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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 162

(EXTRAORDINÁRIA)

EM 28 DE NOVEMBRO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
José Joaquim Gomes de Vilhena

Sumário. — Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.

Antes da ordem do dia.— O Sr. Luís Amorim requere que entrevi imediatamente em discussão dos pareceres n.ºs 697 e 751.

É aprovado.

Lido na Mesa o parecer n.° 697, é aprovado sem discussão na generalidade e na especialidade com as emendas da comissão.

Lido na Mesa o parecer n.º 755, usa da palavra o Sr. Dinis da Fonseca, sendo aprovado em seguida na generalidade.

São aprovados sem discussão todos os artigos do projecto.

O Sr. Sebastião Herédia requere a discussão imediata do parecer n.º 280.

É aprovado.

Lido na Mesa o parecer n.° 280, é aprovado sem discussão na generalidade.

É aprovado o artigo 1.° com a emenda da comissão.

É aprovado o artigo 2.°, sendo dispensada a leitura da última redacção, a requerimento do Sr. Sebastião Herédia.

O Sr. Sá Cardoso requere que entre imediatamente em discussão o parecer n.° 468.

É aprovado.

Lido na Mesa o parecer n.° 408, usa da palavra o Sr. Carvalho da Silva que fica com a palavra reservada.

É aprovada a acta.

É concedida uma licença.

Ordem do dia.— (Continuação do debate político).

Usam da palavra os Srs. Carlos Pereira, Velhinho Correia, Jorge Nunes. José Domingues dos Santos (Presidente do Ministério) e Pina de Morais que fica com a palavra reservada.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Abertura minutos, da sessão às 15 horas e 35 minutos.

Presentes à chamada 58 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 57 Srs. Deputados.

Presentes à chamada:

Afonso do Melo Pinto Veloso.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Carneiro Alvos da Cruz.

Alberto Ferreira Vidal.

Alberto de Moura Pinto.

Amadeu Leito de Vasconcelos.

Américo da Silva Castro.

António Abranches Ferrão.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Albino Marques do Azevedo.

António Dias.

António Ginestal Machado.

António Maria da Silva.

António do Mendonça.

António Pais da Silva Marques.

António Resende.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Augusto Pereira Nobre.

Augusto Pires do Vale.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Carlos Cândido Pereira.

Custódio Martins de Paiva.

David Augusto Rodrigues.

Feliz de Morais Barreira.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Dinis de Carvalho.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Germano José de Amorim.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

Jaime Júlio de Sousa.

João Baptista da Silva.

João de Ornelas da Silva.

João Pina de Morais Júnior.

Joaquim Dinis da Fonseca.

José Cortês dos Santos.

José Joaquim Gomes de Vilhena»

José Mendes Nunes Loureiro.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

José Pedro Ferreira.

José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.

Júlio Gonçalves.

Júlio Henrique de Abreu.

Juvenal Henrique de Araújo.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Mário de Magalhães Infante.

Nuno Simões.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Sebastião de Herédia.

Tomás de Sousa Rosa.

Vergílio Saque.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abílio Marques Mourão.

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Álvaro Xavier de Castro.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Correia.

António Lino Neto.

António de Paiva Gomes.

António Pinto de Meireles Barriga.

António Vicente Ferreira.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur Brandão.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Bernardo Ferreira de Matos.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Maldonado de Freitas.

Delfim Costa.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Hermano José de Medeiros.

Jaime Pires Cansado.

João José da Conceição Camoesas.

João José Luís Damas.

João Luís Ricardo.

João Pereira Bastos.

João Salema.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Brandão.

Joaquim Ribeiro de Carvalho.

Joaquim Serafim de Barros.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José António de Magalhães.

José Carvalho dos Santos.

José Domingues dos Santos.

Leonardo José Coimbra.

Lourenço Correia Gomes.

Lúcio de Campos Martins.

Manuel Alegre.

Manuel de Brito Camacho.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Manuel de Sousa Coutinho.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Matias Boleto Ferreira de Mira.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Pedro Góis Pita.

Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.

Vasco Borges.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Henriques Godinho.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Afonso Augusto da Costa.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Alberto Lelo Portela.

Alberto Xavier.

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Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Amaro Garcia Loureiro.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António de Sousa Mala.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Domingos Leite Pereiras.

Ernesto Carneiro Franco.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco Cruz.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Jaime Duarte Silva.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Estêvão Águas.

João de Sousa Uva.

João Vitorino Mealha.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

Jorge Barros Capinha.

José Marques Loureiro.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

José de Oliveira Salvador.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel Duarte.

Manuel de Sousa da Câmara.

Mariano Rocha Felgueiras.

Maximino de Matos.

Paulo Cancela de Abreu.

Paulo da Costa Menano.

Paulo Limpo de Lacerda.

Rodrigo José Rodrigues.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Tomé José de Barros Queiroz.

Valentim Guerra.

Ventura Malheiro Reimão,

Vergílio da Conceição Costa.

Às 15 horas e 40 minutos começou-se a fazer chamada, à qual responderam 68 Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: — Está aberta a sessão.

Leu-se a acta.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o expediente.

Foi lido o seguinte

Expediente

Ofícios

Do Senado, comunicando a aprovação da seguinte moção:

«O Senado, reconhecendo a inoportunidade da publicação do decreto n.° 10:318, convida o Govêrno a fazer a sua imediata revogação».

Para a comissão de comércio e indústria.

Do Sr. Joaquim José de Oliveira agradecendo o voto de sentimento pela morte de sua irmã.

Para a Secretaria.

Representação

De uma comissão, em nome dos alunos (e famílias) das escolas primárias superiores, contra o encerramento das mesmas.

Para a comissão de instrução primária.

O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.

Antes da ordem do dia

O Sr. Costa Amorim: — Peço a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que sejam discutidos imediatamente os pareceres n.ºs 697 e 755.

Consultada a Câmara resolveu afirmativamente.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o parecer n.° 697.

Foi lido na Mesa, sendo em seguida aprovado, sem discussão, tanto na generalidade como na especialidade.

É o seguinte:

Parecer n.° 697

Senhores Deputados. — A proposta de lei n.° 695-A, visando a garantir uma justa assistência aos filhos de bombeiros falecidos por desastre, é merecedora em nosso parecer, da vossa aprovação, com as seguintes substituições e aditamentos:

a) Substituir no artigo 1.° as palavras «no Instituto Feminino de Educação e

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4 Diário da Câmara dos Deputados

Trabalho e no Instituto Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar», por «nos Colégios da Obra Titular e Social do Exército de Terra e Mar»;

b) Substituir o § único do artigo 1.°, pelo artigo seguinte, que passará a artigo 2.°: As desposas com vestuário, calçado, alimentação e material escolar dos órfãos admitidos nas condições desta lei, serão pagas pelas companhias de seguros contra incêndios, com sedo em Portugal, proporcionalmente ao capital representativo daqueles seguros;

c) Acrescentar no final do artigo 2.°, que passará a 3.°, as palavras: «e a uma no Colégio Militar»;

d) Passar respectivamente, a 4.° e 5.º, os artigos 3.° e 4.° da proposta de lei.

Sala das sessões da comissão de instrução especial e técnica, 7 de Abril de 1923.— João Camoesas — Manuel de Sousa da Câmara — Custódio de Mendonça — Mário Pamplona Ramos — Luís da Costa Amorim.

Senhores Deputados.— Concorda vossa comissão de guerra com a proposta de lei n.° 695-A, que lhe foi presente, vinda do Senado, assim como com as emendas propostas pela vossa comissão de instrução especial e técnica, garantindo a admissão dos órfãos dos bombeiros falecidos por desastre em serviço, nos estabelecimentos de ensino da Obra Social do Exército de Terra e Mar.

Reconhecendo a justiça de estabelecer uma garantia de futuro, ministrando a instrução e educação aos órfãos daqueles que no desempenho da sua missão altruísta e de sacrifício pela segurança das vidas e dos haveres alheios, arriscam e perdem a sua vida, a vossa comissão de guerra é de parecer que a proposta com as emendas citadas merece a vossa aprovação.

Saia das sessões da comissão de guerra, 30 de Maio de 1924.— João Pereira Bastos — Vitorino Godinho — Tomás de Sousa - Rosa — Lelo Portela — José Cortês dos Santos.

Senhores Deputados. — A proposta de lei n.° 695-A, vinda do Senado, não consigna aumento de despesa ou redução de receita para o Estado, desde que sejam reprovadas as alterações que a vossa comissão de instrução especial propõe, com as quais a vossa comissão de finanças concorda.

Entende esta comissão que a proposta, visando a garantir aos filhos dos que morrem em benefício, da humanidade e ao serviço desta, servirá de incentivo para mais actos de abnegação e altruísmo.

Nestes termos, a proposta merece ser aprovada.

Sala das sessões da comissão de finanças, 8 de Abril de 1924.—Crispiniano d& Fonseca — Amorim de Vasconcelos — Constâncio de Oliveira — Pinto Barriga — F. G. Velhinho Correia — Carlos Pereira — Vergílio Saque — Lourenço Correia Gomes relator.

Proposta de lei n.° 695-A

Artigo 1.° E garantida a admissão no Instituto Feminino de Educação e Trabalho e no Instituto Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar, aos filhos dos bombeiros portugueses de corporações legalmente constituídas o organizadas, falecidos por desastre ou na conseqüência de desastre no desempenho do seu serviço.

§ único. A garantia a que se refere êste artigo, só pode tornar-se efectiva, quando as câmaras municipais inscrevam, nos seus orçamentos a verba precisa para satisfazer a despesa com a alimentação, vestuário e educação dos alunos admitidos.

Art. 2.° O número de admissões anuais,, será limitado a duas no Instituto Feminino de Educação e Trabalho, e a uma no Instituto Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar.

Art. 3.° As condições de preferência, entre os candidatos à admissão a que se refere esta lei, serão as constantes dos regulamentos de educação.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.

Palácio do Congresso da República, em 3 de Abril de 1924. — António Xavier Correia Barreto — Luís Inocêncio Ramos Pereira.

Projecto de lei n.° 517

Senhores Senadores.— Entre as virtudes cívicas que distinguem a raça portuguesa uma se manifesta constantemente, «a dedicação pelo seu semelhante»; e, sob os diversos aspectos em que essa-

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virtude se pratica, merecem especial referência as legiões de beneméritos bombeiros, cujo espírito humanitário e de abnegação, os atira para o perigo, dispostos a fazerem o sacrifício da própria vida, para salvarem a do seu semelhante, não fraquejando nunca êsses heróicos e valorosos «soldados da Paz», por mais terrível que seja o inimigo com quem tenham de se defrontar; e se, passado o perigo, ao espírito dêsses bravos se apresenta à visão da sua existência sacrificada, e do que seria o seu lar e os seus filhos sem amparo, nem assim mesmo a sua alma valorosa esmorece, porque à terrível visão, outros sentimentos se opõem: «o cumprimento do dever, e a satisfação do dever cumprido».

Não precisam os valorosos soldados da paz de incentivo para prosseguirem na -sua bela obra, visto que voluntariamente A ela se dedicam, mas grato lhes será saber, que, se no desempenho do dever que se impuseram, perderem a vida, o Estado não deixará ao desamparo os seus filhos, prestando-lhes a devida assistência. Para que essa assistência se possa realizar, tenho a honra do apresentar ao Senado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E garantida a admissão no Instituto Feminino de Educação e Trabalho e no Instituto Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar, aos filhos dos bombeiros portugueses do corporações legalmente constituídas e organizadas, falecidos por desastre ou em conseqüência de desastre no desempenho do seu serviço.

Art. 2.° O número de admissões anuais será limitado a duas no Instituto Feminino de Educação e Trabalho, e a uma no Instituto Profissional dos Pupilos do Exército do Terra e Mar.

Art. 3.° As condições do preferência entre os candidatos à admissão a que só refere esta lei, serão as constantes dos regulamento de educação.

Art. 4.° Os subsídios a pagar ao Instituto Feminino do Educação e Trabalho, Instituto Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar e Conselho Tutelar, pela aplicação desta lei, serão incluídos e satisfeitos pelo capítulo 5.°, artigo 16.°, do orçamento ordinário.do Ministério do interior.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões do Senado, 9 de Outubro de 1923. — João Carlos da Costa.

Senhores Senadores. — O projecto de lei n.° 517, da iniciativa do ilustre Senador o Sr. Carlos Costa, permitindo a admissão nos dois Institutos da Obra Social do Exército de Terra e Mar aos órfãos de bombeiros falecidos no desempenho da sua altruística missão, representa uma bela iniciativa que não pode deixar de ser recebida com a maior simpatia pelo Senado.

Se é certo que os bombeiros portugueses, arriscando ávida, têm cumprido sem êste incentivo o seu nobre dever, é da mais inteira justiça que o Estado não esqueça os órfãos dêsses dedicados beneméritos mortos para salvar a vida e os haveres alheios.

E bem ficam ao lado dos órfãos dos militares que ao serviço da Pátria e da Re-pública perdessem a vida os daqueles soldados da Paz que pela causa da humanidade fizeram o mais sublime dos sacrifícios.

Representa, no emtanto, êste projecto um aumento de despesa com o qual não é oportuno sobrecarregar o Orçamento do Estado.

Nestas condições deverá adicionar-se ao artigo 1.° o seguinte:

§ único. A garantia a que se refere êste artigo só pode tornar-se efectiva quando as câmaras municipais inscrevam nos seus orçamentos a verba precisa para satisfazer a despesa com a alimentação, vestuário e educação dos alunos admitidos.

O artigo 4.° deverá por êste facto ser eliminado.

Sala das Sessões da secção, 13 do Janeiro de 1923. — Frederico António Ferreira de Simas, relator.

O Sr. Costa Amorim: — Peço a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se dispensa a leitura da última redacção.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o parecer n.° 755.

Foi lido na Mesa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.

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6 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: eu começo por lamentar duas cousas.

A primeira, é que esta Câmara tenha aprovado que se discuta um assunto que interessa á instrução pública na ausência do Sr. Ministro da Instrução.

Não compreendo, Sr. Presidente, que tratando-se de um assunto de instrução, o mesmo se discuta, não estando presente o respectivo Ministro para nos dizer qual a sua opinião sôbre o assunto.

Lamento em segundo lugar, Sr. Presidente, que V. Exa., que é o responsável pela forma como correm as discussões nesta Câmara,, mais uma vez tenha consentido que se discuta um assunto sem que previamente nos fôsse fornecida uma cópia do respectivo parecer, para sabermos como havemos de votar.

Já não é a primeira vez que protesto, aqui, contra esta forma de se discutirem os assuntos, sem que nós tenhamos conhecimento deles.

