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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 25
EM 4 DE FEVEREIRO DE 1925
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. -A sessão é aberta com a presença de 55 Srs. Deputados, procederias se à leitura da acta, que é aprovada quando se verifica o número regimental.
Dá-se conta do expediente, que tem o devido destino.
Antes da ordem do dia. - Continua em discussão o parecer que introduz alterações à tabela tio imposto do sêlo.
Usam da palavra os Srs. Almeida Ribeiro, Nuno Simões, Ferreira da Rocha, Ministro das finanças (Pestana Júnior), Morais Carvalho e Jaime de Sousa
São aprovadas algumas emendas.
Ordem do dia. - Depois de aprovado um negócio urgente do Sr. Cunha Leal, continua em discussão o negócio urgente do Sr. Vicente Ferreira sôbre Angola.
Usam da palavra os Srs. Ministro das Colónias (Carlos de Vasconcelos), Velhinho Correia e Cunha Leal, sendo aprovada uma moção do Sr. Amaral Beis.
O Sr. Pedro Pita realiza o seu negócio urgente sôbre a questão do pão.
Dá explicações o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Domingues dos Santos), falando seguidamente o Sr. Sousa da Câmara, que fica com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Carvalho da Silva reclama contra a forma como decorrem as operações do recenseamento eleitoral.
Responde o Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato, com a respectiva ordem do dia.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão.- Requerimentos.
Abertura da sessão, às 15 horas e 16 minutos.
Presentes à chamada, 56 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 79 Srs. Deputados.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abílio Marques Mourão.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
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2 Diário da Câmara dos Deputados
Germano José de Amorim.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José António de Magalhães.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomos de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais de Carvalha Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Juvenal Henrique de Araújo.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júuior
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Pedro Góis Pita.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão.
Abílio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas o Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo do Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Correia.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constância de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Leonardo José Coimbra.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
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Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Lelo Portela.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Sousa Maia.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomé de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Leu-se a acta e o seguinte
Pélas 15 horas e 16 minutos, com a presença de 55 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Representações
Das juntas de freguesia de Delães, Bairro, Oliveira, Landim, Riba de Ave, 8. Simão de Novais, Carreira e Oliveira S. Mateus, do concelho de Vila Nova de Famalicão, pedindo a revogação do artigo 4.° e § único da lei n.° 1:645, de 4 de Agosto de 1924.
Para a Secretaria.
Antes da ordem do dia
Continua em discussão o parecer n.° 843, que introduz alterações à tabela do imposto do sêlo.
É lida e admitida uma proposta de emenda do Sr. Ministro das finanças.
É a seguinte:
Proponho que na proposta de emenda à alínea b) onde se lê "um quarto de litro" se leia "meio litro",.- Pestana Júnior.
Admitida.
O Sr. Almeida Ribeiro: - Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa uma emenda à proposta que se discute.
A comissão de finanças isenta a maior parte dos aguardentes, e eu não vejo motivo para semelhante favor.
Apoiados.
O Sr. Presidente: - A Câmara determinou que a discussão na especialidade se fizesse por alíneas. Só a alínea a) do artigo 1.°, que se refere a águas minerais, está em discussão. V. Exa. está discutindo outra disposição do projecto.
O Orador: - Então peço a V. Exa. que me reserve o palavra para quando se discutir a disposição a que me referi.
O Sr. Nuno Simões: - Mando para a Mesa a seguinte emenda:
Requeiro a substituição no n.° 1.° do artigo 1.°, alínea a) das palavras "quarto de" pela palavra "meio". - Nuno Simões.
Aprovado.
Para a comissão de redacção.
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O Sr. Ferreira da Rocha: - Não só conjugam as emendas do Sr. Nuno Simões e a do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior): - E para dizer ao Sr. Ferreira da Rocha que passando-se de um quarto de litro para meio litro, a taxa dobra. Assim, ficamos de acôrdo.
Foram aprovados o artigo 1.°, a emenda do Sr. Nuno Simões e a proposta de ser Ministro das Finanças.
O Sr. Nuno Simões: - Requeiro a contraprova sôbre a aprovação da proposta do Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Joaquim Ribeiro: - Invoco o § 2.° do artigo 116.° feita a contraprova verificou-se estar aprovado.
O Sr. Nuno Simões: - Foi requerida a contagem.
O Sr. Presidente:- O Sr. Joaquim Ribeiro esboçou um requerimento apenas; mas a Mesa não tem dúvida em dizer que se fez a contagem, estando levantados 36 Srs. Deputados e sentados 52.
Entrou em discussão a alínea b), sendo Lida a seguinte proposta do emenda, do Sr. Ministro das Finanças:
Proponho que na proposta de emenda à alínea b), onde se 16 um quarto de litro, se leia meio litro. - Pestana Júnior.
Foi admitida.
O Sr. Nuno Simões: - Sr. Presidente: quando se iniciou a discussão eu tive ensejo de apresentar as minhas considerações sôbre a matéria em discussão.
Parece-me injusto o tratamento que se dá a cortas águas minerais de mesa.
Sr. Presidente: disse-se que as águas minerais de mesa eram um objecto do luxo, eram uma mercadoria de consumo de luxo.
Pois, Sr. Presidente, o facto é que estas águas têm, por exemplo em Lisboa, em que as águas que habitualmente se utilizam estão inquinadas, um grande consumo.
E o Sr. Ministro das Finanças, se quiser ser justo, tem do aplicar a todas a taxa que propõe.
Julgo que não há também o direito de estabelecer uma situação desfavorável para uma determinada indústria, que representa uma grande riqueza para o País.
Eu tive ocasião há dias de explanar à Câmara qual a situarão das indústrias de águas minerais, porque represento aqui, como Deputado da Nação, uma região que é por excelência a região das águas minerais.
Tinha, pois, o dever de expor com desassombro qual a situação que procura criar -se a esta indústria.
A emenda que vou mandar para a Mesa requere a eliminação da alínea ò) do n.° 1.° do artigo 1.°
O Sr. Ministro das Finanças pode, no seu critério fiscal muito louvável de querer conquistar receitas paira o Estado, não concordar comigo, mas eu apelo para a inteligência de S. Exa., para os seus conhecimentos económicos, para o seu espírito de justiça, apêlo que dirijo também à comissão de finanças, preguntando-lhes, bem como ao relator dêste contraprojecto, se é justo que, utilizando-se águas minerais de Mesa, que não devem ser definidas senão pelos decretos que tem capacidade para as definir, se é justo, repito, criar-se uma situação que representa uma injustiça e uma iniquidade.
Tenho a certeza que a Câmara reconhece a justiça das minhas considerações e votará a emenda que mandei para a Mesa.
Creio também que o Sr. Ministro das Finanças, adentro da sua posição louvável, e a que eu presto as minhas homenagens, de defender as receitas do Estado, será o primeiro que reconhecerá que esta indústria merece uma consideração que não lhe é dada, para ser concedida a outras emprêsas de águas, que não têm outras funções e direitos diferentes.
Mando, pois para a Mesa a minha proposta.
Tenho dito.
O orador não reviu.
A proposta, que é lida e admitida, é a seguinte:
Requeiro a eliminação da alínea b) do n.° 1.° do artigo 1.° - Nuno Simões - Jaime de Sousa.
Admitida.
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O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior): - Sr. Presidente: é naturalmente escusado que eu diga à Câmara que não concordo com as declarações feitas pelo Sr. Nuno Simões.
É certo que estamos a procurar, dentro da medida do possível, arranjar mais receitas para o Estado.
E um critério fiscal a que S. Exa. naturalmente dá a sua adesão.
Quanto às aguas minerais de mesa, eu não concordo evidentemente com o parecer da comissão de finanças.
Ora, as águas minerais de mesa são, a bem dizer, um artigo supérfluo.
Não apoiados.
Pela classificação técnica, que S. Exa. conhece tam bem como eu, há águas medicinais, águas minerais de mesa, águas simples, bacteriológicas.
Que estas últimas sejam isentas de tributação, está bem, e S. Exa. sabe que a minha proposta de emenda é nesse sentido.
Mas as águas medicinais entendo que devem ser também tributadas.
A proposta que vou mandar para a Mesa é apenas para pôr de acordo a alínea a) com a alínea b) dêste artigo.
Pela proposta de S. Exa. sabemos que passámos de um quarto de litro, que era a unidade mínima a tributar, para o meio litro.
Justo é que nestas façamos a mesma cousa.
Sr. Presidente: eu vou, pois, mandar para a Mesa a minha proposta.
Devo frisar, ainda que o Sr. Nuno Simões, talvez sem o pretender fazer, criou uma confusão no espírito da Câmara.
Águas minerais de mesa - di-lo o Conselho Superior de Minas pela sua secção de águas - são aquelas ...
O Sr. Nuno Simões (interrompendo). - V. Exa. tem o decreto para as definir...
O Orador: - Sob o ponto de vista fiscal ainda não há nada que defina o que sejam águas minerais de mesa. Mas temos que definir tecnicamente o que elas sejam.
Se o Sr. Nuno Simões quisesse arranjar essa definição, seria bom até, porque ela sairia do Parlamento.
O Sr. Ferreira da Rocha (em àparte). - Sim! ... Há águas de "quarto", de "banho".
Dentro do critério de V. Exa. as de "banho" talvez não paguem...
O Orador: - V. Exas. estão a subtilizar o assunto, porque são dois dos espíritos mais subtis desta Câmara.
Termino, Sr. Presidente, por mandar para a Mesa a minha proposta, para que na alínea b), onde se diz um quarto de litro, se diga meio litro.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Lida na Mesa, a proposta foi admitida e posta em discussão.
O Sr. Morais Carvalho: - Sr. Presidente: já durante a discussão na generalidade desta proposta foi definido pelo ilustre Deputado e meu amigo Sr. Carvalho da Silva o modo de ver dêste lado da Câmara.
