa. diga o que pensa sôbre a operação da prata que o Sr. Álvaro de Castro, segundo consta do uma nota oficiosa publicada nos jornais, mandou suspender, decerto para colocar logo de início em más circunstancias o actual Govêrno, arcando com a impopularidade da expatriação da prata, se levar a cabo a operação iniciada,

O Sr. Álvaro de Castro: — Não mandei suspender. A prata está em depósito.

O Orador: — Mas, se não está ainda obrigada por qualquer forma, como me parece poder depreender-se das palavras do Sr. Álvaro de Castro, está o Sr. Rodrigues Gaspar com as mãos livros para proceder como entender. Tanto melhor. Pedimos, pois, a S. Exa. que nos esclareça dizendo só é seu propósito mandar regressar a prata onde estava, que é o ponto de vista pelo qual propugnará a minoria monárquica. Diga V. Exa. o que há na verdade e o que pensa acerca da prata. Tem o país o direito de conhecer o que há sôbre a prata.

O Sr. Álvaro de Castro: — O Govêrno, se quiser cumprir o seu dever, nada deve dizer!

Não apoiados das direitas.

O Orador: - Essa afirmação é extraordinária! É inacreditável que V. Exa. a aconselhe o mistério! O País tem o direito de saber tudo! (Apoiados) Mas já sei que V. Exa. procederia assim, nada dizendo, porque nunca, em quanto esteve no poder, mandou cumprir a lei que ordenava a publicação das contas semanais das cambiais de exportação, antes a revogou por decreto ditatorial, como tantos outros.

O Sr. Álvaro de Castro: — Porque nunca houve conta de maneio!

O Orador: — Quere dizer: V. Exa. entende que o País nada tem que saber, quando elo tem o direito de saber tudo. (Apoiados). Protesto contra esta política do segrêdo. Esperamos que o Sr. Rodrigues Gaspar, sob pena de desagradar ao bloco, cumpra o sou dever.

Nós pedimos também ao Sr. Presidente do Ministério o favor de nos dizer o que pensa sôbre o caso da nomeação do novo embaixador em Londres, que abandonou inexplicavelmente Angola, e também que se não esqueça do nós informar se a entrada do Sr. Bulhão Pato para o Govêrno significa que êste adopta a conhecida opinião daquele quanto à conveniência da supressão da nossa legação junto do Vaticano, querendo reacender assim as lutas religiosas no nosso País.

Por agora dou por findas as minhas considerações, mas prometemos voltar ao assunto só o Sr. Presidente do Ministério, a quem apresento mais uma vez os meus cumprimentos pessoais, não responder cabalmente ao que daqui lhe preguntámos.

Tenho dito.

É lida e admitida a moção do Sr. Morais Carvalho, do teor seguinte:

Moção

A Câmara, não confiando no Govêrno, continua na ordem do dia.

Sala das Sessões, 11 de Julho de 1924.— O Deputado, Morais Carvalho.

O Sr. Cancela de Abreu: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 16.°

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: — Estão de pé cinqüenta Deputados e sentados dezasseis.

Está rejeitada a admissão.

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O Sr. Vicente Ferreira: — Sr. Presidente: por um grato dever de cortezia começo por dirigir os meus cumprimentos ao Govêrno, fazendo votos para que a sua carreira seja o mais brilhante possível e desminta inteiramente os maus prognósticos que vários videntes lhe têm feito.

Envolvo nesta saudação o próprio Sr. Presidente do Ministério, com quem já tercei armas em renhida pugna, a propósito de qualquer assunto que não vem para o caso, pois entendo que os deveres de cortezia devem sobrepor-se aos pequenos ressentimentos de lutas passadas, quando essas lutas são travadas leal e sinceramente.

Tenho muito prazer em fazer justiça às qualidades do Sr. Rodrigues Gaspar, que é um homem de inteligência e activo quando quer, podendo, portanto, ser um bom orientador da política nacional... se para isso lhe derem tempo...

O Sr. Jorge Nunes (aparte) — E verga!...

O Orador: — ... e apoio, do que duvido muito.

Fazem parte do Ministério algumas pessoas às quais mo ligam laços de grande amizade, e a êsses meus ilustres amigos, muito especialmente, envio os meus cumprimentos.

Sr. Presidente: tinha feito propósito de não mais tomar parte nos debates desta Câmara; de não mais colaborarem actos de administração pública, e do não prestar ao país outros serviços além daqueles que estão propriamente incluídos no campo obscuro da minha actividade profissional. Todavia, vejo-me forçado não só a abandonar êsse propósito, mas, o que, partindo de mim, pode parecer mais extraordinário, vou entrar no debate político.

Tinha-me colocado voluntariamente nesta situação de abstencionismo ou indiferença, por ter reconhecido que a República é considerada como propriedade de um grupo de homens, ao qual não tenho a honra de pertencer, o por ter verificado que os meus serviços, modestos mas desinteressados, eram repelidos, ora com chufas e vaias, ora como se eu fôsse um vulgar e insignificante ambicioso.

