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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 23
EM 2 DE FEVEREIRO DE 1925
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. - Abertura da sessão.
Leitura da acta.
Expediente.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Amaral Seis deseja usar da palavra, mas declara que aguardará a presença do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Pedro Pita deseja falar quando esteja presente o Sr. Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente consulta a Câmara sôbre se deve dar a palavra ao Sr. Vicente Ferreira para se ocupar em negócio urgente de, um diploma legislativo do Govêrno de Angola. É aprovado, aguardando-se a presença do Sr. Ministro.
Requerida a contraprova pelo Sr. Alfredo de Sousa, usa da palavra, para interrogar a Mesa, o Sr. Cunha Leal. Responde-lhe o Sr. Presidente.
Efectuada a contraprova, confirma-se a votação anterior.
O Sr. Presidente consulta a Câmara sôbre se deve dar a palavra ao Sr. Pedro Pita, que deseja ocupar-se em negócio urgente, da falta de pão em Lisboa. E aprovado, aguardando-se a presença do Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Vicente Ferreira, achando-se presente o Sr. Ministro das Colónias, ocupa-se do seu negócio urgente sôbre a promulgação do diploma legislativo do Govêrno de Angola, que cria os certificados do Tesouro e obrigações de divida interna, e envia para a Mesa uma moção, que é admitida.
É aprovada a acta.
É concedida uma autorização e negada outra.
São admitidas à discussão algumas proposições de lei.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (Ministro das Colónias) responde às considerações feitas pelo Sr. Vicente Ferreira.
Tendo o Ministro das Colónias concluído o seu discurso, produzem-se manifestações nas galerias. O Sr. Presidente interrompe a sessão, sendo, pouco depois, as galerias evacuadas.
Reaberta a sessão, usa da palavra o Sr. Joaquim Ribeiro, protestando contra as manifestações das galerias. No mesmo sentido fala o Sr. Cunha Leal. O Sr. Presidente previne as galerias de que à primeira manifestação que se esboce, as mandará novamente evacuar. O Sr. Cunha Leal continua no seu protesto. Segue-se, falando no mesmo sentido, o Sr. Carvalho da Silva. O Sr. Manuel Fragoso manifesta-se no mesmo sentido.
Para explicações usam da palavra os Srs. Amadeu de Vasconcelos, Álvaro de Castro e Pina de Morais.
O Sr. José Domingues dos Santos (Presidente do Ministério} usa da palavra para responder aos oradores antecedentes, fazendo afirmações que definem a sua atitude política.
Seguem-se no uso da palavra, para explicações, os Srs Liio Neto, Cunha Leal e Pina de Morais.
O Sr. Joaquim de Matos em nome da comissão de negócios eclesiásticos participou a constituição desta comissão.
Em seguida o Sr. Presidente designou a próxima sessão para amanhã, à hora regimental.
Eram 19 horas e 35 minutos.
Abertura da sessão, às 15 horas e 17 minutos.
Presentes à chamada, 57 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 62 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
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Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva,
David Augusto Rodrigues.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cruz.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teófilo Maciel Pais. Carneiro.
Valentim Guerra.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Entraram durante a sessão os Srs.:
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier do Castro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Lino Neto.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pereira Nobre.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim Costa.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Sebastião de Herédia.
Vasco Borges.
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Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Não compareceram os Srs.:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Sousa Maia.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Serafim de Sarros.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Leonardo José Coimbra.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manoel Duarte.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
As 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 57 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Foram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Ofícios
Do juízo de direito da 3.ª vara da comarca de Lisboa, pedindo a comparência no tribunal daquela vara, no dia 10 do corrente, pelas 14 horas, dos Srs. Amadeu Leite de Vasconcelos, Alberto Cruz, Delfim de Araújo e António Resende, para deporem como testemunhas numa acção de despejo.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Do juízo de direito da2.a vara, pedindo a comparência no tribunal daquela vara, no dia 3 do corrente, pelas 13 horas, do Sr. José Cortês dos Santos, para depor como testemunha nuns autos de acção de despejo.
Negado.
Comunique-se.
Do Senado,, comunicando ter enviado à Presidência da República, para promulgação, nos termos do artigo 32.° da Constituição, a proposta de lei que cria no concelho de Santarém as assembleas eleitorais de Tremez e Póvoa dos Galegos.
Para a Decretaria.
Do Senado, enviando um decreto que concede pensões às viúvas do general Fernando Tamagnini de Abreu e Sousa e do
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coronel Augusto Rodolfo da Costa Malheiro.
Para a comissão de guerra.
Do Ministério das Finanças, enviando cópia da declaração ministerial de 26 de Dezembro último e das portarias de nomeação dos aspirantes da Direcção Geral das Contribuições e Impostos, sargentos Manuel Faria Moreira Lima e Manuel da Silva Dias.
Para a comissão de finanças.
Do presidente da Associação Industrial Portuguesa, pedindo a anulação do decreto n.° 10:474, sôbre o regime bancário,
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal da Mealhada, pedindo para serem anuladas as multas impostas com fundamento no decreto n.° 7:989.
Para a Secretaria.
Requerimentos
De Fernando Barreto, pedido para ser reconhecido revolucionário civil.
Para a comissão de petições.
De Resendo de Abreu Barbosa Bacelar, de Meireles, pedindo a revisão do seu processo.
Para a comissão de guerra.
Telegramas
Do Sindicato Agrícola de Portalegre, contra a proposta reorganização rural.
Da Cooperativa União Operária da Santa Eulália, solicita a manutenção do decreto da reforma bancária na parte referente a cooperativas.
Da Associação Comercial e Industrial de Matozinhos, solicita a rápida modificação da lei da selagem.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - O Sr. Vicente Ferreira mandou para a Mesa a seguinte nota de negócio urgente:
Declaro que desejo tratar em "negócio urgente" da promulgação do diploma legislativo do Govêrno de Angola, que cria os certificados do Tesouro o obrigações de dívida interna.
Sala das Sessões, 2 de Fevereiro de 1925. - Vicente Ferreira.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam, tenham a bondade do só levantar.
Está aprovado.
O Sr. Alfredo de Sousa: - Requeiro a contraprova.
Vozes: - Não pode ser. Já não vem a tempo.
O Sr. Cunha Leal: - Para que não se diga que há o desejo do se discutir um assunto que respeita às colónias, sem a presença do Sr. Ministro respectivo, não teremos dúvida em aguardar uma meia hora para que V. Exa. possa prevenir o Sr. Ministro das Colónias para comparecer aqui.
O que não podemos é aceitar que se volte atrás numa votação já feita.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - O requerimento para a contraprova foi feito a tempo de ser submetido à votação.
O Sr. Cunha Leal: - Entre a declaração de V. Exa. de estar aprovado e o requerimento de contraprova decorreu um grande intervalo de tempo, o bastante para se reconhecer que não deveria ter lugar a contraprova.
Não marca o Regimento o tempo dentro do qual deve ser pedida a contraprova, e por isso trata-se evidentemente duma questão do boa fé.
E pois para a boa fé do V. Exa. que eu apelo.
Se, apesar dêste meu apelo, V. Exa. entender que deve proceder à contraprova, eu não porei mais reparos ao caso. salientando, porém, que não se seguirão, dessa forma, as praxes.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Em circunstâncias idênticas tem-se sempre feito a contraprova.
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Em minha consciência entendo que não devo deixar de proceder à contraprova requerida.
Procede-se à contraprova.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Sussurro.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.
O Sr. Pedro Pita deseja tratar também em negócio urgente, sem prejuízo, porém, do já votado, da falta de pão em Lisboa e das consequências dessa falta, que já amanhã se farão sentir.
O Sr. Pedro Pita: - Devo esclarecer que não tomarei com o assunto muito tempo à Câmara.
O Sr. Amaral Reis (para interrogar a Mesa): - Vai tratar-se do assunto sem a presença do Sr. Ministro da Agricultura?
O Sr. Presidente: - Entendo que não. Apenas a Câmara se pronuncie, mandarei pedir ao Sr. Ministro que queira aqui comparecer.
Seguidamente é aprovado o pedido de negócio urgente do Sr. Pedro Pita.
É o seguinte:
Negócio urgente
Desejo, em negócio urgente, tratar da falta do pão em Lisboa e das consequências dessa falta, que já amanhã deverão fazer-se sentir.
Sala das Sessões, 2 de Fevereiro de 1925. - Pedro Pita.
O Sr. Vicente Ferreira: - Sr. Presidente: como não tenho muito fôlego para longos discursos, e por que se trata de um assunto de natureza administrativa, serei forçado a ser bastante breve.
O que eu sinto bastante, Sr. Presidente, é que outra pessoa com mais talento o com outros recursos de eloquência se não tivesse encarregado de apresentar esta questão ao Parlamento, patenteando assim perante êle a forma atrabiliária como o actual Govêrno resolve certas questões de administração, preocupando-se mais em tirar efeitos nas colunas dos jornais do que resolvê-las por uma forma sensata e equilibrada, estudando-as com o devido critério, dando-lhes uma solução o mais scientífica. e satisfatória possível, embora não inteiramente perfeita, porquanto nenhum de nós exige dos homens que se sentam naquelas cadeiras que sejam impecáveis.
Sr. Presidente: conhece V. Exa., sem dúvida, a historieta de Cristóvão Colombo e do ovo.
Tratava-se de equilibrar sôbre uma mesa um ovo, apoiado pela extremidade de maior curvatura.
