Página 1
REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 152
(EXTRAORDINÁRIA)
EM 7 DE NOVEMBRO DE 1924
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — A sessão é aderia com a presença de 38 Srs. Deputados. Procede-se à leitura da acta. É lido o expediente, que tem o devido destino.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Ministro da Justiça (Catanho de Meneses) declara que o Sr. Presidente do Ministério ainda não pode, por motivo de doença, comparecer na Câmara.
O Sr. Marques Loureiro requere que o padecer n.° 787 seja incluído na ordem do dia.
O Sr. Maldonado de Freitas refere-se a assuntos que correm, pelas pastas do Comércio e da Instrução Pública e requere que se discuta o projecto de lei do Sr. Baltasar Teixeira, acerca do ensino primário superior.
O Sr. Tavares de Carvalho entranha que o preço da vida não venha baixando proporcionalmente à melhoria camabial.
Responde o Sr. Ministro da Agricultura (Torres Garcia), voltando a usar da palavra,para explicações, o Sr. Tavares de Carvalho.
É aprovada a acta.
É aprovado o requerimento do Sr. Marques Loureiro.
É aprovado o requerimento do Sr. Maldonado de Freitas, devendo o projecto ser discutido depois de outros já incluídos na ordem do dia.
Ordem do dia.— O Sr. Homem Cristo, que ficara com a palavra reservada na sessão anterior, conclui as suas considerações.
Sôbre o mesmo delate usam da palavra os Srs. Leonardo Coimbra, Morais de Carvalho, Ministro da Instrução Pública (Abranches Ferrão), Ferreira de Mira, Américo Olavo, Nuno Simões e Pinto Barriga.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para a próxima segunda-feira com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 14 minutos.
Presentes à chamada 38 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 67 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Amadeu Leite do Vasconcelos.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Manuel Homem Cristo.
João Ornelas da Silva.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Página 2
2 Diário da Câmara dos Deputados
Leonardo José Coimbra.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Vergílio Saque.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sonsa.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Vasco Borges.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.
António Mendonça.
Página 3
Sessão de 7 de Novembro de 1924 3
António Resende.
António de Sousa Maia.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Henrique de Abreu.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Henriques Godinho.
Às 10 horas e 5 minutos, principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 38 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Foi lida a acta.
Deu-se conta do seguinte Expediente
Ofícios
Do Ministério das Finanças, satisfazendo ao pedido feito no ofício n.° 493, para o Sr. Nuno Simões.
Para a Secretaria.
Do mesmo, satisfazendo ao pedido feito no ofício n.° 492, para o Sr. Nuno Simões.
Para a Secretaria.
Do mesmo Ministério, enviando cópia da Declaração Ministerial, de 24 de Outubro findo e dos dois contratos de serventes para as Direcções de Finanças de Beja e Pôrto.
Para a comissão de finanças.
Do Ministério da Guerra, para inserção de designada verba do orçamento de 1924-1925, referente à lei do inquilinato.
Para a comissão do Orçamento.
Do director da revista De Aquém e de Além Mar, enviando 200 exemplares de um manifesto acerca das Companhias de Moçambique e Niassa.
Para a Secretaria.
Telegramas
Das Associações Comerciais de Tavira, Oeiras e Espinho; dos Retalhistas do Funchal; da Associação de Armazenistas de Mercearia do Pôrto contra a lei n.° 1:663 (selagem de bebidas e perfumarias).
Para a Secretaria.
Dos combatentes da Grande Guerra, para que sejam trancadas penas disciplinares.
Para a Secretaria.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de «antes da ordem do dia».
Antes da ordem do dia
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que o Sr. Presidente do Ministério, embora tenha
Página 4
4 Diário da Câmara dos Deputados
melhorado, ainda hoje se não encontra em estado de comparecer nesta Câmara.
O Sr. Marques Loureiro: — Sr. Presidente: desejo requerer a V. Exa. para que seja incluído na ordem do dia o parecer n.° 787.
O Sr. Maldonado de Freitas: — Sr. Presidente: desejava usar da palavra quando estivessem presentes os Srs. Ministros da Instrução e do Comércio, porque é com S. Exas. que se prendem os assuntos que desejo tratar na Câmara, e na sessão de hoje. Lamento que tanto um como outro se não encontrem nesta sala, mas espero que o Sr. Ministro da Justiça fará a fineza de a S. Exa. comunicar o que vou dizer.
A Câmara conhece certamente a preocupação delirante, constante e diária do Sr. Ministro do Comércio, em decretar, a pretexto de tudo, a criação de escolas comerciais e industriais, sem obedecer àquele critério técnico e nacional que deve ser o de colocar os interêsses e exigências das indústrias acima dos interêsses pessoais e de parcialidade política.
Sr. Presidente: aumentar dêste modo os encargos do Estado, sem cuidar de recrutar o pessoal da escolas como deve ser, aumentar o número de escolas comerciais e industriais, quando sabemos que há centenares de desempregados — empregados de escritórios e industriais — é engrossar essa legião de esfomeados. De todos os pretextos se serve o Sr. Ministro do Comércio para aumentar o número de escolas comerciais e industriais.
Já pelo Ministério da Instrução se fez o mesmo; existem actualmente cêrca de 2:500 professores primários sem colocação, mas, todavia, no Ministério da Instrução há um saldo de 4:000 contos que devia ser aplicado à criação de escolas, tam necessárias à República, e que tam apregoadas foram no tempo da monarquia. Porém, as Escolas de Ensino Normal continuam abertas para aumentar o número dos desempregados.
O Sr. Ministro do Comércio tem a preocupação de nomear somente os seus afins políticos, não curando da sua competência para os cargos que vão desempenhar.
Acontece até que na escola de Gondomar, há vago um lugar de professor que devia ser preenchido por um adido que fazia serviço há dezoito anos na extinta escola de canteiros da Batalha; mas, no emtanto, S. Exa. pôs de parte êsse concorrente apenas porque alguém da política que o ampara no Govêrno lhe disse que tal nomeação não era conveniente à sua facção partidária.
Sr. Presidente: escolas de ensino técnico não podem estar sob as conveniências da política; para elas têm de ser nomeados os competentes, e não os medíocres, até aprendizes, deixando os mestres de parte.
Mas pregunto: por que motivo faz o Sr. Ministro do Comércio política com o ensino técnico e regional?
Não pode ser.
Eu espero ainda que S. Exa. se detenha e que a onda que perturba todo êsse ensino encontre uma muralha onde se esfaça, desaparecendo os seus maléficos efeitos.
Espero também que a aluvião de nomeações que tem na sua carteira, para serem enviadas ao Conselho Superior de Finanças, fique retida, para se averiguar da idoneidade dalguns indigitados professores e mestres.
O ensino técnico bem merece melhor atenção e desvelo; politicar com êle é arruinar as indústrias nacionais.
Sr. Presidente: era necessário que às escolas primárias superiores fôsse dada uma finalidade, mas extingui-las pura e simplesmente, em nome das economias, é um êrro grave e um mal com que só reaccionários podem satisfazer-se. São escolas que facilitam a instrução dos filhos das classes menos abastadas — o complemento do ensino primário geral. São republicanas.
Assim, ao Sr. Ministro da Justiça peço que comunique aos ilustres titulares daquelas pastas que há uma cousa mais útil que é preciso fazer em benefício da República. Esta política de equívoco político em que se vive é que facilita êstes estadistas guindarem-se tam alto, zelando mais as suas vaidades que os interêsses duma sã democracia, que nós desejamos para esta Pátria, e bem mais conforme com os interêsses económicos, sociais e morais da nacionalidade.
Página 5
Sessão de 7 de Novembro de 1924 5
A política da República pelos progressos de Portugal, eis a obrigação dos Governos, o não essa que para aí vêm fazendo desordenadamente.
Quando se discutirem aqui os diplomas publicados sôbre as Escolas Primárias Superiores completarei estas vagas referências sôbre a sua pretensa remodelação e melhoria.
Requeiro, por me encontrar no uso da palavra, que entre imediatamente em discussão o parecer n.° 783, da autoria do Sr. Baltasar Teixeira, sôbre as Escolas Superiores de Instrução Primária e liceus, confiando que desta forma se emendará o mal feito pelo Sr. Ministro da Instrução nestes dois ramos de ensino.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: ouvi as observações feitas pelo ilustre Deputado Sr. Maldonado de Freitas. Perdoe S. Exa. que lhe diga que estou convencido de que está mal informado. É convicção minha que o Sr. Ministro do Comércio não teria procedido senão em harmonia com os interêsses do país e segundo a legalidade. Entretanto, compreende bem a Câmara que, correndo o assunto por outra pasta, não posso dar mais explicações a êste respeito.
Comunicarei aos Srs. Ministros do Comércio e da Instrução as observações do ilustre Deputado.
O orador não reviu.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Chamo a atenção do Sr. Ministro da Agricultura, pois desejo tratar de assuntos relativos à carestia da vida.
Emquanto o câmbio baixava e se desvalorizava o escudo tudo eram pretextos para aumentar o preço dos géneros. Agora, que o câmbio se modifica e se valoriza o escudo, não se vê baixar o preço dalguns artigos. Outros há em que essa baixa se verifica, mas é tam insignificante que é necessário que o Sr. Ministro da Agricultura use do maior energia na sua acção.
Não tenho visto que o Govêrno haja feito alguma cousa neste sentido.
O Sr. Ministro da Agricultura é muito trabalhador, com imensa vontade de acertar, mas a sua actividade não se tem manifestado no sentido da deminuição do
custo da vida, e estou certo de que, se a sua actividade se tivesse exercido, certamente que o custo da vida teria deminuído.
Um assunto muito importante e que me parece já devia ter sido tratado, pois há mais de dois meses se vem arrastando, é a falta de peixe.
Como V. Exa. muito bem sabe, o peixe tem faltado em Lisboa e a sua falta produz o aumento do preço da carne, que dia a dia se manifesta, e o aumento do preço do bacalhau. Certamente, S. Exa. tem estudado êste assunto o irá resolvê-lo, como é necessário que se resolva. Certamente, S. Exa. terá tratado da carestia da vida e irá dizer a alguns comerciantes que já é tempo de fazerem sentir a modificação do câmbio nos géneros e artigos que vendem.
