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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 128
EM 22 DE JULHO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Hermano José de Medeiros
Sumário.— Respondem à chamada, 38 Srs. Deputados.
Procede-se à leitura da acta e dá-se conta do expediente, que tem o devido destino.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Tôrres Garcia trata do abastecimento de água à cidade de Coimbra, e requere que se discuta o parecer n.º 770.
O Sr. Jaime de Sousa requere que em seguida à votação do parecer sôbre as Misericórdias, se discuta o parecer n.º 745.
O Sr. Carlos de Vasconcelos apresenta um projecto de lei.
O Sr. Marques de Azevedo requere que se discuta o parecer n.º 595.
O Sr. Carlos Pereira reclama várias providências pelas pastas do Comércio, da Marinha e da Instrução.
Entra em discussão o parecer n.° 724.
Usam da palavra os Srs. Carlos de Vasconcelos, Ministro das Colónias (Bulhão Pato), Carvalho da Silva e Ferreira da Rocha.
É aprovada a acta.
Ordem do dia.— Continua em discussão o parecer n.º 717, que é aprovado na generalidade, bem como a proposta de lei n.° 668.°-A, depois de usarem da palavra os Srs. Dinis da Fonseca, Carvalho da Silva, Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues), Carlos Pereira e Morais Carvalho.
Entra em discussão, na especialidade, o parecer n.° 717, usando da palavra o Sr. Velhinho Correia, que apresenta uma proposta de substituição ao artigo 1.°.
Aprovam-se requerimentos para se discutirem antes da ordem do dia os pareceres n.ºs 770, 745 e 595.
Sôbre o artigo 1.º do parecer n.° 717, fica o Sr. Carvalho da Silva com a palavra reservada.
Na segunda parte da ordem do dia continua a discutir-se o orçamento do Ministério da Instrução Pública, sendo feita a contraprova, pendente de sessão anterior, de um requerimento do Sr. Baltasar Teixeira, que é aprovado por 36 votos contra 22.
Usa da palavra o Sr. João Camoesas.
Verificando-se falta de número na contraprova de um requerimento do Sr. Carvalho dos Santos, é a sessão encerrada, marcando o Sr. Presidente a seguinte para o dia imediato, com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 35 minutos.
Presentes à chamada 38 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 39 Srs. Deputados
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
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Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
Joaquim Brandão.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Ventura Malheiro Reimão.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entravam durante a sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Lino Neto.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Inatos.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Henrique Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
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João Estevão Águas.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Pias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Ferreira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 38 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Oficio
Do Ministério do Interior-, pedindo a inclusão, no orçamento, de designadas verbas para liquidação de despesas atrasadas, feitas pela polícia do distrito do Pôrto.
Para a comissão do Orçamento.
Do Sindicato Agrícola da Póvoa de Varzim, contra as propostas de finanças sôbre contribuição predial e de registo por título gratuito.
Para a comissão de finanças.
De Augusto da Silva Travassos, tenente-médico em serviço no Colégio Militar, pedindo para voltar a ocupar na escala Q lugar a que tem direito.
Para a comissão de guerra.
Telegrama
Dos socialistas de Coimbra e da União Socialista de Gaia, protestando contra a cédula pessoal.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Tavares de Carvalho: — Estando presente o Govêrno na outra Câmara, não posso fazer agora as considerações que desejava e, portanto, peço a V. Exa. para me reservar a palavra para quando estiver presente algum membro, do Govêrno.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Procedeu-se à chamada.
O Sr. Tôrres Garcia: — Como não presente nenhum membro do Govêrno, endereço a V. Exa., Srs Presidente, as palavras que vou proferir.
A cidade de Coimbra encontra-se, numa situação precária no que diz respeito a água.
Eu conheço bem a situação porque na câmara municipal exerço o lugar de presidente da comissão administrativa dos serviços municipalizados.
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Em duas palavras vou pintar a situação.
O abastecimento de águas é absolutamente deficiente, pois ainda hoje se faz com máquinas montadas em 1884, e o consumo foi aumentando, chegando a decuplicar.
Como V. Exa. sabe foi Coimbra a primeira câmara que municipalizou o serviço de iluminação, abastecimento de águas e tracção; mas a guerra veiu colocar êsses serviços em situações precárias, principalmente a iluminação a gás, pois o carvão chegou a um preço incomportável e desde 1920 há falta de luz.
A comissão municipal já realizou um empréstimo com a Caixa Geral de Depósitos para a iluminação eléctrica, que já abriu à exploração.
O empréstimo foi de, 640 contos, mas não chega para os serviços de tracção, água e iluminação.
A câmara tem feito os melhores esfôrços para conseguir os melhoramentos precisos para a cidade de Coimbra.
Precisando de novo empréstimo, a Caixa Geral de Depósitos diz que não o faz por não estar autorizada pelo Ministro das Finanças, que não a deixa dispor dos seus dinheiros.
Agora, com as festas da Rainha Santa, a grande afluência de forasteiros nesta altura do ano, mais se faz sentir a falta de água.
Durante os quatro dias que duraram essas festas não foi possível fornecer água senão para as necessidades de momento, visto que o seu consumo estava evidentemente alterado e no último dia das festas rebentou um incêndio na parte alta e verificou-se, o que não podia deixar de verificar-se, que não havia água.
Pelo regime até certo ponto, com justiça, duro e inflexível que tinha sido seguido pela comissão administrativa, havia-se criado no espírito do povo uma atitude revolta contra a comissão administrativa que acima de tudo queria manter os serviços.
O incêndio foi o rastilho que fez explodir o descontentamento da cidade.
Acresce a esta situação também esta circunstância: as últimas cheias de Abril destruíram as tampas das câmaras de captação da água. Como V. Exa. sabe, estão instaladas no Rio Mondego, do que resulta ser fornecida a água com filtração atravez das areias julgada suficiente para garantir a pureza das águas.
Por esta razão a cidade de Coimbra está há seis meses no regime de água inquinada.
Assim, a municipalidade manda semanalmente afixar avisos, dizendo que a população deve ferver a água, para que as condições sanitárias da cidade não entrem num caminho absolutamente deplorável.
Para tudo isto é necessário dinheiro e a câmara municipal não o tem nem recursos para ocorrer a esta situação.
Os seus serviços municipalizados têm hoje de fornecer de graça toda a energia eléctrica e água para usos públicos, e paga integralmente à Caixa Geral de Depósitos todas as prestações dos empréstimos feitos anteriormente; apesar disso os serviços propriamente da câmara não progridem por falta de recursos.
Ainda mais: o último orçamento da câmara municipal, excluindo dele tudo quanto diz respeito a serviços municipalizados, fechou com um déficit de mais de 100 contos.
De maneira que eu, como Deputado por Coimbra, venho perante o Sr. Ministro da Justiça, para que se faça eco das minhas reclamações, sôbre a situação criada ao município de Coimbra pela Caixa Geral de Depósitos que alega razões para não entrar em negociações com os corpos administrativos, para a realização de operações de crédito, como a Câmara de Coimbra que tem sempre honradamente satisfeito os seus compromissos.
Está próximo o inverno. Vamos ter a cidade de Coimbra numa posição inferior à de hoje, no que diz Despeito à inquinação das águas que vão ser fornecidas.
Junto do conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos tinha feito sentir todas estas circunstâncias e êle responde: «Não estamos autorizados a realizar operações de crédito desta natureza». Sim, senhor, a Câmara Municipal de Coimbra paga honradamente os encargos dos empréstimos que contrai. Sabemos que a sua administração melhorou consideràvelmente. Fazemos essa justiça.
Sabemos que falhou por falta de recursos o plano engendrado na parte final, qual seja a conclusão dos abastecimentos
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de água, mas não podemos fazer face a essas dificuldades com o nosso dinheiro. Estamos absolutamente impossibilitados de o fazer.
Em face destas negativas formais, sem outras explicações, dada a situação precária das finanças municipais e de todos os concelhos, não é só Coimbra, dada a impossibilidade absoluta dos corpos administrativos poderem ir ao imposto buscar a receita suficiente, pois a Câmara Municipal de Coimbra lançou o máximo das taxas que lhe era permitido por lei sôbre a cobrança das contribuições gerais do Estado, sem que ela tenha conseguido nada que se parecesse com aquilo que era suficiente para cobrir as despesas.
Mas temos votado por leis sucessivas encargos sôbre encargos. Aumento dos vencimentos do seu funcionalismo, deram-se aos seus numerosos facultativos vencimentos iguais aos dos subdelegados de saúde, viu-se até abrangida pela lei do sêlo, pagando dezenas de contos que o fisco foi buscar às tarifas dos eléctricos.
Negada a assistência da Caixa Geral de Depósitos, ficam todos os administrados e administradores na impossibilidade de dar solução a um problema da importância dêste.
Eu sei que é esta a atitude inflexível de todos os administradores que têm gerido a Caixa Geral de Depósitos, que é essa a mesma resposta a todos os corpos administrativos, mas não deve ser assim, porque suponho eu, pelo menos pelo que sei, que a Caixa Geral de Depósitos deve querer realizar aquelas operações de crédito que lhe garantam o rendimento apreciável dos depósitos que lá são feitos e devo dizer que a Caixa Geral de Depósitos que tem procedido a êsses contratos é tam meticulosa nas cláusulas que impõe nos seus contratos que dizem respeito a prazos e' amortizações que se encontra sempre senhora de uma superioridade nas relações entre si e os seus clientes.
Para o caso chamo, pois a atenção do Sr. Ministro da Justiça, isto no interêsse da saúde pública e até da ordem pública de Coimbra, a fim de que S. Exa. faça sentir ao Sr. Ministro das Finanças a necessidade que há de colocar a Caixa Geral de Depósitos novamente numa situação que lhe permita resolver êstes assuntos que não têm carácter partidário, que não têm carácter político, mas que se referem somente à saúde pública e à comodidade dos munícipes que estão já a pagar muito dinheiro, nada vendo por parte do Estado.