Como ninguém o conseguisse, Cristóvão Colombo, dando uma pequena para cada na extremidade do ovo, partiu-lhe â casca, conseguindo assim, por esta forma violenta e imprevista, equilibrá-lo sôbre a Mesa.
O actual Govêrno, Sr. Presidente, ou para melhor dizer, os governos saídos do chamado bloco parlamentar, têm usado de processos idênticos.
Há dificuldades em fazer certos pagamentos de juros ou de outros encargos, que são compromissos solenes da Nação Portuguesa, o Govêrno do Sr. Álvaro de Castro resolve a dificuldade não pagando.
O Sr. Ministro das Finanças deseja nomear vice-governadores para certos bancos ; como haja porém certas dificuldades de ordem política em trazer o assunto ao Parlamento, recorre-se a uma autorização já caduca para resolver inconstitucionalmente o assunto.
Agora, chegou a vez ao Sr. Ministro das Colónias.
Sr. Presidente: como V. Exa. e a Câmara muito bem sabem, há um problema grave de administração colonial, sôbre o qual muito se tem escrito e se tem dito, quási sempre com muita paixão, cada um emitindo aquelas opiniões que melhor convêm aos seus interêsses, e só raros falando com 'sinceridade e desinteresse. E, muito embora, pessoas competentes tenham feito considerações muito judiciosas sôbre o assunto, nenhuma solução eficaz e criteriosa até hoje foi adoptada.
É o problema monetário e bancário.
A questão é na verdade complexa e a sua solução apresenta as maiores dificuldades.
Vai, porém, o Sr. Ministro das Colónias e, servindo-se do processo de Cristóvão Colombo, resolve-a atrabitràriamen-
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te, promovendo a publicação no Boletim Oficial de Angola, de 24 do Janeiro, um diploma legislativo, segundo o qual, as dívidas do Angola serão pagas pela metrópole, sem que para isso só tenha obtido â necessária autorização parlamentar.
Sr. Presidente: é 3ôbre esta forma ligeira e sem cerimónia de resolver problemas desta natureza o desta importância que ou desejo apresentar à Câmara algumas considerações, que julgo necessárias, certo estando que ela mo dará razão.
Sr. Presidente: há muitos meses que em todos os meios, coloniais se discuto a questão das transferências de Angola.
O que é a questão das transferências?
Vejamos. A província de Angola, como qualquer outro país ultramarino, está para com a metrópole nas mesmas relações, sob o ponto de vista económico e monetário, em que dois países estrangeiros estão um para com o outro.
A província do Angola tem a sua administração autónoma; tem as suas fronteiras guarnecidas com uma linha de alfândegas, onde se cobram direitos aduaneiros sôbre todas as mercadorias que na província entram, quer vão da metrópole, quer de países estrangeiros; nelas se cobram também direitos de saída sôbre cortas mercadorias depositadas.
Do conjunto das exportações e das importações resulta, como é natural o sabido, uma compensação, um encontro de contas, que se traduz num saldo, positivo ou negativo, em relação à colónia. É a balança económica.
Mas, por outro lado, a província de Angola, importa serviços: transportes, representações, comissões, administração, etc.; exportando outros, por exemplo, sob, a forma de mão de obra para a colónia de S. Tomé.
Tem também esta província, como qualquer outro país, de pagar na metrópole e no estrangeiro os juros e dividendos e amortizações dos capitais importados, recebendo em contra-partida outros juros, dividendos e amortizações.
Em resumo, Sr Presidente, a província de Angola tem de pagar na metrópole e nos países estrangeiros determinadas quantias, e tem de receber outras, representativas todas do movimento geral de transacções.
Ao saldo das contas pagas por Angola o das contas recebidas em Angola, qualquer que seja a sua proveniência ou justificação, chamarei, do um modo geral, a balança de pagamentos.
Se Angola tem do pagar fora, num dado período do tempo, uma soma global maior do que a. soma global recebida, a sua balança de pagamentos apresentará um saldo negativo; isto é, haverá desfalque ou déficit.
Infelizmente, há muitos anos é desta natureza o saldo de pagamentos de Angola.
Não vou, evidentemente, porque é desnecessário, explicar à Câmara como se produz o fenómeno cambial; todos sabem que, tendo Angola poucos meios do pagamento externo, quer em divisas metropolitanas, quer em divisas estrangeiras, e tendo o Govêrno provincial e os particulares grandes necessidades de pagamentos externos, amoeda angolense sofre, em relação à moeda metropolitana e em relação à moeda estrangeira, uma depreciação.
Há grandes necessidades de pagamentos e pouco com que se pague; logo os meios de pagamento externo sobem de preço.
Em vez de um escudo angolense ser equivalente a um escudo metropolitano, passa é primeiro a valor menos que o segurado, ou o segundo a valer mais que o primeiro, conforme a avaliação só fizer em relação ao comprador ou ao vendedor da dívida externa.
A esta impossibilidade em que estão os possuidores de escudos do Angola, de os converterem ao par, isto é, sem perda de valor, em escudos metropolitanos, se tem impropriamente chamado: a questão das transferências.
Mas se o fenómeno tem esta simples e natural explicação; se o mais modesto comerciante ou funcionário o conhece e sabe explicar, e como se justifica o clamor, o queixume dos que acusam ora o, Banco Ultramarino, ora o Govêrno de acudirem com prontas medidas a uma situação que se não pode resolver de pronto com simples decretos?
Sr. Presidente: o queixume e o clamor têm a sua explicação.
Dou-se em Angola e no ultramar português, durante muitos anos, um fenómeno monetário curioso, em resultado do
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contrato feito com o Banco Nacional Ultramarino, contrato que tem passado por várias modalidades, a última das quais foi de 1919.
Com efeito, êste contrato tem uma cláusula que constituiu uma grande novidade em matéria bancária. Foi a de fixar o câmbio da moeda de todas as colónias da África Ocidental, em moeda da metrópole.
Com efeito, por um artigo do contrato a moeda de uma daquelas colónias podia ser trocada em moeda de outra, ao par, qualquer que fôsse o estado da balança de pagamento entre as duas colónias, e as moedas de todas estas colónias poderiam ser trocadas na metrópole por moeda metropolitana, mediante o prémio fixo de 2 por cento, que ficou sendo assim, à data do contrato, o câmbio fixado para o dinheiro das colónias da África Ocidental.
Êste prémio, pelo que respeita a Angola, foi mais tarde elevado creio que a 3, 5 e finalmente 8 por cento.
E que por aquele modo se fixava o câmbio é evidente, pois qualquer que fôsse o saldo da balança de pagamentos, ou a diferença de valores das duas moedas, quando em Angola, por exemplo, escasseavam os meios de pagamento na metrópole, os comerciantes ou outras pessoas que necessitavam converter o dinheiro angolense em moeda metropolitana não tinham mais do que empacotar quantia nominalmente equivalente em notas angolenses e remetê-la para a Europa, onde, com o pequeno prémio de 2 por cento e as despesas de transporte e seguros, obtinham a quantia equivalente em prata ou notas do Banco de Portugal.
E se todas as notas de Angola para aqui não vieram "transferidas" por êste modo é porque o Banco Ultramarino cobria as diferenças da balança de pagamentos com os seus recursos próprios, quer tirados do próprio capital, quer tirados dos saldos positivos de outras colónias ou das suas agências metropolitanas.
Sr. Presidente: para mim e para muitas outras pessoas que êste assunto têm estudado desapaixonadamente, o problema das transferências reduz-se, como acabo de demonstrar, a um problema cambial. Se agora, somente, êle aparece como um problemo de notável gravidade e acuidade, é porque só agora, devido a conhecidas causas, êle se apresentou com evidente clareza, rompendo o véu do artifício que o encobria.
Durante muito tempo, como disse, a diferença cambial era pequena e o Banco Ultramarino cobria o déficit da balança de pagamentos com os recursos de outra proveniência de que dispunha. Criou-se assim o hábito e até certo ponto a convicção geral de que se podia transferir dinheiro de Angola para a Europa sem mais encargos que o prémio contratual estabelecido pelo Banco.
Êsse prémio era arbitrário - pensava-se - e dependia somente da vontade do Banco, felizmente limitada pela acção do Govêrno. Diferenças de câmbio não existiam.
Veio, porém, a guerra e com ela a depreciação rápida da nossa moeda e da moeda de Angola, aumentando a proporções imprevistas a diferença entre os valores de ambas.
Sucedeu então que os comerciantes, os funcionários, os capitalistas e todos os que estavam habituados a considerar o dinheiro de Angola como equivalente - ou quási - ao dinheiro da metrópole se viram então perante esta dificuldade: o Banco Ultramarino, esgotadas as suas disponibilidades de cobertura, negava-se a fazer as transferências ou a trocar as notas nas condições em que pelo contrato se obrigara.
Levantou-se então o queixume imenso dos que de repente se encontraram ricos de notas, mas pobres de valores, e começou a campanha das "transferências".
Os interessados, com grande clamor, acusaram o Banco de ganância e o Govêrno de cúmplice ou de impotente. Ainda hoje êsse clamor e essas acusações se fazem ouvir, e se não há, do lado dos queixosos, grande verdade nos argumentos, há com certeza certa razão nos prejuízos gerais que desta situação têm resultado.
O problema é de solução muito difícil porque não se pode anular, pela simples vontade dos Governos, a diferença cambial, e nessa diferença está o problema das transferências.