Tenho ouvido alguns que me tem insultado, porque é um insulto dizer que só depois de se ter feito sentir durante 6 meses a baixa do câmbio é que os géneros podem deminuir de preço.
Não compreendo — e é preciso que o Sr. Ministro da Agricultura mo diga — o papel que tem tido Comissariado dos Abastecimentos no abaixamento do custo da vida.
Tenho visto nos jornais que baixou de preço tal género nos armazéns reguladores, mas o público vai aos armazéns e lá dizem que tal artigo não existe. A verdade é que continuamos a pagar tudo pelo mesmo preço, apesar da melhoria cambial importantíssima que já se deu. Os comerciantes querem esperar seis meses, para só então modificarem êste estado de cousas! Constitui um verdadeiro insulto a atitude de alguns comerciantes, porque muitos, quando o preço da libra subia, no mesmo dia elevavam o preço dos géneros e artigos que vendiam.
Apoiados.
É preciso que o Si. Ministro da Agricultura empregue toda a sua energia e boa vontade, para que se modifique êste estado de cousas, pondo cobro a esta ganância que constitui um crime.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Agricultura (Tôrres Garcia): — Em resposta às palavras do Sr. Tavares de Carvalho tenho a dizer o
Página 6
6 Diário da Câmara dos Deputados
seguinte: o primeiro dos benefícios que o povo português colhe, neste momento, pela melhoria cambial, é de não ter sofrido um aumento sensível, muito sensível mesmo no custo da vida que ia dar-se fatalmente, se continuasse o câmbio a piorar, como ia piorando.
No que respeita à questão cambial o beneficio de que goza o Sr. Tavares de Carvalho e gozamos todos que fazemos parte da sociedade portuguesa, é não ter aumentado o custo da vida que estava iminente e que não era possível arredar de nós. É êsse aumento que se não dará.
Disse S. Exa. que eu devo tomar todas as atitudes que forem necessárias para fazer baixar os preços existentes à data em que se deu a reversão na marcha cambial.
Eu direi a V. Exa. que tenho feito tudo para se chegar à baixa de preços. Nós já nos devemos dar por felizes por não irmos para pior, e V. Exa. pode estar certo que a baixa há-de acentuar-se sensivelmente. Eu por minha parte tenho empregado todos os esfôrços, mas o problema é complexo e estou convencido que só se poderá resolver por métodos económicos e não com decretos e portarias.
Agora direi a V. Exa. que a vida pode baixar em todos os géneros, mas, se o pão não baixar, ninguém considera a vida mais barata; todavia o pão barateou alguma cousa, e só mais tarde poderá tornar-se essa baixa mais sensível, o que não se pode conseguir já, visto o preço por que foi adquirido o trigo, não podendo a moagem nem a panificação fazer por êsse facto uma maior baixa.
O pão feito com o trigo nacional, que foi adquirido a mais de 1$80 por quilograma, não pode baixar. Temos de modificar a tabela; porém temos de ter em conta a lavoura portuguesa.
O Sr; Carlos de Vasconcelos: — V.Exa. pode dizer-me a como se pode obter trigo
estrangeiro?
O Orador: — A menos que o nacional. Fica a 1$60.
Em Lisboa tem faltado o peixe. Há dois meses que estamos em greve, e sendo o peixe um dos elementos para baratear a vida, a falta dele tem concorrido para a carne e o bacalhau não baratearem.
V. Exa. sabe que diversas démarches se têm feito para solucionar a greve, mas nada sé conseguiu; tenho agora o prazer de comunicar a V. Exa. que hoje, depois duma conferência de três horas, chegámos finalmente a uma solução e que, portanto, na próxima segunda-feira já sairão para a pesca os barcos do Comissariado.
Não intervim mais cedo, porque não era ao Ministro da Agricultura que competia resolver 'o problema da pesca.
Hoje, depois de larga conversa, resolvi de uma maneira justa o problema que diz respeito aos barcos do Comissariado, os quais devem ir para o mar, como disse, na próxima segunda-feira, estando convencido que êste facto determinará dentro em pouco dias a resolução do assunto.
De resto, Sr. Presidente, terminarei as minhas considerações da mesma forma como as comecei, isto é, que a melhoria cambial já nos deu a nós todos um alto benefício, pois a verdade é que se assim não fôsse dentro em pouco não poderíamos suportar o enorme aumento no preço dos artigos, o que na verdade já é um benefício muito apreciável.
O que eu posso garantir a V. Exa. é que espero que a situação melhore dentro em pouco, quanto todos se convencerem que a melhoria cambial é um facto, pois a verdade é que uma grande parte dos nossos comerciantes ainda não está convencida disso.
Todos sabem que eu sou uma pessoa honrada e cumpridor dos meus deveres, (Apoiados) mas agora tenho fé, baseada na própria natureza dos factos, de que a situação há-de melhorar dentro em pouco, sem necessidade de se recorrer a decretos, portarias ou editais.
Tenho dito.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Sr. Presidente: felicito o Sr. Ministro da Agricultura por ter resolvido hoje o problema da pesca, conseguindo que os barcos do Comissariado já vão para o mar na próxima segunda-feira.
Com o que não posso estar de acordo é com o critério que S. Exa. apresentou, isto é, que a maioria do comércio deve esgotar as suas existências actuais de mercadorias antes de só produzir a baixa
Página 7
Sessão de 7 de Novembro de 1924 7
de preço correspondente à melhoria cambial.
É um critério êste, Sr. Presidente, com o qual eu não posso de maneira alguma estar de acordo, pois, a verdade é que eu vi, durante anos sucessivos, e dia a dia, os comerciantes aumentarem os preços dos géneros, não os vendendo pelo preço por que os haviam adquirido.
Não posso, repito, estar de acordo com êste critério, razão por que eu digo que necessário seria que o Sr. Ministro da Agricultura empregasse a sua energia no sentido de se acabar de vez com êste estado de cousas, sem ser necessário esperar seis meses, como os comerciantes dizem.
Êsse critério de não se modificarem os preços não pode manter-se, visto que o mesmo se não deu com o agravamento do câmbio, nem mesmo nos Armazéns Reguladores, e Manutenção Militar, que artigos tinham que, apesar de terem sido adquiridos por um escudo, eram vendidos ao público por dois e três escudos.
O mesmo critério se não pode admitir relativamente ao pão, cujo preço S. Exa. diz não pode baixar muito em virtude do preço elevado a que foi adquirido o trigo..
Êsse critério não pode ser mantido, pois, a dar-se, só daqui a seis meses, como os comerciantes dizem, é que a situação poderá melhorar, o que não pode ser.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia.
Está a acta em discussão.
Não havendo quem peça a palavra considera-se aprovada.
O Sr. Presidente: — O Sr. Marques Loureiro requereu que entrasse em discussão antes da ordem do dia o parecer n.° 787.
Os Srs. Deputados que aprovam queiram-se levantar-se.
Está aprovado.
O Sr. Presidente: — O Sr. Maldonado de Freitas requereu que entrasse imediatamente em discussão o projecto do Sr. Baltasar Teixeira relativo às Escolas Primárias Superiores,
O Sr. Almeida Ribeiro: — Êsse requerimento é feito com prejuízo da ordem do dia?
O Sr. Presidente: —- Entendo que não.
O Sr. Mariano Martins: — Pedi a palavra para chamar a atenção de V. Exa. para a ordem do dia, onde se encontram inscritos em primeiro lugar dois projectos vindos do Senado da sessão anterior e que já têm parecer da comissão de colónias.
Acontece que o Senado tem sôbre as sessões do Congresso uma doutrina diversa da que tem a Câmara dos Deputados.
A Câmara dos Deputados entende que a sessão ordinária principia em Dezembro. O Senado entende que uma sessão, quer ordinária, quer extraordinária, é sessão para o efeito do artigo 32.° da Constituição.
Assim, os projectos que não tenham sido discutidos serão convertidos em leis nos termos da Constituição. É preciso, por isso que a Câmara se pronuncie sôbre alguns dos projectos vindos do Senado e que se encontram na ordem do dia,
O que podemos fazer é votar o requerimento do Sr. Maldonado de Freitas sem prejuízo dos projectos a que me referi.
É isto que requeiro.
O orador não reviu.
O Sr. Júlio Gonçalves: — Também eu tendo que se não deve protelar a discussão dos projectos marcados para ordem do dia.
O projecto a que se refere o requerimento do Sr. Maldonado de Freitas vai ter larga discussão.
Parecia-me que S. Exa. poderia requerer que depois da votação dos três projectos, dados para ordem do dia, entrasse em discussão o projecto do Sr. Baltasar Teixeira.
O orador não reviu.
O Sr. Maldonado de Freitas: — Não tenho dúvida em aceitar êsse alvitro para que o projecto entre em discussão imediatamente à votação dos três projectos dados para ordem do dia.
A discussão dêste projecto, porém, já vem de outra sessão, marcada para ordem do dia.
Página 8
8 Diário da Câmara dos Deputados
Requeiro que o projecto do Sr. Baltasar Teixeira entre em discussão logo após a votação dos três projectos dados para ordem do dia.
O orador não reviu.
Foi aprovado o requerimento.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: — Continua no uso dá palavra o Sr. Homem Cristo.
O Sr. Homem Cristo: — Falou o Sr. Leonardo Coimbra na sua popularidade entre os estudantes.
Os factos vão desmenti-lo em tudo.
Quando se deu o incidente entre mim e alguns alunos da Faculdade de Letras, um jornal do Pôrto escreveu um primeiro artigo contra mim.
Os alunos da Faculdade de Medicina e outros alunos manifestaram-se a meu favor e publicaram uma moção protestando contra a atitude do Sr. Leonardo Coimbra.
Mas há mais: a direcção da Associação dos Estudantes do Pôrto, onde também tem alguns amigos o Sr. Leonardo, manifestou-se contra mim.
A direcção foi levada a manifestar-se contra mim.
Imediatamente reuniram os estudantes do Pôrto, de todas as escolas, e demitiram a direcção, nomeando outra.
Essa direcção veio depois dizer nos jornais que era completamente estranha à questão.
Dá-se pois o contrário do que aqui disse o Sr. Leonardo.