Aproveito; Sr. Presidente, a ocasião de estar com a palavra para pedir a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que entre em discussão antes da ordem do dia e com prejuízo dos oradores inscritos o parecer n.° 770, o qual diz respeito a pensões de sangue, concedidas às mães dos oficiais do exército, parecer êste que tem o concorde de todos os lados da Câmara,
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer ao ilustre Deputado que acabou de falar, o Sr. Tôrres Garcia, que ouvi com a máxima atenção as suas considerações, as quais não deixarei de transmitir ao meu colega das Finanças.
Tenho dito.
O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: deve haver uma semana que eu pedi a V. Exa. para consultar a Câmara sôbre se permitia que entrasse em discussão antes da ordem do dia, sem prejuízo dos oradores inscritos, o parecer n.° 745; porém, devido certamente ao facto do mau funcionamento do Parlamento, muito principalmente ao princípio das sessões, S. Exa. não tem submetido à apreciação da Câmara o meu pedido.
Eu tenho a certeza absoluta de que não só V. Exa., como toda a Câmara, reconhecem realmente que êsse projecto de lei tem a máxima importância para a região que eu tenho a honra do aqui representar (Apoiados), e que, assim, é absolutamente necessário e urgente votá-lo, pois a verdade é que ainda hoje o Diário de Noticias traz um artigo em que se mostra o estado em que se encontra Ponta Delgada.
É da máxima urgência que êsse projecto se vote, e, assim, eu peço a V. Exa. o obséquio de na devida altura consultar a Câmara sobre se permite que êle entre imediatamente em discussão, logo após o projecto referente ás Misericórdias.
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Era êste o pedido que desejava fazer a V. Exa. pedindo-lhe mais o obséquio de me reservar a palavra para, quando esteja presente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Tenho dito.
O Orador não reviu.
O Sr. Viriato da Fonseca: — Sr. Presidente: Tinha pedido a palavra estando presente o Sr. Ministro das Colónias e, assim, peço a V. Exa. o obséquio de ma reservar para quando S. Exa. estiver presente.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: como não está presente o Sr. Ministro das Colónias, peço a V. Exa. o obséquio de mo reservar a palavra para quando S. Exa. esteja presente. Aproveito a ocasião de estar com a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei que regula os vencimentos dos oficiais de referva e reformados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Dinis de Carvalho: — Peço a V. Exa. o obséquio de me reservar a palavra para quando estiver presente o Sr. Ministro da Instrução.
O Sr. Marques de Azevedo: — Pedi a palavra para pedir a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que antes da ordem, e sem prejuízo dos oradores inscritos entre em discussão o parecer n.° 590.
O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: há tempos eu fiz uma reclamação ao Sr. Ministro da Marinha, no sentido de ver se S. Exa. provia de remédio a um facto dado em S. Martinho do Pôrto. É o caso de, não havendo barcos para os pilotos, não sendo, portanto, possível com os proventos da pilotagem construir um barco para a fazer se encontrar aquele porto em condições excepcionalíssimas, quais sejam as de não permitir a entrada aos pequenos barcos costeiros que lá costumam aportar, e nomeadamente àqueles que no fim do verão por ali passam com destino ao Algarve, e vão buscar frutas e madeira.
Sr. Presidente: quere-me parecer que nas disponibilidades que só encontram no Ministério da Marinho seria fácil talvez encontrar um fundo que só destinasse à aquisição dum barco que servisse para a pilotagem naquele porto.
Bom será que eu não descortine por parte do Govêrno o propósito de criar dificuldades à solução dêste assunto, porque então ver-me hei na necessidade de retribuir, com juros acumulados, os propósitos de não se atender uma reclamação justas e a vender caros os interêsses da minha terra, não obstante eu saber que por disposição constitucional, não sou Deputado do meu círculo, mas da nação
Espero que o Govêrno não procure criar dificuldades a esta aspiração, condenando assim a uma morte certa os que, por um hábito antigo, se dêem ainda a considerar aquele porto como valendo alguma cousa.
Todavia, se o Govêrno, ao contrário dos povos dessa região, entende que êle não serve para nada, eu tenho elementos suficientes pura lhe amargurar a existência aqui neste mar largo, onde, sem muita água benta, basta falar uma meia hora sôbre cada assunto para nada marchar.
Eu sei que aqueles que não têm por costume subir amiudadas vezes as escadas dos Ministérios, são considerados valores desprezíveis para os Governos.
E, porque o sei; eu continuarei a ser para todos os Governos pelo menos aquilo que êles parecem ambicionar mais que tudo, isto é, um valor numérico.
Mas também é bom que se registe que eu estou disposto a ser um valor de revanche.
Doutro assunto respeitante à minha terra eu desejo ocupar-me, e êsse corre pela pasta do Comércio.
Trata-se do colector geral de S. Martinho, cujo estado de conservação constitui um perigo eminente para a sanidade daquela terra, principalmente nesta época, em que ela se encontra já cheia de banhistas.
As iniciativas particulares, estão provendo a êste facto, mas não lhos podemos abandonar tudo, e eu creio que tenho o direito de pedir alguma cousa para a minha terra, que até agora me dá a vaidade de poder dizer que é a única localidade onde não existem analfabetos, o que
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aliás também é devido às iniciativas particulares.
Agora que não lia possibilidade do só manterem as escolas em S. Martinho, por absoluta falta de verba, eu julgo que será ocasião de o Sr. Ministro da Instrução lhes dar qualquer subsídio, para que elas se não vejam na necessidade de fechar; e, uns míseros cobres dados do auxílio à junta do freguesia, serão suficientes para que ela possa continuar a ministrar a instrução, tanto mais que pela forma como ela tem desempenhado a sua missão, gra-geou inteiramente o direito de que só lembre ao Sr. Ministro da Instrução que se deve dar pressa a conceder o apoio de que ela necessita agora.
Termino, pois, esperando que o Sr. Ministro da Justiça transmita ao seu colega da Instrução, estas minhas considerações, e estou também convencido de que tia parte em que elas dizem respeito aos Srs. Ministros do Comércio o da Marinha, serão também atendidas, visto conterem princípios absolutamente justos o que vale a pena satisfazer por todas as razões e mais uma.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Continua em discussão o parecer n.° 724.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Sr. Presidente: ouvi aqui o Sr. Carvalho da Silva, referindo-se ao montante dos vencimentos do governador de Timor, estranhar que êsses vencimentos atinjam uma cifra muito elevada.
De facto há uma disparidade flagrante entre os vencimentos do governador de Timor e os dos governadores de outras colónias, como por exemplo, as de Cabo Verde, Guiné e S. Tomé.
Bem sei que êste assunto não tem relação directa com o projecto em discussão, mas vem a talho de foice chamar a atenção do Sr. Ministro das Colónias, para a situação verdadeiramente vergonhosa em que se encontram os governadores das colónias da costa ocidental.
Os seus proventos são insuficientes em face da carestia da vida, que é talvez maior nessas colónias do que na metrópole.
É necessário ter em vista que êsses governadores representam a soberania nacional nas colónias, e que portanto mester se torna que se encontrem era condições de poderem ter aquela apresentação que lhos exige o prestígio de Portugal. A propósito declaro que é do meu conhecimento um facto passado com o actual governador de Cabo Verde, que bem mostra a insuficiência de recursos monetários, dos governadores.
Êsse facto é o seguinte:
Aquele governador logo na primeira recepção que teve do dar o que foi a uma missão americana, que estava na província, gastou o correspondente ao que recebe durante dez meses para despesas de representação.
Ficou assim imediatamente inibido de poder corresponder a qualquer gentileza diplomática que viesse depois a receber da parte de qualquer entidade.
Sr. Presidente ao projecto em discussão, dou o meu voto, estranhando todavia que se peça um crédito tam pequeno, quando os encargos a atender são muito superiores, e que só procuro dar a desoladora impressão de que em Timor não há um problema económico a resolver, e que, no Ministério das Colónias não há a visão da situação daquela nossa colónia.
Sei que êste projecto é do moro expediente.
O Sr. actual Ministro das Colónias, limitou-se a aceitar o que fora aqui apresentado pelo Sr. Mariano Martins, seu antecessor.
É uma medida do moro expediente, que não pode satisfazer por si só, visto que a Timor se deverão dar todos os recursos do que essa colónia necessite para valorizar as suas riquezas incalculáveis.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato): — Sr Presidente: pedi a palavra para dizer ao Sr. Carlos de Vasconcelos que tomei em devida conta as considerações que S. Exa. acaba do expender.
Quando se tratar da organização dos orçamentos coloniais eu terei o prazer de cooperar nesse trabalho o procurarei aumentar os vencimentos dêsses governadores a que S. Exa. se referiu, caso disponibilidades se encontrem que permitam efectivar êsses aumentos.
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O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Para se darem êsses aumentos basta que V. Exa. os ordene por um despacho seu.
Por um decreto do Sr. Rodrigues Gaspar ficou ao arbítrio do Ministro das Colónias a fixação do coeficiente do custo da vida. Bastará que S. Exa. atenda às condições do custo da vida em cada uma das colónias, para logo reconhecer a necessidade de ordenar o aumento do coeficiente.
O Orador: — Tenho como princípio assente não alterar as despesas de qualquer colónia sem conhecimento dela. A autonomia das colónias impõe-lhes encargos; será bom que se lhes reconheçam direitos.
A propósito, quero referir-me ao que, segundo li nos jornais, aqui foi dito pelo Sr. Carvalho da Silva, na sessão de ontem, sôbre o vencimento do governador de Timor.
Parece que S. Exa. disse que êsse governador vencia 300 contos por ano!
Ora isto não é exacto.
O governador de Timor não recebe escudos; recebe patacas, e tem de fazer às suas despesas também em patacas.