Mas, por outro lado, as pessoas que à sombra do contrato do Banco Ultrama-
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rino faziam as transferências com câmbio fixo reclamam, pelo menos com razão legal, que essa disposição continue a cumprir-se, embora as condirdes do mercado e da economia geral da Europa não permitiam semelhante prática.
E monetariamente uma situação análoga à, que criaríamos nu metrópole, exigindo, por exemplo, que o nosso escudo fôsse trocado em Nova-York por notas do dólar com o prémio fixo de 2 por cento.
O coro dos interêsses feridos continua porém exigindo, clamore magno (com grande clamor), que Júpiter lhes envio um rei que resolva o problema, com prejuízo seja de quem fôr, contanto que não seja com prejuízo deles.
Júpiter enviou-lhes o Sr. Ministro das Colónias.
E como os Governos embaraçados por dificuldades de toda a ordem e impossibilitados de resolverem o problema, iludindo a fatalidade das leis económicas, tardassem o almejado milagre, aquelas Entidades que de Angola tem tido necessidade urgente de transferir para a metrópole certas quantias importantes resolveram o problema pela forma mais natural: compraram mercadorias ora Angola o exportaram-nas para a Europa.
Quere dizer, procuram reduzir o saldo negativo da. balança comercial do Angola.
E esta, com a redução das importações, a única forma de resolver o problema.
Temos informações que nos levam a crer que o ponto crítico da crise já passou.
E todavia, veja a Câmara, o Sr. Ministro das Colónias deu a entender, numa entrevista, que esto processo natural e simples prejudicava a colónia!
Sr. Presidente: dos capitais angoleases que aguardavam o meio do só transferirem para a Europa, sem depreciação, nem todos seguiram o caminho indicado; ficou um resíduo, que não sei dizer a quanto monta, porque, não havendo informações oficiais, só o poderei saber solicitando-as por favor do Banco.
E a êste propósito vêm algumas considerações sôbre o modo como se exerce a fiscalização do Govêrno sôbre o Banco Ultramarino.
Sr. Presidente: um dos motivos que levou o Sr. Ministro das Finanças - e com êle todo o Governo - a apresentar o famoso decreto da reforma bancária foi a necessidade de exercer junto dos bancos emissores uma maior fiscalização por parte do Estado, foi a necessidade de conseguir que o Estado, interviesse na administração dêsses bancos, de maneira mais eficaz e directa.
E, assim, o Sr. Ministro das Finanças não se poupou ao prazer de criar também dois vice-governadores para o Banco Ultramarino, Mas S. Exa., porventura, esqueceu-se de que junto do Banco Ultramarino há um comissário do Govêrno efectivo e outro adjunto. Êsses comissários tem obrigação de assistir a todas ás sessões do conselho de administração o do informar o Govêrno das decisões tomadas nesses conselhos, quando elas possam do qualquer modo afectar os interêsses do Estado; têm obrigação de visitar, do dois em dois anos, todas as dependências do Banco Ultramarino nas colónias e de apresentar os seus relatórios nas devidas condições.
Eu tive há tempos a curiosidade maliciosa - porque já sabia a resposta que ia ter - de pedir ao Sr. Ministro das Colónias que mo fornecesse cópias dos relatórios apresentados pelos comissários do Govêrno ou me proporcionasse a sua leitura. S. Exa. teve a gentileza do responder que semelhantes relatórios não existiam.
Se tais relatórios existissem, com o ora indispensável, não se compreendo que desde 1912, que só foz o primeiro contrato (e, portanto, já no tempo da República) o comissário do Govêrno não só dignasse escrever outras palavras que não fossem algumas linhas que nos relatórios anuais figuram, dando como boas todas as contas feitas pelo Banco.
Sr. Presidente: eu devo confessar que tenho certos escrúpulos em solicitar do Banco Ultramarino certas informações, porque não tenho autoridade para isso, e se algumas vezes me valho da amabilidade dos administradores do Banco para obter certas informações, que prontamente me são dadas, não me julgo no direito de ir devassar certos pormenores da vida intima dêsse Banco.
Eu entendo, porém, que igual reserva
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não deve haver da parte do Estado, a quem o comissário do Govêrno tem estrita obrigação "de informar com minúcia.
Mas, Sr. Presidente, dizia eu, autos de ter aberto êste largo parêntesis, que são grandes as dificuldades em que me encontro para dizer a V. Exa. a quanto montam os saques actualmente retidos em Angola e qual o montante de notas que circulam nas mãos dos particulares na metrópole, e que não podem ser trocadas no Banco Ultramarino com o prémio que a lei lhos fixa. Mas, seja qual fôr êsse montante, não há dúvida que muitas das tais notas ainda circulam e que muitos dêsses saques estão en souffrance. Existe ainda para estas importâncias a questão das transferências.
Por outro lado, Sr. Presidente, iniciou-se em Angola, nó consulado do Sr. Norton de Matos, uma série larga de obras de fomento, e não serei eu quem vá dizer que essas obras sejam inúteis, porque reconheço, faço a justiça ao Sr. Norton de Matos, dizendo que S. Exa. viu com largueza as necessidades de Angola. Porém, só o antigo Alto Comissário viu com largueza o problema de fomento, infelizmente abalançou-se a realiza Io duma forma que mo permito classificar como atabalhoada, porquanto não proporcionou os trabalhos que ia encetar aos recursos de que dispunha. E daqui resultou que se atacou simultaneamente o que era urgente e inadiável, o que era apenas necessário e conveniente, e o que era até dispensável de momento e talvez dispensável em absoluto. Foi assim que S. Exa. se encontrou em breve tempo a braços com dificuldades financeiras inextrincáveis, dificuldades que aqui tiveram eco quando foi do protesto das letras de Angola na praça de Londres.
Da mesma forma e ao mesmo tempo que se criou uma grande massa de dívidas no estrangeiro e na metrópole portuguesa, criou-se também uma grande massa de dívidas a pagar em Angola. Todos os credores do Estado e portadores de notas, todos os sacadores de cambiais que ainda estão en souffrance, todos se queixam. Queixam-se do Banco e do Estado; acusam-se uns aos outros e continuam a pedir com grande clamor uma solução. Mas o problema é difícil de estudar e mais ainda de resolver, porque a sua complexidade é extrema e as suas repercussões extensas, ninguém se abalança 3 propor qualquer medida e muito menos a decretá-la.
E porque o problema é assim, o Sr. Ministro das Colónias, num rasgo do génio, toma a resolução heróica de resolver o problema, pelo método de Cristovão Colombo. Violentou a solução, introduzindo, por seu arbítrio, um elemento; que, por geral consenso, só não continha nas permissas: fazer pagar pela metrópole não só as dividas de Angola, mas as possíveis diferenças de câmbio, que deviam ficar a cargo do governo da província e do comércio de Angola.
Mas, dir-me-há S. Exa.: que culpa tem o Ministro das Colónias dum diploma legislativo elaborado e promulgada na província e que deve ser, portanto, da responsabilidade das autoridades locais?
Eu direi, em primeiro lugar, que o Ministro que superintende na administração superior do ultramar tem o direito de intervir com o seu voto nas deliberações tomadas por aquelas autoridades assumindo, importante o seu quinhão das responsabilidades.
É o Sr. Ministro, e não o governador de Angola, quem nesta, casa do Parlamento devo responder peles actos praticados pelos seus subordinados, e não pode nem deve, como eu já aqui vi fazer a um seu colega, relegar para os funcionários seus subordinados a responsabilidade que a êle deve pertencer, quando a tempo e pelos meios que ás leis lhe facultam não exerce o indispensável contrôle.
Mas, Sr. Presidente, não preciso valer-me dêste argumento, que é absolutamente lógico, embora talvez um pouco forçado, pois que só há algumas horas recebi uma cópia do diploma a que se refere a minha "questão urgente", e que foi publicado no Boletim Oficial de Angola de 24 de Janeiro.
É certo que o Sr. Ministro podia e devia ter já conhecimento dêste diploma, pois que nele se contém doutrina que envolve encargos para a metrópole. Mas dou de barato que S. Exa. ainda não tenha dele conhecimento integral.
O que não sofre dúvida, como a Câmara verá, é que o diploma é, na essên-
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cia, da autoria do Ministro, e por isso ao Sr. Ministro das Colónias cabe a principal responsabilidade da doutrina estranha que nesse, diploma se contém.
Com efeito, Sr. Presidente, eu tive inicialmente conhecimento do que se ia passar por uma entrevista que o Sr. Ministro das- Colónias deu a um jornal de Lisboa, o Século de 10 de Janeiro, e na qual S. Exa. chama a si a responsabilidade, e, sobretudo, a glória da medida adoptada.
O problema das transferências, que tantas amarguras tinha causado à colónia e aos Governos, estava finalmente resolvido.
Foi realmente o ovo de Colombo.
Eu vou ler à Câmara o diploma a que me estou referindo e que contém, repito, matéria tam extravagantes sob o ponto do vista financeiro e administrativo, e pode dar lugar a embaraços e situações morais de tal ordem, que, a meu ver, carece de ser imediatamente revogado.
O diploma legislativo n.° 63, publicado ao Boletim Oficial, de 24 de Janeiro de 1925, adopta, segundo diz, providências transitórias tendentes a auxiliar o comércio e a indústria a suportarem, as dificuldades da crise derivada da política bancária, de restrição de crédito, adoptada há longas meses pelo Banco Emissor.