Nós, Sr. Presidente, discordamos em absoluto da nova tributação que o critério fiscal do Sr. Ministro das Finanças entende que deve lançar. Mas em obediência às declarações feitas pelo ilustre sub-leader dêste lado da Câmara de que, na discussão na especialidade daríamos os nossos votos a quaisquer propostas que tendam a deminuir essa nova tributação, que vai incidir sôbre o contribuinte, nós, por consequência, a propósito da alínea b) que está em discussão - "aguas minerais de mesa" - daremos os nossos votos no sentido, de que seja eliminada esta alínea, e, consequentemente, aprovaremos a proposta de eliminação enviada para a Mesa pelo Sr. Nuno Simões.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças acabou de confessar que se trata, pela proposta que S. Exa. acaba de enviar para a Mesa, de uma nova categoria, que não existe na nossa legislação, categoria fiscal que não é definida na alínea em questão, e que S. Exa. entendo que caberá aos regulamentos emanados do Poder Executivo.
Das declarações do Sr. Ministro das Finanças, que eu ouvi com toda a atenção, ficou-me a impressão de que S. Exa., neste momento, ainda não sabe como há-de definir o que sejam "aguas minorais de mesa".
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6 Diário da Câmara aos Deputados
Sr. Presidente: do outras propostas já existentes na Mesa, relativas ao mesmo artigo 1.° do parecer em discussão, mas respeitantes especialmente a outras alíneas, que não a alínea b que neste momento se discute, eu vejo que o Sr. Ministro das Finanças, em relação aos vinhos, quer sejam licorosos, quer sejam generosos, quer sejam de qualquer outra natureza, distingue, para o facto da tributação, os vinhos nacionais dos vinhos estrangeiros, no sentido de aplicar a estes últimos uma taxa de solo muito mais elevada.
Nós, que em princípio discordamos do imposto que o Sr. Ministro das Finanças defende, compreendemos, no emtanto, a distinção que S. Exa. estabelece quanto aos vinhos, nas emendas que mandou para a Mesa, em. relação a outras alíneas do artigo 1.° em discussão.
Mas não compreendemos como é que o critério do Sr. Ministro das Finanças, se é defensável quanto aos vinhos, não devo também ser aplicado no que respeita às águas minerais do mesa.
Nós não compreendemos, repito, a razão por que o Sr. Ministro das Finanças não encontrou maneira de tributar diferentemente as águas minorais de mesa nacionais e estrangeiras, no sentido que, naturalmente estava indicado, de favorecer as primeiras.
Isto demonstra, Sr. Presidente, o pouco cuidado com que foi elaborada, não só a proposta inicial, como também as emendas que o Sr. Ministro das Finanças mandou para a Mesa, apesar do largo tempo que tem decorrido desde que se iniciou a discussão do parecer da comissão de finanças até hoje.
S. Exa. devia ter evitado que na lei existissem disparidades desta natureza, disparidades que no caso presente, isto é, no que respeita propriamente às águas, minerais de mesa, são em detrimento da economia nacional.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Jaime de Sousa: - Sr. Presidente: por ocasião da discussão dêste parecer na generalidade, eu tive ensejo do dizer a V. Exa. e à Câmara que não podia concordar com a alínea b, do artigo 1.° e disse niais que, quando se fizesse a discussão na especialidade, eu diria à Câmara as razões pelas quais eu não podia concordar com a referida alínea e que, oportunamente, mandaria para a Mesa uma emenda isentando as águas compreendidas na categoria do águas minerais de mesa.
Sr. Presidente: conforme V. Exa. vê, eu cumpri a minha promessa assinando a emenda que neste sentido enviou, para a Mesa o meu ilustre colega, Sr. Nuno Simões, pedindo pura e simplesmente a isenção das águas minerais a que se refere a alínea b.
Há as águas minerais do mesa que são gasosas, como as das Lombadas o as do Pico, do distrito de Ponta Delgada, que ou tenho a honra de representar nesta casa do Parlamento, que são águas que têm apenas ácido carbónico.
Ora estas últimas águas, que têm uma larga venda no Continente, e que são oneradas com grandes despesas de transportes, etc., dificilmente poderão suportar mais encargos.
A proposta que o Sr. Ministro enviou para a Mesa, não fazendo excepção alguma entro as águas de minerais, vai fazer com que as águas a que me tenho referido, além das desposas de transporte e outras, sejam sobrecarregadas com um imposto de solo absolutamente incomportável.
Trata-se, Br. Presidente, de uma indústria grande e antiga, não havendo por isso o direito, a meu ver, de a esmagar.
Estou absolutamente convencido que o Sr. Ministro das Finanças, que conhece muito bem as condições do distrito que tenho a honra do representar nesta casa do Parlamento, não tem certamente o mínimo intuito de desejar agravar a economia do citado distrito, esmagando assim uma indústria das mais importantes.
Espero, pois, que o Sr. Ministro das Finanças pondere devidamente o assunto, de forma a que essa indústria não seja esmagada, tanto mais quanto é certo que se trata de águas muito ligeiras, tendo apenas uma percentagem muito pequena de ácido carbónico.
Essas águas, Sr. Presidente, a meu ver devem ser isentas, razão por que eu digo que não posso de maneira nenhuma estar de acordo com a proposta do Sr.
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Ministro, que ainda vem agravar mais o parecer da comissão.
Devo, portanto, dizer francamente à Câmara que os Deputados açoreanos não podem acompanhar o Sr. Ministro das Finanças, estando no emtanto dispostos a aprovar a proposta de emenda enviada para a Mesa pelo Sr. Nuno Simões, a qual tem por fim isentar essas águas, pois a verdade é que um imposto de $10 por garrafa é absolutamente incomportável.
Se bem que, Sr. Presidente, não queira por qualquer forma criar dificuldades ao Govêrno, não posso no emtanto deixar de lhe dizer que os Deputados pelo meu distrito não podem de forma nenhuma votar a proposta do Sr. Ministro das Finanças.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Pelas votações realizadas, ficou prejudicada a seguinte proposta do Sr. Carvalho da Silva:
Proponho que o projecto de lei n.- 830-E em discussão seja substituído por êste outro:
Artigo 1.° Fica revogado o artigo, rubrica ou verba n.° 5.° do artigo 4.° da lei n.° 1:625, de 17 de Julho de 1924, bem 3omo fica revogado o artigo 3.° da mesma lei.
Art. 2.° Fica igualmente revogado o n.° 3.° do artigo 1.° da lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1924.
Sala das Sessões, aos 14 de Janeiro de 1925. - Carvalho da Silva.
Para a Secretaria.
Admitida, é aprovado que se discuta juntamente com o parecer n.° 843.
O Sr. Presidente: - São horas de se passar à ordem do dia.
Os Srs. Deputados que aprovam a acta, queiram levantar-se.
Está aprovada.
O Sr. Presidente: - O Sr. Cunha Leal deseja ocupar-se do seguinte negócio urgente!
Desejo ocupar-me em negócio urgente da publicação do decreto n.° 10:497, que altera diferentes artigos da pauta dos direitos de importação, decreto que é caracteristicamente inconstitucional.
Em 4 de Fevereiro de 1925.- Cunha Leal.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que reconhecem a urgência, queiram. levantar-se.
Foi aprovado.
O Sr. Velhinho Correia: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à contraprova.
Os Sr. Deputados que rejeitam, queiram levantar-se.
Estão levantados 6 Sr. Deputados e sentados 65.
Está aprovado.
O Sr. Jaime de Sousa:-Peço a V. Exa. o obséquio de me informar se já existe sôbre a Mesa algum parecer sôbre os orçamentos que já foram distribuídos.
O Sr. Presidente: - Sôbre a Mesa não há ainda nenhum parecer sôbre os orçamentos.
O Sr. Jaime de Sousa: - Nesse caso peço a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite que no dia 1 de Março, com ou sem parecer, entrem em discussão os Orçamentos do Estado.
O Sr. Presidente: - V. Exa. fez uma pregunta à Mesa, a que ela respondeu; porém, nesta altura, não posso pôr à votação da Câmara o seu requerimento.
O Sr. Jaime de Sousa: - Por agora não insisto sôbre o assunto, mas fá-lo hei na primeira oportunidade.
O Sr. Presidente: - V. Exa. nesta altura não pode formular o requerimento que fez.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o negócio urgente do Sr. Vicente Ferreira sôbre Angola.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Colónias.
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos de Vasconcelos): - Sr. Presidente: antes de mais nada, devo dizer a V. Exa. que tendo lido no Boletim Oficial do Congresso, hoje
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distribuído, que numa interrupção feita ao Sr. Cunha Leal eu tivera dito que o Sr. Ferreira da Rocha colaborou comido nas instruções transmitidas ao governador geral interino de Angola, eu tenho o absoluto dever de dizer que não foram bem ouvidas as minhas palavras, porque o que eu disso foi que o Sr. Ferreira da Rocha, tendo colaborado na redacção das bases orgânicas da administração das províncias ultramarinas, podia continuar que dentro dessas bases o Ministro tinha poderes para dar as referidas instruções.
A Câmara, ontem, teve talvez a impressão de que eu não quis ler as instruções que comuniquei para Angola.
Na ocasião em que as estava lendo o Sr. Cunha Leal pediu-me para as ver e eu satisfiz o desejo do S. Exa.
Dessas instruções constava que eu dissera ao governador geral de Angola que protelasse o pagamento dos encargos urgentes, porque a Metrópole não tinha recursos para os satisfazer.
O governador de Angola não está em causa, e o facto de terem sido mal interpretadas as minhas instruções é um caso corrente em matéria telegráfica pela deficiência de precisão do termos.