E não são tantas as patacas com que se remunera aquele cargo, visto que ninguém o quere. O Sr. Meira está nomeado, mas ainda não foi para lá.
Fica assim feita a rectificação.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: a gente ouve cousas neste Parlamento, que fica verdadeiramente assombrado!
Assim, a naturalidade com que o ilustre Ministro das Colónias acha bem que o governador de Timor — e quando me refiro ao governador de Timor não me refiro à pessoa, mas à entidade — ganhe quantias incomportáveis, que não fazem senão escandalizar a opinião pública e que acarretam vencimentos elevadíssimos aos outros funcionários das colónias, é realmente espantosa.
O Sr. Carlos de Vasconcelos pôs a questão muito claramente: independentemente da actualização, diz S. Exa., os governadores de certas colónias passaram a ter mais 50 por cento e depois a actualização completa era ouro.
Ora eu pregunto se os funcionários da metrópole têm qualquer cousa que se pareça com a actualização de vencimentos, estando aliás em condições desgraçadas. Não me parece que isto possa admitir-se, tanto mais que sou monárquico e sei que no tempo da monarquia ominosa não havia qualquer funcionário que com os seus vencimentos pudesse fazer fortuna, o que hoje freqüentemente se dá.
Num regime que se diz ter-se estabelecido para acabar com privilégios, não vejo senão estabelecer privilégios, com - emolumentos na metrópole e vencimentos espantosos nas colónias. Ora isto não está certo!
Ainda ontem, em conversa particular, alguém me informou de que não é só o governador de Timor, nem o de Macau, que ganham muitíssimo, pois que o governador geral da índia faz mais de 400 contos por ano, e o Sr. Alto Comissário de Moçambique faz mais de 1 conto por dia, e quando sai da capital da província tem ajudas de custo que representam, ao câmbio, mais de 1.500$ por dia. Isto é escandaloso o repugna a todas as consciências honestas.
Não apoiados da maioria.
Vozes da esquerda: - Mas as despesas em que moeda são?
O Orador: — Seja o que fôr; é um escândalo que haja um funcionário em Moçambique que possa fazer no fim do ano 600 e tantos contos de vencimentos. E não há o direito de pedir ao país que pague mais emquanto se não acabar com êstes escândalos.
Já tenho ouvido nesta Câmara e lá fora dizer que quando vierem as contas que a metrópole tem de pagar às colónias a nossa situação, que já é verdadeiramente angustiosa, tornar-se há muito pior.
Representa, pois, um crime, que nem a gente pode conceber, o facto de o Sr. Ministro das Colónias, dentro desta moral administrativa maldita da República, achar natural que os vencimentos do Sr. governador de Timor sejam o que são, porque os outros governadores também têm vencimentos elevados, como se esta moral do sapateiro de Braga pudesse ser arvorada, em moral do Estado. Apoiados,
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Todas as grandes operações que tenho visto anunciadas para salvar o país não passam de operações desgraçadas, simplesmente destinadas a encobrir todos êstes escândalos e toda esta voragem dos dinheiros do Estado.
Mas é normal êste estado de cousas para um regime em que os seus homens públicos dizem que a aprovação das contas do Estado não tem importância e que por isso não as estudam a sério. Isto não é nada para um Parlamento que, tendo marcado sessões nocturnas para discutir os orçamentos, durante oito sessões encerrou os seus trabalhos por falta de número, só ontem começando a discutir o orçamento da Instrução.
É preciso que se acabe com todos os escândalos e que não se permita isto que o Sr. Ministro das Colónias acha normal, dando-nos a idea clara de qual é a moral administrativa do Govêrno.
Não seremos nós, dêste lado da Câmara, que votaremos créditos e mais créditos para as colónias para que se administrem com a moral do sapateiro de Braga.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: tive ontem ocasião de dizer ao Sr. Ministro das Colónias os motivos por que me parecia que o projecto de lei que S. Exa. perfilhou e que o seu antecessor apresentou não devia ser aprovado pela Câmara.
Não tenho no assunto o especial propósito de mostrar de Deputado oposicionista para colocar em dificuldades um Ministro; o meu intuito é mais elevado do que êsse; deriva exactamente das afirmações que se fazem constantemente hoje em toda a parte acerca do estado financeiro das colónias.e das suas causas.
Há pouco tempo, ainda no momento em que o Sr. Ministro das Colónias tomou posse, um alto funcionário dêsse Ministério, secretário geral, declarou certamente com a responsabilidade do seu cargo e com a responsabilidade do momento em que proferiu as suas palavras, que a situação desastrosa das colónias derivava da demasiada autonomia que lhes foi dada.
Estou fim crer que o Sr. Ministro das Colónias não deixará de exigir que êsse
alto funcionário do Ministério, e declarante, apresente a prova e relatório das suas afirmações, tanto mais que êsse alto funcionário do Ministério das Colónias foi já Ministro das Colónias, e num relatório largo apresentado à Câmara defendeu uma espécie de descentralização e autonomia que era bem maior do que aquela que veio finalmente a ser decretada.
Creio, repito, que o Sr. Ministro das Colónias não deixará de exigir as provas das afirmações que fez.
Independentemente dêsse facto, em todos os jornais e entrevistas dos vários políticos que pensam em colónias, mais ou menos superficialmente, aparece a afirmação de que a autonomia das colónias e sua descentralização administrativa são a causa principal da sua má situação financeira.
Estou absolutamente convencido do contrário.
Apoiados.
Creio que a causa do desastre financeiro das colónias deriva principalmente, além das causas gerais que todos conhecemos, da falta de acção e fiscalização do Ministro das Colónias.
Estou pronto a demonstrá-lo ao Sr. Ministro quando se der habilitado para a interpelação que tenho anunciada.
Estou convencido de que a falta de fiscalização nas colónias é a causa principal da forma como têm sido as colónias, administradas.
Se é preciso um subsídio, o primeiro dever é dizer ao Parlamento o motivo por que é necessário êsse subsídio, as despesas que podem ser reduzidas.
Não se deve votar um subsídio para uma colónia sem se averiguar a sua situação, e ver se podem ser criadas novas receitas e reduzidas as despesas.
Mas o Govêrno veio aqui pedir que votemos um subsídio da metrópole, como se a metrópole tivesse dinheiro com que pudesse fàcilmente subsidiar as colónias que não sabem administrar-se com os seus próprios recursos.
Também não é verdadeira a afirmação de que se justificam os larguíssimos vencimentos marcados em algumas colónias.
Aumentou-se aqui o vencimento aos oficiais do exército. Nas colónias passou-se a pagar êsse vencimento em ouro, o
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que deu em resultado, como em Timor, os funcionários vencerem mais que o dôbro do que era razoável, e do que venciam antes da guerra.
Porquê?
Nós damos subsídios e não pensamos em mais nada.
Eu já há quatro anos ouvi esta história de se vir pedir um subsídio como medida transitória; agora vem pedir-se novamente um subsídio, como medida transitória, para repatriar soldados.
Daqui a 1, 3, 5 ou 10 anos hei-de ouvir a mesma cousa, há-de novamente vir pedir-se ao Parlamento a aprovação 40 novos subsídios como medidas passageiras.
O que é preciso também é administrar por forma que as receitas cheguem para as despesas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — O Sr. Carvalho da Silva verberou de tal forma a administração republicana nas colónias que eu não posso deixar de lembra? o
que foi a administração monárquica.
Não havia então à autonomia financeira das colónias. Era a metrópole, e ainda uma ou outra colónia que supriam os deficits das outras.
Se fôssemos a fazer a soma das verbas que a metrópole fornecia às colónias veríamos que desde que se estabeleceu essa autonomia a metrópole ficou muito mais aliviada de encargos.
Eu alguma cousa queria dizer sôbre autonomia financeira das colónias, mas o ilustre Deputado Sr. Ferreira da Rocha acaba de expender com muito brilho as ideas que mais ou menos eu tenho, e, portanto, abstenho-me de fazer referências, declarando apenas que apoio as palavras de S. Exa.
Parece-me também que estamos a fazer muito barulho para pouca cousa.
O Sr. Ministro das Colónias, a quem presto as minhas homenagens, vem pedir à Câmara 1:500, contos para ocorrer a despesas inadiáveis, como são as que se têm de fazer com o transporte às tropas, de Timor para Moçambique:
Em face dêste pedido a S. Exa. já foram ditas as palavras, necessárias.
Agora resta-me só dizer aos que fazem a campanha contra a autonomia financeira das colónias que é no Ministério das Colónias que está o grande mal.
E que nós criámos êsse regime dá autonomia, mas não adaptámos aquele Ministério à acção fiscalizadora dessa autonomia..
Criámos os auditores, mas, arrastados por constante desejo de bons portugueses de estabelecer novos organismos burocráticos, pusemos do lado dêsses auditores repartições inúteis.
Em França criaram-se os inspectores coloniais, que, pela característica dêsse cargo, estão independentes da acção dos governadores.
O que temos a fazer é trabalhar, pelo desenvolvimento das colónias, aproveitando todos os seus recursos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato): — Sr. Presidente: não, só pelo muito respeito que tenho pelos oradores que acabam de falar, mas para estabelecer princípios, pedi a palavra.
A hora vai adiantada e eu não, quero tomar muito tempo à Câmara, mas não posso deixar de dizer que sou pelo sistema de autonomia das colónias,
Com êsse sistema pode haver um mau Govêrno, mas sem autonomia todos os Govêrnos são maus.
Todos os países do mundo têm dado autonomia às suas colónias.
A Espanha, que não deu essa autonomia, às suas colónias, perde-as todas.
É êste o princípio que tenho sempre mantido. Sendo agora Ministro, não posso sustentar uma opinião contrária.
O regime de fiscalização considero-o necessário para verificar se a acção dos governadores e dos Altos Comissários se confina dentro dos termos legais.