Para alcançar êste desideratum;
"1.° Autoriza as caibas do Tesouro a receberem e conservarem as cédulas e moedas divisionárias criadas pela decreto n.° 13, de 7 de Maio de 1921, entregando, em troca, certificados do Tesouro, ao portador, do valor nominal de um conto cada um, os quais - mediante simples apresentação - servem para o correspondente levantamento das cédulas e moedas depositadas."
Sr. Presidente: eu começo por chamar a atenção de V, Exa. para esta disposição, que autoriza um verdadeiro aumento de circulação fiduciária, que outra cousa não constitue a emissão de certificados do Tesouro, isto apesar do Sr. Ministro das Colónias apregoar urbi et orbe que não autoriza aumento de circulação fiduciária.
Ora convém lembrar à Câmara que na província de Angola circulam actualmente 24:000 contos de cédulas...
O Sr, Cunha Leal (interrompendo): - Na ocasião em que eu estive em Angola já estavam em circulação 32:000 ou 33:000 contos.
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos de Vasconcelos) (interrompendo): - Legalmente não podia ultrapassar 24:000 contos.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - Estamos em presença de duas afirmações.
Eu declaro que estavam em circulação 32:000 contos e o Sr. Ministro diz que não.
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos de Vasconcelos) (interrompendo): - Eu não digo que não tenha sido ultrapassado o limite; o que afirmo é que a autorização era só para 24:000 contos.
O Orador: - O Sr. Cunha Leal, que há pouco esteve em Angola e examinou a questão, afirmou que, ali havia em circulação, em cédulas, 32:000 contos, mas o facto é que o limite autorizado era só de 24:000 contos, de modo que por aqui vá a Câmara como corre a nossa administração colonial.
O Sr. Ministro, das Colónias (Carlos de Vasconcelos) (interrompendo): - Corria... Isso não é, da responsabilidade dêste Govêrno.
O Orador: - Então é da responsabilidade não sei de quem; talvez do Grão-Turco.
Eu não compreendo que, tendo o Sr. Ministro das Colónias conhecimento dêste abuso de autoridade, S. Exa. não tenha intervindo no cago. E, naturalmente, se não interveio, é porque a responsabilidade não é dele, mas sim do Grão-Turco. A Câmara está vendo!
Mas dizia, eu, Sr. Presidente, que a circulação de cédulas em Angola era, ou devia ser legalmente de 24:000 contos, aos quais há que juntar 36:000 contos de moeda divisionária, da níquel, cupro-níquel e bronze.
Que pretende o Sr. Ministro das Colónias com a disposição legislativa que tive a honra de ler?
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Li algures que o Sr. Ministro pretendia com esta emissão de títulos representativos de 50:000 contos de cédulas e de moeda divisionária proporcionar ao comércio os meios de pagamento que hoje rareiam e aos indígenas os meios de pagarem o imposto...
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos de Vasconcelos) (interrompendo): - Eu disse, há pouco, ao Sr. Cunha Leal que a autorização legal era até 24:000 contos, mas no relatório que eu fiz, da província de Angola, eu refiro-me a que essa verba tinha sido excedida.
O que eu não podia era mandar retirar essas cédulas sem ter notas para as pagar.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - Como V. Exas. vêem, a minha interrupção de há pouco tinha razão de ser.
O Orador: - Desta vez da discussão nasceu a luz...
Sr. Presidente: pretende o Sr. Ministro fazer recolher uma parte desta moeda divisionária, emitindo contra ela certificados do Tesouro, os quais representam, disse eu, papel fiduciário. E seria esta a ocasião para chamar a atenção da Câmara para o contrato do Banco Nacional Ultramarino.
Mas o Banco Nacional Ultramarino tratará da questão, se quiser tratá-la.
Isso é com êle e com o Sr. Ministro das Colónias.
É com êles, mas não pode, em absoluto, ser indiferente à Câmara.
Há que pôr em evidência êste facto da maior importância: que é o de o Govêrno fazer e desfazer contratos ao sabor do seu capricho e sem ouvir a outra parte contratante, o que é um motivo de justo reparo.
A segunda disposição do diploma legislativo que estou analisando reza o seguinte, e para ela eu peço a atenção do Sr. Ministro e dos Srs. Deputados que quiserem apreender a gravidade do assunto e a justificação da urgência que requeri:
"2.° Até 30 de Junho de 1925 poderá o Govêrno da província emitir obrigações de dívida interna, para conversão facultativa dos títulos de despesas públicas, anteriores a l de Janeiro de 1925, e financiamento, durante o actual semestre, de obras de fomento. As ditas obrigações serão do valor nominal de 500$ e 1.000$, nominativos ou ao portador, não vencem juro, nem estão sujeitas a impostos; esta" obrigações serão reembolsadas, o mais tardar, até 31 de Dezembro de 1926 e pela seguinte forma:
Alínea a) De 1 de Julho a 31 de Dezembro de 1925 a amortização far-se-há nas épocas e montante de amortização que o Govêrno da província, determinar, efectuando-se o seu resgate em moeda da colónia ou mediante as subvenções metropolitanas indispensáveis, no caso de falta de recursos próprios da província."
Eu detenho-me aqui para chamar a atenção de V. Exa. e da Câmara, pondo em evidência algumas curiosas disposições desta alínea a) do artigo 2.°
Vejam V. Exas.
Não há limite de emissão dêstes títulos. Serão tantos quantos a província quiser. Irão até onde o Govêrno local entender necessário.
Trata-se não só de consolidar - deixe V. Exa. passar o termo - de consolidar dívidas já contraídas; mas também de dívidas a contrair, com obras de fomento. Quais obras de fomento? Quanto importam estas obras? Não o sei dizer nem o saberá porventura, o Sr. Ministro das Colónias. E todavia trata-se de um possível encargo para a Metrópole.
Mas vejamos agora, como se faz o resgate destas obrigações.
Diz o diploma que estou analisando que será em moeda da colónia, e, se faltarem os recursos próprios à província, recorrerá às subvenções da Metrópole, que serão pagas, salvo um pequeno desconto em notas do Banco de Portugal.
Aqui têm V. Exas. a justificação do que eu há pouco disse.
Notem bem V. Exas.: obriga-se o Govêrno da Metrópole a pagar êsses títulos emitidos pela província e de valor ilimitado.
Mas, com que recursos?
Onde é que o Sr. Ministro das Colónias vai buscar os fundos necessários para êsse resgate?
Quem autorizou o Govêrno a contrair
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semelhante responsabilidade para o País? Quando fôr votada essa despesa Angola vai ter um, Governador Geral, aliás muito distinto; tem o seu Conselho Legislativo, possui um Conselho do Govêrno o tem ama administração autónoma de que ela é muito orgulhosa e muito ciosa; mas serve-lhe essa autonomia apenas para criar indefinidamente obrigações que depois lança sôbre o tesouro da Metrópole. E, o Sr. Ministro das Colónias não teve escrúpulo em aconselhar esta medida!
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos do Vasconcelos): V. Exa. não pode dizer isso.
O Orador: - Posso dizê-lo, porque V. Exa. o declarou na sua entrevista.
Sr. Presidente: a matéria da alínea c) é, só por si, muito curiosa, e vai também servir para responder ao Sr. Ministro das Colónias.
A Alínea b) De 1 de Janeiro a 30 de Junho de 1926 as obrigações, não reembolsadas, serão pagas em Lisboa, por conta da colónia, pelo tesouro metropolitano, sofrendo o desconto de 12 por cento sôbre o seu valor nominal, a não ser que os respectivos possuidores prefiram aguardar a liquidação em moeda da colónia, a qual se efectuará no segundo semestre de 1.926. Estas obrigações são livremente transmissíveis, bastando o simples endosso, quando nominativas. Esta emissão de obrigações será feita em séries de 5:000 contos cada uma".
Devo acrescentar que tanto os certificados como as obrigações servem para efectuai pagamentos ao Estado.
Estão V. Exas. a ver, não é verdade?
Um escudo de Angola, convertido em moeda metropolitana, pode sofrer uma depreciação, por prémio de transferência e diferença cambial de 15 a 20 por cento, ou talvez mais, mas o Sr. Ministro das Colónias fixou o câmbio em 12 por cento, seja qual foi a situação das praças de Angola em relação à de Lisboa.
Vêm V. Exas. também que Angola pode contrair muitos encargos, sem ter que pensar em receitas, porque tem o Tesouro Português, o da Metrópole, para lhos pagar.
Nos contratos de 1911 e 1919 com o Banco Ultramarino, também se fixava o câmbio; mas a responsabilidade era do Banco,1 que lhe sofria ais consequências. Agora é o Estado que, sozinho, chama a si essas responsabilidades. É na última análise, o Sr. Ministro das Colónias a reeditar, mas por conta do Estado, o contra senso económico do câmbio fixo.
Sr. Presidente: como de começo disse eu não sou pessoa de grande fôlgo oratório; mas julgo ter-me explicado de forma suficientemente clara para a Câmara, ver como se resolvem certos problemas de administração colonial 5 para a Câmara ver a forma atrabiliária, confusa, contrária a todos os preceitos constitucionais, contrária à soberania, da Metrópole e a todas as disposições administrativas como o Sr. Ministro das Colónias, orienta a administração que lhe esta confiada.
Um Governador Geral, embora por indicação do Ministro permite-se legislar na colónia, criando obrigações o encargos para a Metrópole e o Sr. Ministro das Colónias, não só não mandou sustar a execução dêste documento, como antecipadamente chamou a si a paternidade e a glória da sua promulgação.
