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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 13
EM 12 DE JANEIRO DE 1925
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. - Respondem a chamada 49 Srs. Deputados, procedendo-se à leitura da acta e do expediente.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Tavares de Carvalho pede providências contra a carestia da vida, respondendo o Sr. Ministro da Agricultura (Ezequiel de Campos), que manda também para a Mesa uma proposta de lei.
O Sr. Tavares de Carvalho volta a usar da palavra para explicações.
É autorizada a comissão de finanças a reunir durante a sessão.
É aprovada a acta.
Ordem do dia. - O Sr. Presidente propõe um voto de sentimento pelo falecimento dos antigos parlamentares Srs. Gonçalo de Almeida Garrett, Anibal Soares, Melo e Sousa e António Sardinha e de um irmão do Sr. Custódio de Paiva.
Usam da palavra, associando-se à proposta, os Srs. Vitorino Guimarães, Nuno Simões, Lino Neto, Viriato da Fonseca, Cunha Leal, Abranches Ferrão, Ministro do Comércio (Plinio Silva) e Aires de Ornelas. ' .
O Sr. Presidente comunica ter recebido um telegrama do Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil associando-se às comemorações dos centenários de Camões e de Vasco da Gama.
Sôbre o assunto usa da palavra o Sr. Jaime de Sousa.
O Sr. Cunha Leal, em negócio urgente, refere-se a vários devedores da provincia de Angola, terminando por mandar para a Mesa uma moção, que que é admitida.
Responde o Sr. Ministro das Colónias (Carlos de Vasconcelos), voltando a usar da palavra o Sr. Cunha Leal.
O Sr. Carneiro Franco apresenta uma moção, que justifica.
Usam ainda da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Ministro das Colónias e Cunha Leal, que retira a sua moção, procedendo de igual forma o Sr. Carneiro Franco.
As duas moções são retiradas.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato, com a mesma ordem do dia.
Abertura da sessão às 15 horas e 35 minutos.
Presentes 49 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 46 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Constâncio de Oliveira.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
enrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
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João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Vergilio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Afonso do Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Dias.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Feliz de Morais Barreira.
Germano José de Amorim.
Jaime Pires Cansado.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Torres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
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Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Pereira Bastos.
João Salema.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Ás 15 horas e 25 minutos principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 49 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério do Interior, pedindo a inscrição no orçamento dêste Ministério da verba de 433$50, despendida com o combustível de dois camiões cedidos pela guarda nacional republicana à polícia de segurança, em 7 de Maio de 1924.
Para a comissão do Orçamento.
Do Ministério das Finanças, enviando cópia da declaração ministerial de 13 de Dezembro de 1924 e dos contratos de nomeação dos serventes Dionísio da Silva Valeriano, Silvestre Lopes Neto e Manuel Joaquim Machado para as repartições de finanças de Santarém, Viseu e 6.° bairro de Lisboa.
Para a comissão de finanças.
Do mesmo, satisfazendo a um requerimento do Sr. Vasco Borges pedindo cópia do relatório da inspecção à Universidade de Coimbra.
Para a Secretaria.
Do mesmo, enviando cópias das informações da Caixa Geral de Depósitos e Conselho Superior de Finanças, em satisfação ao pedido feito pelo Sr. Viriato Gomes da Fonseca.
Para a Secretaria.
Do Ministério da Guerra, satisfazendo ao requerido pelo Sr. David Rodrigues e solicitado em ofício n.° 519.
Para a Secretaria.
Do Ministério do Comércio, satisfazendo o requerimento do Sr. Joaquim Ribeiro para examinar documentos relativos ao arrendamento das docas e oficinas do pôrto de Lisboa.
Para a Secretaria.
Da comissão organizadora da comemoração do movimento republicano de Santarém, em Janeiro de 1919, convidando o Sr. Presidente da Câmara a assistir à ho-
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menagem a prestar em 11 do corrente à memória do alferes Rui Ribeiro.
Para a Secretaria.
Da inspecção de infantaria da 1.a divisão militar, pedindo autorização para ser ouvido numa averiguação o Sr. Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Negado.
Representações
Das seguintes juntas de freguesia do concelho do Oliveira de Azeméis, pedindo a abolição do imposto sobre carros: freguesia de Palmaz, freguesia de Ul, freguesia de S. Roque, freguesia de Ossola, freguesia de Pindelo, freguesia de Madail, freguesia de Nogueira do Cravo, freguesia de Macinhata da Seixa.
Da Junta da Freguesia de Fermelã, concelho de Estarreja, pedindo a modificação da tabela B, n.°s 1.° a 5.° do decreto n.° 10:176, na parte respeitante aos animais e veículos de tracção animal, empregados exclusivamente em serviços agrícolas.
Para a comissão de agricultura.
Convite
Do Conselho Central das Juntas de Freguesia de Lisboa, convidando para a inauguração da sua sede.
Para a Secretaria.
Agradecimento
Da família do falecido coronel Rodolfo Malheiro, agradecendo o voto de sentimento.
Para a Secretaria.
Telegramas
Do encarregado do govêrno de Cabo Verde, saudando em nome da população, por ocasião do novo ano.
Para a Secretaria.
Do Conselho Central das Juntas de Freguesia de Lisboa, saüdando a Câmara dos Deputados.
Para a Secretaria.
Dos operários da Companhia Vidreira de Portugal (Oliveira de Azeméis), pedindo para não passar a proposta do Govêrno sôbre a Fábrica da Marinha Grande, pois obriga ao encerramento das restantes fábricas.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial e Liga dos Interêsses Indígenas de S. Tomé, protestando contra continuação de fabrico de aguardente.
Para a Secretaria.
Das Câmaras Municipais de Benguela e Lobito, colectividades politicas e eco- nómicas do distrito de Benguela, alarmadas com notícias sôbre nova delimitação da fronteira sul de Angola, apelando para o patriotismo das classes dirigentes.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial de Moçambique, protestando contra projectado monopólio de navegação.
Para a Secretaria.
Dos sargentos de infantaria n.°s 22, 30, 13 e 6; cavalaria n.ºs 3, 1, 7 e 10; grupo a cavalo de Queluz, artilharia n.° 4; da guarnição de Castelo Branco, Pinhel, Chaves, primeiro grupo da companhia de saúde, Parque Automóvel Militar, Colégio Militar, Administração Militar, pedindo para se discutir o projecto n.° 196, sôbre o Montepio dos Sargentos.
Para a Secretaria.
Da Companhia Carris de Ferro do Pôrto, pedindo providências contra o Poder Executivo, que apoia deliberações ilegais da Câmara Municipal.
Para a Secretaria.
Presidente Câmara Deputados - Lisboa. - Câmara Deputados Brasil a requerimento Deputado Nicanor Nascimento rende suas homenagens pelo 4.° centenário nascimento Luís de Camões e falecimento Vasco da Gama; saüdações. - Arnolfo Azevedo, Presidente da Câmara dos Deputados.
Para a Secretaria.
Admissões
Foram admitidos os seguintes projectos de lei, já publicados no "Diário do Govêrno":
Do Sr. Jorge Nunes, tornando extensivas aos notários interinos servindo em lugares, sede de comarca, as
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disposições da alínea g) do artigo 1.° da lei n.° 1:364, de 18 de Setembro de 1922.
Para a comissão de legislação civil e comercial.
Do Sr. A. Crispiniano da Fonseca e mais 40 Srs. Deputados, aplicando as disposições das leis n.ºs 1:464 e 1:467, de 16 e 18 de Agosto de 1923, aos militares com invalidez de 100 por cento por tuberculose adquirida em campanha durante a Grande Guerra.
Para a comissão de guerra.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente: em primeiro lugar permita-me V. Exa. que requeira que seja imediatamente discutido o parecer n.° 196, que cria o Montepio dos Sargentos de Terra e Mar, e que se encontra já para discussão na ordem do dia.
Como se encontra presente o Sr. Ministro da Agricultura, vou chamar a atenção de S. Exa. para o seguinte:
Tenho ouvido falar no Conselho Económico constituído por alguns Ministros do actual Govêrno, e eu desejava que S. Exa. o Ministro prestasse à Câmara e ao País quaisquer informações acêrca das medidas tomadas, no sentido de evitar que a carestia da vida se faça tam cruelmente sentir como está acontecendo. Tanto o comércio como a indústria e a agricultura, em virtude da situação do valor do escudo que julgam instável, embora o câmbio continue a fixar-se e se mantenha numa posição segura, não melhoram os preços dos seus produtos, e aguardam ensejo de se certificarem que o Govêrno não pode melhorar o câmbio, para aumentarem o preço dos géneros e dos artigos até onde lhes convier.
Desejava, pois, que S. Exa. elucidasse a Câmara e o País sõbre as medidas que o Conselho Económico tem estudado e vai pôr em execução para que a carestia da vida se modifique e os preços correspondam à desvalorização real do estudo.
O Sr. Ministro da Agricultura (Ezequiel de Campos): - Sr. Presidente: o problema da carestia da vida vem desde o comêço da vida portuguesa.
D. Afonso III, em 1252, assinou por decreto o preço a todas as cousas que se deviam comprar ou vender. A almotaçaria existe em Portugal desde a conquista dos Algarves. Mas foi sempre ineficaz para regular os preços, justamente porque nunca foi capaz de provocar a abundância das cousas.
Os estímulos para maior produção, em termos de maior rendimento, e para mais simples comércio, é que podem embaratecer a vida.
Durante a Grande Guerra e depois, até agora, experimentou-se em Portugal, como por quási em todo o mundo, a regulação legal do preço das cousas, mas sempre com resultados desastrosos em Portugal: porque o comércio está organizado para resistir às imposições da lei; e porque a produção deminuíu em relação ao crescimento desmarcado do consumo.
O Ministério da Agricultura herdou o dos Abastecimentos. Mas não haja a ilusão de que poderá resolver agora, na função complexa de produzir e distribuir, os problemas que o Ministério dos Abastecimentos não resolvera: justamente porque a nossa produção de alimentos, a começar pelo pão, é muito deficitária.
Sr. Presidente: não há Conselho Económico que faça o milagre dos pães e dos peixes, e hoje seria preciso êsse milagre, porque não temos trigo, e porque a nossa pesca é feita com gente demasiada, e vendida por intermediários excessivos.
Não quere isto dizer que o Govêrno se não importe com o problema da carestia da vida.
Logo que tomei conta da pasta da Agricultura pus em execução as providências do Govêrno para que o pão baixasse de preço.
O preço das outras cousas não se baixa fácilmente, por estarmos nos meses em que os celeiros e os depósitos se vão esvaziando, sem que surjam novos produtos para os encher, visto ter passado a época das colheitas.
Gasta-se o que está enceleirado: e isto não dá para a alimentação da gente até as novas colheitas.
Temos de comprar muitíssimas cousas ao estrangeiro, onde tudo vai encarecendo.
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Qualquer expediente de intervenção na venda forçada das existências na lavoura e no comércio seria desastrosa, pois em poucos meses se esgotaria o que há, com embaraços fortes na aquisição e no comércio de que viria a faltar.
O Govêrno respeita a propriedade, e não recorrerá nem a artifícios nem a violências, pois sabe por lições seculares que tais processos são contraproducentes.
O Govêrno encontra-se, de facto, cada vez mais perante aquela situação da "casa em que não há pão ... ".
O Govêrno não podo dar os géneros cada vez mais baratos, porque não os tem.
Já disse o bastante para definir a atitude do Govêrno perante a propriedade particular e a carestia da vida.
Esta só pode ser resolvida por uma produção muito maior e muito mais rendosa. Isto importa uma correcção do actual ambiento de gastos desmarcados e da tendência ancestral de esperar as cousas vindas do céu. É necessário trabalhar muito mais; mas isto ninguém o quere.
Aproveito o ensejo para enviar para a Mesa uma proposta de lei que tem por fim ao mesmo tempo aumentar a nossa produção agrícola e industrial, e promover a melhor harmonia e a maior valorização da nossa gente.
Pretende uma reforma agrária, o empreendimento de obras de rega, e o aperfeiçoamento da nossa agricultura pelo melhoramento da organização da casa agrícola e dos processos de cultivo.
A questão agrária vem do comêço da vida nacional, pelo menos em metade do País.
As terras de além Tejo foram divididas, logo depois das lutas sarracenas, em grandes domínios, pelas ordens militares, pela igreja e pelos nobres. Todas estas entidades, mais os concelhos e os reis, promoveram a povoação, que se fez principalmente nas imediações das vilas e cidades, pois o descampado alentejano estava quási todo ermo e bravio, por causa de séculos de correrias e "alancear mouros" até D. Afonso III.
O comercialismo, as descobertas e as conquistas perturbaram e até sustaram a marcha do povoamento do Sul; pode-se dizer que desde D. João I até o ouro do
Brasil se não fundaram mais aldeias no Alentejo.
Assim, mercê da nossa evolução histórica e da ingratidão agro-climática, encontra-se hoje o País no seguinte contraste demográfico: o Noroeste com mais de duzentos habitantes por quilómetro quadrado (o distrito do Pôrto com mais de trezentos) e todo o Alentejo com menos de quarenta.
A nossa densidade média da população é um absurdo aritmético. Por outro lado, mantemos uma enorme emigração, de cêrca ou mais de cinqüenta mil pessoas por ano, emquanto está quási tudo por fazer em Portugal para o aproveitamento dos nossos recursos naturais.
As imposições legais para maior e melhor cultivo da terra, que tam claras e violentas ficaram expressas na lei das sesmarias de D. Fernando, não deram resultado suficiente.
As riquezas orientais, o ouro e as pedrarias do Brasil libertaram-nos, por sé- culos, de cultivar as nossas terras, porque o estrangeiro fornecia-nos tudo em troca daqueles valores.
Depois os bens nacionais, nas guerras dos empregos públicos, os empréstimos do estrangeiro e por fim a emigração permitiram que nunca fôsse imposta a Portugal a necessidade do cultivo regular do nosso vastíssimo quadro geográfico e o aproveitamento dos seus recursos naturais, porque nunca nos faltavam assim elementos para o nosso equilíbrio económico e financeiro.
Mudaram, no emtanto, as circunstâncias: a fonte dos empréstimos está a esgotar-
-se; a colocação lucrativa dos nossos emigrantes na França e nas Américas está incerta; e por seu turno é premente como nunca a necessidade de produzirmos suficiência de trigo, de milha, de carne, de legumes e das restantes substâncias alimentícias, assim como das matérias primas fundamentais oriundas do solo.
A legislação de Mousinho da Silveira, acabando com os privilégios antigos, no terremoto legislativo de Abril a Agosto de 1832, não promoveu nem outro arranjo agrário, com estímulo forte à propriedade mediana e à fundação de muitas aldeias na terra de feitio alentejano, nem melhor cultivo.
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A terra passou de mãos, no mesmo carácter de domínio e de exploração.
E a lei frumentária de 1899 não modificara também a organização das casas agrícolas, como não resolvera, até 1914, o problema da produção suficiente de trigo.