O Ministro não é omnipotente, tem a fiscalização da Câmara e do Conselho Colonial, a cujas consultas frequentemente recorre e acata as suas decisões.
Todos conhecem a susceptibilidade dos meus nervos, e ontem, ao terminar a sessão, era meu intento abandonar êste lugar, mas reconheci que êsse acto seria neste momento uma cobardia.
Se a Câmara me quero significar que a política enunciada no programa ministerial, a política preconizada pela nossa própria Constituição, não é a boa, então sim, não terei duvida alguma em ir-me embora.
Mas, a propósito de um simples acto de administração, de um acto banal de todos os dias, vir falar-se em política colonial, em sistemas scientificos de política colonial, eu direi que não acho bem.
Entretanto, estou pronto, apesar da minha mediocridade e falência das minhas condições intelectuais, a sustentar um debate sôbre os processos scientificos da nossa administração colonial, sôbre os processos que nos convém adoptar de momento, para que possamos apresentar-nos ao mundo como potência colonial que ocupa o terceiro lugar entre as potências coloniais; estou pronto a sustentar esto debato, mas não por motivo de um simples acto do administração,
Ainda quanto ao Sr. Vicente Ferreira, tenho a dizer-lhe que o considero como um dos mais competentes para ocupar o cargo de Ministro das Colónias como qualquer outro que lhe seja confiado.
Estranho, portanto, que não fizesse justiça às minhas intenções, o que não pusesse o problema como êle devia ser pôsto.
Desde o momento em que S. Exa. queria significar a desconfiança no Ministro das Colónias, a sua moção devia ser individual o não referente à política colonial do Govêrno.
De resto, V. Exas. compreendem que não é a mim que com pote aceitar ou não quaisquer moções; eu aceito apenas as indicações da Câmara.
Se essas indicações forem para ou ficar, fico; se forem para mo retirar das cadeiras do Poder, repito, fa-lo hei gostosamente.
E realmente muito mais suave sentar-me naquelas cadeiras do Deputado, do que sentar-me aqui amarrado pelas responsabilidades da minha pasta.
Tenho dito. 4
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um aditamento à moção do Sr. Amaral dos Reis, intervindo assim neste debate, em virtude dos termos em que está redigida a mesma moção.
Não tencionava intervir na questão, mas depois de ponderar largamente os termos em que está redigida essa moção do Sr. Amaral Reis, o vendo que alguns perigos poderiam advir da sua aprovação, entendi necessário e conveniente mandar para a Mesa um aditamento concebido nestes termos:
Sem prejuízo porém, do que dispõe a base 92.° das leis orgânicas da administração colonial.
4 de Fevereiro de 1925. - M. G. Velhinho Correio.
E o que diz a moção do Sr. Amaral Reis?
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Diz o seguinte:
A Câmara, ouvidas as declarações do Sr. Ministro no sentido de que suspenderá o diploma legislativo em questão, caso das suas disposições resulte qualquer encargo para o Govêrno da metrópole, passa à ordem do dia. - Francisco Coelho Amaral Reis.
Parece, pois, dela deduzir-se o seguinte: é que o Govêrno da Metrópole se desinteressa de alguma maneira da sorte de Angola, quando a verdade é que a maneira como a questão terá de ser resolvida está prevista nas leis orgânicas das colónias.
E esta moção, mesmo no pensamento do seu autor, não pode conter matéria restritiva das leis orgânicas.
Justifica-se assim a necessidade do meu aditamento.
E já que tive de usar da palavra, não me furto à oportunidade de me pronunciar sôbre a questão.
Foi o Sr. Ministro das Colónias atacado: porquê?
Nós temos de ver a situação de facto de Angola, e dêsse modo apreciamos as instruções dadas pelo Sr. Ministro das Colónias ao governador de Angola.
Qual era a situação em Angola antes das instruções dadas pelo Sr. Ministro das Colónias?
Era a seguinte: dívidas a curto prazo dum largo montante, e, para fazer face a elas, poucas ou nenhumas disponibilidades do Tesouro.
Esta era a situação, e ainda ninguém se lembrou de responsabilizar por esta situação, nem o actual Govêrno, nem o Sr. Ministro das Colónias.
Ora o que fez o Sr. Ministro das Colónias?
Deu instruções ao Sr. Governador de Angola no sentido de fazer uma conversão dessas dívidas.
Mas tem sido atacado o Sr. Ministro das Colónias sob o ponto de vista financeiro, sob o ponto de vista legal e sob a conveniência e oportunidade da medida tomada.
Sob o ponto de vista financeiro, quero aqui acentuar perante a Câmara o seguinte: é que o critério do Sr. Ministro o único critério defensável.
As pessoas que atacaram o Sr. Ministro das Colónias conhecem pouco da matéria em questão, ou então, se a conhecem bastante, são apaixonadas nas suas críticas, fazendo um ataque por um acto que é correntíssimo na vida financeira de todos os Estados.
Numa determinada situação, realmente, os Governos, quer dum país independente, quer duma colónia, que são obrigados por compromissos tomados anteriormente a satisfazer determinadas somas para as quais não estão habilitados, só têm dois caminhos a seguir: ou não pagar, declarando-se em bancarrota, ou então fazerem a conversão dessas dívidas, o adiamento dos pagamentos.
A operação feita, na sua essência, é isto: o governo de Angola tinha de pagar, a tantos dias, certas somas; o governo de Angola procurou transformar essa dívida, que era a tantos dias, numa dívida a tantos meses.
Aqui têm V. Exas., financeiramente falando, o que é a operação.
O Sr. Amaral Reis: - O que eu pregunto é se êsses títulos, que foram dados para substituir outros, têm ou não o aval do Govêrno.
O Orador: - Lá iremos.
Sob o ponto de vista financeiro, a operação feita é absolutamente corrente e normal.
Resta saber se o Sr. Ministro das Colónias a poderia fazer nas condições em que a fez.
Vamos ver.
O que diz a base 28.a da lei orgânica das colónias?
Leu.
O que se diz na base 105.ª dêste diploma?
Diz-se o seguinte:
Leu.
Conjugando estas disposições e analisando a situação de facto, chega-se à conclusão de que a conversão - pois de uma conversão se trata - podia ser feita pelo Conselho Legislativo pela forma que foi sugerida pelo Sr. Ministro das Colónias.
Até aqui não vejo que haja sido praticado qualquer acto que não esteja dentro da lei.
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Vamos, porém, seguindo a nossa análise.
Diz-se que o Sr. Ministro das Colónias, pelas instruções que por telegrama dou no Sr. governador geral do Angola, obriga a Metrópole aos encargos do empréstimo da colónia, e, nisto, S. Exa. merece censuras, assim dizem as oposições.
Ora êste caso caroço ainda de ser apreciado sob os dois pontos de vista por que tem sido aqui tratado: o ponto de vista governamental e o ponto de vista oposicionista.
Quanto a mim, tanto importa que prevaleça o ponto de vista governamental, como o ponto de vista da oposição, pois em qualquer dos casos a orientação seguida é justificável à face lei. É o que me proponho demonstrar.
Que a atitude do Govêrno, segundo a interpretação dada ao telegrama pelo Sr. Ministro das Colónias, era defensável a lace da lei, já está visto em presença dos textos que enunciei.
Não só impõe à Metrópole o dever de pagar estas obrigações; mas trata-se tam somente de dizer o local em que elas devem ser pagas.
Estou absolutamente certo de que foi êste o propósito do Sr. Ministro das Colónias, o acho que só forçando-se a nota se pode tirar uma conclusão contrária.
Do resto, numa entrevista que o Sr. Ministro deu a um jornal de Lisboa, entrevista que serviu do base a esta discussão, S. Exa. pronunciou-se por forma a esclarecer completamente a questão.
O pensamento do Govêrno, expresso nesta entrevista, não pode oferecer dúvidas, e contudo ocultou-se propositadamente êste ponto, que é fundamental.
A frase "na Metrópole", que consta do telegrama do Sr. Ministro, está perfeitamente esclarecida e o seu pensamento está absolutamente explícito.
Leia a Câmara a entrevista, coteje-a com o telegrama, e verá que se tratava apenas de uma questão do arbitragem, dando aos portadores das obrigações a faculdade de essas obrigações poderem ser pagas, como uma letra de câmbio, neste ou naquele local.
O Sr. Brito Camacho: - E o lugar onde o não a entidade que.
O Orador: - Diz V. Exa. muito bem e tenho imenso prazer em ouvir essa apreciação da parte de V. Exa.
Mas, Sr. Presidente, há ainda uma passagem do telegrama que também foi esquecida, e que, contudo, é bom concludente.
Refiro-me à parte final dêsse documento, que diz: "Queira proceder termos legais".
Ora, obrigar a Metrópole, por um simples telegrama não era proceder nos termos legais, e em Angola há funcionários com educação jurídica bastante para verem perfeitamente que tudo o que deveriam fazer teria de ser legalmente.
Vê a Câmara, portanto, que a versão do Govêrno é leal, é honesta e é harmónica com o texto do telegrama, com a lei, com as bases orgânicas e até com a entrevista na parte que se refere ao pagamento na metrópole.
No emtanto, Sr. Presidente, mesmo na hipótese do dar as instruções do Govêrno a interpretação que as oposições lhes quiseram dar, essa doutrina não era, nem mais nem menos do que a estabelecida na base 92.ª da lei orgânica das colónias.
As obrigações que uma colónia contrai, até som ouvir a Metrópole, no caso da colónia as não cumprir, são assumidas pela Metrópole.
Mus o Sr. Ministro das Colónias apenas adiou para seis meses a um ano o pagamento das dívidas da província do Angola aos seus credores, afirmando as oposições que o Sr. Ministro obrigou a Metrópole a pagar essa dívida daqui a seis meses.
