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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.° 20

EM 21 DE JANEIRO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva

Sumário. — Respondem à chamada 56 Srs. Deputados.

É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.

Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. — O Sr. Tavares de Carvalho pede providências para a crise de trabalho no circulo de Setúbal.

Responde o Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior).

O Sr. Vergilio Saque produz considerações sôbre a falta de transportes marítimos para os Açores.

Responde o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Torres Garcia trata de problemas económicos que precisam ser resolvidos, terminando mal a apresentação de um projecto de lei, para que requere urgência, que é concedida,

O Sr. Presidente do Ministério (José Domingues dos Santos) apresenta uma proposta de lei de crédito para a celebração do 4.º centenário da morte de Vasco da Gama.

Requere urgência e dispensa do Regimento, que são concedidas.

A proposta de lei é aprovada sem discussão, com dispensa de última redacção.

O Sr Amaral Reis fala sôbre a construção do caminho de ferro de Foz-Tua a Viseu e sôbre o problema das estradas.

Responde o Sr. Ministro do Comerão (Plínio Silva).

Ordem do dia. — Continua a discussão sôbre o regime bancário.

Usa da palavra, sôbre a ordem, o Sr. Morais Carvalho, sendo admitida-a sua moção.

Segue-se o Sr. Velhinho Correia, que também apresenta uma moção de ordem, que é admitida.

O Sr. Presidente faz sentir a necessidade da segunda chamada, com número regimental, que se realizou às 15 horas.

Documentos mandados piara a Mesa durante a sessão.— Última redacção. Projectos de lei.

Pareceres

Abertura da sessão, às 15 horas e 40 minutos.

Presentes à chamada, 55 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 57 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Torres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Francisco Dinis do Carvalho.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Júlio de Sousa.
João José Luís Damas.
João Pina da Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Góis Pita.
Sebastião de Herédia.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Lino Neto.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio do Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João de Ornelas da Silva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Jorge Carros Capinha.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Henrique do Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Não compareceram ou Srs.:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.

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António Albino Marques de Azevedo.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Hermano José de Medeiros.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.

Ás 15 horas e 40 minutos fez-se a chamada, à qual responderam 56 Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: — Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Foi lida a acta.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o expediente.

Foi lido o seguinte

Expediente

Telegramas

Do Centro Comercial do Pôrto, pedindo aclaração do decreto sôbre regime bancário.

Da Associação Comercial e Industrial de Santo Tirso, pedindo a discussão do parecer sôbre selagem.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Tavares de Carvalho: — Pedi a palavra para rogar a V. Exa. o obséquio de me informar se não pode pôr desde já em discussão o parecer n.° 196, conforme eu tinha solicitado.

O Sr. Presidente: — Devo dizer a V. Exa. que o parecer n.° 196 está de facto marcado para discussão antes da ordem do dia, porém, segundo um requerimento feito na sessão de ontem pelo Sr. Maldonado de Freitas, e que foi aprovado, o que se deve discutir em primeiro lugar é o parecer n.° 843, que diz respeito à selagem.

O Orador — Agradeço a V. Exa. a sua explicação.

Em vista de estar com a palavra, e encontrando-se presente o Sr. Ministro das Finanças, eu peço a S. Exa. o obséquio de transmitir ao Sr. Ministro do Trabalho as considerações que vou fazer.

Há no meu círculo, Setúbal, um grande número de operários sem trabalho, muito principalmente corticeiros de Almada, Barreiro e Seixal, que estão lutando com a miséria.

Espero, pois, que o Sr. Ministro das Finanças chame para o assunto a atenção do Sr. Ministro do Trabalho, de forma a que se possam evitar possíveis alterações da ordem.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior): — Sr. Presidente: pedia palavra para dizer ao Sr. Tavares de Carvalho que transmitirei ao meu colega do Tra-

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bailio as considerações que S. Exa. acaba do fazer.

Relativamente ao que S. Exa. disse, o que ou posso garantir é que o assunto já foi tratado com o Sr. Ministro do Trabalho, que o está estudando com o Sr. Ministro do Comércio, do forma a poder empregar essa gente na abertura de novas vias férreas, que dentro em breve deverão começar.

O orador não reviu.

O Sr. Tavares de Carvalho: — Devo dizer a V. Exa. que nas obras do Alfeite, cuja direcção está entregue a um oficial muito distinto, se podem admitir bastantes operários, desde que o Govêrno estude o assunto.

O Sr. Vergílio Saque: — Sr. Presidente: pedi a palavra para tratar de um assunto que considero da máxima importância, para a economia da Nação.

Não desconhecem certamente, V. Exa. e a Câmara, pelas notícias vindas a público, que a Empresa Nacional de Navegação acaba do amarrar um dos seus barcos que fazem as carreiras regulares para os Açôres, com o fundamento do não ter carga para poder suportar essas viagens.

Consta também, Sr. Presidente, que igual procedimento vai ser adoptado pela Companhia Nacional de Navegação, que igualmente procura evitar o dispêndio que está fazendo com as viagens com escala pelo Funchal, por mio terem carga suficiente.

Creio, Sr. Presidente que é do todo o ponto justo que se peça o integral cumprimento do uma disposição do lei, isto é, que só, ponha em execução o decreto n.° 5:383, que diz respeito à marinha mercante, nos termos do seu artigo 16.°

êste decreto, que tem a data de 25 de Setembro de 1922, foi feito com o intuito de estabelecer uma regalia para a marinha mercante nacional, doutrina esta aliás já seguida, por outros países. Ela, porém, foi posta de parte em virtude da portaria n.° 3:352, publicada em Outubro do mesmo ano.

A doutrina desta portaria excepcional foi lançada no momento em que a marinha mercante nacional estava em greve, garantindo-se assim o transporte de mercadorias, muito especialmente para vi Madeira; hoje, porém, em que a situação se transformou, justo é que ela se não mantenha.

O meu pedido, pois, o para o qual chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças, é para que se revogue a portaria n.º 3:352, tanto mais quanto é certo que uma portaria não pode ter maior fôrça que um decreto.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr, Ministro das Finanças (Pestana Júnior): — Sr. Presidente: em resposta ao ilustre Deputado Sr. Vergílio Saque, devo dizer a S. Exa. que concordo absolutamente com a doutrina que acaba do expender, e assim, logo que soja possível, falarei com o meu colega do Comércio, a fim de que êle possa remediar os inconvenientes que S. Exa. apontou.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Torres Garcia: — Sr. Presidente: julgo da máxima conveniência que o Congresso da República, juntamente com a discussão das propostas pendentes que dizem respeito a graves problemas de administração pública, se interêsse também pela resolução do problemas, que, embora locais, interessam igualmente a Nação.

Não é desconhecido do ninguém que há no País regiões que pela sua situação geográfica, pela sua constituição étnica e pelos seus recursos constituem dentro da nacionalidade verdadeiras regiões naturais, categorizadas e individualizadas, uma cousa que é, sem dúvida nenhuma, indispensável.

Temos a Beira constituída pelos distritos de Coimbra, Aveiro, Visou, Guarda e Castelo Branco.

Como todos sabem, é cousa primacial, para o desenvolvimento de uma região o apetrechamento do todos os instrumentos de progresso. E no primeiro plano estão os caminhos de ferro e as estradas no interior, e os portos na costa.

Temos assim de considerar esta região, em que estou falando, como completamente desprovida dêstes últimos instrumentos do seu progresso.

Temos hoje o pôrto de Lisboa a fazer face às necessidades económicas, comerciais e industriais do sul do País. Temos

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em via de conclusão as obras do porto de Leixões, tendentes a exercerem uma benéfica influência na região do norte.

Mas não temos nada fixado, de positivo, a respeito do centro do País. É necessário, é urgente, que na foz do Mondego e no estuário dêsse rio se construa um pôrto que seja capaz de fazer face às necessidades da Beira.

Não queremos nós, os que representamos essa região, que na foz e estuário do Mondego se construa um grande pôrto, como o de Lisboa e do Leixões, mas construa-se um pôrto que, sendo amplo e capaz de realizar uma ampla função no que respeita à pesca, realize também o comércio da grande cabotagem, que só pode fazer-se em face das necessidades; e tanto êsse problema é instante e de alto interêsse nacional, que sucessivamente se tem legislado para êsse efeito. Não enumero as leis nem a série de decretos que têm sido promulgados para a resolução dêste objectivo.

O que afirmo a V. Exa. é que se tem sempre errado na prática, porquanto se fixam bases no papel, para conseguimento dêsse objectivo, mas, vendo-se depois que eram inaplicáveis, devido à depreciação cambial. Por isso é necessário modificar os métodos usados.

Até aqui a legislação baseia-se em obras no papel. O que é necessário é dar à Junta autónoma do porto da Figueira da Foz toda a liberdade para a adjudicação das obras em parcelas até final conclusão.

Sei que disposições regimentais me impedem de apresentar um projecto de lei para resolução do problema, sem que concomitantemente, paralelamente, indique a receita correspondente. Mas é bom frisar-se que a resolução do objectivo implica o estado duma receita que existe, qual é aquela que constitui o fundo de protecção à marinha mercante, que anualmente é calculado em 30:000 contos. De maneira que o Estado deve quanto a mim obrigar-se aos encargos da operação financeira que tinha de realizar-se através dessa receita. Mas como julgo de boa prática e justo interessar os povos que se aproveitam das obras, entendo que, no interêsse de todos os povos interessados, o Estado deve lançar e cobrar um adicional sôbre as contribuições gerais do Estado na zona do influência económica do porto da Figueira da Foz, e a aplicação deve ficar autorizada para o caso de as disponibilidades do fundo de protecção à marinha mercante não chegarem para cobrir as anuidades vincendas.