Estamos, pois, em face dos problemas seculares da povoação e da produção que as circunstâncias internacionais e portuguesas tornam cada vez mais delicados.
Acresce que, há pelo menos meio século, uma boa parte da população da Beira, que nas últimas décadas tem atingido, quando não ultrapassado, 15:000 pessoas, vai todos os anos para as fainas agrícolas do Alentejo, em vida errante, sem que por esta forma a lavoura do sul sofra as reformas necessárias na organização das casas agrícolas, na modernização da sua ferramenta e dos seus processos de cultivo, no aumento da produtividade da sua terra; e o País obtenha ao mesmo tempo a suficiência de produção agrícola. Ao passo que a Beira vê amesquinhar-se o vigor, a saúde e o quilate social da sua gente melhor.
Não é Portugal um caso anómalo dêstes movimentos de transumância da população. Mas aqui o fenómeno é doentio e mostra um defeituoso arranjo agrário que urge corrigir.
A primeira parte da proposta "Organização Rural" pretende continuar, pelo estímulo e pela intervenção do Estado, a política de povoação de Portugal antes da ida a Ceuta, justamente pela fixação sucessiva da gente da Beira na terra do Alentejo. São, porém, outras as circunstâncias actuais.
A terra das presúrias aos sarracenos tem hoje dono quási toda; e sôbre os próprios baldios, na legislação actual, não pode o Govêrno ter uma acção rápida e fecunda de parcelamento, nem êste ser feito conforme a maior vantagem económica e social. Por outro lado muito convém auxiliar, com os recursos dos actuais progressos agrícolas e com institutos de ensino, de crédito e cooperação, os núcleos nascentes nas terras a povoar e a valorizar.
As lições que neste sentido nos dá a Espanha e a Itália, de condicionamento agro-climático e étnico similares, serão para nós valiosas.
Não se fará qualquer apropriação pelo Estado senão depois de se verificar que a povoação pela espontaneidade dos grandes proprietários é insuficiente para correctivo do nosso desregrado movimento da população.
Estimula-se o povoamento, submetendo-se à decisão dos maiores proprietários os planos de povoação que o Governo tiver executado, pelos serviços correspondentes, nas regiões de maior conveniência: cumprindo ao Govêrno fazer o parcelamento e secundar a povoação, se o proprietário não quiser fazê-la com o auxílio do Govêrno.
A lei seria completamente desnecessária se o decreto n.° 9:844, dos incultos e charnecas, facultasse meios de investigação suficiente da existência dos incultos, ao mesmo tempo que o processo simples de os levar à valorização; apesar de aquele decreto não ter por fim primário a correcção dos nossos movimentos demográficos.
A segunda parte da proposta de "Organização Rural" tende a fomentar a rega em Portugal, estabelecendo um plano de actividade do Govêrno quanto à definição do valor e da prioridade de execução das obras hidráulicas.
Não é à fôrça de leis no Diário do Govêrno que se governa e se dá felicidade à gente de Portugal. Mas sem algumas leis novas, e o desaparecimento de outras antigas, não se pode governar, porque faltam normas de actividade em problemas os mais vitais da Nação.
Assim, tendo nós serviços hidráulicos há meio século, com um vastíssimo programa de trabalhos logo desde o comêço, continuamos a ignorar os recursos hidráulicos do País, e ainda não temos hoje nenhum projecto de rega acabado, isto é, em condições de se poder começar imediatamente as obras. Pois o que se aventa como planos de rega não passa de esquemas ou ante-projectos.
Definir um plano de efectivação da lei das águas, de 10 de Maio de 1919, e encaminhar a sua efectivação, tal o desígnio do capítulo acêrca da irrigação.
Por fim, coordena-se a acção de reforma agrícola mediante a propaganda de máquinas e ferramenta aperfeiçoada, que melhor se adaptassem às diversas regiões do país, tam variado na grandeza e nos
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caracteres das casas de lavoura; mediante folhetos, demonstração e cooperação agrícola, tam necessários, visto que a máxima parte das nossas publicações agrícolas não têm dado os conhecimentos necessários para o melhoramento scientífico - isto é de conhecimentos perfeitos e de resultados uteis, seguros e eficazes - da lavoura.
Procura, assim, a proposta de lei da "Organização Rural" restaurar a política antiga da povoação e do melhor aproveitamento da terra de Portugal, no melhor entendimento e para maior valor da gente portuguesa.
Antiga política sustada pela ida a Ceuta, cada vez mais necessária perante as contingências do equilíbrio instável da paz, e do amesquinhamento sucessivo da nossa gente. Adaptamo-nos a todos os quádros geográficos do mundo, desde o equador às regiões árticas; mostramos por toda a parte as nossas boas qualidades de inteligência, de tenacidade, de trabalho, de economia, de efectividade. Proporcionemos em Portugal ensejo para que se fixem anualmente alguns dêsses melhores que costumam emigrar, e teremos dentro em pouco a desaparecer o comunismo do Estado, que desde as guerras constitucionais ou dos emprêgos públicos tem amesquinhado a iniciativa portuguesa, ao mesmo tempo que teremos resolvido a nossa crise económica, que de há muito saldamos com o dinheiro dos emigrantes.
O Sr. Brito Camacho: - Está enganado. Divida o Terreiro do Paço aos bocadinhos, e verá a bulha que há-de haver pela conquista de cada um dêles.
O Sr. Ministro da Agricultura (Amaral Reis) - Não estou enganado. Não será a gente da escalada do orçamento a que há-de ir povoar o Alentejo, arroteá-lo e cultivá-lo.
De há muito nos dividimos em dois grupos: os da providência do Estado, e os da iniciativa individual. Êstes - os melhores - são explorados por aqueles. Pela minha proposta de lei, pretendo dar o predomínio às famílias rurais de trabalho bemfazejo à colectividade, em cerceamento do espírito de exploração comunitária.
O que não há é terra disponível para novas famílias cultivadoras. A multidão enorme de dezasseis mil pessoas da Beira que todos os anos vai ao Alentejo não se fixa por lá, porque o grande proprietário do Sul nem vende, nem arrenda, nem afora em condições de se construírem por lá novas casas agrícolas, onde se vão integrando as canseiras, as economias, as alegrias e as dôres, as esperanças... para o futuro dos descendentes. Só a posse individual, familiar, da terra poderá fazer o milagre de transformar a desolação bravia do Alentejo em ermo na alegria dos casais e dos campos em cultura regular.
Facultem a terra ao camponês da Beira, até só a terra, sem mais nada, que veremos o herói da charneca transformar em poucos anos a esteva e os sargaços em searas. A horta e as árvores de fruto alegrarão trechos de regadio, graças aos poços.
Nenhum argumento contra a povoação do Sul é válido sem a experiência: nem a ingratidão do clima, nem a pobreza do solo, nem a falta de meios de comunicação, nem as imposições do feitio da região, nem a falta de água no descampado que deixa morrer à sêde os gados e os passarinhos ... Nenhum argumento colhe contra a nossa experiência multisecular do povoamento do Alentejo, justamente pela agricultura de sequeiro na terra de verão árido, como foi toda a que se efectuou desde D. Afonso Henriques até hoje.
Facultem a terra ao camponês da Beira por uma reforma agrária, e verão desmentidos todos os percalços anunciados não raro por aqueles que até hoje foram incapazes de uma cultura regular das suas terras.
A legislação frumentaria de 1899, porque foi incompleta, não resolveu o nosso abastecimento de trigo até 1914. A intervenção tumultuária do Govêrno na lavoura, durante a Grande Guerra e até agora não encaminhou a nossa suficiência de alimentos fundamentais. O problema da resistência à morte pela fome no caso de uma guerra está pôsto a Portugal duma forma aterradora.
E por outro lado a nossa população decresceu em todos os distritos do Norte menos do Pôrto e Aveiro, e crescendo
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tam pouco nos outros, que no total ficara quási estacionária, isto é, acusava um decréscimo de perto de quatrocentas mil pessoas entre os dois últimos anos para a marcha normal do aumento da população.
Infere-se que não é só um problema de produção agrícola; é também um problema de arrumação da gente o que perturba e amesquinha a vida de Portugal. E este problema demográfico envolve todos os demais na economia, na educação, no valor o no destino da nação.
Não, nunca houve o cuidado, desde Afonso II até hoje, de resolver a questão agrária portuguesa!
Apoiados.
Ela nunca foi posta diante de nós, porque tivemos sempre a proa dos vapores, a seguir à das caravelas, para mandar para fora de Portugal a nossa melhor gente, deixando apenas cá ficar aquela que conquista as secretarias do Estado e o quartel pelo assalto ao Orçamento.
Apoiados.
A questão agrária portuguesa é originária da partilha do solo pátrio: "Quando os augustos predecessores de vossa majestade imperial faziam conquistas e descobertas, as doações que faziam aos grandes e a outras pessoas que os cercavam precediam o trabalho das terras; e a fadiga não tinha começado, e já o seu presumido resultado estava erigido em direito a favor de um particular", escreveu Mousinho da Silveira.
É ainda o mal de agora.
Direitos dos grandes domínios que não cumprem a obrigação de nos dar o que falta para o sustento da nossa gente.
Assim se tem vivido por séculos.
Assim iremos à ruína.
Por isso quero dar daqui o primeiro grito de alarme a favor da paz, da justiça, da bondade e da inteligência da gente de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem. Muito bem. O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente: ouvi o Sr. Ministro da Agricultura com toda a atenção e julguei que S. Exa., em virtude da declaração ministerial, na qual o Govêrno prometia olhar com atenção para o problema da carestia da vida, e ainda pelas notícias que vêm nos jornais, dizendo que o Conselho Económico, dia a dia, vem tratando desta questão, me elucidasse e à Câmara sobre as medidas que tencionava tomar para resolver este momentoso assunto.
Mas S. Exa., pelo que ouvi, e se bem compreendi, quási me deu a entender que o Conselho Económico nada podia fazer neste sentido.
Ora há pouco tempo propus - e parece-me que seria uma das medidas a adoptar - que, para se conseguir a baixa de preços dos géneros de primeira necessidade, se fizesse a redução do preço dos transportes.
Esta proposta teve logo um ataque dos ferroviários, porque estes julgavam que eu pedia a deminuição dos seus salários; quando eu pedia apenas a deminuição das tarifas de transporte dos géneros alimentícios, porque julgava e julgo que, tendo baixado o preço do carvão quási 50 por cento, a baixa dos transportes se podia realizar, sem prejuízo para os ferroviários, por não ser preciso reduzir os seus vencimentos.
S. Exa. o Sr. Ministro da Agricultura, com a sua proposta sôbre terrenos incultos e latifúndios, que me satisfez e por certo à Câmara, virá certamente modificar o nosso regime económico, mas os seus benefícios só daqui a alguns anos poderão fazer-se sentir.
Julgo que de momento S. Exa. devia tomar outras medidas de resultados mais rápidos, com a colaboração dos seus colegas das Finanças e do Comércio.
Estou certo que o Sr. Ministro das Finanças e o Sr. Ministro do Comércio, concorrendo para a valorização do escudo e para o barateamento dos transportes, concorrerão também para a deminuição da carestia da vida.
Disse S. Exa. reconhecer que existia a carestia do peixe, e que tinha tomado providências enérgicas no sentido de o embaratecer.
É voz corrente que a maioria dos pescadores prefere que o peixe apodreça a vendê-lo mais barato.
Parecia-me que deveria também S. Exa. decretar uma medida que se impõe: proïbição da venda do peixe à lota.
Êste sistema de venda não deve permitir-se.
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O vendedor estabelece um preço tal, que não sei como há coragem de o comprar e pôr à venda!
Diz ele que quem estabelece o preço do peixe é o comprador.
Não é assim.
Êste, com receio de que outro o compre, pronuncia o conhecido chu antes de o preço ser, pelo menos, razoável.
Parece-me por isso que se deve terminar com a lota e estudar-se outro processo de venda.
Com certeza S. Exa. concorrendo para o barateamento do peixe, pelo menos em Lisboa, auxiliará muito a baixa do custo da vida.
O que peço ao Govêrno é que não deixe de estudar o assunto.
O Govêrno, que não descansou durante as férias, tendo estudado projectos para apresentar ao Parlamento, deve saber que estamos esperando hoje também medidas para o barateamento da vida.
Confio na boa vontade de S. Exa., na sua energia e inteligência, para a resolução dêste problema.
Tenho quási a certeza que S. Exa. providenciará por forma a que os géneros barateiem, não permitindo que muitos gananciosos se abalancem a fazer preços exagerados aos seus produtos, preços incomportáveis para a maioria dos consumidores.
O Sr. Portugal Durão: - Peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se consente que a comissão de finanças reúna durante a sessão.
E aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia.
Foi aprovada a acta.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Durante as férias parlamentares faleceram os Srs. Gonçalo de Almeida Garrett, antigo Par do Reino, José Adolfo de Melo e Sousa, António Sardinha e Aníbal Soares, antigos Deputados e jornalistas.
Há ainda a registar o falecimento de um irmão do Sr. Custódio Paiva.
Proponho que se lance na acta um voto de sentimento.
O Sr. Vitorino Guimarães: - Associo-me ao voto de sentimento que acaba de ser proposto por V. Exa. pelas pessoas que faleceram durante as férias parlamentares.
Seja-me permitido destacar de entre essas pessoas o Sr. Adolfo de Melo e Sousa, pelo espírito de justiça e imparcialidade que colocamos sempre acima da política, embora se trate de adversários.
Melo o Sousa colocou sempre os interesses nacionais acima da política.
Quando tomei posse da pasta das Finanças tive necessidade de apelar para os seus conhecimentos, e encontrei sempre nêle todo o desejo do auxiliar o Estado, e o Estado que representa o país foi sempre pôsto acima de tudo como patriota que era.
Estas palavras tinha êste lado da Câmara de as dizer para mostrar que há imparcialidade e justiça para com adversários quando êles as merecem.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões: - Associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa.
Destacarei dois nomes: os Srs. Melo e Sousa e Aníbal Soares, ambos adversários políticos meus.
O Sr. Melo e Sousa colocou sempre acima de tudo, como muito bem disse o Sr. Vitorino Guimarães, o seu sentimento de amor da Pátria.
O Sr. Aníbal Soares foi uma das mais brilhantes organizações de jornalista da nossa terra, que não obstante ter combatido constantemente o regime, afirmou faculdades intelectuais das mais brilhantes, o que constitui para um jornalista uma das mais altas garantias de mérito.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: - A minoria católica associa-se ao voto de sentimento proposto por V. Exa.
Na mesma hora caíram varados pela morte alguns antigos ornamentos do Parlamento Português: Almeida Garrett, António Sardinha e Aníbal Soares.
Todos constituiam um forte esteio moral da nossa Pátria.
