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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 26
EM 5 DE FEVEREIRO DE 1925
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. - Aberta a sessão com a presença de 48 Srs. Deputados, lê-se a acta da sessão anterior e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia - O Sr. Tavares de Carvalho ocupa se do preço dos transportes em relação com o custo da vida.
O Sr. Francisco Cruz traía de graves ocorrências que se deram em Mação e volta a discutir o problema das atiradas.
O Sr. Amaral Reis declara desejar que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros o informe das condições em que no futuro tratado comercial com a França figuras os vinhos portugueses.
O Sr. Presidente declara que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não tem comparecido na Câmara por falta de saúde.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Plínio Silva) responde ao Sr. Francisco Cruz pelo que respeita ao problema dos estradas.
Os Srs. Francisco Sr. e Ministro do Comércio voltam a falar sôbre a questão das estradas.
O Sr. Juvenal de Araújo perfilha os protestos do Sr. Francisco Cruz relativamente aos incidentes de Mação.
O Sr. Carlos Pereira chama a atenção do Govêrno para a necessidade urgente de se acudir à situação de vários portos.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio.
Ordem do dia. - É aprovada a acta.
São admitidos projectos.
Continua em discussão o negócio urgente do Sr. Pedro Pita (o problema do pão).
Usam da palavra, tendo apresentado moções que são admitidas, os Srs. Sousa da Câmara, Carvalho da Silva, Tôrres Garcia e Amaral Reis.
Dada a palavra ao Sr. Ministro da Agricultura (Ezequiel de Campos), S. Exa. pede que lhe reservem para a sessão seguinte, em virtude do adiantado da hora.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a imediata com a respectiva ordem do dia.
Abertura da sessão, às 10 horas e 20 minutos.
Presentes à chamada, 48 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 80 Srs. Deputados.
Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso do Melo Pinto Veloso.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Álvaro Xavier de Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires de Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
João Baptista da Silva.
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João Cardoso Moniz Bacelar.
João Pina de Morais Júnior.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim tornes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Novais do Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique do Araújo.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Rocha Felgueiras.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Valentim Guerra.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que. entraram durante a sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
Américo Olavo Correia do Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António do Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio do Brito Carvalho da Silva.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constando de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João do Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João de Sousa Uva.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro,
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
Jorge de Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Leonardo José Coimbra.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Plínio Octávio do Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
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Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
António Dias.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Mendonça.
António de Sousa Maia.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas principiou a fazer-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 48 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Leu-se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício
Do juiz sindicante aos serviços da Direcção Geral de Caminhos de Ferro, solicitando autorização para que o Sr. Henrique Pires Monteiro possa depor na respectiva sindicância.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de
Antes da ordem do dia
O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente: desejava tratar da questão dos transportes; como, porém, o Sr. Ministro do Comércio não está presente, peço ao Sr. Ministro da Agricultura a fineza de lhe transmitir as considerações que vou fazer.
Ouvi dizer que o Sr. Ministro do Comércio está trabalhando afincadamente pela conclusão e construção de vários troços de caminho, mas como tenho solicitado nesta Câmara a baixa das taxas de transportes, e não vi ainda que S. Exa. tenha tratado dêste assunto, peço a V. Exas., Sr. Ministro da Agricultura, a fineza de lhe transmitir o desejo que tenho do que seja reduzido o preço dos referidos transportes, visto semelhante medida concorrer para o barateamento da vida.
Também desejava que S. Exa. estudasse com a maior urgência a baixa que devam sofrer as taxas telégrafo-postais, que a meu ver estão exageradas, dada a baixa do câmbio, a fim de que a correspondência, principalmente a dirigida ao estrangeiro, possa ter qualquer abatimento.
Não trato da questão do pão, porque ela está sendo debatida pela oposição, e limitar-me-hei a tomar parte na discussão, se assim entender conveniente.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Francisco Cruz: - Sr. Presidente: sinto que não esteja presente o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações, ou o Sr. Presidente do Ministério, porque desejava chamar a atenção, principalmente
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do segando, para um facto que reputo da máxima gravidado.
S. Exa. tem como delegado do Govêrno em Mação, concelho do meu círculo, um homem que, em vez do manter a ordem, procura, por todas as formas, estabelecer e provocar a desordem.
Ora, Sr. Presidente, isto não está bem. Ao delegado do Govêrno compete manter a ordem e velar pelo respeito e cumprimento da lei.
Sr. Presidente; há sempre velhas rixas que vêm à supuração quando nas diferentes localidades se encontra uma autoridade que não sabe cumprir o seu dever o que, em voz de ser um órgão essencial para o exercício das várias actividades particulares, evitando que elas se entrechoquem, permito que os arruaceiros armem uma desordem o enxovalhem uma criatura, meu correligionário o pessoa pacífica, durante mais de uma hora.
Sr. Presidente; dentro de uma democracia entendo que cabem todas as aspirações políticas e religiosas, o aquilo que é do foro íntimo jamais pode ser devassado por qualquer lívro-pensadeiro ou por qualquer pessoa truculenta, sem respeito pelos outros nem por si própria.
O que só passou em Mação, com a cumplicidade do delegado do Govêrno, foi motivado por uma arraia religiosa, ou como dizem os católicos, sagrada, indo os desordeiros provocar o vigário, pessoa de toda a respeitabilidade, enxovalhando e finalmente esfaqueando indivíduos que estavam junto dêle.
Ora o meu protesto deriva do facto do o delegado do Govêrno, em vez do prender os criminosos, passar horas depois em companhia dêles, permitindo que provocassem os habitantes que tinham manifestado a sua simpatia pelo vigário.
Sr. Presidente: em matéria religiosa sou insuspeito, porque não entro numa igreja senão para testemunhar um acto que não repugna à minha inteligência nem ao meu modo do ver, porque respeito todas as opiniões o crenças.
Porém, isto não impede que eu verbere com toda a indignação da minha alma o caso que se passou, porque, como já disse, entendo que numa democracia cabem todas as aspirações políticas o religiosas. E contra o que se passou que eu protesto.
Isto diz respeito ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior.
Sinto também que mio esteja presente o Sr. Ministro do Comércio, que nesta Câmara apareço sempre tardo o a más horas, porque desejo preguntar a S. Exa. o que é feito do célebre relatório, que aqui nos prometeu trazer, sôbre a forma por que S. Exa. deseja solucionar o grave problema das vias de comunicação.
Sr. Presidente: tenho de tomar novamente a minha iniciativa, passando por cima dos membros do Govêrno, que não apresentam eram mentirosas promessas, Govêrno que até agora não tem feito outra cousa senão ludibriara Nação, servindo-se miseravelmente da especulação torpo de que deseja defender os interêsses do povo.
É preciso não confundir o povo honrado, o que trabalha, com a escumalha que não tem nada, nem mesmo vergonha para perder.
Jamais consentirei que um Govêrno venha a esta Câmara com essas mentire-las, com essas torpes burlas.
Ainda ontem aqui se provou, na questão do pilo, que o Govêrno quis armar à popularidade fácil, consentindo que se elevasse o preço da farinha o dizendo que a fiscalização fecharia os olhos à falta do pêso no pão.
Isto é um roubo autêntico.
Se o Govêrno só demorar ainda nas cadeiras do Poder, isso constituirá a última das ignomínias, a última das forças, a que urge pôr termo.
Apoiados.
Êste estado do cousas só se mantém à custa do um povo que está cansado, de sofrer o a quem se arranca a pele, não se lhe dando em troca benefício algum.
Entra a Sr. Ministro do Comei do e Comunicações.
O Orador: - Ainda bem que entrou o Sr. Ministro do Comércio, pois desejo mais uma vez chamar a atenção de S. Exa. para o estado lastimoso em que se encontra a totalidade das estradas, com prejuízo da economia da Nação.
Hoje, que os povos procuram abastecer-se a si próprios o produzir mais e melhor, as vias do comunicação têm uma transcendente importância e, portanto, a
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economia do País sofrerá gravemente, estando-nos reservados dias bem tristes.
Há muito tempo o Sr. Ministro do Comercio prometeu trazer à Câmara um célebre relatório acerca da maneira como pretende resolver o magno problema das estradas, mas até hoje ainda não chegou o cansado relatório.
Emquanto o relatório não chega - e parece-me que nunca chegará! - não se sabendo como o Sr. Ministro resolverá o problema das estradas, recebo informações de que as verbas são gastas em fazer política mesquinha, despendendo-se em estradas do compadrio, sem utilidade pública imediata.
E disso se aqui, há cêrca de um ano, que o problema das estradas seria encarado com aquele patriotismo e boa vontade que as circunstâncias exigiam!
Enviei para a Mesa um projecto de lei que, a meu ver, estabelecia a única maneira de se repararem as estradas.
Mas o projecto de lei não se discutiu, apesar de se discutirem antes da ordem do dia projectículos. criando novas assembleas eleitorais e juntas de paróquia, para servir amigos.
Não venha o Sr. Ministro do Comércio proclamar a necessidade de se repararem as estradas do triângulo Lisboa-Sintra-Cascais, no interêsse do turismo.
Não compreendo esta necessidade quando o País está sem vias de comunicação, sem estradas em condições de manter os produtos da sua actividade aos mercados.
Portanto, não admito que se fale em turismo quando o País está sem estradas, impedido de criar e valorizar a sua riqueza.
Se as estradas não se repararem, dentro de pouco tempo os centros de produção ficarão inteiramente isolados dos mercados e impossibilitados de colocar os produtos.
E vem S. Exa. falar em turismo, quando há importantes pontos do País sem vias de comunicação e outros com as estradas num estado horrível!
Não confio na acção do Sr. Ministro do Comércio e Comunicações, nem na sua decantada energia, para se opor aos pedidos dos seus correligionários, relativamente a consertos de estradas sem utilidade.
Neste assunto é necessário fazer obra patriótica, pois o magno problema das estradas tem de ser resolvido urgentemente.