Será êste, Sr. Presidente, o único Parlamento do mundo em que êstes casos se dão; e, pela parte que me diz respeito, como parlamentar que dentro das medidas das suas forças gosta de saber o que discute e ter a consciência da forma como vota, não posso deixar de protestar contra semelhante facto, tanto mais, Sr. Presidente, que o requerimento que foi feito não pedia a urgência e dispensa do Regimento.

O Sr. Presidente: — Peço desculpa a V. Exa., mas o requerimento foi feito para entrar imediatamente em discussão êste parecer.

O Orador: — Agradeço a V. Exa. a explicação que acaba de me dar; mas não estou de acordo com ela, tanto mais quanto é certo que o parecer não se acha impresso, -nem foi distribuído.

O Sr. Presidente: — Peço desculpa a V. Exa. mas, ao contrário do que V. Exa. afirma, o parecer já se acha impresso e já foi distribuído.

O Orador: — Não estou de acordo com V. Exa., razão porque suspendo as minhas considerações, não as dando por terminadas, até que V. Exa. me mande entregar o parecer que diz já se achar impresso.

Pausa.

O Orador: — O parecer que V. Exa. e me mandou entregar é o que já foi discutido e votado; porém eu refiro-me ao que está em discussão.

O Sr. Presidente: — O parecer que mandei entregar a V. Exa. é na verdade o que foi discutido e votado, visto que o que se encontra em discussão é uma proposta vinda do Senado.

O Orador: — Eu tenho, Sr. Presidente por V. Exa. a máxima consideração e respeito; porém, o que desejo é que V. Exa. tenha pela minha situação de parlamentar o mesmo respeito que eu tenho por V. Exa.

Se V. Exa. reconhecer que nesta parte tenho razão, lance sôbre a Câmara, que votou, essa responsabilidade. Mas o que V. Exa. não pode deixar de me reconhecer é o direito que tenho de defender a& minhas regalias parlamentares, que V. Exa. tem de defender, como Presidente desta Câmara.

O Sr. Presidente: — A Câmara votou que se discutisse imediatamente.

Sabe?

Se o sabe, não tenho mais nenhuma resposta a dar-lhe.

A Câmara votou que se discutisse imediatamente.

Não tenho mais nada a dizer. Mais nada.

O Orador: — Lavro o meu protesto.

Era a V. Exa. que competia não deixar que casos dêstes continuassem a repetir-se.

Agradeço à Mesa o ter mandado dar-me o exemplar manuscrito, — porque na realidade não existe impresso — da proposta de lei vinda do Senado, que está em discussão.

Por essa proposta de lei é concedido aos alunos da universidade e das escolas superiores de medicina veterinária a quem, finda a época de exames em Outubro, falte uma cadeira, a faculdade de se matricularem no ano imediato.

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Quere dizer: pede-se que sejam dispensados os alunos de freqüentarem, como se diz no artigo 2.°, uma cadeira, podendo continuar os seus estudos no ano seguinte.

Sempre me tenho oposto a concessões desta natureza todas as vezes que têm sido apresentadas nesta Câmara.

Mais uma vez me oporei e votarei contra concessões destas, porquanto entendo que elas são ruinosas, contraproducentes, para a eficiência do ensino.

Ou as escolas são precisas para nelas se aprender, ou a freqüência das aulas, é necessária para o professorado nelas ensinar alguma cousa, ou as escolas não são precisas e os alunos podem deixar de as freqüentar, escusando o Estado de despender dinheiro com elas.

Desta maneira é melhor decretar que cada aluno estude como quiser, onde quiser e, quando muito, o Estado mande fazer exames pelos júris que entender.

Não concordo.

Concordo sim em que, como muitas escolas ensinam pràticamente, dá o mesmo resultado freqüentar ou não freqüentar as escolas; mas não concordo em que o Parlamento considere como boa doutrina que não é preciso freqüentar as escolas e pelo menos algumas cadeiras.

Esta é a doutrina que sempre tenho sustentado, sustento agora e sustentarei sempre, porque qualquer outra parece-me atentatória do prestígio da escola e sobretudo da função que o ensino precisa exercer.

Alega-se na proposta de lei que êste benefício é para evitar aos alunos sacrifícios de trabalho e sacrifícios económicos.

São razões que não podem colhêr, nem juridicamente, nem em face do prestígio do ensino.

Vote quem quiser.

Não o votarei eu, porque considero êsse critério inteiramente errado, sob o aspecto do ensino, especialmente se o ensino se considera superior.

Sei que êste critério não agrada aos alunos das escolas.

Sei que não é assim que se conquista a popularidade da população académica, mas essa população académica, quando entrar mais tarde na vida prática, será a primeira a dar-me razão, visto que neste momento pugno para que o estudo seja alguma cousa de sério, alguma cousa de levantado, alguma cousa que prestigie a escola e prestigie os alunos que a freqüentem.

Não posso compreender que se converta a escola numa inutilidade, ou simplesmente numa chancela para passar certificados, dando o direito de ingresso em funções públicas aos seus diplomados, sem que realmente essas escolas tenham feito todo o possível para desenvolver e levantar o nível que é indispensável aos alunos que lhes são confiados.

Tanto basta para que eu não possa dar o meu voto a esta proposta, que está em discussão; tanto basta para que eu levante a minha voz contra semelhante proposta, e para que eu mais uma vez lamento que esta proposta se discuta, sem estar presente o titular da pasta da Instrução.

Era preciso saber-se que orientação S. Exa. quere dar ao ensino; pois um problema dêstes é absolutamente indispensável tratar se com cuidado e com atenção.

Não é de afogadilho, com dois minutos de leitura que se lhe pode prestar a devir da atenção:

Eu não o compreendo assim; e lamento que adentro desta Câmara possa haver quem entenda que esta discussão se possa fazer desta maneira.

Lavro o meu protesto, rejeitando in limine esta proposta.

O orador não reviu.

Foi aprovada na generalidade e na especialidade.

É a seguinte:

Proposta de lei

Que concede aos alunos universitários e de escolas superiores de medicina veterinária a quem, finda a época de exames em Outubro, falte uma cadeira, a faculdade de se matricularem no ano imediato.

Última redacção

Artigo 1.° É concedida a todos os alunos universitários e da Escola Superior de Medicina Veterinária a quem, finda ai época de exames em Outubro, falte uma cadeira, a faculdade de se matricularem no ano imediato.

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Art. 2.° É concedido aos alunos abrangidos pela doutrina do artigo 1.° a dispensa de freqüência, mas não de fazer previamente êsse exame, da cadeira que lhes falta.

Art. 3.° Esta lei entra imediatamente em vigor.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das sessões da 1.ª secção do Senado, 20 de Novembro de 1924. — Francisco de Sales Ramos da Costa, presidente — Joaquim Manuel dos Santos Garcia, secretário — José Joaquim dos Santos Pontes, relator.

Considerando que existem muitos alunos universitários e da Escola de Medicina Veterinária a quem falta uma cadeira, e que por êste motivo não podem matricular-se no ano seguinte sem que tenham de levar todo o ano repetindo essa mesma cadeira;

Considerando que dêste facto resultam, não só enormes prejuízos materiais para os encarregados da educação, ou o que é mais ainda, para aqueles que porventura fazem o curso à sua custa, mas também trazem aos alunos um desfalecimento no seu amor ao estudo e ao trabalho, levando muitos a abandonar o curso numa altura em que dificilmente poderão orientar a sua vida num sentido diferente daquele para onde a sua vocação os atirou;

Considerando que é intuitivo se procure harmonizar interêsses e direitos com a justiça que visa neste momento a uma economia de sacrifícios que mais assoberbam aqueles que iniciam a sua carreira;

Considerando que nos próprios liceus os alunos transitam de ano reprovados em uma cadeira; mais ainda, que, para os esperados no 7.° ano, existe a faculdade de serem dispensados de exame final quando hajam alcançado média de seis valores na cadeira que os esperou;

Considerando que em varias escolas superiores, dependentes -ou não dependentes do Ministério da Instrução, existe o sistema das cadeiras por grupos:

Tenho a honra de apresentar a V. Exas. o seguinte.

Projecto de lei

Artigo 1.° É concedido a todos os ala-nos universitários e da Escola Superior de Medicina Veterinária a quem, finda a época de exames em Outubro, falte uma cadeira, a faculdade de se matricular no ano imediato.

Art. 2.° E concedida aos alunos abrangidos pela doutrina do artigo 1.° a dispensa de freqüência da cadeira que lhe falta.

Art. 3.° Esta lei entra imediatamente em vigor.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões do Senado, 14 de Novembro de 1924.— José Pontes, Senador.

O Sr. Sebastião Herédia: — Requeiro para entrar imediatamente em discussão o projecto n.° 280.

Tem parecer unânime do todas as comissões.

Foi aprovado.

Foi aprovado na generalidade e vá especialidade.

É o seguinte:

Parecer n.° 280

Senhores Deputados. — A vossa comissão de petições, tendo examinado com a mais escrupulosa atenção o requerimento e mais documentos em que João Rodrigues Ferreira, terceiro oficial dos correios e telégrafos, reintegrado no seu lugar, em virtude da lei n.° 738, de 14 de Julho de 1917, pede a modificação desta lei para que lhe seja contado, para os efeitos de antiguidade, o tempo por que esteve afastado do serviço, é de parecer que merece ser atendido o pedido do requerente, logo que aquela lei lhe deu o direito a ser reintegrado, mas para isso necessário é um projecto de lei que modifique a referida lei n.° 738, conforme arqueie pedido.

Assim a vossa referida comissão submeto à vossa aprovação ò projecto de lei seguinte:

Artigo 1.° É contado, para os efeitos de antiguidade, ao terceiro oficial telégrafo-postal João Rodrigues Ferreira todo o tempo, desde o dia em que foi demitido do sou lugar até a data da sua readmissão.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrário.

Sala das sessões da comissão de petições, 27 de Julho de 1922. — Abílio Mar-

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Sessão de 28 de Novembro de 1924 9

quês Mourão — Manuel Fragoso — Sá Pereira — Lourenço Correia Gomes — Vitorino Mealha.

Senhores Deputados.— Atendendo a que nos casos de reintegrações propostas pelo Conselho da Administração Geral dos Correios e Telégrafos, mediante revisão dos respectivos processos, tem sido norma aprovada pelos Ministros do Comércio e Comunicações contar o tempo durante o qual os funcionários demitidos estiveram afastados do serviço, para todos os efeitos, excepto para o de abono do vencimento, é a vossa comissão de correios e telégrafos de parecer que o projecto de lei proposto pela comissão de petições e referente ao terceiro oficial João Rodrigues Ferreira merece a vossa aprovação, substituindo-se apenas, no seu artigo 1.º as palavras «para os efeitos de antiguidade»; por estas outras: «para todos os efeitos, excepto para o de abono de vencimento».

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 15 de Agosto de 1922. — João Pedro de Almeida Pessanha — Bernardo de Matos — Plínio Silva — António de Mendonça — Luis da Costa Amorim, relator.

Senhores Deputados.— A vossa comissão de finanças, verificando o projecto de lei n.° 280 e os pareceres que o acompanham; das vossas comissões de petições e correios e telégrafos, é de parecer que merece a vossa aprovação o projecto de lei da vossa comissão de petições, cora o qual se conforma.

Sala das sessões dá comissão de finanças, 24 de Agosto de 1922.— F. G. Velhinho Correia — Delfim Costa — António Maia — F. C. Rêgo Chaves — A. Crispiniano da Fonseca — Queiroz Vaz Guedes — João Camoesas (com declarações) — Lourenço Correia Gomes, relator.

Exmo. e Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados da Nação.— João Rodrigues Ferreira, terceiro oficial dos correios e telégrafos, reintegrado no seu lugar pela lei n.° 738, de 14 de Julho de 1917 (documento n.° 4), não o foi, todavia, nas mesmas condições em que o foram outros colegas em igualdade de circunstâncias, pois não se mandou lhe contassem para os efeitos de antiguidade, o tempo decorrido da data da sua exoneração à, sua reintegração (documentos n.ºs 5, 6, 7, 8, 9 e 10).

As comissões de petições e de correios e telégrafos da Câmara dos Deputados, como em casos anteriores, foram de parecer que devia contar-se o tempo que esteve afastado, mas sem direito a vencimento; a comissão de finanças que se não devia contar o tempo para nenhum efeito, ao contrário do que até então se fizera (documento n.° 1).

Reconhecida pelas comissões a justiça da sua reintegração, e até duma forma bastante honrosa para o requerente (documentos n.°s 1 e 2), atendendo a interêsses do Tesouro, admite-se que se lhe não pagasse o tempo do seu forçado afastamento, o que em muitos casos se não tem feito, mas não se lhe contar êsse tempo pára antiguidade, com o que o Estado nada interessa, isso torna-se em castigo imerecido o uma excepção, que não tem razão de ser, tendo-se contado a outros nas mesmas condições.

Convencido, porém, o requerente da nobreza de carácter e amor pela justiça dos dignos membros que compunham a comissão do finanças da Câmara dos Deputados, procurou o digníssimo presidente e relator dessa comissão, chamando a sua atenção para o facto de esta não mandar contar o tempo, como se fizera a outros empregados, tendo-se provado, pelos pareceres das outras comissões (documentos n.ºs 1 e 2), que êle fora vítima duma grande injustiça, e que sendo consultado o Exmo. Sr. Dr. Afonso Costa, Ministro das Finanças, sôbre os termos em que se deveria fazer uma reintegração em condições idênticas, fora Cio do parecer que se não contasse o tempo unicamente para o efeito de vencimento, mas sim para o de antiguidade (documento n.° 3).

O Exmo. Sr. Presidente concordou na possibilidade da contagem do tempo para a antiguidade e disse que, feita a emenda no Senado, quando o projecto voltasse à Câmara dos Deputados seria aprovado.

Estava-se, porém, em vésperas de encerramento das Câmaras, e o requerente temeu não haver tempo de voltar o. projecto à Câmara dos Deputados o ser aprovado, tendo ainda de ficar mais um ano esperando justiça, o que perfazia o total dê quinze anos, pedindo por isso que o

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projecto fôsse aprovado tal qual estava, aguardando ocasião oportuna para solicitar que justiça lhe fôsse feita por completo.

Exmo. Senhor: anterior e posteriormente à reintegração do requerente, muitas outras se fizeram nas condições que ora ré Altere, isto é, contando-se aos interessados o tempo para os efeitos de antiguidade, sempre que, como no caso presente, foi considerada injusta a pena imposta, e ainda, para reforçar o que ao requerente se lhe afigura ser de justiça, por decreto de 28 de Março último, foi mandado readmitir Francisco Sales da Cunha Mendonça, demitido em 1890, mandando-se-lhe contar os trinta anos que esteve afastado do serviço (documento n.° 11); por isso

Pede a V. Exa. que a lei n.° 738 seja modificada, mandando-se-lhe contar, para antiguidade, o tempo que injustamente esteve afastado do serviço, em harmonia com os pareceres das comissões de petições e de correios e telégrafos (documento n.° 1).