Convenci-me que perante êsse grupo de homens que se assenhorearam da República eu não merecia sequer a honra de ser considerado republicano; e todavia tenho o direito de afirmar que, antes de muitos dêles levantarem a voz pela primeira vez para apregoarem urbi et orbi o seu intransigente republicanismo, eu era já republicano há muito tempo.

Mas a antiguidade pouco importa, porque na verdade pouco significa, e quanto à sinceridade de convicções, parece que também de nada serve na opinião dêsses tais republicanos, que não na minha. O que importa é estar ao lado deles; por que só assim sé é «bom republicano».

Sr. Presidente: obrigam-me a sair desta abstenção, em que propositadamente me havia colocado, certos factos recentes que provocam o meu protesto e a que sucintamente me vou referir.

Pela terceira vez, se não estou em êrro, e a propósito da última crise ministerial, a vida política da Nação esteve suspensa por mais de oito dias à espera que o Sr. Dr. Afonso Costa, que voluntariamente se conserva em Paris, se dignasse responder à consulta do Chefe do Estado sôbre se vinha ou não formar Govêrno.

S. Exa., com pretextos e evocando razões que não chego a compreender, mais uma vez se negou a aceitar o encargo, que por indicação dos seus amigos o Chefe do Estado pretendia confiar-lhe.

É a repetição da scena já conhecida de outras crises, e que teimosamente se reproduz em cada nova crise. E aqui temos estado nós, sois milhões de servos, à espera que S. Exa. se digne responder, depois do longa demora, se vem ou não.

Na minha qualidade do cidadão português e do republicano, protesto contra êste facto.

Apoiados.

S. Exa. se quer orientar os destinos da Nação, venha ocupar o seu lugar nesta casa.

É aqui e não em Paris que S. Exa. tem de estar se, como cidadão português o como político, deseja intervir na vida do Estado.

Acho bem que os seus incondicionais adoradores ou simples admiradores, o considerem o «Único» e se curvem reverentes diante de S. Exa. ou lhe façam os, salamaleques que melhor traduzam a sua

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fanática submissão. Isso não me interessa.

Eu, porém, e os homens que se sentam neste lado da Câmara é que não os podemos acompanhar nessa atitude, porque a consideramos contrária à nossa dignidade.

Sr. Presidente: mais uma vez se reeditou nesta Câmara a afirmação de que a primeira tentativa feita pelo Sr. Afonso Costa para a constituição de um Govêrno (que pelos modos seria um Govêrno de concentração) tinha falhado por culpa do Partido Nacionalista.

Pretende-se assim criar a opinião de que, pelo seu egoísmo, o Partido Nacionalista inutilizou uma tentativa de salvação, nacional.

É preciso não conhecer os factos ou deturpá-los por paixão ou inconscientemente, para se afirmar semelhante cousa.

Quando cercado de prestígio e da auréola de esperança que em sua volta tinha criado uma parte da imprensa republicana e a chamada grande imprensa o Sr. Dr. Afonso Costa, por indicação dos seus amigos, abandonou as margens verdejantes no Sena e se encaminhou para Portugal, com a intenção aparente de formar Govêrno; eu fui daqueles que sinceramente desejavam contribuir com o meu voto para que S. Exa. organizasse o seu Ministério.

E se nas reuniões do meu partido não ergui a voz para o aconselhar que dêsse colaboradores ao Sr. Dr. Afonso Costa, foi por êstes dois motivos: o primeiro por que o meu nome foi indicado pelos adivinhadores de profissão como um dêsses colaboradores, e eu nunca gostei de parecer sequer que faço reclamo à minha pessoa para cargos de confiança. Não preciso de popularidade, nem me ofereço para tais lugares.

O segundo motivo da minha atitude de silêncio, perante a tentativa do Sr. Dr. Afonso Costa, foram as declarações que S. Exa. fez ao entrar em Portugal.

Entrou S. Exa. não como pecador contrito, mas como um triunfador magnânimo.

Vinha realizar urna obra de purificação e entrou em som de guerra.

Com efeito, não disse S. Exa. que das passadas dissensões todos eram culpados; não nos disse: «eu tenho culpas e agravos, mas vós tendes também culpas e agravos; esqueçamo-los.

S. Exa., atribuindo aos outros as culpas e, julgando-se só êle agravado, como senhor magnânimo declarou que soube perdoar.

Eu não preciso do perdão do Sr. Afonso Costa para cousa alguma.

Perdão?

Perdão de quê, se S. Exa. é muito mais culpado do que nós todos, porque tem sido quási todo o tempo, directa ou indirectamente, o detentor do Poder, e do Poder têm partido as violências que ferem.

Sr. Presidente: eu não levantei a voz na reunião do meu Partido para defender uma activa colaboração com o Sr. Afonso Costa mas de acordo com o meu Partido, estava disposto a prestar a S. Exa. aquele concurso que republicanos amando o seu país podem prestar a outros republicanos, sem desdouro, estava disposto a prestar-lhe aquela colaboração que as oposições bem intencionadas podem prestar a um Govêrno.