Quanto a António Sardinha muito há a dizer, mas a Câmara tem presente o inte-gralismo lusitano e pode considerá-lo sob os dois aspectos por que o seu denodado
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defensor os apresentou; como escola da filosofia política da tradição e como corrente doutrinal e sob êste primeiro aspecto não podemos deixar de reconhecer a sua alta importância na administração do país.
Quero referir-me, Sr. Presidente, aos estudos interessantíssimos feitos por António Sardinha acêrca do municipalismo em Portugal porque ele foi por assim dizer o cavaleiro andante desta questão.
Não quero abusar da paciência da Câmara e perante os cadáveres dos extintos eu me inclino, porque se dentro dêsses cadáveres viveram almas que tiveram paixões e defeitos, da mesma época são aqueles que ficam, e os nossos espíritos, neste momento, conjuntamente, sentem-se tocados pela mesma dor.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Viriato da Fonseca: - Em nome da Acção Republicana associo-me aos votos de sentimento propostos por V. Exa. pelo falecimento dêsses cidadãos que, mi-litando em partidos diversos, souberam sempre honrar o nome português; por isso todos nós compungidamente nos associamos à homenagem que à sua memória hoje presta esta Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: - Em nome do Partido Nacionalista, Sr. Presidente, associo-me aos votos de sentimento propostos por V. Ex.a
Alguns dos falecidos não eram republicanos, mas eram portugueses que honraram a sua Pátria, por isso é de justiça a homenagem da Câmara dos Deputados à qual eu e o meu partido nos associamos comovidamente.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Abranches Ferrão: - Em nome dos Deputados independentes associo-me aos votos de sentimento propostos por V. Exa. porque todos aqueles, cuja memória nós hoje exaltamos, prestaram o seu trabalho e o seu concurso para o bem do País e dignos são das homenagens que lhes prestamos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Plínio Silva): - Sr. Presidente: em nome do Govêrno associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa. Não obstante quatro dos falecidos não militarem no meu partido, não posso com justiça deixar de reconhecer que foram alguém na terra portuguesa.
António Sardinha era alguém que tinha um pouco daquela audácia que acompanha as concepções elevadas, e porventura a preocupação estranha de encarar certos acontecimentos e factos por forma diversa daquela a que estamos habituados. Mas a verdade é que tudo isso representava manifestações do seu invulgar talento e neste momento da sua vida êle era, sem dúvida, uma esperança de que havia de ocupar uma posição ainda mais brilhante nas letras portuguesas.
O Sr. Melo e Sousa também foi alguém na nossa terra e eu não posso deixar de, com sinceridade, sentir o seu desaparecimento.
Consagrou a sua vida a trabalhos do mais alto valor, quer no campo económico, quer no campo financeiro - e V. Exa. não estranhará que eu me refira a ele com particular carinho porque, estando à frente da Administração dos Caminhos de Ferro Portugueses, ele empregava a sua actividade num ramo da vida nacional a que há dois anos já consagro também o meu esfôrço.
O Sr. Aníbal Soares, intransigente adversário da República, merecia contudo todo o nosso respeito e pelo seu passamento o Govêrno confessa também a sua mágoa, associando-se aos votos de V. Exa.
O Sr. Almeida Garrett, a quem já vários oradores fizeram referências, era, na verdade, um grande vulto e por isso, em nome do Govêrno, eu confesso também que profundamente sentimos a sua perda, assim como a morte do irmão do ilustre Deputado Sr. Custódio de Paiva.
Terminando, eu poderei afirmar que os quatros primeiros nomes a que me referi eram os de quatro pessoas, cujo desaparecimento constitui uma falta grande para o nosso País.
Os monárquicos perderam, sem dúvida, quatro dos seus mais valiosos correligionários. Nós, os republicanos, perdemos também quatro vultos que muito serviram de incitamento às nossas opiniões e nos
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forçavam, com certo entusiasmo, a pugnar pelos nossos ideais.
Todos êles, Sr. Presidente, eram adversários que mereciam combate - e êste é o maior elogio que podemos fazer-lhes.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Aires de Ornelas: - Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara eu desejo associar-me aos votos de sentimento propostos por V. Exa. pelo falecimento dos antigos membros do Parlamento português.
Perdeu nalguns dêles a causa que tenho a honra de representar alguns dos seus mais brilhantes paladinos e dos seus mais conhecidos combatentes.
Aníbal Soares deixou no jornalismo português uma recordação e um vácuo que ainda agora acabo de, no seu entêrro, ouvir lamentar sentidamente, mesmo por um seu colega republicano que não teve dúvida de prestar homenagem aos seus adversários políticos.
Os factos, como êste, muito honram quem os pratica e mostra bem que há alguma cousa que nos une sempre, apesar das nossas divergências de ideais, e êsse alguma cousa é, Sr. Presidente, o respeito por uma vida imaculada e por um carácter que se impõe.
O Sr. Dr. Almeida Garrett, meu antigo colega na Câmara dos Pares, deixou no professorado da Universidade um nome, mantendo brilhantemente a tradição impe-recivel dêsse nome na língua portuguesa.
O Sr. António Sardinha teve também um lugar marcado na literatura nacional pela vastidão dos seus conhecimentos.
O Sr. Melo e Sousa, meu antigo colega na Câmara dos Pares, pela sua colaboração em muitos dos organismos bancários, na direcção do Banco de Portugal e na Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, deixa também uma obra de trabalhador incansável.
Igualmente, Sr. Presidente, me associo às manifestações de pesar propostas por V. Exa. pelo falecimento do irmão do nosso colega Sr. Custódio de Paiva.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Em vista das manifestações de todos os lados da Câmara,
considero aprovados os votos de sentimento propostos.
Tendo sôbre a Mesa um telegrama enviado a esta Câmara pelo Sr. Presidente da Câmara Brasileira, enviando as suas homenagens pelo centenário do falecimento de Camões e pelo centenário de Vasco da Gama, proponho que lhe seja enviado um telegrama de agradecimento.
O Sr. Jaime de Sousa: - Sr. Presidente: que poderei dizer a V. Exa. em nome dêste lado da Câmara senão que o telegrama que V. Exa. acaba de ler à Câmara traduz sentimentos nobilíssimos do Parlamento Brasileiro e vem tocar bastante a nossa sensibilidade de parlamentares portugueses?
Sr. Presidente: só quem conhece bem os meios intelectuais brasileiros modernos é que pode julgar suficientemente o alcance que pode ter para nós, portugueses, êsse telegrama que o Sr. Arnolfo de Azevedo, ilustre presidenta da Câmara Brasileira, enviou a V. Exa.
Temos ensejo do ver por êle como se apreciam, tam entusiàsticamente ou mais que em Portugal, todos os acontecimentos que periòdicamente fazem vibrar a alma portuguesa.
Camões e Vasco da Gama são sem dúvida os astros de maior grandeza que marcam a posição de Portugal na marcha da civilização mundial.
O Brasil sente-o bem.
Vasco da Gama foi quem tornou possível Álvares Cabral.
O Brasil sabe-o.
Camões, cantando as glórias portuguesas, é também o grande cantor da raça do Brasil.
Sr. Presidente: a proposta que no Parlamento brasileiro feita polo Deputado Ni-cados do Nascimento vem do sentimento geral que no Brasil une sempre a população brasileira à população portuguesa.
Portugal e o Brasil são duas nações livres política e independentemente, mas sempre unidas por uma sentimentalidade única e sagrada: a unidade da Raça.
Sr. Presidente: em nome dêste lado da Câmara, associo-me à proposta que V. Exa. acaba de fazer, de se mandar um telegrama de resposta ao Sr. Dr. Arnolfo de Azevedo, retribuindo a amabilidade do Parlamento brasileiro e fazendo votos para
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que entre Portugal e o Brasil se mantenha sempre aquela aliança que nos tem unido através de todos os tempos e que se torne possível estreitar mais ainda as relações entre os dois países, em todos os campos, e, principalmente entre os dois Parlamentos que, de há muito, estão ligados pela mesma unidade de ideas e de sentimentos.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito, e, em vista das manifestações da Câmara, considero a minha proposta aprovada.
O Sr. Cunha Leal (para um negócio urgente): - Sr. Presidente: eu creio que não está presente o Sr. Ministro das Colónias. Talvez pudéssemos esperar uns minutos até que S. Exa. fôsse avisado de que eu estava usando da palavra.
Pausa.
Deu entrada na sala o Sr. Ministro das Colónias.
Sr. Presidente: Há dias tive o ensejo de conversar com o Sr. Ministro das Finanças e com o Sr. director geral da contabilidade pública acêrca de uma pretensão da Universidade de Coimbra, tal era a de que lhe pagassem 14.000$ de que o Estado era devedor.
Reunimo-nos os três em concílio.
Disse o Sr. director geral que era absolutamente impossível pagar os 14.000$, embora essa quantia fôsse devida.
O Sr. Ministro das Finanças disse também que não era possível fazer êsse pagamento, porque não havia lei que a tal autorizasse mas que talvez para Março, quando fôssem votados os novos duodécimos, então se pudessem dar os 14.000$.
A que propósito vem esta citação?
É para dizer que ou saí dali com esta impressão: Em Portugal só é dificil dar cousas pequenas.
Para arrancar ao Estado 14.000$ de propinas é preciso um grande sacrifício, sendo também necessário gastar bastantes solas para subir as escadarias dos ministérios; mas, quando se pedem 140.000$ ou 1:400.000$, isso então dá-se com toda a facilidade.
E nesse caso está a província de Angola.
Esta província funda há pouco foi mimoseada com 14:000.000$, que são a primeira parcela de 500:000.000$ que o Sr. Ministro das Colónias propõe que a metrópole lhe dê.
Não se examinaram as condições de Angola, não se pensou maduramente no problema, mas se se tratasse de 14.000$ havia dificuldades.
Desde que as contas entrem no limite incomensurável das centenas de milhar, então já não há necessidade de leis.
E, já que se tem falado da província de Angola, a propósito das suas dívidas, é conveniente que alguém também venha aqui dizer que aquela província não é simplesmente devedora, mas que é simultaneamente crédora, porque há indivíduos que lhe devem, e eu venho aqui dizer com toda a clareza, e em público, que êsses débitos resultam do maus actos de administração e fraudulentos, previstos e punidos pelo Código Penal.
A província, que tem a ânsia do satisfazer os seus débitos, não tem a mesma ânsia de exigir que lhe paguem o que lhe devem, a ponto tal que me parece que certas moratórias que andaram ali pelos ares apenas foram para justificar o não pagamento ao Estado de contas que lhe eram devidas.
V. Exas. sabem todos, porque eu já várias vezes aludi ao caso, - mas nessa data não possuia toda a documentação, que agora está completa - que o Sr. general Norton de Matos, quando Alto Comissário de Angola, começando a sentir as primeiras dificuldades para pagamentos externos, principiou a realizar, com várias firmas, contratos de fornecimentos de cambiais, pensando em transformar determinadas firmas em seus agentes para a compra de cambiais, não só dentro da província de Angola, mas também em S. Tomé e Cabo Verde.
Foram essas firmas as seguintes: Sousa Machado & Ca., Galileu Correia & Ca., o Banco Colonial e a Sociedade Agrícola do Congo.
Importa já que se veja a posição do Estado e estudar as suas relações com cada uma destas firmas, para que se possa compreender a monstruosidade sem nome destas operações.
Comecemos pela firma Sousa Machado & Ca. e, permita-me a Câmara que eu lhe peça toda a sua atenção, porquanto é
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certo que, neste assunto, uma palavra a mais ou a menos pode ir afectar o crédito comercial de qualquer entidade e eu não desejo que as minhas palavras possam ser interpretadas em outro sentido diferente do que eu pretendo dar-lhe.
Sousa Machado & C.a é uma firma que se constituíu em Angola, inicialmente sob a forma de sociedade por cotas com o capital de 500 contos, sendo metade subscrito pelo sócio João de Sousa Machado e outra metade pela sociedade igualmente por cotas, Sousa & Santos que funciona em Cabo Verde.
João de Sousa Machado era por sua vez sócio da firma Sousa & Santos, de maneira que esta firma surge com o capital de 500 contos subscrito entre um sócio daquela firma de Cabo Verde e a mesma firma. Mais tarde, por escritura pública, o capital da sociedade foi elevado a 850 contos, entrando para a mesma sociedade, com cotas diferentes, vários indivíduos, mas conservando sempre a forma de sociedade por cotas.
Por escritura pública de 16 do Maio de 1923, cuja cópia tenho aqui sobre a minha carteira, à disposição integral de V. Exas., esta sociedade por cotas, para caucionar um crédito em conta corrente, entre o Banco Nacional Ultramarino e a mesma firma, hipotecou todos os seus haveres àquele Banco e hipotecou, além disso, os haveres particulares do sócio que os tinha, que era o Sr. João de Sousa Machado. Depois, em 9 de Julho de 1923, estando ainda hipotecados os haveres da firma em questão, ela fez com o Estado um contrato cujas cláusulas principais eu vou ler a V. Exas.
Diz assim a base 1.ª dêsse contrato.
Leu.
Por esta cláusula a firma Sousa Machado & C.a contraíu a obrigação de entregar ao Governo de Angola, desde 9 de Julho a 31 de Agosto, cambiais no valor de 9:000 libras, e durante os meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 1923, cambiais na importância de 500:000 escudos metropolitanos e 20:000 libras.
E pela mesma cláusula contraíu ainda mais a obrigação de, a partir de 1 de Janeiro de 1924, entregar mensalmente ao Govêrno de Angola 1 milhão de escudos e 34:000 libras.
Para se compreender a loucura administrativa dêstes senhores, eu vou expor um facto, cuja contraprova se poderá obter por meio de um telegrama que o Sr. Ministro das Colónias envie ao Govêrno de Angola.
Existem duas minutas dêste contrato, no respectivo processo que está na província de Angola. Em ambas se encontra escrito por extenso que a obrigação de Sousa Machado & C.a era entregar mensalmente 400 libras e em ambas se acha riscada esta verba, para aparecer por cima a quantia de 34:000 libras.
Não se reflectiu que no máximo as exportações de Angola não atingem quantia superior a 1.050:000 libras anuais.
Leu.
Por esta cláusula o Govêrno assume as seguintes obrigações.
Na secção bancária da casa Sousa Machado & C.a o Govêrno deposita 6:000 contos que constitui o fundo de roulement para aquisição de cambiais.
A concepção da operação era: depositar o Govêrno 6:000 contos.
Sousa Machado & C.a ou compra géneros que remete para Lisboa, e a cada remessa corresponderiam saques no valor dêsses géneros, naturalmente, a noventa dias de vista, como se faz sempre na colónia, e então, mediante a entrega dêsses saques, o Govêrno pagava o valor em libras, correspondente à cotação de Lisboa, acrescido do prémio de transferência, ou a firma Sousa Machado & C.a comprava cambiais na praça, que entregava ao Govêrno, recebendo em troca os escudos correspondentes. Seja qual fôr a forma, vê a Câmara que bem fiz em chamar aos 6:000 contos fundo de roulement.