O Sr. Presidente: - Está a terminar o tempo concedido pelo Regimento para V. Exa. poder falar.
O Orador: - Eu não sei, Sr. Presidente, se o Sr. Ministro do Comércio ainda estará muito ou pouco tempo naquelas cadeiras.
Já aqui se disse que o Govêrno, politicamente, se encontra moribundo, infectando a Nação: no emtanto, eu, nesta hora, não posso deixar de mais uma vez lhe pedir providências para o assunto de que estava tratando.
Se bem que S. Exa. já esteja naquelas cadeiras deve haver uns três meses, pouco ou nada tem feito.
Espero ainda que S. Exa. cumpra as promessas que nos fez das bancadas de Deputado, desejando-lhe muitos anos de vida, não como Ministro, mas como cidadão, visto que, como Ministro, está perdendo o seu tempo e a sua energia.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Amaral Reis: - Sr. Presidente: V. Exa. tem conhecimento de que ando há muitos dias a pedir a palavra para quando esteja presente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Sabe-se, pelos jornais, que veio a Lisboa apresentar ao Govêrno as bases de um acordo do comércio com a França o nosso Ministro em Paris, Sr. António Fonseca, assunto êste de maior interêsse para a economia nacional e muito principalmente no que diz respeito à entrada dos nossos vinhos de pasto em França.
O Sr. Presidente: - Peço desculpa ao ilustre Deputado, mas não posso permitir que V. Exa., tendo pedido a palavra para interrogar a Mesa, esteja a fazer um discurso.
Se bem que o assunto seja, na verdade, muito importante, não posso permitir tal, porquanto não desejo por forma nenhuma que o facto possa constituir um precedente.
Estou certo de que S. Exa. há-de ser o primeiro a dar-me razão.
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O Orador: - A culpa dêste facto pertenço, única e exclusivamente, à ausência permanente do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Presidente: - O que eu posso garantir a V. Exa. é que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros não tem comparecido às sessões por se encontrar doente.
S. Exa. não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Plínio Silva): - Sr. Presidente: como eu sou daqueles que gostam de fazer justiça a todos, devo dizer, em abono da verdade, que o Sr. Francisco Cruz: tem sido um dos parlamentares que mais se têm interessado pela resolução do problema das estradas.
S. Exa., bojo, mais uma voz veio chamar a minha atenção para o assunto.
Sabe S, Exa. muito bom que o problema das estradas me tem merecido a maior atenção, tanto mais quanto é certo que já por mais de urna vez tenho dado a conhecer à Câmara o meu ponto de vista sôbre o caso.
Tenho, como o Sr. Francisco Cruz, o maior desejo de resolver o problema, estando pronto, desde que S. Exa. assim o queira, a recebê-lo no meu gabinete ou ir ou a sua casa, se assim o preferir, para ambos estudarmos a questão.
De harmonia com a orientação que é marcada pela lei que foi aqui votada em Agosto último, na qual figura um artigo da autoria do Sr. Pedro Pita, que manda começar os trabalhos das estradas por três grandes empreitadas, a partirem do centro, do norte e do sul do País, mandei já os respectivos cadernos de encargos e programas de concurso para em breve poder abrir essas empreitadas.
Quanto ao troço da estrada de Lisboa a Cascais, já ordenei o necessário para se proceder à reparação duma parto dêsse troço. Estou convencido de que fiz bem. O que é necessário é que o Ministro do Comércio possa dispor das verbas indispensáveis.
O Sr. Francisco Cruz, que se tem dedicado com o máximo interêsse ao estudo do problema das estradas, já, por certo, examinou o orçamento do Ministério do Comércio e terá visto que, no tocante a estradas, vem lá consignada uma verba que é a que reputo necessária para poder abrir as empreitadas.
Como já tenho declarado, o que eu pretendo é que o fundo da viação o turismo fique à ordem da Administração Geral das Estradas.
O Sr. Francisco Cruz (interrompendo): - Agradeço o convite do Sr. Ministro do Comércio. A verdade é que, como S.Ex.a sabe, eu estou em desacordo com a sua orientação. Não quero que as estradas sejam reparadas hoje para dentro em pouco voltarem ao seu actual estado que é de completa ruína. Por muito que queira, S. Exa. não conseguirá, com o dinheiro de que poderá dispor, reparar toda a rode de estradas do País, pois contam-se por milhares de quilómetros as extensões que se encontram intransitáveis. Quando muito conseguirá a reparação de algumas centenas, poucas, de quilómetros.
Garanto que com o meu projecto o com a verba de que se irá dispor conseguiria reparar metade das estradas do Pais.
O Orador: - Confesso que não compreendo bem, isto certamente por deficiência minha, qual a diferença que existe entro o pensamento do Sr. Francisco Cruz e o meu, quanto ao magno problema das estradas.
O orador não reviu.
O Sr. Juvenal de Araújo: - Sr. Presidente: os factos que foram há pouco relatados à Câmara pelo Sr. Francisco Cruz não eram do conhecimento de nenhum dos membros da minoria católica. Se o fossem, já desta bancada nos teríamos levantado para exigir do Sr. Ministro do Interior as mais enérgicas providências contra êsse atentado à liberdade do consciência e de culto que acaba de praticar-se. Não é só a letra expressa da Constituição que foi infringida, foram também infringidas as garantias dadas pela Constituição aos cidadãos portugueses. Ora o Sr. Presidente do Ministério precisa de demonstrar que as garantias nacionais não são um mito, mas realidades.
E se êstes atentados à liberdade de consciência se tornam condenáveis quando praticados por qualquer cidadão, merecem uma reprimenda muito maior quan-
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do a êles está ligado o nome de um delegado do Govêrno.
Êste lado da Câmara, por isso, secunda com toda a energia as palavras desassombradas do Sr. Francisco Cruz, e exige do Sr. Presidente do Ministério que providências imediatas sejam tomadas em nome da lei e da moral.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: - Sr. Presidente: chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio para as palavras que vou proferir.
Não sei se, de facto, o Sr. Ministro do Comércio segue e adopta o princípio episódico das juntas autónomas, quási sempre criadas com intuitos de fácil popularidade, ou se pelo contrário S. Exa. pensa que o problema dos portos merece ser encarado de uma forma diversa, de maneira a adoptar se uma regulamentação geral em que todos caibam, e tornando, sobretudo, obrigatória a aplicação do fundo de protecção da marinha mercante à construção e apetrechamento dos portos nacionais, para que nos habituemos a considerar os vários fundos vinculados aos serviços para que foram criados, não podendo ser distraídos para outros serviços do Estado.
Eu não quero crer que o Sr. Ministro do Comércio siga essa política das juntas autónomas, mas que antes procure realmente criar uma lei geral de portos.
Emquanto, porém, isso se não faz, e porque o fundo de protecção à marinha mercante é bastante rendoso, e ainda por que no meu círculo há portos como os de S. Martinho, Nazaré e Peniche, que, quer queiram, quer não, há-de ser a testa de uma linha férrea, eu desejava que o Sr. Ministro do Comércio nomeasse uma comissão, à semelhança do que fez para Póvoa de Varzim, para estudar as obras a fazer naqueles portos.
Como há muitos milhares de contos adjudicados a essas obras, eu desejava, pelo menos, marcar esta posição: é que se começa a trabalhar nelas.
E agora quero também pedir ao Sr. Ministro das Finanças para que não lance mão dos diversos fundos, criados com determinados fins, para tapar todos os baraços da administração pública, porque até quanto ao porto da Nazaré se dá êste facto: é que paga um imposto especial de pescado para a construção do paredão-cais e entretanto êle já excede o que é preciso e continua a cobrar-se o mesmo imposto, sobrecarregando-se assim inutilmente o pescado.
São estas providências de justiça e de sã administração que eu espero que o Sr. Ministro do Comércio tome.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Plínio Silva): - Sr. Presidentes o Sr. Carlos Pereira em poucas palavras abordou, pelo menos, três questões que realmente têm sido consideradas várias vezes por esta Câmara.
Começou por se referir às juntas autónomas e marcou um ponto de vista que, aliás, tem sido defendido não só por mim, mas por antecessores meus.
S. Exa. sabe que no que respeita à política dos portos, já o Sr. Nuno Simões e António da Fonseca, quando Ministros do Comércio, tinham fixado a directiva de que realmente seria preciso modificar tudo o que diz respeito a essa política.
É bom frisar, para honra nossa, que alguma cousa se tem procurado fazer a êste respeito, pelo zêlo de alguns Deputados desta Câmara, e assim pensou-se em que as juntas autónomas pudessem, fazer alguma cousa de proveitoso.
E, com verdade, tem-se reconhecido que com as facilidades que nos foram dadas o com as leis votadas aqui, moldadas sob os mesmos objectivos, alguma cousa, as diferentes regiões e especialmente e Algarve têm feito para bem as utilizar.
Foi, de início, êsse o nosso pensamento. E desde que há boas vontades como a de S. Exa., devemos alguma cousa tentar no sentido de bem orientar a política dos portos. Está isto também integrado, no nosso pensamento.
Outro assunto que o Sr. Carlos Pereira salientou é a urgente necessidade de que receitas criadas sejam consignadas ao fim que motivou a sua criação.
E assim, quando vários Ministros do Comércio se queixavam de que pelo Ministério das Finanças não lhes podiam ser dadas as verbas necessárias para certos empreendimentos, todos concordaram em
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que era necessário criarem-se verbas especiais. E assim criou-se o fundo de viação e turismo, etc.
Mas, devido ás aflições cantantes dos Ministros das Finanças, estas receitas só com os esfôrços titânicos dos Ministros do Comércio lho são entregues pouco a pouco, porque de direito elas lhe pertencem.
Como S. Exa. deseja, devem estudar-se os problemas com n máxima atenção para, quando chegarmos a altura do os atacar, não ficarmos na situação de não os podermos resolver, quando é certo que files interessam à nacionalidade.