Lisboa, 20 de Abril de 1921. — João Rodrigues Ferreira.

O Sr. Sebastião Herédia: — Requeiro a dispensa da última redacção.

Foi aprovado.

O Sr. Sá Cardoso: — Requeiro para entrar imediatamente em discussão o projecto de lei n.° 468.

Foi aprovado.

É pôsto em discussão o parecer n.° 408.

É o seguinte:

Parecer n.° 468

Senhores Deputados.— A vossa comissão de guerra foi presente, entre muitos, o requerimento de recurso do tenente-coronel Gonçalo Pereira Pimenta de Castro, contra a penalidade que lhe foi imposta pela lei n.° 1:244, de 23 de Março de 1922, e segundo o artigo 8.° da mesma lei, que o autoriza a reclamar.

São muitos e variados os aspectos que se apresentam nos recursos, uns de natureza política, outros de natureza pura e simplesmente militar e, de entre êles, diversos também os motivos que determinaram a aplicação daquela lei.

Há, portanto, a necessidade absoluta de serem estudados e ponderados separadamente, contra o que, à primeira vista, se afigurou à comissão poder fazer. Supunha ela que uma revisão da lei n.° 1:244 e à sua substituição por uma outra em que todos os casos, que não constituíssem matéria criminal, pudessem ser inscritos como inibitórios de responsabilidade, seria suficiente, lógica, moral e justa. Mas vê que ô impossível.

Tem de estudar, separadamente, cada recurso e, para cada um, dar um parecer. Não seja, pois, levado à conta de interêsses individuais, como sei dizer-se, mas simplesmente com o espírito de justiça, que a cada um caiba, o trabalho da comissão. Está ela farta de ouvir que do seu estudo só saem medidas de carácter pessoal.

Como não há-de ser assim, se ao seu estudo são apresentados muitos mais assuntos com êsse carácter do que com o carácter geral?

Depois, no caso presente em que uma disposição de lei abrangeu tantos casos e indivíduos, sem discriminar aqueles e sem atender aos serviços dêstes, difícil se apresenta a solução, também com um carácter geral, sendo necessário recorrer ao estudo e conhecimento de todos os casos e do todos os factos e não menos das circunstâncias de que êles se revestiram.

O tenente-coronel Pimenta de Castro foi reformado por despacho de 31 de Maio de 1919, por ter sido considerado incurso na última parte da alínea d) do n.° 5.° do artigo 2.° do decreto n.° 5:368, de 8 de Abril do mesmo ano, que considera infracção disciplinar de carácter político «a simples neutralidade, declarada ou não, perante actos ofensivos da integridade e segurança da República».

Vamos, portanto, estudar o acto de «neutralidade» praticado pelo recorrente.

O tenente-coronel Pimenta de Castro era o comandante do regimento de infantaria n.° 16 — unidade que fazia parte do corpo de tropas da guarnição de Lisboa — à data do movimento de Monsanto.

Não nos referindo as reuniões que, amiudadas vezes senão diariamente, havia entro os oficiais das unidades daquele «Corpo de tropas», sobretudo na época em que se criaram e desenvolveram as chamadas «Juntas militares» de que a revolta de Monsanto foi o acto

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mais ostensivo da sua acção; não nos referindo, repito, a êsse período e a essas reuniões, em que se sabe — porque tudo se vem a saber — qual o critério, qual a -atitude, qual a acção contrária e oposta - do tenente-coronel Pimenta de Castro - limitamo-nos à apreciação da sua atitude saqueio movimento, por ser o que está em causa.

O tenente-coronel Pimenta de Castro, em face do movimento que sempre contrariou, não consentiu que quaisquer elementos da sua unidade fossem cedidos aos revoltosos; não consentiu nem autorizou.

Êle receava que, saídos do quartel sob o pretexto de irem combater Monsanto, fossem por Monsanto... E se, porventura, isso sucedeu foi no momento em que, como oficial mais antigo do «Corpo de tropas», por o comandante ter desaparecido, se viu obrigado a ir a outros quartéis impor a sua autoridade e relembrar o compromisso tomado no sentido de não auxiliarem a acção das «juntas», como haviam resolvido numa das últimas daquelas reuniões.

Mas conservou-se êle sempre nessa atitude irredutível de não fornecer nem consentir que se fornecessem elementos de combato?

Não. Desde o momento em que reconheceu ir a acção dos revoltosos tomando proporções perigosas para o regime — que êles haviam jurado defender, como defender o Presidente e acatar o Governo — imediatamente forneceu aqueles elementos aos comandos republicanos que lhe pediam, nomeadamente ao então tenente-coronel Velez Caroço.

Êle organizava as fôrças e dava-lhes o comando republicano. Muitos foram para os sectores republicanos; e só deixou de enviar mais quando se viu apenas com os subalternos, que ficaram sob sua vigilância, e que eram tidos e havidos como afectos ao movimento dos revoltosos.

Envio todo o auxílio em munições de guerra e de boca que aquele oficial lhe solicitou.

Consta tudo dos documentos que vieram a público, quer em folheto, quer esparsos pelos jornais, e que, a maior parte, estão juntos ao processo, pelos quais se verifica o constata a acção do recorrente.

Lá se encontram os documentos de resposta às preguntas formuladas, quási com o carácter de atestados, prestados pelos distintos oficiais que tanto patriotismo e brio militar demonstraram no ataque a Monsanto.

Deduzem-se deles as provas incontestáveis de que o tenente-coronel Pimenta de Castro forneceu e concedeu o pessoal que pôde, em fôrças devidamente comandadas, todo o material em munições de guerra e de boca, pura que os republicanos pudessem salvar a República. E que isso foi reconhecido, está no convite que o recorrente recebeu do chefe do gabinete do Ministério da Guerra, logo a seguir à vitória de Monsanto, o actual. Senador Sr. Ramos de Miranda, para continuar, caso o desejasse, no comando do regimento, exigindo-lhe que escrevesse a sua resposta. Declinou o convite honroso que recebeu, por o seu estado de saúde não o permitir.

Também o Sr. coronel Velez Caroço, fazendo reunir toda a oficialidade do regimento de infantaria n.° 16, prestou ao tenente-coronel Pimenta de Castro, na presença dela, aquela prova de gratidão e de reconhecimento em nome das fôrças republicanas, a que o acto por êle praticado dava todo o jus.

Pois, não obstante isto, sem, embargo de tantas provas de que a acção do recorrente não foi, nem teve o carácter de neutralidade, quanto mais o de hostilidade à República, o tenente-coronel Pimenta de Castro foi abrangido pelo decreto de 26 de Abril de 1919, sendo demitido do serviço do exército três meses depois de haver sido convidado para continuar no comando do seu regimento, pelo chefe republicano coronel Ramos de Miranda.

Recorre dêste castigo nos termos do decreto n.° 5:368, de 8 de Abril do mesmo ano, recurso que tem apensos os documentos originais a que se alude, e que teve provimento como só verifica pelo decreto de 31 de Maio do citado ano que anulou aquele decreto do demissão, mas substituindo esta penalidade pela da reforma.

Foi abrangido, para isto, pela infracção cominada no n.° 5.° do artigo 2,° do decreto n.° 5:368 citado, alínea d) que diz: «... e ainda a simples situação de neutral!

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dade, declarada ou não perante actos ofensivos da integridade e segurança do regime».

A palavra «neutro» vem, como sabeis, do latim «neuter, neutra, neutrum» que significa: «nem por um nem por outro».

£Acaso o tenente-coronel Pimenta de Castro se não manifestou?

Manifestou-se. Logo não foi neutro.

Porque lado se manifestou?

Pelo lado e a favor do regime republicano.

Logo não concorreu, nem cometeu actos ofensivos da integridade e segurança da República.

Não deu todo o auxílio que podia ou devia dar, inclusive o da sua própria pessoa?

Admitamos que sim, mas isso está justificado pelo que acima se expôs, não podendo nunca chegar-se ao reconhecimento de que auxílio algum foi prestado, porque prestou todo o auxílio que pôde.

Nem se pode negar as atenções havidas para com o recorrente por aqueles que lhas prestaram e que, melhor do que ninguém, souberam reconhecer o valor do auxílio dado pelo tenente-coronel Pimenta de Castro.

Pelo lado dos serviços prestados à. Pátria o à República, constata-se dos documentos oficiais juntos à petição o seguinte:

Desde 1904 que a sua actividade, a sua energia e a sua acção do militar o funcionário pundonoroso e brioso só manifestam no serviço colonial, tomando parto nas operações de Huíla, desde 21 do Agosto até 17 do Novembro de 1906.

Em Timor, onde esteve desde 30 de Agosto de 1908 g até 4 de Fevereiro de 1910, exerceu os cargos de Chefe de Estado Maior, secretário do Govêrno o de Governador interino do distrito autónomo.

Mais tarde, já na vigência da República, novamente seguiu para Timor num cargo civil, o de director da alfândega de Dilly, cargo que abandonou para passar a situação militar, fazendo parte das operações em Okussi, como comandante da respectiva coluna, em que muito se distinguiu, sobretudo no combate de Nuno-Eno.

Da sua folha de matrícula consta onze louvores, de que se distinguem os seguintes:

Por ter oferecido ao Estado um edifício que fez construir à sua custa para servir de escola na sede da Capitania-mor de Ambuellas e Conguellas.

Pela sinceridade, valor e disciplina com que se houve no reconhecimento —operações no Cuamato — em 1 de Setembro de 1906.

Pela energia e competência com que nas operações Além-Cunene soube manter a disciplina na companhia de guerra do seu comando que, embora formada pelos elementos do batalhão disciplinar, só portou equivalentemente às companhias europeias.

Pela espontaneidade do seu oferecimento para comandar as operações na região do Okussi, em que se houve com a competência e brio que eram de esperar.

Pela muita dedicação o cumprimentado dever nos trabalhos de mobilização da sua unidade para a guerra europeia.

Pela maneira inteligente e valor militar com que dirigiu as operações de Okussi de 11 A o Abril de 1913 a 15 de Junho de 1913 e pela coragem com que se portou no combate do Nuno-Eno no dia 30 do Abril.

Também dos seus registos consta haver sido condecorado com:

Medalha militar, de ouro da classe de comportamento exemplar;

Medalha militar de prata da classe de bons serviços;

Medalha militar de prata da classe de serviços distintos no ultramar;

Medalha das campanhas de Timor;

Medalha militar de prata da classe de valor militar;

Cavaleiro de Cristo;

Cavaleiro de Avis;

Oficial do Santiago.

Se não bastassem as razões aduzidas para comprovar não ter o tenente-coronel Pimenta de Castro usado de «neutralidade», seriam suficientes os serviços prestados à Pátria e à República constantes dos seis louvores, de entre os onze que tem aver-

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foados, que reproduzimos, para nos levarem ao convencimento de que não pode estar sob o pêso duma argüição, que não cometeu, quem tantas provas de coragem, de valor, de zelo, de dedicação, de energia e do disciplina deu em ocasiões arriscadas para o levantamento do nome português. Actos desta natureza não podem ser esquecidos.

A êle atende a vossa comissão, julgando que deveis ilibar a dignidade dêste oficial, completando-se, pela forma abaixo proposta, o provimento ao recurso que faz e que consta do decreto de 31 de Maio de 1919.

Projecto de lei

Artigo 1.° É anulada a parte do decreto de 31 de Maio do 1919 que substituiu a pena de demissão aplicada ao tenente-coronel Gonçalo Pereira Pimenta de Castro pela de reforma, ficando ilibado da responsabilidade que lhe foi imputada pelo decreto de 26 de Abril do mesmo ano.

§ único. As conseqüências desta lei não dão direito a melhoria alguma de vencimentos até a data da sua publicação em ordem do exército.

Art. 2.° Ficam revogadas as disposições, em contrário.

3ala das sessões da comissão de guerra, 7 de Março de 1923.— João Pereira Bastos — António de Mendonça — Nuno Simões — Viriato Gomes da Fonseca — Albino Pinto da Fonseca — A. Garcia Loureiro — João E. Águas, relator.

Senhores Deputados.— A vossa comissão de finanças, tendo verificado o processo aqui junto do requerente tenente-coronel Pimenta de Castro e lido o relatório muito' elucidativo e cheio de justiça da vossa comissão de guerra, é de parecer que merece a vossa aprovação o projecto de lei que a comissão de guerra vos apresenta como conclusão do seu justificado trabalho.

Sala dás sessões da comissão de finanças da Câmara dos Deputados, 6 de Julho de 1923. —.F. C. Règo Chaves —Viriato O ornes da Fonseca — Júlio de Abreu — Crispiniano da Fonseca — Aníbal Lúcio de Azevedo — Mariano Martins — Vergílio Saque — Lourenço Correia Gomes, relator.

Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados.— Para a Exa. ma Câmara da digna Presidência de V. Exa. recorre o tenente-coronel de infantaria, Gonçalo Pereira Pimenta de Castro, ao abrigo do disposto no artigo 8.° do decreto de 23 de Março de 1922 (lei n.° 1:244), que por decreto de 31 de Maio de 1919, Ordem do Exército n.° 14, 2.ª série, de Junho do mesmo ano, foi reformado por o considerar incurso na última parte da alínea c) do n.° 5.° do artigo 2.° do decreto n.° 5:368, do 8 de Abril do 1919, que considera infracção disciplinar de carácter político a simples neutralidade, declarada ou não, perante actos ofensivos dá integridade e segurança da República.

O recorrente alega, como já ponderou na sua defesa escrita, no processo, que não tem o menor fundamento, nem, salvo o devido respeito, se prova a acusação que lhe fizeram.

Emquanto durou a insurreição monárquica, em Lisboa, o recorrente esteve sempre, como até aí, e como até entregar o comando do batalhão de infantaria n.° 16, ao lado do Govêrno constituído e de S. Exa. o Sr. Presidente da República, com a lealdade e subordinação que lhe são devidas.