O que fez a firma Machado & C.a?
Desenvolveu as suas operações largamente e a certa altura começou a entregar ao Estado saques da firma Sousa Machado & C.a, sôbre João de Sousa Machado, domiciliado em Londres e domiciliado em Lisboa, a 90 dias de vista e por êsses saques foi recebendo escudos de Angola, segundo a cláusula 3.a dêste contrato.
Correspondiam, porém, estes saques a qualquer operação comercial de venda de produtos?
De maneira nenhuma. João de Sousa Machado sacava sem ter mandado mer-
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cadorias e assim os 6:000 contos, importância máxima que podia ter na sua mão, num dado tempo, foram multiplicadas, e em certa altura a importância dos débitos era superior a 23:000 contos, tratando-se duma casa que tinha os seus haveres hipotecados por 1:500 contos e que só os libertou à custa dos dinheiros do Estado.
Sousa Machado & C.a tem neste contrato uma cláusula que é curiosa:
Saca sôbre as províncias de Cabo Verde e S. Tomé 11:728 contos por um lado e 1:000 por outro lado.
Por esta forma Sousa Machado & C.a pretende que o Estado lhe garanta o envio de dinheiro para S. Tomé e Cabo Verde e aí organiza a compra de cambiais.
Neste contrato o Govêrno comprometeu-se a que o Banco Ultramarino determinasse que as transferências de dinheiro se fizessem por intermédio de Sousa Machado & C.a para Cabo Verde e para S. Tomé.
Creio que à custa dêste mecanismo a firma Sousa Machado & C.a foi transferindo uma parte do dinheiro que havia recebido, a favor de Santos Machado & C.a
Neste ponto, segundo informações de pessoas que reputo de seriedade indiscutível - e o Sr. Ministro das Colónias sabe muito bem as pessoas a quem me refiro - Sousa Santos & C.a começou a fazer a depreciação da moeda de Cabo Verde.
Se o dólar estava a 25$, comprava dólares a 26$, se estava a 26$ comprava a 27$ e assim sucessivamente.
Uma parte do dinheiro do Estado passava para a firma Santos & C.a
O Sr. Ministro das Colónias sabe bem as informações que a êste respeito há.
Em 28 de Abril estava vencido um saque de perto de 20:000 libras, mas Sousa Machado & C.a resolveu não pagar.
Neste intervalo trocaram-se telegramas entre Londres e Angola e parece que Sousa Machado & C.a fez ameaças e em 12 de Junho de 1924 fez-se o acôrdo, sendo ouvidas entidades que não tinham carácter oficial e cujas informações estão apensas ao processo.
Entre outros argumentos que Sousa Machado & C.a apresenta, para não pagar, é de que não tinham chegado lá as mercadorias.
Em 12 de Junho a situação era esta.
E tinha emitido saques aceites por João Sousa Machado, de Londres, mas que deve dar muito que fazer à polícia londrina, porque não tem residência conhecida naquela cidade.
Quere dizer, este senhor sem ter um vintem de seu, conseguiu a situação que V. Exas. acabaram de ouvir.
Mas qual foi o acôrdo?
O acôrdo foi o seguinte: Quanto aos 6:000 contos em depósito, êles seriam pagos com os juros, em três prestações de 2:000 contos.
Reparem V. Exas nas datas, para poderem compreender a altura em que foi lançada a idea da moratória.
Ora, sendo o contrato de 12 de Junho de 1924, a primeira prestação seria pago 15 dias depois, ou seja em 27 de Junho de 1924.
A segunda prestação, igualmente de 2:000 contos, 3 meses depois, ou seja a 27 de Setembro de 1924, e a última, seria paga 180 dias depois da primeira, ou seja em 27 de Dezembro de 1924.
Mas, havia ainda uma outra cousa, que eram as libras e escudos, sacadas respectivamente sôbre as praças de Londres e Lisboa.
Para estas, calcular-se-ia o seu contravalor em escudos, da seguinte forma:
Quanto aos saques em escudos, Sousa Machado entregaria aquilo que tinha recebido, e quanto aos saques em libras, dividir-se-iam em três partes:
As 20:000 libras já vencidas em 28 de Abril, isto é, quando se encetaram as negociações para o acordo, as últimas 20:000 libras e as 55:000 intermédias.
Vejamos o que sucede a cada uma destas prestações.
As últimas 20:000 libras, não sei porque motivo, seriam restituídas pela firma Sousa Machado & C.a Quere dizer: quando as libras foram emitidas, estava o câmbio a 120$ na metrópole, e no momento do vencimento estava a libra a 150$, limitando-se Sousa Machado a entregar o que lhe haviam dado.
As 55:000 libras intermédias seriam pagas a um câmbio médio, entre o câmbio da data da emissão do saque e o câmbio do dia do vencimento. Ora, como o afas-
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tamento cambial andava por 35 a 40 escudos, uma percentagem grande desta diferença resultou a favor da firma Sousa Machado & C.a
Quanto às libras já vencidas, apesar do receio que tenho de demorar a minha exposição, não posso perdoar a mim próprio o doentio prazer de ler a V. Exas. uma das cláusulas mais maravilhosas, sob o ponto de vista de defesa dos interêsses do Estado, que até hoje tenho visto.
A cláusula 6.a do acôrdo de 12 de Junho de 1924 diz o seguinte.
Leu.
As cláusulas 3.a e 4.a dêste contrato são precisamente as que se referem ao trust das 55:000 libras que seriam pagas a um câmbio intermédio, entre a data da emissão e a data do vencimento.
Chegamos, pois, a esta fórmula: Nós damos-lhe opção. O senhor ou vai à metrópole comprar libras a 150$ ou paga-as a 130$ que é a média dos dois câmbios. Mas esta é a hipótese para a equivalência dos dois câmbios, porque época houve em que em Loanda se pagavam libras a 300$ e mais.
Sr. Presidente: levar tam longe a estupidez e a velhacaria nunca vi, por minha honra o afirmo, em documento público.
Mas, vamos ao cálculo dos prejuízos. O Estado português, se, houvesse equiva-lência entre o câmbio da metrópole e o de Angola, podia perder com êste acôrdo qualquer cousa como 1:800 contos. Mas, como nessa época a desvalorização da moeda de Angola andava por 20 por cento, nós pudemos afirmar que o prejuízo que resultou para o Govêrno de Angola, pela assinatura do acôrdo de 12 de Junho, deve cifrar-se entre 5:000 a 6:000 contos.
O Govêrno de Angola, por intermédio dos seus homens, deu 5:000 a 6:000 contos do património comum, que nós agora temos de pagar, segundo a proposta do Sr. Ministro das Colónias.
Mas isto ainda não é tudo.
Entregou-se dinheiro a uma firma cujos haveres não podiam responder por êle, e é possível que o medo de nada receber tenha determinado esta espécie de concordata com um credor falido, e digo falido pela circunstância de não honrar a sua assinatura.
Eu sei que a êste propósito se diz que o empréstimo foi, porventura, o pagamento de favores feitos pela firma Sousa Machado & C.a a determinadas entidades da província. Mas, favores pague os cada um do seu bôlso e não à custa do dinheiro do Estado.
Diz-se ainda que, tendo um Deputado anunciado determinada interpelação a certo Ministro, a propósito de qualquer cousa, um Alto Comissário de Angola só então reparou que tinha 50:000 libras a menos do que devia ter no "Fundo de reserva" legal da província.
Por cada unidade emitida, um décimo constituía fundo de reserva da província, e como se tinha pedido à Companhia dos Diamantes 500 e tantas mil libras, devia existir um fundo de reserva de 50:000 libras aproximadamente.
Mas o fundo de reserva tinha-se evaporado. Com esta semcerimónia de que se tem usado sempre nos últimos tempos da administração de Angola dos dinheiros públicos, tinha sido - na frase popular - um ar que deu às 50:000 libras.
Quando anunciei a minha interpelação, a firma Sousa Machado & C.a, não fôsse eu perguntar ao Govêrno de Angola onde estavam as 50:000 libras, apressou-se a entregá-las. Mas como as entregou? Fez qualquer favor no Estado?
Não, porque devendo o saque ser a 90 dias de vista, a firma Sousa Machado & C.a entregou as 50:000 libras com a condição de lhe permitirem uma reforma até 180 dias de vista dessas mesmas 50:000 libras entregues.
Apenas cumpriu uma obrigação antecipadamente e em troca dessa antecipação o Alto Comissário concedeu uma proriogação por mais 90 dias do prazo de entrega das libras em questão.
O contravalor calculado destas 95.500 libras e 3:000 contos orça por 17:100 contos, nos termos do contrato. E então, a par das prestações para o pagamento dos 6:000 contos que já enunciei, a firma Sousa Machado & C.a ficou obrigada ao pagamento de mais três prestações aproximadamente na importância de 5:800 contos cada uma, a pagar nos prazos seguintes:
Leu.
No dia 27 de Dezembro, portanto, a firma Sousa Machado & C.a devia ter as suas contas saldadas.
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Mas saldou-as?
Não; essas contas não foram saldadas.
Fui procurar o Sr. Ministro das Colónias para lhe preguntar o que havia com respeito à moratória, tendo S. Exa. a bondade de me mostrar alguns dos documentos que a essa pretendida moratória diziam respeito e nos quais a certa altura eu vi um número do qual pedi licença ao Sr. Ministro das Colónias para usar, licença que gentilmente me foi dada pelo Sr. Carlos de Vasconcelos.
No mesmo telegrama vindo de Angola baralhavam-se estas duas cousas: que a firma Sousa Machado & C.a não podia pagar e que não devíamos fazê-la falir, pedindo-
-se, por isso, uma moratória.
Qual era, porém, o número que eu pedi ao Sr. Ministro das Colónias para poder usar?
Era a designação feita em telegrama oficial vindo de Angola do débito nessa data da firma Sousa Machado & C.a ao Estado Português. Êsse débito era de 11:728 contos, não obstante o favor dos 6:000 contos que já lhe havia sido feito pelo Estado quando se fez o acôrdo tam prejudicial aos interêsses da província.
Ora feitas as contas chega-se à seguinte conclusão: no mês de Dezembro esta firma tinha de pagar 7:800 contos, e, portanto, se devia 11:728 contos, segue-se que já antes de Dezembro a firma tinha deixado de pagar, no todo ou em parte, as prestações a que era obrigada pelo acôrdo prejudicial ao Estado, ilegítimo e criminoso de 12 de Junho de 1924.
O que é que isto prova?
Que a firma Sousa Machado & C.a nessa data pagou quando muito 1:800 contos, ficando a dever 4:000 contos.
O Sr. Rêgo Chaves (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença? Como eu expus aqui a situação de Angola, pelo que dizia respeito às suas dívidas, e não falei nestes créditos, dadas as considerações que V. Exa. está a fazer, pode depreender-se que eu tinha conhecimento dos casos agora apontados e que porventura não teria dado ordens terminantes para que a província recuperasse o que lhe era devido.
Devo declarar a V. Exa. e à Câmara que não conhecia a obrigação das prestações em Outubro e em Dezembro, e que só em meados de Dezembro é que recebi um telegrama do governador de Angola dizendo-me que transtornava a administração da província o facto de não ter recebido da firma Sousa Machado & C.a a prestação devida.
A resposta dada por mim ao governador de Angola foi a de que empregasse todos os meios legais para obrigar essa firma a pagar ao Estado, acautelando todos os interêsses da província.
O Orador: - Muito obrigado a V. Exa. pelo seu esclarecimento.
Quero também elucidar a Câmara de que o governador geral interino de Angola não tem nenhuma responsabilidade nos acordos com a firma Sousa Machado & C.a
O que digo é que desde 12 de Outubro que essa firma reviu a sua prestação.
O Govêrno de Angola ficou à espera que o sócio principal da firma consiga arranjar maneira de salvar a sua responsabilidade, e então pede-se ao Govêrno da metrópole autorização, a fim de não levar à falência a firma Sousa Machado & C.a para uma moratória. E, não sei com que propósito, pensou-se ao princípio que essa moratória se estendesse a todas as colónias.
Como nasceu esta idea da moratória para todas as colónias é uma cousa que me dá muito que pensar.
Peço desculpa de fazer uso destas minudências, mas não quero de modo nenhum que se julgue que faltei aos meus deveres de lealdade para com uma pessoa amiga. Até me prontifiquei a fornecer cópia de todos os documentos que possuísse, para o que pedi ao Sr. Ministro das Colónias que, uma vez regressado de Coimbra, me indicasse o dia em que nos devêssemos encontrar. Se os documentos não estão em poder de S. Exa., é porque nenhum aviso recebi, concluindo, portanto, que o Sr. Ministro não precisava dêles.
Um àparte do Sr. Ministro das Colónias, (Carlos de Vasconcelos).
O Orador: - Feita esta declaração, quero, realmente, analisar o pedido da moratória e quero, ao mesmo tempo, pedir aos juristas que estão dentro desta casa que me dêem uma lição de direito, visto que fiquei sèriamente embaraçado
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depois do que ouvi ao Sr. Ministro das Colónias.
Afirmou-me o Sr. Ministro que a moratória não podia abranger as dividas do Estado, tendo eu respondido que, então, acautelados estavam os interêsses do Estado se porventura, uma vez que essa moratória estava concedida para as relações internas de Angola, S. Exa. claramente dissesse, em telegrama para o governador geral, interino, da província, que tal disposição não se podia aplicar a essas dívidas.
Mas eu tive a curiosidade de interrogar alguns amigos meus que, embora não seja poços de sciência nesta matéria, alguma cousa, contudo, percebem do assunto e, além disso, são pessoas muito inteligentes, e êsses amigos disseram-me que a moratória abrangia, evidentemente, todos os actos de natureza comercial, provenientes de contratos feitos entre o Estado e particulares, do mesmo modo que os resultantes das relações apenas entre particulares. Disseram-me êsses amigos que a moratória não abrangia uma dívida que proviesse de impostos, de receitas fiscais, mas que a uma dívida resultante do um contrato comercial ela era aplicável.
Se isto é assim, toda a boa impressão com que fiquei quando o Sr. Ministro das Colónias me afirmou que a moratória não abrangia a firma Sousa Machado & C.a se esbarronda, ficando apenas de pé estas afirmações que resultam dos factos: - Primeira: fez-se em Angola, em 12 de Julho de 1924, um contrato ruinoso, prejudicando o Estado português em 5:000 ou 6:000 contos. - Segunda: como o credor relapso e impenitente não quisesse pagar, decretou-se uma moratória, de modo a êle estar à vontade até ao fim de Abril, arranjando as cousas no sentido de pagar quando entendesse.