Resta-me dizer a S. Exa. que tenciono nomear uma comissão, como fiz para a Póvoa de Varzim, para estudar o assunto.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia. Está em discussão a acta. Se ninguém pede a palavra, considero-a aprovada.
Pausa,
Foi aprovada a acta, sem discussão.
Deu-se conta do expediente que dependia da resolução da Câmara.
Foram admitidos os seguintes projectos de lei em segunda leitura:
Do Sr. Tôrres Garcia, tornando extensivas à Câmara Municipal de Coimbra as disposições estabelecidas para a de Lisboa no artigo 72,° e parágrafos do decreto n.° 8:437, de 21 do Outubro do 1922.
Para a comissão de administração pública.
Do mesmo para que sejam extensivas à Biblioteca Municipal de Coimbra as regalias concedidas à do Pôrto e à Popular de Lisboa pelos artigos 89.° o seguintes do decreto-lei n.° 5:018, de 10 de Maio de 1919.
Para a comissão de administração pública.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o negócio urgente do Sr. Pedro Pita.
O Sr. Sousa da Câmara: - Sr. Presidente: tenho pena de que o Sr. Presidente do Ministério não esteja presente e não assista a esta discussão, e tenho pena, Sr. Presidente, porque afinal o assunto relativo a êste pedido de negócio urgente prende-se certamente mais com S. Exa. do que com o Sr. Ministro da Agricultura.
S. Exa. ontem, estranhou todos os factos que se passaram em relação ao preço do pão e farinhas, dizendo que desconhecia por completo tudo o que havia a êste respeito.
Mas não se compreendo que um negócio de tanta monta e importância seja completamente desconhecido pelo Sr. Presidente do Ministério. Demais, eu sei que êstes assuntos são habitualmente levados a Conselho de Ministros.
Estou convencido, pois, do que o Sr. Ministro da Agricultura o levou ao Conselho, o, portanto, o Sr. Presidente do Ministério não devia, como não podia, deixar de saber do que se tratava.
Só há responsabilidades porque as há, e muito graves - neste assunto, estou certo de que se devem quási exclusivamente ao Sr. Presidente do Ministério.
Lastimo ver o Sr. Ministro da Agricultura, pessoa culta e inteligente, que, por índole e educação, não podia ser um radicaleiro, colaborando nos radicalismos do Sr. José Domingues dos Santos. Recordo-me agora até de que num livro de S. Exas., A Riqueza Nacional, se afirma que as nossas leis se ressentiam dos radicalismos sociais. Quero dizer, era S. Exa. o próprio a confessar que as nossas leis, o sobretudo as do fomento, se ressentiam, na verdade, dos radicalismos sociais. Mas, Sr. Presidente, então não se compreendo bem esta junção do Sr. Ministro da Agricultura ao actual Govêrno, tanto mais quanto é certo que êle assim é obrigado por vezes a lançar mão de processos que condena.
Em uma entrevista que S. Exa. concedeu ao Diário de Lisboa, cita-se o preço do trigo exótico, que chega a Lisboa ao preço de 353 xelins a tonelada. Foi da entrevista que retirei os números que ontem tive ensejo de apresentar.
Vou hoje ser um pouco mais minucioso e apresentar números para que se verifique que não afirmo nada que se não possa provar. Escuso de reportar-me aos números que já apresentei. As existências que constavam, pelo manifesto que a 22
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de Outubro, se não me falha a memória, se publicou, eram as seguintes:
Leu.
Sr. Presidente: estava assegurado o preço do 1$80 por quilograma. Havia uma tabela que estabelecia êstes preços. E, portanto, quer a lavoura, quer a moagem, tinham assegurado o preço de 1$80 por quilograma. Nessa altura, antes de o Sr. Ministro da Agricultura tomar posse, o Conselho de Ministros resolvia que o preço do pão baixasse. Veio isto em todos os jornais, ainda antes de S. Exa. tomar posse.
Então como é que S. Exa. não tem responsabilidades ligadas a êste facto? Tem-nas, e todas!
Apoiados.
Todavia, desde que o trigo custava um determinado preço e o pão tinha de ser vendido por um preço muito inferior, S. Exa. viu-se embaraçado e teve de resolver a questão de qualquer modo, que foi um decreto, na verdade infeliz, o qual estabeleceu um determinado preço para as farinhas.
E, assim, era para a farinha de 1.ª 2$40 por cada quilograma e para a de 2.ª 1$70.
Ora vejam V. Exas. reparem bem para os cálculos que eu vou apresentar, que, depois de determinados aqueles preços para as farinhas, os diagramas fixados pelo Sr. Ministro da Agricultura foram os seguintes:
Leu.
Manifestamente, V. Exas. estão vendo que desde que se impunha à moagem esta obrigação sucedia o seguinte: é que ela tinha de ir buscar doutra maneira, ou a outro qualquer lado, a compensação dos prejuízos que lhe dava a moagem do trigo. E vamos já ver que era na indústria da panificação que ela obtinha êsses lucros.
Uma parte dessa moagem, a de Lisboa e Pôrto, poderia, com eleito, retirar os lucros compensadores dos prejuízos a que já me referi, da taxa de panificação, que era exagerada, porque, por vários cálculos que fiz, a posso considerar assim.
Lembro-me muito bem de que em 1921 havia uma comissão técnica encarregada de estudar qual devia ser a taxa de panificação e a taxa de moagem, entrando nessa comissão entidades que tinham competência para tratar dêsse assunto, especialmente a Manutenção Militar, que acumula a laboração de moagem com a de panificação.
E essa comissão fixou em $U9 por quilograma a taxa de moagem, e a de panificação em $10, ao passo que essas taxas são agora de $40 e $70 respectivamente.
Isto com relação a Lisboa e Pôrto.
Mas vejamos o que sucede à moagem da província que, muitas vezes, além de ter de pagar o transporte do trigo, em caminho de ferro, necessita de o levar em carros até à sua fábrica, sendo, por consequência, diversos os transportes que tem de pagar de Lisboa até ao local.
Portanto, fazendo os mesmos cálculos que para Lisboa e Pôrto, mas onerando-os com as diferenças de transportes a que me referi, resulta o seguinte:
Leu.
Isto quere dizer que uma fábrica da província, laborando 100 quilogramas de trigo exótico, perdia 19$20!
Ora isto é absolutamente impossível porque representa a sua ruína.
Repito, as fábricas de Lisboa e Pôrto têm a seu favor o serem ao mesmo tempo panificadoras, mas o mesmo não sucede às da província.
De facto, eu disse hoje aqui, e vou procurar prová-lo, que alguma cousa de compensador se pretende dar à moagem.
Naturalmente, ela demonstrou a impossibilidade de laborar nas condições do decreto n.° 10:381, de 14 do Dezembro de 1924, e por isso, como referi ontem aqui, lhe foram oferecidos 14.000:000 de quilogramas de trigo exótico, sem o pagamento do diferencial, e que equivalia a entrarmos novamente no regime do "pão político".
Na verdade, não sei se essa compensação atingiu o limite dos 14.000:000 de quilogramas, porque ouvi depois falar em 12 000:000.
Não sei, por isso, repito, qual dêstes dois números será verdadeiro, mas o Sr. Ministro da Agricultura claramente nos informará.
O que eu sei, porém, Sr. Presidente, é que da portaria n.° 4:330, cuja redacção não é das mais perfeitas, se conclui que realmente algo se passou daquilo que eu estou afirmando.
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Supondo que o número citado pelo Sr. Ministro da Agricultura, na sua entrevista, é exacto, o trigo fica em Lisboa, cif Tejo, ao preço de 1$66(5) cada quilograma e a diferença paga é apenas de 106(5) em cada quilograma, quando deveria ser do $13(5). Assim, entrega-se à moagem nada menos do que $07 por quilograma, importância que parecerá talvez insignificante, mas que em 20.000:000 de quilogramas - o que não é nada para o consumo do Lisboa e Pôrto - representa qualquer cousa como 1:400 contos.
De resto, a moagem ficava satisfeita, se, conforme o que pediu, lhe dessem $04 por quilograma, porque era o suficiente para poder viver, não pagando o diferencial em Lisboa o Pôrto.
Mas êstes favores concedidos à moagem de Lisboa e Pôrto resultam em detrimento da moagem da província, que apenas aufere de lucros $02 por quilograma, poderá afirmar-se.
Devo dizer à Câmara que não tenho nenhumas relações com a moagem, nem mesmo a defendo porque ela não precisa de defesa, atendendo aos lucros exagerados que tem recebido. Aqui ponho do parto tudo isso e trato somente do que é justo.
Entendo que uma indústria, seja ela qual fôr, tem tanto direito a viver como o comércio o a agricultura, e o Govêrno não pode cercear-lhe os lucros que são legítimos.
O pior, porém - e isso é o que mais mo confrange - é que o Sr. Ministro da Agricultura, com esto decreto, inutiliza completamente a cultura cerealífera no País.
Isso é que dói, pois sucede que é obrigação do todos nós termos uma certa contemplação pela lavoura do trigo. Julgo mesmo que os indivíduos que cultivam o trigo merecem algum favor do Estado, porque se limitam a lucros verdadeiramente insignificantes.
Assim, por exemplo, como já o demonstrei, ao passo que as outras culturas dão de rendimento, por hectare, às vezes mais de 3.000$, a cultura cerealífera não vai além de 200$, aproximadamente, por hectare.
Quem cultiva trigo no nosso País pode ser considerado como benemérito, pois que hoje no Alentejo vale mais deixar a terra sem cultivo, simplesmente para pastagem do gado, do que propriamente cultivar nela trigo, cujo rendimento é absolutamente insignificante.