Pelos documentos que juntou ao processo, que oferece à consideração de V. Exa., não insistindo nos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, se prova, clara o iniludivelmente, que o recorrente não se conservou na simples situação de neutralidade, porquanto:

1.° As praças de infantaria n.° 5, as primeiras que na manhã de 23 de Janeiro seguiram para Monsanto a combater os revoltosos, foram municiadas por êle, no quartel de infantaria n.° 16;

2.° Forneceu as munições pedidas pelo tenente-coronel Velez Caroço em 23 e 24, ofereceu-lhe mantimentos, que aceitou, e tudo mais que precisasse; assim o declara espontaneamente êste oficial, na carta que dirigiu ao jornal A Manhã de 28 de Janeiro e está junta ao processo, chegando também a declarar que fora ao quartel de infantaria n.° 16, para perante todos os oficiais agradecer o auxílio que o recorrente lhe prestara. Isto mesmo é confirmado pelo depoimento do segundo tenente de marinha Fernando Henrique Alves de Sousa, que acompanhou o tenente-coronel Velez Caroço;

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3.° O fornecimento de munições, já referido, que foi considerado um serviço importante, pelo mais tarde Ministro da Guerra, coronel António Maria Baptista, como reconhece na carta que escreveu ao recorrente e cujo original está junto ao processo.

4.° Forneceu também, no referido dia 24 de Janeiro, duas companhias do batalhão do seu comando a pedido do tenente-coronel Sr. Velez Caroço, e ainda a bataria de metralhadoras a pedido do mesmo.

Se mais cedo não forneceu tropas, foi porque ninguém lhas pediu, e a ordem que tinha do Sr. Ministro da Guerra e Presidente do Ministério era para ficarem nos quartéis para a manutenção da ordem na cidade e outras razões, como se diz no relatório do comando de infantaria n.° 16, janto ao processo.

Êstes factos, além de outros que poderia citar, como o conservar-se sempre à frente do seu regimento, obstando com risco da própria vida (vide carta do capitão de artilharia Reis Vitória) a que o regimento fôsse para os revoltosos,
não tendo, comodamente, dado parte de doente, mesmo depois de instado por alguns dos seus colegas, para os acompanhar nessa vantajosa situação; o ter sido instado pelo Sr. Ministro da Guerra de então para que o recorrente continuasse no comando de infantaria n.° 16, mesmo depois de sufocada a revolta monárquica, bastariam para mostrar que êle não foi neutro, nem faltou à lealdade e subordinação devida ao Govêrno e às instituições vigentes.

Não foi, nem era neutro.

Há muito tempo que entre os comandantes do Corpo de Tropas da Guarnição de Lisboa se sabia que o recorrente se opunha a qualquer tentativa monárquica, como se viu quando da primeira ida para Monsanto (Cruz da Oliveira), sob o comando de João de Almeida, que passados dois dias regressaram aos seus quartéis.

Eram tam hostis as relações entre o recorrente e os corpos de cavalaria e grupo de artilharia a cavalo, de Queluz, que, na ordem regimental de infantaria n.° 16, o recorrente proibiu a entrada naquele quartel a oficiais e praças de cavalaria n.° 2, n.° 4 e grupo a cavalo.

Na véspera da revolta de Monsanto tentaram prender o recorrente no quartel de cavalaria n.° 2, como vai narrado no folheto que publicou e juntou ao processo.

Quem assim procede nunca pode ser classificado de neutro.

E tam certo estava disso o recorrente, de tal forma haviam deposto a verdade,. as testemunhas de acusação, como consta dos autos, que prescindiu do direito de apresentar testemunhas de defesa, pois muitas poderia apresentar para abonar o» seu caracter e lealdade, inclusive o próprio Sr. Presidente da República, que por várias vezes o chamou ao Palácio de Belém, de noite e até algumas vezes para o> encarregar de serviços que se não confiam a pessoas de cuja lealdade ao Govêrno e à República possa haver dúvidas.

Disse o denunciante, alferes J. C. Mota Júnior, da bataria de artilharia do Castelo de S. Jorge, e talvez nisto assente a condenação, que o recorrente fora a alguns quartéis do Corpo de Tropas da Guarnição de Lisboa propor aos oficiais para ficarem neutros, o que não é verdade, como sobejamente está provado nos autos, e tanto assim é que nenhuma testemunha do processo fez semelhante afirmação, nem o próprio denunciante quando depôs no processo, e fala em infantaria n.° 5, onde o recorrente não foi, e não falou em sapadores mineiros, onde foi.

É certo que o recorrente no dia 24 de Janeiro foi ao quartel de sapadores mineiros acompanhado pelo segundo comandante de infantaria n.° 33, mas não para-aconselhar neutralidade.

Fê-lo, porque como o Corpo de Tropas pela exoneração do coronel Eduardo Pellen estava sem comandante, e do Ministério da Guerra nunca mais recebera uma ordem, porque os telefones não funcionavam, e porque era o mais antigo dos comandantes do Corpo de Tropas, resolveu ir receber ordens do Ministro, inteirando-se primeiro do estado da guarnição de Lisboa, pois os boatos que chegavam a Belém eram muitos e disparatados; sabendo-se apenas ao certo, que de algumas unidades de Campolide tinham ido praças para os revoltosos.

Foi ao quartel de infantaria n.° 33 falar com o comandante, tenente-coronel Schiapa de Azevedo e, acompanhado pelo segundo comandante do 33, por o

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tenente-coronel Schiapa estar doente de cama, dirigiu-se ao quartel de sapadores mineiros e, os dois já citados e mais o comandante de sapadores mineiros, foram ao Ministério do Interior onde informaram os Srs. Ministros da Guerra e Presidente do Ministério quais as fôrças que tinham à disposição do Govêrno.

Pelo Presidente do Ministério, Sr. Tamagnini, foi-lhes dito que as praças que estavam chegando do Sul eram bastantes para sufocar a revolta e que o Corpo de Tropas seria para manter a ordem na cidade, por isso fôssemos para os nossos quartéis onde devíamos aguardar ordens.

Foi depois disto que, chegando ao seu quartel, o recorrente, por sua iniciativa e responsabilidade, forneceu ao tenente-coronel Velez Caroço as duas companhias e as metralhadoras a que já se referiu.

Quando estava no Castelo de S. Jorge falou pelo telefone o major Tristão de Noronha Freire de Andrade dizendo-lhe:

«Meu comandante, os oficiais querem ir com o regimento para os revoltosos e eu não posso agüentá-los».

Respondeu o recorrente:

«Diga-lhes que não consinto que saia uma praça do quartel sem minha ordem e eu vou já para aí. Agüente um quarto de hora até eu aí chegar».

Chegado ao quartel, mandou tocar a oficiais, impôs e conseguiu que nem uma praça fôsse para os revoltosos.

Será isto neutralidade?

Nunca mais saiu um segundo do quartel até terminar a revolta, porque se o fizesse o regimento teria ido todo para os revoltosos e talvez atrás dêste os outros.

Será isto neutralidade?

E os que foram para casa com parte de doente deixando ir parte das suas unidades para os revoltosos, não são neutros!

Só o recorrente é considerado neutro; e só o recorrente é punido!

Na sua resposta existente no processo, já o recorrente explica porque escreveu na sua carta, em resposta à do coronel Sr. António Maria Baptista:

«O meu regimento é neutro em política».

Esta neutralidade era dentro dos partidos do regime, porque o Sr. Baptista pertencia a um dos partidos e não queria que êle visse na sua resposta e na sua antiga amizade qualquer compromisso futuro.

Na resposta junta ao processo está suficientemente esclarecido êste ponto.

No pacto do Corpo de Tropas, que foi impresso e distribuído aos Ministros, e até ao próprio Sr. Presidente da República, lá está escrito o compromisso de todos os comandantes se manterem neutros em política, defendendo os Governos, e S. Exa. o Sr. Presidente da República.

Não existe, pois, Exmo. Sr., a falta disciplinar incriminada.

O recorrente, como consta da sua folha de registo, tem 34 anos de serviço efectivo e possui a medalha de ouro de comportamento exemplar; medalha de prata de bons serviços; medalha de prata de serviços relevantes no ultramar; medalha de prata de Valor Militar pelo comando de uma expedição em Timor em 1912-1913. Possui os graus de cavaleiro das Ordens de A vis e de Cristo e de oficial de, Santiago.

Além disto tem na sua folha onze louvores, sendo dois nas campanhas do Cuamato de 1904 e 1906; dois em Timor na campanha do Okassi, outro porque sendo capitão-mor das Ganguelas e Ambuelas (Angola) foz construir, à sua custa uma casa para escola, que ofereceu ao Estado.

Transcrevem-se os que se referem à campanha do Okussi, Timor, 1912-1913. frisando que o recorrente estaria fora do quadro, encontrando-se na colónia numa comissão civil, director da alfândega, para que havia sido despachado por ser o concorrente mais classificado rio concurso e ofereceu-se para, gratuitamente .e perdendo o referido lugar, ir comandar a citada expedição ao Okussi, reavendo para a República Portuguesa aquela região que desde 1910 a 1913 tinha deixado de obedecer.à nossa soberania.

1.° Louvado pela espontaneidade do seu oferecimento para comandar as operações na região do Okussi, em cujo comando se houve com a competência e brio que era de esperar.

2.° Louvado pela maneira inteligente e valor militar como dirigiu as operações

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do Okussi e pela coragem como se portou no combate do Nuno-Enes em 1913.

E ainda o louvor do comandante da 6. divisão em 7 de Outubro de 1916:

Louvado pela muita dedicação e competência do dever, que manifestou nos trabalhos da preparação da mobilização do 1.° batalhão do regimento do seu comando: acertado critério e inteligência na cooperação dêste comando, principalmente nos serviços de execução da mobilização decretada, em curto prazo de tempo, vencendo dificuldades de tam complexo serviço, sem dúvidas, sem consultas, adoptando medidas apreciáveis e do eficácia, sempre de acordo com as instruções dêste comando e com os preceitos regulamentares.

Com esta folha, de serviços à Pátria o à República, cora êste passado, não é do presumir, nem é verdade, como o processo o demonstra, que o recorrente praticasse a falta por que foi punido.

Não há ninguém, Exmo. Senhor, que possa dizer que o recorrente se acobardou,ou foi menos enérgico, um momento que fôsse no comando de infantaria 16, durante o período revolucionário.

Quem tem êste passado militar, quem foi ajudante do valente general Galhardo, julga um grande ultraje ser considerado e punido por neutro, Exmo. Senhor.

Defendeu a República, mas se a não defendesse tê-la-ia atacado; neutro nunca, que isso repugna ao seu passado militar, ao seu feitio e ao seu carácter.

Exmos. Srs. Deputados: julgai serenamente êste recurso, como verdadeiros juizes que sois, em última instancia, mandando anular a pena por não existir a falta incriminada.

Apresento como testemunhas:

Exmo. general Ernesto Maria Vieira da Rocha (antigo comandante do Corpo de Tropas); capitão Herculano do Amaral (actualmente comandante da companhia da guarda nacional republicana); major do quadro auxiliar de artilharia, João dos Reis Vitória (em serviço na Farmácia Central do Exército).

Lisboa, 25 de Abril de 1922.— Gonçalo Pereira Pimenta de Castro, tenente-coronel.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: mais um vez, hoje, como sempre, não me cansarei do protestar contra êste processo de trabalho.

Há dois assuntos importantíssimos que era preciso tratar, o que se refere ao sêlo, que tam grandes prejuízos está causando a comerciantes e a industriais e que qualquer Estado tinha obrigação de atender, e o outro que diz respeito ao Contencioso Fiscal, que de norte a sul tem dado lugar a reclamações.

Pois dêsses assuntos não se ocupa a Câmara, que veio agora trazer à discussão várias propostas do interêsse individual.

Esta proposta diz:

«É anulada a parte do decreto, de 31 do Maio de 1919 que substituiu a pena de demissão aplicada ao tenente-coronel Gonçalo Pereira Pimenta de Castro pela de reformo, ficando ilibado da responsabilidade que lhe foi imputada pelo decreto de 26 de Abril do mesmo ano.»

Parlamento podia também permitir a volta ao País de nove portugueses, um dos quais mais de uma vez com o sacrifício da sua vida defendeu a Pátria.

Refiro-me a Henrique de Paiva Couceiro, que ainda há pouco, numa reunião de coloniais, foi citado como capaz de governar Angola, por forma a salvá-la da ruína em que outros a lançaram.

Foi por unanimidade que, numa reunião de coloniais de todas as cores políticas, sem excepção, o nome glorioso de Paiva Couceiro foi citado como o daquele que podia salvar a província de Angola. Pois, ao mesmo tempo que os que arruinaram aquela província são premiados com nomeações para a Embaixada em Londres, Paiva Couceiro, cujo governo nessa colónia ficou memorável, cujos serviços ao País não podem por ninguém ser postos em dúvida, continua impedido de viver no País.

Sr. Presidente: trata-se, neste projecto de lei, de modificar uma pena a um oficial do exército.

Não sou eu. seja qual fôr êsse oficial, quem procure de qualquer forma impedir a sua aprovação; mas não posso, sempre? que só trate de processos de natureza política, deixar de chamar a atenção da Câ-

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mara para a circunstância de haver êsses nove portugueses a cumprirem ainda uma pena, já demorada de 4 ou 5 anos sôbre o delito político pelo qual sofreram a condenação.

Diz-se, e ninguém pode contestar, que é indispensável que, na hora gravo que o País atravessa, todos os portugueses empreguem os seus esfôrços para a salvação nacional.

Diz-se que é preciso e indispensável quebrar todos os motivos de divisão e de ódio.

No emtanto, ainda está em vigor essa excepção estabelecida para Paiva Couceiro e os seus oito companheiros do exílio.

O Sr. Vicente Ferreira: — Ele já cá esteve!

O Orador: — Essa notícia é absolutamente destituída de fundamento, mas, pela muita consideração que tenho por V. Exa,, estou absolutamente certo de que daria o seu voto para que êle pudesse regressar ao País, como estou certo de que V. Exa. aprecia os seus serviços, que ninguém pode contestar que são valiosos para o País.

O Sr. Sá Pereira: — Apoiado!

O Orador: — Ainda bem que V. Exa. o reconhece. Mas já fui cêrca de dois meses que mandámos para a Mesa um projecto de lei para se pôr cobro a essa situação, e até agora ainda a Câmara não tomou qualquer resolução a respeito dêle.

Desejo, portanto, que haja Govêrno para lhe poder preguntar qual a sua opinião sôbre êste projecto o ainda sôbre o decreto que estabeleceu as excepções para Paiva Couceiro e mais oito portugueses.

Há, no emtanto, uma cousa anotar: creio que o Sr. Sá Cardoso, mandando êste projecto para a Mesa, teve o intuito de reparar qualquer injustiça. Isto prova mais uma vez a falta de critério que houve na aplicação de penas, o regime de arbítrio adoptado e as injustiças cometidas.

Com relação aos que estão exilados, há alguns que nenhumas ou quási nenhumas responsabilidades têm.