Espero que o Sr. Ministro das Colónias desfaça a impressão que me resultou da consulta que fiz a vários amigos meus acêrca da extensão de uma moratória aplicada neste momento aos negócios internos de Angola, porque, se ela se aplica à firma Sousa Machado & C.a e não estão tomadas as mais enérgicas providências, então generalizo e digo: - Primeiro: pensou-se em levar a todas as colónias portuguesas uma moratória para servir Sousa Machado & C.a - Segundo: não se tendo conseguido isso em toda a sua generalidade, pensou-se em decretar uma moratória para todas as relações comerciais, internas ou externas, da província de Angola, para servir a mesma firma. - Terceiro: que, não se podendo atingir êsse objectivo, pela revolta legítima dos comerciantes da metrópole, então resolveu-se decretar a moratória apenas para as relações internas.
Há uma única cousa a fazer: é o Sr. Ministro das Colónias garantir-me que por ordem sua Sousa Machado & C.a está liquidando todas as suas contas com o Estado português. Se S. Exa. me dá esta resposta, dá-me uma resposta muito agradável como português.
Mas houve mais! Não foi êste o único contrato ruïnoso que se fez. Para V. Exas. verem o que foi a Falperra de Angola, vamos contar a história do contrato Galileu Correia & C.a que é também muito curioso.
Esta firma - e não se veja nestas minhas afirmações qualquer inimizade pessoal para com o chefe desta casa, com quem tenho as melhores relações, mas que não pesam, em nada, nas minhas opiniões - fez um contrato com o Govêrno de Angola, mas mais modesto: pensou apenas em se transformar num grande banqueiro, e assim aproveitou a estada de certa pessoa na direcção dos negócios de Angola, para realizar o seu objectivo. Fez, por conseqüência, um contrato análogo ao de Sousa Machado & C.a com o Govêrno de Angola e que diferia apenas dêste por ser mais modesto. O que diz êsse contrato? O seguinte:
Lê.
Portanto, a referida firma tinha de entregar 300.000$ e 300 libras anuais. O contrato é de 28 de Julho de 1923; mas, logo em 28 de Agosto do mesmo ano, quero dizer, volvido pouco mais de um mês, aparece uma nota da secretaria de finanças provincial dizendo que "a firma referida não tinha entregue aquilo a que se obrigara".
Efectivamente, esta firma, sendo mais esperta que Sousa Machado & C.a, e vendo que o negócio não era para ganhar, resolvera não cumprir a sua obrigação. A referida nota da Secretaria Provincial dizia o seguinte:
Leu.
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Em resposta a isto, a firma pede um prazo de mais dez dias, findo o qual entrega cambiais de 300 contos e mais 1:000 libras, que deseja lhe sejam pagas mais caro do que estava estipulado no contrato.
Mas mais: nestas 1:000 libras compreendia-se um cheque de 150 libras sôbre uma firma inglesa, o qual indo parar às mãos do Sr. Santos Lucas, agente geral de Angola em Londres, foi por êste pretendido descontar. Oiçamos o que diz êste senhor; diz o seguinte:
Leu.
O que quere isto dizer? A firma em questão tinha algumas libras compradas por preço inferior a 150$ nalguns Bancos, nos quais tinha uma tal cotação que, desde que não houvesse a soma exacta dessas libras os Bancos não pagariam o cheque. As pobres e amarguradas 1:000 libras que deviam ser entregues nem sequer ao menos foram pagas.
O contrato não se cumpriu; mas emquanto se andava nestas cousas a casa Galileu & C.a concebia outro negócio. E, para que V. Exas. possam compreender até que ponto ia nessa época a bajulação para com os poderes supremos da província, e aperceberem-se do que foi o destrambelhamento das pessoas e entidades que rodeavam essas autoridades, eu vou ler um trecho dessa carta:
Leu.
O que é que se propõe nesta carta, cujo conteúdo acabo de ler? Abrir um buraquinho ao fundo da Rua dos Fanqueiros, e nele depositar todas as disponibilidades da província de Angola. E, como havia fundos de reserva correspondentes aos depósitos feitos na Caixa Geral de Depósitos, êsses 1:200 contos seriam depositados nesse buraquinho. Além disso, depositar-se-iam aí também todos os restantes fundos de reserva, em prazos nunca inferiores a um ano, dos empréstimos que sucessivamente fôssem contraídos na metrópole.
Logo que se chegou a êste acordo veio um telegrama para Lisboa, dizendo ao Sr. Tomás Fernandes: "Deposite, pouco a pouco", e êste pouco a pouco representou para o Estado uma perda de cêrca de 300 contos - os 1:200 contos no fundo de reserva que está no Banco Nacional Ultramarino, na casa Galileu & C.a De facto, o Sr. Tomás Fernandes assim procedeu.
Mas na redacção final do contrato há qualquer cousa que é interessante ler. É que o Sr. Norton de Matos prometeu facilitar a execução do pensamento que movia toda esta operação e que daria maior amplitude à casa Galileu & C.a É dêste fundamento que nasço a idea da criação do Banco do Estado em Angola.
O que fez a firma Galileu? Tem na sua mão dois contratos. Um não cumpriu e o outro foi cumprido pelo Estado.
O Sr. Crispiniano Soares disse o seguinte:
Leu.
Depois de tudo isto o Sr. Crispiniano Soares vem dizer que a casa Galileu Correia é um anjo.
Leu.
O que a casa Galileu Correia tinha a fazer, se não lhe convinha, era não pagar.
Depois apareceu a seguinte contradição:
Leu.
"Confiança no Govêrno". Com um grande ponto de exclamação.
Continuou lendo.
Êste director, chefe e secretário do encarregado do Govêrno, conseguiu ver aprovado por unanimidade pelo conselho do Govêrno, êste parecer.
Isto custou o melhor de 276 contos.
Eu convido o Sr. Ministro das Colónias a dizer se a casa Galileu entregou qualquer importância.
Por fim determinou-se que os 1:200 contos fôssem pagos em moeda de Angola que tinha 23 por cento de depreciação.
É preciso que vá alguém governar para Angola; ou falo desafogadamente, pois todos sabem que não aceito êsse lugar.
É preciso uma mão de ferro para bem administrar os dinheiros do Estado.
Outros casos houve que não chegaram a bom termo.
Mas meus senhores eu não vim aqui levantar uma questão escandalosa: vim levantá--la para que a província receba o que se lhe deve, isto é 15:000 contos.
Nós que estamos aqui a sacrificar o contribuinte, a violentá-lo, a arrancar-lhe a pele, não podemos continuar a arrancar a pele ao contribuinte da metrópole, para fazer dêle um tapete a que o Sr. Sousa
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Machado & C.a ou quaisquer outros limpem as botas quando forem para a cama.
Apoiados.
Têm de ser defendidos os dinheiros do Estado honradamente pelos governantes.
Apoiados.
O que foi transviado tem que ser trazido à posse do Estado.
Apoiados.
Antes disso deverá investigar-se se qualquer operação da tesouraria deverá confiar-se a qualquer personagem que nos bata a porta. 23:000 contos, 29:000 contos para fazer dêles o que quiser, para gastá-los à sua vontade, não pode ser.
O Código Penal tem o dever de acautelar os dinheiros do Estado e a sua aplicação.
Isto representa da parte das entidades que governam um intuito condenável, e da parte do contratante um propósito manifesto de burla.
Há a tentativa de lesar os interêsses do Estado servindo os interêsses de Sousa Machado & C.a
Tudo isto não parece razoável e honesto, pedir dinheiro para se não exigir a restituïção.
Sôbre o caso Sousa Machado tenho opinião formada que transformei numa moção que apresento à Câmara para que se não diga que não tenho a coragem de transformar a minha opinião num documento e que tenho o inconfessável propósito de baralhar tudo, mas metê-lo dentro da ordem.
É a seguinte:
Moção
Considerando que o suposto contrato, realizado em 9 de Julho de 1923 entre o Govêrno Geral de Angola e a firma Sousa Machado e C.a, encerra elementos constitutivos dum facto previsto e punido pelo Código Penal;
Considerando que, na vigência da mesma suposta operação comercial, uma das partes declara falsamente a existência de mercadorias a que tinham sempre de corresponder os saques emitidos:
É considerando que, na chamada liquidação de 12 de Junho de 1924 do mesmo suposto contrato aparecem indícios certos, concorrentes e simultâneos doutros factos declarados puníveis pela lei penal:
A Câmara resolve entregar o caso ao Poder Judicial, a fim dêste, sem prejuízo da subsequente reparação moral, proceder à apreensão pura e simples da importância ou dos valores correspondentes à importância defraudada para integral reparação dos prejuízos causados ao Estado.
Sala das Sessões, 2 de Janeiro de 1925. - Cunha Leal
Antes de terminar quero apenas dizer uma cousa.
Não tinha detalhes tam exactos antes de ir à África.
Um dia levantei esta questão no Parlamento, porque tinham chegado notícias ao meu conhecimento.
Os Ministros das Colónias não me atenderam, e, em resposta às minhas afirmações, veio de Loanda um telegrama desmentindo categòricamente as afirmações que produzira no Parlamento.
Quando aqui se travou um debate sobre a acção do Alto Comissário de Angola tive ocasião de salientar a acção prejudicial de alguns elementos.
Só procedi no uso legítimo dum direito de defesa dos interêsses de que é devido ao Estado.
Quando pretenderem insultar-me, não me insultem com o dinheiro do Estado, a tanto por linha, mas com o próprio dinheiro.
Apoiados.
Deve pagar-se ao Estado o que se lhe deve e compelir cada um a cumprir as suas obrigações para com o Estado.
Já tivemos os Transportes Maritimos, e agora a questão de África.
Sr. Presidente: espero ouvir da bôca do Sr. Ministro das Colónias palavras tranquilizadoras e fico fazendo votos para que desta questão S. Exa. saia prestigiado porque, se S. Exa. sair prestigiado, também os interêsses do Estado ficarão defendidos e eu não desejo outra cousa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida e admitida em discussão a moção.
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos de Vasconcelos): - Sr. Presidente: vou sossegar o espírito do Sr. Cunha Leal, dizendo à Câmara e a S. Exa. que não há moratórias em Angola.
Referiu-se S. Exa. à velha questão de
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Angola, versando os assuntos administrativos, e apresentou dois contratos feitos com a firma Sousa Machado em que S. Exa. demonstrou haver prejuízos graves para o País.
Tenho a dizer à Câmara que existe nas comissões uma proposta de lei, da minha autoria, propondo a nomeação de uma comissão de inquérito à administração colonial abrangendo todos os actos praticados em Angola. Resolvam os Srs. Deputados e eu limitar-me hei a cumprir as determinações da Câmara.
Sôbre a questão Sousa Machado devo dizer que poucos dias depois da minha posse tive conhecimento de que essa firma não tinha pago uma das prestações e enviei ao governador geral o seguinte telegrama:
Leu.
A resposta foi esta:
Leu.
Recebi um telegrama da Associação Comercial de Loanda, que diz o seguinte:
Leu.
Ao mesmo tempo recebi o telegrama n.° 2:108 do governador geral que diz o seguinte:
Leu.
Pensando nos graves prejuízos que poderia trazer essa moratória quis ouvir as casas interessadas de Lisboa e Pôrto.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - V. Exa. poderia ter a amabilidade de nos ler os telegramas que enviou para Angola?
O Orador: - Eu estou lendo os telegramas pela ordem que foram expedidos e recebidos.
O telegrama n.° 2:108 é o inicial e tem a data de 31 de Dezembro e posso garantir a V. Exa. que não houve da parte do Ministério das Colónias a mais pequena insinuação para moratórias.
No dia 4 recebi outro telegrama:
Leu.
Mais tarde recebi um telegrama do governador de Angola dizendo que, em virtude das restrições da metrópole, achava melhor não apresentar o projecto no Conselho Legislativo.
Tive informações acêrca dos valores da casa Sousa Machado e imediatamente telegrafei indicando as verbas.
Telegrafei logo ao governador geral pedindo que averiguasse da existência de quaisquer bens. Ainda não tive resposta.
Também direi que recebi da casa Sousa Machado & Ca. uma proposta para liquidação da dívida ao Estado.
Comuniquei essa proposta ao Sr. governador geral de Angola, perguntando-lhe se as garantias que aquela firma oferecia eram suficientes para acautelar os interêsses nacionais.
Quanto a Galileu Correia a sua dívida é de 75.000$.
O Banco Colonial devo ainda 3:000 contos.
Em poucos dias deverá entrar com 1:500 contos, e daqui a certo prazo entregará os restantes 1:500 contos.
O governador geral informou que aquele Banco está financiando as obras do pôrto e a reconstrução dos caminhos de ferro. Está auxiliando a província, pagando ao mesmo tempo a sua dívida.
Creio ter posto o Sr. Cunha Leal ao facto do que se tem passado no assunto referente às dívidas de Angola.
Não posso apurar as responsabilidades dos que entraram nessas operações, algumas mal feitas, mas nas atribuïções da Câmara está o ordenar o devido apuramento e eu cumprirei o voto da Câmara.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: pelas palavras do Sr. Ministro das Colónias, podemos tirar conclusões, tanto no sentido de estabelecer a moralidade do caso, como ainda no sentido de acautelar o futuro.
Prova-se que a Associação Comercial de Loanda apresentou as suas queixas contra determinadas entidades, mas não mandou pedir de lá nenhuma moratória, nem os comerciantes de Lisboa com negócios em Angola a pediram e antes foram junto do Ministro protestar contra ela.
Prova-se também que a moratória foi pedida apenas pelo Conselho Executivo de Angola e que tanto em vista se tinha proteger exclusivamente a firma Sousa Machado & C.a que, no dia em que o Mi-
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nistro mandou dizer para Angola que essa moratória não poderia abranger quaisquer dívidas do Estado, se declarava que essa moratória era inútil.
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos Vasconcelos): - Disseram de Angola que com as restrições impostas pelo Govêrno da metrópole não a achavam conveniente.
O Orador: - Já não servia porque não abrangia as dívidas de Sousa Machado & C.ª ao Estado.
Quem quiser tirar outra conclusão é muito inocente ou muito ingénuo.
Postas assim as cousas, resta recomendar ao Sr. Ministro muito cuidado com a liquidação.
A primeira fase do assunto é constituída por um negócio ruinoso para o Estado; a segunda fase foi fazer-se um projecto de liquidação ruinosa; a terceira fase vai ser, possivelmente, o complemento das anteriores, aceitando valores que não tenham porventura uma valorização real, equivalente àquilo por que venham a ser
aceites.
Está aqui quem sabe que a um dos actuais Ministros alguém garantiu que os célebres silos da casa Sousa Machado & C.ª estariam prontos a funcionar em Fevereiro.
Pelo que sei quando passei no Lobito e pelo que ouvi do engenheiro encarregado da montagem, que disse que se vinha embora, porque só daqui a sete ou nove meses poderia iniciar a montagem, posso afirmar que aquela indicação feita ao Ministro é falsa.
Se o Estado aceitar êsses silos para garantia, há-de verificar: primeiro, a correspondência comercial que diga estarem êsses silos comprados; segundo, a correspondência comercial que diga que estão pagos; terceiro, o local onde se encontram, para ver se estão em terra portuguesa.