Quiz fazer ver à Câmara um caso verdadeiramente único nos académicos portugueses; é que todas as Faculdades e escolas costumam acompanhar a revolta duma delas. E o contrário justamente se deu com o meu incidente. O que digo não é para iludir a Câmara, são factos comprovados, que estão relatados nos jornais do Pôrto.
Disse S. Exa. que eu alcunhava de «garotos» os estudantes.
Garotos chamava eu aos que o eram, porque ainda hoje o são.
Não quero dizer que três, quatro ou cinco, a que chamei «garotos», sejam todos os estudantes.
Em todas as classes há garotos.
A carta que eu escrevi!
Escrevi uma carta ao Sr. Augusto Nobre — eu podia, também, chamar-lhe doutor, neste País em que isto de ser doutor é uma história — e porque é que o Sr. Leonardo Coimbra não a leu aqui? Fez bem mal, tanto mais que no meu semanário a tal várias vezes o autorizei.
Eu conheço perfeitamente toda aquela manobra da Faculdade de Letras. Conheço e conheço muito bem, porque eu não nasci ontem; não sou um menino tara ingénuo como isso, como, por exemplo, me quiseram fazer na última sindicância, em que eu faço o papel de parvo o um outro professor o de culpado. E porquê? Porque eu sou duro de roer. Mas ou repeli energicamente todos os elogios do sindicante, habituado como estou a assumir inteiramente a responsabilidade das minhas palavras e dos meus actos.
Logo que conheci a manobra urdida pelo Sr. Leonardo, o mesmo Sr. Leonardo da Póvoa e do Liceu Rodrigues de Freitas, ou verifiquei que havia um dêstes dois objectivos: ou vexar-me perante os alunos, ou pôr-me fora da Faculdade.
Eu bem sei que não é êste o logar próprio para apreciar uma sindicância. Não fui eu, porém, quem abriu o precedente,
O Sr. Leonardo teve a má lembrança de a trazer para aqui; eu não tenho mais do que acabar e aclarar o que o Sr. Leonardo disse. Também não é no Parlamento que só aprecia e discute o jornalista, e no emtanto o Sr. Leonardo preferiu vir a esta Câmara referir-se a artigos isolados do meu semanário, a pegar na pena e, na imprensa, rebater as minhas afirmações.
Uma vez, pois, que a sindicância foi aqui trazida, eu tinha de me referir a ela.
Mas vamos à Faculdade de Letras.
A indisciplina que ali lavra é enorme, mas, infelizmente, não é só ali: é em quási todo o ensino em Portugal.
O Parlamento, no emtanto, nunca se preocupou com o facto, deveras alarmante, porque êle representa, nem mais nem menos, o rebaixamento da mentalidade portuguesa, cujos limites e conseqüências difícil é prever. Prevejo os eu porque sou velho e porque estudo, ao contrário de muitos, que passam a vida nos clube e no pagode.
Página 9
Sessão de 7 de Novembro de 1924 9
O ensino no nosso País tem descido enormemente há 05 anos a esta parte, desde que acabaram os chamados exames de madureza. Com a morte dêstes exames deu-se um gol pó formidável no ensino. Se não, vejamos: onde estão hoje as elites da sociedade portuguesa? A Câmara que me responda.
Ainda há pouco na Revue de Paris o embaixador inglês em Paris publicava um artigo em que se contava o caso de uma figura proeminente da política inglesa ter feito no Parlamento uma citação latina cuja construção foi criticada por um outro Deputado. Imediatamente o Deputado que a havia proferido apostou um guineo em como a sua frase estava bem construída. ;É assim a cultura do Parlamento inglês!
A nós interessa lá isso! Não interessa nada, principalmente a esta Câmara, que ainda ontem procurava escorraçar-me como uma pessoa que não sabia o que dizia! O que vale é que sou dotado de magnanimidade bastante para me rir.
Ainda hoje não há nação alguma em que não existam os exames de madureza ou correspondentes. Em França não lhe dão êsse nome, mas há o bacharelato.
Entra-se na Escola Politécnica com 18 anos do estudo e um concurso de entrada.
Se a Câmara acompanhasse bem êste incidente, não se demoraria em extinguir a Faculdade de Letras do Pôrto.
Os alunos da Faculdade escrevem português como se não tivessem exame de instrução primária.
Pedi ao Ministério da Instrução cópia dos exercícios dos alunos e responderam-me que não podiam dar essa cópia por amor dos alunos e do ensino. Vejam os Senhores que exercícios seriam êsses, que não podiam ver a luz do dia.
Encontrando há pouco um professor, preguntei-lhe como é que ia o ensino de medicina e êle respondeu-me que era um caos.
Eu, que conhecia aquilo, escrevi ao Sr. Leonardo dizendo que estava farto de não dar aula, que isto não podia continuar. Eu, que nunca faltei um minuto!
É uma cousa pavorosa o que se passa com as dispensas. Basta a morte de um gato do Sr. Reitor, para haver dispensa de aula!
Isto é uma orgia e uma cegada, e eu jamais colaborei em orgias e cegadas! Eu quero morrer com a consolação de nunca ter transigido com orgias!
É por isso que me querem escorraçar da Faculdade de Letras; porque eu era um professor que obrigava os professores a estar na ordem e os alunos a observar a disciplina.
Fazia isto porque eu não ia dar aulas por interesse pessoal, pois ganhava uma miséria, porque em Portugal o professor ganha uma miséria.
O que eu não quis foi ser criado do servir, criado do servir do Sr. Leonardo Coimbra. Saiba-o a Câmara e o País!
Eu não admito a ninguém que me conteste os direitos que me assistem como professor, como Deputado e como cidadão.
Os Senhores estão um pouco admirados de me ouvir falar hoje, porque julgavam naturalmente que eu era um patrasana o não sabia dizer duas palavras; mas os Senhores enganam-se, porque eu não fujo desta Câmara, e se não mo lembro do quando chamei sucia aos Deputados, o que tenho bem presente na memória é que desde que estou nesta Câmara tenho sempre dado aos meus colegas a consideração que devo. Várias vezes afirmei no meu jornal que há nesta casa verdadeiras aptidões e capacidades, que sofrem simplesmente dum êrro desgraçado que existe nesta terra: — o de haver muitos insignificantes que os azares da política elevam às mais altas culminâncias.
Efectivamente, no princípio da República apareceram três ou quatro homens felizes, mas que não quiseram em volta de si senão nulidades que lhes fizessem elogios:
Eu é que nunca beijei o pé a insignificantes.
Mas neste País faz-se tudo ao inverso, anda tudo invertido.
Não são os professores que devem andar às ordens dos estudantes.
Eu nunca tive uma hora de Poder, porque se a tivesse, ou eu ou os meus princípios. E tenho a honra de participar à Câmara e ao País que não sou um burro (não me venham dizer que esta palavra não é parlamentar), e como não sou um burro sei muito bem que não é desdouro para um homem cair.
Página 10
10 Diário da Câmara dos Deputados
Há homens que justamente ficam maiores depois de caírem do que quando estavam de pé.
Os homens estão sempre sujeitos a cair, e onde se distinguem os grandes dos pequenos, ô que uns levantam-se por si próprios, pela elevação da sua consciência e inteligência clara, ao passo que outros ficam estendidos na lama como as rãs, coaxando como elas.
Cair?! Que importa cair? Quantas vezes eu tenho dito no meu jornal aos Ministros que caiam, mas caiam bem!
Infelizmente todos ou quási todos os Ministros descem as escadas dos Ministérios de gatinhas, em vez de as descerem de pé, como homens.
Foi da têmpera dos que caem de pé o Marquês de Pombal, e por isso é que ainda não conseguiu ter uma estátua, ao passo que a muitas nulidades têm sido erigidas estátuas, estatuinhas e estatuetas.
Neste País há muitos anos que só impera H insignificância e a cretinice. É certo que se o Marquês de Pombal pôde afirmar-se tam grande, foi porque teve também um grande rei, e nesse ponto os historiadores não são justos.
O próprio Sr. Oliveira Martins, que foi um escritor distintíssimo, um estilista primoroso, superior talvez a Michelet, não lhe fez justiça nas suas apreciações como historiador.
Isto é que eu dizia aos estudantes, aconselhando-os a que lessem Oliveira Martins como um dos mais belos estilistas do mundo, mas não como homem de ideas nem como homem de crítica, porque êle não possuía estas duas qualidades.
Fomos uma grande raça, mas infelizmente as virtudes que a caracterizavam desapareceram.
Portugal não tem condições de independência, talvez; mas condições morais e intelectuais.
A nossa história é tudo quanto existe de mais belo; os estrangeiros caem de admiração. E de tal maneira que me dizia há tempos, em Neully, Maurice Barres:
—«Como é que os portugueses de agora são tam diferentes dos portugueses antigos, quando são a mesma raça?»
Eu respondi:
— «Sr. Maurice Barres, V. Exa. sabe o terrível inconveniente que resulta da falta de comunicações de ideas. Nós fomos senhores do mundo em quanto éramos os detentores principais das comunicações, porque éramos o povo mais culto do mundo inteiro; e agora acontece que estamos isolados, quási lançados à margem num canto da Europa, emquanto V. Exa. -só quiser pode almoçar em Londres e jantar em Paris, ou tomar chá em Bruxelas e ir almoçar a Berna ou Lausanne. Aí há comunicações constantes. Uns e outros trocando ideas, transmitindo pensamentos, despertando emulações; é o que faz a corrente resultante do progresso. Nós, porém, estamos, desgraçadamente, entregues a nós próprios neste canto da Península; e os povos entregues a si próprios, diz-nos a história, sempre se tornaram estéreis».
Então êle respondeu-me:
—«Tem razão! Realmente isso deve ser uma causa do enfraquecimento da raça portuguesa».
Há outras causas! Não é só esta porque é disparate encontrar uma causa única para explicação.
Veja-se como Oliveira Martins, um grande, estilista — que desgraça! — fala de D. José. Diz:
— Só agora falo nele para dizer que não foi ninguém.
Que desgraça!
Outra cousa que o País não sabe:
Porque é que os Srs. republicanos criaram má vontade contra mim?
Porque pus o espírito de justiça e direito acima das conveniências mesquinhas de quadrilha e acima das paixões dos facciosismos estéreis e reles, sem horizonte, sem largueza de sentimentos, sem nada!