Se renunciamos à obrigação de pagar as dívidas do Angola, renunciamos aos nossas direitos sôbre essa colónia.
Sr. Presidente: eu poderia alongar-me em muitas considerações sôbre êste assunto, mas penso que a Câmara está esclarecida suficientemente acerca desta questão, não havendo motivos para censurar o Sr. Ministro pela atitude que tomou, porque ela é absolutamente harmónica com os mais elementares princípios de administração financeira, com as bases da nossa administração financeira colonial, e até com os princípios de soberania, que são fundamentais, e dos quais do modo nenhum podemos abdicar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara. Vai ler-se uma proposta de aditamento do Sr. Velhinho Correia à moção apresentada na sessão de ontem pelo Sr. Amaral Reis.
O Sr. Brito Camacho: V. Exa., Sr. Presidente, pode fazer a fineza de mandar ler a moção e depois o aditamento?
Foi lida a moção e o aditamento.
Foi admitido o aditamento do Sr. Velhinho Correia, em contraprova requerida pelo mesmo senhor.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: por mais que queiramos ser novos em processos políticos, até mesmo quando se trata de evidentes habilidades políticas, não fazemos senão repetir as lições do passado.
Agora mesmo, emquanto um Deputado falava, eu tinha o prazer doentio de rir. emquanto há num documento de 1847, que é um panfleto político dos muitos que nessa época surgiram, várias receitas sob o estudo "medicina política" das quais a quinta que parece ter sido escrita nos nossos dias, reza assim:
Leu.
Várias outras receitas contém esta "medicina política" mas fico-me por esta.
A Constituição era uma cousa que em 1847 era tratada por forma igual àquela por que nós, os republicanos, a tratamos.
A liberdade que preconizamos é a liberdade do uma minoria amolgando as costelas do povo português, e quando os Ministros se encontram em presença do uma deliberação parlamentar que lhes amarra as mãos para não fazer dislates, surge logo um Deputado misericordioso, verba grafia, o Deputado que acabou de falar, que apresenta um aditamento que destrói a moção. É uma burla.
Emfim, surge a burla, para que os Ministros possam tripudiar sôbre o povo, e fingirem que querem moralizar.
Sr. Presidente: não há o direito do fazer cousas destas, como a apresentação do aditamento do Sr. Velhinho Correia. Foi muito propositadamente que me levantei rejeitando em contraprova a admissão do aditamento, porque não se afronta a inteligência do Parlamento, atirando-lhe à cara com êste berbicacho, que é a destruição da moção anterior.
Vejamos, porém, a razão da minha afirmação, e procuremos compreender o motivo por que, tendo ontem o Sr. Álvaro de Castro consignado a sua aprovação à moção, hoje entende que é necessário fazer um aditamento que a destrói.
Vejamos em que termos podem, ser feitos os empréstimos das províncias. Vejamos a que propósito veio a invocação da base 92.ª
A base 65.º diz o seguinte:
Leu.
Não continuo a ler porque toda a gente verifica que êste empréstimo é para pagar déficits anteriores, para pagar obras de fomento, e para pagar deficits futuros, e não existem nos orçamentos as disponibilidades necessárias para fazer face aos encargos do empréstimo.
O n.° 3 da secção 1.ª da base 65.ª diz o seguinte:
Leu.
Mas o n.° 4 da secção 1.ª acrescenta:
Leu.
Vêem V. Exas. que a primeira irregularidade que se cometeu nesta questão foi, nada mais nada menos, do que o Conselho Legislativo ter publicado depois da sua aprovação um empréstimo que do maneira nenhuma podia ser feito senão pelo Congresso da República.
Ora, o Govêrno do Angola não é culpado, como à primeira vista poderá parecer, porque êle não supôs, quando o Sr. Ministro das Colónias lhe enviou o seu inconsiderado telegrama que o Parlamento não se tivesse ocupado da questão. De qualquer forma, o diploma é nulo, nas condições em que foi publicado.
A simples aprovação do Ministro não basta. Nós não podemos delegar no Ministro, por circunstância nenhuma, o fazer ou aprovar leis, que só ao Congresso competem. O Ministro não tem nenhuma autorização para isso.
Mas o que diz a base 92.ª
Diz o seguinte: Leu.
Sr. Presidente: para que a dívida possa ser reconhecida pelo Estado, é preciso que a dívida seja legítima.
Apoiados.
Não foi ouvido o Congresso da República, e portanto não se cumpriram os termos legais.
Era preciso legitimar o decreto contra
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a própria opinião do Congresso, e assim o aditamento do Deputado, que usou da palavra antes do mim, diz o seguinte:
Leu.
É a moção do Sr. Amaral Reis diz:
Leu.
Evidentemente o decreto não tem validade perante a moção do Sr. Amaral Reis, mas o aditamento do Deputado que falou antes do mim anula os efeitos da moção.
Não podemos, portanto, compreender: uma diz, sim; e a outra diz não.
Isto não é moral, porque não há nada mais imoral que a falta do inteligência.
Os amigos da obra do Govêrno e entre êles o Sr. Álvaro de Castro, a quem presto as minhas homenagens, sorvem-se de trucs que não podem ser aceitos.
Sr. Presidente: a primeira cousa que o Sr. Ministro das Colónias devia fazer era mandar um telegrama suspendendo o decreto.
Apoiados.
O facto é que nós não podemos de maneira nenhuma admitir a ligarão da moção com o aditamento.
Nós não temos o direito de julgar menos inteligentes as pessoas que aqui se sentam e portanto não só podem conjugar as duas cousas.
Eu gosto sempre de pôr as cousas a claro perante a consciência da Câmara; se isto ficasse nas actas ou nos Diários das Sessões, quem os lêsse julgaria da nossa inferioridade intelectual.
Assim a posição da minoria nacionalista contínua a estar definida nos mesmos termos.
A moção do Sr. Amaral Reis fende a inutilizar o decreto publicado em Angola o, nestas condições, temos que a tomar como boa aprovando-a, mas não o aditamento do Sr. Velhinho Corroía. Ninguém, qualquer que fôsse a imposição da disciplina partidária, me levaria a votar duas cousas que entre si se contrariam.
Nestes precisos termos não vejo conveniência em estar na Mesa duas moções, o por isso, na devida altura, o Sr. Vicente Ferreira retirará a sua moção.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos de Vasconcelos): - Devo dizer à Câmara que, considerando que a moção do Sr. Amaral Reis não é mais do que aquilo que ou aqui disse, a aceito. Quanto ao aditamento do Sr. Velhinho Correia julgo-o dispensável. O artigo 92.° das cartas orgânicas não pode ser revogado.
Eram estas rápidas considerações que eu desejava fazer à Câmara.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Amaral Reis: - Declaro que mantenho a minha moção, mas não votarei o aditamento do Sr. Velhinho Correia, porque elo vem dar a idea de que o Parlamento reconhece como legal o empréstimo que só faz em Angola.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Velhinho Correia: - Devo dizer que ao apresentar o meu aditamento não tive entendimentos com quem quer que fôsse.
Êsse aditamento visa apenas uma questão de princípios, que ainda julgo necessário afirmar, mas como parece depreender-se que a Câmara não julga necessário votar o meu aditamento, eu requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que eu o retire.
Tenho dito.
Consultada a Câmara, foi autorizado o Sr. Velhinho Correia a retirar a sua moção.
O Sr. Vicente Ferreira: - Peço a V. Exa. e que consulte a Câmara sôbre se permito que eu retire a minha moção.
Consultada a Câmara, foi resolvido afirmativamente.
O Sr. Presidente: - Como na Mesa está apenas uma moção, julgo prejudicado o requerimento pedindo prioridade para a moção do Sr. Amaral Reis.
Foi lida a moção do Sr. Amaral Reis.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se!
O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): - Já ontem disse e hoje confirmo que êste lado da Câmara vota a moção do Sr. Amaral Reis porque ela
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representa desconfiança para o Govêrno, pois é a anulação de um acto do Ministro.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Vicente Ferreira: - Convém acentuar que a moção que se vai votar, se fôr aprovada, importa a anulação dos bons desejos do Sr. Ministro das Colónias.
Devo ainda recordar à Câmara que o decreto está actualmente em vigor produzindo todos os efeitos.
Estão sendo na província emitidas obrigações que os seus aceitantes ou portadores aceitam na presunção de que a Metrópole pagará em devido tempo o seu montante. Se êste não fôr pago. como infelizmente é de esperar, pela província, devo dizer - e faço esta afirmação em nome do Partido Nacionalista - que exigiremos na altura devida as responsabilidades do Govêrno, pelos encargos que dêste modo forem assumidos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Amaral Reis: - Sr. Presidente: pedi a palavra simplesmente para dizer a V. Exa. que desde que o Sr. Ministro das Colónias aceitou a minha moção, ela não é uma moção de desconfiança, não é uma moção política.
Tenho dito.
Vozes: - Nem de confiança! Essa é boa!
Risos.
O Sr. Ministro das Colónias (Carlos de Vasconcelos): - Sr. Presidente: as moções valem pelo modo como as consideramos. Eu, considero a moção do Sr. Amaral Reis como uma moção de confiança ao Ministro.
Tenho dito.
Trocam se àpartes.
Vozes: - V. Exa. não pode ficar na sala!
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a moção do Sr. Amaral Reis.
Procedeu-se à votação.
Foi aprovada.
Pausa.
O Sr. Carvalho da Silva (em àparte): - Então V. Exa. não manda avisar o Sr. Ministro do resultado da votação?...
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: não me importa com a presença do Sr. Ministro das Colónias. Desejo apenas declarar a V. Exa. que nós, interpretando, como não podíamos deixar de interpretar, esta moção como a suspensão do decreto publicado no Boletim Oficial, entendemos que o Ministro deve mandar para Angola a ordem de suspensão do referido decreto. Se não o fizer, a questão amanhã renascerá.