Sr. Presidente: quero ainda, sôbre êste assunto, chamar a atenção do Sr. Ministro para o sou decreto ou portaria, no meu entender absolutamente ilegal, que manda ratear o trigo nacional apenas pelas fábricas de moagem da província, quando êsse rateio devia ser feito por todas as fábricas matriculadas do País, isto é, também pelas de Lisboa e Pôrto.
Não é razoável que à moagem da província, que já está- sobrecarregada com tantos gravames, ainda seja imposta a obrigação de receber o trigo por um preço que lhe torna a laboração impossível.
Êsse bem que a intenção do Govêno é a do empurrar, quer a indústria da moagem, quer a indústria da panificação, para àfraude.
Como é que uma indústria pode viver, com o lucro diminuto o irrisório do £08 por quilograma?
O Govêrno, aparentando fazer n m benefício à população, com o fornecer-lho o pão $10 mais barato, indica à moagem o à panificação o caminho da fraude que consiste no fornecimento do pilo de qualidade inferior o com falta de pêso.
Não mo parece que, procedendo assim, se exerça a verdadeira acção do Govêrno.
Apoiados.
O governante precisa de respeitar a situação que ocupa.
Sucedo depois que se obriga a panificação a comprar a farinha a 24$60, a de primeira, e a 2$, a do segunda.
A moagem do norte - e é isto o que se diz numa entrevista, no Diário de Lisboa, com um padeiro independente - teve uma reunião com o Sr. Ministro o aumentou o preço das farinhas.
Isto não era da competência do Sr. Ministro da Agricultura, porque há uma comissão reguladora do comércio e abastecimento de trigo e cereais.
A essa comissão é que competia estabelecer o preço.
Presto a minha homenagem às intenções do Sr. Ministro, mas S. Exa. cometeu um acto leviano, combinando o preço com qualquer entidade.
É, realmente, estranhável que S. Exa. com êste aumento fôsse favorecer a
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moagem, prejudicando as padarias independentes, que têm tanto direito à vida como quaisquer outras. Apoiados.
Uma voz: - Têm mais direito à vida!
O Orador: - Não pode continuar-se neste regime!
Ontem, o meu ilustre correligionário Sr. Pedro Pita afirmou aqui que existia um telegrama em que se davam ordens terminantes para o Pôrto ...
Vozes: - Ouçam, ouçam!
O Orador: - ... Para que se fechassem os olhos ao pêso do pão.
Uma voz: - Isso é grave.
O Orador: - Se esto telegrama existo, é duma gravidade que ou não sei como classificar.
Vejo que o Sr. Ministro da Agricultura sorri.
Se êsse telegrama existe, repito, é grave; mas estou certo de que1 não foi S. Exa. quem o mandou expedir, nem autorizou a sua expedição.
Mas o que se torna necessário é averiguar a veracidade da informação.
Em matéria de trigos e do pão vivemos em absoluta anarquia!
Basta apenas um decreto pela pasta da Agricultura para revogar, tudo quanto existe em matéria cerealífera.
Ora, quando o Poder Executivo é o primeiro a não cumprir as leis do Parlamento quem é que as há-de cumprir?
A portaria n.° 4:149, estipulando vários preços, foi posta de parte, e amanhã, quando se tiver de fixar o preço do trigo nacional, a lavoura não semeia nem mais um bago de trigo.
O Govêrno devia ter todo o cuidado em manter o preço da tabela, mas alterou-o de facto.
Apoiados.
A lavoura está hoje sobrecarregada com impostos pesadíssimos, e com a mão de obra.
Sussurro.
O Orador: - De facto vejo que a Câmara se não interessa pelo assunto que estou tratando, e até estranho que o Sr. Presidente do Ministério, ao tratar-se desta questão, nos tivesse dito irritadíssimo: "Vamos trabalhar".
O que será que S. Exa. entende por trabalho?
Parece-me que assuntos desta natureza é que devem ser aqui tratados, de modo a ficarem esclarecidos e não afectarem a economia nacional, como êste afecta.
O decreto representa um prejuízo para o Estado do mais de 22:000 contos, (Apoiados), isto para um apoio ao Govêrno, do que não lhe dou os parabéns.
Esqueceu-se o Govêrno de fazer uma tabela que compense a lavoura dos esfôrços que tem empregado. Fez mal e muito mal, porque eu estou convencido de que na próxima colheita o preço não compensar á o esfôrço da lavoura, e esta, em vez de progredir, fará desaparecer a cultura cerealífera.
Tenho dito.
O orador foi muito cumprimentado.
O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.
Foi lida e admitida na Mesa, ficando em discussão, a moção do Sr. Sousa da Câmara que é a seguinte:
Moção
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que as medidas adoptadas, para o barateamento do pão, não satisfazem ao fim económico em vista e apenas prejudicam a lavoura, as respectivas indústrias e o próprio Estado, passa à ordem do dia. - Manuel de Sousa da Câmara.
O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: tendo ouvido as considerações dos ilustres Deputados que têm tomado parte na discussão, sou eu o primeiro a fazer justiça às intenções do Sr. Ministro da Agricultura, pois S. Exa. é uma pessoa muito estudiosa e cuja sinceridade se impõe à consideração do toda a gente.
Tenho ouvido dizer que o Sr. Ministro da Agricultura não tem responsabilidade neste decreto; devo, sinceramente, dizer à Câmara que não concordo com êsse modo de ver.
Li, há dias, uma entrevista que S. Exa. concedeu a um jornal de Lisboa e verifi-
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quei que S. Exa. não está do acordo com a política dêste Ministério, principalmente nesta matéria, porquanto S. Exa. diz que preferia abandonar a sua pasta a estabelecer o regime do "pão político". Isto quero dizer que haveria no Ministério quem quisesse impor o regime do "pão político".
Nesta matéria devemos confessar que a política republicana tem sido verdadeiramente criminosa, porque, pegando na lei de 1899, virou a do avesso, e assim, quando o trigo exótico estava a um preço de mercado, o trigo nacional era elevado, e hoje sucede o contrário.
A política, que se tem feito é de enganar o povo com o pão, como o enganaram com o bacalhau e com a agravante do prejuízo para o Estado.
Trocam-se àpartes.
Mas o certo é que, lido o relatório, quando se vão ler os diferentes artigos da proposta de lei, não se encontra nunca a efectivação dêsses princípios ali apregoados, e assim o trigo nacional até há corça de ano e meio teve sempre, ou quási sempre, um preço inferior àquele que o trigo exótico tinha, pôsto em Lisboa.
Durante um ano alterou se essa orientação, e os efeitos salutares da mesma fizeram-se logo sentir no aumento de produção do trigo nacional.
Nesse caminho se vinha seguindo o nesse caminho seguiu o Sr. Tôrres Garcia, quando Ministro da Agricultura, por quanto S. Exa. n, que nos parecia por vezes tam arrebatado nesta Câmara, na gerência da sua pasta seguiu a verdadeira orientação, procurando não afastar se dos princípios da lei de 1899; e assim tinha S. Exa. estabelecido que o preço do trigo nacional (e não tinha estabelecido demais) sei ia, para o pêso especifico de 78, de ls$80 por cada quilograma.
Está a ver-se - e os factos comprovam-no - que S. Exa. não tinha estabelecido um preço excessivo, pelo contrário até talvez, dentro em pouco, teremos de concluir que êsse preço ainda era baixo.
E porque a base do preço do trigo é a da farinha, e porque a desta é a do p "ao, mio se podia deminuir o preço do pão, ou, a querer deminuir-se, tinha de se entrar no regime do "pão político".
O que estava, pois, aconselhado? Podia, quando muito, o Sr. Ministro da Agricultura, satisfazendo sempre os interêsses da agricultura nacional, ter restringido, sim, o consumo do trigo nacional para a província, reservando-o para Lisboa e Pôrto, o à custa porventura do imposto diferencial fazer com que não aumentasse o preço do trigo.
O que é certo é que, em primeiro lugar, se tornava necessário respeitarem-se as normas legais, não podendo os preços do pão ou das farinhas estar à mercê no arbítrio de qualquer Ministro, por mais respeitável que seja, e, pessoalmente, O Sr. Ministro da Agricultura é uma individualidade que me merece o maior respeito.
Assim, eu desejava que S. Exas., quando respondesse aos Srs. Deputados que o tem interpelado, fizesse o favor de me dizer qual foi a disposição legal em que se baseou para modificar, de acordo com a moagem, o preço da farinha do primeira para 2$600 e o da farinha de segunda para 2$, quando, pela sua portaria n.º 4:330 e do harmonia com a doutrina do decreto n.° .10:881, tinha estabelecido os preços de, respectivamente, 2$40 e 1$70. Qual foi o diploma legal em que S. Exa. encontrou autorização para assim proceder? Êste é o primeiro ponto.
O Govêrno, quando tomou conta do Poder, quis ter larga popularidade, e, então, quis baixar o preço do pão. Se o Sr. Ministro da Agricultura visse que, na verdade, as colações do trigo exótico baixavam, compreendia-se ainda que S. Exa., à custa da diferencial, como já disse há pouco, pudesse ir fazendo descer o preço do pão.
Mas S. Exa. via que o preço do trigo exótico estava Aumentando, ao ponto de o carregamento que está para chegar não poder ficar a menos de 333 xelins por tonelada, ou seja muito mais caro do que dantes.
Nestas condições, prova-se que o Govêrno, querendo dar ao público a impressão do que o prova ter sucessivas baixas de preço, e ainda de que a sua obra era contra os exploradores, contra os assambarcadores - e ou faço ao Sr. Ministro da Agricultura a justiça de acreditar que não foi sem grande dificuldade que o levaram para êsse caminho - o Govêrno não procedeu com sinceridade, o GovOrno procurou iludir o povo.
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Não querendo entrar; no regime do pão político, o que faz agora o Govêrno? Combina com a Moagem o aumento do preço da farinha, porque não pode deixar de combinar, e diz para si: - Mas, então, aumentando o preço da farinha, é claro que tenho do aumentar o prego do pão.