Pode alguém compreender que o Sr. Afonso Costa, se sinceramente estivesse disposto a formar Govêrno viesse aqui pôr como condição essencial, que um partido que para isso não fora consultado não só com elo colaborasse numa obra que desconhecia, como até lhe dêsse os colaboradores que S. Exa. escolhesse?

Eu estive em S. Tomé, onde o trabalho nas fazendas é feito por serviçais contratados, pobres criaturas, cuja missão única é obedecer ás ordens do patrão grande ou do feitor que o representa.

O Partido Nacionalista não está contratado para servir na roça do Sr. Afonso Costa.

Apoiados.

E tanta razão S. Exa. teve para não constituir Govêrno, por virtude da recusa do Partido Nacionalista, como teria, por exemplo, qualquer outro indigitado Presidente do Ministério que exigisse a colaboração de qualquer dos Deputados monárquicos, e esta lhe fôsse recusada.

Tais pretextos não são próprios da inteligência do Sr. Afonso Costa.

Foi o Sr. Jaime de Sousa quem afirmou nesta Câmara que por culpa do Partido Nacionalista falhara a tentativa de um Govêrno organizado pelo Sr. Afonso Costa. Isto é uma injustiça.

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S. Exa. disse isso porque estava, sem dúvida, sob o domínio da sua paixão política.

Se S. Exa. pensar no caso, com o espírito desprendido de qualquer preocupação política, há-de reconhecer que não podia afirmar uma tal cousa ou então S. Exa. preza muito pouco a dignidade dos homens que fazem parte do meu partido.

O Sr. Jaime de Sousa: — Não apoiado.

O Orador: — Sr. Presidente: vou agora recordar, com certa repugnância, um assunto que com êste se prendei

Já estou cansado de deixar passar sem reparo certas afirmações que pessoas que prezam a dignidade dos outros e a inteligência própria nunca fazem.

Chega a ser uma sele que incomoda o falar-se continuamente no superavit alcançado pelo Sr. Afonso Costa, sobretudo porque essa afirmação tem servido para enaltecer as suas qualidades, aliás brilhantes, mas deprimindo as dos outros.

Não nego — seria falta de sinceridade, seria propositada cegueira fazê-lo — que o Orçamento de 1913-1914, e as contas desde ano acusam um excesso de receita sôbre a despesa de 2:000 e tantos contos.

É, porém, necessário fazer a tal propósito um pouco de história.

É chegada a hora de se fazer justiça a todos.

Reconheço que o Sr. Afonso Costa possui raras qualidades de energia e de inteligência.

Confesso isto com toda a sinceridade porque nunca deixei de prestar justiça a quem a merece.

Mas é injusto que a S. Exa. se atribuam, ou que os seus fanáticos admiradores lhe atribuam exclusivamente, o que foi o resultado do esfôrço e dedicação de muitos.

Quando se proclamou a República tomou conta da pasta das finanças o Sr. José Relvas e foi S. Exa. que fez, com a colaboração de dedicados republicanos, nessa época ainda não separados em partidos, a reforma dos serviços privativos do seu Ministério das Finanças, e foi S. Exa. quem lançou as bases da administração republicana. Imediatamente se verificou o aumento das receitas públicas, sem gravame para o contribuinte, e, paralelamente, uma deminuição considerável nas despesas.

A êsse Govêrno de que fez parte o Sr. José Relvas, como já disse — o Govêrno Provisório — sucederam dois Ministérios de curta duração. Num deles foi Ministro das Finanças um homem que merece o respeito de todos, porque é alguém nesta terra, pela sua honradez, pela sua envergadura moral e intelectual, o Sr. Duarte Leite, actual embaixador de Portugal no Brasil.

Esteve, é certo, muito pouco tempo na gerência da pasta das finanças, mas nem por isso deixou de contribuir para a redução das despesas públicas e para o aperfeiçoamento da cobrança das receitas.

Todos que querem ser sinceros nas suas apreciações terão de constatar que isto é absolutamente verdade.

Apoiados.

Ao Sr. Duarte Leite seguiu-se na pasta das finanças um homem, cujo nome é hoje execrado por muitos dos que se sentam nesta Câmara — Sidónio Pais; mas que digam o que disserem era um republicano e um patriota.

Deve-se a êle a primeira proposta do tempo da República para a cobrança dos direitos em ouro e se mais não fez foi por que a duração do Ministério não foi além de umas semanas.

Como se vê, desde a proclamação da República que neste país se trabalhava activamente, sem alardes e desinteressadamente, pela regeneração financeira de Portugal.

Ao Ministério de que fazia parte Sidónio Pais, e que era presidido pelo Sr. Augusto de Vasconcelos, seguiu-se o Ministério presidido pelo Sr. Duarte Leite.