Apoiados.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara. Tem de ser pôsto em discussão
O negócio urgente do Sr. Pedro Pita sôbre a falta de pão em Lisboa e consequências dessa falta. O Sr. Ministro da Agricultura não está presente e eu...
O Sr. Pedro Pita (interrompendo): - Mas está o Sr. Presidente do Ministério!
Vozes: - Não pode ser!
O Sr. Presidente: - ... e eu mandei saber se é possível a S. Exa. vir hoje a esta sessão. Tenho já a confirmação de que não pode vir.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Domingues dos Santos): - Está no Senado, respondendo a uma outra interpelação.
O Sr. Presidente: - De maneira que há um pedido de negócio urgente do Sr. Cunha Leal sôbre o decreto n.° 10:497. Nestas condições, a não ser que o Sr. Pedro Pita queira tratar do assunto na ausência do Sr. Ministro da Agricultura, eu darei a palavra ao Sr. Cunha Leal sôbre o negócio por S. Exa. anunciado.
O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: V. Exa. dá-me licença? Se eu disse que desejava usar da palavra para um negócio urgente, é porque era de facto urgente tratar da matéria a que êle respeita.
Há dois dias já que se vem protelando a discussão de tal assunto, que estando
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marcado desde ante-ontem na ordem do dia, ainda hoje está ameaçado de ser pôsto de parte pela ausência do Sr. Ministro.
Mas eu não me importo com a falta do S. Exa. Parto do princípio do que os factos que vou relatar são mais da responsabilidade do Sr. Presidente do Ministério. Contento-mo, pois, com a sua presença.
O Sr. Presidente: - Deu, pois, a palavra a V. Exa.
O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: são bem quási todos os parlamentares, porque pela porta lhes tem tocado, que não há pão em Lisboa...
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Domingues dos Santos): - Sr. Presidente: eu não respondo à interpolação!
Vozes: - Não pode ser!
O Orador:- A declaração de S. Exa. corresponde outra da minha parto. Eu considero sentada naquelas cadeiras uma sombra do Govêrno (Apoiadas), depois do que se passou aqui ante-ontem e depois do que se tem continuado a passar.
A situação do Govêrno é de tal ordem que ninguém acredita já que exista Govêrno, senão os o próprio, na ânsia do só manter.
O que não posso é deixar de levantar esta questão, e não me parece conveniente que o Sr. Presidente do Ministério me responda que a questão não é com êle.
Que S. Exa. desconheça ainda, neste momento, a gravidade da situação pelo que respeita no assunto que vou tratar, é lá com Ôle. E natural, naturalíssimo!...
O Govêrno vive dêstes palcativos que todos os dias surgem, dêstes arranjos que se procuram, produto de um desejo que eu, aliás, não censuro e que é o de mandar vir das Caldas "pronto e pintado de novo" um outro que esteja na disponibilidade de o ir substituir.
Mas não me interessa agora isto; interessa-me, sim, o seguinte facto, que é hoje, como disse, do conhecimento de quási toda, a população de Lisboa: é que o escasseia absolutamente o muita gente já não o tem em casa há uns poucos de dias, e que o problema é também dentro em pouco extensivo à falta de salário dos que dessa indústria vivem.
O Govêrno procurou de entrada um apoio aqui no Parlamento, e obteve-o. Mas faltando-lhe êste, o Govêrno foi buscá-lo à rua, e por todas as formas e factos tem procurado especular com êsses elementos, talvez já aproveitados uma vez para os contrapor ao Parlamento... E logo de início fez esta descoberta: "Se eu simular que dou uma pancada há moeda, outra na agricultura e uma outra na banca, intrujo toda a gente, mas tenho a rua a meu lado". E com essa preocupação o Govêrno fez três habilidades, que bem podem classificar-se como habilidades saloias, mas que lhe tem dado o que êle desejava.
Assim, Sr. Presidente, pelo que respeita à grande propriedade, inventou-se aquela celebérrima proposta do Sr. Ministro da Agricultura, da qual, como ontem aqui foi votado, vão ser tiradas quinhentas separatas, e não três, como dizem os jornais, à custa de todos nós, pois serão pagas pelos cofres do Estado.
Também não passa de proposta!
Ao mesmo tempo publicou o célebre decreto da banca, em que as únicas disposições aproveitáveis são as que já existiam na legislação em vigor, sendo o resto, como já se demonstrou, apenas uma fantochada que não ilude ninguém.
Pelo que respeita ao pão, o caso é mais interessante.
Pelo decreto n.° 10:381, de 10 de Dezembro de 1924, estavam fixados os preços das farinhas e do pilo. Anteriormente já se havia marcado também o preço do trigo. Quero dizer que o preço das farinhas se calculou, como não podia deixar do ser, de harmonia com o do trigo, e o do pão se fixou em conformidade com o preço das farinhas; e assina, tendo-se lixado o preço do trigo nacional a 1$80. tinha de facto a chamada moagem adquirido o trigo a êsse preço, para vender, segundo o decreto, as farinhas do 1.ª e de 2.ª qualidades, respectivamente a 2$40 e 1$70 cada quilograma.
Vendida a farinha a êstes preços, os padeiros eram obrigados a vender o pão de luxo a 3$, e de 1.ª a 2$30 e o de 2.ª a 1$40.
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Vê-se que se tinha procurado a relação entre os preços do trigo, da farinha e do pão, única maneira, evidentemente, de se conseguir que todos, com lucros limitados, pudessem de facto colocar os produtos da sua terra ou os produtos da sua indústria.
Tomou conta do Poder o actual Govêrno, e como um dos elementos com que êle pretendia actuar era o da habilidade do pão, fez esta cousa simples: reduziu o preço das farinhas e reduzi u o p reco do pilo,
Interrupção do Sr. Tôrres Garcia.
O Orador: - O necessário era que o pão fôsse mais barato.
Nesse propósito, deminuiu-se o preço nas farinhas e o do pão.
Quem perde?
Nesta primeira operação perde a moagem. Ninguém com isso se importa.
Não sou eu também que tomo o papel de defender a moagem.
Não quero!
Mas, Sr. Presidente, feito isto, surgiu, como não podia deixar de surgir, o caso de a moagem deixar de comprar o trigo, que era a 1$80 cada quilograma, visto ter deminuído o preço das farinhas, que havia sido fixado correspondentemente àquele. E como tudo traz consequências, dessa atitude da moagem vem a situação de se encontrar ela sem nenhum stock: do artigo.
Pois é quando a moagem tem esgotados os stocks, que já não tem por onde perder, que o Govêrno se lembra de que se poderia ver na contingência de não ter farinha para fazer pão.
Então surge esta cousa formidável: chama-se a moagem e combina-se com ela o aumento do preço da farinha. Por uma portaria surda, que não veio ao Diário do Govêrno, autorizou-se a moagem a vender mais cara a farinha.
Sucede que a farinha vendida mais cara não pode ser manipulada pelos padeiros independentes, que não têm moagem, som prejuízo para êles.
Estava então assim reduzido o fabrico de pão, em Lisboa, às padarias que pertencem à moagem, pois que só esta pode cobrir-se do prejuízo do pão pelos resultados da venda da farinha.
Não era em todo o caso compensadora para ela essa vantagem.
O que faz o Sr. Ministro da Agricultura?
Isto, que é simples: suspende toda a fiscalização às padarias e telegrafa para o Pôrto ordenando que essa fiscalização também ali fique suspensa, a exemplo, diz-se no telegrama, do que se pratica em Lisboa.
Mas há mais.
O Sr. Ministro da Agricultura foi procurado por uma comissão de padeiros independentes, dos tais que não têm moagem, que lhe declarou que era impossível manter o preço do pão, ou que, para manter êsse preço, era necessário deminuir o preço da farinha.
S. Exa. respondeu o seguinte: "Eu não posso consentir no aumento do preço do pão, nem na deminuição do preço da farinha, mas vocês têm em resumo: roubem no pêso, e, assim, em cada pão de 500 gramas furtem 35 gramas"!
Sr. Presidente: que o Sr. Presidente do Ministério não me responda é-me indiferente; direi no emtanto ainda à Câmara que essa comissão que se avistou com o Sr. Ministro de Agricultura, que se avistou na Câmara com vários parlamentares e que se avistou comigo, afirmou ter ouvido ao Sr. Ministro da Agricultura o seguinte:
"O pão subiu de preço em todo o mundo, aqui era indispensável fazê-lo subir também; por mim estaria disposto a consentir isso, mas há quem mande mais do que eu".
Sr. Presidente: é muito aproximado a 150 o número de padarias independentes em Lisboa, e essas padarias, não querendo praticar o roubo que lhes foi aconselhado pelo Sr. Ministro da Agricultura, nem querendo seguir a forma de misturar farinha de primeira com farinha de segunda - outra modalidade também aconselhada por S. Exas. - resolveram não fornecer pão a Lisboa.
Em consequência disto as padarias da moagem são as únicas a fabricar pão, com o roubo que lhes foi aconselhado pelo Sr. Ministro, o apenas com a diferença de roubarem em vez de 35 gramas em cada pão do 500 gramas, 50 ou 70 gramas, tendo a garantia de que não há fiscalização da parte do Govêrno.
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As padarias independentes, durante esta semana ainda, pagam aos seus operários, embora não tenham trabalho para lhes dar, mas é manifesto que não ganhando não podem continuar a pagar, e assim, na próxima semana, as pessoas que trabalham nessas padarias ficarão sem trabalho e sem salário.
Estamos, portanto, a assistir a êste fogo de vistas de se afirmar que é preciso entravar a acção da moagem, ovemos ao mesmo tempo que se lhe entrega o monopólio do fabrico do pão.