Quando me diziam: os Braganças são assim, são assado — D. João VI, D. Pedro, D. Sancho, etc.— eu respondia sempre: não!
Para só deitar a monarquia abaixo, não necessitamos mentir.
Não necessitamos mentir para apontar os defeitos dos jesuítas.
Página 11
Sessão de 7 de Novembro de 1924 11
Podemos reconhecer a grandeza dos jesuítas, sendo inimigos deles, e podemos reconhecer com justiça os actos bons e maus da monarquia, sendo republicanos. Quanto maior justiça façamos aos jesuítas o aos monarcas, mais republicanos somos e mais prestígio podemos ter para impor as nossas ideas.
Não queriam que eu dissesse: não!
Basílio Teles, que era uma inteligência de primeira ordem e que chegava quási a ter a loucura da honestidade, — mas que grande, que heróica loucura! — dizia-me uma vez: Cristo, você é romano!
Não aludo a isto por vaidade, mas porque sinto necessidade de o dizer.
Dizia-me êle: Cristo, você é romano! Os romanos andaram pela sua terra e você deve ter sangue romano nas veias.
Não sei!
O que o levava a dizer isto era o ou ter possuído sempre uma certa energia.
D. José! Falo nele para mostrar a injustiça de se dizer que êle não foi ninguém.
E o que pouco mais ou menos diz o historiador a que já me referi; como se êle não tivesse sido tam grande como foi.
Veio João Franco com as suas cartas. Quando as li, disse que valiam muito pouco.
Digo isto, por muito que peze aos monárquicos.
Antes de João Franco, tinha eu reabilitado o rei D. Carlos, no meu jornal. No meu jornal e nos meus livros tinha eu já dito, e digo, que a morte dêsse homem foi um dos maiores desastres para a nacionalidade.
Porque êsse homem era uma grande fôrça e uma grande inteligência. Tinha qualquer cousa que torna verdadeiro o dito de que são os mortos que governam.
Disse, um grande escritor:
«O que governa os vivos são os mortos».
Isto é verdade.
Esqueceram-se disto quando constituíram a República.
Mas, como eu ia dizendo, D. José tinha a sua mulher, tinha a sua filha, tinha e seu irmão, o seu confessor, e todos contra o marquês.
Diziam-lhe: mate-o, enforque-o, expulse-o.
Êle respondia sempre: Não! Não! e Não!
Eu quando me lembro disto pregunto se para êle dizer: não, não e não» não necessitava ser tam grande como o seu ministro.
Aos que lançam pedras a D. José eu pregunto se alguns deles eram capazes de ter essa energia, e grande energia será necessária para resistir às instâncias dos que nos rodeiam.
Um grande republicano que já morreu — Casimiro Freire —homem cheio de erudição, dizia-me: Sr. Cristo, é difícil resistir às solicitações da mulher que vive ao nosso lado. Ela diz que o nosso maior amigo é tratante. No primeiro momento sacudimos a insinuação, ela cala-se. Passados oito dias volta a dizer o mesmo, e já a ouvimos um pouco. Depois insiste e nós acabamos por concordar: sim, afinal é um tratante.
Isto é perfeitamente assim.
Já era no tempo de Pombal, e veio a propósito de eu dizer que os grandes homens que tem havido são a condenação desta raça desde D. Manuel até hoje.
Mas, Sr. Presidente, eu pus a questão nestes termos: ou os meninos, ou eu; e com os meus cabelos brancos até me ria de ser joguete dos meninos que não sabem ler nem escrever.
Eu aturava-os se fôsse numa aula de instrução primária.
Ponham em menino de bigode numa aula de instrução primária, que eu aturo-o; mas com o pedantismo do bigode a dar sentenças, sem saber ler nem escrever, isso não é para mim, é para o Sr. Leonardo Coimbra.
Mas, Sr. Presidente, viver de um tal modo entre os meninos não era para o meu temperamento.
Eu já tenho dito há muito tempo que tenho o temperamento de revolta, mas não de tirano.
Há muito tempo que não há tiranos, e lembro-me agora de um dito de Robespierre: os governos de ditadores só se sustentam com o terror e com a virtude.
Tem-se escrito muito contra Robespierre, mas ou sou admirador de Robespierre e considero-o um homem de grande valor o virtudes.
Página 12
12 Diário da Câmara dos Deputados
Foi êle que salvou a França das invasões dos inimigos e, quando morreu, com êle morreu a República.
Os governos revolucionários só se sustentam com a tirania e a virtude, e em Portugal não houve tirania nem virtude.
A verdade é que, quando eu necessitava tratar da minha saúde, tive de vir aqui tratar desta questão, que não interessa à Câmara, visto que muitos Srs. Deputados não me quiseram ouvir ontem.
Um dos que vi sair da sala foi o Sr. António Maria da Silva.
Eu nunca perdôo ao Sr. António Maria da Silva o procedimento que teve comigo.
Eu vivi com êle na prisão o tive lugar de ver a sua pobreza; pois apesar disso, vi êsse homem acusado do ladrão.
Mas, Sr. Presidente, eu tenho procedido com o Sr. António Maria da Silva de modo diferente do de S. Exa. a comigo.
Numa ocasião em que estava para rebentar uma revolução, alguém entrou de noite no hospital o disse-me ao ouvido: «acautele-se, vem aí uma turba-multa para o matar e ao Sr. António Maria da Silva».
Eu procurei o médico e pedi um canto para nos escondermos.
Êle disse-me que só tinha lugar para mim, e eu respondi-lhe que ou se arranjava para os dois ou então não ia nenhum.
Êste Sr. António Maria da Silva é o mesmo que ontem fugiu para o corredor.
Também uma noite um polícia tentou assassinar o Sr. Magalhães Lima; fui eu quem lhe evitou a morte, expulsando o polícia.
Mas, continuando, ou os tais estudantes ou eu.
Escrevi, nesse sentido, de Paris ao Sr. Leonardo Coimbra, fazendo-lhe ver que não me calaria e não me calei...
Ora aí está a carta que serviu do pretexto para o Sr. Leonardo Coimbra não insultar.
Disse ainda que eu me associava às suas festas.
Vejam V. Exas. só há argumento mais fútil do que êste.
Mas, se eu me associava às festas, é porque não o provocava.
Uma vez vieram-me preguntar se eu subscrevia para uma pasta.
Respondi: ora essa, porque não!
O que tem isto de extraordinário!?
Então eu que nas festas da minha terra concorro para o S. Matias e S. Torcato, porque mio havia de dar dinheiro para uma festa ao reitor da minha Faculdade?
Estive sempre de boas relações com êle; só deixei de estar quando mo quiseram converter de professor em criado de servir.
Desde êsse momento é que eu não transigi.
Quando estive no exílio passei fome, e se não morri foi porque alguns monárquicos mo deram de comer, não tenho vergonha de o dizer, e se não conspirei com êles, foi porque êles não sabem conspirar; acima das Repúblicas e das monarquias está a Pátria.
Os princípios valem o que valem os homens!
Os monárquicos tiveram o pássaro na mão e deixaram-no fugir da maneira mais estúpida que só pode imaginar.
Ainda valem menos do que os republicanos.
Tenho inimigos entre os monárquicos, como tenho entro os republicanos, e estou contente com isso.
A minha satisfação, a minha glória, mesmo, o que uns e outros são meus inimigos, o que prova que só digo verdades, doa a quem doer.
Mas, nessa altura, eu dizia num artigo: «o mal é da raça e da sua pouca educação, e não das instituições». Dizia mais aos republicanos que não tivessem pressa de implantar a República, porque o meio era mau; vissem se podiam sanear o meio antes de mais nada, para mais tarde evitarem muitos trabalhos. Não me quiseram, porém, ouvir e disseram mal de mim.
É sempre assim: quando digo mal dos republicanos aplaudem-me os monárquicos, quando digo mal dêstes aplaudem-no aqueles.
E isso é a minha glória, porque uns e outros que digam quando me compraram!
Ainda o Sr. Leonardo Coimbra afirmou que eu tinha dito mal dos meus superiores hierárquicos.
Muito pode a vaidade do Sr. Leonardo Coimbra. Meu superior hierárquico!? ...
Página 13
Sessão de 7 de Novembro de 1924 13
Os homens cobrem se de ridículo sem o quererem.
Tratava-se de um simples professor como eu, porque apenas um simples incidente o fez director de Faculdade. Mesmo um director de Faculdade tem poucos poderes.
Pois diz-se meu superior hierárquico!
Só se é por ser génio da raça e eu não...
Então pusesse as coisas nos seus termos, dizendo: — eu sou génio da raça, e por tal tenho o direito de montar no seu cachaço!
Mas não monta, porque eu não deixo, nem o reconheço como génio de cousa alguma.
Agora, meu superior hierárquico, sendo professor como eu, ai! que temos conversado!
Mas se eu tivesse dito mal dos meus superiores hierárquicos, e me quisessem ir à mão por isso, o remédio era não mo aplicarem o regulamento disciplinar, mas chamarem-me aos tribunais.
Mas aos tribunais não me chamam, porque sabem que eu lá sei fazer valer a minha razão, pois que nunca fui absolvido sem fazer valer a minha razão, como a tantos outros tem sucedido.
Assim, uma vez, um homem de Aveiro, que o Sr. Manuel Alegre conheço muito bem, um homem que roubava toda a gente o que até roubava os mortos, porque uma vez mandou desenterrar um morto para o roubar, teve a coragem de me chamar aos tribunais, por eu ter praticado o crime de lhe ter chamado ladrão, bêbedo o burro.
Quando cheguei ao tribunal e os homens de leis me interrogaram, disse tudo o que sabia, mas provando tudo, e o homem teve de pagar as custas e selos do processo, que passaram dum conto déreis.
Ora, suponho que isso hoje custa muito mais, e, porque eu estou sempre do lado da verdade, é que não têm vontade de me chamar aos tribunais.
Ainda neste ponto de superioridade hierárquica há esta parte admirável: os rapazes fundaram com êle um jornal (lá está na sindicância!) para me chamarem quantos nomes havia, mas não assinavam, não tinham essa coragem. E, Srs. Deputados, que vão chamar-me aos tribunais ou ao tablado da opinião pública, Cio que dizia que me perdoava, somente não mo perdoando o ou dizer mal da Pátria (a Pátria!..., e enchia a boca com esta palavra como se fôsse mais patriota do que ou; naturalmente vai mandar um peru a cada cidadão pobro desta Pátria (Risos) a Pátria que êles pregaram num atoleiro!...) mas êle e os outros do seu jornal injuriavam-me, mas não subscreviam a injúria.