O Sr. Presidente: — E a hora de se passar à ordem do dia. V. Exa. deseja ficar com a palavra reservada?

O Orador: — Sim, senhor.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Vai entrar-se na ordem do dia. Está em discussão a acta. Pausa.

O Sr. Presidente: — Como ninguém peça a palavra, considero-a aprovada.

É aprovado um pedido de licença, do Sr. Aires de Ornelas, para ir ao estrangeiro.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão sôbre a declaração ministerial

O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: pouco me importando com as pessoas que me têm raiva ou não gostam do meu timbre de voz, porventura porque em comparação com o seu o acham pior, vou fazer as minhas considerações, habituado como estou a falar claro, e de frente.

É certo que as escolas marcam indelevelmente os caracteres mormente as escolas políticas. E, nestas escolas, eu sou daqueles que em criança entravam já em comícios com as figuras maiores da República. Não vim para o regime por habilidades de qualquer natureza; trago ainda nos meus ouvidos o eco da voz dos tribunos de então, o na minha alma trago também os princípios que êles me ensinaram a amar.

Por isso, quando ainda ontem um ilustre orador nesta casa censurava alguém por ter chamado coió jesuítico à Universidade de Coimbra, ou, nessa altura, pensava que êsse alguém repetia a frase de António José de Almeida, «de que era preciso demolir, pedra por pedra, a Universidade». A metáfora vibrava ainda nos meus ouvidos.

Sr. Presidente: apareceu êste Govêrno, depois das indicações da praxe, logo em seguida a ter o meu grupo parlamentar aceite, por uma votação quási unânime, que se deveria constituir um novo Govêrno saído 'do bloco das esquerdas.

Era êste exactamente o sentido da moção votada pelo meu partido. Foram três

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ou quatro, apenas, as pessoas que votaram em contrário; e êsses votos, Sr. Presidente, nasceram do facto de se não dizer apenas «bloco», mas «bloco das esquerdas».

Há pessoas que têm um medo terrível às palavras, um horror instintivo às esquerdas, aos canhotos...

O Sr. Nunes Loureiro: - Eu não tenho nenhum.

O Sr. António Dias: - Nem eu.

O Orador: — Sr. Presidente: vejo que há pessoas que se ferem, pessoas que procuram mostrar a sua coragem política o que aproveitam esta ocasião para afirmar-me que não têm medo. Estimo até que, entre elas, figure o meu querido correligionário Sr. António Dias, porque isso me leva à convicção de que as esquerdas não são valores de destruição e de que S. Exa., ingressado ainda' há pouco nas fileiras da República, não tem dúvida em avançar um pouco para as esquerdas.

Foi indicado para presidir ao actual Govêrno o Sr. José Domingues dos Santos. S. Exa. aceitou a incumbência e o Govêrno encontra-se presentemente constituído.

O ambicioso, como V. Exas. ouviram já proclamá-lo, é o homem que as massas populares do meu partido sucessivamente indicam para membro do seu directório; é o mesmo que no grupo parlamentar, selecção, escol da família republicana ou que pelo menos o devia ser, indica para seu leader. E não se diga que é a primeira vez que tal se dá; outros colegas, nossos correligionários, têm sido leaders e ainda hoje o é uma grande figura do meu partido, o Sr. António Maria da Silva.

O Sr. Carvalho da Silva: - Qual é o maior?...

Risos.

O Orador: — Não há maiores nem menores; e tanto assim é que se resolveu, aliás de harmonia com a boa técnica parlamentar, chamar-lhes tam somente «membros da junta parlamentar». Para o meu partido todos os membros dessa junta são iguais e todos merecem o nosso, respeito e dedicação.

Ponhamos, porém, de parte esta questão de bitola, visto que eu não estou disposto a satisfazer os apetites de quem quer que seja; e, nestas condições, vamos-continuar.

Constituído o Gabinete, seguiu-se a sua, apresentação ao Parlamento, tal qual s -deu com o Gabinete Rodrigues Gaspar. Tal qual não direi bem, porque o Ministério do Sr. Rodrigues Gaspar, não obstante o seu desejo de marinheiro que debate com os temporais e que denodadamente, os enfrenta, nasceu não no meio da fúria dos elementos mas no meio dum temporal imenso, nasceu — digamos a verdade — duma habilidade.

S. Exa. não o soube e ninguém lho disse.; mas digo-lhe eu, porque, escolar da República, de início me habituei a dizer a verdade aos homens.

O Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar singrou com melhor ou pior monção. Temos de confessar que o homem do leme é pessoa rija; e assim a nau lá foi navegando. Mas, um dia, a nau teve da sossobrar; e sossobrou nas mesmas águas em que já havia sossobrado o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro. Foi o próprio bloco que o derrubou.

É o caso tam interessante é que quando o Sr. Álvaro de Castro caiu e esta Câmara revestiu o aspecto duma casa mortuária, não faltavam os corvos adejando. E a tal ponto, que S. Exa. se viu dentro em pouco esmagado sob o peso das suas asas, transformadas em moções que surgiam de todos os lados.

E eu que combati, cara a cara, o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro, nesse dia pedi a palavra não para fazer coro com os corvos que pairavam à volta do Govêrno que ia cair, mas para lhe fazer justiça. Êsse Govêrno tinha feito uma obra tam grande de saneamento moral a bem da governação que eu não podia deixar nesse momento, de lhe enviar as minhas calorosas saudações de republicano.

Fui educado na escola da Democracia e um pouco também na escola do mar que eu não freqüentei, mas cujos ensinamentos colhi no meu lar, à sombra do meu pai, que com o mar lutou durante longos

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anos, conhecendo a Nação mas desconhecendo o Estado.

O Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar caiu e caiu porque lhe faltou o apoio do «bloco» — bloco de pedra solta, lhe chamaram já — e hoje voltou a constituir-se um Govêrno também ainda saído do «bloco», Govêrno que bem pode amanhã, que bem pode daqui a poucos dias, merecer que eu diga muito mal dele. Por emquanto é cedo ainda.

Os canhotos apresentam-se ao Parlamento...

O Sr. Joaquim Ribeiro (interrompendo): — Não lhes chame nomes!

O Orador: — Mas êste é um nome que os honra.

Os canhotos, como ia dizendo, apresentam-se ao Parlamento, trazendo um programa de Govêrno onde não há êsses perigos bolchevistas que a êles em regra eram atribuídos. É duma serenidade absoluta essa declaração, igual ao que em regra, são as outras declarações, porque as declarações ministeriais — não sei se V. Exas. já repararam — são quási todas iguais, à semelhança das declarações de amor.

O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. é que parece estar a fazer uma declaração de amor ao Govêrno...

Risos.

O Orador (continuando): — Sr. Presidente: a declaração ministerial, sob o ponto do vista literário, está mais bem feita do que as dos últimos tempos; mas no resto, repito, é semelhante às outras.

Eu sinto que esta rainha frase poderá fazer rejubilar os que fazem oposição ao Govêrno e adivinho-lhes o pensamento que lhes formula naturalmente a pregunta: — então, se essa declaração é igual às outras e não traz nada de novo, não seria mais prático tê-la copiado integralmente das declarações ministeriais dos gabinetes anteriores?

Mas há uma pequena diferença, e eu irei pô-la em destaque daqui a pouco, para honra da República e dos canhotos.

Sr. Presidente: o Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar caiu porque para bem do País era necessário que caísse. Eu justifico esta minha frase para que se não diga que ela não passa duma mera afirmação.

No Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar tiveram eclosão as negociações, por exemplo, acerca da questão da pesca.

A comissão, encarregada de, tratar dêsse assunto com a comissão espanhola, era constituída em termos que, sem ofensa para as qualidades morais e de honorabilidade das pessoas que nela entravam, deixava em suspenso a Nação, que tinha modo de que as negociações pudessem representar um prejuízo para o País.

Isto é fácil de ser reconhecido, porque consta até de documentos oficiais.

Pois bem. Êsse problema, que é máximo entre os maiores, não foi conhecido da Câmara. Apesar de contra tal atitude se terem feito várias declarações políticas, ganhámos nós, para bem da Nação.

Depois, o Govêrno dizia-nos que isto ia em maré de rosas; a felicidade ora uma cousa que começava a estontear as nossas cabeças, e as finanças uma cousa esplêndida. E ao mesmo tempo que nos dizia isto, por outro lado, afirmava que naturalmente teria de deixar de pagar (aos portadores da dívida. Foi esta uma das razões do meu voto, sem desprimor para os dotes de político e de homem inteligente que possui o Sr. Rodrigues Gaspar.

Demais a mais, houve um adjectivo que feriu um pouco a minha sensibilidade (e quem se devia ter melindrado muito com êle é o meu ilustre correligionário Sr. Portugal Durão) quando da partida da nossa velha prata para o estrangeiro.

Sr. Presidente: justificada assim a minha atitude, urge agora apreciar o novo Govêrno.

O aventureiro do Presidente do Ministério conhecemo-lo nós todos como um velho republicano, que foi Ministro tantas vezes como a pessoa que o acusou.

Mas não vale a pena estar a pegar nos Ministros para lhes encontrar dotes especiais.

Sr. Presidente: não vamos a elogiar muito os homens, porque eu que confio neles e que tenho esperança em todos os que ali se sentam pela primeira vez, sobretudo quando escrevem lindas declarações, posso ter não de me arrepender das palavras que agora digo, porque são ditas com toda a sinceridade, mas posso

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ter de lhes bater, e já sabem que o farei se isso fôr necessário.

Cá estarei para os censurar se isso fôr preciso, com o mesmo «à vontade», amigo sempre deles, mas dizendo as verdades, porque é isso que convém à Nação.

Êste Govêrno foi criticado, sobretudo, por não representar as esquerdas, como se afinal a moção votada pelo meu Partido, para a constituição dêste Govêrno, não traduzisse em última análise senão a necessidade de se constituir um Govêrno saído do bloco.

Nós quisemos chamar-nos esquerdas para nos diferenciarmos das direitas e nem êste epíteto ofende aqueles que se chamam das esquerdas, nem aqueles que se chamam das direitas.

Mas, de facto, êste Govêrno, que uns supõem atrabiliário e outros mata-frades, não nos, aparece como essas santas almas queriam.

Ainda ontem tive ocasião de dizer que isto de esquerdas é uma cousa que nem toda a gente percebe.

Evidentemente que fez época a idea de que para ser das esquerdas era preciso' dizer: abaixo os jesuítas!

Era preciso ver em todas as manifestações de culto um desregramento e desvio -delas, para que então, em nome da liberdade, pudéssemos atacá-las. Mas não! Que diz êste Govêrno? Êste Govêrno diz que em matéria de cultos garantirá todos absolutamente. E o que queremos nós senão que um Govêrno diga isto?

Queremos retrogradar? ou temos uma mentalidade atrazada para que venhamos pedir ao Govêrno que persiga a religião? Não! Era indigno das esquerdas, era indigno do meu partido, que isso se quisesse fazer.

Eu tenho a certeza de que o Sr. Presidente do Ministério, que é um homem de leis, que tem formada a sua mentalidade, não está preso a idcas de Revolução Francesa, ideas - que na sua maior parte — talvez que alguns de V. Exas. o ignorem— foram apresentadas pelas direitas das Constituintes de então.

Porque êsse homem promete ao país não perseguir as crenças - promessa feita em nome dos princípios da democracia das esquerdas, se o querem, porque não há democracia nas direitas — a muitos causa engulhes que o Govêrno não seja constituído por homens que se dessem a perseguir irados, padres e freiras. Não! O Govêrno não entra nesse caminho, a daí vá de zurzir o Govêrno.

Mas, mais! E que até se bate nas pessoas que só não sentam nas cadeiras do Poder, como se uma pessoa, aparentada que fôsse com Sua Santidade, não possuísse competência para numa pasta das Finanças, dos Estrangeiros ou outra, pôr em prática princípios das esquerdas, princípios que se afirmam sobretudo em matéria financeira e económica e até em matéria internacional! E até uma cousa interessante é que êste Govêrno a êsse respeito encaminha-se claramente para as esquerdas.

E antes assim.

A acusação feita ao Govêrno foi a da aventura, que não existe; foi a da incompetência, que não provaram. Depois vá de falar em promessas ocas, em promessas atrabiliárias de intervencionismo exagerado do Estado em cousas interessantes; como seja a do Govêrno prometer comparticipar de algumas grandes Empresas, mormente naquelas cuja base inicial não poderia existir sem o Estado, como seria nas quedas de água.

O que tem isto de revolucionário?

O Estado dá a concessão, que tem um valor económico, e diz: por êsse valor económico, quere acções de participação.

O Sr. Vasco Borges (interrompendo): — Nada! Até mesmo porque isso não é novo. Foi uma política iniciada pelo Sr. Nuno Simões, quando Ministro do Comércio.

O Orador: — E que, segundo parece, V. Exa. não quere que continue!...

O Sr. Vasco Borges (interrompendo): — Perdão! Eu estou até de acordo com isso. Com o que eu não concordo é que venham apresentar isso como cousa nova.

O Orador: — Nem o Govêrno a apresenta como nova.

O Sr. Vasco Borges (interrompendo): — V. Exa. é que me parece querer concluir que se trata de uma cousa nova.

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O Orador: — É velhíssima!

O Sr. Vasco Borges, quando atacou a valer o Govêrno, foi quando disse que o Govêrno afinal não passava de umas sombras vãs, tal qual aquelas sombras que em certo teatro de Lisboa, do écran até aos camarotes, como S. Exa. relatou à Câmara, se avolumavam, e, em atitude agressora pareciam querer matar tudo e todos. Mas S. Exa. enganou-se.

Um Govêrno que apresenta uma declaração como a do actual é um Govêrno que sé apresenta como os tais «anaglifes» que fizeram baixar S. Exa. tanto e tanto que eu estive quási para lhe dizer daqui: não se baixe tanto, Sr. Vasco Borges. O Sr. Vasco Borges acusou correligionários seus de aventureiros, esquecendo-se que muitos dêles tam largos serviços prestados à causa da Democracia, tam largos que fazem com que nem todas as pessoas, embora no mesmo campo, se possam encontrar com êles desde o início.

Repito, Sr. Presidente, as esquerdas não são esquerdas de mata frades, são esquerdas de homens que vão a Fátima e que podem, votar o imposto progressivo.

Digo isto para que os meus eleitores saibam que eu sou católico. Infelizmente, muito pouco católico.

Mas que importa isto a uma democracia em que ninguém pode preguntar pelo credo religioso ou político do cada cidadão?!

Somos católicos sem ser necessária a licença de ninguém; e, assim, conseguiremos mais votos para o Partido-Republicano Português o até mesmo daqueles que não entram nas igrejas.