Todo o cuidado com a liquidação, Sr. Ministro das Colónias!
Liquide bem e liquide com justiça, castigando os prevaricadores.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carneiro Franco: - Sr. Presidente: ouvi com a maior atenção as considerações que acabam de fazer os Srs. Cunha Leal e Ministro das Colónias.
Delas concluí que várias firmas e casas bancárias da província de Angola deixaram de satisfazer as suas dívidas.
O Sr. Cunha Leal, em seguida às suas considerações, apresentou uma moção que se não refere propriamente ao assunto do seu negócio urgente, mas sobretudo a um suposto contrato de 20 de Julho de 1924.
Como Deputado por Angola, eu não posso deixar de apoiar as palavras do ilustre Deputado, quando S. Exa. aponta a necessidade que o Estado tem de fazer entrar nos cofres da província os dinheiros que lhes são devidos.
Tem sido sempre essa a minha opinião não só pelo que diz respeito às dividas da província de Angola, mas ainda, e de um modo geral, em relação a todas as dívidas ao Estado português.
Apoiados.
E preciso não esquecer essas dívidas, como parece suceder, não obstante o assunto ter sido já aqui largamente debatido.
Apoiados.
Qualquer Govêrno que procure agir no sentido de fazer com que ao Estado sejam pagas as quantias que lhe são devidas terá o meu mais caloroso aplauso.
Em todo o caso devo declarar que não posso votar a moção do Sr. Cunha Leal, muito embora preste toda a justiça às suas boas intenções.
Essa moção refere-se a um contrato que eu não conheço, a supostos crimes que ignoro, e nestes termos eu não posso, evidentemente, comprometer o meu voto na aprovação de um documento que diz respeito a factos por mim desconhecidos.
O Sr. Cunha Leal: - Mas a minha moção entrega o caso ao Poder Judicial.
O Orador: - Mas V. Exa. fala tambem em casos puníveis pelo Código Penal.
Como posso eu considerá-los, se os desconheço?
O Sr. Cunha Leal: - Mas se a Câmara seguir o critério de V. Exa., não receie que lá fora se diga que nós não queremos que êsses casos sejam esclarecidos pelo Poder Judicial?
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O Orador: - O Sr. Ministro das Colónias tem a autoridade bastante para fazer cumprir os contratos o para remeter ao Poder Judicial aqueles que não quiseram cumpri-los...
O Sr. Cunha Leal: - O que digo ó o seguinte: é que há mais de sete meses que os Governos estão avisados por mim do que se ia passar.
Já tive tempo de ir a África e voltar, e até agora o Govêrno ainda não está habilitado com nenhuma peça do processo.
O Orador: - Eu não tenho culpa de a Câmara não estar habilitada; quanto ao Govêrno, a culpa é dêle, se não está.
O Sr. Cunha Leal: - Não está, nem quere estar!
O Orador: - Eu por mim tenho muita vontade de o estar.
Sr. Presidente: de maneira alguma eu quero impedir que toda a luz se faça sôbre êste contrato, suposto criminoso pelo Sr. Cunha Leal; mas de maneira alguma eu quero julgar cousas que não conheço.
Nestes termos, vou enviar para a Mesa a seguinte
Moção
A Câmara, tendo ouvido as informações prestadas pelo Sr. Cunha Leal, bem como as fornecidas pelo Sr. Ministro, confia que o Govêrno proceda de forma a fazer entrar nos cofres do Estado as quantias que lhe são devidas, adoptando para o efeito os necessários e legais procedimentos. - Carneiro Franco.
É lida e admitida.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Portugal Darão (para um requerimento): - Requeiro a prioridade para a votação da moção do Sr. Carneiro Franco.
O Sr. Presidente: - Como há ainda outro Sr. Deputado que pediu a palavra, só depois porei à votação da Câmara o requerimento de V. Exa.
O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: mais uma vez ouvimos na Câmara fazerem-se revelações sensacionalíssimas que representam, segundo o depoimento do Sr. Cnnha Leal, um verdadeiro escândalo a juntar a tantos outros que se tem dado na província de Angola, sem querer neste momento falar nos da metrópole.
E S. Exa. teve uma afirmação que, na verdade muito honra quem a faz, porquanto, apesar do se manter ainda doutro dum critério republicano, S. Exa. declarou que era daqueles que ao dia em que se convencesse do que a administração da República, só podia continuar a sor uma some de Transportes Marítimos, êle, pelo menos, quando só não revoltasse, não continuaria a sancionar esta série do escândalos que caracterizem o regime republicano.
E, realmente, esta declaração um pouco diversa daquelas que costuma fazer a maior parte dos republicanos, se bem que ainda denote da parte de S. Exa. uma extraordinária paciência, porventura pouco compatível com o seu temperamento o pouco própria dum espírito tam inteligente como o seu, se não fôsse a paixão política a dominá-lo.
Na verdade, quem é que pode ainda supor que a República pode deixar de ser esta série de escândalos idênticos aos dos Transportes Marítimos do Estado?!
Sr. Presidente: ouvimos a exposição do Sr. Cunha Leal com toda a atenção, mas porque não tivemos ainda o ensejo de consultar o contrato a que S. Exa. se refere na sua moção, sem quebra alguma do respeito que temos pelo seu testemunho e pelo seu talento, nós, no emtanto, não podemos de forma alguma pronunciarmo-nos tam concretamente como desejávamos sôbre um caso que não tivemos ainda tempo do estudar.
Mas, Sr. Presidente, são tam graves as afirmações feitas pelo Sr. Cunha Leal, e tam razoável o princípio que êle marca na sua moção, que não podemos deforma nenhuma deixar de a votar, não tendo o nosso voto outro significado que não seja que é o Poder Judicial a quem compete apreciar esta questão.
Sr. Presidente: não nos podemos pronunciar de outra forma, porque não conhecemos o fundo da questão, mas devo acrescentar que não nos dispensamos de a estudar detalhadamente.
Quanto à moção do Sr. Carneiro Franco, não a podemos votar, porque ela representa uma moção de confiança, e nós,
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dêste lado da Câmara, não votamos nenhuma moção de confiança a êste ou a qualquer outro Govêrno.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos de Vasconcelos): - Sr. Presidente: ainda duas palavras relativamente à questão Sousa Machado & C.ª
Quando mandei apreender os armazéns de secagem, para verificar qual o estado da casa, fui informado de que um grupo rival de Sousa Machado procurava levá-lo a ceder-lhe êsses armazéns. Pouco depois, tive conhecimento, pelas próprias declarações de Sousa Machado, que tinha 100:000 libras de café, e mais 7:000 contos em mercadoria diversa, pelo que, imediatamente chamei a atenção do governador para êsse facto.
Quanto às moções, devo dizer à Câmara que aceito plenamente a moção apresentada pelo Sr. Carneiro Franco, porque embora não haja todos os elementos precisos para nos pronunciarmos sôbre a criminalidade dos factos praticados, se essa moção fôr aprovada, os votos do Sr. Cunha Leal serão cumpridos.
Dentro de breves dias, deve partir para Angola um juiz da Relação ou do Supremo para proceder a uma sindicância aos serviços judiciais de Angola, e com certeza a escolha há-de recair em pessoa que possa exercer a sua acção de uma forma profícua.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente; quero salientar mais uma vez que, se se tratasse de ferir com factos falsos a honra de qualquer político, assoalhada por aí fora, não teriam decorrido 9 ou 10 meses sôbre o levantar a questão no Parlamento sem que o Govêrno se tivesse prevenido dos necessários elementos.
Há muito tempo que os Governos estão avisados. Foram avisados antes do contrato de Julho de 1924, mas não quiseram intervir.
São avisados agora, e é possível que a sua intervenção seja muito profícua.
Porém, o que verifico é que as informações do Sr. Ministro são fornecidas por Sousa Machado, que diz ter 100:000 libras de café e 7:000 contos em mercadoria diversa, e em Fevereiro começam a funcionar os silos.
Portanto, estamos em presença de uma pessoa que diz demais, ao passo que as autoridades dizem de menos.
Não sei se V. Exas. têm ou não elementos para apreciar. Visto que a minha intervenção aqui resulta estéril, inútil, que os fautores da desordem de Angola continuarão a ser premiados, que os desorganizadores daquela nossa província ultramarina continuarão a ser considerados como grandes homens, dando-se a uns, como prémio, embaixadas, e a outros, porventura, o capitólio comercial, restar-
-me-há um recurso.
É preciso que o país conheça a verdade. Não terão V. Exas. elementos para apreciar, mas há-de tê-los o país, que, visto a sua Câmara dos Deputados, por culpa dos Governos, não conseguir êsses elementos, há-de julgar os interventores nestas operações, assim como nos há-de julgar a todos nós pela nossa falta de cuidado na pesquisa de verdadeiros criminosos.
Ao passo que em certos casos se salta por cima da lei para vexar, para ferir a honra de cada um, como ainda há pouco na questão dos Transportes Marítimos do Estado, em que um pobre chefe de contabilidade foi preso sob o pretexto de que sabia que certo indivíduo não era comerciante, tendo tido de prestar uma fiança de 10.000$, que lhe foi arbitrada, quando se trata do potentados todo o cuidado é pouco para não os ferir.
Nestas circunstâncias, não me interesso mais pela sorte da minha moção e vou retirá-la. Fica de pé a moção de confiança dada pelo Sr. Carneiro Franco ao Go-vêrno a propósito desta questão. Verifica-se que há o intuito do estabelecer uma moratória.
O Sr. Carneiro Franco (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?
Quando soube que se pensava numa moratória telegrafei ao Sr. Ministro das Colónias, protestando energicamente contra ela, por a julgar lesiva dos interêsses do comércio honesto de Angola.
O Orador: - Não estou aqui a atacar o Sr. Ministro das Colónias, a cujo ca-
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rácter presto a minha homenagem. Estou apenas dizendo que por ora o único acto que S. Exa. praticou, acautelando os interêsses do Estado, foi o envio para Angola do seu telegrama dizendo que a moratória não abrangia Sousa Machado & Ca. Uma das pessoas que lhe aconselharam êsse acto fui eu, com a certeza absoluta de que a moratória não era precisa para nada.
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos de Vasconcelos) (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?
Mesmo antes de V. Exa. me falar no facto de a moratória abranger as dívidas ao Estado já eu tinha dado ordens terminantes ao governador geral, interino, de Angola para acautelar os interêsses do Estado.
De resto, o Govêrno da província tinha elementos suficientes para o aconselhar a defender êsses interêsses. E deixe-me V. Exa. dizer que, se em tais condições os não acautelasse, é porque procedia de má fé.
Posso também garantir a V. Exa. que em breves dias partirá para Angola outro governador geral ou outro Alto Comissário.
O Orador: - Sr. Presidente: não percebo a indignação do Sr. Ministro das Colónias perante uma pessoa que tam pacífica se mostra para com S. Exa. e que levou a sua lealdade para com um Ministro, que não é seu correligionário, a ponto que me parece terem talvez excedido as marcas do que era legítimo esperar dum adversário político, mas que deixaram satisfeita a minha consciência, que, no fundo, não queria senão prestigiar a dignidade de Angola. Mas eu sinto que andamos à volta duma cousa. Todos os dias os factos irregulares estoiram. V. Exas. não querem tocar na questão porque a questão queima. Porque queima não sei.
Sr. Presidente: peço licença para retirar a minha moção.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - O Sr. Cunha Leal pediu licença para retirar a moção que apresentou.
Os Srs. Deputados que autorizam queiram levantar-se.
Foi autorizado.
O Sr. Carneiro Franco: - Sr. Presidente: peço também a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se me autoriza a retirar a minha moção.
Consultada a Câmara, foi S. Exa. autorizado.
O Sr. Presidente: - Como não há nenhum Sr. Deputado inscrito para o período de "antes de se encerrar a sessão", vou encerrar os trabalhos.
A próxima sessão é amanhã, 13, à hora regimental, com a mesma ordem de trabalhos que estava dada para hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Projecto de lei
Do Sr. Deputado João de Ornelas da Silva, modificando o artigo 1.° da lei n.° 1:697, de 16 de Dezembro de 1924.
Para o "Diário do Govêrno".
Propostas de lei
Do Sr. Ministro da Agricultura, mandando entrar no domínio do Estado, por utilidade pública e urgente, os quinhões de terras pousias, nos concelhos cuja população em 1920 seja inferior a quarenta habitantes por quilómetro quadrado.
Para o "Diário do Govêrno".
Do Sr. Ministro da Guerra, substituindo o artigo 10.° do decreto n.° 7:823, de 23 de Novembro de 1921.
Para o "Diário do Govêrno".
Do mesmo, dispensando do pagamento da taxa militar os indivíduos que, tendo prestado serviço de campanha em França ou África por mais de um ano, foram julgados incapazes do serviço militar.
Para o "Diário do Govêrno".
Do mesmo, mandando inscrever no orçamento do corrente ano a quantia de
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250.000$, sob a rubrica "Transporte de deportados".
Para o Diário do Govêrno.
Do mesmo, reforçando com 100.000$ a verba descrita no orçamento do Ministério da Guerra para despesas com o "Recrutamento e revistas de inspecção".
Para o "Diário do Govêrno".
Do mesmo, mandando inscrever no orçamento de 1924-1925 a. verba de 1:800.000$ sob a epígrafe "Para pagamento de material aeronáutico ao Governo Francês no valor de fra. 1.557.964,73".
Para o "Diário do Govêrno".
Do mesmo, abrindo um crédito de 200.000$ para "Despesas com as sepulturas de guerra na França e Bélgica".
Para o "Diário do Govêrno".
Do mesmo, abrindo um crédito de 3:269.500$ para refôrço de verbas constantes do mapa junto a esta proposta.
Para o "Diário do Govêrno".
O REDACTOR - Herculano Nunes.
Discursos proferidos na sessão n.º 4, de 5 de Dezembro de 1924, e agora integralmente publicados
O Sr. Nuno Simões: - Sr. Presidente: o Sr. Agatão Lança, que é um ilustre marinheiro, teve uma excelente idea. Foram justíssimas as palavras que proferiu e deram à Câmara ensejo de manifestar as suas homenagens à memória de uma das mais altas figuras da nossa marinha e da nossa história.
Conheci pessoalmente Carvalho Araújo. O exemplo nobilíssimo que o seu carácter afirmou, e deu a todos nós, nas horas em que foi necessário pôr de lado a idea da sua vida para servir a Pátria, bem merece que ao votarmos o projecto que se discuta, tam justo como oportuno, nesta hora de desânimos e desfalecimentos, o façamos com o orgulho de uma Câmara, que é constituída por portugueses, e na sua grande parte por republicanos. Carvalho Araújo foi das mais altas figuras da Pátria, mas foi também um dos Cultos mais nobres da República. Foi-o pela sua isenção, pelo seu espírito de sacrifício, que lhe permitiram poder dizer por vezes, com justiça, que não era esta a República que havia sonhado.