Ah! Não é jornalista quem quere! Eu sou um jornalista que pego na injúria e ponho-a no jornal com o meu nome para tomar a responsabilidade. A injúria não faz mal aos jornalistas, porque ela só faz mal desde que não sirva para salientar a verdade. O resto é que não presta; o há tantos como êles! Sim, porque se há alguns bons jornalistas, há para aí cada um... Mas a culpa é dos senhores, que na insensatez da sua verdade não separam o trigo do joio.
Êsses meninos, porém, injuriaram-me o eu defendi-me. Pregunto: também eram meus superiores hierárquicos?! Então porque não se moveu processo contra mim? Tinha até muito prazer nisso, porque não me importa sair ou ficar na Faculdade de Letras. Não é do lá que vem o meu valor.
Os Srs. já me puseram fora do exército, o que nessa altura me importou, um pouco, porque estava arriscado a morrer de fome; mas hoje não me importa que me ponham fora do meu lugar—e já vou dizer qual a origem da minha fortuna.
Mas um processo contra mim porque injuriei os alunos!?... Temo que os Srs. vão continuar na anarquia em que temos vivido.
Numa ocasião, por falta de professores, fui obrigado a reger cinco cadeiras, falando cinco horas a seguir. Não podia ser. Ao professor só deve ser dada uma cadeira, porque só numa pode ser profundo. Doutra forma seria um escândalo que um professor tivesse só duas horas de serviço por semana, porque a sua lição é uma hora é a cadeira tem duas lições por semana.
Noutros países isto é bem compreendido, porque o professor precisa estudar muito mais do que o aluno.
Os que me acusam querem dar-me por incompetente, quando eu estudo História desde os doze anos do idade, porque
Página 14
Diário da Câmara dos Deputados
sempre tive predilecção por êste estudo, o hoje tenho 65 anos. Querem saber mais do que eu!
Entre nós, os Srs. professores que me perdoem, os professores não estudam. Não ofendo ninguém dizendo isto; há também os que estudam.
Mas a maioria, não estuda nada, não quere saber nada.
Quem manda são os meninos; êles é que fazem as férias de dois meses.
Um rapaz veio ter comigo e chamou-me doutor... Disse-lhe logo: «Eu não quero isso, não quero ser doutor».
Num exercício um rapaz deu uma má prova; mas dizia muito bem do Sr. Leonardo, e eu dei-lhe um valor.
Dizem-me os outros alunos: «Então você dá um valor ao estudante, quando disso bem do Sr. Leonardo Coimbra?»
Não lhe podia dar zero.
Eram as tais «prerrogativas da Coroa...»
Aqui neste Parlamento, Garrett, num discurso, disse que a princesa D. Catarina, filha de D. João IV, era muito bonita.
Observaram-lhe, em resposta, que êle tinha feito um bom discurso, mas que quanto àquela parte se enganava, porque D. Catarina era muito feia.
Garrett observou-lhes: «Bem sei, mas eu julgava que era contra as prerrogativas da Coroa chamar-se feia a uma senhora».
Garrett estava sempre com as «prerrogativas da Coroa».
Eu também creio ser contra as «prerrogativas da coroa» do Sr. Leonardo dar um zero a estudante que me dissesse bem do Sr. Leonardo.
Vou para o outro mundo descansado, porque nunca ofendi, em cousa alguma, o Sr. Leonardo.
Vejamos agora outro ponto frisado pelo Sr. Leonardo Coimbra. Falou S. Exa. nas falsificações. Mas o que disse S. Exa. aqui naquele turbilhão de palavras a que se chama eloqüência?
Como neste país anda tudo desvirtuado! Chama-se já àquilo eloqüência, grande orador, génio de raça, quando aquilo foi sempre a negação da verdadeira eloqüência e sobretudo da boa eloqüência parlamentar, que é uma cousa muito especial!
Quando vou a França — e digo-o não para elogiar os homens doutro país, porque o português é inteligente, mas não se cultiva — vejo que a cultura literária dêsse país é enorme. A França primou sempre por isso. Tem mantido sempre uma luta intensa a favor dos estudos das humanidades, dos estudos 'clássicos.
Os senhores não viram ou não quiseram ver que uma das razões fundamentais da derrota da Alemanha foi o predomínio excessivo que ali deram à sciência prática, com prejuízo das humanidades, embora, (devo dizê-lo) êles tivessem sempre grandes tendências humanistas, embora tenham grandes e admiráveis professores.
Mas no povo, nas classes inferiores, isso apareceu muito deminuto. E assim o direito dos povos e dos homens, quási desapareceu sob a pata ferrada de «Ia force», palavras célebres de Bismarck e que foram o epitáfio que êle gravou na pedra rasa do grande império que elo criou. Quando surgiu a guerra eu disse sempre: «a Alemanha perde, a Alemanha perde, a Alemanha perde». E disse-o porque os meus conhecimentos de história me diziam que perde sempre, fica sempre vencido, fica sempre perdido o povo que põe a materialidade acima da espiritualidade. Ah! a luta eterna do homem entre a matéria e o espírito!
O homem a querer subir o a matéria a dominá-lo.
A que vem esta aspiração legítima das classes proletárias que querem o comunismo? E' uma aspiração do proletariado, mas êles não têm a cultura suficiente para saberem que a aspiração do espírito também tem um limite e naturalmente está escrito: daqui não passarás. E quando nós queremos passar além dêsse limite, damos com a cabeça numa pedra dura, caímos sem sentidos e aparecemos cobertos de sangue.
O homem veio ao mundo para trabalhar e sofrer. E como não havia, de assim ser se o homem veio ao mundo para procriar?... E desde que assim é, desde que há filhos, a obrigação dos pais é educá-los. O filho desde que nasce até que morre é para os pais motivo do sofrimento contínuo. Devemos procurar sempre um equilíbrio entre a matéria e o espírito de forma que nem o espírito se esqueça de que a matéria existe, nem a matéria, por sua vez, afogue o espírito.
Página 15
Sessão de 7 de Novembro de 1924 15
Mas, e creio que era isto que eu ia dizendo, falou S. Exa. nas falsificações das actas. Ora V. Exas. compreendem o que seja falsificação duma acta: numa está mais do que devia estar e noutra deixa de constar o que se passou.
Mas quem há-de ver a falsificação das actas?... Eu, por exemplo, que assisti a uma sessão e que vou ver se lá está o que se passou.
Ora muitas vezes se deu o caso de que ou assistia a uma sessão, a certa altura me ausentava e figurava como cúmplice de certas deliberações! É que as actas muitas vezes eram feitas de cabeça.
Falou mais S. Exa. em alunos que entraram e saíram da Faculdade sem exame. E S. Exa. passou também um diploma de ignorância ao pobre Sr. Augusto Nobre, que para ali ficou, parecendo que tinha medo de falar. Os estudantes de todos os estabelecimentos scientíficos requerem ao reitor ou ao director, mas isso não exime as Faculdades de responsabilidade. Em todos os casos há responsabilidade ou da reitoria ou da Faculdade.
Na questão financeira há graves irregularidades, nas aplicações das verbas. Isto é uma questão importantíssima que a sindicância terá de apurar.
Outra sindicância, que esta não basta.
Nos exames, o Sr. Leonardo passou-me um diploma de incompetente.
Uma vez os alunos tinham que me apresentar as suas dissertações: pediram-me para adiar a apresentação de 30 de Maio para 15 de Junho; depois, para 30 de Junho, e, não contentes, pediram novos adiamentos para 15 de Julho e para 30 de Julho. Eu disse: isso não pode ser, ou apresentam a dissertação ou perdem a freqüência da cadeira. Quiseram discutir comigo, mas eu que tinha alunos de outra aula à espera, disse-lhes que não os podia ouvir, que se pusessem lá fora. Isto foi o bastante para se voltarem contra mira. Depois o Sr. Leonardo, que sempre é paternal para os rapazes, foi desencantar um decreto em que as dissertações só oram obrigatórias em certas disciplinas.
Houve um grande conflito com o Sr. Leonardo Coimbra, porque êste queria que um professor aceitasse as dissertações dos alunos.
E o que sucedeu?
Sucedeu que as dissertações foram distribuídas, os dois restantes membros do júri puseram a sua nota de aprovação, mas o professor não lhe pôs nota nenhuma nem as assinou.
Pregunto: Isto é válido? Isto pode ser?
Mas, Sr. Presidente, o Sr. Leonardo Coimbra referiu-se ainda a uma testemunha, dizendo que ela afirmara que não sabia para o que era chamada.
Sr. Presidente: uma testemunha só sabe para que é chamada quando o juiz instrutor do processo lho diz, o aquela a que me refiro foi lá chamada para lhe fazerem preguntas acerca da maneira como eram recrutados os assistentes, e para dizer o que sabia sôbre determinado assistente.
Tratava-se, portanto, de matéria que estava dentro da sindicância, visto que ela era feita a todos os ramos da Faculdade.
Mas o Sr. Leonardo Coimbra falou com certa deferência daquela testemunha.
A êste respeito devo dizer que tenho em meu poder uma carta que vou publicar no próximo número do meu jornal, se não tiver a nota de confidencial, em que ela me diz que, quando o secretário da sindicância viu a notícia dos jornais, o encontrou, dizendo-lhe:
— Ó homem, o que se passou na Faculdade não foi nada do que os jornais dizem. O sindicante fez os mesmos elogios ao professor Homem Cristo.
Ora isto não é verdade. Eu vou publicar, e a responsabilidade é de quem a escreveu.
Sr. Presidente: não há dúvida que o Sr. Agostinho Fortes estava nessa comédia da Faculdade, o isto só mostra que neste pais não há espírito jurídico, não há justiça, não há nada.
Quando eu digo que êste povo não tem condições de independência é apenas com o intuito de o estimular, e para que façam dêste país um país maior.
Nós não vivemos da herança paterna, e quando a recebemos devemos torná-la maior, para a deixar aos filhos. É êste o dever do homem dentro da família e da sociedade.