Eu prometi tratar muito ligeiramente esta questão, apresentando os factos à Câmara para que ela considerasse e resolvesse o que entendesse; se me demorei um pouco mais do que tinha prometido e desejava, foi porque a declaração do Sr. Presidente do Ministério logo que eu comecei a usar da palavra me deixou um pouco surpreendido.
Eu não podia esperar que o Sr. Presidente do Ministério tivesse pelo Sr. Ministro da Agricultura uma tam grande confiança e que só abstivesse de responder-me.
Êste assunto prende-se com a política geral do Ministério e com a ordem pública, o a Câmara, embora o Sr. Presidente do Ministério, como um semi-deus ou como um lobisomem, se desinteresse por esta questão, que julga talvez ser mínima, não deve alhear-se do caso e deixar de o considerar devidamente.
Sr. Presidente: eu resumo, e em meia dúzia de palavras, as acusações que faço ao Govêrno.
Eu acuso o Govêrno de, com o intuito de armar à popularidade, com o desejo de conquistar o apoio fácil da rua, ter procurado iludir uma população inteira, mantendo um preço para o pão que, a ser mantido, deveria ter a correspondente deminuição no preço da farinha.
Aconselhou o Govêrno aos padeiros que roubassem no pêso e que falsificassem o pão, misturando-lhe farinha mais ordinária.
Deixou o Govêrno sem trabalho bastantes centenas de operários panificadores.
Mandou suspender a fiscalização e entregou o monopólio do fabrico do pão nas mãos da Moagem.
Para que a Câmara tome conhecimento desta questão o a analise devidamente, eu mando para a Mesa a seguinte moção:
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que as medidas tomadas pelo Govêrno, aumentando o preço da farinha, domais a mais sem ouvir a comissão encarregada da fixação de preços ocasionam a esta de pão em Lisboa, com todas as suas consequências, que o Govêrno não soube prever, passa à ordem do dia.-O Deputado, Pedro Pita.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Pedro Pita. Foi lida.
O Sr. Presidente dó Ministério e Ministro do Interior (José Domingues dos Santos): - Sr. Presidente: declarei não há muito que não poderia responder ao Sr. Pedro Pita, pois a verdade é que, não tendo conhecimento absoluto do assunto, não poderia considerar-me habilitado para lhe responder em nome do Govêrno.
Veja, Sr. Presidente, pelas declarações feitas pelo Sr. Pedro Pita, que tinha razão para dizer o que disso.
Disse S. Exa. que foi aumentado o preço da farinha, por meio de uma portaria surda.
Devo dizer que não conheço semelhante portaria.
Disse mais S. Exa. A que foi enviado para o Pôrto um telegrama, cujo conteúdo desconheço por completo.
Finalmente disse S. Exa. que foi aconselhado o roubo sôbre o pêso do pão, ignorando eu que tal se tenha dado.
Assim compreende muito bem a Câmara que outra atitude não posso tem, neste momento, senão dizer que comunicarei ao Sr. Ministro da Agricultura as considerações aqui feitas pelo Sr. Pedro Pita, esperando que S. Exa. o Sr. Ministro aqui venha, logo que possa, responder cabalmente a S. Exa.
S. Exa. o Sr. Ministro da Agricultura tem estado no Senado a responder a uma outra interpelação, porém S. Exa. esteve nesta Câmara no dia em que se realizou a interpelação do Sr. Vicente Ferreira, não tendo por isso culpa de que o assunto
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não tivesse sido ventilado então, nem tam pouco que neste momento ainda dure a interpelação no Senado.
O que eu declaro francamente à Câmara é que não podemos continuar a viver neste regime de negócios urgentes, o que está fazendo com que se não trabalho, não permitindo assim que o Parlamento possa fazer um trabalho útil.
Isto é que não pode ser.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Trocam-se àpartes.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que admitem a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Pedro Pita, queiram levantar-se.
Está admitida.
O Sr. Velhinho Correia: - A admissão da moção do Sr. Pedro Pita implica a generalidade do debate?
O Sr. Presidente: - Evidentemente.
O Sr. Velhinho Correia: - Nesse caso, requeiro a contraprova.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que rejeitam, queiram levantar-se.
Está admitida.
Trocam-se novos àpartes.
O Sr. Sousa da Câmara: - Sr. Presidente: em obediência às disposições regimentais, eu vou ler a moção que vou mandar para a Mesa.
Sr. Presidente: antes de entrar propriamente no assunto para que pedi a palavra eu desejo declarar que depreendi das palavras do Sr. Presidente do Ministério, que nós estamos a proceder talvez um pouco incorrectamente, tratando dêste assunto na ausência do Sr. Ministro da Agricultura.
Eu devo dizer a V. Exa. que, se na verdade há incorrecção, ela parte do Govêrno, e não do Partido Nacionalista (Muitos apoiados), pois a verdade é que em 12 de Dezembro de 1924 mandei para a Mesa uma nota do interpelação ao Sr. Ministro da Agricultura e até hoje não me consta que S. Exa. se tenha declarado já habilitado a responder-me.
Já vê, portanto, a Câmara que a incorrecção, se a há, é da parte do Govêrno e não do Partido Nacionalista.
Apoiados.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - Eu estou absolutamente convencido que V. Exa. para mostrar a correcção do nosso procedimento, não terá dúvida em suspender as suas considerações até comparecer o Sr. Ministro da Agricultura, não se intercalando, claro está, qualquer outro assunto.
O Orador: - Estou inteiramente de acordo com V. Exa.
Sr. Presidente: se o Sr. Ministro da Agricultura ainda pode vir a esta sessão, eu estou pronto a suspender as minhas considerações até que S. Exa. venha, não se intercalando qualquer outro assunto na discussão iniciada.
O Sr. Presidente: - Vou mandar prevenir S. Exa. ao Senado.
O Sr. Tavares Carvalho:- Posso garantir a V. Exa. que o Sr. Ministro da Agricultura ainda está no Senado a responder a uma interpelação.
O Sr. Presidente: - Devo prevenir V. Exa. que o Sr. Ministro da Agricultura não pode vir agora a esta Câmara por que está fazendo uso da palavra no Senado.
Assim ou V. Exa. usa da palavra na ausência do Sr. Ministro da Agricultura, ou, querendo, visto haver outro orador inscrito, poderá ficar com a palavra reservada, dando eu agora a palavra ao outro orador que está inscrito sôbre o assunto.
O Orador: - Nesse caso começarei por urnas ligeiras considerações, reservando-me para quando esteja presente o Sr. Ministro da Agricultura, para fazer uma análise mais larga do assunto.
Esta questão, Sr. Presidente, tem sido tratada por uma forma que eu não sei como hei-de classificar.
O antigo Ministro da Agricultura, o anterior a êste, tinha decretado um manifesto aí pelos meados de Novembro. E nesse manifesto, a lavoura manifestou.
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9.800:000 quilogramas, a moagem da província 18.000:000 o a moagem de Lisboa e Pôrto 14.000:000, ou sejam 41.800:000 quilogramas, na totalidade.
Quero dizer, todo êste trigo que tinha sido manifestado devia ser pago à razão do 1$80 por cada quilograma, do pêso específico do 78. Pelo menos, a lei assim o regulava.
Todos os que o manifestaram fizeram-no dentro da legislação vigente e julgando que receberiam o preço que a lei marcava de l$80.
Porém, sucedeu que, pouco depois, em 10 de Dezembro de 1924, o Sr. Ministro da Agricultura, som a idea do que prejudicaria a lavoura, á em a idea de que prejudicava as indústrias e sem a idea de que havia do prejudicar o Estado, inclusivamente, deminuiu o preço dó pão.
Mas, Sr. Presidente, parece-me que o Sr. Presidente do Ministério não tem razão ao dizer-nos que não conhece a questão nas nuas minúcias, porque ou estou informado de que ainda o Sr. Ministro da Agricultura não tinha tomado conta da sua pasta e já o Conselho de Ministros deliberara deminuir o preço do pilo, e quando S. Exa. regressou do Pôrto a Lisboa teve logo de resolver esta momentosa questão.
E o que é facto, Sr. Presidente, é que S. Exa., sem naturalmente ter em atenção os interêsses da lavoura, lembrou-se de fazer uns cálculos, que não obedecem a cousa nenhuma, visto que, por exemplo, em relação ao trigo exótico, êle estabeleceu a taxa do $80 por 100 quilogramas para a moagem de Lisboa e Pôrto, quando é sabido que a taxa da moagem é de $40 por quilograma.
O Sr. Tôrres Garcia (interrompendo): - O Sr. Ministro da Agricultura ao tomar posse, ouviu da minha boca qual era o sentido que se pretendia atingir com êsse manifesto do trigo nacional. Eu conhecia perfeitamente a necessidade que o Govêrno tinha de diminuir o preço do pão, visto que êle é o género mais essencial da alimentação pública.
Eu ordenei êsse manifesto, mas ao preço da tabela, de 1$80 por quilograma, e, para isso, publiquei logo a seguir as cotas de rateio, até 15 de Janeiro.
Não se deixe V. Exa. sugestionar por ninguém com a idea de que o preço do pão pode baixar sem grande prejuízo para a lavoura nacional, disse eu ao Sr. Ministro da Agricultura.
Depois do esgotado o trigo nacional entraremos então no consumo do trigo exótico e o preço do pão possivelmente poderá diminuir - visto que nossa altura a cotação do trigo exótico era muito mais baixa do que a do nacional - mas deve diminuir não só para Lisboa e Pôrto mas sim para todo o País, o qual eu considero como a parte de terreno que se compreende entre as duas fronteiras.
Apoiados.