Isto, porém, não convém nada ao Govêrno porque - releve-me a Câmara a frase - vai escangalhar êste arranjinho da popularidade fácil em que nós andamos.
Nós queremos - e o Govêrno terá empregado até, naturalmente, êste nome trivial- nós queremos mostrar ao pé que somos Ministros, que estamos aqui para realizar uma obra popular, para promover o barateamento da vida.
E, então, como havemos de fazer isso, meu Deus?
Estou a ver a atrapalhação dos Srs. Ministros nessa altura.
Aparecem os donos das padarias e o Govêrno diz-lhes:
- Vocês têm de pagar a farinha mais cara.
- Pois, sim, mas, em tal caso, temos de aumentar o preço do pão.
- Não há dúvida. Vocês aumentam o preço do pão, fingindo que não aumentam.
- Mas como?
- Roubam no pêso ao consumidor, porque nós não fazemos fiscalização.
Eu desejava que o Sr. Ministro da Agricultura, na sua resposta, fizesse o favor de me dizer se isto é verdadeiro ou não, tanto mais quanto é certo que uma comissão de donos foi quem me informou de que S. Exa. lhes dissera que podiam diminuir 70 gramas em cada quilograma de pão.
Repito: isto foi-me afirmado por uma comissão de donos de padarias independentes.
S. Exa. dirá só é verdade ou não.
Sr. Presidente: um Govêrno que procede nestas condições, não cuida senão de enganar o País.
E deixe-me V. Exa. dizer uma cousa: uma pessoa estudiosa como o Sr. Ministro da Agricultura, uma pessoa sincera como S. Exa., uma pessoa que não tem andado nem quere andar metido em habilidades políticas, só certamente devido a fraqueza é que foi levado por êsse caminho.
S. Exa. devia ter chegado à conclusão do que está deslocado dentro de um Govêrno que adopta processos desta natureza.
Sr. Presidente: desejo eu e deseja êste lado da Câmara que a linguagem da verdade seja falada ao País.
São da República, sem dúvida, as responsabilidades da situação a que se chegou em matéria de regime cerealífero, como são dela as responsabilidades de tudo quanto se tem passado, para chegarmos à situação cambial em que nos encontramos.
O Sr. Francisco Cruz (interrompendo): - Restrinja um pouco mais as suas considerações! ...
O Orador: - Não as posso restringir, porque já muitas vezes dêste lado da Câmara temos querido tratar desta questão, o V. Exas., que têm uma minoria numerosa, e, portanto, podiam auxiliar-nos nas nossas reclamações, têm-nos abandonado, não dando até número preciso para o funcionamento da Câmara.
Somos os únicos que podemos falar neste assunto.
O Sr. Francisco Cruz (em àparte): - E nós.
O Orador: - Desculpe-me V. Exa., mas não.
O Sr. Francisco Cruz (em àparte): - V. Exa., que tem o culto da verdade, sabe que isso não é assim.
O Orador: - Peço desculpa a V. Exa., mas é.
O Parlamento não pode deixar de chamar a si a atribuição de legislar sôbre esta matéria, atribuição que, aliás, é exclusivamente sua nos termos da Constituição. Há dois anos que o Parlamento vem abdicando absolutamente de uma função que lhe pertence, não cumprindo assim os seus deveres para com aqueles que o elegeram, não zelando devidamente os interêsses do povo. Há dois anos que o Parlamento deixa que o Poder Execu-
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tivo, em decretos e portarias, legisle como quere e entende nesta matéria, e eu pregunto se pode chamar-se um regime democrático àquele que é representado por um Parlamento que por completo despreza tudo quanto se relê ré ao alimento mais necessário à vida de todas as classes. Por isso, ao enviar a minha moção para a Mesa, não me esquecido, num considerandum, dizer que a Câmara reivindica para si o direito de legislar sôbre êste assunto, como aliás sôbre todos, porque só ao Parlamento pertenço fazer leis. Ao Sr. Ministro da Agricultura, que, para felicidade de S. Exa., pouco tempo só conservará nesse lugar, porque já não são poucas as responsabilidades a que a sua fraqueza o tem deixado ficar ligado, eu pediria, se S. Exa. aí permanecesse, que voltássemos ao regime da lei do 1869, que deixasse S. Exa. de transigir com efeitos políticos, que olhasse a sério para os interêsses nacionais, que encarasse estos assuntos económicos com aquele cuidado o com aquela ponderação que são absolutamente indispensáveis, afastando-se dêste caminho do iludir o povo.
Trazia uma larga documentação do números para mostrar quais os diferentes lucros que tem tido a moagem, porque o que é certo é que a moagem está em condições muito diversas das padarias independentes. Conseguiu a moagem, com a influência extraordinária que tem tido dentro da República, neste conúbio em que com a República sempre tem vivido,
O Sr. Tôrres Garcia: - Não apoiado!
O Orador: - V. Exa. é uma das excepções a que ou já não ia referir.
Mas, Sr. Presidente, em três ou quatro meses, com constantes alterações, chegou a moagem a conseguir que nem diagrama fôsse estabelecido para a extracção do farinhas, conseguiu que não houvesse preço marcado para o pão, conseguiu tudo, absolutamente tudo quanto quis da República, e só por acaso não conseguia, também, ver realizada uma velha aspiração sua, que é a do dar cabo das padarias independentes, para ficar com o monopólio da panificação, em detrimento dos interêsses do consumidor e dos interêsses da lavoura.
Eu disse há pouco que era três meses de liberdade não se deviam fazer alterações nas percentagens das farinhas, de forma a que não só estabelecesse a diferença em que se encontra o trigo e o preço do pão, o que se tem feito é aumentar a taxa da moagem e deminuir a laxa da panificação, do que naturalmente resulta impossível a vida das padarias independentes.
Temos, por exemplo, o pilo do luxo que é fabricado pela grande moagem, porque as padarias independentes, geralmente situadas em bairros pobres, não têm consumidores do pão do luxo. Isto representa um encapotado favoritismo à moagem.
Eu não quero que o Sr. Ministro da Agricultura traga ao Parlamento urna proposta resolvendo o assunto - pois sei que a sua vida ministerial será breve - mas S. Exa. pode, desde já, dizer em que diploma se baseou para alterar o preço da farinha que representa agravamento do preço do pão.
Dito isto, creio ter demonstrado à Câmara que êste Govêrno, não obstante possuir no seu seio um homem ilustre na Agricultura, só tem causado prejuízos no País.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Foi lida na Mesa, e admitida, ficando fim discussão a moção do Sr. Carvalho da Silva que é do teor seguinte:
A Câmara, reconhecendo que os diplomas legislativos devem ter em vista as necessidades nacionais, e não efeitos políticos com que se pretendo iludir o país;
Reconhecendo que o arbítrio do Govêrno não pode substituir se às leis;
Reivindicando para o Congresso a atribuição, que privativamente lhe pertence, de fazer leis:
Constata que o Govêrno não tem respeitado estas normas fundamentais, e passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 5 de Fevereiro de 1925. - Artur Carvalho da Silva.
O Sr. Tôrres Garcia:- Sr. Presidente: em obediência às praxes regimentais, mando para a Mesa a seguinte moção:
A Câmara dos Deputados, considerando que os problemas respeitantes ao co-
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mércio de trigo e fixação de preço do pão devem ser resolvidos dentro dum critério consentâneo com um bom equilíbrio social e os legítimos interêsses da lavoura nacional, passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, 5 de Fevereiro de 1925. - A. A. Tôrres Garcia.
Sr. Presidente: desde há muito que eu tinha apresentado uma nota de interpelação ao Sr. Ministro da Agricultura. S. Exa. nunca se dignou declarar-se habilitado a responder a essa interpelação e por isso eu aproveito o ensejo para dizer, a respeito do assunto em debate, aquilo que entendo.
Na previsão de ser atendida a minha nota do interpelação, eu tinha-me documentado suficientemente; mas, como não resido em Lisboa e fui apanhado de surpresa por esta questão, não trouxe ossos documentos o vou servir-me apenas da minha memória - que costuma ser fiel - para atacar, não o Govêrno, mas o Sr. Ministro da Agricultura que, perante a Câmara e perante a Nação é o único responsável por tudo o que tem sido ultimamente legislado, do há dois meses para cá, pelo Ministério da Agricultura.
Hei-de ter recursos bastantes para mostrar à Câmara que a obra do Sr. Ministro da Agricultura é atrabiliária e constitui mesmo um crime contra os interêsses nacionais.
Sr. Presidente: quando, por uma imposição partidária, e por mais nada, eu fui feito Ministro da Agricultura - o que não passou dum mero incidente na minha vida - encontrei logo no primeiro momento, para resolver, a questão do preço do pão em Lisboa, e tive, nos termos da lei cerealífera que regia êste assunto, de determinar em portaria qual o preço por que devia ser pago o trigo nacional durante o corrente ano cerealífero, visto que era dêsse número que se teria do partir para fazer qualquer cousa de exequível.
A fixação do preço do pão pode considerar-se uma função imediata do preço do trigo.
O critério que adoptei, e não podia ser outro, foi o de colocar a produção portuguesa em condições de garantir num futuro próximo o consumo do país. Segui,
portanto, uma orientação proteccionista, o para isso foram ouvidos 153 sindicatos agrícolas, tendo sido fixado para o trigo nacional o preço de 1080, que era suficientemente remunerador.
O meu campo de acção estava cingido a dois limites para fixar o preço do pão: um, que era o preço atribuído, nas normas legais, ao trigo nacional; e outro, o preço variável do trigo exótico que tinha do importar, pois estava em face dum ano de escassa produção que me obrigava a realizar uma importação do trigo exótico que ia além de 200:000 toneladas.
Fazer, portanto, qualquer cousa acerca do preço do pão, sem considerar antes êstes dados, seria fazer obra no ar.
O preço que legalmente tinha atribuído ao trigo nacional, repito, era o de 1$80, e nossa data o trigo exótico custava cif Tejo 1$90 e 1$95.