Eu tive a honra e a vaidade de ser Ministro das Finanças nesse Govêrno. Já lá vão uns doze anos. Era então suficientemente ingénuo para acreditar na sinceridade e no desinteresse de todos quantos se diziam republicanos.

Depois de José Relvas fui o primeiro Ministro da República que apresentou um plano de administração financeira e devo confessar que nesse plano fui auxiliado pelos Srs. José Barbosa, Inocêncio Camacho, Barros Queiroz e Adrião de Seixas, e que a êstes distintos financeiros e ilustres republicanos, e não a mim, se deve o pouco que de bom, durante a minha gerência, porventura se fez.

Trata-se de cousas passadas, eu sei;

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mas embora isso fatigue a Câmara tenho de me referir a elas, porque outros o fizeram sem grandes escrúpulos de crítica histórica.

Foi em Junho de 1912, se bem me lembro, que o Govêrno do Sr. Duarte Leite subiu ao poder. Encontrei um orçamento de receitas para 1912-1913 já aprovado e umas tabelas de despesa em discussão. Nenhuma responsabilidade tenho na redacção dêsses documentos.

Encontrei também já promulgada uma lei que mandava avaliar a propriedade rústica por meio de comissões, e o trabalho destas deveria servir de base ao lançamento das colectas.

Seriam criadas, segundo a lei cento e tantas comissões, cada uma delas composta, segundo creio de cinco membros.

Por falta do conselheiros técnicos devidamente habilitados, suponho eu, a Câmara não mediu o alcance da lei promulgada; não pensou então como depois continua a não pensar nos meios de executar as leis que aqui se votam e dessa omissão resultou que das conto e tantas comissões só umas doze, talvez, puderam ser constituídas, pois que os funcionários que as deviam constituir não eram obrigados mas convidados a fazer parte de comissões gratuitas o já então havia pouca gente com disposição para serviços gratuitos.

Sr. Presidente: em Julho de 1912 encontrei me em presença dêstes factos: Um orçamento já elaborado e impossibilidade de cobrar a contribuição predial, por não ser possível executar uma lei da República e como nesse tempo não havia a facilidade extrema que hoje há, do Ministro chegar à sua secretaria e dizer: «risque essa lei que eu não a cumpro», eu tive escrúpulos em fazer a cobrança nos termos das leis anteriores e disse:

Não se toca numa lei que foi votada pelo Parlamento; mas eu vou declarar perante o Congresso que a lei é inexeqüível e propor o modo de remediar a sua falta. Sendo a lei inexeqüível e não desejando eu sair da legalidade - ingénuos tempos! — não podia contar no apuro das receitas do Estado para 1912-1913 com o. produto da contribuição predial rústica, é eis, Sr. Presidente, q motivo pôr que num pequeno relatório que apresentei à Câmara dos Deputados, o primeiro relatório financeiro que a República teve, calculei haver um déficit que iria, se bem me recordo a 8:000 contos, incluindo porém cêrca do 6:000 contos de contribuição predial.

Mas, Sr. Presidente, parece-me ter feito mais alguma cousa. Não me limitei a apontar o deficit e as suas causas, entre as quais se incluíam as despesas extraordinárias com as incursões monárquicas e os aumentos de despesa posteriormente votados pelo Parlamento; apontei também aqueles remédios que me pareciam mais apropriados para equilibrar o Orçamento do Estado.

Talvez V. Exa. e a Câmara se não lembrem, mas entre as propostas que então apresentei ao Parlamento, figura a da chamada lei-travão que alguns benéficos resultados tem produzido, e que os fanáticos admiradores do Sr. Afonso Costa lhe atribuem, como se em vez de uma singela disposição de lei se tratasse do um glorioso feito capaz de imortalizar um estadista.

Sr. Presidente: do conjunto do medidas que, apresentei fazia parte um projecto de conversão da dívida interna, devido à colaboração dedicada de José Barbosa, e que tem merecido elogiosas referências, e talvez V. Exa. e a Câmara também tenham esquecido que o primeiro imposto lançado sôbre o cacau de S. Tomé foi inicialmente objecto duma proposta de lei apresentada nesta Câmara por êste humilde servidor da República.

Sr. Presidente: mais algumas cousas nesse relatório se continham,, que à administração financeira do Estado muito interessavam, mas que não vale a pena rememorar, porque, embora a alguém isso pareça, não pretendo fazer a apologia da minha pessoa, nem enaltecer os meus serviços à República.

Quero simplesmente, para todos os republicanos que comigo ou antes de mim trabalharam, pelo bem da República, a justiça que tam iniquamente lhes é negada.

Mais um esclarecimento é necessário.

Sr. Presidente: manda a Constituição que até o dia 15 de Janeiro o Govêrno apresente ao Parlamento o Orçamento Geral do Estado. Ora o Ministério do Sr. Duarte Leite pediu a demissão no dia 4 de Janeiro, mas já antes, dessa data de facto se podia considerar demissionário, e

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por êsse motivo muitos dos meus colegas do Ministério se desinteressaram da preparação dos seus orçamentos do despesa.