S. Exa., na sua entrevista para um jornal teve êste rasgo de sinceridade:
"Estas obrigações são verdadeiras cambiais".
Não há dúvida; são cambiais que o Sr. Ministro das Colónias vai facultar aos negociantes de Angola, pagando o Tesouro da Metrópole a diferença dos câmbios.
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos de Vasconcelos) (interrompendo): - Perdão! Aos credores de Angola.
O Orador: - Será aos credores, mas à custa da Metrópole.
Eu preguntarei portanto ao Sr. Ministro onde encontrou S. Exa. qualquer autorização para contrair esto encargo; em que disposição legislativa S. Exa. se apoiou para o sancionar?
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos do Vasconcelos): - Tenho nas bases orgânicas autorizações suficientes para sancionar êsses diplomas.
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O Orador: - Não conheço nenhuma disposição nas bases orgânicas que autorizo um Ministro das Colónias a criar para o Tesouro metropolitano encargos indefinidos, ou mesmo definidos, quando não sejam o resultado do uma autorização parlamentar.
Sr. Presidente: terminando as minhas considerações por agora, o aguardando com o mais vivo interêsse as explicações que o Sr. Ministro das Colónias certamente vai dar à Câmara, eu envio para a Mesa uma moção que traduz o meu modo de pensar sôbre o assunto.
Tenho dito.
Foi lida e admitida a moção do Sr. Vicente Ferreira.
É a seguinte:
Moção
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que a política colonial do Govêrno revelada no diploma legislativo publicado em Angola no Boletim Oficial de 23 do Janeiro, contra disposições expressas da Constituição, obriga a metrópole a um pesado encargo financeiro que a metrópole não pode, nem deve suportar, passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 2 de Fevereiro de 1925. - Vicente Ferreira.
São admitidos os seguintes projectos de lei já publicados no "Diário do Govêrno".
Do Sr. Pinto Barriga, revogando a lei n.° 1:545, e os decretos publicados ao abrigo da mesma lei.
Para a comissão de finanças.
Do Sr. Ribeiro de Carvalho, criando um solo especial para vinho do Pôrto ou Madeira e espumoso, tipo champagne, de 10 centavos por garrafa e de 5 centavos para qualquer outro vinho.
Para a comissão de agricultura.
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos de Vasconcelos): - Sr. Presidente: ao assumir a pasta das colónias, tive conhecimento do muitos e diversos telegramas vindos de Angola mostrando a situação perfeitamente desesperada da província quanto aos seus meios de pagamento.
Independentemente das dívidas de Angola, havia uma absoluta falta de numerário, falta que chegou ao ponto de tornar impossível a cobrança dos impostos. Procurei a direcção do Banco Nacional Ultramarino o convidei-a a dar à colónia a parte do empréstimo a que se obrigara com o então Alto Comissário, Sr. Norton de Matos.
O Banco Nacional Ultramarino recusou-se a satisfazer; êsse meu desejo, alegando a impossibilidade de, na metro pelo, entregar as importâncias, necessárias.
A idea de se recorrer ao aumento da circulação fiduciária seria uma ilegalidade, visto que só por um contrato se poderia efectuar êsse aumento de notas em Angola.
Eu não podia nem devia sancionar tal cousa. Reputo absolutamente inconveniente a política de inflação que se seguiu nas colónias, não tendo acarretado para o Estado senão prejuízos e não lhe trazendo sequer qualquer benefício da percentagem a que o Banco Nacional Ultramarino se obrigava pelo contrato de 1919.
Tive, portanto, de encarar o problema sob êste seu aspecto e procurar adiar os pagamentos de forma não só a procurar solver os créditos num prazo mais distante, mas ainda a evitar a paralisação imediata das obras dos caminhos de ferro que se estavam realizando, o que importaria a débacle económica do Angola.
Nestes termos e sem querer tratar neste momento sob um aspecto vasto e teórico da questão das transferências, da questão da balança económica comercial de Angola e da sua balança de pagamentos, direi ao Sr. Vicente Ferreira que em Angola a balança económica comercial, pelos dados oficiais, acusava um superavit, e, quanto abalança de pagamentos, o Banco Nacional Ultramarino disse-me por diversas vezes, sem se ter dados para o confirmar, que ela acusava um déficit importante. Pretendi, pois, resolver o problema determinando ao Sr. Governador Geral do Angola que se criassem valores em papel representativos do moeda.
Dei instruções de carácter genérico, como são as instruções dos Ministros, ao Sr. Governador Geral de Angola. Essas
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instruções, resumem-se no seguinte: omitir "obrigações" representativas da moeda de Angola, para saldar as dívidas cujo pagamento fôsse urgente. Durante seis meses essas obrigações não venceriam juro algum; passado êsse tempo, só não fossem pagas na colónia, seriam pagas na metrópole com o desconto que S. Exa. entendesse.
Mas, diz-me o Sr. Vicente Ferreira, isso é uma nova circulação fiduciária que se introduz na administração de Angola!
Talvez S. Exa. tenha razão, porque também as "obrigações" que se emitem na metrópole representam circulação fiduciária. No emtarito, essa circulação fiduciária tem o inconveniente de ser temporária e, também como S. Exa. frisou, pode até certo ponto influir na questão das transferências.
Eu não sinto, como S. Exa., que esta questão das transferências seja insolúvel.
Em Angola a exportaçãs dos últimos anos, conforme os dados oficiais, foi superior à importação; no emtanto, entre as verbas mais importantes da exportação aparece a dos diamantes que representa 27 por cento da exportação total da província.
Ora as cambiais da exportação de diamantes naturalmente não são retidas na colónia senão numa parte mínima, porque vão para a Bélgica na sua quási totalidade.
A retenção destas cambiais e de outras que ordenei, foi uma das medidas que julguei necessárias, não para resolver radicalmente a questão das transferências, mas para a atenuar momentaneamente que fôsse.
Falou-se aqui também em inconstitucionalidade, quanto no diploma legislativo de Angola. A êste respeito, tenho a dizer que esto diploma, que, aliás, ainda não deu entrada no Ministério das Colónias, tem ainda de ser submetido à sanção do Conselho Colonial, visto que está em execução provisória. As suas orientações gerais indubitavelmente que pertencem ao Ministro das Colónias; em quaisquer "detalhes", o Conselho Colonial o melhorará, e não terei dúvida alguma em lhe ponderar cortas circunstâncias que fossem influir na perfectibilidade dêsse diploma.
Posto isto, direi à Câmara que não reputo inconstitucional o diploma legislativo de Angola. Nas sua linhas gerais, êle obedece às instruções que o Ministro das Colónias enviou ao governador geral de Angola, e, se V. Exas. me dão licença, eu leio o que determinei sôbre a questão. Para a regulamentação da questão cias transferências enviei um telegrama que vou ler.
Tenho também a informar o ilustre Deputados interpelante que estas minhas instruções encontraram na província, neste ponto, uma certa resistência. O Sr. governador imediatamente me telegrafou, dizendo-me que não possuía fundos necessários para a compra dessas cambiais. Por isso eu procurei no Banco Nacional Ultramarino obter êsses fundos, e assim me foi possível criar uma espécie de fundo de maneio de cambiais em Angola para fazer face a essas compras.
Todavia, esta medida ainda não foi posta em vigor, exactamente pelas dificuldades que se têm suscitado em torno da regulamentação desta apreensão de cambiais.
Pela precipitação com que vim para a Câmara, não trouxe o telegrama em que me referia às "obrigações"; no emtanto, posso dixe r que era pouco mais ou menos nestes termos: poderia S. Exa. mandar omitir "obrigações" que não venceriam juro nos primeiros seis meses, sendo depois dêsse tempo pagas com juro na metrópole.
Eu não precisava, de resto, dêste diploma para fazer emitir estas obrigações, visto que tinha a portaria n.° 99 do governador.
Quanto aos certificados de cédulas, esta portaria não fez mais do que repetir o que dizia a portaria n.° 95 do Sr. Norton de Matos, que estava ainda em vigor em Angola.
E digo a V. Exa. a razão porque se julgou conveniente mandar novamente publicar essa portaria n.° 95, foi porque no telegrama que enviei ao Sr. governador dizia que o Banco Nacional Ultramarino, pelas conversas que tivera comigo, estava na disposição de enviar para Angola bastantes cédulas.
De resto direi que procurei adiar pagamentos em Angola, e consegui que as obras de fomento continuassem. A ques-
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tão das transferências modificou-se para melhor.
Actualmente, não tenho recebido um único protesto dos exportadores sôbre a questão das transferências.
As obrigações que mandei emitir não foram para acudir ao comércio, foram, unicamente, para pagar dívidas que eram de inadiável satisfação, sob pena dos Caminhos de Loanda e outros empreendimentos paralisarem.
Julgo ter praticado um bom serviço ao meu País e ter afastado pelo menos, durante algum tempo a crise tremenda que ameaçava Angola.
Submeti ao Parlamento uma proposta de financiamento de Angola. Nesta encontra-se delineado o modo de ver do Govêrno.
A Câmara compete dar os poderes necessários para o Govêrno, dentro de seis meses, satisfazer os compromissos daquela província, satisfação, aliás, que já feri reconhecida pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
Não quere a Câmara que eu continue na modéstia da minha acção, mas na vastidão dos meus bons propósitos, a prestar dentro da pasta das Colónias aqueles serviços que julgo absolutamente indispensáveis?