Ora, como eu ia dizendo, não há justiça neste país. Eu pregunto se um povo pode
Página 16
16 Diário da Câmara dos Deputados
viver sem justiça, só um povo pode viver sem educação pública.
Ainda, ha pouco ouvi censurar o Si'. Ministro do Comércio e Comunicações por ter fundado escolas, escolas e escolas.
Não venho fazer nada a esta casa, nem tenciono cá voltar,
Ainda quando foi da eleição presidencial, eu, que dos presentes era o mais velho, não presidi a essa sessão. Tudo isto, Sr. Presidente, porque à lei foi só feita para os afilhados.
Não protestei nem mo importei com isso; o país que julgue.
Em Portugal não há justiça, nom direito.
Ontem só houve uma voz nesta Câmara, a do Sr. Ministro da Instrução Pública, que pôs a questão no campo do direito. É assim que se fala.
Fui convidado em tempo pelo Sr. António José do Almeida para fazer parte, como presidente de uma comissão a que davam o nome de Cadastro Nacional, cargo êsse que não aceitei por não compreender muito bem o fim que se tinha em vista, pois o que eu entendo que se devia fazer era o cadastro à vida portuguesa, como aliás se faz lá fora e já se deveria ter feito também entre nós.
Fui nomeado para uma comissão de inquérito, mas não quis aceitar o logar e disse:
— V. Exa. gasta mais alguma cousa e fica com uma obra admirável.
Nós não temos cadastros e bem precisamos deles. Não sabemos hoje qual é a divisão das propriedades, quais os cultivos variados que nelas existem.
Por outro lado ignoramos o estado sanitário do País, sobretudo no que respeita às doenças terríveis do alcoolismo e da sífilis, etc.
É absolutamente necessário que tenhamos elementos que nos habilitem a conhecer o estado do País em todas as suas manifestações.
A efectivação dêste meu alvitre foi julgada muito complexa e eu, em face disso, apesar das instâncias do Sr. António José de Almeida, retirei-me.
Passado tempo voltou a dizer-me o Chefe do Estado:
— Então decididamente não há maneira de aproveitar em serviço da Nação as suas aptidões?
A essa pregunta respondi simplesmente:
— «Aqui há tempos falaram-me do lugar de professor duma nova Faculdade».
S. Exa. disse:
— Está bem. Vou já tratar do caso.
Mandou chamar o Ministro da Instrução Pública de então, o Sr. Joaquim de Oliveira, o daí a três horas estava feita a minha nomeação.
Já vê a Câmara que eu não mendiguei nada. Fui para a Faculdade instado para isso.
Sou jornalista há 45 anos.
Em 1881 escrevia eu no jornal O Século artigos de fundo, ao lado de jornalistas célebres do tempo.
Nunca ninguém me acusou do escrever calinadas. Foi preciso que os garotos da Faculdade de Letras se lembrassem de inventar que eu dizia barbaridades, para que, pela primeira vez na minha vida, eu fôsse acusado de calino. Eu fiz, no meu jornal; a análise detalhada das palavras a que os tais garotos chamavam asneiras, provando-lhes que êles é que eram ignorantes e que eu estava na boa razão.
Eu sou partidário acérrimo dos estudos clássicos, e acho que o Sr. Ministro da Instrução fez mal em acabar com o ensino das letras nalguns liceus.
Eu bem sei que há mais concorrência às sciências que às letras, mas isso não é motivo, porque o estudo da língua nacional é a base da independência o deve ensinar-se através de tudo.
Sr. Presidente: estava a referir-me há pouco às escolas industriais, tam necessárias para o ensino dos nossos operários.
Nalgumas escolas industriais e comerciais da América do Norte ensina-se até latim o história antiga.
As nossas Faculdades de Letras são uma burla, apresentando programas que não podem dar-se devido à exigüidade do número de cadeiras existentes.
Como é que o professor, leccionando duas horas por semana, pode ensinar história da Grécia, do Roma, e história antiga, quando só a história da Grécia dava para uma cadeira?
Página 17
Sessão de 7 de Novembro de 1924 17
A França tem nas Faculdades de Letras, só para o ensino de história, 11 cadeiras. A história Já Revolução Francesa constitui só por si uma cadeira.
Isto é que pode chamar-se ensino superior.
Em Portugal o ensino universitário resume-se ao curso dos liceus, que deixa os alunos absolutamente ignorantes.
Sr. Presidente: o Sr. Leonardo Coimbra procurou irritar toda a gente contra mim.
Até falou no Sr. Brito Camacho.
Eu, como disse já, ataquei muito o Sr. Brito Camacho, mas quando chegou a hora em que entendi dever deixar de o atacar, não houve nada que me obrigasse a fazê-lo.
Chegaram a fazer-me propostas de dinheiro, convidando-me a ir até Moçambique para colhêr elementos para êsse ataque. Recusei.
Eu não sou instrumento da má vontade de ninguém, e só trato das questões quando as conheço e é necessário para o bem no país.
Sr. Presidente: o Sr. Leonardo Coimbra citou três ou quatro disparates que me atribuiu.
Pois eu podia atribuir-lhe e citar trezentos, quatrocentos ou mais.
Risos.
Como êle escreve e fala todos sabem.
Êle hoje já escreve melhor, graças a mim.
Deve-me êsse grande favor; devia beijar o chão onde ponho os pés porque hoje está falando e escrevendo melhor.
Eu gosto em todas as questões de pôr o preto no branco, e assim vou escrever um livro, não porque tenha má vontade à Faculdade de Letras do Pôrto ou ao Sr. Leonardo Coimbra, mas para que todos conheçam as cousas da nossa instrução. Já escrevi um livro referindo-me à instrução do povo, à instrução primária e secundária, e agora vou escrever outro sôbre instrução superior, e mostrarei o que ela é na nossa terra e lá fora.
Hei de pôr o preto no branco, como disse.
O Sr. Leonardo Coimbra a tudo se quis referir, quanto a mim.
Até meu filho foi trazido para esta Câmara, e afinal para dizer mais falsidades.
Sr. Presidente: o que é certo é que tenho a honra de ter corrido as prisões do nosso país, desde o tempo da monarquia, mas nunca fui preso por ladrão.
Os ladrões nunca são presos, e se eu fôsse ladrão seria talvez o primeiro homem desta terra, porque os ladrões são todos glorificados.
Sr. Presidente: estou falando nesta Câmara e estou dizendo as verdades, quando julgavam que eu, como já disse, ora um patrazana que não sabia falar.
Estou falando, talvez mal, mas se eu fôsse um ladrão todos me glorificavam e eram até capazes de me sentarem bem alto.
Diriam então talvez que eu falava muito bem, até, e que tinha a linguagem do Sr. Leonardo Coimbra, a linguagem que êle tem, futurista.
Risos.
Quando um dia nós fôssemos transportados para o planeta Marte, talvez pudéssemos dizer: cá está a linguagem do Sr. Leonardo Coimbra.
Falou também o Sr. Leonardo Coimbra em meu filho, talvez para me indispor com êle, o que admira, porque êle é todo concórdia, é todo amor, só abre a boca' para falar em amor, mas... vai dando a sua facada por detrás! Ao passo que eu quando chamo burro a alguém, faço-o com a minha responsabilidade, êle di-lo nos cafés, sem responsabilidade alguma. Mas eu já disse no meu jornal que na altura dêsses factos relacionados com meu filho, êste não estava de mal comigo. Mas podia estar, que não queria dizer nada!...
Falou também aqui em viagens ao estrangeiro, como se quisesse referir-se às minhas e eu fôsse rico. Vou já dizer qual a origem da minha fortuna e das minhas viagens. Podia não dizer, mas o povo tem o direito de saber qual a origem de muitas fortunas de homens públicos, e por isso vou dizê-lo.
Eu tinha uns 10 contos de réis. Meu irmão tinha uma pequena fábrica de moagem, é um dia veio ter comigo pedindo que lhe acudisse numa aflição. Eu devia favores a meu irmão, pois foi êle que me educou, visto que sou filho do povo, e por isso dei-lhe os 10 contos meus e arranjei-lhe mais 10. Êle equilibrou-se com isso e foi andando com a sua fábrica, recebendo eu apenas um juro de 6 por cento
Página 18
18 Diário da Câmara dos Deputados
ao ano. Seria pouco, mas isto de moagem, que ou ouço tantas vezes que dá mundos e fundos, o que não só verifica para o pequeno moageiro, porque eu conheço bem êste assunto, só dá muito para a grande moagem que tem conluios com a imprensa e com os políticos. Mas veio a guerra com a sua febre de negócios e de alta de preços, e dêsse modo foi que com grande pasmo meu vi um dia chegar ao pé de mim o Sr. Deputado monárquico Duarte Silva e oferecer-me pela minha parte 155 contos. Eu não queria acreditar, mas êle disse-me que estava tudo tratado, só faltando a minha resolução, e então eu não olhei para trás o acoitei a oferta.
É certo que não fui pedir licença ao Sr. Leonardo Coimbra, mas parece-me que para isso não era preciso licença do clero, nobreza ou povo.
O que eu sei de moagem é devido ao meu estudo de curioso.
Nunca fui dos corpos gerentes.
Recebi os 150 contos que gastei desta forma: fiz uma casa em Aveiro, onde habito, que me importou em 72 contos.
As contas lá estão. Quando vier a revolução, antes de me armarem a guilhotina, podem ir verificá-las. Não roubei nada!
Fiz a casa porque dela necessitava, dada a crise de habitações.
Veio o meu filho de Paris e disse-me que eu é que lhe poderia emprestar algum dinheiro para os seus negócios. De mim para mim pensei que seria, provavelmente, dinheiro perdido.
Risos.
Então resolvi dar-lhe 35 contos, quantia que lhe pertenceria por minha morte, estabelecendo, porém, com êle o seguinte acordo: pagar-me o juro de 8 por cento, bem pequeno na actualidade, segundo me parece, em livros, visto que êle tem uma, livraria, e eu gosto muito de livros! Estou continuamente a adquirir livros.
Assim o juro fica-lhe a 5 por cento ou 6...Êle ganha e eu também.