Assim é que, em nome dos representantes do círculo de Coimbra, mais próxima mente interessado na resolução dêste problema, o mais proximamente interessado para o caso de a obra se estender mais além, isto é, a toda a região que vai da bacia hidrográfica do Mondego à região da Beira, proponho que se autorize a cobrança dêsse adicional.

O discurso verá publicado na integra revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Domingues dos Santos): — Sr. Presidente: na próxima semana teremos de celebrar em Portugal o centenário de Vasco da Gama.

Para estas festas, notáveis a todos os títulos, foram convidados e fazem-se representar a maior parte dos países estrangeiros.

Não tenho verba para a recepção condigna que há a fazer a essas entidades, e por isso eu mando para a Mesa uma proposta de lei de 500 contos para fazer faço a essas despesas, pedindo para ela a urgência e dispensa do Regimento.

O orador não reviu.

Consultada a Câmara, foi aprovada a urgência e dispensa do Regimento.

Proposta de lei

Artigo 1.° É aberto no Ministério das Finanças, a favor do Ministério do Interior, um crédito especial da quantia de 500.000$ para a celebração do «4.° centenário da morte do ilustre e grande português descobridor da derrota das índias Orientais, D. Vasco da Trama, primeiro Conde da Vidigueira».

Art. 2.° A verba de que trata o artigo anterior, sob a Competente rubrica, ficará constituindo o capítulo 9.° da despesa extraordinária da proposta orçamental do segundo dos referidos Ministérios para o corrente ano económico de 1924-1925.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões da Câmara dos De-

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putados, em 19 do Janeiro de 1925. — O Presidente do Ministério e Ministro do Interior, José Domingues dos Santos. — O Ministro das Finanças, Manuel Pestana Júnior.

Em seguida a proposta, foi aprovada sem discussão, na generalidade e na especialidade.

O Sr. António Resende: — Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Câmara sobro se dispensa a leitura da última redacção da proposta que acaba do ser aprovada.

Consultada a Câmara, foi aprovada.

O Sr. Amaral Reis: — Eu pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro do Comércio para o que se está passando sôbre o projecto de construção da linha de caminho do ferro da Foz do Tua a Viseu.

Quási todos os dias os jornais do Lisboa e da província trazem notícias do reuniões de todos os povos das regiões que possivelmente possam ser atravessadas por êsse caminho de ferro, onde se têm feito várias reclamações o protestos, todos tendentes a que se façam diversas variantes sôbre o traçado já elaborado.

Sr. Presidente: é natural que haja neste momento essas reclamações, mas a verdade é que o projecto foi estudado por engenheiros dos mais distintos, e os interêsses da Companhia são, naturalmente, os interêsses do Estado e os interêsses colectivos.

Os interêsses da Companhia consistem, naturalmente, em fazer um traçado mais económico, que atravessa ao mesmo tempo regiões que lhe possam trazer maior tráfego. Os interêsses que estão em luta são os interêsses das regiões, e eu estou convencido, e para não é que eu chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio, de que êsse projecto de traçado não será alterado, a não ser que os interêsses gerais do Estado fossem considerados de uma melhor maneira do que o são pelo projecto que se conhece.

Para isso, repito, chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio, e estou certo de que se não fará qualquer alteração sem que S. Exa. tenha ponderado bom o assunto.

Eu vejo que tem aparecido as razões mais extraordinárias para atacar êsse projecto, e isso ó natural, porque estão em jôgo interêsses dos povos, interêsses de grandes proprietários, interêsses eleitorais, etc.

Já há dias que eu pedi também a palavra pura tratar de um assunto que tem sido largamente debatido nesta Câmara, o que é o problema das estradas.

O Sr. Ministro do Comércio já disse aqui que trazia em breve uma proposta de lei, chamando a si a resolução dêsse assunto; mas a pregunta que eu desejava fazer a S. Exa. é esta: e está sendo pago o imposto de turismo?

Consta-me que êsse imposto deve ter rendido, até hoje, corça de 20:000 contos, e ou pregunto a S. Exa. se vê possibilidade do êsse imposto vir a ter a aplicação para que foi destinado.

A importância é para considerar mas, não só no meu espírito, como no de toda a gente que conheço como tem sido feita ultimamente a aplicação dos fundos destinados aos serviços autónomos, como a Instrução Primária, caminhos de ferro, etc., existe a dúvida de que o Estado tenha facilidade em aplicar à melhoria das estradas a importância até hoje cobrada do referido imposto.

Consta-me que só para melhorar as estradas que estão em estado lastimoso são necessários 200:000 contos, sendo 160:000 para as estradas propriamente ditas e 40:000 para as pontos. O Sr. Ministro do Comércio, melhor do que qualquer outra pessoa, poderá, esclarecer a minha dúvida.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Plínio Silva): — Sr. Presidente: com respeito ao primeiro assunto do caminho de ferro de Visou à Foz do Tua, de que tratou o Srs. Amaral Reis, eu devo dizer a S. Exa. que tenho acompanhado com o maior interêsse e cuidado, como é natural, as diferentes apreciações que têm sido produzidas a respeito daquele tratado.

Trata-se, evidentemente, de um assunto em que todo o escrúpulo não é demasiado, e, nestas condições, estou convencido do que o Sr. Amaral Reis não se recusará a fazer-me justiça, considerando que se

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for eu, porventura, a pessoa que, em última instância, tiver de se pronunciar sôbre o projecto, o farei de forma que todos, reconheçam que o despacho foi dado de harmonia com as necessidade das regiões que o traçado abrange e que o traçado a adoptar será aquele que mais convenha ao desenvolvimento das regiões servidas, sem atender a quaisquer sugestões de ordem política.

Creio que estas palavras devem satisfazer completamente o Sr. Amaral Reis, no que respeita à primeira pregunta que me fez; mas se S. Exa. assim o não entender, fará o favor de mo dizer.

O Sr. Amaral dos Reis (interrompendo):— Eu agradeço a S. Exa. o dizer-me que o projecto não será alterado senão para servir melhor os interêsses do Estado e da regiões atravessadas.

O Orador: — Durante o tempo em que tenho procurado bom desempenhar êste lugar, e durante 6 anos que tenho sido Deputado, eu creio ter dado bastantes provas de uma isenção absoluta na maneira como procuro resolver os assuntos desta natureza.

Eu para resolver êste problema limito-me a pedir o seguinte: que o fundo de viação e turismo seja exclusivamente aplicado na reparação das estradas, isto de harmonia com o motivo da sua criação.

Quando êle foi estabelecido, o então Ministro do Comércio colocou o problema no seguinte pé: inscrever no orçamento do Ministério do Comércio aquelas verbas que julgava necessárias para efectuar certos e determinados trabalhos, e desinteressar-se da maneira como seria feita a cobrança do fundo de viação e turismo.

Por isso, se V. Exa. for ver a lei, encontra lá o seguinte: que as verbas inscritas nesse orçamento seriam por compensação obtidas do fundo de viação e turismo, o qual por sua vez seria cobrado directamente pelo Ministério das Finanças.

E V. Exa. compreende bem qual era o critério do Ministério do Comércio: como êle previa que não podia obter desde logo aquelas verbas, queria ver se obtinha do Ministério das Finanças os créditos necessários para as compensar.

Deve dizer que não concordei com êsse critério, porque a verdade é que se o Ministério das Finanças não tiver verbas, não pode dar, e a prática demonstrou que eu tinha razão.

Nessas condições, e como também se não fez o regulamento da lei, esteve-se durante mais de um ano sem se fazer a cobrança do imposto de viação e turismo.

Eu leio à Câmara as cobranças feitas até hoje:

Lê.

Êsse ano prevê-se que se possa elevar a cobrança a aproximadamente 12:000 contos.

Já outro dia disse que o País está pronto a contribuir para êste fundo, a fim de se fazer a conveniente reparação das estradas; e se em alguns concelhos não se tem feito a necessária cobrança, é por que tem havido falta de impressos. Mas já o meu antecessor, o Sr. Nuno Simões, se interessou por isso, mandando arranjar os impressos.

Assim, se se puder fazer a cobrança geral, ela deve atingir no fim do ano a soma de 22:000 contos, sendo a verba só dêste ano aquela que já referi a V. Exa. Julgo, por isso, que a Câmara deve aprovar a minha proposta de lei, para que o fundo de viação e turismo seja pôsto à ordem do Ministério do Comércio.

O Sr. Amaral Reis naturalmente também concordará com ela.

O Sr. Amaral Reis: — V. Exa. dá-me licença?

No fim dêste ano devem haver cobrados cerca de 17:000 contos.

Pregunto a V. Exa. se o Govêrno está disposto a aplicar êsse dinheiro na reparação das estradas, ou se êsse dinheiro já desapareceu, isto é, se continuamos a pagar um tributo cujo destino não é aquele para que foi criado.

O Orador: — Como disse a V. Exa. a cobrança, no ano de 1923-1924, foi apenas de quatro mil e tantos contos que foram aplicados em estradas.

Mas, como a verba que estava inscrita no orçamento do Ministério do Comércio, era de 7:500 contos, sucedeu que o Ministério das Finanças teve ainda que dar ao do Comércio três mil e tal contos. Actualmente, como eu disse ao Sr. Amaral Réis, essa cobrança já deve exceder os 7:500 contos inscritos no orçamento, exacta-

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mente para que o excedente não fique no Ministério das Finanças, porventura mesmo de interpretações que já ouvi a alguns altos funcionários de finanças, e eu pretendo que a Câmara, aprove uma proposta de lei para que todo o fundo do viação o turismo soja aplicado às entradas.

O Sr. Amaral Reis também, preguntou qual era a importância que se calculava necessária para fazer as reparações das estradas.

Realmente, ela atinge o número que V. Exa. há pouco referiu: 200:000 contos.

Creio que o Sr. Amaral Reis ficará satisfeito com as respostas que acabo do dar.

Tenho dito.

O orador não reviu, nem o Sr. Amaral Reis fez a revisão dos seus àpartes.