Dentro dêstes limites fixei os primeiros preços do pão o os respectivos diagramas, levando a questão a Conselho de Ministros, onde me foi dito, é certo, que caminha, em voz de aumentar o preço do pão, deminuí-lo. Não me foi feita, porém, qualquer imposição, porque, se qualquer imposição me tivesse sido feita, eu, que era um anónimo que estava na pasta da Agricultura (Não apoiados), que não tinha as responsabilidades de doutrinação que tem o Sr. Ezequiel de Campos, ter-me-ia ido imediatamente embora.
De maneira que foram estabelecidos os preços do pão dentro destas bases que encontrei, as quais não podia modificar, por isso que não tinha lei para o fazer; mas, dentro das leis, deminuí ainda o preço do pão à custa da deminuição da taxa de moagem.
Foi essa taxa que se estabeleceu, a qual não podia ser inferior, pois a verdade é que, apesar de muita gente falar nos lucros fabulosos que a moagem auferia, o que é certo é que ela todos os dias pretendia e conseguia demonstrar, até certo ponto, o contrário, mostrando-nos o encarecimento dos combustíveis, da mão de obra, etc.
É facto que havia o trigo nacional, cujo preço era de 1$80 o quilograma, em casa do lavrador; porém, todos sabem muito bem as dificuldades que havia no transporte dêsse trigo, dificuldades essas que
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prejudicavam por completo os bons e normais processos do comercio dêste artigo.
Só depois do algum tempo é que consegui que esta situação se modificasse, tendo, no em tanto, e durante êsse, intervalo, de mandar vir trigo do estrangeiro, trigo êste cujo preço consegui que ficasse inferior ao nacional.
Nestas circunstancias, Sr. Presidente, entendi que era, na verdade, chegada a altura de o Govêrno se compensar dos milhares de contos que perdeu com o chamado "pão político"" o que, na verdade, mo pároco do todo o ponto justo, aproveitando-se dessa nova receita para de uma voz única se tratar a sério do problema agrário nacional.
As dificuldades eram grandes, mas a verdade é que governar para o povo é muitas vozes governar contra o povo. Não se lhe deve prometer nada que não esteja dentro das possibilidades das cousas,
Mas disso eu que surgia nesta altura, por uma justíssima cobrança do direito diferencial do trigo exótico, ocasião para aproveitar a sua receita no ataque ao problema agrário, que não é tam complexo ou dificultoso como se diz. Nós andamos em Portugal a dizer há tanto tempo que temos no exército centenas e milhares do oficiais sem terem soldados para instruir, sem terem material para movimentar, que temos um corpo do engenheiros civis que pouco ou nada faz por falta do recursos nus, por desleixo outros.
Então porque não havia de canalizar-se a actividade dêsses cidadãos para o ataque ao problema?
E por isso organizei ou nossa intenção humilde, pequena talvez, mas proveitosa, a comissão permanente dos estudos de cartas agrícolas.
Eu tenho uma educação essencialmente naturalista. Estudei as sciencias naturais em todos os ramos; estudei as matemáticas muito além dos elementos dos liceus; tive contacto com a análise superior. Não estou, pois, destituído dos elementos que prendem os homens ao positivismo das cousas,
Apoiados.
Eu estudei mesmo a psicologia obrigatoriamente nas escolas e tudo quanto, emfim, nos pode elucidar sôbre as condições de adaptabilidade do homem ao meio.
Mas tudo que só tem afirmado é teoria, é palavriado!
Eu procurei realizar, pôr em marcha, embora obscuramente, apagadamente, os problemas; e assim, a Portugal, por meu intermédio, veio alguém, com competência bastante, para os ver o estudar e lançar os primeiros trabalhos.
Instei também pelas receitas provenientes do fundo de fomento.
Mas tudo caiu! Tudo foi trabalho baldado, porque, se sobraça a pasta da Agricultura um homem inteligente é certo, que tem exortado o seu País para que trabalho e progrida, por fatalidade, não sei porque conjunto de circunstancias, o que tem feito é destruir, tanto mais que S. Exa. seria bem capaz não do a resolver por completo, mas, pelo menos, de lançar as primeiras pedras da obra grandiosa da restauração agrícola.
É por esta razão que eu ataco o Sr. Ministro da Agricultura.
S. Exa. deixou sair do seu Ministério uma arma, que era a única com que o Estado podia contar para mobilizar as energias boas que há nesse Ministério para a resolução do problema agrário.
Esto facto deve, por certo, calar profundamente na alma sonhadora do Sr. Ministro da Agricultura, porque êle, a sua hora, deve já ter sentido que a sua obra no Ministério a cuja frente se encontra está muito aquém do seu valimento e compromete altamente o seu nume.
Mas o Sr. Ministro da Agricultura, com a sua atitude, que não é do Govêrno, mas sim do S. Exa., porque os Ministros da República responde perante o Parlamento por si e pelos seus actos, comprometeu a exequibilidade do problema agrário, que ou, não de uma maneira completa o muito menos hiperbólica, mas de uma maneira humilde, de harmonia com a magreza dos nossos recursos, pretendi resolver.
Depois, comprometeu-se ainda mais naquele que fez, naquilo que promulgou sôbre a questão do preço do pão.
S. Exa., com a sua atitude, sem conhecimento das cousas, proferiu por diversas vezes várias frases contra a Moagem, para afinal lhe vir a dar, mais tarde, o mais corpulento e o mais rotundo dos perus que, de há três anos para cá, ela tem apanhado pelo Natal,
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O tempo das vacas gordas para a Moagem foi a época do pão político.
Apoiados.
Terminada ela, a Moagem entrou em decadência.
Apoiados.
E essa decadência foi não só industrial, mas também económica e financeira.
Eu não repetirei as palavras proferidas pelo Sr. Joaquim Ribeiro, numa entrevista que concedeu ao Diário de Lisboa, afirmando que a moagem estava falida, mas o que eu posso afirmar, em absoluto, é que ela, depois que acabou o chamado pão político, tem atravessado uma situação precária.
Quando fui Ministro da Agricultura, tive ocasião de verificar que os diagramas estabelecidos pelas diferentes portarias que eu tinha publicado não eram seguidos, e então entendi que devia melhorar a qualidade do pão do segunda, porque julgava nesse tempo, ingenuamente, que as classes trabalhadoras se abasteciam dêsse pão.
Porém, quando verifiquei que assim não era, tentei melhorar consideràvelmente o pão de segunda, para que êle entrasse no consumo dos "novos pobres", que são a classe média.
Apoiados.
Mas essa melhoria só podia ser alcançada à custa de um novo aumento de preço.
E, então, caiu Tróia, começando a haver dúvidas acerca do comportamento do Ministro da Agricultura para com a moagem. Mas esta própria desmentiu tais dúvidas.
Desta maneira e pela fôrça das circunstâncias, teve de se ir para a deminuição de preço, abandonando o critério da melhoria da qualidade.
Nessa altura recebi diversas reclamações da moagem de Lisboa e Pôrto, as quais se devem ainda encontrar no Ministério da Agricultura. Numa delas diz-se até que "tinham sido vítimas do muitos agravos, mas que nunca pensaram que pudessem vir a ser vítimas daquilo que eu lhes pretendia fazer".
A moagem do Pôrto reclamou, protestando e acabando por ameaçar o Ministro da Agricultura de que, se não lhe fosse dada qualquer compensação, recorreria aos tribunais pedindo indemnização por perdas e danos.
O delegado dos abastecimentos do Pôrto informou contrariamente aos fundamentos das reclamações, e eu indeferi.
Mas se êste facto levantou clamores, dum momento para o outro fez-se o silêncio.
As reclamações deixaram de produzir-se.
O Sr. Ministro da Agricultura sem lei deu a tal compensação a essa moagem, que me pediria a mim indemnização por perdas o danos, autorizando a importação do 14:000 toneladas do trigo exótico sem pagamento de diferencial.
São 0:600 contos entregues à moagem de Lisboa e Pôrto, isto à custa do material topográfico, que devia ser encomendado, e dos trabalhos agrícolas, aproveitamento dos baldios, e mobilização dos incultos, base de toda a doutrina e plano do engenheiro Ezequiel de Campos, completamente destruído pela moagem.
O que devia reverter a favor do Estado foi para a moagem.
Apoiados.
Mas, nos considerandos do decreto, diz-se que a moagem de Lisboa e Pôrto só deve moer trigo exótico porque o nacional viria sobrecarregado pelos transportes.
Mas, Sr. Presidente, o trigo nacional tinha de ir a Tomar, tinha de ir a Leiria, tinha de ir a Coimbra, tinha de ir a Viseu, tinha de ir a Aveiro, a S. Pedro do Sul, a Viana e a Bragança.
Para aí não havia encargo de transportes?
É necessário que o Sr. Ministro da Agricultura faça de nós uns autênticos imbecis!
O Sr. Ministro da Agricultura devia ter escrúpulos em dar essa compensação à moagem, sabendo, como sabe, que essa protecção era solicitada por elementos do Partido Republicano Português, do Pôrto.
Na comissão que veio do Pôrto, constituída por honestos industriais da especialidade, encontravam-se pessoas que pesam na política republicana, pertencentes a diversos partidos.
Esta circunstância deveria ser mais um motivo para que o Sr. Ministro da Agricultura tratasse com aquela comissão, apenas dentro daquilo que legalmente permitem os princípios republicanos. Entendo que se há tratamento severo em questões de princípios para os monár-
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quicos, essa rigidez devo ser ainda mais afinada para os elementos republicanos.
Apoiados.
Significo nestas palavras o desejo do que entre os republicanos se mantivesse aquela firmeza de princípios, aquela indefectibilidade, aquele fanatismo dos primeiros anos do cristianismo que era inexorável contra os que dentro da grei faziam actos contrários à essência das doutrinas.