Êle paga-me ainda de outra maneira; e com isto é que o Sr. Leonardo Coimbra vai ficar com a boca tapada. Paga-me as despesas de viagem quando vou ao estrangeiro. Paga-me o comboio para Paris quando lá vou e dá-me comida de graça. Também eu lha dou de graça quando êle cá vem. E como êle tem muitos amigos, ou
durante o tempo que lá estou ando numa pândega rasgada.
Risos.
Vejo-me atrapalhado a envergar o smoking e a casaca. Um tormento! Também já lhe disse que não voltaria lá com smoking e casaca. Com smoking ainda vá, mas com casaca não porque custa muito cara.
Risos.
Embora fale francês, vejo-me muitas vezes atrapalhado também para me entender com as mesdames, porque elas têm umas cousas que não são cá muito para mim, umas esquisitices com que já não mo entendo.
Risos.
Então cometo a minha gaffe. Lembro-me agora de que encontrando me, em casa de uma madame, bastante distinta e que há pouco foi condecorada com a Legião de Honra, e preguntando-me ela, em francês, se eu estava aborrecido, respondi-lhe, julgando que ela me prejuntava o contrário: oui, oui madame'
Então ela pôs-se a rir, e riu tanto que até chorou. Minha nora, que é francesa e que estava presente, é que me disse, também a rir-se, que a pregunta da madame fora se eu estava aborrecido. Se bem que saiba francês, entendi o contrário.
Janto fora, almoço fora, passeio de automóvel, visito museus, etc.; e, finalmente, não gasto nada. Vou duas vezes por ano a Paris e não gasto nada.
Devo também dizer que tenho o defeito de ser económico.
Não tenho dinheiro para extravagâncias. Não as faço.
Dir-me-hão: se comprou a casa por 72 contos e deu 35 contos a seu filho, de que é que vive?
Tenho 30 contos em acções da Nova Empresa de Moagem e meia dúzia de contos ao canto da caixa, para os utilizar quando me puserem fora dó lugar de professor da Faculdade do Letras.
Tenho ainda o meu jornal, que me dá interêsse, mesmo muito interêsse, cousa entre 1.500$ e 2.000$ por mês. É, como V. Exas. vêem, uma maravilha, principalmente para aqueles jornalistas que para o serem precisam de estar às ordens da Moagem.
Eu não depondo de ninguém. Depois as despesas do meu semanário são tudo
Página 19
Sessão de 7 de Novembro de 1924 19
quanto há de mais reduzido. Não tenho gastos de redacção e quanto a tipógrafos apenas tenho dois, que foram os primeiros a fazer-me a proposta de lhes pagar 10 em vez de 20, desde que lhes permitisse trabalhar para fora no interregno do serviço jornalístico. Assim só acabaram as greves, tenho o semanário feito a horas e tiro de interêsse perto de 2.000$. Para isso não preciso de fazer chantage nem inserir publicações pagas. Nunca ninguém me comprou ou fez pressão sôbre mim.
Tendo andado à bulha com meio mundo, estou vivo e são. Dotado dum temperamento de revolta, nunca calei a minha voz de protesto nesta terra em que quem não anda de rastos conhece a miséria. Nunca engraxei as botas a ninguém e levantei sempre bem alto a minha cabeça. Tenho 6õ anos e estou ainda como os senhores me vêem.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Leonardo Coimbra: — Sr. Presidente: mal julgava eu que teria de passar a atmosfera desta Câmara, da alta seriedade e do espírito quási trágico que sôbre ela pairou na sessão de ontem, para o que durante a sessão de hoje se desenrolou.
Acabamos de assistir a uma longa e demorada exposição em que o orador que me antecedeu se limitou a contar aneedotas da sua vida, em vez de responder duma maneira clara e terminante, como lhe cumpria se prezasse a honra alheia, às afirmações ontem aqui produzidas.
Que nos interessa saber se S. Exa. é rico ou pobre, se ganha pouco se muito, ou se nas Faculdades ou liceus lá de fora se dão tantas horas de latim, de grego ou de história medieval?
Não faço a nenhum membro desta Câmara a ofensa de o supor capaz de desconhecer o valor do ensino das humanidades. Todos nós o sabemos. O próprio Sr. Herriot em França o reconheceu. Evidentemente que se o homem começa por conhecer a natureza, pensando e filosofando, êle têm forçosamente de conhecer mais tarde os fenómenos da sua consciência.
Todos nós sabemos há muito que a tradição histórica, que a alma intelectual e
moral de ama nação têm, como principal factor do desenvolvimento e esclarecimento, as sciências do espírito que estão nas Faculdades de Letras. Todos o sabíamos. Mas o que tratava era de saber se sim ou não um Deputado da Nação escreveu os insultos que aqui foram lidos, se sim ou não procurou enxovalhar a bandeira nacional, se sim ou não escreveu que esta Pátria já não merece a sua independência!
E para estas preguntas não é resposta dizer-se que a Pátria não merece ser independente porque tem um filósofo chamado Leonardo Coimbra. A ironia, que nem graça tem, porque não sou eu que me chamo génio da raça nem filósofo, porque essas vaidades por que todos passamos a idade as faz desaparecer, porque sou eu próprio que digo que muito desejo saber e que quási nada sei — essa ironia, essa chalaça grosseira não responde a acusações como estas.
A explicação dada pelo Deputado visado foi de que, realmente, insulta por vezes, mas em momentos de irritação. Eu pregunto, Sr. Presidente, se um homem perto dos 70 anos ou dos 60, tem o direito de dizer que fala para um país inteiro e de julgar todos os seus homens, afirmando simultaneamente que em momentos de fúria insulta sem motivo. Eu pregunto se pode ser professor um homem que se volta para os seus alunos e lhes diz: — Rua! Não os admito nesta sala! — Eu pregunto se isto é maneira de mostrar que o ensino não é só ensino, mas também educação, e que a primeira qualidade da educação é não a ironia, a chalaça, mas a verdade que eu uso, criando, com efeito, qualidades de sociabilidade, porque, se a Pátria Portuguesa atravessa uma crise perigosa, é exactamente pela falta de qualidades de sociabilidade, de solidariedade humana.
Então um Deputado afirma aqui que a única cousa que lhe falta para ser um grande homem no nosso país é ser ladrão?! Vejam V. Exas. se é lícito que aqui, onde cada um deve ter a noção da responsabilidade de falar perante os olhos da Pátria, de representar a vontade nacional, alguém venha fazer tal afirmação, que amanha os jornais estrangeiros hão-de reproduzir, dizendo que a opinião expressa nêste Parlamento é de que, para
Página 20
20 Diário da Câmara dos Deputados
se ser alguém na nossa terra, é preciso roubar!
Há mais alguma cousa em que eu não queria tornar a falar, que é nas minhas relações com o filho dêsse Deputado. Que não estavam de mal. Ah! Sr. Presidente! Então ou, pobre, nessa altura ainda estudante, tinha de durante meses sustentar êsse rapaz, de viver em camaradagem com êle, porque não possuía casa onde se acolher, tendo um pai que o podia auxiliar?! Se não estavam de mal, tanto pior ainda, porque o filho foi abandonado, e, nessas circunstâncias, o fui levar à prisão a ver seu pai, e mostrei-lhe que a êle devia respeito e que numa situação difícil o devia acompanhar. Não sei se hoje estão presentes, mas ontem estavam, Jaime Cortesão, Raul Proença, Augusto Martins, Mira Feio, etc., que conhecem a inteira verdade das minhas palavras. E podia dizer mais, mas não o digo. Podia dizer dos insultos sangrentos que estiveram para borbotar da pena do filho e que não borbotaram porque o meu coração não permitiu que tais ofensas fossem feitas por um filho a seu pai.
Sr. Presidente: não quero falar mais sôbre o assunto, mas também não podia consentir que esta sessão ficasse debaixo desta terrível impressão: falta de respeito pela Pátria o pela República.
A minha moção está na Mesa; vamos votá-la e assim acabará esta sessão de maneira que honre as tradições desta casa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida a emenda apresentada pelo orador a sua moção.
É a seguinte:
Emenda
A Câmara convida o Sr. Ministro da Instrução a que continue a manter a energia e decisão que o caso requere, principalmente em vista dos factos aqui apresentados.
O Deputado, Leonardo Coimbra.
O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: a minoria monárquica não vota e moção que está na Mesa, porque entenda que, havendo uma sindicância pendente aos actos do professor Sr. Homem Cristo, o que depois se estendeu a toda a Faculdade de Letras do Pôrto, o Parlamento não deve intervir nessa discussão.
A moção termina em termos de ser uma moção de confiança ao Sr. Ministro da Instrução. A.minoria monárquica não a vota.
Sabendo-se que o sindicante fizera um comício na Faculdade de Letras do Pôrto o Sr. Ministro não devia esperar,que êle pedisse a demissão, tinha apenas que o demitir e nomear outro.
Também se não compreende a preocupação do Sr. Ministro em conciliar.
O seu pensamento devia consistir apenas em fazer justiça.
Repito, o Parlamento não tem nada com o caso.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução (Abranches Ferrão): — O Sr. Morais Carvalho foi injusto nas palavras que proferiu, porque elas não correspondem nada â verdade.
Eu disso, ontem, que tinha procurado um homem que reunisse as qualidades de energia e imparcialidade e uma outra, a de conciliador, para benefício do ensino e da própria Faculdade.
Mas, notem V. Exas., se isso fôsse possível.
Não conhecia absolutamente nada do que se tinha passado, nem das acusações, nem de cousa alguma.
Nestas condições não fiz mais do que cumprir o meu dever.
De resto, quando o sindicante, realmente numa precipitação lastimável, tornou públicos os resultados a que entendeu ter chegado no seu inquérito, resolvi imediatamente substituí-lo.
Não sei o que o Sr. Morais Carvalho desejava que eu fizesse.
Até hoje não nomeei outro sindicante, pela razão simples do ser necessário pôr em ordem todos os documentos que têm de fazer parte do processo.
O orador não reviu.
O Sr. Morais Carvalho: — O Sr. Ministro da Instrução declarou que eu tinha sido injusto.
Vamos ver se assim foi.
O Sr. Ministro pôs a questão perante a Câmara. Entendo que não é a Câmara, mas ao Sr. Ministro a quem compete resolver o assunto.
Página 21
Sessão de 7 de Novembro de 1924 21
Diz S. Exa. que eu o acuso de factos que não correspondem à verdade. Mas foi S. Exa. que confessou ter nomeado o sindicante com propósitos de conciliação, quando apenas lhe competia o apuramento rigoroso da verdade.