O Sr. Presidente: — Deu a hora de se passar à ordem do dia.

Está em discussão a acta.

É aprovada sem reclamações.

ORDEM DO DIA

Continuação do debate sôbre o decreto que estabeleceu a reforma bancária.

O Sr. Morais Carvalho (sôbre a ordem): — Sr. Presidente: tendo pedido a palavra sôbre a ordem, começarei por enviar para a Mesa nos termos regimentais a minha moção, que é concebida nos seguintes termos:

Considerando que em regime parlamentar é ao Poder Legislativo que compete primitivamente fazer e revogar leis, regendo por meio delas os assuntos que mais interessam à vida da Nação e que nem o Parlamento pode consentir, som uma abdicação humilhante dos seus direitos, que seja invadida a sua esfera de acção.

A Câmara declara irrito e nulo o decreto inconstitucional n.° 10:474 sobro a organização bancária e continua na ordem do dia.

Lisboa, Sala das Sessões, aos 21 de Janeiro do 1925. — Morais Carvalho.

Sr. Presidente: não sei eu de provocação mais directa, nem de humilhação mais funda, atiradas jamais por um Govêrno às faces de um Parlamento funcionando regularmente em período normal de sessão legislativa, do que as contidas no decreto sôbre organização bancaria que ora está em discussão.

E quando atentamos que o Govêrno, para assim invadir a esfera do acção do Poder Legislativo, só permitiu invocar o uso do uma autorização, não só caduca, mas até considerada inaplicável à hipótese em questão, então havemos de concordar que àquelas provocação o humilhação se quis propositadamente acrescentar um ultraje.

Apoiados da direita.

Sr. Presidente: um Parlamento que, resignadamente consentisse que assim lhe postergassem os seus direitos, não tinha, mais uma hora, nina razão de existir.

Então para que é que nós estamos aqui?

É única e exclusivamente para anular ou criar do noto uma nova freguesia ou cousa semelhante?

Se nos assuntos mais importantes, só naqueles que mais interessam à vida da Nação, o Poder Legislativo não tem qiu; fazer, só para tal basta apenas a competência de um Ministro das Finanças, seja êle embora o Sr, Pestana Júnior, então mais vale que nos vamos embora para não nos sujeitarmos à vergonhosa que o Poder Executivo invada a esfera de acção do Poder Legislativo.

Apoiados.

Sr. Presidente: diz a Constituição que é ao Poder Legislativo que compete primitivamente fazer, interpretar, suspender ou revogar leis,

Mas o Sr. Ministro das Finanças diz o contrário, porque abertamente, na parto final do seu decreto, S. Exa. vem declarar que revoga a lei bancária de 96.

Apoiados.

Ora eu julgo que era esta, do harmonia com a Constituição, urna atribuição exclusiva, privativa do Poder Legislativo, e que portanto S. Exa. não podia usar do direitos que não tinha para anular uma lei, que só pelas Câmaras podia ser revogada.

Mas, Sr. Presidente, o Sr. Ministro das Finanças declarou que, para proceder como procedeu, estava autorizado por uma lei expressa - a lei n.° 1:545 de Feve-

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reiro do ano passado — que lhe dava poderes para fazer o que fez.

Sr. Presidente: a lei n.° 1:545 é essa malfadada lei que serviu ao Ministério do Sr. Álvaro de Castro para à sombra dela, em intervenção do Poder Legislativo, decretar a bancarrota do Estado.

A lei n.° 1:545 é a malfadada lei de autorizações que serviu ao Ministério anterior ao actual para fazer êle próprio a especulação cambial, provocando, uma crise industrial de que estamos sentindo as primeiras consequências.

Foi a lei n.° 1:545 que serviu agora ao Ministro das Finanças para à sua sombra, invocando-a não sei já quantas vezos, esquivando-se daquele princípio da Constituição que diz que as autorizações concedidas pelo Poder Legislativo ao Poder Executivo não podem ser aproveitadas mais de uma vez, é aquela lei que serviu para entrar em casa alheia, dispondo daquilo que não era seu, querendo mandar naquilo que lhe não pertence, ainda mais, mandando contra a vontade manifesta dos seus donos.

Disse o Sr. Ministro das Finanças que ora necessário pôr termo a abusos que se continham na actual legislação bancária.

Mas quem disse a S. Exa. que u Parlamento, se S. Exa. para êle recorresse no sentido de melhorar a nossa legislação bancária, e mais de que isso a nossa legislação sôbre sociedades anónimas, lhe negaria os poderes para tal?

Quem afirmou a S. Exa. que o Parlamento se recusaria a colaborar com êle a uma reforma útil e necessária dessa legislação?

Mas — repito-o — o que S. Exa. não tinha — só porque alega que sedavam abusos— era o direito de decretar em ditadura um monstrengo, um monstrengo (!) da natureza dêste. E para mais o Sr. Ministro das Finanças, nas suas duas respostas infelizes sôbre o assunto — e tam infelizes que ficaram muito aquém da sua inteligência — não apontou qualquer circunstância, entre aquelas que citou, que mostrasse, irrefutavelmente, a deficiência da lei.

S. Exa. apontou apenas vários casos em que as leis não se cumpriram. Mas quando as leis se não cumprem, não é necessário alterá-las; é necessário obrigar os cidadãos ao seu cumprimento.

Sr. Presidente: o Sr. Pestana Júnior, ao mesmo tempo que teve a audácia de se declarar, no decurso dêste debate, um constitucionalista extremo, um parlamentarista rigoroso; ao mesmo tempo que fez esta declaração, disse por outro lado que tinha lavrado o decreto que tam grande e justificada celeuma tem levantado em todo o País e que há-de arrastar o Govêrno para fora das cadeiras do Poder.

O Sr. Ministro das Finanças disse:

«Eu, se publico êste decreto, é porque já sei que, se viesse ao Parlamento, não conseguiria, por forma alguma, qualquer cousa que pudesse ser útil à Nação».

E S. Exa. não teve dúvidas de invocar, para justificar o seu procedimento, o exemplo de Jacinto Nunes, dizendo que não queria que lhe sucedesse a êle o mesmo que aconteceu a êste velho e venerando republicano com a sua reforma administrativa, que êle viu esfacelada, velho e venerando republicano, a quem, apesar de nosso adversário político, não temos dúvidas de prestar a nossa homenagem.

Eu compreendia que o Sr. Ministro das Finanças argumentasse pela forma como o fez, se S. Exa. vivesse num regime anti-parlamentarista, e se porventura se não tivesse declarado um acérrimo defensor das prerrogativas do Parlamento.

Quem, como o Sr. Pestana Júnior, se diz acérrimo defensor do regime parlamentarista, não tem o direito do dizer que se não trouxe uma proposta de lei ao Parlamento, foi porque receou que ela daqui não saísse.

O que é que se contém nos oitenta artigos do decreto do Sr. Ministro das Finanças?

Contam-se neles algumas disposições novas e muitas disposições que já se encontravam na legislação anterior.

O próprio Sr. Ministro das Finanças declarou ontem que isto era como que uma cerzidura de disposições de leis dispersas e fragmentárias.

Ora, Sr. Presidente, eu creio que a êste decreto do Sr. Ministro das Finanças se pode, em verdade, aplicar o comentário que se atribuo a Castilho, acerca de uns versos sujeitos à sua apreciação.

Aqui há cousas boas, e há cousas novas!

Mas, Sr. Presidente, as cousas boas

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não são novas, as cousas novas não são boas.

Mas porque é que o Br. Ministro das Finanças veio, num decreto desta natureza, pegar em tanta cousa que já estava na legislação anterior e reproduzi-la aqui?

Isto tem uma explicação.

É que o Sr. Ministro das Finanças, para lazer passar algumas disposições violentas e atrabiliárias que S. Exa. sabia que levantariam contra si os protestos mais indignados do País, entendeu que o melhor era confundi-las com muitas outras cousas, visto que isoladamente não passariam.

Aqui está a razão por que o Sr. Ministro das Finanças, depois de ter prometido em conferencia dada a um jornal que traria ao Parlamento a reforma bancária, faltou ao seu prometimento.

E que o Parlamento não deixaria passar os empregos novos criados, nem deixaria passar certos preceitos que são profundamente Imorais, como é, determinadamente, aquele em que só permite aos directores de quaisquer Bancos que o sejam também do nosso banco de redesconto, que fica sendo o Banco do Portugal.

Se S. Exa. tivesse vindo aqui pedir vários lugares chorudos para distribuir a amigos políticos do Govêrno, com certeza que o Parlamento não lhos daria.

Se S. Exa. viesse dizer aqui que o que lhe interessava acima de tudo era arranjar dois bons lugares de vice-governador, para o Banco de Portugal, outros dois para o Banco Ultramarino, mais um fiscal para Angola, outro para Moçambique, e mais dois membros para o Conselho Bancário que se cria, com certeza que o Parlamento não lhe permitiria que o fizesse, o assim S. Exa. entendeu que o mais cómodo era mandar o decreto para o Diário do Govêrno.

E para servir amigos políticos de cujo auxílio o de cuja cooperação o Govêrno carece, na montagem, que já vem fazendo, da máquina eleitoral, o Sr. Ministro das Finanças deu-se ao trabalho — S. Exa. o disse aqui — de fazer largos estudos da legislação bancária do todos os países, porque, no dizer de S. Exa. o decreto não é mais do que a consubstanciarão dos resultados dos estudos de direito comparado, a que S. Exa. pacientemente procedeu.

Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças não teve dúvida, para assim servir alguns amigos, em rasgar contrato? em que o Estado tinha pôsto a sua assinatura.

E S. Exa., pretendendo justificar-se da acusação que a êste respeito lhe foi formulada, invocou precedentes que nenhuma aplicação têm para êste caso, que nenhuma relação têm com êle, querendo assim influenciar o espírito daqueles que não se dão ao cuidado de verificar as afirmações dos Ministros.