A Carvalho de Araújo nunca ouvi e dêle nunca li senão palavras do mais alto civismo, senão as palavras que se impõem por nas horas do perigo, afirmarem os caracteres fortes e impecáveis dos que dignificam uma Pátria e um regime.
Associo-me com todo o entusiasmo e orgulho, como Deputado que sou por Trás-os-
-Montes, ao projecto em discussão, projecto que visa, de resto, a reatar uma tradição que honra todos os povos o todos os regimes, fortes, o de honrar as suas figuras, aquelas que os perpectuam para a História e para a glória.
Tenho dito.
O Sr. Nuno Simões: - Sr. Presidente: entro neste debate político sem qualquer espécie de constrangimento. A minha qualidade de Deputado independente podia, é certo, restringir um pouco o direito regimental de me pronunciar sôbre um programa do Govêrno. Neste momento, porém, e depois de terem tomado parte na sua discussão tantos Deputados da maioria parlamentar e do Partido Democrático que falaram em seu nome pessoal, suponho que me é lícito falar, também, nas mesmas circunstâncias e tanto mais que nenhuma disciplina partidária limita a minha iniciativa.
Vai longo, Sr. Presidente, êste debate acentuadamente político até pela razão de ter sido relegada para segundo plano a apreciação dos propósitos administrativos do Govêrno. Não é meu desejo fazer com que êle se arraste por muito tempo, mas
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a verdade é que, trazidos à tela da discussão determinados aspectos políticos, eu não quero, também, deixar de lhes fazer referência.
Antes, porém, de o fazer, dirijo, com todo o prazer, ao chefe do Govêrno e aos colaboradores os meus melhores cumprimentos. Antigo colega de Ministério do Sr. José Domingues dos Santos não posso esquecer a lealdade, a correcção impecável com que S. Exa. lidou sempre com quantos foram colaboradores do Sr. Álvaro de Castro. Mas além dessas boas relações de camaradagem, eu tenho com S. Exa. velhas relações de amizade, que bastam para me obrigar a falar-lhe, neste momento, com toda a sinceridade.
Fazem de resto parte do Govêrno pessoas que são velhos camaradas meus, outros meus amigos pessoais e outros ainda que eu de há muito me habituei a admirar pela sua inteligência como doutrinadores económicos ou sociais.
A todos cumprimento igualmente.
Pôsto isto, vamos agora a analisar os antecedentes políticos do actual Govêrno.
Quando o Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar trouxe à Câmara o seu relatório por êle próprio chamado "Declaração Ministerial", tive ocasião de tomar uma atitude que, sem poder classificar-se de corajosa, foi, sem dúvida, desassombrada por ter sido assumida num momento em que circunstâncias várias obrigavam os amigos e os seus adversários a fazer sôbre êle o mais fechado silêncio. Apreciei então as questões que no relatório governativo mais me interessavam como Deputado que, não tendo quaisquer restrições partidárias, aqui não defende também outros interêsses que não sejam os interêsses gerais da Pátria.
Foi a minha atitude muito comentada e o Sr. António Maria da Silva foi até ao ponto de considerar estranha a atitude daqueles que, no entender de S. Exa., pretenderam enxertar um debate político na apreciação de um simples relatório ministerial.
Verificou se depois que não havia necessidade sequer dêsse debate político para derrubar o Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar, já que êste foi derrubado sem se aguardar ao menos o desfecho do que eu tivera a honra de iniciar.
A queda do gabinete Rodrigues Gaspar deu-se num outro e singular debate que a Câmara não esqueceu ainda.
Mas êsse debate não me interessa senão sob o ponto de vista nacional e republicano. È é sob êste ponto do vista que considero lamentável que tam fundas dissidências do Partido Democrático venham dando origem ao espectáculo a que temos assistido, espectáculo, que não pelas pessoas, mas pelas consequências que tem, pouco prestígia a República e utiliza ao País.
O Sr. António Maria da Silva, numa crueza que a sua inteligência não justifica, fez, a propósito da discussão do relatório Rodrigues Gaspar e da oposição que lhe era feita pelos próprios correligionários do chefe do Govêrno de então, alusões ao "capoeirismo" dos que pretendiam derrubá-lo.
Já, então, disse que não compreendia êsse vocábulo adentro das praxes parlamentares e até das relações entre correligionários e que menos do que nos dicionários do calão brasileiro, havia que buscar-lhe significado na luta de galos que dentro do Partido Democrático se travou, luta a que ontem aludiu o Sr. Cunha Leal pondo em foco as ambições que norteiam os candidatos a chefes dêsse partido.
Mas as ambições não são sòmente dos galos.
Têm-nas também as raposas; e se há que completar o quadro não haverá que contar com elas para fazer os galos recolher à capoeira? As raposas afastar-se-iam.
O Sr. Cunha Leal (em àparte): - Ficam os raposões!
O Orador: - Não ficariam os raposões porque já se ouve ao longe o latido da matilha que não deixará em paz nem raposas nem raposões.
Mas o Govêrno Rodrigues Gaspar caiu. Não com o meu voto.
Se votei a moção do Sr. António Maria da Silva foi porque entendi que era um péssimo precedente o que se abria fazendo cair o Sr. Rodrigues Gaspar sôbre uma questão em que não devia cair e sob um pretexto que nem legal, nem parlamentarmente era de aceitar e que
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para os correligionários do Sr. Rodrigues Gaspar que o aceitaram não pode deixar de constituir um êrro político.
Agora o que me interessa não é porém cuidar do passado, é ajudar a fazer melhor o presente, é apreciar os propósitos do novo Govêrno. Já aqui foi dito que o programa do Govêrno é um programa que toda a gente pode aceitar.
Como não entro em conchavos políticos e o que me interessa são as necessidades do País, só essas merecem o meu cuidado e o meu estudo. Como o fiz com o rela-tório Rodrigues Gaspar, como o tenho feito na apresentação de outros Governos, vou referir-mo a alguns pontos da declaração ministerial e começo por apreciar a aspiração que o Govêrno diz ter acêrca de estabelecer o regime de vencimentos-
ouro aos funcionários públicos e da tentativa de aproximação do Orçamento de 1914.
Será na verdade muito interessante que o Sr. Ministro das Finanças possa conduzir as cousas de modo que, todos recebendo tanto como em 1914, ninguém pague mais do que pagava então.
Lembro em todo o caso ao Govêrno que os encargos da dívida aumentaram de então para cá enormemente e que depois de 1919 os quadros do funcionalismo foram consideràvelmente alargados. Pode o Govêrno tendo-o em consideração manter o seu propósito da declaração ministerial?
O Govêrno pronuncia-se em seguida pelo equilíbrio orçamental, e declara que não aumentará em caso algum a circulação fiduciária qualquer que seja o seu destino e justificação.
Desejo chamar a atenção do Govêrno para a "mentira convencional" que em matéria de finanças se tem propagado, e que só pode redundar em prejuízo do Estado e da economia pública.
Lamentàvelmente se criou o conceito de que a circulação fiduciária é apenas o volume e o número de notas em circulação.
Deve ser por isso que neste momento talvez tenha escapado à atenção de muitas pessoas muito experientes e conhecedoras de assuntos financeiros que o valor da circulação fiduciária pela simples modificação de divisa cambial nos últimos três meses aumentou consideràvelmente.
Passou de 51:000 contos-ouro para 76:000 contos-ouro, nada menos.
Ora se êste facto pode parecer sem interêsse para as pessoas que se habituaram a supor que a circulação fiduciária é apenas o volume e o número das notas, não pode passar despercebido a um Ministro das Finanças que se propõe desassombra- damente resolver uma situação financeira que tanto para o Estado como para a economia particular se tem traduzido sòmente em dificuldades das maiores, começando já a atingir dificuldades insuperáveis para a maior parte das fôrças produtoras do País.
O Govêrno propõe só fazer a estabilização do papel-moeda.
Suponho que em todos os países em circunstâncias idênticas às nossas êsse é hoje o programa seguido e à custa de todos os sacrifícios realizados.
O antecessor do Sr. Pestana Júnior pensava diferentemente, ou se não pensava, escrevia e dizia diferentemente.
Por certo o Sr. Ministro das Finanças tem conhecimento de uma carta em que o Sr. Daniel Rodrigues se propunha fazer a estabilização do esterlino. Nada menos. A estabilização do esterlino! Muito nos devem a Inglaterra e a sua finança. Sobretudo muito devem à boa vontade do Sr. Daniel Rodrigues.
Vítima de tais "mentiras convencionais" e imbuído delas até o ponto que acabo de destacar o Govêrno anterior fez afirmações graves, infundamentadas e insubsistentes que é necessário esclarecer e corrigir.
O relatório ministerial do Govêrno Rodrigues Gaspar procurou, por exemplo, estabelecer a relação entre o deficit orçamental e a circulação fiduciária por um lado, e entre o montante da circulação fiduciária e as divisas cambiais por outro.
Nem uma nem outra relação existem com definição perfeita e absoluta.
Basta citar à Câmara factos e números que são do conhecimento de todos certa-mente e que demonstram que a sciência financeira do antecessor do Sr. Pestana Júnior, se o não colocou na situação de ter de repudiar uma obra cambial que mais pelas circunstâncias, pela fôrça das circunstâncias do que pelo seu esfôrço pessoal tem dado os resultados que aí estão patentes, colocou na situação de não
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poder defendê-la, pelo menos, com consciência.
Tenho aqui à mão números que bastam para demonstrar o que afirmei.
Sirvo-me do relatório do Sr. Pina Lopes, apresentado à Câmara dos Deputados e que se baseou no relatório sôbre a nossa situação financeira enviado à Conferência da Paz.
Dêsse relatório tiro números em relação a gerências com saldos positivos e negativos verificados, sem qualquer relação com o câmbio mínimo que também vou ler:
[ver tabela na imagem]
Quanto à relação que procura estabelecer-se entre o montante da circulação e o valor da moeda vou ler também alguns números concludentes. Encontro-os nas propostas da Fazenda de Ressano Garcia no estudo do professor Oliveira Salazar "O ágio do ouro" e no referido relatório Pina Lopes.
São os seguintes:
[ver tabela na imagem]
Onde está então a relação absoluta e exacta que procurou estabelecer-se? Onde?
E porque a não há, a que vem a referência, da declaração do Ministério José Domingues dos Santos à "desproporção actual entre a circulação fiduciária e as cotações cambiais"?
Como também não compreende nem justifica a referência à "estabilização do pa-pel-moeda no ponto que mais convenha ao Tesouro e que melhor se adapte às condições económicas e financeiras do País".
Mas como se chega a êsse ponto?
Que elementos possui o Govêrno para o definir?
E o que é nesse caso a conveniência do Tesouro e a melhor adaptação às condições económicas e financeiras do País?
Coincide essa conveniência com essa adaptação? Eis o que importa averiguar.
Realizar uma acção financeira que o País possa apoiar com entusiasmo é bom; mas é mais fácil do que realizar e justificar uma obra que o País possa aplaudir com consciência, com tranquilidade e com confiança.
E estas não se conseguem com frases vazias de sentido como a que acabei de ler no programa do Govêrno e que é uma sobrevivência do relatório do Govêrno Ro-drigues Gaspar.
Dizia nele o Sr. Daniel Rodrigues que fizera um estudo meticuloso da situação económico-financeira e por êle reconhecera a anómala e artificial desvalorização do escudo. Mas que estudo? Com que dados? Com que estatísticas? Com que inquéritos? Com os mesmos que têm o actual Govêrno, com os mesmos que tinham os anteriores.
Averiguou o Govêrno, tinha meio de o fazer porventura, a quanto montam as verbas do activo da nossa balança de pagamentos que não entraram no País?
A quanto sobe o montante da dívida pública?
Nada disto disse o Govêrno Rodrigues Gaspar, nada disto diz o Govêrno do Sr. José Domingues dos Santos que lhe continua a acção financeira, que promete prosseguir nela.
E porque nada diz, não é fácil prever as conseqüências exactas de um estado de cousas cuja justificação os próprios que se arvoram em seus autores não sabem fazer.
Pouco me importa que a minha curiosidade e o meu scepticismo até possam ser mal interpretados pelos partidários à outrance da obra financeira que se vem realizando.
Prefiro poder falar com inteligência a ter de falar apenas com entusiasmo.
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Desejaria que continuasse na pasta das Finanças o Sr. Daniel Rodrigues para que levasse a sua obra até o fim, mas sofresse também as conseqüências da sua capacidade financeira.
Esta que lhe não permitiu dar senão as ingénuas explicações do relatório a que me estou referindo, não lhe consentiu ao menos dizer o resultado dos novos impostos e em que condições estamos quanto ao limite da capacidade tributária que se dá como atingido.
O Govêrno limitou-se a dizer que não eram precisos mais impostos e o que era necessário era cobrá-los melhor.
O pouco que o Govêrno diz neste e noutros assuntos é suprido pelas confissões que faz a respeito da melhoria cambial, não obstante já o antecessor do actual Ministro das Finanças ter declarado que ela está sobrecarregando o Estado.
Dizia o relatório Rodrigues Gaspar:
"O Tesouro, actualmente oprimido por uma desmesurada dívida em escudos cujo gravame aferido pelo estalão-ouro, aumentará tanto mais quanto mais se restabelecer o seu valor facial".
Pregunto eu agora o que fez o Govêrno transacto para definir e atenuar êsse gravame nas contas do Estado.
Não fez nada. Limitou-se a trazer essa informação à Câmara e em termos de ser lícito preguntar se a Nação não tem o direito de saber quais são os encargos que com a sua divisa passaram a onerar o Estado.
Que os encargos da dívida aumentaram não há dúvida. Mas em que interessa isso ao Govêrno?
O que lhe interessa neste momento é continuar a obra do seu antecessor.
Não lhe importa a repercussão nas contas do Estado da melhoria cambial. Não lhe importou, pelo menos até agora, como não importava ao seu antecessor.
E acaso lhe importa a repercussão dessa melhoria na vida da produção nacional?
Que pensa o Govêrno em face da crise económica que se está acentuando e de hora para hora agravando em todo o País?
Sabe o Govêrno e a Câmara o não ignora certamente que estão fechando muitas fábricas o oficinas em todo o País o que começa a apresentar-se em toda a gravidade ante os governantes o problema do chômage.
Apela-se para o Govêrno a fim de dar colocação aos operários sem trabalho que se contam por milhares.
Entende o Govêrno que pode e que lhe basta fazer obras de fomento?
Mas como harmoniza essa solução com o equilíbrio orçamental?
Ou pensa que pode e que lhe basta facilitar o crédito industrial às emprêsas cuja vida começa a ser incomportável?
Pensou acaso o Govêrno em que se não trata apenas das dificuldades de momento para certas indústrias e em que há algumas, afectadas nas próprias condições da sua existência?
Não é certamente com o crédito industrial que as condições de concorrência das indústrias nacionais com as suas congéneres estrangeiras vão melhorar.