O sindicante deve fazer justiça imparcial, não pendendo nem para a esquerda nem para a direita.
De todos os factos devia fazer um minucioso relatório.
Mas o sindicante, antes de ter apresentado ao Ministro êsse relatório, fez um comício para a Faculdade.
Nesse momento a obrigação do Sr. Ministro da Instrução era demiti-lo imediatamente.
Não tinha o direito de vir revelar quaisquer factos antes de dar conta deles ao Sr. Ministro.
Êstes foram os factos que não foram desmentidos ainda e correspondem, portanto, inteiramente à verdade.
O orador não reviu.
O Sr. Ferreira de Mira: — Eu creio, Sr. Presidente, que não é aqui o lugar para se discutir presentemente esta questão, e julgo que é com o Poder Executivo, pelos seus meios, entro os quais entram inquéritos o sindicâncias para estabelecer a verdade, se ela não fôr ainda suficientemente conhecida, que o assunto tem de ser tratado.
Nestas circunstâncias, não sei por que motivo há-de haver uma votação, quer só tome para texto a primeira proposta do Sr. Leonardo Coimbra, quer se tome para texto a emenda que S. Exa. ultimamente mandou para a Mesa.
Trata-se de uma confiança ou desconfiança ao Sr. Ministro da Instrução?
Não voto a confiança nem a desconfiança nesse caso.
Voto a desconfiança ao Sr. Ministro da Instrução, como membro do Gabinete, porque voto a desconfiança a êsse Gabinete, mas não é êste o momento de o fazer.
Sôbre o caso da Faculdade, não há confiança nem desconfiança.
Só depois do inquérito realizado, só depois de o Poder Executivo, pelo Ministério da Instrução, ter agido nos termos que as leis marcam, só então poderei tratar do assunto, e confiar ou desconfiar de S. Exa. conformo as resoluções tomadas.
Nestes termos, não aprecio nem a primeira proposta nem a emenda apresentada depois, quer o Ministro a aceite ou não, porque acho uma redundância dizer ao Ministro que seja enérgico neste caso, quando eu quero que êle seja enérgico dentro da justiça para todos os assuntos que correm pela sua pasta.
Sr. Presidente: creio ter justificado a razão pela qual rejeitamos a proposta e a emenda apresentada.
Não envolve isto a mais pequena solidariedade ou aplauso a qualquer das pessoas que vieram a lume, nesta lamentável discussão.
Refere-se simplesmente esta recusa a que entendemos não haver razão para tal votação, pois o caminho a seguir não está dentro desta Câmara, mas sim no Terreiro do Paço, no Gabinete de S. Exa. o Ministro.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Leonardo Coimbra (para um requerimento): — Requeiro a V. Exa. para que a parte final da minha primeira proposta seja substituída pela emenda que mando para a Mesa.
Foi autorizado.
A emenda foi lida na Mesa.
É a seguinte:
Emenda
A Câmara espera que o Sr. Ministro da Instrução procederá imediatamente com a energia que o caso requere.— Leonardo Coimbra.
Foi lida na Mesa e admitida, sendo retirada a outra emenda.
O Sr. Américo Olavo: — Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer em nome do Grupo Parlamentar do Acção Republicana simples considerações.
Sr. Presidente: a êste grupo parece que esta questão está inteiramente deslocada desde o sou início.
Foi acusado determinado Deputado do ter proferido palavras injuriosas para todos os seus colegas desta Câmara.
O primeiro acto de V. Exa. era impedir que êsse Deputado falasse emquanto não tivesse dado defronte dos seus pares todas as explicações.
Página 22
22 Diário da Câmara dos Deputados
Segunda parte: a questão está mal colocada.
O Sr. Leonardo Coimbra, por cujas qualidades pessoais e de inteligência tenho a maior admiração, pôs a questão inteiramente mal.
Alinha S. Exa., como director da Faculdade de Letras, do Pôrto, conhecimento de que um dos professores havia delinqüido?
Neste caso, ou tinha competência para o punir ou não tinha, e participava o caso para o Ministério da Instrução, para êste aplicar a sanção devida.
Mas, trazer aqui a discussão de um assunto de ordem disciplinar, trazer as campanhas feitas por um jornalista, parece-me não ter lugar, porque se trata de uma infracção praticada por um funcionário público.
Nestas condições, a Acção Republicana entende que não pode nem deve votar a moção que se encontra na Mesa, por isso que, não sabe as condições em que essa sindicância está correndo, nem a situação em que se encontra o funcionário por ela visado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar à Câmara que, tratando-se na verdade de um assunto que deveria ser dirimido lá fora, eu não posso votar a moção apresentada pelo ilustre Deputado Sr. Leonardo Coimbra.
Sr. Presidente: assuntos que são tratados nos jornais não devem ser trazidos para o Parlamento.
A meu ver, duas cousas únicas podiam o deviam interessar ao Parlamento: quais eram as palavras aqui proferidas, pouco próprias na verdade de um Parlamento, e ò dizer-se que a Nação se encontra sem capacidade para ser Nação.
Entendo que as cousas devem ser dirimidas nos seus lugares próprios.
Tenho, Sr. Presidente, pelo Sr. Leonardo Coimbra a mais alta consideração, pois a verdade é que S. Exa. é alguém neste país, e assim entendo que não necessita da moção que foi mandada para a Mesa.
Há nesta questão um aspecto político a considerar, qual é a situação do Sr. Ministro da Instrução, pois a verdade é que
S. Exa. devia com a máxima energia fazer triunfar a justiça e a verdade.
Não posso pois, repito, votar essa moção, pelas razões que acabo de expor à Câmara.
O Sr. Homem Cristo não se pronunciou no Parlamento contra o Parlamento, e se o fizesse V. Exa., Sr. Presidente, tinha a competente sanção a aplicar, e se pronunciou palavras contra a nossa Pátria, o Sr. Ministro da Instrução também tinha poderes para exercer a sua acção.
Tudo que não seja isto, no meu entender, é deslocar o assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pinto Barriga: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Instrução colocou bem a questão, e como a devia colocar.
Tudo o mais são fantasias.
Àpartes.
Quem conhece a vida universitária, bem sabe como sucedem êstes casos.
Quási todas essas questões são questões pessoais que não merecem até às vezes as honras de um inquérito.
Sr. Presidente: o que é certo, é que o Sr. Ministro da Instrução não é acusado de ter praticado qualquer acto ilegal, e não foi citado pelo Sr. Leonardo Coimbra nenhum preceito legal que S. Exa. não tivesse cumprido.
S. Exa. teve a energia que devia ter.
A Câmara não tem que intervir no assunto e tudo que não seja isso é colocar a questão fora das atribuições parlamentares.
O processo continua, e só devemos esperar o seu resultado.
Entendo pessoalmente que a questão foi bem colocada pelo Sr. Ministro da Instrução e que nós não temos que votar moção de espécie alguma.
Depois de se tirarem as conclusões da sindicância é que então poderemos apreciar o procedimento do Sr. Ministro da Instrução.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Instrução (Abranches Ferrão): — Sr. Presidente: parece-me que alguns Srs. Deputados entenderam que as minhas palavras não foram claras.
Foi também aqui dito que eu não tive
Página 23
Sessão de 7 de Novembro de 1924 23
a energia necessária, mas o que é certo é que dos esclarecimentos que do processo constam é que nos devemos orientar.
A Fatuidade de Letras pedia um inquérito e não dizia as razões.
A Faculdade de Letras pedia ao mesmo tempo um processo disciplinar contra o Sr. Homem Cristo, mas não apontava um facto sequer para se poder intentar o processo.
Não basta dizer: intente lá um processo contra A ou contra B para um Ministro mandar mover o processo.
Assim, eu não podia mandar processar ninguém, tanto mais que não sabia do que se tratava.
Era também natural que eu dissesse ao sindicante, julgando que se tratava duma cousa de pouca monta e não grave como depois vim a saber que era, que êle procurasse estabelecer a concórdia entro todos.
Portanto, já V. Exas. vêm que o meu procedimento foi um procedimento que me contenta, por julgar que cumpri os meus deveres.
Recomendei sempre ao sindicante que procedesse por forma a manter absolutamente íntegros os princípios de justiça, procurando apurar a verdade através de tudo, porque o que a República precisa é que em casos desta ordem a verdade seja apurada por completo, para que justiça seja feita a todos.
Procedi como devia ter procedido. Se V. Exas., no emtanto, entendem que assim não é, V. Exas. o dirão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões: — Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Instrução, querendo defender o seu procedimento, fê-lo em termos muito singulares.
Ficamos realmente sabendo que a sua hombridade consistiu em mandar seguir um processo disciplinar que há dois anos estava arquivado.
Mas em que termos, não havendo razão para prosseguimento duma sindicância,
nem havendo fundamentos para um processo disciplinar?
Ora o que me parecia legal, era que se S. Exa. entendia que não havia motivos, nem fundamentos, para processo ou sindicância, devia mandar arquivar os papéis, mas se os havia, mandava então seguir o processo ou sindicância.
Quanto às instruções, julgo que S. Exa. se devia privar de as dar, não tendo elementos para saber do que se tratava.
Disse o Sr. Pinto Barriga, que não há nada no estatuto das Faculdades que impeça o sindicante de dar a sua opinião, mas eu julgo que realmente se trata de uma inconfidência, pela qual se deve pedir responsabilidades.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. José Domingues dos Santos.
O Sr. José Domingues dos Santos: — Quanto tempo tenho para falar?
O Sr. Presidente: — Tem apenas três minutos.
O Orador: — Nesse caso peço a V. Exa. que me reserve a palavra para a próxima sessão.
O Sr. Presidente: — Fica com a palavra reservada.
A próxima sessão é na segunda-feira 10, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:
A de hoje, incluindo-se depois do parecer n.° 816 o parecer n.° 787, que autoriza a Câmara de Albufeira para cobrar designado imposto sôbre as mercadorias exportadas pelo seu porto.
Parecer n.° 783, que anula os decretos n.ºs 9:354, de Janeiro, e 9:763, de Junho do corrente ano, e suspende a execução do n.° 9:677, de Maio último.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
O REDACTOR—Herculano Nunes.