O Sr. Ministro das Finanças disse que êste seu modo de proceder tinha precedentes na nossa legislação e que já em 1887 o Ministro da Fazenda, Mariano de Carvalho, procedera como S. Exa., apresentando as bases de um contrato a celebrar com o Banco do Portugal, dizendo-lhe ou assim isto ou vai fazer-se o contrato com outrem.

O Sr. Ministro das Finanças não notou o que então se passava ou pretendeu iludir a boa fé desta Câmara, porque as circustâncias são totalmente diversas.

Então o Ministro da Fazenda tinha os braços livres para proceder como entendesse, pois o Estado não estava ligado por nenhuma espécie de contratos.

Agora existe um contrato perfeito, que ao Estado mais do que a ninguém compete cumprir, porque a êle mais do que a ninguém compete dar o exemplo do bom respeito pela sua assinatura.

Sr. Presidente: as circunstâncias de então eram bem diversas das que hoje se dão.

Tinha havido do facto, em Portugal, já depois de 1821, um Banco com o privilégio da emissão de notas; mas em 1887 quando Mariano de Carvalho fez votar pelo Parlamento português as bases de uma reforma a estabelecer com o Banco de Portugal, não havia nenhum contrato que o ligasse ao Estado.

Estava-se no período de liberdade de emissão de notas.

Havia vários Bancos que gozavam dês-se privilégio de emissão.

O Banco de Portugal não o tinha.

Tinha-o obtido, mas já tinha caducado era 1876.

Depois o Ministro da Fazenda, António de Serpa Pimentel, procurou conseguir que ao Banco de Portugal fôsse dado êsse

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privilégio de emissão de notas, mas foi só em 1887 que Mariano de Carvalho conseguiu isso, mas em condições diversas, para honra sua, daquelas de que usa o Sr. Ministro das Finanças.

Por isso eu digo e repito: o Sr. Ministro das Finanças não atentou bem no que se deu então respeitante à emissão de notas, ou quis iludir e surpreender a boa fé desta Câmara.

E se o exemplo de Mariano de Carvalho servia ao Sr. Pestana Júnior, porque é que S. Exa. não fez como êle?

Porque não trouxe S. Exa. ao Parlamento, como êle fez as bases para uma alteração do contrato com o Banco de Portugal?

Depois de munido dessas bases aprovadas pelo Parlamento é que deveria ir negociar com o Banco, porque S. Exa. tinha de negociar emquanto estivesse preso por contratos, poise preciso não esquecer que o respeito dos contratos é uma cousa sagrada.

Quando o Sr. Ministro do Comércio nos falou em nova remodelação completa do novo sistema de estradas, falando em empreitadas, pregunto: como é que êle pensa que possa haver alguém que contrate com o Estado e ir disposto a despender centenas de milhares de contos, se o Estado se julga com o direito de algum tempo depois, dizer que não cumpre o contrato porque não lhe convém?

Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças, em resposta ao Sr. Cunha Leal, declarou que as disposições novas que S. Exa. pretende fazer adoptar pelos bancos emissores serão sujeiras às assembleas gerais dêsses bancos emissores para elas decidirem, em última análise, se as deve ou não aprovar. Mas no caso das assembleas gorais dêsses bancos emissores não aprovarem as medicações que lhes são aplicáveis e constantes do novo decreto do Sr. Ministro das Finanças, para êsse caso o Ministro responde duma maneira sibilina: «Isso será com os bancos».

Pois, Sr. Presidente, o Ministro das Finanças, que ajuizou responder de harmonia com os contratos aprovados pelo Estado, do harmonia com ô precedente invocado polo Ministro, referente a Mariano de Carvalho, deveria dizer que, se as assembleas gerais não quisessem as novas disposições, a contrato antigo deveria ficar em vigor, em pleno vigor.

Foi assim que se fez em 1891, quando foi alterado um contrato provisório entre a direcção do Banco de Portugal e o Govêrno.

Êsse contrato diz claramente e expressamente que, se as assembleas gerais não quisessem notificar o contrato, o mesmo contrato ficaria em pleno vigor, porque o Estado se havia obrigado a êle.

O Sr. Ministro das Finanças. como de qualquer forma tivesse compreendido que o Sr. Cunha Leal o havia acusado de ter alterado as disposições do Código Comercial no que respeita às fusões de sociedades, e o Código do Processo Civil também, S. Exa. replicou em ar triunfante, tendo até citado um dos artigos de um decreto, que se não tratava de alteração de qualquer artigo do Código Comercial, mas de qualquer cousa respeitante a fiscalização do Govêrno, convidando as direcções dos bancos a cumprir as disposições estatutárias.

Oh! Sr. Presidente! Mas é. mil vezes pior!

Pode evidentemente o Estado, que não o Govêrno, as Câmaras, alterar quando entender as disposições do Código Comercial, mas não pode o Govêrno nem o Parlamento alterar o estatuto dessa sociedade particular.

Isto é mil vezes pior! Apoiados.

Sr. Presidente: para que serve estar a entrar pormenorizadamente na apreciação dêste decreto, se êle já foi apreciado por oradores de tanto merecimento de todos os lados da oposição nas mais diferentes cláusulas, e o Sr. Ministro das Finanças nada teve para opor aos argumentos contra S. Exa. aduzidos?

O que importa para o Sr. Ministro das Finanças, acima de tudo, é tratar de obter mais lugares novos, mas lugares chorudos para neles colocar afilhados políticos.

O que importa ao Sr. Ministro das Finanças não é uma outra modificação na organização bancária.

Para tal, seria mester trazer a esta casa do Parlamento uma proposta com 4 e 5 artigos, contendo as modificações salutares para introduzir na organização bancária portuguesa, e também na organização

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sôbre sociedades anónimas; essa alteração quando bem pousada o fundamentada, obedecendo a necessidades verdadeiras, teria obtido fàcilmente a aprovado desta casa do Parlamento,

Era necessária maior fiscalização do que a existente, por parte do Govêrno junto dos estabelecimentos bancários, ou mesmo junto das sociedades anónimas, ou junta dos bancos emissores?

O Sr, Ministro que trouxesse ao Parlamento a respectiva proposta do- lei e essa proposta seria apreciada devidamente, e, se fôsse bem elaborada, mereceria, por certo, a sua aprovação. O que êste Parlamento não vota é a criação do lugares para atender amigos e não para melhorar as condições da actual fiscalização, que pode considerar-se boa, visto que não se mostrou ainda que ela soja insuficiente ou que não seja cumprida como deve ser.

No Banco de Portugal o Govêrno já tem um governador e um secretário Geral; no Banco Nacional Ultramarino tem um comissário com direito a suspender todas as resoluções dos respectivos corpos gerentes, quando sejam contrárias ao que os estatutos fixam. Não basta isto?

Se êsses funcionários do Estado não cumprem os seus deveres, então o Govêrno nada mais tom a fazer do que chamá-los à ordenhou substituí-los.

É necessário alargar as suas atribuições?

Pois faça-se isso, mas por acordo com o Banco, pois emquanto os seus contratos vigorarem, nenhuma das partes terá o direito de alterá-los independentemente da vontade da outra parte.

Nos estatutos do Banco de Portugal há consignado um prefeito eminentemente moral, que proíbo que qualquer director de outro Banco possa ser director do Banco de Portugal.

E sôbre isto o que faz o Sr. Ministro das Finanças?

S. Exa., que veio aqui dizer que o que pretendo ô moralizar a organização bancária, transforma o Banco de Portugal num Banco do redesconto e ao mesmo tempo dá aos directores dos outros bancos a faculdade do poderem ser nomeados para o Banco de Portugal.

Eu não sei de disposição mais imoral do que esta.

Apoiados.

Uma disposição desta natureza não se justifica, e tem a agravante para S. Exa. de não vir redigida em termos claros que permitam a apreciação do seu verdadeiro alcance. Isto é nem mais nem menos do que uma carapuça destinada para determinada cabeça.

Mas para que é que se tira ao Banco de Portugal a função do desconto que até agora tem desempenhado a contento da. economia privada e com verdadeiro proveito para o País?

Toda a gente sabe que o Banco de Portugal faz os descontos a uma taxa d juro mais módico de que aquele que se obtém cá fora, mesmo com garantia hipotecária.

Porque é então que se lhe retira essa função ?

Diz o Sr. Ministro das Finanças que o um que tem em vista é desafogar a acção dos outros bancos.

Se é para isso, como se explica que se vá dar essa função de desconto à Caixa Geral de Depósitos?

É que, Sr. Presidente, há certos indivíduos que não dispondo do crédito nu praça, mas dispondo, porventura, de influencia junto de pessoas que a tenham também nas esferas superiores do Poder e na Caixa Geral de Depósitos, pousam e porventura, utilizar-se da Caixa Geral de Depósitos e nisso fazera, por certo, injuria aos seus administradores para obterem para os seus negócios vantagens que o sou crédito não lhes faculta nos bancos.

Sr. Presidente: por estas sucessivas modificações que só tom introduzido na legislação portuguesa, nos últimos unos, no intuito de alargar cada vez mais a esfera de acção da Caixa Geral de Depósitos, ela passa a ser um verdadeiro Poder do Estado.

Como se não bastassem os tremendos exemplos do Estado armador, nos Transportes Marítimos, do Estado proprietário nos Bairros Sociais, quere agora tornar-se o Estado em banqueiro!

Sr. Presidente: se o Parlamento do meu País entender que o decreto em questão pode ficar de pé, apesar do ser manifestamente inconstitucional, êle terá lavrado a sua sentença de morto e então, para essa hipótese que eu não quero crer ainda que se dê, eu proporia a V. Exa. que, em complemento das pinturas que

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ùltimamente se fizeram nesta sala, se inscreva numa das suas paredes o seguinte:

«Aqui funcionou a Câmara dos Deputados, desde tantos de tal até ao ano de 1925, em que de lacto desapareceu.