Está na mão da Câmara o indicar-me o caminho, na certeza de que, em dois meses, a única colónia deficitária que temos hoje é a de Angola.
Os últimos telegramas chegados do Timor dizem que mercê das instruções que dei, e outras da iniciativa do governador, aquela colónia se encontra equilibrada.
Levarei ao menos, gostosamente, a satisfação de ter feito alguma cousa, que será o início de uma acção fecunda nas nossas colónias.
Tenho dito.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Ao terminar, o Sr. Ministro das Colónias, o seu discurso, das galerias são soltados avivas à República, seguidos de várias manifestações.
Alguns Srs. Deputados protestam, pedindo ao Sr. Presidente a interrupção da sessão.
O Sr. Presidente interrompe a sessão, sendo, seguidamente, evacuadas as galerias.
Eram 17 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Joaquim Ribeiro (para explicações): - Desde há muito pouco tempo, que é a segunda vez que as sessões desta Câmara são interrompidas pelo procedimento de alguns díscolos introduzidos nas galerias.
V. Exa., Sr. Presidente, do alto lugar que ocupa tem de procurar todos os meios para pôr cobro a factos desta natureza.
Foi com profunda mágoa que hoje vi repetir as desordens nesta sala, sob todos os pontos de vista lamentáveis, que desprestigiam o Parlamento, a República e até a pessoa de V. Exa., porque, nesse elevado lugar, V. Exa. tem de usar todos os meios para manter a ordem.
Devemos uns aos outros o mútuo respeito, e não podemos consentir que os trabalhos do Parlamento, sob qualquer pretexto ou ensaios feitos por alguém (apoiados), sejam perturbados.
Lembro-o a V. Exa., Sr. Presidente, sem que nas minhas palavras queira argui-lo ou acusá-lo. Elas têm o único intuito de desejar ver tomadas as necessárias medidas, para que nunca mais alguém se levante fazendo barulho, sem ter direito para isso.
Espero, pois, e comigo toda a Câmara, que não mais se repita o que hoje aqui se passou.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: - Lamento profundamente que não estejam nas galerias as mesmíssimas pessoas que ainda há pouco lá estavam, antes da sessão ser interrompida, e levantaram gritos, porque queria fazer diante delas aquelas palavras que vou agora proferir, na ausência dalgumas.
O que hoje se passou aqui foi uma comédia mal ensaiada.
Apoiados da direita.
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Suspeitou-se do que nós viríamos transformar a Câmara dos Deputados num largo campo do batalha, porque tínhamos prometido, em nome dos princípios e da salvação da República, não deixarmos aprovar quaisquer medidas emwuanto permanecesse nas cadeiras do poder um Govêrno que, pelos seus actos, cada vez mais, demonstra não dever estar ali.
Sucede porém que os empresários desta casa não viam bem as cousas com olhos de inteligência.
Não sabem que, dentro do Regimento, há muitos recursos para fazer sobrepor á vontade da Nação à vontade do quaisquer déspotas.
Apoiados da direita.
E então aconteceu que da parto. da. minoria nacionalista falou hoje com toda a sua serenidade, tem toda a dignidade que lhe é peculiar e conhecimentos profundos, o meu querido amigo Sr. Vicente Ferreira.
Apoiados.
Havia uma ordem para vexar os Deputados para os levar pela coacção do medo a todas as transigencias, as mais miseráveis, para com a Govêrno.
A scena estava bem ensaiada, mas faltava o pretexto; e os actores fizeram cair sôbre a cabeça do Sr. Presidente do Ministério o vexame dos seus aplausos e sôbre nós a glória das suas vaias!
Muitos apoiados.
E porquê?
Porque era preciso vexar e aplaudir!
Ainda todos nós nos lembramos dos velhos tempos das manifestações à Sérvia; e um espirituoso colega disse há pouco que desta vez a incumbência foi feita aos croatas, porque o tinham feito pôr uma miserável coroa!
Nós, os republicanos de sempre, acusados de vendidos aos Bancos!
Ah! miseráveis homens, cuja honra é tam baixa que se regozijam em insultar os homens honrados!
Onde estão as medidas do Govêrno para evitar a scena e castigar quem neste papelucho, que tenha na mão, insultou os homens honrados da República?
O orador rasga um impresso que tem nas mãos.
Sussurro nas galerias.
O Sr. Presidente: - Previno as galerias que ao menor indício de quererem intervir nos trabalhos desta Câmara, as mando evacuar.
Vozes: - Isso é pouco!
O Orador: - Eu não sou homem que fuja, nem deixe de seguir em linha recta o caminho que trouxer traçado!
Jamais me deixei coagir pelo medo, nem pela mais miserável das coacções dos sicários que ainda querem fazer um novo 19 de Outubro.
Apoiados!
Sejamos, ou não vítima, eu saio daqui tranquilo e vou para minha capa sem receio dos "croatas". E à violência havemos de responder com a violência!
Tenho dito.
Muitos apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: êste lado da Câmara protesta indignadamente contra o que aqui se passou, e contra o que lá fora se escreveu, marcando esta intervenção das galerias a horas precisas.
Num jornal fazia-se a apologia da revolução, dizendo-se aos operários que pagassem em armas para a defesa do seu pão.
Sou adversário intransigente de quási todos os Srs. Deputados, mas tenho sempre distinguido o respeito que devo aos homens.
Distingo a moral política da moral individual, mas há casos em que a moralidade pessoal está ligada à moral política.
Apoiados.
Nos últimos anos tem havido verdadeiros atentados, tem havido assassinatos.
Como homem do honra e respeitador da honra alheia, eu protesto energicamente contra o que aqui se passou. E o Govêrno não pode mais ficar naquelas cadeiras.
Apoiados e não apoiados.
A continuar ali, seria um opróbrio para o Parlamento e pessoalmente para cada um de nós.
Apoiados e não apoiados.
Vários àpartes.
O Sr. Tavares de Carvalho: - Manda o Deputado Sr. Carvalho da Silva.
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O Orador: - Quem está a falar é o Deputado (Apoiados), não é monárquico, nem republicano.
Apoiados.
São os seus sentimentos do honra e de homem digno, que muito preza a honra alheia.
Se fôsse um Govêrno de correligionários meus, eu diria o mesmo.
Vozes: - Ora, ora.
O Orador: - É um protesto de homem de brio e de honra, e que muito preza a honra dos outros.
Muitos apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Manuel Fragoso: - Sr. Presidente: não é hoje a primeira vez que ou me insurjo contra a intervenção das galerias.
Apoiados.
Já de outra vez o fiz quando elas se manifestaram, e então a meu favor.
Apoiados.
Nós temos que destrinçar nas manifestações das galerias. Eu compreendo que o público se manifesto se ouvir qualquer cousa que fira a República, mas não desculpo manifestações talhadas lá fora como esta.
Apoiados.
Aqui dentro estão representantes da Nação que são o verdadeiro povo, que é preciso respeitar; e é contra isto que eu me revolto. (Apoiados). Não vou averiguar donde partiu a manifestação, mas evidentemente ela partiu dos amigos do Govêrno. Não vou repetir o que disse o Sr. Carvalho da Silva, mas de facto o Govêrno assim não se aguenta, querendo obrigar homens do brio e pundonor a votarem aquilo que êle quiser.
Neste país, onde há tanta cobardia e que por isso muitos julgam que podem mandar, se há politicamente fracos, há moralmente fortes.
Muitos apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Amadeu de Vasconcelos: - Sr. Presidente: creio que na Câmara nunca faltei aos deveres impostos pelo Regimento, nem à consideração e respeito pessoal que devo ter pelos meus colegas nesta Câmara, tendo sempre acima de tudo procurado pelos meus esfôrços dignificar esta assemblea legislativa. E por isso protesto indignadamente contra a manifestação das galerias tantas vezes repetida nesta casa.
Não foi porém só para isto que pedi a palavra: foi para repelir a insinuação do que o que aqui acaba do passar-se tinha sido provocado por amigos do Govêrno.
Vários àpartes.
O Orador: - Os amigos do Govêrno não precisam apelar para as galerias (Apoiados) nem tam pouco precisam de ir buscar reforço onde quer que seja para defender a obra que o Govêrno se propôs realizar.
Da mesma maneira quero lavrar o meu protesto, o mais enérgico, contra a afirmação aqui feita de que o Govêrno é cúmplice senão autor da manifestação das galerias.
Atribuir ao Govêrno a responsabilidade do que se passou, há pouco, nas galerias desta Câmara, sem paralelamente apresentar provas, nem mais nem menos que provocar a repetição de scenas como as já dadas, pela justificada revolta que tal procedimento deve provocar.
O Sr. Francisco Cruz: - V. Exa. é muito inocente.
O Orador: - Não sei se sou ou não inocente, o que sei é que assumo a responsabilidade do que digo.
Se eu tivesse a certeza de que a manifestação das galerias fora feita por ordem do Govêrno, eu seria o primeiro a levantar o meu protesto contra o Govêrno.
Trocam-se numerosos àpartes.
O Sr. Pedro Pita: - Houve quem pedisse sessenta bilhetes duma assentada. Vinte para cada galeria.
O Orador: - Eu não pedi um único bilhete.
Pelo Sr. Presidente da Câmara tenho a maior das considerações e tenho a certeza de que S. Exa. foi por completo alheio a tudo, mas sei que só S. Exa. poderia ser chamado à responsabilidade do que se passou.