O Sr. Ferreira da Rocha (interrompendo): — 50 por cento dos diplomas promulgados nas colónias estão fora da lei.
Àpartes.
O Orador: — Eu hei-de fazer o que puder, e S. Exa. verá, se eu continuar neste lugar, que os meus actos estão em harmonia com as minhas palavras.
Quanto ao caso de Timor, é tam pe-
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queno que não vale a pena dar-lhe importância.
Conheço bem a província, e sei que é necessário que o governador embarque. Não é fácil faser a repatriação que se torna necessária, pelas dificuldades dos meios de transporte, e logo que para a colónia siga o Sr. coronel Meira o assunto será tratado.
Devemos evitar despesas mas o que é certo é que é necessário que essa repatriação se faça.
Fretar um navio para êsse fim custa hoje muito dinheiro, e os 1:000 contos gastar-se-iam todos.
Eu hei-de trazer todos os documentos ao Parlamento, e a Câmara verá como o assunto foi resolvido.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na ordem do dia.
Foi aprovada a acta.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Continua a discussão do parecer n.° 717. Tem a palavra o Sr. Dinis da Fonseca.
O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: é esta a oportunidade para salientar a forma como correm as discussões nesta Câmara.
Não sei já há quantos dias, mas há mais de quinze ou vinte, que comecei a tratar do assunto em discussão, e desta forma não há meio de fazer obra proveitosa.
Em nenhum Parlamento do mundo, tenho a certeza, se seguirá um tal sistema.
Eu nem sei já em que ponto suspendi as minhas considerações, nem decerto nenhum colega meu desta Câmara o poderá dizer, mesmo no caso de ter prestado a maior atenção às minhas palavras.
Recordo-me, porém, muito vagamente de que, ao suspender as minhas considerações, me estava referindo à repressão de fraudes.
Quando V. Exa., Sr. Presidente, me anunciou que era hora de encerrar a sessão começava a apreciar êste ponto do parecer.
Afirma-se no parecer que é absolutamente necessário que se faça a repressão das fraudes.
Nada mais vago do que esta afirmação constante do artigo 4.°; limita-se êle a afirmar a necessidade de fazer repressão de fraudes, não nos -dizendo como, o antes nos deixando antever que todo dentro dele caberia, a título de repressão defraudes.
Ora, Sr. Presidente, é certo que as fraudes existem contra o Estado, é certo que quanto mais apertada só julga a rede da lei para atingir o contribuinte, mais fàcilmente muitas vezes parece se torna a defesa do contribuinte pela fraude para inutilizar a lei.
E assim tem de ser, uma vez que da parte dos próprios funcionários não haja aquele zelo, aquela competência, aquela idoneidade que seriam indispensáveis para que a repressão das fraudes se fizesse por uma forma efectiva.
É que, Sr. Presidente, debalde se procura introduzir na nossa vida financeira a forma de conceito ou de espírito puramente materialista.
Quais são os estímulos que o funcionário tem neste momento para ser honesto e para realmente ter a peito a repressão das fraudes a favor do Estado?
Tem porventura um estímulo moral?
Mas qual é a moralidade que deve imperar sôbre o funcionário quando ela se reduza por fôrça do próprio ideal que hoje domina inteiramente todas as funções do Estado?
Qual é o conceito moral que não seja o desinteresse?
E porventura a noção da dignidade profissional?
Sr. Presidente: todos nós sabemos que para que essa noção exista, para que o funcionário a cultive, para que êle tenha empenho em a manter, era preciso que o Estado fôsse o primeiro a dar é exemplo de respeito e consideração pela dignidade do funcionário.
Ora todos nós sabemos que, quantas vezes são os funcionários mais mal comportados, os que não têm a peito a sua dignidade profissional, aqueles que são mais bem tratados, aqueles que são os meninos bonitos, aqueles que recebem maiores provas de confiança e maior protecção encontram da parte do Estado,
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E assim, Sr. Presidente, que não existe o conceito da moralidade, porque infelizmente o Estado entende que nem sequer é preciso ensinar moralidade aos funcionários que se vão formando, tendo abolido por dispensável o conceito de moralidade religiosa, estando nós à espera, a respeito de moralidade cívica, que o respectivo compêndio apareça, para se saber qual o conceito que deve orientar os cidadãos e os servidores do Estado.
Não existindo, como estímulo para o funcionário reprimir as fraudes, nem o conceito de honestidade, nem o conceito superior de dignidade profissional, poderia restar o medo da polícia, mas êste medo só pode actuar quando o funcionário não tenha forma e não encontre facilidade de fugir à alçada da própria polícia.
Em resumo, Sr. Presidente, é indispensável reprimir as fraudes, mas não será pelo processo nem pela forma anunciada x no texto dêste parecer que ela se conseguirá realizar.
Duas cousas se apuram como conclusão das minhas considerações relativamente à repressão pelos funcionários das fraudes contra o Estado em matéria fiscal: era preciso que b exemplo partisse de cima e que a série de desmandos e de grandes descobertas não encontrassem da parte do próprio Estado cumplicidade.
Pois não vemos nós que sucessivos escândalos descobertos da parte de funcionários encontram uma espécie de transigência que chega a ser até cumplicidade, deixando-os sempre impunes ou dando-se uma punição que equivale, afinal de contas, a ficarem impunes?
Á impunidade de funcionários que prevaricaram é um incentivo que arrasta a novas prevaricações, a novas fraudes, a novos desmandos por parte dos funcionários.
Era preciso, para o Estado ganhar autoridade, que á punição dos funcionários que abusam das suas funções se fizesse, mas duma forma electiva, para que assim não se vissem equiparados na prática o funcionário que é bom e que cumpre, ao que prevarica, dando-se ainda o caso dêste ter as mesmas regalias e até muitas vezes ser mais acarinhado que o bom e honesto funcionário.
E porquê, Sr. Presidente?
Direi ainda a razão: é porque havendo em todos os partidos que se encontram representados nesta Câmara, homens honestos, muitas vezes êles fraquejam, quando têm de fazer incidir a justiça sôbre elementos políticos que lhes são afectos.
Emquanto não se fizer a própria moralização, emquanto os partidos políticos não procurarem ganhar a autoridade afastando das suas fileiras os elementos corruptos, os elementos que desprestigiam a sua autoridade moral, não haverá possibilidade do Estado ganhar a sua própria autoridade.
Era preciso que se fizesse uma separação bem mais importante do que aquela com que ofenderam as consciências religiosas do país; era preciso que se fizesse a separação da política dos negócios, e emquanto a política dos negócios andar misturada com a política do país debalde se procurará reprimir as fraudes, porque o exemplo vem de cima.
Faça-se, pois, essa separação, separação que vem sendo reclamada há muito, separação que seria fundamental para â moralização da política portuguesa.
A verdade é que emquanto isto se não fizer o Estado não tem autoridade para reprimir fraudes.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): — Traga V. Exa. à Câmara um projecto nesse sentido, que eu desde já lhe declaro que estou pronto a defendê-lo e a votá-lo.
O Orador: — Sr. Presidente: folgo muito em ouvir da boca do ilustre relator que está de acordo com as minhas observações, pois a verdade é que S. Exa. é o primeiro que declara que apresente eu um projecto à Câmara, que está pronto a defendê-lo e a votá-lo.
Assim, Sr. Presidente, vou dar por concluídas as minhas considerações. No emtanto, devo dizer mais uma vez que a repressão das fraudes não se fará emquanto se não' puser em prática o que acabo de dizer.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: eu desejaria que o Sr. Ministro das Finanças nos dissesse se perfilha ou
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não a opinião do Sr. Álvaro do Castro, isto é, se é do opinião que devera ser aprovados os adicionais como estão no parecer, ou de qualquer outra forma.
Desejaria que S. Exa. elucidasse a Câmara a tal respeito, a fim do nos podermos orientar sôbre a discussão.
Tenho dito.
O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar ao Sr. Carvalho da Silva que, se bem que não tenha aqui os cálculos, entendo que as propostas devem ser votadas tal qual foram apresentadas.
Êsses cálculos não são mais do que uma estimativa, porque V. Exa. sabe que até à cobrança dos impostos não se pode verificar rigorosamente a importância das contribuições.
Em todo o caso a minha opinião é que devem ser votadas as taxas que foram apresentadas à consideração da Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: — Toda a Câmara sabe, e nomeadamente o Sr. Vitorino Guimarães, quanto lhe foi difícil na Conferência Internacional de Génova fazer uma reserva acerca da bandeira portuguesa. Creio que S. Exa., no seu aceno de cabeça, me dá razão;
Sr. Presidente: pela lei n.° 1:368 são isentos da contribuição industrial todos os operários, o eu suponho que essa isenção deve ser extensiva aos tripulantes de navios de longo curso, cabotagem e embarcações fluviais, para que não continuemos a lutar com a navegação estrangeira, com mais esta dificuldade, que fatalmente há-de ser descarregada sôbre os fretes.
Nestas condições, aproveito a ocasião para mandar para a Mesa mais um parágrafo de aditamento ao artigo 1.°
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: confesso a V. Exa. que, depois das explicações que o Sr. Ministro das Finanças acabou de dar, fiquei sem saber nada.
Não só trata de estimativa, mas sim de saber qual o limite que o Sr. Ministro
das Finanças entende que pode ser exigido ao contribuinte.
Eu compreendo que S. Exa. não tenha tido ainda tempo de estudar a matéria que agora se discute, mas o que é indispensável é que leve a sua amabilidade até o ponto de nos dizer se os adicionais que se discutem cabem dentro da capacidade tributária do contribuinte.
Era isto que eu desejava que o Sr. Ministro das Finanças me elucidasse o à Câmara, para que ela possa conscienciosamente pronunciar-se sôbre a matéria que se discute.