Deu-lhe o último golpe o Dr. Pestana Júnior, Ministro das Finanças, director da cadeia do Limoeiro, que enclausurou o Poder Legislativo em prisão tam estreita que lhe não são consentidas senão funções subalternas o secundárias.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, ouvido, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Presidente: — Vou pôr à admissão da Câmara a moção apresentada peio Sr. Morais Carvalho.

Vai ler-se.

Foi lida na Mesa e seguidamente admitida.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, sôbre a ordem, o Sr. Velhinho Correia.

O Sr. Velhinho Correia: — Em obediência aos preceitos regimentais mando para a Mesa a minha moção de ordem, que diz assim:

«A Câmara, reconhecendo que da discussão do decreto n.° 10:474 sobressai a afirmação quási uniforme da necessidade de convenientemente se regular o exercício do comércio bancário, sendo essa uma das medidas essenciais para a consolidação da melhoria de escudo e consequente regularização de toda a vida nacional;

Considerando os intuitos altamente moralizadores que inspiraram a publicação dêste decreto tendente a evitar abusos e especulações lesivas dos mais altos interêsses do Estado, e dos interêsses dos particulares, em benefício de uma oligarquia financeira que pretende estrangular a República; e que

O mesmo decreto foi publicado ao abrigo das autorizações concedidas ao Poder Executivo pela lei n.° 1:045, as quais pela sua própria natureza e objectivo em vista não podiam ser usadas, como realmente não foram por uma só vez, tendo sido o seu uso repetido e quando necessário sempre sancionado pelo Poder Legislativo;

Mas, considerando ainda que, se assim não fôsse, a sua necessidade e urgência é tam evidente que o Poder Executivo devia ser relevado de quaisquer excessos em que tivesse incorrido com a sua publicação, sendo certo que foi ao abrigo das autorizações da lei n.° 1:545 que se puderam, tomar como se tomaram uma grande parte das medidas que determinaram a melhoria conhecida do nêsse câmbio artificialmente agravado por uma coorte de especuladores e aventureiros; e

Considerando também que da larga discussão dêsse diploma resulta o convencimento geral do que a sua técnica, sem prejuízo das suas linhas gerais, pode e deve ser melhorada nalguns dos seus detalhes, a dentro do critério de saneamento e elevação moral que o inspirou:

Reitora a sua confiança ao Govêrno, lembrando que no diploma em discussão se devem consignar as seguintes normas:

a) Igualdade do tratamento, obrigatoriamente estabelecido, para os bancos nacionais ou estrangeiros exercendo a sua actividade no território nacional;

b) Regime excepcional para os bancos regionais, no tocante ao capital mínimo para a sua organização e funcionamento, e para êsses como para todos os demais bancos e casas bancárias um mínimo de capital fixo para a sua constituição, sem qualquer dependência futura da oscilação da moeda; a proibição dos bancos e casas bancárias sujeitos por esta lei à fiscalização do Estado de serem dirigidos por funcionários públicos em exercício ou membros eleitos dos corpos administrativos ou do Parlamento, salvo os casos previstos pelo artigo 21.° da Constituição da República;

E passa à ordem do dia.

21 de Janeiro de 1925. — F. G. Velhinho Correia.

Admitida.

Para a Secretaria.

Sr. Presidente: quando Ministro das Finanças, pelo exercício dêsse elevado cargo tive conhecimento de factos, os mais graves, respeitantes ao exercício bancário em Portugal, factos que determinaram a

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inserção, nas propostas que trouxe à Câmara, de duas bases tendentes a rever toda a legislação bancária, e a estabelecer as novas normas em que o exercício do comércio bancário se deveria estabelecer em Portugal.

Eram essas bases a 14.ª e a 15.ª das propostas então muito discutidas nesta Câmara.

Outras disposições havia, Sr. Presidente, que se compreendiam na minha proposta, todas elas tendentes a acautelar os interêsses dos depositantes, os interêsses do Estado, e a evitar aqueles abusos de que eu, quando um Ministro, tive conhecimento, e que para vergonha da República não podem continuar a dar-se, sob pena de a própria República se desprestigiar, se desonrar.

Sr. Presidente: todos os países, depois da crise económica, financeira e monetária que atravessaram, sentem como Portugal a necessidade de reformarem as suas leis bancárias, de remodelarem a técnica do exercício do comércio bancário, acautelando os interêsses do Estado e dos particulares.

Não precisamos ir lá fora.

Em 1891 e 1892 atravessou Portugal uma crise tremenda.

Pois em 1894 foi aprovada uma lei para evitar que de futuro, tais abusos se não repetissem, lei que foi depois substituída pela de 1896, que veio, como disse, depois da crise, como uma imperiosa necessidade do Estado, como defesa da moralidade das instituições então vigentes.

Agora mesmo, depois da tremenda crise, em toda a parte se reconheceu essa necessidade e ao mesmo tempo que se tem procurado uma estabilização do câmbio, uma valorização da moeda, tem-se igualmente procurado remodelar o exercício do comercio bancário, sem o que a estabilização e a valorização da moeda não teriam uma base certa.

Como é que queremos evitar as especulações do toda a ordem, se deixamos, se não tocamos, sequer, nos principais culpados, nos principais causadores de todos êsses males?

Evidentemente, Sr. Presidente, que não podo haver estabilização do escudo, nem melhoria cambial, profundamente assegurada, só não formos à causa principal, à especulação, fazendo com que o comércio bancário seja regulado do maneira a não ser lesivo para os interêsses nacionais.

Sr. Presidente: os factos de que eu tive conhecimento, alguns dos quais são hoje públicos, não oram de molde, devo dizer ao Sr. Ministro das Finanças e ao Sr. Presidente do Ministério, a publicar-se somente uma lei bancária.

S. Exs. podiam e deviam ir mais longe: deviam ordenar um inquérito que demonstrasse o mau procedimento de certos indivíduos, e, após êsse inquérito, seria justificado o diploma que se está discutindo.

Sr. Presidente: querem V. Exa. e a Câmara ter conhecimento dalguns factos passados, que fui respigar aos meus apontamentos e aos meus livros?

Se a Câara se interessa realmente por uma discussão como esta, então ouça, porque vai ter ocasião de tomar conhecimento de verdadeiras monstruosidades.

Sr. Presidente: eu conheço um Banco — e peço licença para não citar nomes — nestas condições:

Capital, 1:000 contos; acções em carteira por passar 596 contos; acções em poder dos agentes 495 contos.

Quero dizer, tinha um capital negativo de 10 contos, isto é, era um Banco que não tinha capital, apesar de receber depósitos o arrecadar papéis de crédito aos incautos.

Mas querem V. Exas. Saber?

Preguntada a repartição competente sôbre êste caso, a resposta foi a seguinte: êsse Banco estava funcionando regularmente.

Então as pessoas que ontem aqui se insurgiram, porque no decreto há disposições contra o Código Comercial, não têm uma palavra de revolta contra êste caso, absolutamente contrário à doutrina do nosso Código e à mais elementar moralidade?

Pode admitir-se que uma casa bancária receba depósitos, não tendo um vintém de capital realizado?

Eu ainda podia ir mais longe, analisando êste caso que é típico, e que infelizmente não é único.

No ano seguinte, o mesmo banco tinha aumentado o seu capital para 3:000 contos, mas pelo balanço verifica-se o seguinte: que o capital continuava a não estar realizado.

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V. Exas. julgam que se limita a êste caso concreto?

Não.

São inúmeros os casos de imoralidade, no que respeita ao exercício do comércio bancário, que reclamam um cautério enérgico.

Apoiados.

Sr. Presidente: eu vou citar outros casos.

Há, por exemplo, um Banco que empresta aos seus accionistas, por couta das respectivas acções, grandiosas somas.

O que é isto senão um acto de má fé, um acto contrário às disposições fundamentais do exercício da indústria bancária?

Sr. Presidente: muitos outros casos há, que são concretos, porque cada exemplo que apresentei, corresponde a um facto, pois quando fui Ministro das Finanças tive ocasião de saber quais as entidades que estavam nestas condições.

A Câmara sabe bem que na nossa praça se fundou um banco som capital, com as aparências de um grande potentado.

Devo dizer que dêstes factos tive eu conhecimento na minha qualidade de Ministro das Finanças; ninguém me contou ou informou.

Dada esta explicação, eu vou referir à Câmara um caso que com êsse banco se passou.

O potentado A saca sôbre o potentado B, e as respectivas letras são descontadas pelo banco e vão para B todos os fundos que deviam ser do banco para desconto de letras ao comércio e indústria.

Pregunto à Câmara se isto não é uma verdadeira imoralidade!

Êsse banco foi suspenso pelo Sr. Vitorino Guimarães, e, tendo ido lá um delegado da Inspeção de Câmbios, verificou que dos 5:000 contos que êsse banco tinha, só 700 contos é que eram para o comércio e indústria.

O resto era para os dois colossos que estavam ao seu lado para sacarem um sôbre o outro.

Êste facto não se podia dar em país nenhum do mundo; mas foi possível em Portugal.

E o que me dizem V. Exas. ao beneficiamento das grandes empresas industriais que são dirigidas pelos próprios banqueiros?

Não são casos de grande imoralidade?

Eu pregunto, Sr. Presidente, se nestas condições, o Estado não deve intervir.

Acho que sim, pois a verdade e que êste estado de cousas não pode de maneira nenhuma continuar.

Mas ainda há mais, pois estou certo f de que a Câmara não desconhece aqueles bancos que fazem figurar no seu activo, na conta de devedores e credores, os saldos da conta de ganhos perdas, o que representa um prejuízo, sendo isto feito com o intuito de enganar os accionistas.

