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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 17
EM 16 DE JANEIRO DE 1925
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. — Abre a sessão com a presença de 19 Srs. Deputados. — É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental. - Dá-se conta do expediente.
São admitidas proposições de leis já publicadas no «Diário do Govêrno».
Antes da ordem do dia. — O Sr. Alberto Cruz trata da forma da descarga do peixe em Lisboa e do recenseamento militar. — O Sr. Tavares de Carvalho ocupa-se do mesmo assunto e da valorização do escudo. — O Sr. Viriato da Fonseca trata da situação dos funcionários de Cabo Verde. — O Sr. Maldonado de Freitas interroga a Mesa sôbre a falta de comparência dos Srs. Ministros na Câmara e trata dos vencimentos dos funcionários do Hospital da Rainha D. Leonor, nas Caldas da Rainha. Responde, o Sr. Ministro do Comércio (Plínio Silva), que responde também ao Sr. Joaquim Ribeiro, que produz considerações sôbre o problema das estradas.
Ordem. do dia. — Continua a discussão do parecer n.° 843 — selagem.
Usam da palavra os Srs. Viriato da Fonseca, Correia, Gomes, Velhinho Correia, Portugal Durão a Álvaro de Castro, que fica, com a palavra reservada.
O debate ficou pendente.
Antes de se encerrar a sessão — O Sr. Carvalho da Silva trata da questão bancária, respondendo o Sr. Ministro dag Finanças (Pestana Júnior.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia 19.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. — Pareceres. — Projectos de lei. — Alteração em comissão parlamentar. — Requerimento.
Abertura da sessão, às 15 horas e 38 minutos.
Presentes à chamada, 49 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 49 Srs. Deputados.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
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João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Movais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Porreira da Rocha.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano Augusto do Portugal Durão.
Alberto do Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Torres Garcia.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomos.
António Pinto do Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virginio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins do Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Beis.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Pires Cansado.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Vasco Borges.
Vitoríno Henriques Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva e Castro.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António de Sousa Maia.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
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David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugênio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João Pereira Bastos.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas e 40 minutos fez-se a chamada à qual responderam 49 Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: — Está aberta a sessão. Vai ler-se a acta.
Foi lida a acta.
O Sr. Presidente: — Vai ler-se o expediente.
Foi lido na Mesa o seguinte
Expediente
Telegrama
Associações: Comercial do Pôrto, Comercial e Industrial de Famalicão, Comercial de Monção, Comerciai e Industrial de Pombal, Industrial Portuense, dos Negociantes de Vinhos por junto, do Pôrto, Revendedores de Víveres do Pôrto, da Liga Comercial dos Lojistas de Setúbal e Operários Manipuladores de Garrafas da Marinha Grande, pedindo a solução urgente na questão da selagem de bebidas engarrafadas e perfumarias.
Para a Secretaria.
Representação
Do general reformado Zeferino de Morais e Mota, capitães reformados Joaquim Bernardino Fernandes de Azevedo e José Rodrigues Braga, pedindo para ser convertido em lei o projecto do Sr. Carlos de Vasconcelos, tornando extensivas aos oficiais de reserva e reformados determinadas vantagens da lei n.° 1:332.
Para a comissão de guerra.
Admissões
São admitidos os seguintes projectos de lei já publicados no Diário do Govêrno:
Do Sr. Maldonado Freitas, criando ama freguesia em Olho Marinho, concelho de Óbidos, constituída por Casais de Arruda, Perna de Pau, Casal das Figueiras, Quinta de Baixo e Olho Marinho.
Para a comissão dê administração pública.
Do mesmo, alterando a constituição das assembleas eleitorais de Salir de Matos e Alvorninha e criando uma nova assemblea em Carvalhal Bemfeito, do concelho de Caldas da Rainha.
Para a comissão de administração pública.
Dos Srs. Vitorinho Godinho e Custódio de Paiva, concedendo à Câmara Municipal de Marinha Grande o terreno e arvoredo situado entre a estação do caminho de ferro e a vila daquele nome.
Para a comissão de administração pública.
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O Sr. Presidente: — Vai ler-se uma nota de interpelação.
Foi Lida na Mesa, é a seguinte:
Nota de interpelação
Desejo interpelar o Sr. Ministro do Comércio sôbre o estado lastimável em que só encontram as estradas portuguesas.
Em 15 de Janeiro de 1925. — Joaquim Ribeiro.
Expeça-se.
O Sr. Presidente: — Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
Antes da ordem da dia
O Sr. Alberto Cruz. - Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra para quando estivesse presente qualquer dos Srs. Ministros por cujas pastas se relacionam os assuntos sôbre que desejo apresentar as minhas reclamações.
Um deles, Sr. Presidente, diz respeito ao abastecimento de peixe.
Eu tive, Sr. Presidente, ocasião de visitar o entreposto de Santos, e verifiquei que uma grande quantidade de peixe só inutiliza, devido à forma como é feita a descarga.
Não há falta de peixe, pois a verdade é que o peixe que existe chega não só para abastecer a cidade de Lisboa, como os restantes pontos do País, faltando unicamente os meios necessários para a descarga se fazer convenientemente.
Isto, Sr. Presidente, não se compreende, tanto mais quanto é certo, que por êsse País fora há falta de peixe e o pouco que aparece ó vendido por preços elevadíssimos.
O Sr. Joaquim Ribeiro (interrompendo): — Isso deve-se em parte ao facto de a Câmara Municipal ter]uni depósito de lixo junto do local da descarga do peixe.
O Orador: — Está V. Exa. enganado, pois êsse depósito de lixo já lá não existe.
O que é um facto ò que, se bem que haja peixe em abundância, êle está faltando no resto do País. e isto devido à forma como se efectuam as descargas, assim como as embalagens e às dificuldades que há por parte dos caminhos de ferro, na condução do peixe, o que se não pode compreender por forma nenhuma.
Eu já tive, Sr. Presidente, ocasião de falar com o Sr. Presidente do Ministério a êste respeito; sei que êle já visitou o entreposto de Santos e que já tomou as providencias devidas no sentido de êstes inconvenientes serem removidos o mais ràpidamente possível.
O outro assunto a que desejo referir-me diz respeito à pasta da guerra, lastimando bastante que não esteja presente o titular da respectiva pasta.
Desejo, Sr. Presidente, referir-me à forma como se está procedendo para com os mancebos recenseados.
Segundo o artigo 79.° todo o mancebo que não comparecer à inspecção o dado como apurado; porém, eu entendo que se deve ter em atenção a enorme falta de braços que há na agricultura.
Não se pode admitir que pelo motivo de o Sr. coronel médico assim o entender, o mancebo que é encorporado soja mandado para regimentos colocados a muitos quilómetros de distancia, embora isso se faça nos termos da lei em consequência de o mancebo não ter comparecido à inspecção, como a lei lhe faculta.
Eis o meu protesto, que desejo seja, atendido pelo Sr. Ministro da Guerra, a fim de que tome providencias no sentido do que os mancebos sujeitos à encorporação militar não sejam atingidos por estas determinações injustas.
O Sr. Maldonado de Freitas: — As providências a tomar seria fazer regressar às unidades, nos termos do artigo 7.º, os mancebos encorporados nos regimentos mais próximos.
O Orador: — Não posso dizer quais sejam as providências a tomar. Formulo o meu protesto contra vexamos a que estão sendo sujeitos os mancebos na idade de encorporação militar, pelo facto de não haverem comparecido às inspecções dentro da letra da lei.
Não há motivo para vexar êsses mancebos que procedem no uso dum direito pleno.
Não posso deixar de erguer o meu pro-
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testo, tanto mais que posso confirmar largamente o que estou dizendo, sobretudo o que se refere ao distrito de reserva n.° 32.
Posso provar exuberantemente que se estão fazendo perseguições que amesquinham direitos de cidadãos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Tavares de Carvalho: — Desejava a presença do Sr. Ministro das Finanças para lhe fazer algumas preguntas sôbre à valorização do nosso escudo.
Emquanto não aparece na Câmara, vou tratar também da forma por que é vendido o peixe no mercado de Santos, pelos armadores de pesca de arrasto. Visitei hoje êste mercado com o meu ilustre colega Sr. Dr. Alberto Cruz.
Como êle vi as deficiências que há naquele mercado e reconheci a necessidade de se tomarem providências, para que não continue a apodrecer tanto peixe, pela demora da descarga dos vapores e sua venda imediata.
Junto de S. Exa. o Ministro do Interior instei pela cedência do cais e de parte dos armazéns C ou G e H do entreposto de Santos, para se facilitar a descarga dos vapores, devendo também ser pedidos à Companhia Portuguesa dos Caminhos de Ferro os vagões necessários para o transporte para as províncias.
Prometeu S. Exa. atender as reclamações que directamente tinha recebido dos interessados, dizendo conhecer, por ter visto as dificuldades ocasionadas pela falta do cais e de local para a venda do peixe, o que certamente ocasionaria grandes prejuízos na economia geral do País.
O Sr. Ministro do Interior prometeu também envidar os seus esfôrços no sentido de melhorar as condições de vida, que são bem difíceis para a maior parte dos consumidores.
Se o peixe fôsse descarregado com rapidez, em local apropriado o amplo, não se inutilizariam enormes quantidades, o tanto Lisboa como as províncias podiam ser abastecidas do peixe em condições e preços que muito concorreriam para se modificar a carestia da vida.
A Companhia Portuguesa podia fazer o carregamento dos vagões no próprio mercado, assim como o seu despacho, o que muito beneficiaria os exportadores, ficando êstes com margem para diminuírem o preço de venda ao público consumidor.
Se estivesse presente o Sr. Ministro das Finanças, preguntaria a S. Exa. a razão por que não continuou a fazer, como o seu antecessor, a baixa do câmbio e ar. valorização do escudo.
O câmbio firmou-se na posição que não corresponde ainda àquela que devia ocupar pela desvalorização real do nosso escudo.
Como a libra não baixa, começam já os especuladores a fazer compras de cambiais, a preços superiores à cotação oficial, certos de que se vai dar a desvalorização do escudo.
Tenho conhecimento de que o Govêrno podia trazer a libra, sem grande dificuldade, para uma posição mais favorável aos consumidores.
Aguardo que o Sr. Ministro das Finanças venha à Câmara para explicar o motivo por que não continuou a valorizar o escudo.
Surgiriam ainda maiores dificuldades com o desemprego dos operários?
Certamente S. Exa. conhece que com a valorização do escudo a situação do País havia de melhorar, e não há-de querer que milhões de habitantes sejam sacrificados, estando apenas interessados em não prejudicar algumas classes ou indivíduos, que ainda nada sofreram.
Tenho muita simpatia pelos indivíduos desempregados, mas a verdade ó que os industriais, que durante esta crise têm obtido avultados lucros, tendo tornado a vida insuportável, pela alta dos preços dos seus produtos, enchendo gananciosamente os seus cofres, podiam perfeitamente, no actual momento, fazer um pequeno sacrifício, sustentando o seu pessoal por algum tempo.
Mas preferem paralisar as suas fábricas, despedindo os seus operários, com o fim de criarem dificuldades à República e aos seus dirigentes.
Espero, pois, a presença do Sr. Ministro das Finanças para lhe formular as minhas preguntas, e para lhe dizer, pelas informações que tenho, que estou convencido de que S. Exa. pode valorizar mais o escudo.
É preciso que o Parlamento conheça as causas que impedem a valorização do es-
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cudo, razão fundamental para o barateamento da vida.
Prometo não descorar êste assunto emquanto não for convencido de que a valorização da nossa moeda vem trazer dificuldades para o País.
Só S. Exa. o Sr. Ministro das Finanças poderá dizer-nos a razão por que não continuou a política económica do Sr. Daniel Rodrigues,
Só altos interêsses da Nação, dó que havemos de ter conhecimento nesta Câmara, poderão convencer-nos a acenar como boa a política económica do actual Ministério.