Era, pois, Sr. Presidente, motivo para o Sr. Ministro da Agricultura ter o máximo melindre em ir para êsse campo.
Depois de praticados todos êstes actos que destruíram urna obra eminentemente republicana que vinha a ser feita de há dois anos e meio para cá, no Ministério da Agricultura, como essa compensação ainda não era bastante, durante algum tempo permitiu se à moagem que exportasse livremente para a província a farinha fabricada em Lisboa e Pôrto, produzida pelo trigo exótico que não havia pago direito diferencial.
Vara que não surgissem dificuldades, manteve-se o Comissariado dos Abastecimentos, quando a verdade é que o Sr. Ministro da Agricultura não tinha responsabilidade alguma na extinção daquele organismo, estando assim completamente livre de pressões feitas para o seu restabelecimento.
Vai cair-se outra vez naquela situação absolutamente contrária aos mais elementares preceitos da economia política e social.
Um àparte da bancada monárquica e que não se ouviu.
O Orador: - V. Exas. os monárquicos não entram cora as circunstâncias anormais porque a República tem passado desde 1914.
Apoiados.
É preciso que V. Exa., se lembrem de que sempre com honra temos saldado os nossos compromissos e, só não podemos resolver o problema melhor, é por inteiramente ser impossível.
O Ministério da Agricultura tem procedido sempre dentro da lei porque na República a lei é a norma suprema.
Fez se o rateio do trigo por todas as indústrias de panificação e viu-se qual o consumo de trigo em Lisboa e Pôrto e calculou-se que o esgotamento do trigo nacional estivesse feito até fins de Dezembro, o máximo até a primeira quinzena de Janeiro de 1925, ficando, a partir dessa data, o trigo exótico a fazer face as necessidades públicas.
Estaria cumprida, assim, a feição proteccionista da lei e achado o meio de baratear o pão pela fixação provisória do preço de 1$60 para efeitos da cobrança dos direitos diferenciais, mas só para êsse efeito.
Só não só comprar o trigo nacional a 1$80, como foi estabelecido, V. Exa. pode ter a certeza de que não há mais trigo em Portugal, pois ninguém enriquece com a cultura do trigo, porque deve acreditar-se que aqueles que a fazem operam simplesmente por patriotismo.
Hoje ninguém cultiva trigo para fazer fortuna.
O que só está fazendo agora nada beneficia o consumidor, prejudica as padarias independentes e favorece a moagem, cujo monopólio tanto se tem combatido.
Eu, quando estive no Ministério da Agricultura, fiz com que o Estado não perdesse, e pugnei sempre pelos interêsses do consumidor; mas V. Exas. sabem a especulação comercial que os alemães tem feito em trigos e quais foram as colheitas de trigo na Rússia e na Argentina.
Eu publiquei um decreto que obrigava o Ministério da Agricultura a submeter a uma comissão tudo que respeitasse ao comércio de trigos e assim defendia-me dos golpes que me quisessem dar.
Não estou aqui para afrontar a larga fama do actual Ministro da Agricultura, Sr. Ezequiel de Campos, mas para dizer apenas em que altura deixei a questão do trigo, quando larguei a pasta.
V. Exas. terão sempre em mim a verdade inteira.
Eu no decreto declarava o seguinte no artigo 3.°:
Leu.
Isto é, o Ministro podia, quando as condições o exigissem, permitir a importação livre de farinhas.
Assim agarrava uma corda com que podia estrangular qualquer pretensão da moagem.
Tiraria além disso um efeito moral com
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a minha determinação e assim colocava-me sempre numa certa superioridade para com a moagem, que, diga-se a verdade, sempre me tratou com as considerações que lhe eram impostas pela minha qualidade de Ministro.
Agora o que não compreendo é o que se está fazendo neste momento com as padarias independentes que sempre se têm pôsto ao lado dos Governos e da República.
Apodados.
Quem é que os Ministros da Agricultura têm encontrado a seu lado?
Sempre as padarias independentes.
Agora vai-se dar força à moagem na guerra que ela tem feito sempre às padarias independentes.
Dão-se todas as armas à moagem.
Nós temos a Manutenção Militar, que nos pode dar 200:000 quilogramas de farinha por dia e que pode fazer face a situações críticas.
Eu poderia ir muito mais longe, mas não o faço para não alongar mais o debate, e portanto só direi que vejo uma única solução para dar saída a esta situação, é aquela de 1914 a 1922.
É um ruim processo de governar o país e não será certamente o melhor meio de resolver o problema.
O orador não reviu.
Leu-se e foi admitida a moção do Sr. Tôrres Garcia.
O Sr. Amaral Reis: - Sr. Presidente: em harmonia com as disposições regimentais, envio para a Mesa a seguinte moção:
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o Govêrno defendeu os interêsses dos consumidores, barateando o pão, e confiada em que o mesmo Govêrno não permitirá que sejam alterados os diagramas da extracção das farinhas, as percentagens de panificação e os pesos legalmente estabelecidos para os diferentes tipos de pão, de que resulte ser o público prejudicado na sua qualidade e pêso, passa à ordem do dia.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 5 de Fevereiro de 1925.- Francisco Coelho do Amaral Reis.
Uma voz: - Essa só por troça!
O Orador: - Em resposta a um àparte que ouvi, tenho a declarar que nem pelo respeito que tenho pela Câmara, nem pelo respeito que me merece o Govêrno da República, nem pelo respeito que devo a mim próprio eu seria capaz de apresentar à Câmara qualquer moção que se parecesse com troça.
Apoiados.
Sr. Presidente: o Sr. Pedro Pita fez um ataque cerrado ao Govêrno a pretexto da falta de pão na cidade de Lisboa.
Dos outros lados da oposição fez-se a defesa da lavoura e da moagem (Não apoiados) (Apoiados) e da panificação.
Não apoiados.
Apoiados.
Eu, Sr. Presidente, reservo-me o papel de defender os consumidores, que somos nós todos.
Apoiados.
Sr. Presidente: diz-se que é necessário voltar ao regime de 1899. Não sou eu, e tenho-o sempre afirmado, que diga que não seja a êsse regime, que vigorou até 1914, que a lavoura cerealífera deva a sua prosperidade; mas o que é certo é que eu, explicando uma vez em Itália ao governador geral dos serviços de agricultura o que era o regime de 1899, êle, depois de me ouvir com toda a atenção, teve esta resposta verdadeiramente lapidar:
"Não sei que admirar mais, se tal regime, se o povo que o suporta"
A verdade, realmente, é esta: o regime de 1899 é uma série de habilidades inteligentíssimamente feitas.
O Sr. Cunha Leal: - É a diferença das de agora! Risos.
O Orador: - No regime de 1899 até 1914 foi importado trigo no valor de 47:000 contos, e para que o pão fôsse sempre caro o Estado cobrou dessa importância a quantia de 16:800 contos.
Quere dizer: foi preciso que o Estado fôsse arrancar ao consumidor cêrca de 17:000 contos para conservar sempre o pão o mais caro do mundo.
Eu afirmo na minha moção que o Govêrno procedeu bem na defesa dos inte-
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rêsses do consumidor quando barateou o pão, porque nessa altura todos os elementos eram indicativos do que o podia fazer.
Eu sei que estava estabelecido para o trigo nacional o preço do 1$80 por quilograma, mas também sei que, tendo-se feito uma chamada do trigo nacional, ela deu o seguinte resultado: foram manifestados 41-000:000 de quilogramas, mas dêste montante apenas 9.800:000 quilogramas foram manifestados pela lavoura. Ora afirma-se, dentro das possibilidades que têm afirmações desta natureza, que a produção dêste ano devo ter sido metade da produção do ano passado.
O Sr. Sousa da Câmara: - É mais.
O Orador: - Se é mais, ainda V. Exa. vem reforçar os argumentos que me levam a dizer que a lavoura, apesar do lhe ser dado um preço remunerador, sonegou muito trigo ao consumo.
Qual ora a situação em que o Govêrno tomou conta do Poder?
Unicamente esta: era nessa altura o preço do trigo exótico do 280 xelins a tonelada.
Afirma-se agora que se podia prever, então, uma alta de preço, Não sei como; a verdade é que todos os anos, o tanto foi assim que não se financiou, retardava-se sempre para mais tarde o financiamento do qualquer aquisição do trigo, porque a melhor época para a compra dos trigos é sempre a de Janeiro em diante, exactamente quando se pode contar com a colheita dos trigos da Argentina.
Foi sempre assim o teria sido, se circunstâncias absolutamente anormais não fizessem com que êsse trigo subisse do preço, pois que a Itália, a Alemanha o a França fizeram também grandes aquisições naquele Pais e, pior que tudo, formou-se um trust alemão que adquiriu a maior colheita dos trigos da Argentina.
Acusar-se, portanto, o Govêrno de falta de previsão, e um êrro. Se os governos fossem condenados por falta de previsão, neste momento estariam nas cadeias de todo o mundo os melhores estadistas.
A situação era a seguinte: o consumo do país, afirmava-se, é superior a 400 milhões de quilogramas de trigo; se o Govêrno quisesse ter em consideração toda a produção, o que era justo, porque a lavoura teria tido o dever de manifestar todo o seu trigo, porque o preço, aliás, era mais do que remunerador, havia um déficit de 250.000:000 de quilogramas.
O Sr. Brito Camacho: - Eu sou um lavrador modesto, lavrador de cão à porta, como se diz no Alentejo. Tenho notado que tem sucedido sempre isto: quere manifesta o seu trigo é roubado.
Apoiados.
O Orador: - Isso foi sempre assim desde 99.
Não estou aqui a fazer a defesa do Sr. Ministro da Agricultura; S. Exa. é um erudito, uma pessoa cheia de talento o um conhecedor de todas as cousaa do nosso País, desde D. Afonso Henriques até a data; não tenho, pois, a veleidade de o defender, mas, se hoje apoio o Govêrno, não significa isso que amanhã proceda de igual modo.