Isto é feito com o único intuito de se não saber a situação difícil em que se encontram; isto é para enganar todos aqueles que lá vão depositar as suas economias.

Êste estado de cousas, repito, não pode continuar.

Não se pode admitir que um indivíduo seja director de um banco, e seja ao mesmo tempo dono de uma casa bancária, pois a verdade é que isto dá lugar a muitas imoralidades, como por exemplo a de poder levar para êsse banco as letras que desconta na sua casa bancária para lá serem também descontadas, letras que podem ser verdadeiras espigas.

O Sr. Abranches Ferrão (interrompendo): — V. Exa. considera isso uma imoralidade?

O Orador: — Claro está que acho.

O Sr. Abranches Ferrão: — Mas note V. Exa. que isso se encontra no decreto que V. Exa. está defendendo, o que aliás também se encontra na nossa legislação.

O Sr. Ministro das Finanças (interrompendo): — A tudo isso darei eu resposta em ocasião oportuna.

O Orador: — Em muitos casos poderá representar uma imoralidade, não tenha V. Exa. dúvida alguma nisso, porque o redesconto feito pelo Banco de Portugal não se pode dar neste caso.

Mas, Sr. Presidente, continuando a minha lista que dá para fazer a semana bancária (Risos), eu vou citar mais factos.

Há uma casa bancária de capital muito reduzido que é apenas para benefício dos seus donos.

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Eu explico êste modo de vida!

Do seu capital são emprestados ao sócio A 100 contos e ao sócio B outros 100 contos; e o que é fica para o seu giro?

Nada!

Eu não quero que se diga que estos exemplos que estou citando à Câmara constituem regra geral, que não tenham.

Não, porque eu sói que há bancos e banqueiros que são honestos e podem ser dados como modelos de seriedade.

Êstes não os confim de porque separo o trigo do joio, mas desde que existem lacto s como aqueles que apontei, justifica-se que o Estado tomo medidas de própria defesa e dos accionistas.

Mas há mais; o que se poderia dizer em resposta aos bancos que vendem cheques sem cobertura, praticando actos que deviam ser punidos!

É possível, o quero a Câmara que continuo a impunidade?

Há casas, Sr. Presidente, em que os banqueiros tom saldos em conta dêstes para seu uso próprio.

Isto pode continuar?

E que me diz V. Exa. do caso que vou citar, que ó típica da hora que passa?!

Um conhecido banqueiro, afamado, que uma vez perdeu, na jogatina dos comboios, 1:800 contos, e que no mês seguinte teve a sorte de ganhar pulo mesmo processo 2:400 contos, era ao mesmo tempo director dum banco do depósito, isto é, declarava-se idóneo e competente para arrecadar as nossas migalhas, mas ao mesmo tempo dizia cousas contra os homens da República e declarava-se mestre entre nós todos.

Pode admitir-se isso?!

Pode permitir-se que indivíduos que dirigem bancos de depósito sejam ao mesmo tempo jogadores de fundos?!

O Sr. Portugal Durão: — Isso é uma suspeita que V. Exa. lança para cima do meio bancário, sem citar nomes.

Eu não tenho nada com o meio bancário, me acho que isso não se deve fazer.

O Orador: — Os factos que estou citando não envolvera o meio bancário, onde reconheço que existem pessoas dignas e da maior independência moral.

Mas os factos que aqui estou referindo deram-se; estou pronto a citá-los perante uma comissão de inquérito. Não sou obrigado a citar nomes.

Pode mesmo acontecer que alguns dêstes factos sejam explicáveis; em todo o caso o que asseguro é que os não inventei, porque os recebi da fonte mais autorizada quando Ministro.

O Sr. Portugal Durão: — Admira-me que V. Exa. não mandasse proceder.

O Orador: — Foi para isso que ou trouxe a esta Câmara uma proposta de lei de reforma bancária.

De resto, devo dizer a V. Exa. que a fiscalização do comércio bancário não é feita pelo Ministério das Finanças, o eu fui Ministro das Finanças.

A pessoa que ocupava a pasta do Comércio era competentíssima para mandar proceder, se tivesse conhecimento dos assuntos, mas. um caso isolado não é suficiente para se proceder; o que era necessário era estabelecer normas que não permitissem êste estado do cousas.

Apoiados.

Mas há mais, e até o seguinte: é que muitos dêstes factos não são criminosos.

O Sr. Portugal Durão: — Mas há uma, legislação sôbre comércio do cambiais.

Eu não compreendo que um Ministro das Finanças, tendo conhecimento da jogatina que V. Exa. citou, não levasse o caso a conselho do Ministros e procedesse.

O Orador: — Mas o caso não se deu no meu govêrno, deu-se muito antes. Eu não havia de ir inquirir de factos antigos.

Êsses factos apreendi-os eu depois, para justificar a medida que defendo.

Se fôsse Ministro nessa altura, e tivesse conhecimento dos factos que pitei, teria procedido.

E cada um está no direito de perder ou ganhar; simplesmente é um caso de ordem moral. O que é preciso é estabelecer regras que possam evitar que estos casos se dêem.

Sr. Presidente: depois de eu sair do Grovêrno, e estando no Poder o Sr. Álvaro de Castro, foi promulgada a lei n.° 1:545,

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Por esta lei se deu ao Govêrno uma autorização para regulamentar o comércio de câmbios o adoptar as mais providências necessárias para melhorar a situação do País.

Não vou alongar-me na interpretação jurídica que deve ter esta lei, visto que não sou homem de leis. o que o assunto vai ser versado por pessoa mais competente do que eu.

Mas o que devo dizer a que em minha consciência entendo que a reforma bancária cabe bem dentro das autorizações desta lei.

É convicção minha que todos os Ministros das Finanças que têm passado pelo Poder, desde a publicação dessa lei até hoje, pensaram em fazer a reforma bancária.

Eu tenho, por exemplo, os primeiros decretos publicados em Fevereiro dêste ano, decretos feitos ao abrigo desta autorização.

Ora ninguém pensou que ela se podia esgotar pelo uso de uma vez só, pela simples razão de que, para se actuar em matéria de câmbios, tem que se fazer por valias vezes o conforme as necessidades de momento, exactamente da mesma maneira por que se procedeu na legislação da Guerra.

Assim, entendeu-se que à sombra desta lei foram publicados sucessivos decretos, uns após outros.

Quero referir-me agora ao aspecto financeiro desta lei.

A lei proibia que só legislasse, sôbre matéria do impostos, mas o Sr. Álvaro de Castro entendeu, e bom, que não queria isso dizer que se não pudesse legislar sôbre matéria do taxas, e isso serviu para o Sr. Álvaro de Castro fazer esta obra meritória: a actualização de todas as taxas.

Sabe V. Exa. que o resultado que isso teve foi o aumento das receitas em muitos milhares do coutos. Sem êsse aumento, estaria prejudicado o saneamento da moeda e o equilíbrio do Orçamento.

Dizer que ó um acto de ditadura a publicação do decreto sôbre a reforma bancária, porque nele só fixam algumas taxas, é um êrro.

Eu. se tiver tempo, trarei aqui as dezenas de decretos que à sombra desta lei só publicaram, aumentando as taxas.

Não só pode, portanto, argumentar com a inconstitucionalidade do decreto, pelo motivo das suas disposições em matéria de taxas.

Mas veja S. Exa., o Sr. Vasco Borges, que aqui pronunciou um vigoroso ataque contra o Govêrno, que o próprio Parlamento, na sua autorização, dizia o seguinte:

Leu.

Desde a publicação da lei n.° 1:545, todos os Ministros das Finanças pousaram que a reforma bancária se poderia o deveria fazer ao abrigo das autorizações existentes.

Mas, pregunto uma cousa:

Então, tecnicamente, pode alguém considerar segura uma posição cambial, num País como o nosso, sem ama revisão do exercício do comércio bancário, depois dos abusos que se praticaram?

O Sr. Vasco Borges (em àparte): — Arrombada a porta, ela está aborta. Eu também reconheço a necessidade e conveniência da reforma bancária.

O Orador: Nesse caso, V. Exa. o que tem a fazer é substituir a sua moção por um bill de indemnidade ao Govêrno.

O Sr. Vasco Borges (em àparte): — Então reconhece V. Exa. que o diploma publicado é ditatorial.

O Orador: — Sr. Presidente: eu estou analisando o diploma em questão sob o ponto de vista técnico e não político, pois a apreciação dêle sob êste aspecto deixo-a aos políticos.

Na vigência da lei n.° 1:545 reuniu no Pôrto o congresso do Partido Republicano Português, ao qual levei uma moção, que foi unanimemente aprovada, recomendando ao Poder Executivo que decretasse uma reforma bancária nos moldes em que esta mais ou menos foi decretada.

Eu bem sei que isto não obriga senão aos parlamentares do meu Partido, mas, em especial, obriga-me a mim, porque fui o seu autor.

Também no congresso do meu Partido se votou um outro princípio, que eu desejaria que o Sr. Ministro das Finanças tivesse incluído no diploma em questão, o que era a incompatibilidade outro o exer-

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cicio da função de parlamentar e o exercício da função de banqueiro ou dirigente do qualquer empresa que tivesse relações com o Estado»

Apoiados.

É por êste motivo que, na moção que mandei para a Mesa, recomendo ao Sr. Ministro das Finanças que, se porventura tiver do retocar o seu projecto, lhe introduza esta disposição, que é de ordem moral, e que é reclamada por todos os republicanos.

Sr. Presidente: foi o Sr. Cunha Leal quem veio a esta Câmara atacar a reforma bancária. S. Exa. fê-lo com elevação, com conhecimentos, mas S. Exa. é discutível como todos os homens públicos.

Fui para casa ver o dossier que possuo e vi quanto o Sr. Cunha Leal disse contra os bancos o contra os banqueiros, contra os monopólios, etc.

O Sr. Cunha Leal combatia os que hoje está defendendo.