O Sr. Viriato da Fonseca:— Peço a V. Exa. a fineza de transmitir ao Sr. Ministro das Colónias as pequenas considerações que vou fazer.
Parecerá estranho que, sendo o Sr. Ministro das Colónias Deputado por Cubo Verde, seja eu quem fale, mas foi a mim que foi dirigido o telegrama e é como Deputado por Cabo Verde que falo.
Trata-se da aplicação do diploma n.° 38, publicado o ano passado, que diz respeito a funcionários que fazem serviço nas colónias e na Metrópole.
Parece que em Cabo Verde se levantam duvidas e há classes que reclamam em sentido contrário aos funcionários, os quais podem a execução dêsse diploma.
Eu li todo o diploma e acho justiça nas reclamações dos funcionários.
Dizem as classes que reclamam em sentido contrário que êsse diploma onera a província.
O meu único papel aqui ó como Deputado apresentar as reclamações do Sr. Ministro das Colónias, para S. Exa. resolver o assunto com justiça.
Peço a V. Exa. o favor de transmitir estas considerações ao Sr. Ministro das Colónias.
O orador não reviu.
O Sr. Maldonado de Freitas (para interrogar a Mesa). — Pedia a V. Exa. para me informar por que motivo os Srs. Ministros não comparecem na Câmara antes da ordem do dia.
Nós desejamos tratar do assuntos que a todos interessam (Apoiados) e aos Srs. Ministros devem também interessar.
Apoiados.
É com desgosto que nós vemos a falta dos Srs. Ministros.
Vozes: — É falta do respeito pelo Parlamento. Apoiados.
O Sr. Presidente: —Farei constar aos Srs. Ministros o desejo de V. Exa.
O Sr. Torres Garcia: — Sr. Presidente; vou tratar de um assunto do serviço público que deve interessar V. Exa. e a Câmara.
Há dois anos que tenho presidido aos serviços municipais de Coimbra,
Anteriormente a mini quem presidiu foi um homem que com o maior brilhantismo o utilidade vi deixou vinculado o seu nome; e eu tenho feito todo o possível por honrar o lugar que ocupo, mas não tenho podido vencer dificuldades que têm surgido.
O serviço de iluminação e abastecimento de água está em evolução; há dois empréstimos feitos à Caixa Geral de Depósitos, um de 1:500 contos e outro de 800 contos; o primeiro de 1920 e o segundo de 1922.
As receitas da Câmara, do 600 e tantos contos, passaram a 3:000, e os serviços estão numa situação de progresso.
Agora era preciso um novo empréstimo de 3:000 contos, e que o remanescente dêsse empréstimo de 3:000 coutos, que não vai além de 789, seja empregado no pagamento das dívidas a que há pouco aludi.
Mas como para isto é necessária a autorização legal dada pelo Congresso da República, tenho a honra do enviar para a Mesa um projecto de lei que autoriza a Câmara Municipal de Coimbra a realizar com a Caixa Gorai de Depósitos uma operação de crédito, a qual eu delineei em dois traços, conforme V. Exas. acabaram de ouvir, pedindo a V. Exa., Sr. Presidente, se digne consultar a Câmara sôbre se ela permite a urgência.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Maldonado de Freitas: — Eu desejava fazer várias considerações estando presente o Sr. Ministro do Trabalho.
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Sei que S. Exa. está na, outra Câmara e certamente não se demorará. No entretanto, eu vou fazer algumas considerações, visto que se encontra presente o Sr. Ministro do Comércio e S. Exa. certamente comunicará ao Sr. Ministro do Trabalho algumas das considerações que eu preciso fazer e as quais eu alongarei na próxima semana.
Mas desde já eu preciso fazer sentir ao Sr. Ministro do Trabalho, por intermédio do Sr. Ministro do Comércio, quanto me desgosta o facto de S. Exa. deixar que no sou Ministério a repartição de contabilidade se queira sobrepor à própria lei e até àquela função que o Govêrno tem para fixar as melhorias aos funcionários públicos nos termos da lei n.° 1:661.
Desde Setembro de 1924 que o pessoal do Hospital D. Leonor, das Caldas da Rainha, não recebe os seus vencimentos porque S. Exa., o Ministro do Trabalho, Xavier da Silva, fez, e muito bem, enviar as suas reclamações à comissão de reclamações do Ministério do Trabalho, a qual demorou bastante o seu parecer, porque à contabilidade conveio demorar a solução dêste assunto.
Tratando-se de uma direcção de serviços autónomos que fixou as melhorias ao seu pessoal, tendo o cuidado de não pedir ao Estado uma importância superior àquela que por lei se devia pagar, o que fez a repartição de contabilidade?
Procedeu de tal modo que funcionários que, polo regime anterior, recebiam 600$, passaram a receber 411$, e empregados que recebiam 200$ passaram a receber §40$!
Quere dizer que a importância total que tinha sido fixada para o referido Hospital era distribuída desigualmente pelo pessoal, sem atender à função e ao tempo de serviço de cada funcionário!
Por aqui se vê a permanente má vontade que há sempre da parte da contabilidade.
Ora o artigo 30.° da lei que regula o assunto diz o seguinte:
Leu.
E foi nesta ordem de ideas que a comissão administrativa reclamou ao Sr. Ministro do Trabalho, o qual, não querendo atender aquelas reclamações, ordenou o processamento das folhas de vencimentos, de harmonia com a opinião da contabilidade!
Foi nesta altura que eu aproveitei a ocasião para me ir embora, visto que estava ali por favor em virtude de já ter pedido a minha demissão há quatro meses, deixando a irregularidade dos serviços e a respectiva indisciplina à responsabilidade das repartições competentes.
Peço ao Sr. Ministro do Comércio que transmita ao Sr. Ministro do Trabalho as minhas considerações, e na segunda-feira e dias seguintes voltarei a tratar dêste e de outros assuntos.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Plínio Silva): — Ouvi atentamente as considerações feitas pelo Sr. Maldonado de Freitas, e creio que se me não pode exigir mais que transmitir ao Sr. Ministro do Trabalho as considerações de S. Exa.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Sr. Presidente: agradeço ao Sr. Ministro do Comércio e ter vindo ontem aqui esperando ouvir as minhas considerações sôbre o assunto para que tinha pedido a sua comparência há quatro dias.
S. Exa. foi por motivos poderosos que não compareceu durante aqueles dias.
Ontem não pude encontrar-me com S. Exa. a tempo de poder tratar do assunto das estradas, assunto melindroso que desejo versar.
Sr. Presidente: o que se passa em Portugal já não quero falar no concelho que represento, especialmente, mas em todo o País, em assunto do estradas é tudo quanto há do mais extraordinário.
As estradas encontram-se intransitáveis.
Ao longo dessas estradas, completamente abandonadas, não se encontra um único empregado, um cantoneiro, que pouco a pouco, com o seu labor, possa ir fazendo pequenas reparações.
É sempre lastimável que nós, que temos assento nesta Câmara, e representamos determinadas regiões, das quais devemos tomar a defesa, ouçamos depreciar o sistema em que vivemos, deixando chegar as estradas a um estado lastimoso que por elas se não podo transitar.
Apoiados.
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Há estradas por onde Dito pode transitar um tractor, dos que funcionavam em França no tempo da guerra.
Um teve que sair de uma estrada por onde devia caminhar, tendo que ir pelo campo, porque era intransitável a estrada.
Êste caso conheço eu; e não Lá exagero no que digo.
O assunto e urgente; o urgente é, portanto, que o Govêrno tome as providências devidas para reparação das estradas.
Ouvimos sempre processos de estudo, e as estradas cada vez mais estradadas.
Nunca mais largarei o assunto emquanto êste ou outro Govêrno não tomar as medidas mais eficazes sôbre êste assunto.
O Sr. Ministro do Comércio disso aqui ontem, segundo li nos extractos parlamentares, que estava esperançado em consertar as estradas, e esperava ter o dinheiro necessário para isso.
Mas podemos esperar que o Sr. Ministro do Comércio junte capitais pura a solução do assunto e reparação das estradas?
As estradas, repito, estão intransitáveis, e há pequenas reparações que podiam fazer-se antes que as estradas se ficassem completamente estragadas.
O serviço de cantoneiro era melhor remunerado que hoje, e por isso não há cantoneiros, êste serviço era melhor remunerado que o agrícola.
É necessário que S. Exa. dê ordem para pequenas reparações, e depois S. Exa., com a competência que lhe vem do ser um engenheiro distinto, organize como melhor entender os serviços das estradas para que Portugal seja um país que possa ter o turismo.
É necessário, como S. Exa. nabo, dotar êstes serviços cora os maquinismos mais modernos, para que o conserto das estradas soja permanente, e possamos ura dia, sob a égide da República dizer que se teu uma obra, e que, de facto, em Portugal se tez a abertura de estradas.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Plínio Silva): - Agradeço ao Sr. Joaquim Ribeiro e permitir-me tratar mais uma vez do um assunto ao qual me tenho referido várias vezes, tanto mais que sôbre o assunto das estradas vi na imprensa referenciais a considerações que fiz quanto a promessa de estudo, o que é preciso esclarecer melhor.
Algumas notícias têm de ser rectificadas.
O assunto está estudado, e eu não podia declarar que dentro de poucos dias traria o assunto estudado.
Devo declarar que mo consideraria deminuído se, porventura, na hora em que o Sr. Presidente do Ministério me fez o convite para sobraçar esta pasta, tivesse dito que iria estudar o problema que interêssa a todos o que pela sua acuidade deve estar esclarecido no espírito das pessoas que têm do solucionar êsse problema.
O que disse ontem e repito é que julgo que, com os elementos que existem, se pode, de lacto, atacar do frente o problema e que êle ó mais uru problema do execução que propriamente de ordem legislativa.
Disso também que mo limitaria a pedir ao Parlamento que colocasse o fundo de viação e turismo em posição tal que todos tivessem a certeza de que até seria aplicado na reparação das estradas. Acrescentei que aproveitaria o ensejo de apresentar uma proposta que, como V. Exas. estão vendo, se resumirá num artigo único — apresentando simultaneamente ao Parlamento um relatório que permitisse a todos estudá-lo com elementos que me proponho fornecer.
Direi ao Sr. Joaquim Ribeiro, como a todos aqueles que se têm interessado por esta questão, que são mais que justificados os seus protestos.
Eu penso, Sr, Presidente, que o dinheiro que se vai gaitar na reparação das estradas deve ser aplicado o mais conscienciosamente possível, de forma a não se desbaratar dele a mais pequena parcela.
Há estradas que estão em estado tal que parecerá, à primeira vista, que bastam encher as covas que nelas existem, com algumas dúzias de pedras, para que essas covas desaparecessem e se prestasse um grande benefício nos que por ela vão circular.
Ainda que de momento se pudessem talvez atenuar, mas muito ligeiramente as condições difíceis de circulação, na prática isso representaria quási que uma pura perda, visto que em pouco tempo estaríamos positivamente em condições infe-
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riores talvez às precedentes, nada se tendo feito no sentido de produzir um trabalho nas condições mais vantajosas.
O Sr. Joaquim Ribeiro referiu-se também aos cantoneiros, e sôbre êsse assunto o Sr. Nuno Simões lembrou-se que seria necessário introduzir uma disposição que permitisse ir acudir à situação difícil em que êles se encontram, situação essa que que pode dizer-se não só para êles nada representava como para o próprio Estado de pouco valia, pois pouco se poderá aproveitar do trabalho de um funcionário que é retribuído com cerca de uns 2$50 por dia. Assim S. Exa. propôs que na lei de estradas fôsse fixado um imposto, que aliás já constava na proposta do Sr. António da Fonseca, imposto sôbre gasolina e óleos. Esta receita seria posta à ordem da Administração Geral das Estradas e Turismo por meio da Caixa Geral de Depósitos. Os benefícios desta lei já hoje se fazem sentir e assim a remuneração dos cantoneiros é hoje quási que o dôbro da anterior.