Espero, pois, da amabilidade do Sr. Ministro das Finanças o favor de nos elucidar a êste respeito.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — O Sr. Carvalho da Silva é duma grande amabilidade, mas o que é verdade é que nenhum de V. Exas. está habilitado, nem pode responder rigorosamente às preguntas que V. Exa. me fez.
V. Exa. sabe que a capacidade do contribuinte é um problema que nem mesmo V. Exa. pode resolver.
É preciso que o contribuinte dê ao Estado aquilo de que êle necessita.
O Sr. Carvalho da Silva: - Actualizar impostos num País de depreciação de moeda é uma cousa eqüitativa e justa?
O Orador: — Actualização tanto quanto possível aproximada da desvalorização da moeda.
O orador não reviu.
O Sr. Morais de Carvalho: — Não pensava entrar neste debate, e prometo que as minhas considerações serão muito breves.
As considerações do Sr. Ministro das Finanças são tudo quanto há de mais vago.
Se S. Exa. tivesse assistido ao debate na generalidade acerca da proposta, teria assistido à demonstração que aqui foi feita por parte do vários lados da Câmara, do que os rendimentos dos contribuintes se não encontram actualizados na maior parte dos casos (Apoiados), e por conseqüência não é do maneira alguma do defender uma actualização de contribuições.
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Por certo que se tivesse assistido a êsse debate não teria feito a afirmação de que era partidário da actualização tanto quanto possível aproximada da desvalorização da moeda,
Mas o Sr. Álvaro de Castro, que é o Ministro das Finanças... que tem a responsabilidade da proposta que está em discussão, poucos dias antes de deixar o Ministério apresentou a esta Câmara uma lei de meios precedida de um relatório em que pretendeu demonstrar que o deficit quási tinha desaparecido.
S. Exa. foi fazendo o cômputo das várias receitas para nos convencer que tinha feito quanto possível para extinguir o déficit.
Mas S. Exa. não entrou em linha de conta com a actualização da contribuição industrial, nem com a actualização da taxa militar, previstas na proposta, nem com as actualizações previstas na alínea b) do artigo 1.°
O Sr. Álvaro de Castro: — Êsses cálculos foram feitos com um critério de exactidão.
O Orador: — Mas V. Exa. entrou apenas em linha de conta com a actualização da contribuição predial rústica, o que prova que ela é bastante para matar o déficit.
Trava-se diálogo entre o orador e o Sr. Álvaro de Castro.
O Orador: - Sr. Presidente: verifica-se que o Sr. Álvaro de Castro não quis matar o déficit de repente, pois dispunha de meios bastantes para o fazer.
O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo): — V. Exa. imagina que a extinção do déficit é obra de um homem, mas tal não acontece.
O Orador: — Quem pensou isso foi o Sr. Afonso Costa.
O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo): — Essa extinção é resultante de muitos factores.
O Orador: — Sr. Presidente: perdi mais uma ilusão.
O Sr. Álvaro de Castro acaba de dizer que eu estou enganado e que para não fazer surpresas não contou com as receitas resultantes desta proposta para equilibrar o orçamento.
Mas desde que é assim, e que o Sr. Ministro das Finanças declarou que mantinha a proposta, resta-me só apelar para a Câmara, para que não seja aprovada a monstruosidade que ela representa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à votação da proposta de lei n.° 688-A. Foi aprovada.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo
Feita a contraprova, aprovaram 44 Srs. Deputados e rejeitaram 17.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o parecer n.° 717.
Foi aprovado.
G Sr. Almeida Ribeiro: — Estando em discussão conjuntamente o parecer n.º 598 desejava saber se também está em discussão o artigo 2.° de um projecto de lei que aqui foi votado só no seu artigo 1.°. devendo ser agora discutido e votado o artigo 2.°
O Sr. Presidente: — Por uma deliberação da Câmara, o artigo 2.° da proposta n.° 744 está também em discussão.
O Sr. Morais Carvalho (para um requerimento): — Sr. Presidente: peço a V. Exa. para consultar a Câmara sôbre se consente que a discussão na especialidade se inicie pelo parecer n.° 717.
O Sr. Presidente: — É desnecessário o requerimento, porque a Mesa já tinha essa intenção.
Vai ler-se o artigo 1.° do parecer.
É lido e entra em discussão.
O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: em face das considerações feitas por alguns Deputados da minoria, estou de acordo em que, em lugar do se fazer a actualização dos impostos em função dos valores cambiais, melhor será fazê-la
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em função do coeficiente do custo da vida, não só por uma questão do simetria, porque já há leis que assina se regulam, mas porque isso vai beneficiar um pouco os contribuintes.
Nesta ordem de ideas, a proposta que vou mandar para a Mesa de substituição ao artigo 1.° visa a estabelecer aquele propósito.
Com respeito à taxa militar, devo dizer que se trata da parte fixa, porque a parte móvel não é de aceitar conforme está estabelecida no decreto de 1911, mas desta parte ocupar-me hei em ocasião oportuna.
Quanto à parte fixa acho que se deve também actualizar e nesse sentido mando para a Mesa uma proposta.
Devo salientar que destas modificações resulta um aligeiramento nos encargos a incidir sôbre os contribuintes.
Trocam-se vários àpartes
O Orador: — Eu não posso tomar nota de casos especiais.
Com respeito aos números indicadores do custo da vida, devo dizer que me reporto, em todas as circunstâncias, aos números oficiais. Sôbre êles fiz os meus cálculos para Julho dêste ano, encontrando para multiplicador do custo da vida actual o n.° 24.
No ano passado êsse multiplicador era representado pelo n.° 18.
O acréscimo dos últimos meses foi de 0,8.
Ora toda a gente sabe que a desvalorização da nossa moeda vai muito além de 24 vezes, e, nestas condições, a adopção do multiplicador «custo de vida» traz incontestáveis vantagens para o contribuinte...
O Sr. Carlos de Vasconcelos: — O raciocínio de V. Exa. não me parece exacto. Basta fazer um exame superficial ao preço dos géneros para se verificar que o aumento que êles sofreram é muito superior ao aumento do preço da libra em relação à nossa moeda.
Não apoiados.
O Orador: - Creio que o Sr. Carlos de Vasconcelos se engana.
Se há géneros que subiram 30 e 40 vezes, há outros que ainda lá não chegaram.
Os números oficiais que servem de base aos meus cálculos não me parecem defeituosos. De resto não existem outros e assim eu tenho de me submeter àqueles que me são fornecidos pelo Ministério do Trabalho.
O Sr. Morais Carvalho: — O critério de V. Exa. não é bom, pois diz que vai beneficiar o contribuinte e, afinal, não vai.
O câmbio a 4 dá a moeda a 2,6 mais alta, mas se V. Exa. fôr ver o custo da vida em 1922, V. Exa. encontra um multiplicador inferior a 2,6.
Como é que por esta forma o contribuinte fica beneficiado?
O Orador: — Eu vou explicar: quanto maior fôr a circulação fiduciária maior é a percentagem do contribuinte e maior é o custo de vida.
É o imposto que mais incide sôbre o contribuinte.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Leu-se a proposta do Sr. Velhinho Correia e foi admitida.
O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à contraprova.
Os Srs. Deputados que rejeitam queiram levantar-se.
Estão de pé 2 Srs. Deputados, e sentados, 54.
Está admitida.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que admitem a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Carlos Pereira ao artigo 1.° queiram levantar-se.
Está admitida.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam o requerimento feito pelo Sr. Tôrres Garcia, isto é, para que seja incluído antes da ordem do dia, sem prejuízo dos oradores inscritos, o parecer n.° 770, queiram levantar-se.
Está aprovado.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam o requerimento feito pelo
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Sr. Jaime de Sousa, para que seja discutido o parecer n.° 745 logo após a aprovação do parecer relativo às Misericórdias, queiram levantar-se.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: a Câmara está vendo a pouca vontade de trabalhar e a muita vontade de jantar que a maioria tem; devo dizer, porém, que o caminho que ela está seguindo, não permitindo que as oposições, antes da ordem do dia, possam ocupar-se de assuntos importantes, não merece o nosso aplauso.
Impede-se por todas as formas que os Deputados da oposição exerçam à fiscalização que devem exercer, pedindo contas ao Govêrno dos seus actos.
Isto é a negação completa de todo o regime parlamentar, e assim eu não posso compreender que a maioria proceda desta forma.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Hermano de Medeiros: — Sr. Presidente: devo dizer que estou inteiramente de acordo com as observações que acaba do fazer o Sr. Carvalho da Silva; porém, desta vez, trata-se de um assunto da máxima importância e de grande interêsse para o distrito de Ponta Delgada.
O parecer n.° 745 é da máxima urgência que se aprove, pois a verdade é que se trata de um imposto que já de há muito devia estar cobrado. Concordo, repito, com os observações feitas pelo Sr. Carvalho da Silva, mas o assunto de que se trata é da máxima urgência, e como tal entendo que se deve discutir quanto antes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam queiram levantar-se.
Está aprovado.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovara também o requerimento feito pelo Sr. Marques de Azevedo, para que se discuta antes da ordem do dia, e sem prejuízo dos oradores inscritos, o parecer n.° 595, queiram levantar-se.
Está aprovado.
O Sr. Presidente: — Continua em discussão o artigo 1.° do parecer n.° 717, e tem a palavra o Sr. Carvalho da Silva.
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: se dúvidas podesse haver da maneira por que são aqui apresentadas, sem estudo, as propostas, bastaria a emenda apresentada pelo Sr. Velhinho Correia para o demonstrar, pois, a verdade é que ela é a demonstração cabal e completa do que acabo de dizer.
Vai mais longe; é que S. Exa. apresentando um critério novo devia, a meu ver, dizer à Câmara qual era o coeficiente do custo de vida em 1922 e qual é hoje, para a Câmara poder sabor a diferença entre um e outro critério e poder pronunciar-se conscienciosamente sôbre a emenda de S. Exa. Mas não.