O Govêrno era de concentração, como V. Exa. sabe e em governos de concentração cada Ministro, em regra, só trata do fazer a política que pode pela sua pasta.

Pediu o Ministério a demissão no dia 4, mas até 12 ou 13 não se resolveu a crise, tam empenhados andavam os Srs. Deputados e outros políticos em disputar a Presidência do Ministério. Tal o qual como na recente crise.

Nestas condições e estando demissionário e mal ajudado pelos colegas era natural que me desinteressasse pelo futuro orçamento.

No emtanto, Sr. Presidente, o que é um facto é que eu honestamente e dedicadamente com o auxílio dos meus amigos e colaboradores, procurei examinar e reduzir os poucos orçamentos que mo tinham sido enviados pelos outros membros do Govêrno.

Desculpe-me a Câmara esta minha divagação, mas a hora é de justiça e porque se tem dito que eu apresentei um orçamento com 8:000 contos de déficit, que o Sr. Afonso Costa o transformou milagrosamente num superavit, eu desejo repor os factos no seu verdadeiro pó.

Sr. Presidente: com aquela ingenuidade que ainda conservava aos trinta o tantos anos, com a ingenuidade dum homem que acabava de assistir à passagem do regime monárquico para a República, o julgava realizado o seu ideal político, acreditando na perfeita sinceridade o desinteresse dos outros homens, com toda a ingenuidade, repito, para que a Câmara fique corta que estou falando com toda a sinceridade, tive a idea do realizar uma reunião daqueles homens que na direcção da política republicana tinham merecida preponderância, para ouvir o sou conselho e com êles concertar um plano de administração financeira.

Realizou-se de facto essa reunião, tendo escolhido aquela forma fácil o usada em todos os tempos, do congregar homens para conversas íntimas. Reuni num modesto almoço, os Srs. Afonso Costa, Duarte Leite, João Chagas, Augusto de Vasconcelos e outros e expus-lhes com clareza e sinceridade, com o coração nas mãos, o que era a situação do Tesouro Público e os meios que em meu fraco saber julgava necessários para fazer face ao déficit que reconhecia haver nas contas do Estado, que na verdade existia, embora fôsse pequeno e fácil do anular. E alguma cousa dessa reunião resultou.

Concertou-se um plano u considerou-se a melhor forma de, sem desgostar o País com a administração do novo regime, se obter o ambicionado equilibro, e mais os recursos necessários para assegurar a defesa do País. O problema então era urgente, como V. Exas. sabem.

Devo dizer que a esta reunião de republicanos com responsabilidades na administração do Estado se seguiu uma segunda reunião, provocada pelo Sr. Augusto de Vasconcelos, para-tratar de política internacional da nova República.

Procurava-se, como hoje se diz, neutralizar as duas pastas: a das Finanças e a dos Negócios Estrangeiros.

Tempo depois, Sr. Presidente, deu-se a queda do Ministério, e tendo sido chamado o Sr. Afonso Costa, eu honradamente, como me cumpria, entreguei lho, ou melhor, deixei-lhe sôbre a mesa de trabalho as tabelas de desposa que recebera dos diferentes Ministérios, e nas quais tinha feito importantes reduções, não ao acaso, com o intuito de alcançar um resultado fixado à priori, mas reduções efectiváveis e que se mantiveram na quási totalidade. Não fiz orçamento das receitas, ou melhor, não revi o cálculo que recebera da Contabilidade; mas os meus colaboradores sabiam, e o Sr. Afonso Costa sabia, que não era difícil obter o equilíbrio; a questão era apenas saber se convinha obtê-lo imediatamente ou aguardar mais um ano.

Terminada a minha modesta missão ministerial fui tranqüilo para minha casa, sempre confiado na lealdade dos homens, e por isso, Sr. Presidente, V. Exa. avaliará o meu espanto quando alguns dias depois vejo nos jornais que o Sr. Afonso Costa, com uma habilidade que admiro, apregoava urbi et orbe que conseguira o estupendo milagre de transformar um orçamento com um déficit de 8:000 contos num orçamento com um superavit de 2.000 e tantos contos.

V. Exa. compreenderá o cómico disto. Por um lado o meu ingénuo espanto em me deixar, como direi? surpreender pela

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habilidade do Sr. Afonso Costa; por outro o espantoso milagre, porque só um taumaturgo ou o maior estadista do mundo em todos os tempos seria capaz de transformar em poucos dias, fechado no seu gabinete, um déficit verdadeiro num superavit não menos verdadeiro.

O que S. Exa. fez, na realidade, foi aproveitar-se, com infinita habilidade —reconheço-o — do trabalho dos outros, dos que antes de S. Exa. tinham passado pelo Ministério das Finanças, e apresentá-lo como produto do seu génio. Conseguia assim S. Exa. os seus fins políticos, engrandecer-se amesquinhando os adversários e até os amigos.

E não lhe faltaram aduladores, mais ou menos interessados, para lhe endereçarem hiperbólicos encómios.