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Não compreendo, pois, que se traga para a discussão a pessoa do Sr. Presidente do Ministério.
Infelizmente o quê hoje aqui se passou já se tem dado em outras ocasiões e nunca vi que se exigisse a responsabilidade aos Governos que estavam nas cadeiras do Poder.
Contra a intervenção das galerias tenho sempre protestado e hoje laço igualmente o meu protesto contra o que aqui se passou e repito que, por parte dos amigos do Govêrno, não houve quaisquer conluios ou combinações pára tal.
O Sr. Maldonado de Freitas (interrompendo): - Ao entrar nos corredores desta Câmara, vi um indivíduo que é vogal da Associação do Registo Civil, e meu parente, a distribuir bilhetes a criaturas das quais eu fugiria se as encontrasse em qualquer caminho escuso.
O Sr. Amaral Reis: - Então V. Exa. tem boas pessoas na família.
Risos.
O Sr. Maldonado de Freitas: - É meu parente afastado, mas que o não fôsse, eu falaria da mesma forma, pois que quando tenha de censurar ou elogiar qualquer pessoa, vejo apenas os actos dessa pessoa. Era êsse indivíduo que é amigo do Govêrno, que estava â distribuir bilhetes.
Cruzam-se vários àpartes.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.
O Orador: - Sr. Presidente: se é certo que o Govêrno não poderá manter-se no seu lugar por meio das manifestações das galerias da Câmara, também não é menos certo que não deverá abandonar o seu pôsto por virtude de mandatos, como aquele que lhe foi dirigido pelo Sr. Deputado monárquico Carvalho da Silva.
Espero, por fim que a minoria nacionalista faça justiça aos amigos do Govêrno não acreditando que êles recorrem a quaisquer manifestações de galerias, para defenderem o Govêrno.
Para essa defesa, boa ou má, chegamos nós.
Tenho dito.
O Sr. Álvaro de Castro: - Não tencionava pedir a palavra para falar sôbre o incidente há pouco ocorrido nesta Câmara, porque não é, como já aqui se frisou, a primeira vez que se dão semelhantes casos.
Infelizmente, é já em número muito elevado a série de intervenções das galerias. Mas, como de todos os lados da Câmara tem havido referências especiais ao caso, eu também não quero deixar de significar, em nome do Grupo da Acção Republicana, qual a sua maneira de sentir em face da manifestação das galerias e do que ela pode significar.
Não é a primeira vez que eu, interpretando o meu sentir e o dos meus amigos políticos, falo aqui, protestando contra a intervenção das galerias, levando essas minhas palavras de protesto até as campanhas difamatórias feitas contra quaisquer homens públicos, de uma maneira baixa o indigna, e nesta hora o faço com igual sinceridade, desejando que as minhas palavras fossem até o fundo do sentimento de todos para que se compenetrassem de que só do prestígio de todos que connosco trabalham pela República e pelo progresso do País poderá vir alguma cousa de útil para a Nação.
Por mim nunca foram pronunciadas palavras que pudessem representar calúnia ou desprestígio para qualquer homem público.
Apoiados.
V. Exas. devem estar recordados de que, se não fui dos mais activos, não fui, também, dos que menos activamente combateram Sidónio Pais.
Apesar de ser uma figura política que, na verdade, detestava por todos os motivos, por todas as razões, por todos os fundamentos, nunca ninguém ouviu nem leu, com respeito a êsse homem, que representou, quer queiramos quer não, um importante papel político no País, quaisquer palavras minhas que fossem de calúnia ou que pretendessem demonstrar torpeza dos seus sentimentos ou do seu carácter.
Só assim procedi para com um homem dessa natureza, nunca procedi nem nunca procederei por forma diferente para com quaisquer outros vultos republicanos.
Por isso aqui protesto energicamente contra as palavras que atingiram o Sr.
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Cunha Leal, pessoa que eu muito considero e que muitas vezes tenho procurado prestigiar.
As minhas palavras, portanto, como não podiam deixar de ser, interpretando o sentir do grupo de parlamentares que formam o bloco que apoia o Govêrno, são de protesto contra o que acaba de se passar.
Mas, também, não é legítimo dizer-se que o Govêrno tem estado apoiado por um grupo de bandidos.
Têm-no apoiado o maior Partido da República, que é o Partido Republicano Português e o Grupo de Acção Republicana.
Até agora, o Partido Republicano Português tem demonstrado ao Govêrno as suas simpatias e o seu aplauso pela obra realizada e pelo que pretende lazer.
Não tenho nenhuns motivos para supor o contrário.
Se eu estivesse convencido, se o Grupo de Acção Republicana pudesse ser convencido, por factos, por provas aqui feitas, de que a responsabilidade das manifestações hoje produzidas era do Govêrno, o Grupo de Acção Republicana imediatamente lhe retirava o seu apoio, retirando os Ministros que tem no actual Gabinete, não hesitando, um segundo sequer, sem necessidade de conversações preliminares com o Grupo Parlamentar Democrático, ao qual, sendo o mais numeroso, deve caber a iniciativa da abertura de uma crise que se haveria de resolver.
O Grupo de Acção Republicana, se o debate recair sôbre êste assunto, como parece dever recair, visto a responsabilidade do ocorrido ser imputada ao Govêrno, pautará a sua atitude e o seu voto conforme as provas que aqui forem produzidas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Pina de Morais (para explicações): - Sr. Presidente: creio que o respeito que cada um de nós tem por si e pelas instituições parlamentares, que o respeito que devemos ao País, que o respeito que devemos às nossas inteligências e aos nossos caracteres, creio que toda esta série de palavras "respeito", que eu classifiquei e adjectivei, seria suficiente para que todos lamentássemos o episódio que se deu esta tarde.
Não haverá distinção na reprovação completa e absoluta do que aqui se passou.
O meu protesto é o maior, o mais profundo que eu posso sentir e, Sr. Presidente, protesto igual é para todos os meus camaradas que dentro desta casa apreciam um episódio que não tem as proporções que lhe querem atribuir, porque, num país meridional, onde a febre actua sôbre os nervos, onde a política toma feições pessoalistas e individualistas perigosas, não é nada de estranhar que êsses acontecimentos se tivessem produzido.
O Sr. Agatão Lança: - Não apoiado! Acho lamentável que V. Exa. que é um soldado, não estranhe o que aqui se deu.
O Orador: - Eu lancei o meu mais veemente protesto contra aquilo que se deu. Não o admito.
Em qualquer situação, eu, cumpridor dos meus deveres de cidadão, de Deputado e de soldado, nunca deixei transgredir a disciplina, - e sou um homem que tem tido sôbre os seus ombros grandes responsabilidades. O que eu não estranho é que um popular grite uma palavra!
V. Exa., Sr. Agatão Lança, parece que quis torcer as minhas palavras; não me presto a isso. Olho sempre a direito e sei sempre o que digo.
Mas seguia eu no caminho de dizer que igual protesto fazia contra o facto de se querer pegar neste episódio e dele se fazer uma questão política. Não se queira fazer um auto de corpo de delito desta sorte.
Indague-se de outra forma, mas não se lance a aleivosia sôbre ninguém, de que se prepara, seja o que fôr, a favor do Govêrno.
Sabe V. Exa. e a Câmara sabe que o Govêrno se apresentou com desassombro, e que com desassombro continua a viver. Não é um mero episódio de galeria que pode perturbar a sua vida. Acho que não é de uma absoluta lealdade política segurar êste caso pelos cabelos para prejudicar aqueles que se sentam naquelas cadeiras.
Faça-se uma luta política aberta, e os
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adversários do Govêrno têm recursos, capacidade e inteligência suficientes para debaterem os problemas que a Nação precisa do resolver inadiàvelmente, os grandes problemas que hoje posam como a espada de Damocles sôbre a Nação; problemas que exigem resoluções imediatas, porque suponho que a sorte dos povos estará julgada num curto espaço do tempo, sendo necessário, por isso, que os povos trabalhem.
E então, que na discussão dêsses problemas se abra a clara luz das cores políticas.
Mas, num tam pequeno episódio, acho salsa demais para tam pequeno peixe.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Marinha (José Domingues dos Santos): - Sr. Presidente : como Deputado, que também sou o há já largos anos, sem que nunca da minha boca aqui tivesse saído uma palavra menos digna desta assemblea, sem que nunca da minha parte tivesse partido uma atitude menos digna desta assemblea, eu devo dizer a V. Exa. e à Câmara que, só na verdade eu não tivesse sôbre os meus nervos um domínio absoluto, estaria neste momento seriamente embaraçado para responder ao que se tem dito.
Se, na verdade, eu não tivesse sôbre os meus nervos um domínio absoluto, estaria neste momento seriamente embaraçado.
Sr. Presidente: nestes largos anos duma vida parlamentar intensa, que tenho tido, muitas vezes - tantas que nem já lhes não sei a conta - eu tenho assistido a episódios e a desordens perfeitamente idênticos àqueles que hoje aqui se produziram; uma cousa apenas é inédita desde que sou Deputado - o que se atribuíam as responsabilidades do que se passou nas galerias aos homens que ocupam as cadeiras do Poder.
Que responsabilizem o chefe do Govêrno e Ministro do Interior pelas desordens que lá fora se fazem, quando êle as não saiba ou não queira reprimir, admito perfeitamente; mas que se queira responsabilizar o chefe do Govêrno e Ministro do Interior pelas desordens que se produzem aqui dentro, quando a ordem aqui lho não está confiada, mas à Presidência da Câmara, isso é que ou não posso compreender.