Mas o Sr. Joaquim Ribeiro referiu-se ainda à falta de cantoneiros, chefes de conservação e cabos cantoneiros que existe nas estradas. Folgo muito que S. Exa. a isso se tivesse referido, e peço a atenção da Câmara para o exame do princípio que estabeleci e que julgo ser o melhor para remediar a situação em que nos encontramos. Nos quadros respectivos verifico, no que respeita a pessoal de estradas, uma absoluta insuficiência. Para que estivessem completos, dentro da organização estabelecida, faltam actualmente 69 chefes de secção e conservação, 105 cabos cantoneiros e 1:209 cantoneiros.
O Sr. Nuno Simões (interrompendo). — V. Exa. dá-me licença? ... Em várias áreas confiadas a chefes de conservação, como por exemplo as dos concelhos de Arganil e Vila Nova de Famalicão, com as verbas deminutas que lhes tom sido distribuídas pouco de bom se poderá lazer.
Além disso, essas áreas estão em contraste flagrante com as dos concelhos próximos.
O Orador: — Pelo que V. Exa. acaba de expor, vem reforçar o meu critério. Mas, Sr. Presidente, será útil que em estradas em completo estado de ruína ou danificação, se vão fazer pequenas reparações ...
O Sr. Joaquim Ribeiro (interrompendo). — As câmaras municipais têm oferecido ao Govêrno um pequeno auxílio para reparar as estradas. Mas V. Exa. tem o critério de que fazer pequenas reparações é inútil.
O Orador: — Eu julgo que V. Exa. me não compreendeu, e por isso lhe peço que me ouça. O que eu quero dizer o que julgo isso não será muito útil.
Ir reparar estradas, que estão num verdadeiro estado de ruína, estradas onde, por exemplo, existem apenas 5 cantoneiros e onde se existissem 50, nem mesmo se poderia produzir trabalho proveitoso, não me parece bem.
Necessitando de conservação e reparação cerca de 4:690 quilómetros de estradas, eu tive o cuidado de mandar ainda dividir esta quilometragem em três categorias. Na primeira figuram logo uns 1:245 quilómetros de estradas que estão intransitáveis, na verdadeira acepção da palavra.
Há estradas que se encontram em tal estado que já não são transitáveis. Já ninguém se serve delas.
Seria medida de aprovar, a colocação nessas estradas de cantoneiros e chefes de conservação?
Afigura-se-me que não, visto que êsse pessoal nenhum trabalho útil poderia fazer.
O Sr. Joaquim Ribeiro (interrompendo): — Discordo dêsse critério. Acho que é urgente melhorar tanto quanto se possa o estado em que se encontram essas estradas. Havendo os cantoneiros sempre seria possível fazer alguns concertos que permitissem algum trânsito.
O Orador: — Nas estradas que se encontram abandonadas por já não ser possível transitar nelas, não há maneira de fazer pequenos concertos. Os trabalhos a fazer têm de ser de reconstrução geral.
O Sr. Joaquim Ribeiro: — Mande V. Exa. cantoneiros para o meu círculo, que eu ficarei satisfeito. Alguns trabalhos se
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fariam que tornassem menos precário o estado das estradas.
Estabelece se diálogo entre o orador e o Sr. Joaquim Ribeiro.
O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Peço a V. Exas. que não mantenham a discussão em diálogo, visto que isso não é vantajoso para os trabalhos a Câmara.
O Orador: — Eu não digo que se deitem de fazer reparações naquelas estradas que ainda estejam em estado de as receberem com vantagem para o trânsito. O que digo é que nas estradas que exigem uma reconstrução completa, não vale a pena estar a gastar dinheiro com pessoal, visto que o trabalho dêsse pessoal nessas estradas tornar-se-ia inútil.
O Sr. Amaral Reis (interrompendo). — É preciso não perder de vista que a causa principal do a maioria das nossas estradas se encontrarem no lastimável estado que todos nós mais ou menos conhecemos, é transitarem nelas os camiões de grande tonelagem. As estradas não estão construídas para suportarem êsses enormes pesos.
Entendo que uma medida útil seria a que proibisse o trânsito do veículos com superior a 1:500 quilogramas.
O Orador: — É isso uma verdade.
De facto as nossas estradas não foram construídas para suportarem uma determinada pressão.
Assim, há inúmeras estradas no País que foram completamente deterioradas pelos camiões de grande carga que nelas transitam, não estando essas estradas calculadas para suportarem tanto peso.
De resto, há uma falta absoluta de aparelhagem necessária para se proceder aos trabalhos.
As britadeiras e os cilindros de que dispomos, à excepção de dois, não são suficientes para efectuar a indispensável compressão das estradas, e daí a ruína destas.
O Sr. Joaquim Ribeiro (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?
V. Exa. é um distinto técnico neste assunto, eu sou apenas uma vítima, representante de muitas vítimas do estado deplorável em que se encontram as nossas estradas.
É nesta qualidade que eu pedia a V. Exa. que modificasse um pouco o seu critério o acudisse de pronto, com pequenas verbas, as reparações ligeiras que há a fazer.
Não é num ou em dois dias que V. Exa. conseguirá pôr em execução a momentosa o bom estudada solução do problema, como a elaborou, e por isso seria de toda a conveniência, emquanto ossos trabalhos completos se não efectivam, proceder-se a pequenas reparações.
O Orador: — O Sr. Joaquim Ribeiro, que é incontestavelmente das pessoas mais «carolas»,— permita-se-me o termo, — por êste problema, vem alvitrar-me que eu dê pequenas verbas para as ligeiras reparações.
Folgo muito em que S. Exa. se tivesse referido a osso assunto, porque me dá ensejo de salientar qual tem sido o meu procedimento, e faculta ocasião à Câmara de me fazer justiça.
A função do Ministro do Comércio é, sobretudo neste momento, bastante delicada, porque, efectivamente, o assunto das estradas é daqueles que mais merecem da parte de todos, políticos o não políticos, um grande interêsse.
Eu tenho a opinião do que foi justamente a pulverização de verbas que contribuiu em grande parte para que nada de útil se fizesse.
No Orçamento figuraram verbas que, não sendo avultadas, permitiam, em todo o caso, que alguma cousa se fizesse de útil e de bom; essas verbas tom sido mais ou menos distribuídas por vários pontos sem que, contudo, o número de reclamantes deminuísse.
Estas condições, eu sou de parecer que só quando se reconheça uma utilidade imediata é que valerá a pena ir acudir a essas urgências.
Sr. Presidente: não tenho critérios rígidos; mas o que entendo é que é necessário atacar o problema por forma a que pelo menos o País verifique que há uma doutrina e que, uma vez começada qualquer cousa de útil, não paramos a meio.
Se eu quisesse realmente ir para êsse caminho de porventura aproveitar qualquer situação espacial em que me encon-
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trasse para acudir a todas as solicitações que tenho recebido, ter-me-ia sido fácil, quando há dias se discutiram os duodécimos obter de todos os lados da Câmara votação duma verba grande que eu pedisse.
Mas eu resumi a minha pretensão a 500 contos e tenho a certeza de que não procedi mal.
Fui tam parcimonioso no meu pedido por entender que era necessário organizar urgentemente os projectos e ver aquilo que é necessário fazer, não indo além do indispensável para os trabalhos de preparação.
Se eu pedisse uma verba muito grande, encontraria logo pedidos e solicitações que me obrigariam a, contra minha vontade, fazer uma pulverização de verbas, o que seria o mesmo do que voltarmos ao que estava.
Creio que êste meu critério deve merecer o aplauso da Câmara, porque prova que não vim para aqui com mesquinhos interêsses políticos, mas com o intuito de resolver o problema com honestidade e eficiência.
O Poder Executivo tem elementos para estudar e resolver o problema. Como Ministro do Comércio, eu não quero lançar sôbre o Poder Legislativo a responsabilidade da sua solução; quero para mim as responsabilidades de ser o órgão de execução. Uma exigência simplesmente faço à Câmara: o do colocar o fundo de viação e turismo em posição tal que não possa ser aplicado senão à reparação das estradas. Feito isto, convencido de que o País se não negará a concorrer para que a repararão das estradas seja um facto, devo declarar que o Ministro do Comércio que estiver neste lugar, eu ou outro, ficará com os elementos capazes e suficientes para trabalhar, estudar e agir com o auxílio, é claro, dos técnicos e dos competentes.
Concluindo direi ao Sr. Joaquim Ribeiro que hoje ficou já elaborado o caderno de encargos do concurso para a primeira empreitada, e que já se encontram muito adiantados os cadernos dos encargos para as três empreitadas que se vão realizar muito em breve.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi aprovada a acta.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do parecer n.° 84$
O Sr. Viriato da Fonseca: — Sr. Presidente: não pretendo discutir o projecto, que está em discussão. Tenho em mira tam simplesmente referir-me a algumas considerações produzidas pelo Sr. Correia Gomes, a propósito do projecto em discussão que, em meu entender, está já. mais que esclarecido. S. Exa. estranhou, que alguns membros da comissão de finanças tivessem assinado o parecer com declarações e foi tal a sua estranheza que se insurgiu contra tal prática, prática que, em seu entender, só serve para encobrir responsabilidades.
A afirmação de S. Exa. parece-me improcedente e chega quási a ser contundente.
Pois então não é uma velha praxe parlamentar os membros das comissões assinarem com restrições e a declaração de vencidos?
Trata-se acaso de alguma prática nova?
Depois, quere-me parecer que o ilustre Deputado Sr. Correia Gomes não tem autoridade para criticar a atitude dos membros da comissão de finanças que estão em causa.
Eu vejo, por exemplo, que num caso da mais alta importância, em que se tratava duma classe importante da nossa sociedade, dum caso que implicava avultados encargos para o Estado, as comissões foram ouvidas e deram os seguintes pareceres.
Leu.
Pois o Sr. Correia Gomes, num caso de tal monta, deu, como relator da comissão, de finanças, o seguinte parecer:
Leu.
É o Sr. Correia Gomes, o autor dêste parecer, que vem agora arrogar-se a autoridade de criticar os membros duma comissão, porque assinaram o parecer com restrições.
Perdõe-me S. Exa., a quem eu de resto presto as minhas homenagens pelas suas invulgares qualidades de trabalho, que lhe negue essa autoridade.
Quando a Câmara pede às comissões para darem a sua informação e esclarecerem os projectos, é evidente que tais comissões devem dar o seu parecer com mais largueza do que se faz neste pare-
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cer, de modo a esclarecer cabalmente o assunto e prepará-lo para a conveniente discussão na Câmara.
De maneira que me parece que, nesta ocasião, S. Exa., que tem sempre tanta autoridade para falar, não a teve de forma alguma.
Mas eu vou explicar a V. Exa. Sr. Presidente, as razões por que pus a minha assinatura com declarações no parecer que se discute.
São simples.
Eu pertenço à comissão de finanças, porque fui eleito pelo grupo parlamentar a que pertenço; por isso, a êsse grupo devo dar contas da minha acção nessa comissão, e procurar seguir os ditames e regras impostos por êsse grupo.
Ora não há aqui ninguém que não saiba qual a posição deste- grupo perante a lei chamada da selagem,
O Sr. Álvaro de Castro, leader dêsse grupo, foz aqui as mais largas considerações a 6sse respeito; foram pois essas considerações mais ou menos, embora pior, porque não tenho a competência de S. Exa., que eu expus na comissão de finanças.
Eu não queria que se admitisse, por exemplo o sistema das avenças, porque o grupo também não queria, e entretanto êsse sistema foi adoptado.