Certo é também que S. Exa., com as suas hipérboles, conseguiu um resultado com que pouco contava: que pouca gente acreditasse, como muita ainda hoje não acredita, no seu superavit.

Da cota parte que porventura tive no trabalho de reconstituirão financeira dos primeiros tempos da República nenhuma glória tirei, e por ela nenhum reconhecimento mereço.

Não ando nos partidos da República em busca de honras, e tam republicano me julgo que nem condecorações uso, embora à fôrça tenha recebido algumas.

Sr. Presidente: desejaria fazer algumas considerações sobre o plano financeiro do Govêrno, tanto mais que o actual Sr. Ministro das Finanças merece muito particular estima e grande consideração pelo seu carácter e por ser um dos mais zelosos funcionários da República; mas verifico que não há plano financeiro; vagamente apenas, êste Govêrno declara que vai seguir, em matéria financeira, a orientação, que todo o país condena, do Govêrno que o antecedeu, e mais nada.

Sr. Presidente: não vou descer ao nível mental daqueles adversários do Partido Nacionalista que atribuíram ao Govêrno do Sr. Ginestal Machado a baixa do câmbio, que por outras causas foi determinada. Embora fôsse justo pagar-lhes na mesma moeda, não quero, porque não devo, porque seria uma heresia em matéria financeira, não quero, digo, atribuir ao defunto Govêrno a culpa exclusiva da baixa cambial, nem tomarei como indicador da sua capacidade administrativa o facto de o câmbio estar a 142$ por libra quando o Sr. Álvaro de Castro entrou no Ministério das Finanças, e estar a 157$ por libra quando S. Exa. de lá saiu. E, todavia, S. Exa. largas culpas teve nessa derrocada pela sua política de destruição, do crédito do Estado.

Para dirigir as finanças dum país não basta ter a capacidade necessária para mandar arrecadar receitas e assinar ordens de pagamento.

É necessário ser competente e ter aquela soma de conhecimentos e a intuição necessárias para prever a repercussão que as medidas promulgadas podem ter na vida económica da nação,. O comércio, a indústria, as actividades económicas do país não podem, numa grave ocasião como a presente, estar à mercê dos erros de aprendizagem ou dos vagares do Ministro das Finanças.

Não se manda para a pasta das Finanças um homem que apresenta medidas que depois declara não ter tido tempo de estudar.

Segue o actual Govêrno a política financeira do seu antecessor? Pois não o felicito, nem o aplaudo, porque essa política é a do descrédito, e todos sabem como o crédito dum Estado, mais do que o dum particular, é frágil como barro.

Ninguém ignora o efeito que o desrespeito pelos compromissos tomados pelo Estado tem tido na situação financeira do nosso país. Ninguém ignora que ainda hoje estamos jungidos ao descrédito em que caímos em 1891, quando se fez a última bancarrota da monarquia.

Sr. Presidente: a política financeira seguida pelo Sr. Álvaro de Castro, e que o actual Govêrno vai seguir, em poucas palavras se resume. Verificou o Sr. Álvaro de Castro quê os juros dos empréstimos expressos em escudos eram excessivos, pois S. Exa. apenas disto se lembrou: — Não se paga! Se S. Exa. cuidasse do crédito do Estado, ao constatar á impossibilidade momentânea de pagar, não diria «não pago», mas diria: «o Estado pagará em ocasião oportuna, porque neste momento não pode».

São sagrados os compromissos da nação. O Sr. Álvaro de Castro não só se recusou a pagar o que pelo Estado era devido, mas, para cúmulo de ignomínia,

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na questão dos juros da dívida externa disse aos estrangeiros: «A vós tudo pago, porque tendes o apoio dos vossos Governos»; mas aos nacionais, porque estavam ao alcance da guarda republicana, limitou-se a dizer: «A vós outros nada pago!».

Como é que um homem que isto fez vem para aqui sustentar que a sua política melhorou a situação do Estada; que a sua gerência financeira foi uma obra redentora?

Sr. Presidente: o programa do Govêrno é tam pequeno que não dá margem a largas apreciações, é tam liso que não dá presa a qualquer argumento. Não se lhe podem fazer outras críticas que as que lhe fez o ilustre leader do Partido Nacionalista, Sr. Cunha Leal.

Não vejo neste programa nem umas breves palavras sôbre os problemas colonial e das reparações, e, todavia, êstes problemas são de capital importância para a nação.

Se não estou em êrro, há seis meses que se debate êste problema, e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros do Govêrno transacto não encontrou oportunidade de vir ao Parlamento dizer o que a tal respeito havia.

O actual Ministro parece que também, sôbre o momentoso assunto, nada tem que dizer.

Se a declaração ministerial nada diz sôbre o problema das finanças nem sôbre o problema das reparações, também nada contém sôbre política colonial, em geral, nem sôbre os graves problemas que tam profundamente interessam algumas das mais importantes províncias ultramarinas, e todavia o Sr. Presidente do Ministério é um dos mais distintos coloniais dêste país. S. Exa. esteve por mais de dois ou três anos na pasta das colónias. S. Exa. conhece, como ninguém, a situação de Angola.