Ainda disso ao Sr. Ministro o que entendia se devia fazer em geral sôbre a filial idade das medidas que se deviam seguir como equilíbrio entre todas as classes o todos os interêsses.
O Orador: - Mas o resultado foi êstes a moagem, verificando que não podia obter os lucros que dantes obtinha, passou imediatamente a pagar o trigo nacional por um preço muito inferior ao da tabela, ou seja a 1$40 em voz de 1$80, e ainda a três meses de prazo. Dêste modo, o lavrador que, confiando no Govêrno e nas leis em vigor, tinha manifestado o seu trigo, na certeza de que lhe seria pago à razão do 1$80, passou a receber apenas 1$40 e ainda tem do esporar três meses para receber o seu dinheiro.
Isto podo-se considerar como uma verdadeira barbaridade, sobretudo partindo de quem, como o Sr. Ministro da Agricultura, diz pretender salvar o País pelo problema agrário..
Ora, Sr. Presidente, é sabido que os adubos encareceram muitíssimo - 29,5 por cento - do ano passado para êste, que houve um aumento de 10 por cento ao preço da mão de obra em relação a homens e do mais de 16 por cento em relação a mulheres.
Assim, aumentando, como está a aumentar o custo de tudo o que serve para o grangeio da torra e, por outro lado dando-se o barateamento de diversos produtos agrícolas, barateamento que chega a ser de 100 por cento, como, por exemplo, o feijão, que se vendia a 80$ por 20 litros e que, hoje já não há quem pague a mais de 40$, é extraordinário que justamente neste momento se procure afectar
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a agricultura, em vez de a amparar, como era necessário e como sempre foi norma desde 1899.
A chamada lei da fome não teve, realmente, outro fim senão o de favorecer a agricultura e, dentro de certos limites, favoreceu-a muitíssimo.
Depois disso, os governos, mais ou menos, têm mantido o preço do pão artificiosamente, de modo a darem certo lucro à lavoura, e, assim, por exemplo, tinha recentemente sido fixada uma tabela de preços, tabela publicada ao Diário do Govêrno e que nenhum ministro podia alterar, sobretudo por um simples decreto regulamentar.
Não será de surpreender, portanto, que para o futuro a lavoura não cultive semelhante produto, tanto mais que, como se sabe e já o ano passado aqui mostrei com vários números quê tive a honra de apresentar, a cultura do trigo é a menos rendosa de todas.
Dêste modo, cada vez mais se há-de reduzir a cultura do trigo, cada vez mais se hão-de importar trigos exóticos e cada vez mais há-de sair o nosso ouro lá para fora.
Mas, Sr. Presidente, desde que publicou o decreto de 10 de Dezembro, como é que o Sr. Ministro da Agricultura resolve a questão? De uma maneira muito interessante.
A Moagem não pode fabricar farinhas por uma taxa insignificante e que para algumas fábricas até dava déficit, resultando que perdiam em vez de ganharem com a laboração.
Assim, como a moagem não podia fabricar o era preciso, a todo o transe, que o pão baixasse de preço, o que foi que o Sr. Ministro da Agricultura disse à moagem?
Disse-lhe: - Eu permito-lhes uma importação de catorze milhões de quilogramas de trigo exótico, sem o pagamento de diferencial - isto contra a lei, contra tudo e entrando absolutamente no regime do pão político.
Em vez de se fazer o que se fazia dantes e que vinha a ser o Estado entregar dinheiro, passou o Estado a não receber o que lhe devia ser entregue, mas o resultado é precisamente o mesmo.
Ora esta compensação dada à moagem é interessante, porque parece que ela deveria ser dada só no caso de se cumprir.
Entra na sala o Sr. Ministro da Agricultura (Ezequiel de Campos).
O Orador:- Como já está presente o Sr. Ministro da Agricultura, principiarei de novo.
Sr. Ministro da Agricultura: há muito tempo que eu tinha anunciado a V. Exa. uma interpelação e, infelizmente, até hoje V. Exa. ainda não se deu ao incómodo de se considerar habilitado a responder.
Como a questão um debate foi aqui levantada pelo meu ilustre correligionário Sr. Pedro Pita, aproveitei o ensejo para também tratar dela, tanto mais que quási se contém no assunto da interpelação, cuja nota tive a honra de enviar a V. Exa., referindo-se ainda aos preços das farinhas estabelecidos por um diploma que não sei se chegou a ser publicado, pois que ainda não vi a sua publicação no Diário do Govêrno, sabendo-se apenas, por informações, que a farinha de 1.ª passou para 2$61) e que a de 2.ª para 2$.
Quando o Sr. Ministro da Agricultura tomou conta da sua pasta estava em vigor o manifesto que o antecessor de S. Exa. tinha mandado fazer.
Reconheceu-se que havia umas certas existências de trigos em poder da lavoura, da moagem da província e da moagem de Lisboa, e sabia-se, também, que êsse trigo existente levaria um determinado tempo u consumir, sendo de supor que, só depois de consumido e de se entrar num novo regime, se tornaria fácil baratear o preço do pão.
Ao Sr. Presidente do Ministério, porém, era indispensável conquistar as simpatias das massas populares, às quais era necessário dizer que se ia baratear o preço do pão, e S. Exa. é useiro e vezeiro em apelar para as multidões, para as quais ainda hoje apelou, dizendo irritado que êste sistema - parece-me ter sido esta a frase de S. Exa. - que êste sistema de negócios urgentes não podia nem devia continuar, mas, infelizmente para S. Exa., não foi bem sucedido.
A própria maioria reconheceu tanto a urgência do negócio apresentado pelo Sr. Pita, que a aprovou, apesar da irritação do Sr. Presidente do Ministério,
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Mas - dizia eu - o Sr. Ministro da Agricultura, quando ainda estava em vigor o manifesto, publicou o decreto n.° 10:381, de 10 de Dezembro.
E - desculpe-me V. Exas. - eu nunca vi diploma ta m atrabiliário, como, do facto, é êste decreto assinado por V. Exa.
Não percebo mesmo como é que V. Exa. pode impor os preços que ali expôs, sujeitando-os aos diagramas de extracção que V. Exa. apresentou, porque realmente chega-se a números que são verdadeiramente fantásticos.
Parece até que não houve o cuidado de fazer cálculos do que só era possível a laborarão nos termos dos diagramas fixados no decreto.
Compreende-se que a atitude do Sr. Ministro não é favorecer esta ou aquela indústria, mas decretar medidas que se possam pôr em vigor.
Ora, por exemplo, em relação ao trigo exótico - e refiro-me a êste primeiramente, porque a 10 de Dezembro último o trigo exótico chegava a Lisboa a 280 xelins a tonelada, por informações seguras que tenho, mas hoje já custa muito mais - fazendo os cálculos eu vejo que para o trigo exótico encontram-se como taxas diferenciais uns números que não podem honestamente cumprir se.
Correm boatos de que V. Exa. 11 ofereceu à moagem uma compensação do prejuízo que ela sofresse, e nesses boatos citam-se até números. Quere isto dizer que entramos outra vez no pão político!
Não sei bem em que lei o Govêrno se baseou para dar semelhante compensação. Assim ficamos no direito de dizer que o Govêrno cometeu uma burla para iludir o público, mas, vendo que a não podia manter, ofereceu uma compensação à moagem.
O que eu averiguo ainda mais é que êste decreto não sei se foi para inglês ver, porque parece que não é um decreto com relação, não só a Lisboa e Pôrto, mas a todo o País, e, entretanto, nós vemos que o preço do pão se mantém e tudo se passa como semelhante decreto não existisse.
Quando uma vez aqui ouvi o Sr. Ministro da Agricultura apresentar a sua proposta de lei agrária, e pelo conhecimento que tenho dos livros do Sr. Ministro da Agricultura, julguei o um admirador da terra, que, como eu, supunha que a salvação dêste País está na terra, mas agora tenho a convicção de que as suas medidas não são de molde a favorecer a agricultura, mas a prejudicá-la.
Ainda agora tive ocasião do dizer que êste decreto deu o seguinte resultado: é que não podendo a moagem pagar o trigo ao preço manifestado, recusou não pagado a êsse preço e paga apenas o que entendo por êle. Portanto, o prejuízo é da lavoura.
O manifesto é do 9.000:000 de quilogramas do trigo, mas toda a gente sabe que, dada a relutância que têm os lavradores de fazer o manifesto, haverá, pelo menos, o dôbro do trigo no País; dando, porem, de barato que apenas haja aqueles 9.000:000, eu pregunto quem é que para o ano quere cultivar trigo.
Já é preciso um certo patriotismo para cultivar trigo, visto que é uma das culturas menos rendosas que existem, mas, em face dêste decreto, pelo qual o lavrador liça sabendo que não há lei que se mantenha neste País, visto que havia uma que mantinha o preço de 1$80 para o quilograma de trigo e depois apareceu um decreto deminuindo êsse preço, pregunto quem é que do hoje para o futuro quererá cultivar trigo.
Sr. Presidente: tive também aqui ensejo de dizer que? tudo vai aumentando, de forma que isto é menos um incentivo para a cultura do trigo.
Sabe-se, e desde longa data, que a cultura cerealífera em Portugal, sem o proteccionismo, não se mantém, mercê de várias circunstâncias, muitas das quais já aqui tenho enumerado,
Mesmo no tempo em que exportámos trigo, verificou-se que havia a protecção á lavoura, e que, se assim não fôsse, essa cultura tornava se decadente, acabando por não se produzir trigo.
Houve então necessidade de apresentar a tal célebre lei que ficou conhecida pela "lei da fome" que, realmente, deu um incremento grande à cultura cerealífera o aumentou extraordinariamente a produção.
Eu sei que mo poderão dizer que êsse facto se deu durante um ou dois anos, mas eu responderei que não, que foi todos os anos, e tanto que, época houve em que a produção do trigo bastou para o consumo.