E se as não melhoram com tal crédito, como vão melhorá-las?
Ou entende o Govêrno, como alguns financeiros simplistas que o melhor é deixar encerrar mais fábricas e paralizar mais indústrias?
Pretende o Govêrno suprimir as explorações desordenadas. Muito bem. Mas a que explorações se refere?
Não faltam infelizmente serviços do Estado mal administrados e em regime de deficit.
Pensa o Govêrno em passar à indústria particular os caminhos de ferro, os correios e telégrafos, os arsenais e outros serviços autónomos?
Fala a seguir o Govêrno nos monopólios dos tabacos e dos fósforos.
Creio que vai longe o tempo em que dos monopólios havia uma concepção moral e sentimental. Hoje o que em tal assunto predomina é o critério económico. A concepção dos monopólios, no nosso tempo, é puramente administrativa.
Por isso mesmo em relação às Companhias dos Tabacos e dos Fósforos apenas me interessa que cumpram os contratos e que estes não contrariem os interêsses do Estado.
E o que o Govêrno tem a fazer é velar por êsse cumprimento, metendo na ordem essas emprêsas.
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O Govêrno declara-se partidário da liberdade do comércio e indústria em relação aos tabacos e fósforos. Sabe V. Exa. que há meses o Parlamento votou uma moção em que convidava o Poder Executivo a nomear uma comissão de estudo do monopólio dos tabacos.
Sabe V. Exa. também que o Govêrno nomeou, fora de qualquer sugestão legislativa, uma outra comissão para estudar o monopólio dos fósforos. A essas comissões caberia naturalmente averiguar o valor lucrativo dos dois monopólios e indicar o regime a adaptar de futuro.
Mas o que é feito destas comissões? Ninguém sabe.
A comissão dos fósforos que, segundo os jornais, passou por variadas metamorfoses deve ter ardido já.
Quanto à comissão dos tabacos, não sabemos se está no cinzeiro. Então, pre-gunto: porque é que o Govêrno se pronuncia já pela liberdade de comércio, que pode ser prejudicial aos interêsses económicos do País, sem esperar pelo resultado dos estudos daquelas comissões, sem os substituir por outros se elas os não realizaram e sem fundamentar devidamente o seu ponto de vista?
E estando-se a quatro meses da resolução da questão dos fósforos, vi já hoje nos jornais a notícia de um empréstimo ao Govêrno com base na renovação dêsse monopólio.
Viu o Sr. Ministro das Finanças essa notícia tam optimista, tam consoladora para êste desânimo em que vivemos, mas tam cautelosa e tam subtil que não deixou de ser feita em duplicado em todos os jornais?
Suporia a Companhia que ela não teria a suficiente publicidade por parte do Govêrno?
Só assim se explica que por sua conta a mandasse para os jornais.
Vê-se que a Companhia é solícita e está disposta a gastar à larga, para a preparação do novo monopólio. Atente nisso o Govêrno.
A questão, portanto, deve ser bem ponderada. Estou convencido de que um Govêrno que promete o que vem na sua declaração, a ponderará devidamente e na altura precisa.
E, já que falei na questão dos tabacos, folgo muito em me referir àquilo que aqui disse o Sr. Àlvaro de Castro, antigo Presidente do Ministério, com relação a essa questão. Tudo o que eu aqui dissera há tempos relativamente à intervenção do seu Govêrno na questão dos tabacos foi confirmado pelas declarações de S. Exa. E o Govêrno que é presidido por um ilustre correligionário do Sr. António Maria da Silva, que é também uma das mais salientes figuras do Partido De- mocrático, suspendendo o decreto sôbre o último acôrdo dos tabacos interpretará como devo a moção do Sr. António Maria da Silva, votada nesta Câmara em Agosto último.
Ao constatar essa circunstância, certo estou de que o Sr. Ministro das Finanças pensando em suspender o acôrdo referido apreciou já em todas as suas minúcias as conseqüências dessa suspensão, de forma a não advir dela qualquer dificuldade para o Tesouro Público ou qualquer desvantagem para o prestígio da Nação, em face dum potentado que tem às vezes conseguido rir desdenhosamente dos direitos do Estado e dos interêsses do País.
O Govêrno fala depois na reforma bancária; propõe-se fazê-la. Desejo dizer ao Sr. Ministro das Finanças que me parece que não será necessário fazer essa reforma se se cumprir integralmente, como deve cumprir-se, a lei de 96. O mal da administração pública está muitas vezes nas más leis que se fazem; mas, na maior parte dos casos, êsse mal provém da falta do cumprimento das leis. Em relação aos bancos, tem sido, sobretudo, a fraqueza dos Governos em não forçar a cumprir as suas obrigações, que tem permitido os abusos, redundando em deminuïção para o Estado e prejuízos para o Tesouro.
Vejo que o Govêrno, que anunciara nos jornais o Banco do Estado, quere ser cumpridor das conclusões das conferências internacionais de Bruxelas e de Génova a que aderimos, desistindo, por isso, dessa idea, e por tal motivo me felicito.
Refere-se em seguida o Govêrno ao crédito dos 3 milhões de libras. Quando se discutiu aqui o caso de Angola, tive ocasião de chamar a atenção do Govêrno para êsse problema, quanto a um dos seus aspectos mais graves e importantes.
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Referi-me ao possível e necessário alargamento do prazo de satisfação dos encargos contraídos à sombra dêsse crédito para mais três anos, o que beneficiaria o Estado, a praça e o País, muito beneficiando a situação das provincias de Angola e de Moçambique e bom assim a dos poucos particulares que dele se utilizaram.
E digo que são poucos visto que, declarando-se que aquele crédito era para as importações normais, e portanto para ser utilizado quási sòmente por particulares, tal não sucedeu, antes serviu na sua quási totalidade para importações do Estado, muitas que podiam bem deixar de ser feitas.
Desejo que o Govêrno informe por isso a Câmara do que encontrou feito em relação ao crédito dos 3 milhões de libras, e do que pensa quanto ao alargamento do prazo até 1930, para satisfação dos encargos contraídos à sua sombra.
No tocante à pasta do Comércio que está a cargo do Sr. Plínio da Silva, meu velho camarada e amigo, a cujas faculdades de trabalho e de inteligência eu folgo de, mais uma vez, prestar as minhas homenagens, vê-se pela declaração ministerial, que S. Exa. vai dedicar toda a sua atenção ao problema dos caminhos de ferro. Só tenho que o felicitar por isso. Prestará S. Exa. um alto serviço ao País, se conseguir pôr em ordem a administração dos caminhos de ferro do Estado.
Diz a declaração ministerial que basta cumprir a lei n.° 1:327 e fazer regressar ao fundo especial todas as receitas que dele andam afastadas.
Mas S. Exa. sabe, tam bem como eu, que os 20 e tal mil contos que o Ministério das Finanças deve à Administração dos Caminhos de Ferro não poderão ser entregues àquela administração, sem que realmente se regularize a situação do Tesouro Público.
Nestas condições, o que S. Exa. pretende não passará de uma aspiração, mas nem por isso S. Exa. deixará de merecer o meu aplauso pelas suas intenções.
O mesmo sucede em relação às verbas do fundo especial.
As verbas afastadas dêsse fundo, já o disse o Sr. Jorge Nunes, foram-no por necessidades urgentes do Tesouro.
Quanto ao problema dos portos, tenho que pedir a S. Exa. o mesmo que já pedi ao seu antecessor.
É que S. Exa. empregue os seus esforços para que a comissão que tive a honra de nomear, quando Ministro do Comércio, e constituída por pessoas de toda a competência, de ràpidamente o seu parecer para habilitar o Sr. Ministro do Comércio a fazer uma obra útil em matéria de portos, regularizando a vida das juntas autónomas que, salvo honrosas excepções, apenas têm servido para dissenções e lutas de campanário.
Agora, dirigindo-me ao Sr. Ministro das Colónias, chamo a atenção de S. Exa. para o seguinte caso.
S. Exa. propõe se fazer a União Aduaneira das Colónias Ocidentais da África.
Ora eu peço a S. Exa. que atente numa velha questão já aqui debatida e que ao assunto respeita.
Refiro-me ao regime dos direitos em ouro a que estão sujeitos os produtos coloniais na metrópole.
Não há possibilidade de exigir às colónias que não desnacionalizem o seu comércio, quando a metrópole não faz outra cousa senão criar embaraços a êsse comércio, considerando-o como estrangeiro.
Apoiados.
Sei que o Alto Comissário de Angola e o Sr. Ministro das Colónias se estão empenhando junto do Sr. Ministro das Finanças para que o assunto seja resolvido com utilidade para o país.
Só terei que felicitar S. Exa. se conseguirem uma solução conveniente e eficaz.
O restrito pensamento do Conselho Superior Técnico Aduaneiro não pode prevalecer sôbre os objectivos económicos de um Govêrno que se propõe enfrentar a sério o problema colonial.
O Sr. Carlos Pereira (interrompendo): - É um conselho em que o Estado está representado em minoria.
O Orador: - O Sr. Carlos Pereira chama muito justamente a nossa atenção para o facto de no Conselho Técnico Aduaneiro haver uma maioria que não é de representantes do Estado.
Ora como as colónias não têm ali os seus representantes, pode suceder que, em dado momento, a indústria metropolitana
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se esqueça de que a indústria colonial é tam portuguesa como ela.
Ponha pois o Sr. Ministro das Colónias toda a sua atenção neste problema.
Se conseguir resolvê-lo convenientemente, isto é, a bem dos interêsses gerais da Nação, terá S. Exa. os aplausos dos pais embora deixe de os receber de meia dúzia de industriais que continuam a supor que as nossas colónias não são o prolongamento da metrópole.
Quere também o Sr. Ministro das Colónias resolver a questão da situação monetária das colónias.
Aplaudo sinceramente S. Exa. por se declarar em semelhante propósito e lembro-
-lhe que há já muitos meses foi constituída uma comissão para estudar o regime bancário do ultramar, mas que não deu ainda o seu parecer.
O Sr. Ministro das Colónias sabe muito bem que estamos sofrendo os males de um regime bancário colonial, cuja reforma foi elaborada à pressa em 1919.
Á pressa e mal, por isso mesmo talvez, apesar das pessoas ilustres que constituíam a comissão incumbida de a fazer.
Precisamos de não esquecer o relatório dêsse trabalho, até para atribuir com justiça as responsabilidades do actual estado de cousas a quem realmente as contraíu.
Pretende o Sr. Ministro das Colónias, ao que ouço, fazer uma reforma do seu Ministério.
O Govêrno não pode tomar uma resolução dessas, nem efectivar uma tal medida, de ânimo leve.
O Parlamento tem recusado por sistema autorização para a reorganização geral dos serviços públicos.
Como poderia aceitar sem protesto que cada Ministro fôsse agora fazer sem estudo prévio e sem orientação segura a reforma do seu Ministério?
Peço desculpa à Câmara de me estar alongando na análise da Declaração Ministerial. Estou porém a referir-me a assuntos importantes que entendo que merecem a sua atenção.
Na Declaração Ministerial fala-se ainda no aproveitamento dos combustíveis e da energia hidro-eléctrica.
São problemas importantíssimos para a vida nacional. Iniciar a sua resolução
seria já uma grande obra que bem mereceria do País.
A dispersão com que a Declaração Ministerial se lhes refere dá-me a impressão de que se procurará estudá-los em conjunto, pelas pastas económicas a que interessam. Tanto melhor. Da colaboração dos Ministérios da Agricultura, do Comércio o do Trabalho, só podem resultar vantagens.
Outro assunto versado pelo Govêrno e de que me desejo ocupar é o que se refere à criação de patronatos de emigração.
O Govêrno conhece certamente o que está decretado a tal respeito desde 1919 e não ignora o que se estabeleceu na reforma do Ministério dos Estrangeiros de 1921.
Mas como harmonizar a valorização e enaltecimento dos novos emigrantes com o pensamento noutro lugar expresso de acabar com as correntes estabelecidas da nossa emigração para o estrangeiro? Nem eu sei como poderemos pensar em negociar o convénio com o Brasil, proibindo a emigração para lá.
A êste caso porém me referirei mais pormenorizadamente, quando o Sr. Ministro dos Estrangeiros se der por habilitado a responder à nota de interpelação que há muito tempo tenho na Mesa sôbre o assunto.
Por agora digo ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que o País não se contenta com estas vagas referências às convenções e acordos a realizar com diversos países, que se anunciam na Declaração Ministerial.
Refere-se ela por exemplo a que o Govêrno apressará a Convenção Comercial com o Brasil. Como se diz determinadamente a convenção - e não uma convenção - desejo saber se se trata da convenção em cujas negociações tomou parte tam diligente o adido comercial Sr. Carvalho Neves. Creio que não e que de uma nova convenção se trata já que aquela está prejudicada, por ter caducado a autorização que o Parlamento Brasileiro dera ao Govêrno do seu país para negociar nos termos em que fôra projectada.
E tendo o Govêrno de empregar os seus esforços para realizar outra convenção, bom será que o Govêrno acautele devidamente os interêsses da nossa produção colonial.
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34 Diário da Câmara dos Deputados
Entendo que com o Brasil o que há a negociar é uma convenção económica. Se hoje já importamos muito mais do Brasil do que para lá exportamos, os interêsses da grande República irmã em relação à nossa emigração são vastíssimos e enormes as suas necessidades. Diz-se que vamos ter navegação para o Brasil. A navegação brasileira que se está desenvolvendo freqüenta os nossos portos e transporta para Portugal muitas dezenas de milhares de toneladas.
Sr. Presidente: o País não pode deixar de acompanhar com interêsse a obra dêste Govêrno sob o ponto de vista internacional.
Para desejar será que o Govêrno abrevie a conclusão das negociações com a França e que nas negociações com a Alemanha não reincidamos nos erros em que temos caído.
A propósito deverei lembrar que os armadores alemães se reüniram em Hamburgo com o fim de solicitarem que uma das bases a apresentar por parte do Govêrno Alemão seja constituida por benefícios especiais para a navegação da Alemanha, a única que faz concorrência às nossas carreiras coloniais. É preciso tomar toda a atenção neste assunto para que se não destrua toda a obra que se tem feito de protecção à marinha mercante nacional.
Promete ainda o Govêrno uma vigilância atenta da execução do plano Dawes. Já aqui se disse que não foi feliz a expressão governamental.
Mas essa atenção e essa vigilância são absolutamente necessárias pelo que respeita à questão das Reparações, por mim tratada nesta Câmara várias vezes.
Atente nela o Govêrno e evite que os abusos que à sombra dêle se praticaram possam repetir-se.
E necessário que a questão das reparações não se transforme em mais uma causa de desprestígio do Estado. Fazendo das Reparações o melhor aproveitamento e a aplicação mais económica o Govêrno cumprirá o seu dever.
Por minha parte só desejo que o cumpra com utilidade para o País e para a República.