Eu continuo sempre no mesmo pôsto desde as primeiras horas em que vim para a política. Hoje penso da alta banca aquilo que o Sr. Cunha Leal pensava quando proferiu os seus discursos.

Eu penso hoje como então S. Exa. pensava, acusando a alta banca de ser a principal responsável dos males da República. S. Exa. acusava a alta banca de querer estrangular a República, de afogar o regime vendendo-nos ao estrangeiro.

Seria interessante rememorar o que S. Exa. proferiu nos seus ataques contra a gente da alta banca e alta finança.

Contra os que transferiram uma grande parte dos seus capitais para o estrangeiro, disse que êsses portugueses deveriam sor tratados como Miguel de Vasconcelos.

Eu vou ler.

Eu hoje entendo que êsses portugueses não devem ser tratados como descendentes de Miguel de Vasconcelos. Não quero tanto para êles; mas quero que se sujeitem às regras de direito que punem êsses crimes

Os interêsses do Estado, colectividade, devem ser acautelados dos assaltos e de crimes dessa ordem.

Vou agora analisar os artigos mais importantes do decreto em discussão.

Uma das fontes, para algumas das suas disposições, foi o projecto que foi trazido a esta Câmara pelo Sr. Cunha Leal.

Pelo menos a disposição análoga deveria merecer a aprovação e o aplauso de S. Exa.

Analisando agora o decreto, quero abordar o chamado caso dos governadores.

Devo dizer que me surpreendeu a defesa acalorada que aqui se fez, não dos interêsses do Estado, que deveria ser a defesa que mais devia preocupar a Câmara, visto que somos aqui representantes do Estado, o não a defesa do Banco do Portugal e do Banco Nacional Ultramarino, demais sabendo noa que essas entidades defenderiam os seus interêsses muito particulares.

O que foi retendo neste decreto no que respeita a governadores?

Pretendo-se alterar o estatuto ou diploma jurídico, de forma que no Banco do Portugal entrem dois governadores do Estado, o no Ultramarino também dois nomeados pelo Estado.

Que barulho que se tem feito acorra disto, como se se tratasse de algum, escândalo ou cousa monstruosa!

Mas, pregunto eu com toda a lealdade: O que há de extraordinário neste facto?

É porque num decreto se inscreviam essas disposições antes de se ter falado com essas entidades, contratado com elas?

Mas essa tora sido a nossa corrente.

Assim procedeu o Sr. Cunha Leal no que respeita ao aumento da circulação fiduciária em 1920.

Assim o Sr. Álvaro de Castro procedeu a propósito dos decretos publicados quanto à prata.

Definia-se primeiro o ponto de vista do Estado; depois as assembleas gerais aceitavam ou repudiavam, e isso era com elas.

Mas vamos por partes.

Terá dois vice-governadores o Banco Nacional Ultramarino.

Pois então a importância das operações do Banco Nacional Ultramarino o os direitos do Estado dentro dêsse banco não tanto de moldo a justificar, sem mais outros motivos, a fiscalização dentro das administrações bancárias?

Pois então ignoram o que se tem passado entre as relações do Estado e o Banco Ultramarino, quanto a Angola e Moçambique?

Não e absolutamente necessário, indispensável, para acautelar os interêsses do

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Estado, que no Banco Ultramarino exista uma fiscalizarão maior do que hoje existe, simplesmente por um único delegado do Govêrno?

Pois então a atitude do Banco para com o Estado não aconselha uma fiscalização mais activa das coutas do Estado, que são hoje matéria desconhecida?

Mas há mais. Eu vi hoje a declaração clara e terminante de que jamais se ofereceu ao Estado o provimento de quatro lugares na direcção do Banco Ultramarino. Mas há nela uma correcção a fazer. Quando fui Ministro das Finanças êsse caso foi tratado, combinado, entre a direcção do referido Banco e o Govêrno. Foi depois sucessivas vezes discutido em Conselho de Ministros.

E eu, nos meus papéis, encontro um texto que serviu de base exactamente para essas relações tendentes a fazer entrar na direcção do Banco Ultramarino, mas legalmente, de cabeça bem levantada, delegados do Govêrno Português que nêle se reconhecessem absolutamente precisos...

O Sr. Carlos Pereira (interrompendo): — V. Exa. dá-me licença? Diz-me se isso chegou a ficar definitivamente assente entre V. Exa. e o Banco Ultramarino?

O Orador: — Eu digo a V. Exa. Num determinado momento, eu entabulei relações com o Banco e começaram a ser discutidas as condições do acordo.

Foram aceitas pelo Govêrno e serviram de base para o Ministro da respectiva pasta, o Sr. Rodrigues Gaspar, se entender com a direcção do Banco Ultramarino.

O Sr. Carlos Pereira (interrompendo): — O que resta saber é porque só não deu execução a êsse acordo.

O Orador: — Mas rompeu-se êste acordo porquê?...

O Sr. Carlos Pereira: — isso é que era interessante saber-se!... Sabemos que o Ministro das Finanças concordou e fechou o acordo.

O Orador: — Houve, com efeito, como já disso, relações minhas, quando Ministro das Finanças, com o Banco Ultramarino, aliás com o conhecimento de todo o Govêrno.

Não se tratava apenas de dois vice-governadores, mas de três. A nomeação do presidente do conselho fiscal, com mais lógica, era feita...

O Sr. Vasco Borges (interrompendo): — Podia ser nomeado pelo Govêrno como o do Banco de Portugal.

O Sr. Carlos Pereira (em àparte): — Se nos obrigam a dizer tudo...

O Orador: — Mas, por causa disso, dei um trambolhão tam grande que não há memória, dum Ministro das Finanças o ter apanhado maior!

Risos.

No que respeita ao Banco Ultramarino não vejo que haja qualquer escândalo em que o Estado acautele os seus interêsses, dados os acordos estabelecidos em princípio, que a própria administração do Banco não contesta.

Devo aqui declarar que quando fui Ministro das Finanças encontrei sempre da parte das pessoas que dirigem o Banco Ultramarino a maior lealdade e correcção no seu procedimento para com o Estado.

A verdade é que, tratando-se das cousas como deve ser, são êles os primeiros a colaborar com o Estado.

Quanto a niim, não lia nada de excessivo na disposição relativa à criação de dois governadores.

No que respeita ao Banco de Portugal, devo dizer que o Ministro tem sido injustamente atacado.

Eu vou expor à Câmara a forma como funciona o Banco de Portugal.

O Banco de Portugal tem dez directores eleitos pela assemblea geral, e um governador nomeado polo Estado. Estas individualidades constituem o conselho de administração do Banco, e é êste que administra o Banco, sendo presidido pelo representante do Estado.

Êste conselho divide-se em várias secções.

Cada uma destas secções é constituída por vários directores, e presidida pelo governador.

Esta era a organização de 1887, mas reparem V. Exas. no que tem sido o desenvolvimento do Banco de 1887 para cá

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e ou pregunto se esta organização pode subsistir.

A representação do Estado no Banco é insuficiente, porque o Estado tem um representante para dez secções, o que não lho dá tempo para convenientemente exercer a sua função, e daí a necessidade absoluta do dar uma assistência de dois ou três indivíduos para que o delegado do lotado possa exercer o seu cargo.

Quantas queixas não têm recebido todos os Ministros das Finanças acere-a do que se faz no Banco do Portugal em maioria de favores a amigos?

Eu sou daqueles que não acreditam nus afirmações que só fazem acerca do Ranço do Portugal, porque fui Ministro das Finanças e sempre encontrei da parte dêsse Banco toda a boa vontade; mas o que é certo é que recebi repetidas vezes queixas do particulares contra a maneira como se fazem, os descontos.

Eu verifiquei que o governador do Banco não tem possibilidade de verificar como se faz a distribuição de créditos, e até sôbre isso recebi queixas da Associação Comercial. Portanto há uma absoluta necessidade na nomeação de vice-governadores.

Bem sei que o Estado não deve evitar meter seu na vida dos Bancos emissores, mas daí a ir ao ponto de o Estado nada ter com o desenvolvimento dêsse Banco, vai uma grande distância.

Concordo evidentemente em que o Estado não devo ter uma situação de predomínio; porém sou de opinião que êste estado de cousas não podo continuar.

Sr, Presidente: tem se falado muito naquela disposição que permite aos banqueiros poderem fazer parte da Direcção do Banco de Portugal, porém eu devo dizer que essa disposição é tudo quanto há de mais defensável e aceitável, pois averbado é que se até hoje os accionistas vão procurar intelectuais, pessoas a quem dão o mandato, para governarem o Banco em seu nome, lógico é que êles próprios vão para lá administrar o que é seu.

Isto é tudo quanto ha de mais lógico e mais moral; não vendo nisto nenhum inconveniente, pois a verdade ó que desde que êles para lá vão, natural é que só defendam uns dos outros, não vendo nisto nenhum inconveniente, antes pelo contrário.

Também se tem falado muito na disposição que retira ao Banco de Portugal a faculdade de fazer descontos em Lisboa e Pôrto.

Também devo dizer que estou absolutamente de acordo com esta medida, visto que ela tom um alto significado moral.

Esta é que é a minha opinião.

Interrupção do Sr. Carvalho da que não reviu.

O Orador: — S. Exa. pode-me interromper quando o entender e quiser, visto que ou não estou aqui senão para defender aquilo que penso.

Mas vir para aqui defender aquilo que não penso, isso é que não.

O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior) (interrompendo): - Já aqui solevantou a questão da moralidade, e agora a minoria monárquica levantou-a outra vez.

Para que se não continuo a falar em imoralidade, V. Exa. vai-me permitir que eu ràpidamente diga à Câmara que o princípio que ou estabeleci no meu decreto ó o mesmo que existe em Inglaterra. E, mesmo em França, dos gerentes do Banco de França, são eleitos pelos Bancos de Paris e os três restantes — um governador e dois vice-governadores são nomeados pelo Govêrno.