Não é necessário fazer longos estudos para saber que a província de Angola atravessa uma crise que precisa urgentíssimo remédio. Isto é banal dizer-se. Pois nem o Sr. Ministro das Colónias nem o Sr. Presidente do Ministério quiseram dar ao Parlamento a honra de lhe dizer o que pensam sôbre êste este grave problema. Todavia, é indispensável esclarecer a situação actual.

Sr. Presidente: graves críticas têm sido feitas à administração do antigo Alto Comissário de Angola, general Sr. Norton de Matos. Creio, porém, que essas críticas tomaram por um caminho que não é talvez aquele que mais pode pôr em evidência os erros da administração do ex-Alto Comissário de Angola.

Não nego ao Sr. Norton de Matos qualidades dum homem activo, empreendedor, capaz de realizar uma vasta obra de fomento.

Não posso contestar que S. Exa. quisesse fazer de Angola, colónia moribunda, uma colónia viva e próspera; desejasse transformá-lo, num vasto empório colonial, mas S. Exa. falhou no seu papel de estadista, porque se esqueceu dum pequeno pormenor, cousa que os homens públicos em Portugal fàcilmente esquecem: os meios de execução.

Para executar um plano de fomento não basta delinear obras; é indispensável acompanhá-lo do estudo minucioso dos recursos financeiros e dos recursos em homens e em materiais.

E aqui tem V. Exa. como o Sr. ex-Alto Comissário de Angola, com um vasto plano de fomento, falhou, por não ter pensado, como devia, nos recursos com que havia de executar o seu plano, ou mais restritamente, não preparou convenientemente os recursos monetários com que havia de fazer face às despesas que a sua obra exigia.

S. Exa. como digno adepto da escola do seu ilustre patrono e chefe político, começou a emitir papel, e emitiu-o sem conta nem medida.

Era de 30:000 contos o limite de circulação fiduciária para todo o ultramar português. Era assim em 1914; mas depois da guerra reconheceu-se que aquele limite era insuficiente, e o Parlamento votou uma lei autorizando a elevação do limite da circulação fiduciária, sem todavia fixar, taxativamente êsse limite.

Baseando-se numa arrevesada interpretação da lei, o Sr. Norton de Matos fez um contrato especial com o Banco Nacional Ultramarino, pelo qual criou, só para Angola, uma circulação de 50:000 contos.

Não ficou por aqui a iniciativa inflacionista do antigo Alto Comissário. S. Exa. emitia mais, por conta e risco da província, 24:000 contos de cédulas, não contando com a parte de inflação represen-

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tada por cêrca de 25:000 contos do moeda subsidiária. Como sair desta situação?

Muito desejaria que o Sr. Presidente do Ministério mo respondesse e esclarecesse o país e a província de Angola sôbre êste ponto.

Mas criticar é fácil — dirão os que me escutam — mas executar é difícil. De acordo. Por isso mesmo, as responsabilidades de quem governa são sempre grandes e não devem ser assumidas de ânimo leve.

Diz o Govêrno que seguirá a política financeira do seu antecessor; quero dizer que para fazer face às despesas, que não consegue reduzir vai pedir mais contribuições, lançando-as atrabiliária e desordenadamente como o seu antecessor — e digo desordenadamente porque só se pensa em promulgar leis para figurarem no Diário do Govêrno, sem nunca serem executadas, porque nunca se pensa nos meios de as pôr em execução.

Foi assim que a contribuição predial proposta pelo Sr. Portugal Durão e o imposto de rendimento não foram cobrados no ano passado, tendo sido aprovadas com importantes erros de técnica, apesar dalguns Deputados terem mostrado as dificuldades da respectiva cobrança. Disso ninguém curou, mais parecendo que se queria encher de números o livro de capa verde, que é -costumo distribuir com o título de Orçamento, do que computar receitas reais, cobráveis em devido tempo.

Na mesma orientação do - seu antecessor, vai o Govêrno, evidentemente, deixar de pagar, o que é uma forma simples de obter um saldo positivo, que pode ser tam grande como a totalidade das receitas.

Eu diria ao Sr. Ministro das Finanças que antes cuidasse da compressão das despesas, e quanto a impostos que, em vez de lançar outros novos, antes tratasse do aperfeiçoar a legislação actual o activar a cobrança dos que existem, porque êsse será o melhor meio de equilibrar o Orçamento.

Ao Sr. Ministro das Finanças, cuja austeridade, como administrador eu muito respeito, eu só peço que não faça mais passar o nosso país pelo vexame de ser classificado como... o país que não paga.

Tenho dito.

O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: pedi a palavra para explicações porque foi, talvez, em virtude das afirmações por mim produzidas nesta Câmara que o Sr. Vicente Ferreira pediu a palavra e falou acerca do superavit obtido pelo Sr. Afonso Costa.