Posto de parte êste ponto, vamos à crítica do Sr. Cunha Leal, visto que o ataque do Sr. Vasco Borges foi apenas um amuo de V. Exa. e não um ataque ao Govêrno.

Principiou por frisar bem, o Sr. Cunha Leal, a infracção da Constituição, lendo as primeiras palavras da declaração ministerial o esquecendo-se de ler o resto.

Falou também S. Exa. em seu nome pessoal para atacar a Presidência da República; mas teve o cuidado de logo a seguir, em nome do seu partido, enviar para a Mesa uma moção de desconfiança, em que apenas diz que o Govêrno não estava constituído nos termos constitucionais.

Interrupção do Sr. Cunha Leal.

O Orador: — Como S. Exa. não fez mais nenhuma acusação ao Govêrno, chegou até a dizer que a declaração ministerial tem uma dose de bom senso que não é vulgar, ou concluo que talvez não tivesse S. Exa. dúvida em a assinar.

As esquerdas que estão no Poder são as esquerdas da propaganda que todos nós, e até eu, fizemos. E é necessário que os homens da República voltem às tradições da República.

Apoiados.

Dizíamos apenas que íamos ao contacto do povo para sentir as mesmas aspirações do tempo da propaganda, quando ninguém dizia mal dos correligionários, nem procurava fazer divisões.

Pois bem: o meu partido conserva a tradição de tudo aquilo que não é negação dos princípios democráticos.

Sr. Presidente: êste Govêrno tem responsabilidades, e declara quê quero fazer uma obra republicana.

Vejamos como.

A breve trecho terminam as concessões a companhias majestáticas, o êste Govêrno sabe que essas companhias não cumpriram o que lhes impõe essas cartas.

Dia a dia se dizia que não se devia ter aprovado essas cartas.

Isto ora fazer política republicana; era voltar à tradição.

Para honra do Govêrno, deve elo suspender essas traficâncias, convencido de que essas companhias não cumpriram as suas cartas, como todos sabem.

A maneira como elas tem procedido chega a vexar-nos.

Em matéria de monopólios tem êste Govêrno de voltar à tradição, aos tempos em que os Srs. António Maria da Silva, António José do Almeida e Brito Camacho atacavam os monopólios como atacavam a monarquia.

Os monopólios estão a terminar o seu tempo de prazo.

Pois bem: não se renovem, visto que sempre se tem dito que não queremos mais monopólios.

Sr. Presidente: havendo 4 milhões de

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quilogramas de tabaco que dá o rendimento que se quere dizer no último acordo, seria uma cousa tremenda, ao terminar o prazo do acordo, tornar possível a continuação dêsse monopólio. Isso seria bastante para um Govêrno cair, e mal.

Sr. Presidente: em matéria de Bancos, afirma-se a criação dum Banco do Estado.

Êsse problema é para larga discussão. E quem sabe se seria melhor aplicar a forma dum Banco Central, que o Sr. Cunha Leal apresentou a esta Câmara!

Êsse problema representa a idea do Partido Republicano Português, que ainda hoje existe para bem da República.

Chegou o tempo, Srs. banqueiros, de organizar o Estado o seu Banco, para não estar acorrentado aos Bancos, como no tempo da monarquia.

Srs. da monarquia: os monopólios vão acabar. E, senhores das companhias majestáticas, vamos fazer urna política moderna, visto que não podemos fazer a política dessas companhias, pois que o meu partido não concorda com os seus programas. Disso tenho a certeza, e, se não tivesse essa certeza, tinha a certeza de que a, prorrogação dos monopólios e dessas companhias não se faria nesta Câmara.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: hontem antes de ouvir ler a declaração ministerial, eu não tinha o propósito seguro de entrar neste debate.

Foi depois de ouvir essa declaração quê resolvi entrar no debate, pelas responsabilidades que tenho nesta Câmara e no meu Partido.

Sabe a Câmara que no congresso do Partido Republicano Português, no Pôrto, uma série de moções foram apresentadas e nas quais tive o prazer de ver aprovadas e consagradas as minhas ideas.

Sr. Presidente: há dois anos, e principalmente neste último Govêrno, eu tomei uma atitude de defesa da valorização da nossa moeda, e equilíbrio do Orçamento, correspondendo às ideas e pontos de vista doutrinárias do meu Partido.

Foi depois de ter lido o examinado atentamente a declaração ministerial que me resolvi a entrar neste debate, não para fazer um discurso de apoio ao Govêrno,
como o fez o meu ilustre amigo Sr. Sá Pereira, não para fazer um discurso de ataque, como fez o meu ilustre amigo Sr. Vasco Borges, mas para, em tem de bom amigo, fazer alguns reparos à declaração ministerial.

Sr. Presidente: não posso deixar de felicitar o Govêrno pelo placará que pôs ao seu Ministério: pão, liberdade e educação.

Não podia S. Exa. ser mais feliz.

Eu sou vizinho do jornal A Batalha e estou de há muito habituado a ler a formula «Pão e Liberdade». S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério achou que era pouco e prometeu-nos dar também educação.

Cumprimento S. Exa. o felicito o Govêrno pela sua intenção.

Sr. Presidente: as considerações que vou fazer limitam-se especialmente à parte económica e financeira do programa ministerial, e, porventura, a alguns assuntos que correm pela pasta das Finanças.

Diz o Sr. Ministro das Finanças, na declaração ministerial, que procurará aproximar o Orçamento ordinário do Estado da expressão que êle tinha em 1914. Esta frase, confesso, deu-me que pensar, e estou convencido de que S. Exa. a fez inserir no programa do Govêrno, sem reparar nos seus efeitos e nas conclusões que dela se podem tirar.

Mas eu quero frisar simplesmente este caso:

Em 1914, as receitas do Estado eram de 72:199 contos, com a libra a 5 escudos; hoje, que a libra está a 100 escudos, com o critério do Sr. Ministro das Finanças, essas receitas atingiriam 1.443:000 contos.

Julga S. Exa. possível aumentar as contribuições em 338:000 contos?

A Câmara vê quanto isto tem de absurdo. E como conheço bem o Sr. Ministro das Finanças e sei que é uma pessoa inteligente, só, permita-me S. Exa. o termo, por falta de cuidado esta frase foi inscrita na declaração ministerial.

Mas, por outro lado, suponho que o critério do Sr. Ministro é, aumentar, porque, como sou coleccionador de muitos trabalhos, tenho presente uma proposta que S. Exa. levou ao congresso do Pôrto, onde há uma base 4.ª, em que se faz referência à questão.

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então o Sr. Ministro das Finanças julga possível aumentar as contribuições indirectas por forma a que dêem, mais 300:000 contos além do que já hoje produzem?

Mas então S. Exa. vai aumentar as contribuições pagas pelos desgraçados, pagas por aqueles que, como eu, não têm fortuna, e em compensação vai dar um bónus às fôrças vivas na importância aproximada de 30:000 contos?

Isto é o que se deduz da declaração ministerial. Mas há mais.

Referindo-me, por exemplo, à primeira contribuição da tabela, a contribuição industrial, vejo que ela tem uma previsão de 87:000 contos, e pela declaração de S. Exa. ela é reduzida quási a 60 por cento,

O Sr. Amaral Reis (em àparte): — V. Exa. daqui a pouco demonstra que aonde se lê «pão» devia estar escrito «pau».

O Orador: — Eu peço a V. Exa. e à Câmara que, quando o que eu estou a dizer, não esteja bem, me emendem.

Mas então pregunto: O que quere isto dizer?

Não se deduz da frase a que aludi que se trata da multiplicação das receitas de 1914 por um coeficiente muito superior ao actual?

Se assim não é, eu só tenho de felicitar o Govêrno, porque a teoria de aumentar as contribuições, para a posição e intelectualidade do Sr. Ministro das Finanças, representa uma banalidade.

Sr. Presidente: se quisesse alongar demasiadamente as minhas considerações, £u lembraria e procuraria demonstrar que isto é, simplesmente, inexeqüível. Porém, como não o desejo fazer, limito-me a sublinhar êstes dois pontos, contribuições directas e indirectas, para mostrar o absurdo.

Em França, o Sr. Herriot, apresentou a idea da supressão gradual dos impostos indirectos; e V. Exa. na sua declaração, não faz a mais ligeira referência à política das esquerdas, falhando por completo todas as indicações que pudessem dar a expressão clara de uma política esquerdista pela pasta das Finanças, mas, pelo contrário, trouxe o alarme a todos nós, pelo aumento de tributos.

Unia outra passagem da declaração ministerial não deixa também de ser alarmante e perigosa, e essa é a que se refere ao pagamento em ouro aos funcionários públicos.

Que absurdo, Sr. Presidente!

Como pode o Govêrno manter a valorização do escudo, se anuncia que vai pagar em ouro aos funcionários?

Onde vai o Govêrno buscar receitas para fazer face a essa tremenda despesa?

Com que elementos conta o Sr. Ministro das Finanças para isso?

O escudo estava valorizado mercê da política que se fez; e posso dizer com vaidade que aí tenho ou um lugar.

Apoiados

É preciso manter esta política.

O Sr. Ministro das Finanças vem dizer que paga em ouro aos funcionários públicos.

Mas onde é que V. Exa. vai buscar rendimentos, receitas para pagar em ouro?

Um outro ponto da declaração ministerial, muito infeliz, é aquele que fala da actualização das receitas.

Então o Sr. Ministro não sabe que as receitas já estão todas actualizadas?

O Sr. Álvaro de Castro, numa proposta por mim relatada, actualizou, todas as receitas do Estado.

As leis têm um carácter efectivo.

Estão actualizadas todas as contribuições. Só na contribuição rústica é que V. Exa. poderia aumentar; mas para isso era preciso fazer a revisão das matrizes.

O nosso orçamento é notavelmente composto de taxas e já todas estão actualizadas a 150$ por libra.

E é agora que o Sr. Ministro das Finanças vem dizer que vai actualizar as receitas?

Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças fala em caixa de conversão.

Todos os livros sôbre finanças falam nisso; principalmente depois do as adoptarem o Brasil, a Argentina e outras Repúblicas americanas.

De maneira que S. Exa. entende que em Portugal não há uma caixa de conversão, isto segundo se depreende da declaração ministerial.

Assim não ó; pois a verdade é que em Portugal já há uma caixa do conversão, que é, nem mais nem menos que o con-

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vénio de 29 de Dezembro de 1922, da autoria do Sr. Vitorino Guimarães.

Não vejo, portanto, necessidade de se criar, uma outra caixa, tanto mais que para isso seria necessário arranjar um empréstimo-ouro do quatro a cinco milhões de libras, o que é na verdade quási que impossível. Estou, portanto, neste ponto, de acordo com as considerações ontem feitas pelo Sr. Cunha Leal.

Temos, portanto, como a Câmara acaba de ver, já em Portugal uma caixa de conversão, que funciona normalmente, não se podendo com facilidade criar uma outra, em primeiro lugar por ser desnecessária o em segundo lugar por ser preciso para isso arranjar um empréstimo-ouro de quatro a seis milhões de libras, o que não será muito fácil dada a situação em que se encontra o país.

Refere-se também, Sr. Presidente, a declaração ministerial a uma caixa de conversão, que se trata de uma geradora-ouro.

Não está bem; pois a verdade é que a riqueza do país vem da nossa agricultura e da nossa indústria.

Não vale a pena, Sr. Presidente, insistir neste ponto.

Tendo nós já uma caixa de conversão, não vejo conveniência ou necessidade na criação de uma outra.

Fala também, Sr. Presidente, a declaração ministerial na criação de uma caixa de fomento, tendo eu visto no jornal O Mundo a declaração do Sr. Presidente do Ministério a êsse respeito.

Ora V. Exa. não pode certamente ignorar que a Caixa Geral de Depósitos dispõe de um crédito enorme; e, assim, não é lógico que vá deminuir o crédito de um organismo que se pode dizer que é a honra das instituições republicanas.

V. Exa. poderá criar uma caixa do fomento, poderá criar uma caixa de conversão modificando assim o convénio de 29 de Dezembro feita, com o Banco de Portugal, porém o que não pode nem deve, é marcar uma política financeira que deminua a fôrça e o crédito da Caixa Geral de Depósitos.

Portanto, a idea de um Banco do Estado não é em princípio de aceitar, não só porque êsse organismo já existe, mas também porque representava um perigo para o próprio Estado.

O Sr. Ministro das Finanças não desconhece que há um contrato com o Banco de Portugal, que é o Banco emissor do Estado, que não pode ser derrogado senão por um acto violento, e que êsse organismo corresponde, ou deve corresponder, ao que o Sr. Ministro das Finanças deseja.

Mais ainda, passar o privilégio de um Banco particular para o Estado foi assunto tratado na assemblea de Génova. E foi rejeitado.

Já várias pessoas têm pensado nisso, mas hoje todas concordam que isso é impossível e prejudicial.

O Sr. Ministro das Finanças, que foi, na sua declaração ministerial muito sucinto, não disse o que se tinha ventilado no Congresso do Pôrto.

S. Exa., afirmando-se radical, devia ter dito o que pensava fazer em matéria financeira.

Lamento não ver no seu programa ministerial uma promessa de realização daquelas medida á de carácter económico e financeiro que foram preconizadas na Congresso do Pôrto.

S. Exa. não diga uma palavra a respeito das fraudes; o S. Exa. sabe que o Estado é muito prejudicado a 6sto respeito. S. Exa. não diz uma única palavra sôbre o imposto pessoal de rendimento, e todavia é uma questão da maior importância para a vida da nossa democracia, porque não pode haver uma boa democracia sem estar bem organizado o imposto pessoal de rendimento, que é aquele que define e marca propriamente o imposto duma democracia. S. Exa. não diz também uma palavra acerca dos grandes lucros. Neste ponto S. Exa. foi mais medroso do que eu, pois que levou ao Congresso do Pôrto uma proposta de comparticipação de lucros, quando eu fiz mais, visto que trouxe uma semelhante aqui.

Ora dum 8 o verão que se diz das esquerdas, demais a mais com S. Exa. na pasta das Finanças, havia o direito de se esperar mais alguma cousa pelo que respeita à comparticipação do Estado nos grandes lucros das emprêsas.

Mas há mais! Dum Govêrno que tem como lema não só o lema da C. G. T., mas mais do que isso, porque o lema dêste organismo operário é «pão e trabalho» e o do Govêrno é «pão, trabalho e

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liberdade», havia a esperar que nos dissesse qualquer cousa sôbre tributação do capital. Não entende o Sr. Ministro das Finanças que é ocasião de socialismo português definir qualquer cousa no que respeita ao capital?