Porque se estabeleceu êste princípio?

Porque é preferível que dentro dos Bancos emissores haja, além de banqueiros, directores da confiança do Estado, em vez de apaniguados.

Apoiados.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — Nunca julguei que o Sr. Ministro das Finanças viesse atacar tam rijamente o decreto n.° 10:484, e que S. Exa. viesse dizer que é preferível que os directores dos Bancos emissores sejam pessoas apenas políticas e que não tenham conhecimento da praça. S. Exa. não podia apresentar o melhor argumento para defender o seu decreto!

O Orador: — Mas, Sr. Presidente, um caso ainda não foi tratado por mim, e êsse refere-se à disposição que tira ao Banco de Portugal o desconto de letras.

Quais são pois as vantagens do con-

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centrar no Banco de Portugal só as funções de redesconto?

Julgo eu que é a melhor forma do se saber a situação das pessoas que recorrem aos Bancos de desconto, de se avaliar ff elas excedem aquilo que valem. E então, Sr. Presidente, havendo o redesconto pode ver-se o seguinte:

Se um indivíduo, que não vale senão tanto, consegue crédito muito além daquilo que, sob o ponto de vista comercial e monetário, deveria conseguir.

Daí a necessidade de concentrar num organismo o redesconto, para que êle tenha conhecimento da situação em que está o crédito de cada indivíduo.

Esta fiscalização torna-se impossível, desde que haja o desconto na Caixa Geral de Depósitos e o redesconto no Banco de Portugal.

Mas, Sr. Presidente, isto tem uma contra-partida, e essa é, desde que o Banco de Portugal não redesconte, pode resultar daí uma taxa maior, visto que desaparece a concorrência do referido Banco. Mas, desde que a função reguladora do Banco de Portugal passa a ser feita pela Caixa Geral de Depósitos, não vejo tal inconveniente.

Sr. Presidente: disse-se também que o acabamento da função de desconto no Banco prejudicava o comércio, visto que êle exercia uma concorrência tendente a limitar a ganância dos outros Bancos, que também fazem descontos.

A esto respeito, devo dizer que o Banco de Portugal pouco auxilia o pequeno comércio.

Umas vezes não tom disponibilidades, outras vezes por razões de vária ordem; mas o que é certo ó que o pequeno comércio, fraco auxílio encontra naquele Banco.

Eu tenho presente o último relatório dêsse Banco, de 1923, e por êle se vê que a função do desconto que deixa de ter o Banco de Portugal não é lesiva do pequeno comércio e dos indivíduos que realizam pequenas transacções.

Na estatística, aliás interessante — e pena é que o Sr. Vitorino Godinho, que me está ouvindo, não publique mais — nesta estatística encontra-se também o que acabo de dizer: o valor médio das letras descontadas no Banco de Portugal é de 6 contos.

Sr. Presidente: se a Câmara não estivesse realmente muito fatigada, eu desejaria fazer a analiso dêste decreto, provando assim, artigo por artigo, visto que eu o analisei detalhadamento, os intuitos que determinaram a sua redacção e as regras de imoralização que nêle se consignam. Por exemplo: no seu título primeiro, «Banco e Casas Bancárias», entende o decreto, e muito bem, que deve estabelecer as mesmas regras de fiscalização, não só para os Bancos, como para as casas bancárias. E esta uma disposição que é absolutamente necessária.

Quanto às disposições do artigo 2.°, não acham V. Exas. que os Bancos, mais que qualquer outras entidades, se devem organizar nos termos da lei, antes de começarem as suas operações? Esta disposição é, portanto, absolutamente moralizadora e necessária.

É para evitar que banqueiros exerçam as suas funções sem dinheiro o os Bancos exerçam a sua acção sem capital.

O propósito do artigo 1.° o estabelece.

Êste é um princípio da lei brasileira absolutamente necessário e moralizador.

É justo que Bancos estrangeiros em Portugal dêem uma participação aos empregados portugueses na sua administração, como se faz na marinha mercante e em outros casos.

Há um Banco estrangeiro que mais operações bancárias faz e tem um capital apenas de cento e tantos contos.

Também êste caso ó acautelado por êste diploma, e talvez por isso êle tem sido tam atacado o combatido.

Falou-se aqui em incongruências dos parágrafos do artigo 28.°, mas não há incongruências.

Os dois parágrafos completam-se um ao outro.

Aquela disposição que manda reservar aos Bancos dos seus depósitos para fazer face a todas as eventualidades, em muitas casas não tom sido seguida, dando margem a situações dificultosas.

Ainda ontem me contaram um caso muito interessante e que mostra o rigor como as leis são cumpridas no estrangeiro.

Havia em Portugal uma agência de um estrangeiro e o seu agente, empregado antigo, esqueceu-se da regra de 1/5, e logo, que em Londres verificaram que o seu

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agente estava procedendo muito à portuguesa, não estiveram com contemplações mandaram o homem daqui para fora.

Poderia levar muito longe as minhas considerações, mas a Câmara está fatigada e eu vou terminar, mas desejo fazer a seguinte declaração: não autorizo ninguém a tirar do meu discurso conclusão de carácter político. Como político hei de votar como entender na rainha consciência.

Não fiz um ataque político, limitei-me ao estudo técnico do problema, o da análise que fiz do decreto a sua conclusão foi absolutamente favorável.

O Sr. Portugal Durão, que quando Ministro das Finanças se opunha aos excessos de um aumento desordenado das despesas públicas, caiu quando não devia ter caído.

Caiu quando S. Exa. se opunha ao excesso de despesa que acarretava para o Estado a melhoria dos vencimentos ao funcionalismo, que, podendo ser feita com a despesa de 60:000 contos, veio finalmente a custar 100:000 contos pela atitude que então teve Parlamento.

Eu, que tenho feito a minha carreira política no Parlamento, sou um acérrimo defensor das instituições parlamentares, mas não posso deixar de condenar certos actos que êle tem praticado, prejudicando-se o Estado.

O Sr. Portugal Durão saiu da pasta das Finanças numa altura em que devia permanecer nela.

Foi ainda êsse o resultado da desastrada política que o Parlamento teve então perante S. Exa. Seguiu-se-lhe o Sr. Vitorino Guimarães. Trouxe S. Exa. um conjunto de medidas à Câmara, e quando S. Exa. necessitava de um maior apoio dos seus correligionários para levar a cabo a sua obra, ó que foi derrubado. Caiu numa hora em que o interêsse nacional aconselhava a continuidade da sua acção. Foi um mal!

Veio a seguir o Sr. Álvaro de Castro. Estava então a situação cambial mais agravada.

A libra, que ao tempo do Sr. Portugal Durão estava a 60$00, passara, no tempo do Sr. Vitorino Guimarães, depois da melhoria de vencimentos ao funcionalismo, para 120$, chegando aos 150$ no tempo do Sr. Álvaro de Castro,

Diário da Cantam dos Deputados

O Sr. Álvaro de Castro iniciou um plano financeiro, mas quando se começava a colhêr os frutos da execução dêsse plano, caiu S. Exa.! E para quê? Para os Governos que se lhe têm seguido declararem que continuavam a política financeira de S. Exa.

Melhor fora, então, deixar que o Sr. Álvaro de Castro continuasse no Poder.

Também foi inoportuna a queda do Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar.

Eu, Sr, Presidente, nesta situação de independência em que estou, não tenho dúvidas em declarar que estou pronto a desenvolvê-la, a favor da República, contra aqueles que a combatem, contra aqueles que a atacam.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe forem enviadas.

Ou «àparte» se não foram revistos pelou oradores que os fizeram.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Velhinho Correia.

Foi lida, admitida e posta em discussão.

O Sr. Presidente: — Devo dizer à Câmara que tenho recebido muitas reclamações contra o facto de as sessões não começarem à hora regimental, o que na verdade faz com que as mesmas terminem muito tarde, e assim previno a Câmara do que amanhã proceder-se-há à segunda chamada às 15 horas, encerrando a sessão caso não haja número.

S. Exa. não reviu.

O Sr, Presidente: — Vai passar-se ao período antes de se encerrar a sessão e tem a palavra o Sr. Pedro Pita.

O Sr. Pedro Pita: — Desisto da palavra.

O Sr. Presidente: — A próxima sessão é amanhã, com a mesma ordem de trabalhos.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

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Documentos mandados para a Mesa durante

Última redacção

13o projecto de lei n.° 850, que abre um crédito especial do 500 contos a favor do Ministério do Interior para celebração do 4.° centenário da morte de D. Vasco da Gama.

Dispensada a leitura da última redacção.

Remeta-se ao Senado.

Projecto de lei

Do Sr. Joaquim Ribeiro, determinando que só usem o título de engenheiro os diplomados com o curso de engenharia por Universidades ou escolas superiores.

Para o «Diário do Govêrno».

Dos Srs. Torres Garcia e Júlio Gonçalves, fixando em 1:500 contos, ouro, o custo das obras da construção dum porto de pescarias na foz do rio Mondego e determinando que a Junta Autónoma do

Pôrto e Barra da Figueira da Foz efectue as operações financeiras indispensáveis para realização daquele capital.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de pescarias.

Para o «Diário do Govêrno».

Do Sr. Germano Amorim, cedendo à Câmara Municipal de Vieira do Minho o prédio que foi residência paroquial da freguesia de Roças, com o passal da mesma freguesia, para instalação duma escola agrícola.

Para « «Diário do Govêrno».

Parecer

Da comissão de administração pública, sobro o n.° 828-B, que manda que constitua receita das respectivas juntas gerais o produto do imposto a que se refere o artigo 4.° da lei n.° 1:656, arrecadado em cada um dos distritos do Funchal, Ponta Delgada e Angra.

Para a comissão de finanças.

O REDACTOR — Sérgio de Castro.

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