Preguntando há pouco, em àparte, a S. Exa., qual o coeficiente do custo de vida em 1922, S. Exa. respondeu que não trazia hoje os dados.
De maneira que, Sr. Presidente, a Câmara vai discutir um critério sem que lhe sejam fornecidos pelo autor da proposta de emenda quaisquer dados para se poder pronunciar em relação a essa emenda.
Disse S. Exa. com aquela legeireza com que costuma fazer afirmações, que esta lei estava já estabelecida no artigo 31.° da lei n.° 1:368 pelo que respeita a contribuição predial rústica. Não é verdade o que S. Exa. afirmou à Câmara.
Há no artigo 31.° o critério da diferença do custo de vida, mas para os prédios rústicos que foram avaliados nos termos do artigo 29.°
Quere dizer, refere-se apenas aos prédios rústicos em que tenha sido feita a avaliação directa.
Se reconhecermos, e S. Exa. é o primeiro que reconhece, que nós indo assim às cegas fazer ama multiplicarão para todas os prédios rústicos vamos agravar as injustiças já existentes, S. Exa. não pode sustentar que com o mesmo fundamento se aplique o mesmo critério aos prédios que não foram avaliados e que, portanto, não são susceptíveis de sofrer uma tam grande injustiça se se lhe aplicar êste critério.
Assim fica demonstrado que a afirmação feita por S. Exa. carece de fundamento.
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Mas, pregunto: c»qual é o critério a que obedeceu o Sr. Velhinho Correia ao modificar a proposta inicial para a emenda que enviou para a Mesa?
Acaso a intenção do S. Exa. é beneficiar o contribuinte?
Acaso é, pelo contrário, agravar ainda mais o que já tinha a proposta inicial?
Nem S. Exa. o sabe dizer porque o declarou, quando se lhe preguntou, que não sabia porque não tinha trazido os elementos precisos para fazer essa avaliação.
Não percebo para que se faz esta substituição.
Demonstrada assim a falta de base, com que S. Exa. enviou para a Mesa a sua proposta de emenda, atrevo-me a pedir ao Sr. Ministro das Finanças a sua atenção, porquanto S. Exa., não fazendo parte da Câmara, quando se Discutiu a generalidade, não ouviu aqueles argumentos que aqui foram apresentados, a fim de verificar com quanta sinceridade eu vou demonstrar que de nenhuma forma podem ser aprovarias estas propostas, porque não representam a actualização, mas muito mais que uma actualização.
É injusto, verdadeiramente inadmissível partir do princípio de que o contribuinte tem uma capacidade tributária multiplicada em relação a 1914, por um facto correspondente à desvalorização da moeda.
Os impostos não se lançam sôbre o rendimento bruto de ninguém.
Lançam-se sôbre o rendimento líquido; e êsse deve ser o primeiro cuidado de quem se dispõe a lançar impostos.
Há muitos géneros de lavoura, que estão hoje ainda no mesmo preço do que em 1922 ; outros ainda por preços inferiores.
Nenhum deles, salvo raríssimas excepções, excede o preço correspondente ao coeficiente do custo da vida, que se não saiba qual seja afinal.
O custo dos géneros, não acompanha em nenhum país o factor de depreciação do valor da moeda; mas também não acompanha desde 1922, para cá, entre nós.
Mas se o lavrador, o comerciante ou industrial, não vendo os seus géneros trinta e cinco vezes o preço do 1914, manifestamente, se as suas despesas são superiores a trinta e cinco vezes às de 4914, os lucros estão sensivelmente deminuídos.
Assim é que a cortiça custa apenas doze vezes mais que em 1914.
Outros géneros há com um aumento inferior àquele, como por exemplo, o vinho, que tendo agora há dois meses um preço um pouco superior a 1922, chegara a vender-se por preço muito inferior ao que se vendia em 1922.
Assim, se o preço de venda é menor, ou sensivelmente igual, se temos todos de constatar que os salários aumentaram em quarenta ou cinqüenta vezes, temos de concluir que longe de se poder partir do critério de que a capacidade tributária aumentou, temos de concluir o contrário.
Logo êste critério é absolutamente injusto, não pode de maneira nenhuma ser adoptado.
Mas não pára aqui a injustiça, e falta 4e base dêste critério.
Vai mais longe: começamos pela contribuição industrial, que parte do princípio de que nenhum contribuinte poderá pagar contribuição inferior a 1914, multiplicada pelo factor da depreciação da moeda.
A taxa complementar exigida a cada contribuinte, era 27 vezes e 0,3 a verba principal da contribuição de 1914.
Mas temos a descontar a taxa anual, que é 9 em 1922.
Temos que pelo critério do Sr. Velhinho Correia a taxa anual será seis vezes o que pagava em 1922.
Mas incidem sôbre esta contribuição os adicionais apesar do Sr. Álvaro de Castro dizer que não.
Eu sou o primeiro a concordar que é preciso acudir às Misericórdias, e acho que não devem ser preteridas por outras instituições.
Vemos que, sendo 112 por cento os adicionais, o contribuinte irá pagar uma monstruosidade.
Ora eu pregunto se é possível manter êste critério.
Como se poderá exigir que a contribuição industrial e adicionais produzam uma soma de cinqüenta vezes mais daquilo que era em 1914?
E há ainda a ver que o contribuinte sujeito àquela contribuição tem mais ainda
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o encargo do pagamento do imposto de transacções.
Junto êste imposto à contribuição industrial, temos que o respectivo contribuinte terá de pagar, sensivelmente, uma verba superior em cem vezes a que pagava em 1914.
Mas não é só isto.
Em muitos concelhos subsiste o imposto ad valorem que é, em muitos casos, um imposto pesadíssimo.
O Sr. Velhinho Correia que condenou o critério adoptado pelos antigos grémios, vai buscar como base do sistema de tributação, todas as injustiças que provinham do sistema dos grémios.
Onde está a coerência num critério desta ordem?
O que é indispensável é haver um critério de justiça.
Sr. Presidente: para a contribuição industrial, em vez de partirmos do rendimento para estabelecer o imposto, partimos da contribuição que o indivíduo pagava em 1914, para lhe lançar todas as contribuições. Isto é absurdo. V. Exas. compreendera que se já havia erros, êles aumentaram extraordinariamente com a progressão.
Sr. Presidente: o contribuinte que citei, fica na parte baixa da escala, porque se formos a ver um contribuinte que pagasse mais em 1914, verificaríamos cousas extraordinárias.
Se nós reconhecemos que o contribuinte pagava em 1914 mais 2 contos do que outro, indevidamente, adoptando o critério do Sr. Velhinho Correia, êle terá de pagar, agora, a mais, 250 contos.
Repito, Sr. Presidente: êstes números demonstram a monstruosidade, que pode resultar da adopção desta maneira de ver.
Sr. Presidente: V. Exa. diz-me a que horas se passa à segunda parte da ordem do dia, porque não sei se tenha tempo de apreciar outra parte do artigo em discussão.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se já.
O Orador: — Então pedia a V. Exa. apara ficar com a palavra reservada.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia.
ORDEM DO DIA
Segunda parte
Prossegue a discussão do orçamento do Ministério da Instrução
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se a uma contraprova sôbre o pedido de urgência e dispensa do Regimento feito, para o seu projecto de lei, pelo Sr. Baltasar Teixeira.
Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 17 Srs. Deputados e sentados 28; não há número. Vai fazer-se a chamada.
Procede-se à chamada.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
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Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Lino Neto.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constando de Oliveira.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Viriato Gomes da Fonseca.
O Sr. Presidente: — Disseram «aprovo» 36 Srs. Deputados e «rejeito» 22.
Está aprovado.
Está em discussão juntamente com o orçamento o projecto de lei do Sr. Baltasar Teixeira.
O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: começo por saudar o Sr. Ministro da Instrução, a cujas qualidades pessoais e intelectuais presto a minha homenagem.
Nas condições em que temos de fazer a discussão dos orçamentos, entendo de minha obrigação restringir o mais possível as minhas considerações, e possivelmente não tomaria parte neste debate se alguns dos Srs. Deputados que me antecederam no uso da palavra não tivessem feito referências a um trabalho que apresentei a esta casa do Parlamento e que se encontra pendente do estudo das comissões respectivas.
É costume, a propósito da discussão na generalidade dos orçamentos dos vários Ministérios, fazer uma crítica aos seus serviços. Posso, porém, dispensar-me disso, porque o relatório que antecede a proposta de lei da educação nacional é uma tentativa de balanço ao estado actual dos serviços de instrução neste País, e contém tudo o que poderia dizer neste momento.
Sr. Presidente: durante o tempo que ocupei, mau grado meu, o lugar de Ministro da Instrução Pública, defini nítida e concretamente na acção um critério administrativo e um critério técnico, aos quais a prática tem dado absoluta razão. Dentro do ponto de vista técnico entendo que os serviços do Ministério se encontram do tal maneira que não será possível obter a sua proficuidade sem uma reforma de conjunto que contenha ao mesmo tempo um plano nacional de acção educativa e um plano de realização técnica dessa acção.
Visto não possuirmos os recursos materiais de pessoal e de finanças para uma rápida execução dêsse plano, a técnica da execução tem, portanto, de ser gradual, progressiva e experimental, tal como preconizei e continuo a preconizar. O processo que se tem adoptado e de que eu me descartei energicamente, de retocar, de alterar aqui e acolá, não tem feito mais nada do que baralhar ainda mais os serviços.
Apoiados.
O processo de execução imediata que tantas pessoas me recomendaram também é inteiramente impraticável, porque não existem no Ministério da Instrução os recursos indispensáveis para uma acção imediata e profícua: os serviços vivendo cada, vez mais duma restrição da sua esfera do acção e o pessoal por fôrça das condições económicas evadindo-se pouco a pouco das suas funções oficiais para procurar na actividade voluntária p suprimento de recursos que o exercício das suas funções públicas lhes não dá.