Também, embora entendesse que a lei do sêlo tinha algumas arestas que era preciso limar, para atender a algumas reclamações apresentadas, não queria que se fosso tam longo como se foi.
Já por êsses motivos, já porque não queria que se isentassem do imposto alguns artigos e ao baixassem tanto as taxas a aplicar sôbre outros, é que eu, muito conscientemente, escrevi o meu nome, pondo-lhe adiante a palavra «declaração», no, parecer da comissão de finanças.
Parece-me que assim tenho esclarecido o meu modo do proceder, sem querer melindrar ninguém, nem mesmo o Sr. Correia Gomes, por quem tenho muita consideração pelas suas qualidades de trabalhador.
Tenho dito.
O Sr. Correia Gomes: — Sr. Presidente: ontem, ao referir-me mais uma vez ao parecer em discussão, citei o nome do Sr. Viriato da Fonseca, pelo facto de ser a
primeira pessoa que subscrevia êsse parecer com declarações; mas declarei desde logo que a minha citação não representava menos consideração para com S. Exa., por quem tenho todo o respeito.
Se me referi a S. Exa. foi por ontem mais uma vez nesta Câmara só citar o facto de membros das comissões assinarem os respectivos pareceres com declarações, para se concluir que êles não concordavam com êsses pareceres, o que não é bem assim, pois que essas declarações representam apenas pequenas divergências.
Mas o Sr, Viriato dá Fonseca, a propósito disso e nas explicações que quis dar hoje a respeito da forma por que subscreveu o parecer, referiu-se a um outro parecer da comissão de finanças, do que fui relator, para demonstrar que eu também nele tinha sido demasiado conciso, não explicando sequer, as razões dele.
Ora os pareceres são vastos ou não, conforme é vasta ou não a matéria sôbre que incidem quando especialmente há necessidade de entrar em detalhes.
O parecer a que S. Exa. se referiu, sôbre o Montepio dos Sargentos, além de estar a matéria sôbre que versava no ânimo de toda a gente, reduz-se ela a poucas palavras; portanto tinha êsse parecer de ser também sóbrio.
Já vê pois a Câmara que o argumento de S. Exa. não rebato o que apresentei ontem,
Quero porém mais uma vez demonstrar a minha consideração por todos os membros da comissão de finanças, dizendo novamente que as minhas referencias de ontem não queriam atingir alguém em especial.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia; — Sr. Presidente: não tencionava voltar a êste debate na generalidade, mas todos os oradores que intervieram nele se referiram à minha pessoa em termos tais que eu sou obrigado a usar da palavra mais uma vez para lhes responder e para me defender das acusações que me foram dirigidas.
Sr. Presidente: ontem um orador da oposição, o Sr. Marques Loureiro, referindo-se à minha acção parlamentar em matéria tributária, afirmou aqui que eu
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não tinha previsto a valorização do escudo, que ou mesmo não tinha previsto a melhoria cambial com as medidas que aqui tinha preconizado.
Ora nada menos verdadeiro; o próprio texto que aqui foi lido na Câmara pelo Sr. Marques Loureiro prova precisamente o contrário. Realmente, no texto da lei das actualizações de impostos, no seu artigo 1.°, houve o cuidado de prevenir tanto uma desvalorização da moeda como uma valorização.
Pretendeu-se tomar uma base, e ela seria a lei n.° 1:308 e a época em que ela foi promulgada. Tomava-se osso período por base, o depois, em cada ano, os impostos directos a que essa lei se refere seriam actualizados em função do coeficiente da carestia da vida, quer êsse coeficiente seja maior ou menor. Foi esta a orientação adoptada que acautelava os interêsses do Estado em qualquer das duas hipóteses. Nestas circunstâncias, a conclusão que se tira do texto da lei é absolutamente inexacta e infundada.
Sr. Presidente: fui eu quem nesta Câmara fez a previsão da valorização do escudo e, bem assim, em entrevistas concedidas a vários jornais.
Eu tenho presente o Diário de Lisboa, de um dos primeiros dias de Setembro do ano passado, em que numa entrevista dizia o seguinte: «Agora não há dúvida, que começou o período da valorização do escudo».
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo). — V. Exa. não terá aí qualquer entrevista concedida por ocasião da discussão do empréstimo rácico?
O Orador: — Eu já respondo a V. Exa.
Sr. Presidente: algumas das acusações que ontem me foram feitas na Câmara vêm publicadas em vários jornais. São as seguintes:
Leu.
Sr. Presidente : quando só discutiu a questão de selagem, no dia seguinte àquele em que usei da palavra, vários jornais, entre êles alguns monárquicos, riram se de mim, o que do resto já não é a primeira vez, por ter feito a defesa dos números trazidos pelo Sr. Álvaro de Castro que reduziam o déficit a 90:000 contos.
Porém, não adoptaram o mesmo sistema a propósito da proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças, em que o déficit aparece reduzido a 60:000 contos.
Há seis meses eu era um louco porque defendia êsses números; hoje não o sou, apesar de o déficit estar reduzido a 60:000 contos, sem que se tenham votado novas leis tributárias, sem que se tenham votado quaisquer outras medidas tendentes a melhorar as nossas condições financeiras.
Pregunto: Quem tinha razão? Era eu ou V. Exas.?
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença?
V. Exa. há bocado disse, e muito bem, que pela lei n.° 1:668 se tomou como base o contribuição paga em 1922, multiplicando-a pelo coeficiente do custo de vida em relação a êsse ano.
V. Exa. declarou também há pouco, e é verdade, que quando o câmbio melhorar essas contribuições deminuem.
Pregunto: Como pode V. Exa. considerar verdadeira a proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças, se S. Exa. parto do princípio que as receitas são constantes, embora o câmbio melhore?
O Orador: — V. Exa. não se recorda de um pequeno detalhe, mas eu vou lembrar-lhe.
V. Exa. sabe perfeitamente bem que as contribuições que se pagam êste ano não são referentes aos lucros do ano corrente, mas sim aos do ano passado.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — Então V. Exa. acha que o contribuinte, quando o câmbio baixar, pode pagar mais do que paga?
O Orador: — E a inversa não será verdadeira?
Então V. Exa. não se recorda do tempo em que os cálculos se faziam em escudos valorizados e o contribuinte pagava em escudos desvalorizados?
Sr. Presidente: o Sr. Carvalho da Silva é um dos responsáveis pelas grandes desgraças que têm havido neste País.
O Sr. Carvalho da Silva (em àparte): — Até pelo empréstimo rácico!
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O Orador: — Sr. Presidente: há pessoas que, por efeito de uma educação religiosa, pegam no Correio da Manhã, outras no Comércio do Pôrto, e tudo quanto neles vem escrito representa para elas a verdade,
Nestas circunstâncias, haja ou não melhoria cambial, elas continuam a fazer os seus cálculos como se ela fôsse por dois meses, e daí apanharem aqueles... não quero dizer o têrmo, porque não é muito parlamentar.
Repito; V. Exas. é que são os culpados dos desastres financeiros de muitos dos nossos homens do comércio, pela propaganda derrotista.
Sr. Presidente: falou-se ontem aqui ainda no incidente, para mim doloroso, chamado «das perfumarias», com o Sr. Sarros Queiroz. Não tinha que renovar quaisquer explicações a êsse respeito, mas, como o assunto foi aqui abordado, julgo do meu dever fazer algumas considerações, narrando os factos como êles se passaram.
Autos do mais nada devo dizer que o incidente foi unicamente limitado aos artigos de perfumaria, e as reclamações apresentadas não se referem somente a êles.
Isto prova que a razão estava do meu lado, e não do lado de V. Exas. que me atacavam.
Mas, Sr. Presidente, o que é interessante é que o próprio Sr. Correia Gomes, que então não concordava com as perfumarias abrangidas pela lei do sêlo, é agora o relator dum projecto de lei era que se estabelece o contrário.
Quere dizer, S. Exa., que estava ao lado dás pessoas que não queriam as perfumarias abrangidas pela lei do solo, é agora relator dum projecto pô-lo qual elas ficam sujeitas ao regime da selagem.
Como esclarecimento, quero ainda dizer à Câmara que a iniciativa da selagem nos artigos de perfumaria não é minha, mas do Senado, e foi por mim aprovada nesta Câmara.
Sr. Presidente: também se falou aqui na isenção dos médicos e advogados.
Devo igualmente lembrar à Câmara que a iniciativa não foi minha.
Em determinado momento estava a discutir-se um projecto — que, por sinal, estava já quási todo aprovado — em que se isentavam os médicos e advogados, mas à sombra do qual mais de 50 por cento dos contribuintes ficavam isentos do pagamento do imposto sôbre o valor das transacções.
Ora, porque entendia que o momento não é próprio para se estarem a estabelecer tantas isenções tributárias, eu procurei entre os dois males o menor, e fiz substituir o projecto que se discutia por um outro, em que somente as classes dos módicos e advogados eram isentas.
De resto, devo dizer ainda que me baseei no que se fez em França, relativamente ao imposto sôbre o valor de transacções, pela simples razão do que a consulta dum médico e dum advogado não é a mesma cousa que um fardo de bacalhau.
Sr. Presidente: referiu-se o Sr. Ferreira da Rocha, quando usou da palavra, à política da valorização do escudo.
Disse S. Exa. que a política da valorização do escudo pertencia a todos os lados da Câmara, visto que não podia ser um privilégio para A ou B, mas que o agravamento tributário pertencia exclusivamente a mim.
A política da valorização do escudo pertence a todos; porém, o agravamento tributário diz S. Exa. que pertence exclusivamente a mim.
Devo dizer, em abono da verdade, que S. Exa. foi um tanto ou quanto injusto nesta sua apreciação.
Na verdade, Sr. Presidente, todos os Ministros das Finanças se tom visto na necessidade de recorrer ao aumento da circulação fiduciária, tendo-se chegado num determinado momento a dizer nesta Câmara, e a mostrar a necessidade que havia de valorizar o escudo, tendo-se pedido providencias para uma nova emissão, a fim de se ocorrer às necessidades do comércio e da indústria.
Lembro-me muito bom, Sr. Presidente, que a própria Associação, mostrando a falta de numerário que havia, chegou a pedir providências sôbre o assunto, e foi justamente nesse momento que eu comecei a fazer uma enorme propaganda contra êsse aumento da circulação fiduciária.
Entendi, Sr. Presidente, que o momento era bastante grave para a República, e, assim, solicitei, por intermédio das for-
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ças económicas, que se manifestassem abertamente contra êsse aumento da circulação fiduciária, tendo na verdade conseguido, com o apoio dêsses homens e a boa vontade do Ministro das Finanças, que se entrasse noutro caminho, isto é, ao caminho da melhoria do câmbio e do escudo.
Esta é que é a verdade dos factos; porém, para que a moeda se valorizasse não havia outro remédio senão recorrer ao agravamento tributário, reduzindo-se ao mesmo tempo tanto quanto possível as despesas.
Sempre me tenho oposto a determinadas medidas e tenho o meu caminho marcado; sei o que quero e para onde vou.
Sr. Presidente: os resultados estão à vista, e já temos um orçamento com um déficit reduzido. É bem patente o resultado a que se tem chegado, e por isso eu não tive dúvida em dizer a um jornal que a responsabilidade desta política pertence ao bloco que deve fazer as eleições para receber do país os aplausos ou ser escorraçado.
Assim é que se deve fazer em Portugal, e é assim que se faz em toda a parte.
Ainda há pouco recebi o orçamento da Roménia para o ano de 1925, e fiquei impressionado com o que diz o Ministro das Finanças, pois vejo que se está fazendo a política igual à de Portugal, à que se segue na República Portuguesa.
Assim, por exemplo, eu veio:
Leu.
O que determina esta carestia da vida, apesar da melhoria cambial, é a diferença entre a moeda portuguesa e a estrangeira.