Eu não tive o propósito de magoar S. Exa. quando me referi a êsse facto. O meu propósito foi apenas o de afirmar uma verdade incontestável.

Conheço os planos financeiros do Sr. Vicente Ferreira a quando Ministro das. Finanças. Sei, por isso, que foi S. Exa. o autor da proposta que, mais tarde, veio a transformar-se na chamada lei-travão, lei que, de resto, não tinha nada do original visto que existia já noutros países, como, por exemplo, no Japão.

No emtanto não podemos deixar de reconhecer que ela foi inteligentemente adaptada ao nosso meio político.

As mentalidades teóricas têm, evidentemente, valor inegável, mas eu aprecio muito mais as mentalidades práticas, aquelas que ao mesmo tempo que concebem tem a capacidade do pOr em execução os seus planos.

É absolutamente certo que o Sr. Afonso Costa conseguiu obter o equilíbrio orçamental.

Muitos apoiados.

Não o digo para ferir ninguém.

Evidentemente que S. Exa. o não teria conseguido da porte dos seus antecessores não tivesse havido esfôrços nesse sentido.

O Sr. Afonso Costa não teve certamente a pretensão de obter o equilíbrio orçamental desde o tempo dos suevos.

Eu vou ler à Câmara os números que traduzem os esfôrços dos Ministros das Finanças da República.

Lê.

Portanto, onde está efectivamente o esfôrço dos Ministros das Finanças?

Trabalharam certamente com intuitos patrióticos, mas viram traduzido o seu esfôrço na duplicação do déficit.

O esfôrço do Sr. Afonso Costa produziu quási a eliminação do deficit e até no saldo do 1913-1914...

O Sr. Vicente Ferreira: — Pode V. Exa. dizer-me qual foi o saldo da gerência de 1912-1913?

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O Orador: — O saldo do ano económico de 1912-1913 foi de 3:681 contos.

O Sr. Vicente Ferreira: — E V. Exa. recorda-se de quem foram os Ministros das Finanças no ano de 1912-1913?

O Orador: — Deve ter sido V. Exa. na primeira parte do ano e a seguir o Sr. Afonso Costa.

Mas não me custa, porque é a verdade, atribuir a V. Exa. um grande esfôrço, tanto mais que o Sr. Afonso Costa assumia o Poder com o apoio do Partido Unionista de que V. Exa. a fazia parte, e quando foi apresentado o saldo que o Sr. Afonso Costa apresentou nesta Câmara, ninguém, nem V. Exa., disse ao Sr. Afonso Costa que não era obra dele.

O Sr. Vicente Ferreira: - Eu não era Deputado.

O Orador: — Mas poderia ter protestado na imprensa.

As únicas pessoas que verberaram o acto foram, de facto, os evolucionistas.

Mas o que foi que o Sr. Afonso Costa apresentou?

Não posso de memória referir com exactidão factos tam antigos, mas lembro-me de que a comissão de finanças apresentou um trabalho sôbre propostas que não oram do Sr. Vicente Ferreira, mas da própria comissão; foi esta que, por mótu-próprio estudou o problema financeiro, o problema tributário, e, com a acção, creio eu, do Sr. José Barbosa, que já não faz parte, infelizmente, do número dos vivos, o do Sr. Tomé de Barros Queiroz elaborou um trabalho, indicando nele o regime a adoptar sôbre contribuições.

O facto é que o plano do Sr. Vicente Ferreira reduziu-se a apresentação duma série de propostas de tributo e mais nada.

Uma dessas propostas, e só quero agora referir-me à que dizia respeito à tributação do cacau, levantou a mais tremenda campanha, não conseguindo sair aprovada.

Mas, não foram essas propostas as únicas que serviram, de facto, ao Sr. Afonso Costa para realizar o equilíbrio orçamental, foi principalmente a sua acção como administrador, foi o seu espírito fiscal.

Mas as propostas do Sr. Vicente Ferreira foram essencialmente de tributação e por êste motivo surpreendeu-me que S. Exa. viesse falar no tom um tanto agressivo em que o fez.

O Sr. Vicente Ferreira (em àparte): — Magoado!

O Orador: — Não vejo que ninguém tenha magoado o Sr. Vicente Ferreira; S. Exa. não está num meio que lhe é hostil, mas, pelo contrário, num meio em que todos o estimam pelas suas qualidades de inteligência e de carácter.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Comunico à Câmara que foi escolhido o Sr. Meireles Barriga para substituir, na comissão de comércio e indústria, o Sr. Abranches Ferrão, durante o seu impedimento.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na segunda-feira, 14 do corrente, à nora regimental, com a mesma ordem de trabalhos.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 35 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Projecto de lei

Do Sr. Manuel do Sousa Coutinho, concedendo designados benefícios às emprêsas da exploração do comércio de carnes congeladas,- feita por contrato com os municípios.

Para o «Diário do Governo».

O REDACTOR—Avelino de Almeida.

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