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Portanto, Sr. Presidente, o regime da protecção à cultura cerealífera é indispensável no nosso País.
Sr. Presidente: não é somente à taxa de moagem que se deve atender.
Quem fizer os cálculos, verificará uma cousa curiosa: deminue-se a taxa de moagem, mas aumenta-se a taxa de panificação, muito mais do que era legítimo.
Ora, como a moagem de Lisboa e Pôrto é ao mesmo tempo panificadora, resulta que o que não ganha na moagem ganha na padaria, compensando do certo modo os prejuízos da moagem.
Quere dizer, levantara-se entre a moagem de Lisboa e Pôrto e a da província uma luta grande, ficando esta na contingência de não poder viver, dado o cumprimento exacto das disposições do decreto do Sr. Ministro da Agricultura.
Feliz ou infelizmente, êsse decreto não se cumpriu, e a moagem da província lá se foi aguentando, mercê dos decretos anteriormente publicados.
Continua tudo isto até certa altura, em que a moagem protesta contra os poucos lucros que tem. e o Sr. Ministro, reconhecendo que ela tinha razão, aumentou o preço da farinha.
Mas, como o preço do pão não aumentou, aconteceu que a taxa de panificação deminuiu a termos tais, que era protegida apenas a moagem, com prejuízo manifesto das padarias independentes.
E, realmente, um sistema interessante de manter baixo o preço do pão.
Primeiro rouba-se o moageiro, depois, como isto não basta, rouba-se o panificador, e, por último, rouba-se a lavoura e o consumidor.
Mas, Sr. Presidente, além dêste ponto que acho gravo, da compensação dos 14 milhões de quilogramas de trigo, outro ponto importante há, em que preciso de ser informado.
Os padeiros independentes acusam o Sr. Ministro da Agricultura de lhes haver dito que, se não podiam continuar a fabricar o pão pelo mesmo preço, que reduzissem o pêso, porque êle mesmo daria ordem aos fiscais para fecharem um pouco os olhos, e, ainda mais, que lhes permitia uma mistura de farinha, de modo a que o pão saísse um pouco mais ordinário, podendo êles tirar lucros mais compensadores para a panificação.
Sr. Presidente: pelo conhecimento que tenho do Sr. Ministro, suponho que S. Exa. não diria isto, mas o que é verdade é que S. Exa. coloca as questões em termos tais que, aos leigos na matéria, é possível que os boatos se avolumem.
Então é lá possível, dentro do diagrama que o Sr. Ministro, apresentou, fabricar pão, nas três qualidades que S. Exa. estipulou?
Julgo que não.
Eu vou mostrar que era possível êsse desideratum, não com êsse diagrama, mas com outro, e pela seguinte razão:
V. Exa. sabe que o pão de luxo se fabrica em Lisboa, em pequena quantidade.
O pão de segunda tem tam bom sabor que ninguém o quere, e, se alguém fôr procurá-lo a uma padaria, não o encontra.
Portanto, se se tivesse adoptado outro diagrama, é possível que fôsse encontrada uma taxa compensadora para a moagem, e escusava-se de lançar mão dêsse expediente que prejudica todos e, em última analise, o consumidor.
Eu quero crer que não é verdade que S. Exa. dissesse aos padeiros independentes que não pesassem o pão, mas que êles não o pesam, é verdade.
É a fiscalização não se exerce.
O Sr. Presidente: - V. Exa. quere terminar o seu discurso, ou deseja ficar com a palavra reservada?
O Orador: - Se V. Exa. me permite, fico com a palavra reservada.
O orador não reviu, nem os "àpartes" foram revistos pelos oradores que os fizeram.
O Sr. Correia Gomes: - Pedia a V. Exa. para consultar a Câmara, a fim de a comissão de finanças reunir amanhã.
No caso afirmativo solicito de V. Exa. a fineza de mandar avisar os respectivos membros.
Foi permitido.
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Carvalho da Silva: - Peço a atenção do Sr. Presidente do Ministério.
Pausa.
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O Sr. Presidente: - Chamo a atenção do Sr. Presidente do Ministério.
O Orador: - Sr. Presidente: chego a hesitar tratar qualquer assunto ante êste Govêrno, pois vejo como 6lo encara os assuntos aqui tratados.
Ainda na pouco sofreu um cheque, pois o Sr. Presidente do Ministério disse que não se podia continuar neste regime de negócios urgentes e em seguida a Câmara votou outro negócio urgente.
Nesta República democrática passam-se casos como o que vou contar.
Está decorrendo o prazo do recenseamento eleitoral e são os regedores que passam os atestados de residência, mas há centenas de requerimentos que não têm despacho,
O regedor de Santa Isabel nega-se a passar um atestado de residência, apesar de a informação da polícia dizer que o requerente reside ali há 9 anos.
Pois apesar desta informação, o regedor insiste no seu propósito.
Eu pregunto a todos os Srs. Deputados, seja qual fôr a sua filiação partidária, se isto é sério se isto é digno.
São êstes os tais princípios republicanos.
O Sr. Velhinho Correia (em àparte): - Eram êsses os processos da monarquia.
O Orador: - Eu digo a V. Exa. que como homem digno sou incompatível com processos desta ordem.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - Não quis pessoalmente referir-me a V. Exa.
O Orador: - Nunca no tempo da monarquia só foz o que agora se está fazendo, e a prova tem-na V. Exa. nas eleições em que vieram à Câmara os Deputados republicanos.
Terminando, peço ao Sr. Presidente do Ministério que diga se S. Exa. quere ser solidário com estas cousas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Domingues dos Santos): - Sr. Presidente: quero dizer a V. Exa. e a Câmara que não tenho conhecimento do nenhum caso como aquele a que se referiu o Sr. Carvalho da Silva. Vou participá-lo ao Sr. Governador Civil, de quem deponde o regedor, para que averigou o que há sôbre o assunto.
Devo dizer que para êsses casos há tribunais competentes e advogados, e eu, que já exerci a advocacia, sei bem como se recorro, mas dêste lugar não posso dar conselhos e apenas tenho o dever do garantir a V. Exa. que hei-de fazer cumprir a lei, respeitando-se os direitos de todos os cidadãos.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, às 14 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia:
A que estava marcada.
Ordem do dia:
Negócio urgente do Sr. Pedro Pita sôbre a falta de pão em Lisboa e das consequências desta falta.
Negócio urgente do Sr. Cunha Leal sôbre a publicação do decreto n.° 10:497, que altera diferentes artigos da pauta dos direitos de importação.
E os pareceres que já estavam na tabela.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos,
Documentos mandados para a Mesa - durante a sessão
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, mo sejam enviados com a possível urgência os seguintes documentos:
Número de operários civis em serviço nos diferentes estabelecimentos fabris do M. G. (Arsenal do Exército, M. M., D. C. F., T. A. M.).
Número de recrutas encorporados nas diferentes especialidades (armas e serviços) desde a vigência da lei de 2 de Março de 1911, em cada ano.
4 de Fevereiro de 1925. - Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
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Sequeiro que, pelo Ministério da Marinha, me seja enviado com a possível urgência qual o número de mancebos encorporados na armada, em cada ano, desde 1912 (vigência da lei do recrutamento de 2 de Março de 1911).
4 de Fevereiro de 1925. - Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me sejam enviados os documentos seguintes:
Número de oficiais do activo, por armas e postos, que se encontrem colocados nas unidades e, da mesma maneira, indicação dos que se encontram noutras comissões de serviço, em disponibilidade e de licença ilimitada;
Número de oficiais do activo, por quadros e postos, discriminando os que se encontram no M. G., no M. I., no M. F., no M. C. e outros Ministérios;
Número de oficiais de reserva ou reformados, por postos, que se encontram em serviço efectivo no M. G.;
Número de oficiais milicianos, por quadros e postos, que se encontram em serviço efectivo do M. G.;
Número de oficiais que se encontram em serviço na Secretaria da Guerra (4.ª D. G.), por repartições, discriminando os oficiais do activo, de reserva e reformados, por postos; número de sargentos nas mesmas condições;
Número de oficiais que se encontram em serviço no E. M. E. (2.ª D.), por anos e serviços;
Número de oficiais, por postos, que se encontram em serviço nas diferentes comissões superiores e comissões técnicas, por cada comissão;
Número dos sargentos dos quadros activos, por graduações, que se encontram em serviço efectivo, indicando os que estão em serviço nas tropas e outras situações;
Número total de sargentos, por quadros e graduações, tanto permanentes como milicianos, discriminando uns e outros;
Número de sargentos, por anos lectivos, que se têm matriculado na E. P. O. S. M. e que têm concluído o curso; o mesmo número total por idades;
Número de primeiros sargentos e segundos sargentos, cadetes, indicando o número dos que estão matriculados, nos diferentes cursos.
E como relator do Orçamento do Ministério da Guerra que faço êste requerimento, pedindo a maior urgência na sua satisfação, bem como a informação imediata do tempo provável que demorará a elaboração dos mapas pedidos.
3 de Fevereiro de 1925. - Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
Requeiro que, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, me seja fornecida cópia do ofício n.° 3-B, de 18 de Setembro de 1924, enviado pelo cônsul de Portugal em Boston ao Ministério e que me seja autorizada a consulta dos relatórios enviados pelo referido cônsul desde princípios de 1922 a fins de 1924.
4 de Fevereiro de 1924. - Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Expeça-se.
Exmo. Sr. Presidente. - Tendo há longos meses requisitado documentos pelo Ministério da Instrução reclamo de V. Exa. contra tam estranha demora.
4 de Fevereiro de 1925. - Hermano José de Medeiros.
Expeça-se, transcrevendo o registo primitivo que é de 19 de Fevereiro de 1924.
O REDACTOR - Herculano Nunes