Por conseqüência, está inteiramente justificado o voto que dei ao requerimento do Sr. Baltasar Teixeira, cujas amáveis referências aqui agradeço, visto que essa obra desconexa, de circunstância improvisada, é absolutamente prejudicial à eficácia dos serviços do Ministério da Instrução, e tem por isso de ser enérgica e activamente combatida e impossibilitada por todos os que entendem que é chegado o momento de procurar obter o maior rendimento dos sacrifícios que a Nação já efectua neste capítulo da administração pública.
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Algumas objecções de carácter geral surgiram ao trabalho que tive ocasião de apresentar a esta casa do Parlamento, o até no decorrer da discussão do orçamento o Sr. Alberto Jordão, que eu lamento não ver presente para lhe agradecer as boas palavras que à sua Velha amizade lhe ditou, disse que essa proposta era idealista, baseando a sua argüição no facto db ela estabelecer um plano de ensino com inclusão do grau infantil.
Sr. Presidente: é quási uma banalidade técnica — mas é necessário dizê-lo a S. Exa. e a todos — afirmar que não há plano de ensino capaz, desde que nele se não inclua o ensino infantil; não teórica mas pràticamente. As despesas da sua realização embora importantes, não são incomportáveis, porque não são aqueles que se afiguram às pessoas que ràpidamente leram o trabalho que apresentamos.
Em todos os pontos do mundo o grau de ensino se realiza aproveitando o mais possível o ar livre. Ainda há pouco recebi uma revista alemã com numerosas fotografias por onde se vê que as escolas infantis são instaladas nas próprias avenidas da cidade de Berlim e que os abrigos são reduzidos às mais baratas de todas as instalações: á simples pavilhões em ripas de madeira.
Assim, nós poderíamos realizar êsse grau de ensino sem termos de efectuar os dispêndios que á muitos se antolhám.
Na verdade, Sr. Presidente, as instalações do ensino primário em Portugal correm o risco de ser um amontoado de ruínas dentro dm pouco tempo, pois; a verdade é que êste ano já meia dúzia dê escolas se têm convertido nisso.
Pode dizer-se pois, que é uma verdade, que â totalidade dos edifícios escolares em Portugal, mesmo os construídos propriamente para êsse fim, não possuem os mais elementares requisitos técnicos que são necessários e indispensáveis para ò ensino primário.
Quando tive á honra de ser Ministro da Instrução tive ocasião de estudar o assunto. Sendo-nos devida por parte da Alemanha uma verba importante, considerável até, das chamadas reparações en nature fiz estudar pela repartição competente a instalação dê edifícios escolares completamente dotados de material em condições necessárias para o funcionamento duma moderna escola de ensino primário.
Tive, Sr. Presidente, ocasião de ver que não era eu o único que pensava no assunto, pois, a verdade é que as propostas e os croquis, que foram enviados por uma casa alemã, eram idênticos aos que se haviam enviado para outros pontos.
Não sei o destino que isso teve no Ministério da Instrução, mas o mais natural é que tivesse sido esquecido ou pôsto de parte, quando é facto que o não devia ser para bem geral do Pais, antes se devia ter trabalhado exactamente de acordo com êsse plano.
Suponho, Sr. Presidente, que essa acquisição se poderia fazer em condições vantajosas, porquanto as propostas que existem naquele Ministério mostram que as casas se prontificam a fornecer os edifícios escolares completamente mobilados, - como as classes, as oficinas, as próprias cantinas, de sorte que poderíamos, conduzindo com uma certa pertinácia e alguma inteligência a negociação dêste aspecto da questão, obter com certa rapidez, dentro de alguns anos, os recursos indispensáveis para transformarmos, duma maneira definitiva e propícia, a nosSa instalação escolar.
Entendo que não podemos de maneira alguma perder de vista êste como os outros aspectos do ensino primário geral, como do próprio ensino infantil.
V. Exa., Sr. Presidente, e todas as pessoas que aqui se encontram podem verificar que a quási totalidade da infância da cidade de Lisboa, que é um dos agregados populacionais mais importantes, do País, vegeta abandonada pelas ruas num absoluto e imprevidentíssimo descuido, crescendo quási como as hervas ruins, gastando-se pervertendo-se, contribuindo para a formação duma adolescência, na sUa grande maioria, entregue à fauna dos tribunais ou à freqüência das clínicas hospitalares.
Pode bom empregar-se o aforismo: «infância abandonada, adolescência delinqüente».
Pois esta sociedade, ou melhor a direcção desta sociedade considera adiáVel a solução dêste problema, em que se entrevêem sintonias de miséria e de perturbação social que custam à colectividade incomparavelmente mais do que custaria a
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instalação e sustentação dos meios necessários à sua prevenção.
Tive ocasião, por mais duma vez, de fazer o estudo de várias energias da população escolar do Lisboa e vários pontos do País, e sustento, pelo resultado das observações, embora rápidas, que fiz, que mais de 75 por cento da nossa população escolar se representa com estigmas de miséria orgânica perfeitamente corrigíveis e elimináveis, e cuja falta do correcção e eliminação representa, para todos que exercem funções nêste País, um autêntico crime do que jamais seremos absolvidos na hora em que a consciência social dêste País fizer o balanço das classes dirigentes dêste momento.
Os cursos educativos estão para as sociedades como as funções de nutrição e reprodução estão para os indivíduos.
Abandoná-los, prejudicá-los, embora por um critério de salvação pública, dentro do ponto de vista fiscal, é cometer um criticável êrro, é seguir um critério que, longe de conseguir a vitalidade do País, justifica aqueles que dizem que a proposta de nenhuma maneira é aceitável, em virtude Já parte financeira do Estado. Não o conseguiram provar.
A proposta foi exactamente estudada para ser posta em prática num País nas condições financeiras em que nos encontramos.
Preconiza-se um plano sôbre a educação, e um dos princípios básicos do plano é a construção de casas para cursos pedagógicos.
Bastava por conseqüência realizar essas construções para podermos obter um mais eficaz aproveitamento de instalação e pessoal.
Ainda nos encontramos hoje com reduzido número de escolas oficiais, e por conseqüência poderíamos pôr imediatamente em execução o plano, na parte em que podia ser executado.
Para que o problema se execute integralmente è preciso que o País esteja em condições de o poder fazer, não nas condições financeiras actuais. Será gradual e lenta a execução da proposta, e não só porque não possuímos recursos financeiros, mas porque não possuímos o pessoal adequado, nem o material necessário, de modo que as próprias condições, quer financeiras, quer de pessoal, forçam a uma economia que tem de se fazer, porque as próprias condições do Tesouro não permitem alcançar verbas que seriam ràpidamente absorvidas.
Em toda a parte do mundo os orçamentos relativos à instrução são aqueles que todos entendem que devem ser mais dotados.
Julga-se obrigatório o ensino primário e o ensino técnico, como o mínimo do cultura de todo o cidadão num regime democrático.
Na França, Inglaterra, Bélgica, Alemanha e nos- Países Escandinavos, em toda a parte emfim, tem essa orientação uma sanção legal.
Estamos em Portugal com um déficit de produção que é talvez mesmo a causa dos outros deficits, e entendo ser êsse déficit de produção o primeiro que se devia atacar, Seguindo uma política de preparação de operários, mestres, contra-mestres e dos próprios engenheiros.
Forçados pela política seguida, e pelas deficiências orçamentais, as nossas escolas de ofícios são apenas unias reminiscências vagas.
O nosso Instituto Superior Técnico, devendo ser o principal elemento de estudo, é um mero jornalismo, e por conseqüência vivendo os nossos pobres operários numa absoluta incapacidade.
Então quê critério é o dêsses salvadores, que vêem o mal que daí vem para esta sociedade e não estabelecem uma política que realize as exigências indispensáveis à valorização da riqueza nacional?
Não! Em matéria de educação pública êste orçamento que se discute, é como que uma acusação contra todos nós. Êsse documento, que prende a nossa atenção, vale contra a administração republicana, vale contra os dirigentes portugueses, categorizados republicanos, ou não, vale contra as proficiências económicas que se agitam, valo contra nós o que dizem todos os libelos!
Que se pode fazer neste momento em Portugal?
Temos em matéria de ensino superior realizado, após a implantação da República, um progresso extraordinário o formidável.
O ensino nacional na sua quási totalidade, na parte da preparação geral do curso, até então, quási todo livresco, pás-
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sou a ser essencialmente laboratorial e experimental, e êsse progresso que á legislação republicana realizou, está hoje em perigo, está hoje em ruína absoluta, porque as dotações que se consignam ao funcionamento dos nossos laboratórios de investigação scientífica, onde hão-de aprender os nossos médicos, engenheiros, químicos, etc., emfim todos os dirigentes superiores, são duma absoluta insuficiência.
Se funcionaram no último ano lectivo foi quási à custa dos créditos dos fornecedores, porque as verbas destinadas a êsses laboratórios encontram-se esgotadas ou reduzidas.
Eis a situação desgraçada em que nos encontramos em matéria de ensino superior!
Então pode haver Ministro das Finanças, ou Ministro da Instrução Pública, que tenha a coragem de dizer ao País que é possível, neste departamento dos serviços públicos, realizar uma política de compressão de despesas?
Ah! Sr. Presidente! É preciso ter perdido inteiramente a noção das próprias responsabilidades e da consciência dos outros para poder pensar e dizer uma leviandade semelhante!
Sr. Presidente: também em matéria de ensino secundário, a legislação republicana introduziu um certo progresso.
Antigamente, nos liceus do nosso País, e eu sou dêsse tempo, as sciências naturais, a física, a química e a geografia, eram ensinadas livrescamente. Só depois de 1910 se intensificou uma política de construção de laboratórios, em virtude da qual a química passou a ser ensinada nos laboratórios, e a física e geografia pelo manejo de aparelhos.