Eu vejo que são os mesmos conselhos que eu dei ao comércio sôbre os seus lucros, que lá fora se estão dando.
Aqui encontro eu também uma resposta ao Sr. Ferreira da Rocha.
Taxas sôbre vinhos:
Leu.
O Sr. Ferreira da Rocha:—Eu não contesto essas taxas. O que contesto são as diferenças.
O Orador: — O que eu quero demonstrar a V. Exa. e à Câmara é que todos os países tributam as bebidas espirituosas.
Todos os impostos se taxam; não há, portanto, razão para se isentar, quando outros países não o fazem.
Sou obrigado a fazer referência ao trabalho da comissão.
Entendo que a Câmara não deve aprovar êsse trabalho.
Poderá sê-lo na generalidade, mas não na especialidade.
Entendo que poderá fazê-lo sem grande inconveniente.
Achava preferível que a Câmara considerasse tam somente os três casos que são realmente salientes, no que respeita A lei actual e merecem ser revogados. Isso seria obra legislativa. São três os pontos: sôbre aguardente, tributação no que respeita à capacidade das garrafas e selagem na origem.
São êstes três pontos, os únicos de matéria legislativa, que o Parlamento deverá considerar.
Assim poderá fazer qualquer cousa de onde resulte deminuição de matéria tributária, sem prejuízo para o Estado, e sem prejuízo para o contribuinte.
O Sr. Ministro das Finanças disse que tinha lido mais uma vez o trabalho da comissão.
Encontro aqui cousas que precisam ser explicadas.
Diz a comissão:
Leu.
Parece impossível que o Sr. relator do projecto, um financeiro, venha dizer que não ó dos hábitos portugueses a entrada dum fiscal dentro dos armazéns de vinhos.
Pois então não era o antigo imposto de real de água, que era pago por manifesto, como V. Exa. preconiza?
Eu leio o artigo:
Leu.
O imposto tinha por base a declaração em manifesto do contribuinte. Um fiscal de finanças fiscalizava. Isto há dezenas de anos em Portugal. Não ó uma tradição fiscal; é mais do que isso: é entrar dentro dum estabelecimento de venda e ver se o produto está selado.
O Sr. Correia Gomes: — Mas só quando o imposto é bem aceito é que...
O Orador: — Então garanto a V. Exa. que não há nenhum imposto em Portugal que seja bem aceito.
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O Sr. Correia Gomes: — V. Exa. está argumentando com factos passados?
O Orador: — V. Exa. julga possível, ou alguém nesta Câmara, isentar do Imposto de solo os vinhos licorosos.
Tenho aqui um projecto de lei que diz o seguinte: Leu.
Então V. Exa. julga possível, para lazer um favor às fôrças vivas, isentar os vinhos licorosos do pagamento do imposto de sêlo, quando o bacalhau, o açúcar e o café indispensáveis à vida das classes pobres não o é?
Garanto que tal monstruosidade não só fará aqui.
O Sr. Correia Gomes: - Estamos perfeitamente de acordo.
O Orador: — V. Exa. poderá remodelar as leis. Estou pronto a uma obra do colaboração nesta lei.
Mas agora a isenção do produtos que são para ricos antes de só a ser a isenção dos produtos ou géneros que são de consumo das classes populares, isso não.
O Sr. Portugal Durão: — O que é curioso é que V. Exa., tendo sido Ministro das Finanças o havendo nas leis do finanças duas disposições que se aplicam especialmente aos ricos, não se tivesse imposto para as fazer executar.
O Orador: — Foi por causa disso que eu fui tam depressa expelido das cadeiras do Poder. E porque tinha toda a minha orientação e a minha máquina montada para êsse efeito. É o pouco que fiz, foi tudo nesse sentido!
O Sr. Correia Gomes: — Não foi nada disso.
O Orador: — V. Exa. vá ler as minhas propostas de finanças e lá encontrará a verdade do que afirmo. Eu sou escravo das minhas opiniões; não falto a elas. Evidentemente, não posso impor a minha vontade aos meus colegas que não concordam comigo; agora o que posso fazer, e faço, é marcar sempre a minha orientação e defendê-la sempre que posso.
Sr. Presidente: não posso realmente deixar sem reparos esta passagem do parecer: «é vexatório para um comerciante a ida dum fiscal ver se uma garrafa está estampilhada».
Mas, Sr, Presidente, não é vexatório o que se faz por avença que, realmente, como há pouco demonstrei com o imposto de real de água, se estabelece por manifesto, mas com a faculdade de o secretário de finanças ordenar a fiscalização se não concordar com êle.
Disse o Sr. Ferreira da Rocha que eu não tenho autoridade para escolher o processo menos vexatório para o comerciante.
Se êle quiser o manifesto e não a estampilha — diz S. Exa. — eu não tenho razões para dizer que é menos vexatório para elo a estampilha.
Ora eu contesto esta opinião desta forma: eu quero a estampilha, não por uma questão de vexame, mas exactamente porque é um imposto onde há monos fugas para o Estado; o manifesto é no fim de contas uma declaração que o comerciante faz ao secretário do finanças, e, portanto, um negócio que se presta a todas as contribuições lesivas para o Estado, emquanto que uma estampilha ó por todos vista.
O Sr. Carvalho da Silva: — Mas quando ela cair?
O Orador: — Isso é um caso do regulamentação, podendo até servir o que só fez nos correios.
O argumento do vexame para o contribuinte, da contribuição por estampilha, não colhe.
Desde que o contribuinte pague a contribuição por manifesto, ou desde que o contribuinte faça a sua declaração, eu tenho que imediatamente pôr de parte esta afirmação.
Pode ser realmente vexatória mas é a cobrança feita por manifesto.
Sr. Presidente: o relatório da comissão de finanças diz, numa parte, o seguinte:
Leu.
V. Exa., Sr. Correia Gomes, tem sido, nesta casa do Parlamento, uma das pessoas que mais tem contribuído para o aumento das despesas públicas. V. Exa., com isto que eu acabei de ler, apenas procura fazer um pouco de boa prosa.
Mas, o ponto mais importante, e para isto é que eu chamo a especial atenção do
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Sr. Ministro das Finanças e do Sr. relator, é o seguinte: esto imposto, segundo a comissão pretende, é um imposto de sêlo, será por manifesto ou por avença, e, quando não houver acordo, ó por estampilha.
Não percebo, e, por isso, peço ao Sr. relator que, quando usar da palavra, me explique o caso.
O Sr. Lourenço Correia Gomes (interrompendo): — V. Exa. é que foi o relator da lei do sêlo e a estampilha, como V. Exa. deve saber, é aplicável quando não há facilidade de verificar qual a importância que deve ser cobrada.
O Orador: — V. Exa. não explicou cousa alguma.
O imposto é pago ou por manifesto ou, havendo acordo, por avença.
Não vejo, portanto, em que caso se aplique a estampilha.
Isto é apenas o resultado das duas correntes que se entrechocaram na comissão, uma em que se pretendia que prevalecesse o sêlo estampilha, a outra que pretendia deitar abaixo a estampilha.
Daí resultou uma mistura e esta forma confusa que há-de ser de uma execução muito difícil.
Por último, Sr. Presidente, quero referir-me às isenções do parecer da comissão de finanças.
Eu bem sei que na especialidade muitas dessas isenções podem ser anuladas; mas pregunto e por que razão é que foram beneficiadas as perfumarias estrangeiras?
A comissão de finanças, neste ponto, foi muito além das reclamações apresentadas, tanto mais que ninguém reclamou para que fôsse reduzida a taxa de 10 por cento sôbre as perfumarias estrangeiras.
Se há realmente artigos que possam ser mais fortemente tributados, sob o ponto de vista do aspecto moral, estão neste caso as perfumarias, especialmente as estrangeiras, por serem as de preço mais elevado.
Por que se isentaram, portanto, as perfumarias estrangeiras, beneficiando-as sem que ninguém o tivesse pedido?
O Sr. Lourenço Correia Gomes (interrompendo) — Acho que todas as pessoas dentro desta casa podem fazer essa pregunta, menos V. Exa., que faz parte da comissão do finanças e que tomou conhecimento de toda a acção exercida em volta do parecer.
O Orador: — A comissão entendeu que não devia manter neste texto a taxa diferencial para os produtos estrangeiros relativos a perfumarias, e é contra esse critério da comissão que eu me revolto. Desde que êste imposto já está consignado na nossa legislação, opor lhe razão vamos nós agora anular o critério diferencial?
Uma cousa é o imposto aduaneiro, outra o imposto de luxo pago por meio do sêlo; são cousas absolutamente diferentes.
Não posso, pois, concordar com a beneficiação dada aos artigos de perfumaria, como não concordo com aquela que se pretende atribuir aos champanhes estrangeiros, em cuja defesa veio o Sr. Alfredo de Sousa, nosso ilustre colega nesta Câmara.
Pelo critério da comissão, qual é o regime que se preconiza? O dum imposto menor para os vinhos espumosos nacionais e a abolição de qualquer diferencial para os champanhes estrangeiros. Não se compreende, porque a primeira vítima da abolição dêsse diferencial seria evidentemente a indústria nacional dos vinhos espumosos.
Outras disposições importantes existem ainda no projecto da comissão, disposições que eu procurarei modificar durante a discussão na especialidade. O artigo 2.°, por exemplo, isenta do pagamento do novo imposto os stocks existentes em Portugal. Em meu entender, um tal princípio não deve ser aprovado pela Câmara.
Sr. Presidente: tem-se falado muito, nas reclamações do comércio, e, todavia, uma reclamação existe a que eu não vi ainda fazer referência. Trata-se duma reclamação dos industriais das águas de Vidago, Melgaço e Pedras Salgadas, reclamação que diz o seguinte:
Leu.
Ora êstes reclamantes não mereceram até agora as atenções da Câmara, mas merecem a minha, porque tenho a preocupação de defender os interêsses não só do Estado como dos particulares, sempre que êles sejam justos e razoáveis.
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Foram enviadas para a Mesa algumas propostas, todas elas tendentes a reduzir a matéria tributada. A proposta do Sr. Carvalho da Silva, deitando abaixo toda a selagem; a do Sr. Ferreira da Rocha, limitando consideràvelmente as receitas provenientes dessa tributação. Escusado é dizer que qualquer delas, bem como o projecto da comissão, merecem a minha mais completa reprovação. São mesmo inconstitucionais, porque nelas se não contêm receitas compensadoras. A lei-travão não pode ser sofismada,
Porque não têm ao menos os Srs. Deputados que defendem a redução do tributo a coragem de propor uma lei em que se diga; «Fica o Govêrno autorizado a reduzir as despesas públicas no que for preciso para compensar esta deminuição de receita»?
O Sr. António Maria da Silva: — Porque não estão doidos!
O Orador: — Doidos são os políticos que vivem tranquilos, sem a consciência da responsabilidade dum orçamento deficitário de milhares de contos.
A minha preocupação, que ó sempre a mesma, é equilibrar as contas públicas. Foi também o desejo de V. Exa. e o do Sr. Vitorino Guimarães, e eu fui dos parlamentares que estiveram sempre ao lado de V. Exa.
Se há desigualdades e incorrecções, emendem-se; mas respeite-se a lei.
Vou terminar as minhas considerações, mas antes desejo dirigir ao Sr. Ministro das Finanças à seguinte pregunta: Houve alguém que pedisse a V. Exa. a anulação dos seguintes impostos?
Leu.
O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior): — Fui procurado pela Associação Comercial, que me disse que estavam prontos a pagar, mas a forma como estava ó que não era a que o comércio desejava.
O Orador: — V~E-se, portanto, que ninguém reclamou a isenção, que a comissão de finanças a foi dar.
Assim, termino as minhas considerações, dizendo que acima de tudo é preciso defender os interêsses do Estado.