Também não diz S. Exa. cousa alguma sôbre a substituição do imposto sôbre o valor das transacções. E eu desejava que o Govêrno dissesse alguma cousa sôbre o problema da maior valia.

Ainda sôbre um assunto da maior importância para a vida nacional, que é o problema das transferências de Angola, não diz o Govêrno uma única palavra concreta.

Diz que vai empregar todos os esfôrços para resolver o problema de Angola, mas isso tem sido dito por todos os Governos. É um problema que eu desejaria que fôsse considerado pelo Govêrno. E vou já dizer-lhe como entendo que êle poderá ser,resolvido. Fui incumbido pelo Govêrno Álvaro de Castro de estudar êsse problema, e por isso cheguei a conclusões interessantes. Não tenho dúvida alguma, portanto, em dizer que o actual Govêrno tem de resolver o problema com rapidez — não quere dizer que esta seja a única forma, mas é uma delas — pela unidade da moeda, pela liquidação de contas com o Banco Ultramarino, de forma que êste Banco não seja, como tem sido, um dos embaraços à sua resolução, e por entendimentos o acordos a estabelecer com o Banco de Portugal.

Essa fórmula é uma das que melhor sorvem, ou, pelo menos, é a mais fácil.

Sr. Presidente: - permita-me chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para as minhas palavras. Eu quero dizer a S. Exa. que na declaração ministerial há grandes faltas no tocante a pontos interessantes que devem ser tratados pela sua pasta.

Assim eu noto que não vem nela uma única palavra sôbre o momentoso problema da conversão da nossa dívida.

É caso para eu me zangar com S. Exa.

Os encargos da nossa divida, no orçamento aprovado, são de 400:000 contos.

O que pensa o Sr. Ministro das Finanças sôbre isto?

Mais. A dívida do Estado ao Banco de Portugal representa-se, actualmente, por 16 milhões do libras.

Preconiza-se, e bem, a política da valorização do escudo; mas essa política não pode ser feita de braços cruzados. Essa política traz consigo a necessidade de se encararem e resolverem vários problemas de técnica financeira.

Tenho o maior desejo, portanto, de que o Sr. Ministro das Finanças se encontre devidamente preparado para tudo isto.

Vou terminar. Devo, porém, dizer ainda que a declaração ministerial me causou uma péssima impressão, que vem de me parecer que o Sr. Ministro das Finanças não está naquela situação de à vontade que seria para desejar. Mas S. Exa., que é talentoso, há de saber cercar-se de bons colaboradores para levar a bom termo a sua tarefa, nesta hora que passa, que é do grandes apreensões para os destinos da pátria portuguesa.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Jorge Nunes: — Sr. Presidente: se porventura eu não tivesse de confrontar a declaração ministerial com o passado político do Sr. Presidente do Ministério, creia V. Exa. que eu não me ocuparia neste momento de apreciar essa declaração, o apenas procuraria o ensejo, se ensejo houvesse, para cumprimentar como é da praxe, e o faço gostosamente, os membros do Govêrno.

Mas, Sr. Presidente, quem tem assistido à obra do propaganda feita pelo Sr. Presidente do Ministério, e lê esta declaração ministerial, pasma, porque se encontra em face dum desmentido formal da obra anterior de S. Exa.

Sr. Presidente: perante esta declaração ministerial não posso deixar de ter gravíssimos receios, não porque esteja longe ou perto de nós o Poder, mas porque vejo em risco uma nação inteira na contingência de poder ser vítima duma aventara. E oxalá que, se aventura fôr, ela não termine tragicamente.

O Govêrno que nos prometiam era um Govêrno retintamente radical. Dizia-se que a República, há já alguns anos administrada por homens que tinham ambições pessoais a satisfazer, nem sempre as mais honestas, ia entrar numa nova ora em

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26 Diário da Câmara dos Deputado»

que o radicalismo republicano seria pôsto em prática, trazendo-nos a felicidade.

E então ocorre-me preguntar: qual é o estofo radical dos homens do Govêrno?

Se somos vítimas de um bluff é necessário desmascará-lo.

Vou fazer preguntas muito concretas ao Sr. Presidente do.Ministério. S. Exa. vem dizer-nos que o seu passado já o esqueceu, que o seu radicalismo o deixou na rua e que é conservador como qualquer Govêrno conservador.

Mas como os boatos, a atmosfera criada, o que por aí corre de boca em boca, são a negação absoluta dêste programa, eu tenho fortes razões para crer que se oculta alguma cousa de sinistro e de gravemente comprometedor para a vida da Nação.

Diz-se que o Govêrno não quis no seu programa ferir os melindres, as susceptibilidades daqueles que ainda à ordem prestam um grande preito, uma obediência absoluta e completa.

Mas, Sr. Presidente, que ordem é esta em que, depois de assistirmos à dissolução da Polícia de Segurança do Estado, — que não é da segurança dos Governos - nós vemos oficiais que estão por homenagem gozando de liberdade em Lisboa, e que voltaram a exercer funções policiais?

Pois então não será, porventura, suspeito para nós, homens de ordem, o aplauso caloroso que ao Govêrno presta hoje o jornal A Batalha, órgão do socialismo português?

O Sr. Sá Pereira: — E é caso para o Govêrno se felicitar por isso.

O Orador: — Que o Sr. Sá Pereira se felicite com o elogio que o jornal A Batalha presta ao Govêrno não admira nada e representa apenas coerência da sua parte.

S. Exa. é faccioso, mas é um homem honrado, que honradamente sempre tem defendido as suas doutrinas, muitas vezes com a desaprovação da Câmara inteira.

É com muito prazer que presto a S. Exa. as minhas homenagens, não fazendo mais, com estas minhas palavras, do que prestar culto à verdade.

Mas, para mim, homem de ordem, e que se torna suspeito êste apoio das classes que negam a existência do Estado, que o combatem e não o admitem, ao Govêrno do Sr. José Domingues dos Santos.

É preciso que a Câmara ouça ler o que se diz em A Batalha.

Leu.

Ora, Sr. Presidente, desde que aqueles que negam, a existência do Estado confiam absolutamente no Govêrno do Sr. José Domingues dos Santos, ao ponto de dizerem, como nunca disseram a nenhum Govêrno da República, que êle fará todo o possível por cumprir o seu programa eu pregunto se não é para estarmos todos de sobreaviso e exigirmos ao Sr. José Domingues dos Santos que nos diga claramente o que há de verdade nisto tudo.

Sr. Presidente: não é segredo para ninguém que o Sr. Presidente do Ministério, por mais de uma vez na organização dêste Ministério, desistiu de o formar; e sabemos mais que devido à tenacidade e insistência de dois Cirineus, se segurou a tudo para poder ir àquelas cadeiras e fazer o que vamos ver.

O que poderá fazer o Sr. José Domingues dos Santos numa política radical?

O Sr. Presidente do Ministério, sem desprimor pára S. Exa. e sem pôr em dúvida as suas qualidades pessoais — porque não tenho direito de o fazer — como político, tem sido um homem que não tem hesitado nos processos para chegar àquele lugar.

Mas o que é mais grave é que, levado àquele lugar, está neste momento entre a espada e a parede.

Ou confessa que não cumpre o que promete ou há-de confessar que cumpre e responder às perguntas que vou fazer.

Escolheu o Sr. José Domingues dos Santos, porventura, os seus colegas do Ministério entre os radicais que vivem no seu Partido ou vivam cá fora?

Vejamos: o Sr. Ministro da Justiça é um homem que teça vivido a sua vida na magistratura: e até hoje não sabemos que, por escrito, ou por palavras, se tenha pronunciado sôbre tais ideas radicais.

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S. Exa. é um magistrado correcto e honrado. E mais nada.

Vozes: — Isso chega.

O Orador: — Não chega. É necessário ter inteligência e S. Exa. tem-na, mas é preciso ser radical e S. Exa. não o é.

Na pasta das Finanças está o Sr. Pestana Júnior. Eu sou amigo de S. Exa. e sei que é um homem inteligente.

Conheço a defesa que tem feito da sua ilha da Madeira; mas — por amor de Deus! — depois de termos visto e ouvido sôbre finanças os super-homens das finanças pregando a valorização do escudo, como no discurso que pronunciou o Sr. Velhinho Correia na sua conferência no teatro Nacional, eu pregunto em que conhece a opinião pública como financeiro o Sr. Pestana Júnior?

Disse o Sr. Sá Pereira que já uma vez S. Exa. por causa de um tio fez fincapé para vencer o Sr. Bernardino Machado e para vencer o Sr. Bernardino Machado é necessário ser duas vezes Bernardino Machado.

Se isso é condição para ser Ministro das Finanças, já não servem aquelas velhas praxes necessárias no recrutamento de homens para formarem ministério.

Mas então deve ser verdade o que disse o Sr. Vasco Borges: — que S. Exa. foi um remendo deitado no Ministério, quando a certa altura da crise, havendo dificuldades em conseguir Govêrno, se alvitrou que ficasse S. Exa. no Govêrno com todas as pastas e depois se encarregasse de formar o Govêrno.

Uma voz: — Não é verdade.

O Orador: — Aos Srs. Ministros da Guerra e da Marinha direi, como já o tenho afirmado, que as suas pastas as considero neutras.

Do Sr. Ministro da Guerra, de quem tenho a amizade, já tive ocasião de conhecer o carácter, a inteligência e as suas faculdades de trabalho e honradez.

A S. Exa. dirijo os meus cumprimentos.

Eu conheço muito bem o Sr. Helder Ribeiro, distinto oficial e que foi meu colega num Ministério; mas nunca, o conheci radical.

Aqui está outra incoerência do Ministério, pois S. Exa. é do partido do Sr. Álvaro de Castro, que não é radical.

Estou certo de que o Sr. Presidente do Ministério me dará a honra duma resposta; e, então, eu hei-de ver se desmente o seu passado.

O Sr. Ministro dos Estrangeiros radical?

Só se foi por desejar ligar o Brasil a Portugal.

S. Exa. que é um intelectual, afastado-há tempos da política, que só se dedicava, às letras e que há pouco esteve no Brasil e na Grécia, aparece-nos agora como radical.

O Sr. João de Deus Barão s, que há muito me honra com a sua amizade, é um homem honrado, que herdou um nome dum homem que toda a gente amou e admirou.

Apoiados.

Como se apresentam, êstes dois Ministros radicais?

Eu desejava estar no cérebro do Sr.. Presidente do Ministério para saber o que dizia o seu sorriso.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Domingues dos Santos): - Pois V. Exa. certamente se engana no que supõe.

O Orador: — O que eu penso é que V. Exa. dirá: - essa obra não é minha.

O Sr. Sousa Júnior que em conferências públicas afirmou que estava afastado da política, que só se dedicava às obras do porto de Leixões, que só pensava em guindastes, guindastes, guindastes, foi guindado agora a êsse lugar, e como radical.

Com que saudade o encaro S. Exa. foi meu companheiro de trabalho nesta Câmara, naquele tempo de ilusões em que nós supúnhamos que justiça seria feita a todos os que produzem.

S. Exa. porém, Sr. Presidente, cansou-se, queimou os miolos nas variadas comissões desta casa do Parlamento e conheceu dentro em pouco, a inutilidade do seu esfôrço, porque nos Governos só está quem a maioria quere e quem ela não quere é votado ao ostracismo.

S. Exa. quási sem querer e sem se sentir foi inscrever-se na Seara Nova, na-

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quela Seara Nova que tem atirado para aqui com cada espiga (Risos) que muitas vezes tem já feito arrepender aqueles que julgaram que nela encontrariam um pilar.

O Sr. Ezequiel de Campos, que pela sua obra escrita é sobejamente conhecido, encontra-se de repente armado em bolchevista; e propõe-se pelos visos, fazer uma revolução na terra portuguesa.

E, Sr. Presidente, é sôbre êste ponto que eu entendo fazer uma pregunta muito concreta ao Sr. Presidente do Ministério.

Chega o momento de eu ver possivelmente esta declaração em contradição com o passado do Sr. José Domingues dos Santos.

Diz S. Exa., neste farrapo, que o Sr. Ezequiel de Campos pretende que o Estado reivindique, com os meios jurídicos ao seu alcance, os terrenos incultos.

Nestas condições, o Sr. Presidente do Ministério declarou, simples Deputado então, que o direito de propriedade não só era contestável mas tinha de sofrer profundas modificações.

Há-de dizer-me S. Exa., pois, se as ideas do Sr. Ministro da Agricultura se conciliam com as suas afirmações. Pretende S. Exa. expropriar a terra ou explorá-la por conta do Estado na posse efectiva dos respectivos proprietários?

Sr. Presidente: é preciso salientar que há muita terra que a ignorância dos nossos portugueses classifica de «crime» não cultivar e que é incultivável.

Por isso eu peço ao Sr. Presidente do Ministério para tomar boa nota do seguinte: qual a forma que o Sr. Ministro da Agricultura se propõe pôr em prática para tornar possível o aproveitamento dos latifúndios?

Com o Sr. Ministro das Colónias dá-se até uma circunstância que, por ser curioso, eu não quero deixar de relembrar neste momento.

Como a Câmara sabe, o Sr. Carlos de Vasconcelos foi ainda há pouco tempo o proposto para governador da Guiné.

Porém a maioria democrática do Senado não reconheceu S. Exa. com a idoneidade bastante para desempenhar êsse cargo.

Ora eu não ponho em dúvida os conhecimentos coloniais do Sr. Carlos do Vasconcelos.

Não tenho o direito de o fazer, tanto mais que por várias vezes tenho visto S. Exa. ocupar-se de questões relativas às nossas colónias.

Todavia a atitude do Senado faz com que eu não perceba como é que se pode fazer dum homem, que não tem idoneidade bastante para ser governador da Guiné — uma das nossas mais modestas colónias — Ministro das Colónias.

Isto é deveras curioso, embora eu esteja habituado a ver quanto a política é cheia de incoerências.

Queira Deus que S. Exa., como Ícaro, não queime as asas no seu voo ousado.

Quanto ao Sr. Ministro do Comércio, meu prezado amigo, que eu muito considero pelas suas qualidades de carácter e de trabalho, lamento que S. Exa. se encontro amarrado a um pelourinho onde nada pode fazer.

S. Exa. afirma-nos por intermédio da declaração ministerial que está disposto a fazer cumprir integralmente a lei n.° 1:327.

Todos nós sabemos o que isso é...

São velhos créditos a favor dos caminhos de ferro, de que o Estado se utilizou.

É uma velha história, cujo ajuste de contas se há-de um dia fazer neste Parlamento.

Quanto ao radicalismo dos propósitos do Sr. Ministro do Comércio, devo dizer com franqueza que o não vejo.