Êste progresso ninguém o pode ocultar, porque êle é verificado em todos os cantos do País.
Apoiados.
Sr. Presidente: igualmente porque as verbas de sustentação e material são insuficientes, e porque vamos viver em 1924-1925 com as verbas calculadas na sua maior parte pelo valor da moeda em 1922-1923, êsse progresso que a República introduziu no ensino secundário está em via de comprometimento e de ruína, embora nós tivéssemos acautelado um pouco essa ruína com a votação de uma taxa para trabalhos laboratoriais, adstrita à sustentação dos laboratórios, mas que já hoje não produz o bastante.
Que dizer sôbre ensino primário que não esteja já dito?
Infelizmente êsse grau de ensino foi o que, desde logo, menos beneficiou da acção republicana a quando da revolução.
Fez-se uma lei, sem dúvida interessante, sem dúvida com muitos princípios de aceitar, mas foi desacompanhada de uma técnica de realização, em virtude da qual ela não passou das páginas da nossa legislação, não se convertendo nunca numa autêntica realidade da vida portuguesa.
No emtanto, algumas escolas se abriram; mas se mantivermos o progresso que se tem realizado desde 1910, segundo a Direcção Geral de Estatística, só lá para o ano de 2000 deixará de haver analfabetos em Portugal.
Sr. Presidente: devo ainda consignar que o ensino infantil e primário geral exerce hoje em todos os países simultaneamente uma função de assistência e de cultura.
Todos os que têm viajado pela Europa verificam que pelas ruas das cidades não se encontram crianças, e isso ainda mais se acentua nas cidades da América do Norte. Em parte alguma do mundo vagueiam pelas ruas das cidades crianças como no nosso país. Na América as crianças, quando não estão nas escolas, têm lugares onde estão, mas sob a acção de vigilantes.
Em Lisboa as condições de habitação são tais que muito prejudicam as crianças na sua saúde e crescimento fisiológico, e por isso elas vão para a rua, e, assim, nós encontramos as ruas pejadas de crianças.
Vemos nas escadas e na Avenida crianças dormindo o sono da miséria, e ainda eu ouço falar em economias e redução de despesas na instrução. Os edifícios escolares a desabar; precisamos de 20:000 professores, e temos só 8:000. Isto é um crime!
Apoiados.
Nós somos um povo que se costumou ao sofrimento, mas parece que já tem a sensibilidade rebaixada, pois vê os filhos tratados por uma forma pior do que o gado é tratado pelos lavradores no Alentejo.
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Nós vemos crianças andarem a apanhar trapos e papéis velhos; se formos às fábricas vemos como lá as mulheres são tratadas, e não compreendemos que a sua vida represente uma parte da riqueza da nação.
Sr. Presidente: desculpem-me V. Exa. e a Câmara o calor e a paixão que acabo de pôr nas considerações que venho fazendo, mas eu não podia deixar de o fazer, porque há quási dezoito anos, desde que entrei na actividade política, que ando a pregar a mesma pregação. Até 1910 prèguei-a cheio de entusiasmo e duma intensa ansiedade esperançosa, porque eram todos os dirigentes do movimento republicano a dizerem que, uma vez implantada a República, seria a educação do povo a sua primeira preocupação.
De facto, já alguma cousa se fazia nesse sentido. Em quási todos os centros republicanos existiam escolas e cantinas. E foram as mais populares de todas as instituições—as juntas de paróquia — que iniciaram o bolo movimento de assistência infantil, levando muitas crianças às praias mais próximas de Lisboa, a retemperarem o sou depauperado organismo, que se enfraquece devido às más condições higiénicas em que vivem na cidade.
Em relação à preparação do professorado, a República fez grandes progressos. As actuais escolas normais primárias, se não são o que deviam ser, alguma melhoria apresentam em matéria de preparação do professorado.
Sim! Normalizemos a nossa vida financeira, a nossa vida económica, mas não realizemos o provérbio inglês de que «para salvar o bebé da banheira é mester deitar o bebé e a água à rua».
Sim! Defendamos o equilíbrio! da vida nacional, realizemos corajosamente uma política construtiva que devemos realizar, em vez de nos debatermos nesta louca tentativa de querer restaurar um passado morto em 1910, em lugar de nos batermos, esquerdas e direitas, porque em matéria de reivindicações somos todos reaccionários! Vamos ao encontro da transformação social que nos aguarda, encarando de frente os termos de a conseguir. Confessemos que o nosso déficit de produção em matéria industrial é conseqüência dum vício dos nossos capitalistas. Vamos ao fim da questão para salvar a própria vitalidade do país. Em vez de aplicarmos os vários sinapismos fiscais que muitos querem, em vez de querermos escravizar os factos às opiniões, ou querer fazer depender tudo da restauração monárquica ou da revolução social, em vez dessa atitude enferma de querermos dominar a realidade com opiniões que a ela não correspondem, olhemos a vida, olhemos a nossa terra, verifiquemos, com mágoa, que ela não produz o pão que comemos, mas que o pode produzir desde que encaremos as realidades novas!
Apoiados.
Assim estava certa uma política que fôsse de transformação para o Estado republicano, estabelecendo um plano que fôsse eliminando, pouco a pouco, a mania burocrática que é ainda uma sobrevivência da realeza.
Façamos um Estado scientífico, façamos um Estado democrático!
Varramos das repartições uma papelada inútil que só serve para gastar o tempo e a vida dos que a manejam e sofrem as conseqüências dêsse manejo!
Apoiados.
Façamos política concreta, urna política segura de reconstrução e não uma política de remendos e de circunstância.
Sr. Presidente: ditas estas palavras, escusado é dizer mais.
Entremos franca e abertamente no caminho das realizações concretas e deixe-me nos de medidas ocasionais de acção imediata, mesmo porque no ponto de vista social, não há, não pode haver, acções imediatas.
A acção de um Ministro das Finanças não está em chegar ao Ministério e acabar com o déficit, como a acção de um Ministro da Instrução não está, não pode estar, em chegar ao seu Ministério e, em duas penadas, extinguir o analfabetismo.
A obra social não vale pelas subordinações que se impõem, mas pelas coordenações que se sustentam, e sustentar coordenações num país sem espírito social, como o nosso, não é tarefa fácil que possa ser realizada por um só homem, mas sim tem de ser obra de muitos homens, não pelo poder divinatório dêstes ou daqueles sábios, não pela autoridade dog-
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mática dêstes ou daqueles técnicos, mas pela concentração de todos os esfôrços úteis e valiosos.
E tanto foi êsse o meu critério, que ao publicar a minha reforma, eu fui até o ponto de consultar o próprio Sr. Agostinho de Campos, verdadeira autoridade no assunto, embora militando num campo político absolutamente oposto, ao meu.
Não quero, Sr. Presidente, acrescentar mais, nada, razão por que termino as minhas considerações.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho dos Santos: — Sr. Presidente: pedi a palavra para solicitar de V. Exa. p obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que a sessão seja prorrogada até se discutir a generalidade do orçamento do Ministério da Instrução.
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que aprovam o requerimento feito pelo Sr. Carvalho dos Santos, queiram levantar-se.
Está aprovado.
O Sr. Morais Carvalho: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
O Sr. Presidente: — Os Srs. Deputados que rejeitam, queiram levantar-se.
O Sr. Presidente: — Estão de pé 6 Srs. Deputados e sentados 18.
Não há número, pelo que se vai proceder à chamada.
Procede-se à chamada.
Disseram «aprovo» os Srs.:
Alberto Ferreira Vidal.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Ângelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António, Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Pais da Silva Marques.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João do Ornelas da Silva.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Manuel Eduardo Fragoso.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque. ,
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Disseram «rejeito» os Srs.:
Alberto da Rocha Saraiva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro,
O Sr. Presidente: — Está encerrada a votação.
Disseram «aprovo», 30 Srs. Deputados e «rejeito» 6.
Não há número.
A próxima sessão será amanhã, às 14 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia (com prejuízo dos oradores que se inscreverem):
A de hoje e parecer n.° 745, que fixa as receitas da Junta Autónoma do porto artificial de Ponta Delgada.
(Sem prejuízo dos oradores que se inscreverem):
A que estava na tabela e parecer n.° 770, que modifica o regime de pensões do sangue, estabelecido na lei n.° 3:632.
Parecer n.° 595, que equipara a segundos oficiais, os terceiros oficiais dos correios e telégrafos com mais de 30 após de serviço.
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Ordem do dia:
A que estava marcada.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 30 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Projecto de lei
Do Sr. Carlos de Vasconcelos, tornando extensiva aos oficiais de reserva e reformados a doutrina dos §§ 2.° e 5.° do artigo 5.° da lei n.° 1:332, de 26 de Agosto de 1922.
Para o «Diário do Governo».
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.° 709-K, que autoriza a Junta de Freguesia da Póvoa de Rio de Moinhos, concelho de Castelo Branco, a alienar o prédio denominado Malhada de Santa Águeda.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.° 776-C, que restabelece a doutrina do § 2.° do artigo 5.° da lei n.° 1:332, do 26 de Agosto de 1922, para todos os funcionários civis que estejam esperando aposentação.
Imprima-se.
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, com a máxima urgência, me seja concedida autorização para consultar o processo de recurso de alguns sargentos, ajudantes do quadro de saúde das colónias, contra a promoção de dois dos seus
colegas.
Lisboa, 22 de Julho de 1924.- Viriato da Fonseca.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, me sejam enviadas com urgência:
1.° Nota das mercadorias recebidas em território português, por conta das reparações da Alemanha (prestations en nature) no ano de 1922, e seu valor em marcos-ouro.
2.° Idem, idem no ano de 1923.
3.° Idem, idem no 1.° semestre de 1924.—Sala das Sessões 22 de Julho de 1924. — Jaime de Sousa.
Expeça-se.
O REDACTOR—Herculano Nunes.