O orador não reviu.
O Sr. Portugal Durão: — Sr, Presidente: começo por dizer que se a comissão de finanças fez algumas isenções foi porque, em sua consciência, assim o entendeu, e conforme o seu critério.
Diz-se que êste parecer não é da comissão de finanças, mas sim da minoria dessa comissão, visto que apenas — segundo se alega — quatro membros da dita comissão o assinam som restrições de qualquer espécie.
O Sr. Velhinho Correia até incluiu no número das assinaturas com restrições a que traz indicação de ser a do relator. S. Exa. viu adiante do nome a palavra «relator» e tomou isso como restrição.
Risos.
Contou ainda, como assinatura com restrições, a do Sr. Ferreira da Rocha. E que o Sr. Ferreira da Rocha declara a seguir à sua assinatura, que foi vencido na rejeição do projecto que apresentou. Assim foi esto senhor também considerado vencido em relação ao parecer da comissão.
Folgo em ver presente o Sr. Queiroz Vaz Guedes que não assinou o parecer sem declarações, pela simples razão de êle não lhe ter sido apresentado.
Outras pessoas há que assinaram com a declaração de — vencidos em parte — porque, embora concordem com a generalidade de parecer, tem um certo número de restrições a apresentar.
Quere isto dizer que qualquer do nós, sendo encarregado pela comissão de finanças de elaborar o seu parecer sôbre êste assunto, o formularia precisamente nos mesmos termos em que se encontra redigido o que foi apresentado?
Pela minha parte digo que não!
O parecer emitido representa unia plataforma do conciliação.
A comissão foi levada a apresentar êste parecer, por atender as circunstâncias especiais em que nos encontramos em face da nossa situação económica, financeira e política.
Se eu tivesse de apresentar um parecer, não saindo da torre de marfim das minhas convicções e dos meus princípios, teria feito um parecer diferente.
Vou dizer desde já em que divirjo.
O homem que trouxe à Câmara a base em que hoje assenta o nosso regime tributário não pode concordar em que to-
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dos os dias se esteja modificando êsse regime tributário, introduzindo-lhe novas disposições que só vêm complicar as cousas e fazer com que leguemos às Câmaras futuras um trabalho colossal, que há-de ser o da revisão do nosso actual regime tributário.
Sr. Presidente: de maneira alguma poderia aceitar que fossem tributadas as águas medicinais.
Não compreendo que se tributem os medicamentos.
Há quem diga que as águas medicinais são um remédio usado só pelos ricos. Não é verdade.
O grande consumo que essas águas têm é indicativa segara de que não são apenas os ricos que delas fazem uso; mas mesmo que apenas os ricos delas fizessem uso, nós mais difícil tornaríamos aos pobres o uso delas, lançando-lhe novos tributos.
Há ainda outro caso curioso.
É que as águas de Mesa também foram tributadas.
O decreto diz:
Leu.
E o que são águas minerais de Mesa?
Leu.
Pelo facto de uma água ser leve, ser pura e ser digestiva, essa água tem de pagar $01 por cada quarto de litro, multiplicado por 5. Parece que devia ser o contrário. As águas que não fossem leves, que não fossem puras e que não fossem digestivas é que deveriam ser tributadas.
Nestas condições, segundo o parecer da Direcção Geral dos Impostos, há uma única água que, engarrafada, pode circular em Lisboa. É a da Companhia das Águas de Lisboa, naturalmente, porque não é pura nem medicinal.
Sr. Presidente: na comissão eu concordei em que fossem tributadas as águas gasosas, mas devo dizer que, se isso dependesse unicamente do meu voto, eu isentaria de contribuições todas as águas.
Estranhou-se que a comissão tivesse isentado todos os vinhos generosos em geral.
Sr. Presidente: êste imposto do sêlo, não ó mais do que um imposto de consumo. Não pode haver a minima dúvida.
Compreende-se a selagem de um documento, mas por êste sistema, dentro em pouco vamos selar as bengalas, os paios, os chouriços, etc.
Porque não se aplica o n.° 5.° do artigo 3.° da lei n.° 1:368, que manda estabelecer o imposto de luxo?
Porque não se faz isso?
Eu na proposta que trouxe à Câmara, não introduzi esta disposição, porque vi os inconvenientes que adviriam da sua aplicação.
A propósito, recordo-me de um caso passado em Paris, quando lá estive.
Certo indivíduo quis comprar uma jóia, e entrando num ourives escolheu e ajustou o preço, depois do que pelo comerciante lhe foi dito que tinha mais 10 por cento de chiffre d'affaires. O indivíduo em questão, como resposta, disse-lhe: a O ar dez vos chiffres que e vais à Londres». E foi a Londres comprar a jóia.
Risos.
Sr. Presidente: eu devo repetir neste momento aquilo que já por várias vezes tenho dito nesta Câmara. É muito interessante, muito bonito para efeitos eleitorais, para a galeria, dizer que é necessário que os ricos paguem. Mas, vejamos.
Eu, Sr. Velhinho Correia, parece-me que o homem, tal como eu o entendo, nasceu para viver. Viver é a função essencial do homem, passar alegremente os poucos dias da vida que temos neste planeta.
Mas, o Sr. Velhinho Correia está convencido de que o homem é o animal contribuinte. Para S. Exa. o homem nasceu para pagar impostos.
S. Exa. traz na sua pasta, bastante volumosa, impostos de todas as qualidades. Hoje, é o imposto sôbre as águas, amanhã o imposto sôbre as bengalas, depois sôbre os paios e chouriços, e, naturalmente, tornar-se há extensivos ainda, a todos os actos que o homem pratica na vida.
Sr. Presidente: parece-me que é chegado o momento de se pedir ao Sr. Velhinho Correia a paz tributária.
Sr. Presidente: o que é um facto é que se vão tributar os artigos do luxo; porém êsse tributo vai recair tam somente sôbre os compradores.
Uma voz: — Os consumidores de artigos de luxo não se queixam.
O Orador: — Os consumidores não se queixam por isso que não estão organi-
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zados; porém, fazem pior do que isso: deixam de comprar.
Interrupção do Sr. Álvaro de Castro, que se não ouviu.
O Orador: — Eu estou a referir-me somente aos artigos de luxo; porém V. Exa. refere-se a todos os artigos em geral.
O que é um facto ó que os artigos deixam de se vender, razão por que muitas fábricas se acham fechadas.
O Sr. Velhinho Correia: — É uma greve.
O Orador: — O que é um facto é que V. Exas. querem impor aos comerciantes uma disposição que êles não estão dispostos a aceitar.
Interrupção do Sr. Álvaro de Castro, que se não ouviu.
O Orador: — O que V. Exas. não podem é convencer-me que os industriais e os comerciantes fechem as suas fábricas e as suas lojas, deixem de fazer negócio pelo simples e único desejo de serem desagradáveis ao Govêrno.
Nós somos Deputados da Nação e temos obrigação de atender estas questões de interesso público (Apoiados), temos que atender classes que se julgam prejudicadas.
Apoiados.
O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior): — É perigoso dizer isso, pois amanhã, perante uma greve de contribuintes, teríamos que atendê-los.
O Orador: — O que digo a V. Exa. é que a comissão do finanças procedeu conforme o seu critério.
Muitos apoiados.
Vários apartes.
O Sr. Álvaro de Castro: — Não há dúvida disso; todos nós sabemos que V. Exa. defende os interêsses do Estado. Nas minhas palavras há apenas desacordo e nunca o menoscabo para qualquer acto da comissão de finanças.
O Orador: — O parecer da comissão de finanças diz: Leu. Disse o Sr. Ferreira da Rocha que êste imposto dá 80:000 contos, quási tanto como no primeiro e segundo ano o imposto sobro transacções.
O Sr. Ferreira da Rocha, com aquela competência que o caracteriza, tendo demonstrado que não podia elevar-se o imposto a 80:000 contos, teve logo a oposição do Sr. Velhinho Correia que, com aquela tenacidade do que usa sempre em todas as discussões, lhe objectou que o indicador contrário ao seu é que era de pouca valia.
E devo dizer ao Sr. Velhinho Correia que o homem que tam documentado se apresenta sempre nas discussões desta espécie, que tam abundante é em documentação, nem, sequer, devia perder um minuto na apreciação de um facto que, embora figurando nos jornais — e isso é que foi o êrro! — não devia ser tido em conta, tam insignificante é.
O Sr. Velhinho Correia, realmente, escreveu num jornal que a comissão de finanças o a Câmara iam deitar abaixo com toda a política financeira da valorização da moeda, que parece que nasceu com o Sr. Velhinho Correia, mas que tem vindo sendo feita desde há muito tempo, não sendo privilégio de um Partido, mas do todos, porque o Sr. Barros Queiroz a quis também fazer com as suas propostas de finanças.
Apoiados.
S. Exa. dizia nesse artigo:
«A Casa da Moeda mandou 2:000 contos de selos para fora em quinze dias, logo o imposto do sêlo rondo 2:000 contos por quinzena, ou sejam 48:000 contos por ano».
Ora isto não é assim! S. Exa. podia ir mais longe, fazendo o cálculo dos solos que por hora tinham saído da Casa da Moeda.
Quando eu ouço dizer, as mãos no coração, — coração fiscal, é claro! — os olhos em alvo, — alvo fiscal também — que lá se vão as receitas, lembro-me de preguntar: mas quais receitas? Porque se não diz, como eu ouvi dizer uma vez num Parlamento? — a deminuição de certa unidade num determinado imposto produz tal diferença no Orçamento.
Quere dizer, eu pedia ao Sr. Ministro das Finanças que me dissesse quanto a
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deminuição do imposto proposta pela comissão de finanças para as águas medicinais, por exemplo, representa para o Orçamento do Estado; quanto a deminuição proposta, para os vinhos, representa de deminuição nesse mesmo Orçamento.
E depois, como não há uma só política financeira, mas uma política económica, não se deve levantar perante nós outra circunstância que não soja apenas o critério financeiro: por exemplo, a crise do desemprego?
«Não se saberá que a estampilha sôbre a garrafa das cervejas não vai só onerar esta bebida, mas principalmente a indústria das garrafas?
A indústria das garrafas sem uma das mais prejudicadas, pois as bebidas vender-se hão por outra forma.
O que tem predominado tem sido a política fiscal e não se tem atendido à política económica.
Apoiados.
É necessário que os homens que estão à testa dos negócios públicos recebam as informações necessárias.
Apoiados.
O facto que se verifica é que as respectivas repartições de fazenda não dão os elementos precisos.
Vários àpartes.
O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior): — V. Exa. está sendo injusto com as repartições de finanças.
Não há estatísticas de produção dos artigos que foram taxados. Não tem sido possível saber a saída das diversas estâncias termais. .
Sabe-se que a cerveja no verão dá uma média de 100:000 garrafas e com ò que está calculado nos restantes meses deve andar por 24.000:000 de garrafas por ano.
Há poucos indicadores para se poder fazer uma estatística rigorosa.
O Orador: — Agradeço a sua explicação, mas permite-me que lhe diga uma cousa: teria muito prazer de tirar conclusões do que V. Exa. disse. É interessante, como elemento de informação, mas não posso tirar nenhuma conclusão concreta.
V. Exa. encontra-se no caso do Burro do Sr. Alcaide, quando se explica o lugar que cada um deve ocupar e se lhes pregunta se perceberam. Respondem que não.
Então, expliquem uns aos outros, lhes dizem.
Risos.
É êste o caso de V. Exa.
Com os elementos que V. Exa. tem é impossível responder a qualquer das minhas preguntas.
Em quanto é que esta modificação vem aumentar as receitas do Estado?
Não há maneira de se fazer o cálculo.
O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior): — A comissão reduzindo as taxas estabelece uma percentagem menor que a anterior.
