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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 27

EM 6 DE FEVEREIRO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva

Sumário. - Abre a sessão com a presença de 58 Srs. Deputados. É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental. Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - Continuo a discussão, na especialidade, do parecer n.° 843, selagem.

Usam da palavra os Srs. Hermano de Medeiros e Alberto Jordão, ficando êste com a palavra reservada.

Ordem do dia. - O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior) manda para a Mesa uma proposta de lei autorizando o Govêrno a acordar com o Banco de Portugal a organização do maneio cambial. Pede a urgência, de forma a discutir-se no dia 9 o parecer da respectiva comissão.

Consultada a Câmara sôbre o referido requerimento, usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Cunha Leal, Vitorino Guimarães, Pedro Pita, Sá Cardoso, Ministro das Finanças (Pestana Júnior), Joaquim Ribeiro e Presidente do Ministério (José Domingues dos Santos).

O Sr. Pedro Pita requere, e é aprovado, que o requerimento do Sr. Ministro das Finanças seja devidido em duas partes: primeiro, urgência; segundo, dispensa do Regimento.

É aprovada a urgência.

Sôbre a dispensa do Regimento, o Sr. Pedro Pita requere votação nominal, procedendo à chamada, que terminou pela aprovação da mesma dispensa por 81 votos contra 34.

Apresentam negócios urgentes sôbre a dissolução da Associação Comercial de Lisboa os Srs. Cunha Leal e Carvalho da Silva, sendo o primeiro rejeitado e ficando prejudicado o segundo.

É autorizada a comissão de Finanças a reünir durante os trabalhos da sessão.

Continua em discussão o negócio urgente do Sr. Pedro Pita sôbre o preço e falta do pão, usando da palavra o Sr. Ministro da Agricultura (Ezequiel de Campos).

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Morais Carvalho protesta contra a dissolução da Associação Comercial de Lisboa.

Responde o Sr. Presidente do Ministério (José Domingues dos Santos), que também responde ao Sr. Carvalho da Silva, que trata do mesmo assunto.

O Sr. Manuel Fragoso reclama obras para as estradas do País, especificando Arraiolos.

Responde o Sr. Ministro do Comércio (Plinio Silva).

Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia 9.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Substituição em comissão -Nota de interpelação - Projecto de lei - Proposta de lei - Requerimento.

Abertura da sessão, às 15 horas e 17 minutos.

Presentes à chamada, 58 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 72 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Germano José de Amorim.
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Salema.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Leonardo José Coimbra.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Viriato Gomos da Fonseca.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Alvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.

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José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Afonso Augusto da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Mendonça.
António de Sousa Maia.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Jaime Duarte Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Jorge de Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vergílio da Conceição Costa.

Pelas 15 horas e 10 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 58 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Requerimento

De António Miguel, ex-segundo sargento de artilharia 1, pedindo lhe sejam concedidas as regalias do decreto de 15 de Dezembro de 1910, a que se julga com direito, conforme os documentos que apresenta.

Para a comissão de guerra.

Telegramas

Da Câmara Municipal de Lagoa (Açôres), Nordeste e Vila Franca do Campo, contra o projecto de lei sôbre tabacos.

Para a Secretaria.

Da classe dos barbeiros de Lagos pedindo isenção do imposto de transacção.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a alínea b) do artigo 3.° do parecer n.° 843 - selagem.

Tem a palavra o Sr. Hermano de Medeiros.

O Sr. Hermano de Medeiros: - Sr. Presidente: eu não posso falar alto, estou constipado, com a minha voz rouca e, por isso, peço silêncio.

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O Sr. Presidente: - Eu serei forçado a interromper a sessão se não cessar êste sussurro.

Pausa.

Restabelece-se o silêncio.

O Sr. Presidente: - Pode V. Exa. continuar no uso da palavra.

O Orador: - Era minha intenção entrar na discussão desta proposta, antes mesmo de ter ouvido as considerações que sôbre ela fizeram o Sr. Nuno Simões e o meu patrício e amigo, Sr. Jaime de Sousa, Deputado por S. Miguel, que, sob o ponto de vista regional, que é sagrado, puseram muito bem esta questão.

Acêrca de águas minerais e de mesa muito há que dizer, e acho que a proposta veio mal elaborada.

Havendo em Lisboa um Instituto de Hidrologia; porque se não classificaram ali as águas em minerais e de mesa?

Repito, mal avisado andou quem, elaborando a proposta nas condições em que ela se encontra, não consultou quem de direito.

Sr. Presidente: eu não quero que me acusem de má vontade contra o projecto, mas eu não sei o que é aprender hidrologia numa casa da Avenida da Liberdade.

Em todo o caso é um Instituto criado pelo Estado para ensinar médicos a tratar do assunto. E por isso eu me admiro de que quem elaborou a proposta não tivesse consultado essa instância oficial.

Se assim se tivesse feito, já não havia necessidade de estarmos agora a dizer aqui o que são águas minerais e de mesa.

E, nestas minhas palavras, não há a menor desconsideração para o Sr. Ministro das Finanças, nem para a respectiva comissão, querendo elas significar apenas que, devido ao hábito que há de fazer tudo de repente, não pensaram na gravidade do assunto.