Não se fala em resgate ou nacionalização de linhas.

Faz-se porém a vaga promessa de mais 100 quilómetros de via férrea, naturalmente para aguçar os apetites daqueles políticos que não se encontram muito dispostos a aplaudir a política radical do Govêrno.

Trata-se — pode afirmar-se — duma simples bandeirola eleitoral.

Sr. Presidente: há na declaração ministerial um ponto muito importante que convém esclarecer, ponto que é certamente o mais melindroso dessa declaração.

Refiro-me àquele que diz respeito à política religiosa do Govêrno.

O Sr. Presidente do Ministério na sua propaganda pelo país, para captar simpatias e aplausos que são sempre fáceis por parte daqueles que de religião e livre

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pensamento não fazem idea alguma, o Sr. Presidente do Ministério fartou-se de afirmar que uma vez Govêrno, um dos seus primeiros actos seria reconduzir a Lei da Separação à sua antiga pureza, revogando todos os documentos legais posteriormente publicados.

Ora a legação do Vaticano foi instituída depois da publicação da lei do Sr. Afonso Costa.

Ocorre por isso preguníar: está o Sr. Presidente do Ministério na disposição de suprimir o nosso representante junto do Santo Padre?

É preciso sabê-lo. É que eu sei que jacobino-Ministro e Ministro-jacobino não são a mesma cousa.

V. Exa., sem disprimor evidentemente para o seu carácter, é a meu ver um jacobino-Ministro, mas é possível que, como homem inteligente que é e medindo as responsabilidades do lugar que ocupa e as necessidades e conveniências do País, reconheça que tem de deixar de ser aquilo que muitos queriam que fôsse: um Ministro-jacobino.

Sr. Presidente: suponho que quem subscreve uma declaração ministerial redigida nos termos que ou, sem me reclamar de radical, sem hesitação também subscreveria, não teria dúvida também para nos tranqüilizar a nós parlamentares, que estamos fartos de movimentos revolucionários, em nos dizer se é verdadeiro o boato que corre do que o Govêrno não cairá perante qualquer moção de desconfiança da Câmara, porque, tendo em mim os aplausos da Nação, conta com o apoio externo dispensando o apoio parlamentar, e que, bem cimentado àquelas cadeiras do Poder com uma suposta e é falsa colaboração de fora, apelará em último caso para uma ditadura.

É indispensável que o Sr. Presidente do Ministério que reptou em tempos o Sr. Ginestal Machado, Presidente do Govêrno de então, a dizer-lhe os seus possíveis propósitos perante uma moção de desconfiança, responda francamente ao repto que daqui lhe lanço servindo-me do precedente aberto por S. Exa.

Apoiados.

Quere V. Exa. governar só dentro da lei, ou quer governar mesmo saindo dela?!

Se a política, de S. Exa. no Govêrno fôsse aquela que apregoava na Câmara, não me admiraria que S. Exa. dissesse que governaria a despeito de tudo; mas visto que subscreveu uma declaração ministerial destas, tenho dúvidas de que S. Exa. queira governar sem a colaboração do Parlamento.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior, e interino, da Justiça (José Domingues dos Santos): — Sr. Presidente: quero manter-me neste debate dentro das praxes parlamentares, apesar de elas terem já sido um pouco quebradas, pois que em vez, como é vulgar, de em resposta à declaração ministerial falarem primeiro os leaders dos vários agrupamentos-partidários aqui representados, tenho visto que em alguns grupos mais do que um Deputado tem falado, ao passo que noutros ainda ninguém se pronunciou.

Não é, portanto, ainda a hora de responder às várias considerações apresentadas por alguns ilustres oradores. Não é êsse o meu intuito, nem foi para tal fim que pedi a palavra.

Perdoe-me, pois, o Sr. Jorge Nunes se neste momento, para não abrir um mal precedente, (porque outros Deputados me fizeram preguntas também), não responda às várias considerações que formulou.

Pedi, porém, a palavra porque S. Exa., ao terminar, pôs uma questão que julgo do meu dever desde já solucionar, porque diz respeito à minha atitude perante o Parlamento, perante a Constituição e perante qualquer alteração de ordem pública.

Estranhou-se, Sr. Presidente, que eu, ao tomar conta dêste lugar, ao entrar no Ministério do Interior, tivesse desde logo dado ordens terminantes para que fossem, postos em liberdade todos os indivíduos que estavam presos por mais de oito dias sem culpa formada.

Procedi assim, e assim continuarei a proceder; pois, emquanto estiver no Ministério do Interior, ninguém, seja quaí fôr o seu credo político, estará preso à minha ordem por mais de oito dias sem culpa formada.

Sou, Sr. Presidente, daqueles que estiveram durante largos meses presos sem culpa formada, contra o que protestei.

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e, assim, hão serei eu quem neste lugar desminta as suas afirmações do passado.

Emquanto estiver no Ministério do Inferior, os presos políticos não se hão-de lá conservar por mais de oito dias sem culpa formada, cumprindo-se assim a lei.

Sr. Presidente: esta doutrina que eu acabo de afirmar desde esta hora, não podia de forma alguma merecer os reparos do Sr. Jorge Nunes, pois igual doutrina foi adoptada pelo Sr. Ginestal Machado quando Presidente do Ministério.

Ainda que assim não fôsse, Sr. Presidente, eu não compreendo qual a razão por que a um preso político se hà-de dar rum tratamento diferente daquele que se dá a um criminoso de direito comum.

Um indivíduo é preso, por isso que matou, roubou ou cometeu um crime — o mais monstruoso. É entregue aos tribunais; porém, se no fim de oito dias não tiver culpa formada, os tribunais tratam de o pôr em liberdade.

Pode, portanto, admitir-se que um preso político tinha um tratamento diferente?

Não pode ser; e eu, mantendo as minhas afirmações do passado, não consentirei que qualquer preso político se conserve preso por mais de oito dias sem culpa formada.

Mas isto não impede, Sr. Presidente, que amanhã, se alguém pretender alterar a ordem pública, eu não use dos meios ao meu alcance para manter a ordem.

Preguntou-me, Sr. Presidente, ò Sr. Jorge Nunes qual era a minha posição em face do Parlamento.

Vou, Sr. Presidente, responder a S. Exa. em termos tam claros e tam precisos, que certamente S. Exa. não se verá na necessidade de voltar a fazer essa pregunta.

Não governo, Sr. Presidente,, contra o Parlamento, não governo fora da Constituição.

Apoiados.

Tratarei de pôr em prática as minhas ideas, dentro da Constituição; e se amanhã eu vir que isso me não é possível, não terei dúvida alguma era me ir embora, estando, no emtanto, pronto a batalhar é a lutar pelas minhas ideas, cumprindo o que prometi.

Ao tomar posse, disse que para realizar essa obra espero o concurso de todos
os portugueses, è muito especialmente o apoio do Parlamento, para o qual vim apelar.

Estas afirmações, que são claras, não podem desde êste momento dar lugar a duvidosas interpretações. Têm de acabai-os boatos tendenciosos que andam espalhados, não sei por quem.

Sou das pessoas que em face do perigo, e quando todos os outros fugiam apavorados, se ergueram em Portugal contra quem queria matar. As palavras que então proferi repito-as agora: Sou pela ordem contra a desordem, mas sou pelo povo contra os especuladores.

Esta afirmação respondo à última pregunta do Sr. Jorge Nunes, não me referindo às outras por S. Exa. formuladas porque aguardo a oportunidade de responder a todos os oradores que se têm dirigido a êste Govêrno.

Sr. Presidente: querem afirmar que êste Govêrno não minha na esquerda: e para prova disso, dizem que fui buscar homens que estão um pouco afastados da actividade política.

É êsse o meu maior título de glória. Êsses homens, levados por um idealismo que não viam cumprido, afastaram-se; mas vêm juntar-se em volta dum homem, que prega ordem, que não prega rancores, mas somente amor entre todos os portugueses.

Quis dar êstes esclarecimentos à Câmara.

A análise da minha declaração ministerial fá-la hei na devida oportunidade. E desculpe-me o Sr. Jorge Nunes de não abrir uma excepção para S. Exa., mas não quero ser acusado de menos atencioso para com aqueles oradores que me fizeram iguais preguntas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pina de Morais: — Sr. Presidente: tenho assistido sossegadamente à apresentacão e vida dos Governos que se têm sentado naquelas cadeiras, desde que tomei conta da minha cadeira de Parlamentar.

Sou um homem que confia nos outros homens, no seu patriotismo, na sinceridade dos seus objectivos; mas fui obrigado a refugiar-me numa descrença...

Suponho que a responsabilidade política é das responsabilidades mais tremendas

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que podem impor-se na vida de um homem.

Sem receio dessas responsabilidades, e porque a minha vida me conduzia para
outros meios, eu esperava confiado nos homens que via sucessivamente tomarem
conta, do Poder.

Porém, depois das minhas observações, eu, soldado disciplinado do Partido Republicano Português, para onde entrei, sobretudo na convicção de que formava na extrema esquerda da República, cheguei ao momento de erguer o meu protesto. Por conseguinte, a minha alegria ao ver êste Govêrno no Poder e ao ler a declaração ministerial é justificada.

Êsse meu sentimento de protesto coincidiu com a queda do Govêrno Álvaro de Castro, subindo depois ao Poder o Sr. Rodrigues Gaspar.

E o meu modo de sentir ficou bem expresso num artigo do jornal O Mundo, que me acolheu.

Não o vou ler todo para não demorar a atenção da Câmara; mas lerei apenas alguns trechos.

Leu.

Não quero melindrar ninguém, más no íntimo da minha consciência reprovo em absoluto a situação em que o Sr. Afonso Costa deixou os SPUS correligionários.

O Sr. João Camoesas: — Não apoiado!

O Orador: — Sabe V. Exa., Sr. João Camoesas, que lima das características dos povos fortes é esquecer os seus grandes homens.

Eu tenho pelo Sr. Afonso Costa uma alta consideração, e, como combatente da Grande Guerra, presto-lhe a minha homenagem; mas isso não impede que diga que um dos maiores deveres do homem público é estar junto do seu País.

Nada justifica que um homem público não sacrifique tudo pela sua Pátria.

Os sacrifícios só se entendem de uma maneira absoluta.

Estas palavras escritas há meio ano podiam ter sido postas na declaração ministerial.

Notem V. Exas. que não dou o meu apoio ao Govêrno pelo facto de ter nele amigos, mas sim porque êle vem ao encontro do que eu penso.

Continua lendo.

Referindo-me ao Sr. Rodrigues Gaspar, permita-se-me que, agora, em público, eu diga o que já tenho tantas vezes declarado em conversas entre amigos:

Tenho por S. Exa. uma alta consideração; reputo-o um homem excepcionalmente inteligente, possuindo o verdadeiro savoir faire.

Não saiu S. Exa. deminuído do Poder. Saiu absolutamente íntegro.

Não me importaria nunca, em condições nenhumas, de lhe dar o meu apoio.

Não se trata de pessoas; tratava-se de um Govêrno presidido por S. Exa. que não tinha, as características que devia apresentar.

Continua lendo.

Era o Govêrno Álvaro de Castro.

E chega a altura de, dizer que êle iniciou a política dos impostos que duma maneira incompreensível era como um pêso morto sôbre o Partido Democrático, que passou desde 1918 até 1923 sem tocar em impostos.

O Sr. Vitorino Godinho: — V. Exa. diz-me qual é a data da lei que reformou o sistema tributário?

O Orador: — Eu olho a finalidades.

Não me importo com as intenções desde que delas não resulte qualquer cousa de prático.

O Sr. Velhinho Correia: — Tudo isso é história antiga!

O Orador: — V. Exa. que antigo deve gostar por isso desta história.

Mas, acrescentava eu no jornal:

Leu.

E eu digo aos meus correligionários que é assim que compreendo a disciplina num partido: um conjunto de inteligências, um congregar de pensamentos; e, depois, em torno dêsses pensamentos, a união dos seus filiados.

Mas dizia eu mais:

Leu.

Já vê V. Exa., Sr. Presidente, que as minhas palavras, que nenhum merecimento podem ter e que dizem respeito à situação política actual, à coerência da convicção dos meus pensamentos e à justificação do pleno apoio que êste Governe

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terá da minha pessoa, são, como V. Exa. acaba do ouvir, doma clareza absoluta.

Causou-me desgosto que o Sr. Vasco Borges, falando ontem nesta Câmara, tivesse dito que o Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar caíra mercê duma votação em que aqueles que a fizeram precisaram dos votos dos monárquicos. Não esperava que da boca dum republicano saíssem palavras de tal jaez. Nunca as votações dos monárquicos pesam nas nossas resoluções! Porque estão na Câmara, têm de votar duma maneira ou doutra; mas nunca guiam as nossas intenções. Nunca o Sr. Presidente do Ministério precisará da colaboração dos monárquicos.

O Sr. Presidente: — É a hora de se encerrar a sessão.

V. Exa. deseja terminar ou ficar com a palavra reservada?

O Orador: — Se V. Exa. me permite, fico com a palavra reservada.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Estão terminados os trabalhos da prorrogação da 3.ª sessão legislativa. A Câmara reunirá por direito próprio na próxima terça feira, 2 de Dezembro, para iniciar os trabalhos da sua 4.ª sessão legislativa.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Pedido de licença

Do Sr. Aires de Ornelas, 25 dias para sair do país.

Concedido.

Comunique-se.

Para a comissão de infracções e faltas.

Pareceres

N.° 280, que conta, para antiguidade, ao terceiro oficial telégrafo-postal, João Rodrigues Ferreira, o tempo desde a demissão do seu lugar até à sua readmissão.

Aprovado.

Para a comissão de redacção:

Dispensada a leitura da última redacção.

N.° 697, que garante a admissão no Instituto Feminino de Educação o Trabalho e no Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar aos filhos dos bombeiros portugueses falecidos por desastre ou em conseqüência dele.

Aprovado.

Para a comissão de redacção.

Dispensada a leitura da última redacção.

Últimas redacções

Do projecto de lei n.° 765 que cede à Câmara de Penela a antiga residência paroquial da freguesia de S. Miguel e terreno anexo.

Dispensada a leitura da última redacção.

Para a Presidência da República.

Do projecto de lei n.° 198, que restabelece a assemblea eleitoral da freguesia de Atou guia da Baleia.

Dispensada a leitura da última redacção.

Remeta-se ao Senado.

Da proposta de lei n.° 819-F, que prorroga até 31 de Dezembro a autorização concedida ao Govêrno pelo artigo 1.° da lei n.° 1:663.

Dispensada a leitura da última redacção.

Remeta-se ao Senado.

O REDAGTOR— João Saraiva.

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