O Orador: — Era interessante saber quais os resultados.
Cousa curiosa: a Direcção Geral de Contribuições e Impostos, tratando-se duma questão que está sendo tão discutida não tinha tido o cuidado elementar de ir ter com os principais produtores, e saber as casas tais e tais produzem anualmente esta quantidade tal.
Mas mais ainda: estamos num País onde figura há dois anos o imposto de transacções. Êste imposto incide sôbre as vendas dos diferentes artigos.
Pois bem, de tal maneira se tem aplicado essa lei que não sabemos quanto se recebe e deve render êste imposto sôbre transacção sôbre a cerveja e aguardente, etc. Tem sido cobrado ad libitum com a tal avença.
O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior): — Que V. Exa. vem preconizando.
O Orador: — Ora é êste o aspecto fiscal da questão.
Eu devo dizer a V. Exas. que a comissão de finanças é uma comissão política e a questão também foi considerada sob êsse aspecto.
Sôbre a questão do sêlo fez-se um movimento entre as chamadas fôrças vivas do País, que tinha por fim levar essas classes a intervir na política portuguesa.
Eu não posso condenar em princípio que uma classe, ou todas as classes que
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são fôrças do País, pretendam intervir na política.
O que nos pode isso assustar?
O que podo suceder é que ou saia daqui, o para o meu lugar, venha um homem das fôrças económicas, e só êsse homem, for competente, ou aplaudo êsse movimento.
Então podemos nós levar a mal que as classes que mais responsabilidades tem na vida económica da Nação, que representam a sua forca, que fazem o País rico, venham emiscuir-se na vida política? Evidentemente que não!
Não foram êles quem nos elegeram? São porventura uns párias na nossa terra?
Não tem êles o direito de criticar as leis?
Protesto, sim, mas é contra os insultos que ossos homens dirigiram ao Govêrno e ao Parlamento.
Mas pelo facto do ter havido um movimento provocado pelas fôrças vivas e para mostrar que não cede perante tal movimento, vai a comissão decidir-se em prejuízo da Justiça, do Direito, de todos os pequenos comerciantes que há meses e meses estão deixando de ganhar dinheiro e tem as suas casas fechadas?
De maneira nenhuma.
A comissão do finanças ouviu simplesmente os ditamos da sua consciência e, só não pode dizer precisamente quais os prejuízos de ordem fiscal que porventura podem resultar, e só êles estão ou não compensados por vantagens de ordem moral ou política, tal facto é devido apenas à circunstância, de não possuir os elementos que lhe oram indispensáveis, e que a Direcção Geral das Contribuições e Impostos tinha obrigação de fornecer ao Sr. Ministro das Finanças para que S. Exa. pudesse elucidar a Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro de Castro: — Sr. Presidente: pedi a palavra sôbre a selagem porque falei no outro dia quando se discutiu uma questão prévia, mandada para a Mesa a propósito do parecer da comissão de finanças, e a minha intenção era, principalmente, ouvir o Sr. Ministro das Finanças, visto que do que S. Exa. disser muito depende a minha atitude nesta matéria. Todavia o Sr. Portugal Durão, a quem ou presto a minha homenagem e de quem direi todas as palavras de consideração do que é merecedor, referiu-se especialmente a determinadas cousas a que também me poderei referir desde já, visto que são da generalidade do projecto daquela comissão, não entrando eu agora na análise de cada uma das verbas porque isso melhor será quando se fizer a discussão na especialidade.
As primeiras objecções que desejo fazer e que vão de encontro a algumas frases do Sr. Portugal Durão e cios domais oradores que só pronunciaram a favor do projecto e contra as minhas palavras, como o Sr. Ferreira da Rocha, são as que vou expor.
Efectivamente, sempre aqui me manifestei como partidário de fortes taxações e de fortes imposições.
Na verdade essa foi sempre a orientação que defendi e que nesta hora, infelizmente, não vejo motivo para alterar.
De uma maneira geral, o embora seja difícil fazer o cálculo do rendimento ou da deminuição que resulta das taxas propostas pela comissão de finanças, em relação ao que nesta Câmara foi votado, tanto mais que peio imposto são atingidas matérias sobro cujo comércio, não há estatísticas que permitam produzir um raciocínio útil, tenho de concluir que a lei que está em vigor dá muito maior receita do que o projecto da comissão.
Dêste modo sou favorável à manutenção da lei e contrário à sua revogação ou à sua substituição por qualquer outro diploma de que resulte deminuição de receita.
Domais isto está inteiramente dentro da denominada lei-travão, que determina que não possa ser apresentado qualquer projecto ou proposta do lei, mesmo pelos próprios Ministros, desde que traga deminuição de receita ou aumento do despesa para que não seja criada receita compensadora.
De maneira que, não só constitucionalmente, mas ainda sob o ponto do vista utilitário, não posso deixar de estar ao lado da lei contra o projecto da comissão de finanças.
E aqui vem a propósito chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças, assim como da Câmara dos Deputados e do Senado, porque infelizmente, depois da apro-
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vação da lei a que o Parlamento deu o seu voto sinceramente e que limitou a iniciativa dos Srs. Deputados e Senadores, alguns projectos ou propostas de lei tem saído das duas Câmaras que aumentam a despesa.
Para êste facto chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças, porque a lei determina claramente que nenhum dêsses diplomas pode ter execução, parecendo-me até que sem necessidade de qualquer decreto o Sr. Ministro pode determinar a sua suspensão por meras ordens de serviço do seu gabinete.
Chega a ser cómico que, apresentando-se um orçamento em que ainda existe um déficit de mais de 63:000 contos,, segundo a previsão do Sr. Ministro das Finanças, se vá criar um lugar de consultor jurídico na embaixada de Londres, além de outras cousas semelhantes, sabendo-se demais a mais que êsses diplomas trazem sempre uma carapuça que só serve em determinada cabeça.
Referindo-me especialmente a êste caso, quis demonstrar um estado de espírito hoje existente e que ao Sr. Ministro das Finanças cumpre estagnar.
Se o quiser fazer com mais solenidade, poderá o Sr. Ministro suspender tais diplomas por meio de decreto, na certeza, porém, de que a lei determina essa suspensão seja por uma forma tam clara que qualquer repartição de finanças, ou quem quer que seja que lhe dê cumprimento, incorre na responsabilidade criminal que está estabelecida na lei de contabilidade e nas demais leis posteriores que estão em vigor.
Se eu fôsse Ministro das Finanças nesta ocasião, dadas as facilidades que vejo manifestadas no sentido de isentar os contribuintes de pagarem o que lhes compete, eu não apresentaria à Câmara o Orçamento sem déficit, porque isso daria em resultado, não o princípio da nossa regeneração financeira, mas o princípio dum grande descalabro, visto que então ninguém quereria pagar.
Dizia-me há pouco um categorizado funcionário dum dos Ministérios que estamos sob um perigo enorme, porque nas várias repartições estão convencidos de que temos agora dinheiro à larga para gastarmos, quê há dinheiro para tudo, e que chega para tudo.
Assim, também o contribuinte está convencido de que já deu tudo o que devia para o Estado, e que não tem obrigação de contribuir nem com mais um centavo.
Ora a verdade é que a situação não é bem essa. Existe, é certo, uma situação de relativo desafogo, que nos dá a possibilidade de caminharmos para uma época de sólida e consistente estabilidade e de melhoria de circunstâncias, mas isso não significa que estejamos já numa situação de prosperidade e equilíbrio completos.
E por êstes motivos que eu terei de rejeitar na generalidade o projecto da comissão de finanças.
As considerações que se fazem em defesa do projecto da comissão de finanças, relativamente ao desemprego, não são do aceitar. O desemprego não tem nenhuma relação com o sêlo. Não confundamos.
Em todos os países onde se manifestou uma melhoria fio valor da moeda nacional deu-se fatalmente o desemprego. Eu tive ocasião de aqui dizer, sendo Presidente do Ministério o Sr. Rodrigues Gaspar, a propósito da apresentação que aqui foi feita dum documento em que o Govêrno relatava os seus trabalhos, que me parecia, na parte referente à matéria cambial, que a orientação do Govêrno nessa matéria não era a melhor.
Eu não podia deixar de dizer estas palavras, para mais tarde, ao ser discutido o problema com mais latitude, deixar bem marcada a minha posição acerca dêste problema.
Todos aqueles que actualmente falam contra o desemprego não tem razão.
O desemprego é manifestamente o resultado de dois factos.
Um deles é o restabelecimento da confiança num melhor futuro, que se traduz pelo retraimento nas compras. Desde que eu tem o a esperança que daqui a certo tempo poderei comprar por menor preço do que o actual qualquer artigo de que necessite, é natural que deixe de comprar já. E isto, que é feito polo consumidor, é igualmente seguido, e então em larga escala, pelo comerciante. Disto resulta, como consequência imediata, não ter o produtor saída para os seus artigos.
Ainda há pouco, quando estive no Pôrto, falando com vários industriais, êles me disseram que presentemente não têm dificuldades financeiras, visto que à me-
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lhoria cambial correspondeu uma maior disponibilidade de escudos, o que é natural, mas têm as que provêm de crise de vendas.
Um dêsses industriais, que tem a vantagem sôbre todos os outros de ser fornecedor do exército, disse-me que há já quatro meses que não, sai dos seus armazéns uma peça de fazenda, E? contudo, a fazenda não tem sêlo.
É realmente um problema grave a situação que resulta dêste estado de cousas, e o Govêrno deverá procurar a melhor maneira do resolvê-la.
E, a propósito, permita-se-me que abra um parêntesis nesta altura das minhas considerações para declarar que o processo de abrir obras do Estudo para dar ocupação aos operários das indústrias que estão paralisadas, é inconveniente; só servirá para lançar dinheiro à. rua e para criar uma classe do desempregados que hão-de criar-nos horas amargas e difíceis,
O melhor seria que o Estado estudasse, em relação a cada indústria que sofra as consequências da crise do consumo, a sua percentagem do chômaga o a possibilidade de socorrê-la na respectiva cota parte, por forma a podê-la manter na sua indispensável laboração.
O Sr. Presidente. — V. Exa. deseja terminar o seu discurso ou quere ficar com a palavra reservada?
O Orador: — Ficarei com a palavra reservada; mas todavia, se V. Exa. assim mo permitir, ainda farei agora algumas considerações para completar o meu raciocínio.
Relativamente nos artigos sujeitos a solo, não se trata do retraimento do consumidor. O consumidor é que os não quero comprar para não satisfazer as exigências da lei da selagem.
No actual momento não compro senão o indispensável, e o que eu faço faz muita gente.
Já não digo o mesmo relativamente ao imposto do sêlo, pois não é difícil a sua colocação. Isto é que não ó com o consumidor que quere pagar o sêlo. É como intermediário.
A êste não custa pôr no artigo o solo. É relativamente às dificuldades de ordem técnica, elas se resolverão a bem da indústria.
Quando defendo a lei do sêlo, olho apenas aos interêsses do Estado e não aos das classes. Por isso não me comovem nem me abalam as campanhas que possam fazer contra mim. Essas campanhas só me honram e por isso defino a minha atitude. Não me importo com os agravos daqueles que levam ao consumidor 60 por cento mais do que o preço na origem.
A minha obrigação é defender os interêsses do Estado.
Li com a maior atenção as varias representações que foram enviadas ao Govêrno e ao Congresso da República pelos representantes das classes comercial e industrial. Expondo os métodos a empregar para percepção do imposto do solo, essas classes não dizem ser impossível a sua cobrança, acentuando apenas sor impraticável nas garrafas de cerveja que estão sujeitas a deteriorarem-se o que por isso são remetidas para as fábricas. Neste ponto acho perfeitamente justa a sua reclamação. Estou sempre pronto u servir o atender o que for justo, sem olhar às pessoas, cujos interêsses não cuido.