O Sr. Cunha Leal (em àparte): É um apoio de ida o volta!
Risos.
O Orador: - O Govêrno tinha de fazer uma, importação de 250 milhões de quilogramas do trigo, Neste ponto é que não há erudição que possa desmentir a verdade dos factos.
A lei de 1899 tinha o manifesto no prazo de quatro meses e em Novembro tinha uma chamada de trigo nacional, o essa chamada era repartida por duodécimos, e assim o consumo de trigo nacional ia até quási a próxima colheita, o que não impedia o fixar-se o preço do pão.
Não vou meter-me no labirinto dos diagramas, porque êsse processo tem sido seguido por muitos estadistas que não têm resolvido o problema.
Eu pregunto a V. Exa. se alguém está convencido de que, com os sucessivos decretos publicados, a moagem não tem ganho mais.
Eu, muitas vezes, pregunto a mim próprio se muitos dos decretos publicados não teriam sido elaborados pela própria moagem.
Sr. Presidente: não quero alargar mais as minhas considerações, porque creio
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que a minha moção está absolutamente defendida.
Digo na minha moção que confio no Govêrno, e que não quero alterados por forma nenhuma o diagrama e as percentagens do panificação estabelecidos na lei.
O Sr. João Luís Ricardo (interrompendo):- Mas isso está alterado. Vende-se pão sem poso.
O Orador: - Eu digo que confio.
O Sr. João Luís Ricardo (interrompendo). - Mas o Sr. Ministro da Agricultura, segundo já se disse nesta Câmara, autorizou r. que só roubasse 35 gramas.
O Orador: - Mas eu desejo que a Câmara afirme que não queremos ser roubados.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo). - V. Exa. dá-me licença? Eu tenho um alvitro que mo parece harmonizar a moção de V. Exa. com a realidade.
O que diz a moção? Que não falte o pêso.
O que diz a realidade? Que falta o pêso.
Por outro lado, sabe-se que mantendo o preço actual do pão, êle não pode ter o pêso devido.
Portanto, é autorizar que se meta uma pedrinha dentro do pão a fim de êle ter o respectivo pêso.
Risos.
O Orador: - Se, de facto, o pão não se pode vender pelo preço actual, esclareça-se a opinião pública. A opinião pública está constantemente sendo por nós próprios, não direi ludibriada, mas iludida.
Eu nunca fui capaz de compreender como se há-de produzir pão barato com o trigo caro.
Apoiados.
Sr. Presidente: o debato vai longo e uma questão desta natureza não é de confiança ou desconfiança ao Govêrno, mas uma questão económica. Julgo ter dito o preciso para defender a minha moção.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: -Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Amaral Reis.
Foi lida e admitida.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.
O Sr. Ministro da Agricultura (Ezequiel de Campos): - Se V. Exa. me permite, visto faltar muito pouco tempo para o encerramento da sessão, começarei amanhã o meu discurso.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, às 14 horas, com a seguinte ordem dos trabalhos.
Antes da ordem do dia:
Parecer n.° 843, que substitui a tabela do imposto do sêlo.
Parecer n.° 848, que manda continuar em vigor o artigo 2.° da lei n.° 1:722, do 1 de Janeiro de 1920, na parte que respeita ao Congresso.
Parecer n.° 802, que cria a freguesia do Silveira, concelho do Tôrres Vedras.
Parecer n.° 841, sôbre a execução do decreto n.° 6:704, de 15 de Julho de 1920.
Parecer n.° 196, que cria o Montepio dos Sargentos de Terra o Mar.
Parecer n.° 124, que regula a admissão do sargentos a empregos públicos.
Parecer n.° 743, que fixa a forma de recrutamento dos amanuenses da Direcção Geral Militar do Ministério das Colónias.
Ordem do dia:
Negócio urgente do Sr. Pedro Pita sôbre a falta do pão em Lisboa o consequências dessa falta.
Negócio urgente do Sr. Cunha Leal sôbre a publicação do decreto n.° 10:497, que altera diferentes artigos da pauta dos direitos de importação.
Parecer n.° 783. que anula os decretos n.ºs 9:354 e 9:763 e suspende a execução do decreto n.° 9:677.
Parecer n.° 639, sôbre construção e exploração de um arsenal naval na Margueira.
Parecer n.° 645-C, orçamento do Ministério da Instrução.
Parecer n.° 760, que isenta de direitos os materiais para caminhos de ferro eléctricos.
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Parecer n.° 696, que cria a freguesia de Moitas-Venda, concelho do Alcanena.
Parecer n.° 633, que autoriza a Janta de Freguesia de Alpendurada e Matos a vender certos bens.
Parecer n.° 799, que cria na freguesia de Barcarona uma assemblea eleitoral.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.° 760-A, que autoriza a Junta da Freguesia de Leça da Palmira a lançar 100 por cento sôbre as contribuições do Estado, para ampliação do novo cemitério.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.° 690-B, que cede á Câmara Municipal de Estremoz a parte restante do designados prédios militares.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.° 678-E, que eleva a 5.000.000$ o fundo permanente para fardamento da guarda nacional republicana.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre as alterações do Senado ao parecer n.° 583, que concedo a pensão mensal de 100$, melhorada nos termos da lei n.° 1:355, à actriz Angela Pinto.
Aguarde que seja dado para ordem do dia.
Da comissão do negócios eclesiásticos, sôbre o n.° 830-D, que cede à Junta de Freguesia de Freamunde, concelho de Paços de Ferreira, o passal da mesma freguesia e outros terrenos.
Para a comissão de saúde e assistência públicas.
Da comissão de finanças, sôbre o n.° 338-F, que cedo à Junta Gorai do distrito de Leiria a parte rústica e urbana do edifício que foi convento do franciscanos, sito à Portela de Leiria, para um asilo.
Imprima-se.
Da comissão do administração pública, sôbre o n.° 76G-B, que autoriza a Câmara Municipal de Leiria a elevar a percentagem tributária sôbre as contribuições do Estado até 120 por cento, para encargos e caução n um empréstimo não inferior a 1:000 contos, para construção de um mercado.
Para a comissão de faianças,
Renovação de iniciativa Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 121-A, de 1914, publicado no Diário do Govêrno n.° 88, de 16 de Abril de 1914.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, em 5 de Fevereiro de 1925. - João de Ornelas da Silva.
Junte-se ao processo e envie-se à comissão de petições.
Requerimentos
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, me seja fornecida cópia do telegrama enviado na semana passada pelo Sr. Ministro da Agricultura, ou por alguém de seu mandado, ao chefe de gabinete do mesmo Ministro, que se encontrava no Pôrto, sôbre fiscalização do pão.
Tenho a maior urgência nesta cópia, pois desejo, com ela, comprovar afirmações que fiz nesta Câmara.
Em 5 do Fevereiro de 1925, - Pedro Pita.
Requeiro que me seja fornecida, cora urgência, pela Ministério dos Negócios Estrangeiros, cópia do processo da sindicância feita ao Sr. Veiga Simões,, Ministro em Berlim, ou, de preferência ainda, que se oficio ao titular daquela pasta preguntando-lhe se me autoriza a ir à repartição competente examinar o mesmo processo.
Em 5 de Fevereiro de 1925. - Morais Carvalho.
Expeça-se.
Por ferem ainda com inxactidões, novamente se publicam os seguintes requerimentos do Sr. Pires Monteiro:
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me sejam enviados os documentos seguintes:
1.° Número do oficiais do activo, por
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armas e postos, que se encontrem colocados nas unidades e, da mesma maneira, indicação dos que se encontram noutras comissões de serviço, em disponibilidade e de licença ilimitada;
2.° Número de oficiais do activo, por quadros e postos, discriminando os que se encontram no Ministério da Guerra, no Ministério do Interior, no Ministério das Finanças, no Ministério das Colónias e em outros Ministérios;
3.° Número de oficiais de reserva ou reformados, por postos, que se encontram em serviço efectivo do Ministério pá Guerra;
4.° Número de oficiais milicianos, por quadros e postos, que se encontram em serviço efectivo do Ministério da Guerra;
5.° Número de oficiais que se encontram em serviço na Secretaria da Guerra (quatro direcções gerais) por repartições, discriminando os oficiais do activo, de reserva e reformados, por postos; número de sargentos nas mesmas condições;
6.° Número de oficiais que se encontram em serviço no Estado Maior de Exército (duas direcções), por anos e serviços;
7.° Número do oficiais, por postos, que se encontram em serviços nas diferentes comissões superiores e comissões técnicas, por cada comissão;
8.° Número dos sargentos dos quadros activos, por graduações, que se encontram em serviço efectivo, indicando os que estão em serviço nas tropas e outras situações;
9.° Número total de sargentos, por quadros s graduações, tanto permanentes como milicianos, discriminando uns e outros;
10.° Número de sargentos, por anos lectivos, que se têm matriculado na Escola Preparatória de Oficiais do Secretariado Militar e dos que têm concluído o curso; o mesmo número total por idades;
11.° Número de primeiros sargentos e segundos sargentos, cadetes, indicando o número dos que estão matriculados nos diferentes cursos.
É como relator do orçamento do Ministério da Guerra que faço êste requerimento, pedindo a maior urgência na sua satisfação, bem como a informação imediata do tempo provável que demorará a elaboração dos mapas pedidos. - Henrique Pires Monteiro.
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me sejam enviados com a possível urgência os seguintes documentos:
1.° Número de operários civis em serviço nos diferentes estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra (Arsenal do Exército, Manutenção Militar, Depósito Central de Fardamentos e Parque de Automóveis Militar).
2.° Número de recrutas encorporados nas diferentes especialidades (annas e serviços), desde a vigência da lei de 2 de Março de 1911, em cada ano.
4 de Fevereiro de 1925. - Henrique Pires Monteiro.
Mandou-se expedir.
O REDACTOR - Avelino de Almeida.