Sr. Presidente: eu cheguei ontem a altas horas da noite a Lisboa, tendo ido acompanhar ao norte o Sr. Presidente da República; o durante toda esta semana que passou tais o tam absorventes foram as minhas ocupações que eu nem pouco tempo tive sequer para cuidar do problema político.
Fui surpreendido agora pelo facto do Sr. Cunha Leal acusar o Govêrno de não ter mandado prender os homens que lhe distribuíram um papel.
Não sei de que papel se trata; mas se êsse papel a que S. Exa. se referiu atinge a sua honra, sou o primeiro a protestar também contra quem de tais processos usa.
Certamente que o Sr. Cunha Leal não quero atribuir a responsabilidade dos insultos que lhe dirigem à pessoa do Presidente do Ministério e Ministro do Interior, como o Presidente do Ministério o Ministro do Interior não quere atribuir ao Sr. Cunha Leal ou a quem quer que seja do Parlamento a responsabilidade das injúrias que diariamente recebe também.
Só eu trouxesse à Câmara dos Deputados as cartas ameaçadoras o injuriosas que todos os dias recebo, com certeza que V. Exa. aâ teriam também justa razão para se indignarem; mas eu, que não sou homem que ando pela primeira vez na política, sei bom o que do importância devo ligar a tais papéis, para que dalguma maneira êles possam perturbar-me um momento sequer na marcha dos acontecimentos, o na sequência das minhas atitudes.
Tracei o caminho que entendi dever seguir, e dêsse caminho não saio, nem perante manifestações desordeiras de lá fora, nem perante manifestações desordeiras de cá de dentro.
Há só uma maneira de me mandarem embora: é a Câmara aprovar um voto de desconfiança ao Govêrno.
Doutra forma, eu, que aqui estou convencido de que realizo uma obra necessária para a vida da República, aqui mo conservarei, lutando até o fim, dentro dos meios que me faculta a Constituição,
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pregando aqui o lá fora, procurando estabelecer a opinião de que, na verdade, a obra dêste Govêrno é indispensável para a vida da República, mais do que para a vida do Govêrno.
Há aqui uma luta de ideas; essa luta terá de ir até o fim, quer o Govêrno aqui se encontre, quer o Govêrno daqui saia.
Quando sair daqui, tenho além o meu lugar de Deputado, para continuar lutando; e quando me fechassem as portas do Parlamento, tinha a praça pública, para continuar lutando pelo triunfo de uma idea.
Sr. Presidente: estas afirmações, que neste momento quero fazer, com a serenidade que sempre costumo pôr nas minhas atitudes - pois o homem que tem por si a razão e a justiça tem sempre fácil forma do estar sereno - essas atitudes são bem claras, para que todos as possam entender.
Já está sôbre a Mesa uma moção de desconfiança ao Govêrno.
Vai votar-se, novamente, se o Govêrno deve sair destas cadeiras; mas o Govêrno, que não tome as borrascas, não as evita nem transige.
O Govêrno ou fica ou cai. Esta atitude, tem-na os homens que não devem nem temem.
Sr. Presidente: não me rebaixo à atitude de dizer que não tive cumplicidade alguma, que não ordenei nem tive qualquer interferência no que aqui se passou. Seria indigno de mim.
Quero, apenas, afirmar mais uma vez que, sejam quais forem os acontecimentos, sejam quais forem as atitudes de futuro, podem V. Exas. ter como certo isto: é que a luta de ideas que encetei não terminará.
Há uma forma fácil de nos entendermos: é respeitarmo-nos uns aos outros. Peço para mim, exijo para o Govêrno, aquele respeito que nós temos pelos outros.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Lino Neto: - Sr. Presidente: sinto e lamento vivamente os factos que hoje nesta Câmara ocorreram; e, por êste motivo, a minoria católica lavra o seu veemente protesto contra êles, afirmando
V. Exa., Sr. Presidente, que por parte dêste lado da Câmara terá V. Exa. a fôrça necessária para manter o prestígio do Parlamento.
Sr. Presidente: é necessário que esta Câmara, a primeira assembea política do país, do um exemplo grande do ordem, que é a única base do uma marcha regular para a vida do País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: pedi a palavra na altura em que o Sr. Álvaro de Castro, a quem eu quero prestar a minha, homenagem, porque nunca lhe ouvi proferir injúrias contra ninguém, dizia que eu tinha sido de certa maneira injusto, quando afirmara que o Govêrno estava apoiado exclusivamente sôbre um bando do bandidos, e que êle, pelo contrário, entendia que o Govêrno cumpria a sua obrigação constitucional apoiado por uma maioria, formada em bloco, por elementos diversos.
Evidentemente que eu não quero deixar no espírito da Câmara a impressão de que acusei de bandidos os Deputados que têm apoiado o Govêrno.
Seria uma injúria fácil e imprópria de mim.
O Sr. Álvaro de Castro (interrompendo): - Eu não considerei nunca que V. Exa. dirigisse essas palavras aos Deputados.
O Orador: - Mas eu gosto de falar muito claro.
Desde o momento que o Govêrno tivesse os processos normais de viver, não precisava nem devia consentir as violências e truculências de alguns bandidos.
Se não tivesse pedido a palavra, Sr. Presidente, quando o ilustre Deputado Sr. Álvaro de Castro falou, tê-lo-ia feito quando o meu ilustre companheiro da Escola do Exército, e companheiro no campo de Flandres, o Sr. Pina de Morais falou, para lhe dizer que o desconheço, pois a verdade é que S. Exa. hoje é mais político que os próprios políticos.
Sei muito bem que vivemos na verdade num país meridional, conforme disse o Sr. Pina de Morais, e é justamente por isso que
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eu entendo que num País assim se não deve dizer um certo número de cousas.
Sei muito bem, como companheiro que fui do Sr. Pina de Morais, que S. Exa. é forte e destemido, sendo êsse talvez um dos nossos grandes males, Porém entre S. Exa. o ou há uma grande diferença, e é que eu estou arriscando muito mais a vida de que S. Exa., e assim eu devo dizer ao Sr. Pina de Morais, meu companheiro que foi, na Escola do Exército, meu companheiro de armas em Flandres, que se S. Exa. não gosta da morto dos governos, menos deve gostar da morte de um seu amigo.
Sr. Presidente: eu sei muito bem que a vida de cada um não é uma cousa muito apreciável senão para êle próprio; porém, entendo que, desprezá-la em absoluto, é um pouco demasiado.
Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério declarou que não tinha cumplicidade alguma em actos, desta natureza; porém entendo que o sou dever é defender-se, visto que nós o estamos aqui a atacar.
Eu bem sei que ninguém poderá na verdade acusar o Govêrno de cumplicidade em actos desta natureza, porém o que é um facto é que nós não nos devemos esquecer desta passagem da Bíblia:
"Sepulcros caiados por fora e podres por dentro".
É que V. Exa. julga que neste País está livre de ser vítima de provocadores como os que há pouco se manifestaram?
Quem são êles?
Todos nós os conhecemos e nos conhecemos uns aos outros.
Apoiados.
As provas?
Toda a gente sabe quais são as provas, quais são os assassinos e os assassinados.
Toda a gente sabe que não se podem publicar e afixar, anúncios, panfletos, sem licença da polícia, e ontem foi largamente distribuído um manifesto sem que a polícia com isso se importasse, manifesto em que vinha a acusação vil, que era por assim dizer um incitamento ao assassinato, e cujo complemento acabamos de assistir aqui nas galerias, corroborado por um jornal órgão do Govêrno.
Eu vou ler êsse jornal.
Eu sei o que se passou nos corredores desta Câmara. Eu vi distribuir bilhetes e chefiar grupos.
Não, Sr. Presidente, assim não pode ser; nós queremos e havemos de estar aqui de cabeça erguida. E se eu amanhã perder a vida é o Sr. Presidente do Ministério o responsável por ela e deixa de ser Presidente do Ministério para ser presidente do um bando de assassinos.
Fale verdade e com inteira consciência; é preciso que a máscara caia.
Tenho dito.
Apoiados.
O orador não reviu.
O Sr. Pina de Morais: - Pedi a palavra na sessão em que o Sr. Cunha Leal, meu velho e querido companheiro de escola e por quem tenho a maior estima, profunda amizade e alta consideração, preguntou se a minha sensibilidade não se sentia ferida com aquilo que aqui se passou.
Feriu-mo, mas das minhas palavras de há pouco não pode o Sr. Cunha Leal, pelo convívio que teve comigo, deixar de ter a certeza de que, se fôsse necessário, gastaria a minha vida para o defender, S. Exa. sabe bem que ou soa homem para emitir a minha opinião em qualquer campo livremente.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia:
A que estava mareada.
Ordem do dia:
Debate sôbre a promulgação do diploma legislativo do Govêrno de Angola que cria os certificados do Tesouro e obrigações da dívida interna.
Negócio urgente do Sr. Pedro Pita sôbre a falta de pão em Lisboa e consequência da sua falta.
E a que estava marcada.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
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Documento mandado para a Mesa durante a sessão
Parecer
Da comissão de guerra, sôbre o n.° 845-G, que abre um crédito especial de 3:269.500$, a favor do Ministério da Guerra, para o reforço de designadas
verbas.
Para a comissão de finanças.
O REDACTOR - João Saraiva.