Estou pronto a aceitar uma fórmula que não crio dificuldades.
Na sessão seguinte prosseguirei nas minhas considerações.
O orador não reviu.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: tenho visto nos jornais virias notícias acêrca da intenção em que está o Sr. Ministro das Finanças, em publicar um diploma a que chamam reforma bancária.
Já não deve admirar a ninguém, nem aos próprios parlamentares, que o Govêrno publique unia lei sôbre o assunto, sem a mesma ser presente à apreciação do Parlamento.
Estamos, Sr. Presidente, em plena ditadura e, assim de admirar não será que o Sr. Ministro das Finanças ou o Govêrno, sôbre um assunto desta importância, tenham a intenção de legislar em ditadura.
Tenho visto, Sr. Presidente, nos jornais que um dos pontos que Sr. Ministro das
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Finanças deseja tocar coagiste em fazer com que os bancos ou companhias, com quem o Estado tem contratos, e que tom de sor respeitados por ambas as partes, tenham lá representantes do Estado, sem se atender ou querer saber se essas instituições são particulares.
Eu desejo saber, Sr. Presidente, se nós já chegámos a altura de se fazer tal, pois tenho a certeza de que quando isso se fizer, chegamos ao ponto de ninguém mais despender um centavo sequer.
Negar a alguém o direito de escolher os seus representantes na administração dos seus bens, isto com o intuito de lá colocar amigos políticos, que têm levado o País à situação desgraçada em que nos encontramos, é uma cousa que se não pode admitir por princípio algum.
Desejaria que o Sr. Ministro das Finanças me esclarecesse sôbre o assunto, isto é, se na verdade tencionava publicar sem trazer ao Parlamento um diploma de tal ordem, ou se, pelo contrário, está na intenção de respeitar êsses contratos que existem com os bancos e as companhias, deixando-lhes a liberdade de escolherem os seus representantes para administrarem os seus bens.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior): — Sr. Presidente: respondendo às considerações feitas pelo Sr. Carvalho da Silva, eu devo dizer sucintamente o seguinte:
O Govêrno, ao apresentar-se ao Parlamento, declarou, no seu programa, que faria a reforma bancária, isto é, a reorganização dos serviços dos bancos, definindo quais êsses serviços, e dizendo a forma como essa indústria deve passar, a ser regulada.
Sabe V. Exa. que a lei actual é do 1896, e que o regulamento é do mesmo ano. Por conseguinte é preciso actualizar a nossa legislação, e pô-la no nível jurídico em que sé encontram as correspondentes legislações nos outros países. E isto que só pretende fazer, cumprindo, aliás, aquilo que o Govêrno anunciou no seu programa, pela minha pasta.
Preguntou-me o Sr. Carvalho da Silva só o Govêrno vai fazê-lo em decreto. Devo dizer a V. Exa. que sim.
Está o Govêrno autorizado pela lei n.° 1:545 a tomar todas as medidas que julgar necessárias para a melhoria cambial, restringindo, apenas, essa autorização o lançamento de impostos.
Julgo que dentro desta autorização cabe perfeitamente, sem nenhum sofisma, o decretar-se a remodelação do regime bancário.
O Govêrno não vai tomar essa medida para atacar os interêsses de ninguém, mas, pelo contrário, pretende garantir os interêsses dos particulares, que não são só os gerentes dos Bancos, mas são também os depositários e accionistas.
É isto que se assegurará no decreto que dentro de breves dias. vai ser publicado.
Nas relações estabelecidas entre o Govêrno e entidades bancárias emissoras, naquilo que até hoje e sempre se chama em direito financeiro o direito do «príncipe», o direito de cunhar moeda, o Estado intervirá de maneira a que êsse direito lhe fique assegurado, e que dentro da República não haja outra majestade que não seja a democracia.
O Sr. Carvalho da Silva (em aparte): — Isso é um princípio de V. Exas. ...
O Orador: — Dentro dos Bancos emissores, far-se há por intermédio de uma instituição que já hoje existe, a Inspecção de Câmbios è Comércio Bancário, aquela fiscalização necessária para que não mais se repita aquilo que até hoje se tem feito por parte de alguns dêsses Bancos, que é afogar constantemente a economia nacional por meio de especulações de ordem cambial.
Emquanto eu for Ministro das Finanças, pode V. Exa. ficar seguro que não o consentirei.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: — Já nada me pode surpreender neste país, e a resposta que o Sr. Ministro das Finanças acaba de dar é a cousa mais extraordinária, o atentado mais violento contra a propriedade particular, contra tudo aquilo que em qualquer parte é respeitado.
O Sr. Ministro das Finanças tenciona era ditadura actualizar a legislação rela-
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tiva ao regime bancário, quere dizer, o Sr. Ministro das Finanças vai fazer uma nova lei, sem a trazer ao Parlamento, e êste, despresando os seus direitos e esquecendo os seus de veros, não se levanta para dizer ao homem que assim acaba do falar que tem de abandonar as cadeiras do Poder.
Sr. Presidente: à sombra da lei n.° 1:545 que, apenas, autorizava o Govêrno a legislar sôbre melhoria cambial, com exclusão da matéria tributária, têm sido lançados impostos o mais impostos.
Mas há mais.
A Constituição declara que não podem ser concedidas autorizações sobro matéria tributária, e no seu artigo 27.° determina, claramente, que nenhuma autorização podo servir mais de uma vez, e esta lei tom servido mais de 50 vezes.
Mas, Sr. Presidente, se sob o ponto de vista legal é absolutamente inaceitável o que o Sr. Ministro das Finanças acaba de declarar, o que S. Exa. disso, em matéria de respeito pelos contratos, ó uma cousa que não tem classificação.
O Sr. Ministro das Finanças disse, em primeiro lugar:
«Há entidades bancárias que tem feito especulações».
As entidades bancárias em questão são os Bancos emissores.
O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior); — Não são. V. Exa. não tom o direito de transtornar aquilo que eu disse.
O Orador: — V. Exa. sabe que nos Bancos emissores há representantes do Estado, os fiscais que pelos contratos bilaterais, porque os Bancos são de particulares o não do Estado, êste já pode ter.
Ora V. Exa. não pode, sem saltar por cirna dos contratos, criar novos lugares de representantes do Estado nos Bancos. V. Exa. tem já dentro dos Bancos representantes do Estado; pregunto, pois, se alguns já têm acusado algumas irregularidades cometidas nesses Bancos.
Em caso afirmativo, V. Exa. não tinha senão que trazer ao Parlamento uma proposta de lei para modificar êsse estado de cousas; e se V, Exa. não tem confiança nesses funcionários, não tem. mais que demiti-los.
Mas o que V. Exa. não podo fazer, sem alterar os contratos, ó nomear mais representantes do que os marcados neles para êsses organismos.
Se o fizer, salta por cima da lei, e demonstra que só quero criar lugares para os da seja a quem for, com gravame dos direitos dos particulares.
Sr. Presidente; se o propósito do Sr. Ministro das Finanças for por pretado, nós, que não queremos combinações, nem lugares para o nosso partido, nem seja o que for da República, havemos de empregar aqui todos os processos para defender a legalidade, porque não é sério saltar-se por cima da lei dos contratos.
Resta-me sabor se nesta casa do Parlamento os Deputados de qualquer bancada republicana deixarão mais uma vez o Sr. Ministro das Finanças saltar por cima das suas prerrogativas, publicando uma lei que não pode publicar. Nós, que não queremos nada do Govêrno, nem lugares para amigos, havemos de saber com que autoridade ficam os republicanos representados dentro desta Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior) (para explicações). - Sr. Presidente: bastava o ataque que acaba de fazer o Sr. Carvalho da Silva a êste meu trabalho que me levou largas horas da noute e do dia, para eu tive a certeza de que tinha feito uma boa obra.
Se S. Exa. viesse felicitar-me por mu trabalho que eu tenho em mente eu teria a certeza que teria atraiçoado os meus princípios e as minhas convicções, e que essa obra não era uma obra republicana, pois ou tinha defendido os interêsses pessoais dos inimigos da República.
A campanha que só tem feito sêbre uma obra que ainda não se sabe o que é, já há muito que o País a sente, porque aqueles que não puderam submergir a República pela fôrça das armas, procuram estrangulá-la por meio das finanças.
Apoiados.
Interrupção do Sr. Carvalho da Silva.
O Orador: — O Sr. Carvalho da Silva não tem o direito de se dirigir a mini por essa forma.
S. Exa. se conhecesse a lei de 1896 es-
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Sessão de 16 de Janeiro de 1925 27
taria calado, porque o Govêrno fez o que devia fazer!
O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. saltou por cima das atribuições do Parlamento ...
O Orador: — Terei muito gosto que V. Exa. quando for publicado êsse decreto o venha aqui discutir, porque encontrará na sua frente um Ministro que tem a coragem de defender as finanças do País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: — A próxima sessão é na segunda feira, 19, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:
Antes da ordem do dia:
Parecer n.° 841, sôbre a execução do decreto n.° 6:754 de 15 de Julho de 1920.
Parecer n.° 196, cria o Montepio dos Sargentos de Terra e Mar.
Parecer n ° 124, regula a admissão a empregos públicos.
Parecer n.° 743, recrutamento de amanuenses da Direcção Geral Militar do Ministério das Colónias.
Ordem do dia:
Parecer n.° 843, substituição à tabela de imposto do sêlo.
Parecer n.° 783, anula os decretos n.ºs 9:354 e 9:763 e suspende a execução do n.° 9:677.
Parecer n.° 639, sôbre construção e exploração dum arsenal naval na Margueira.
Parecer n.° 645-C, orçamento do Ministério da Instrução.
Parecer n.° 760, isenta de direitos os materiais para caminhos de ferro eléctricos.
Parecer n.° 696, cria a freguesia de Moitas-Venda, concelho de Alcanena.
Parecer n.° 633, autoriza a junta de freguesia de Alpendurada e Matos a vender certos bens.
Parecer n.° 799, cria na freguesia de Barcarena uma assemblea eleitoral.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 55 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 830-C, que autoriza a Junta de Freguesia de Freamunde a contrair um empréstimo até 60.000$ para abastecimento de água e construção de edifícios escolares.
Para a comissão de finanças.
Da mesma, sôbre o n.° 830-D, que cede à Junta de Freguesia de Freamunde, concelho de Paços de Ferreira, o passal da mesma freguesia e outros terrenos.
Para a comissão de negócios eclesiásticos.
Projectos de lei
Do Sr. Deputado João de Orneias da Silva, aplicando aos militares reformados, que exerçam funções públicas, o artigo 81.º dá lei n.° 226, de Junho de 1914, e o artigo 58.° da lei n.° 410, de Setembro de 1915.
Para o «Diário do Govêrno».
Do Sr. Deputado Torres Garcia, autorizando a Câmara Municipal de Coimbra a contrair um empréstimo até 3:000 contos para amortizar em trinta prestações, e com determinada aplicação.
Aprovada a urgência.
Para a comissão de administração pública.
Para o «Diário do Govêrno».
Comissão de Comércio e Indústria Em virtude de o Sr. Deputado Torres Garcia ter insistido no seu pedido de escusa da presidência desta comissão para que tinha sido escolhido, alegando razões que a comissão julgou de atender, foi escolhido para o referido cargo de presidente o Sr. Deputado Nuno Simões.
16 de Janeiro de 1925.— O Secretário, João Pires Cansado. Para a Secretaria.
Requerimento
Desejo examinar o processo de sindicância ao ex-Ministro de Portugal em Berlim, e por isso requeiro que pelo Ministério dos Estrangeiros me seja facultado o processo ou a sua cópia.
15 de Janeiro de 1925. — Joaquim Ribeiro.
Expeça-se.
O REDACTOR — Herculano Nunes.