Desde o momento que o Instituto tivesse classificado as águas devidamente, e essa era a sua função, já não havia necessidade de virmos para aqui dizer ao Sr. Ministro das Finanças o que são águas de mesa e minerais. E então a proposta passava sem mais demoras, porque bastava olhar para o relatório do Instituto.

Sr. Presidente: as considerações do Sr. Nuno Simões são de aceitar, e eu
digo como o meu amigo Jaime de Sousa, que não daremos o voto nem ao projecto da comissão, nem à proposta do Sr. Ministro. Eu voto a emenda do Sr. Nuno Simões.

Assim fica o caso arrumado.

O Sr. Ministro das Finanças é uma pessoa inteligente (Apoiados); é mesmo muito inteligente.

Apoiados.

Mas S. Exa. não se deu no cuidado de estudar a mineralização das águas, que aliás era cousa facílima: bastava pegar num vulgar dicionário.

A mineralização pode ser comum, o V. Exa. sabe que o coeficiente principal é sempre o bicarbonato de sódio, mas há águas que são cloretadas, sulfatadas e te-mos mais ainda outras designações.

O caso que me interessa, particularmente são as águas das Lombadas.

Temos nós as águas de Vidago, sendo uma delas muito mineralizada e a outra pode considerar-se simples água de mesa.

A água das Lombadas é o perfeito tipo de água de mesa; a sua mineralização é de décimas de miligramas de sódio, que é o mais vulgar.

É muito fácil fazer uma classificação capaz, e, se ela tivesse sido feita, não teríamos neste momento de fazer largas considerações.

Mas eu não venho trazer conhecimentos novos à Câmara, tanto mais que não sou hidrologista.

Há um instituto de hidrologia criado pela República.

O Sr. Francisco Cruz (em àparte) - Casa de ferreiro, espêto de pau.

O Orador: - Ora, Sr. Presidente, quere-me parecer que da acção do Sr. Ministro, bem como do Parlamento, pode sair uma cousa perfeita, desde que V. Exa., Sr. Ministro, aguarde o parecer do Instituto de Hidrologia, com a respectiva classificação de águas.

Então, teremos uma cousa decente sôbre que lançar a contribuição.

Mas o problema tem ainda um outro aspecto.

Lembra-se V. Exa., Sr. Presidente, que de vez em quando, não em períodos certos mas de dois em dois ou de três em três anos, do Ministério do Trabalho vêm

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à Câmara pedir reforços de verba e verbas especiais para fazer face às epidemias de febre tifóide, que costuma assolar principalmente Lisboa e Pôrto.

Não ignoram V. Exas. que as águas de Lisboa estão inquinadas de bacilos de febre tifóide, e que nos restaurantes não se serve outra água, desde que as águas de mesa sejam tributadas.

Porque é que os Governos da República, que de anos a anos gastam somas consideráveis no combate das epidemias de febre tifóide, não procuram antes beneficiar as águas de Lisboa, especialmente as canalizações?

Como a Câmara vê, é um cancro que nos corrói constantemente.

Sr. Presidente: é êste o meu modo de sentir, e tenho pena de me encontrar doente e impossibilidado de falar por muito tempo, porque cousas interessantes havia ainda a dizer.

É necessário, pois, Sr. Presidente, que se faça uma classificação scientífica, e não por palpite.

Não voto a doutrina expressa na alínea b), nem a doutrina da comissão de finanças, nem a do Sr. Ministro das Finanças.

Dito isto, faço votos para que o Sr. Ministro das Finanças, pensando melhor, aguarde a discussão desta proposta de lei, fazendo vir ao nosso conhecimento - já disse que não sou mineralogista - uma classificação capaz das águas, com o seu grau mineral, e nós então, por êsse critério, não teremos dúvida em tributar aquelas das águas que devem ser tributadas.

Posso citar as águas de Melgaço, Curia e Pedras Salgadas, que são medicinais.

São águas de mesa as águas do Luso e as águas das Lombadas, que são as mais perfeitas.

Estas águas foram analisadas pelo professor Ferreira da Silva, do Pôrto.

Não tive tempo para procurar o resultado dessa análise, mas, segundo um dêsses analistas, o Sr. Ferreira da Silva, falecido há pouco tempo, as águas das Lombadas são o tipo mais perfeito de água de mesa.

Não é o meu regionalismo ou patriotismo que me leva a dizer estas palavras.

Essa afirmação foi feita pelo distinto analista Sr. Ferreira da Silva.

O meu voto é para que a questão se resolva com critério e segurança, sem atropêlo de ninguém.

Se essas águas forem injustamente tributadas, não poderão suportar o imposto, e essa indústria pode desaparecer de um momento para o outro.

Ora esta circunstância é muito para considerar.

Posso afirmar, no que diz respeito à minha região, que será um golpe valente vibrado nessa indústria.

Devo dizer que os Açôres tem procurado constantemente fixar o trabalhador ao solo.

O Sr. Jaime de Sousa sabe que antigamente se cultivou nos Açôres em larga escala a laranjeira.

Os Açôres exportavam laranjas para todo o mundo.

Essa cultura constituía uma fonte de riqueza para os Açôres.

Para essa exportação, por falta de protecção dos homens que se sentam nas cadeiras do Poder, perdeu-se.

É que às vezes os homens do Poder nem sequer sabem geografia.

Risos.

Vozes: - Oh!Oh!

O Orador: - Não falo nos presentes. Os presentes são sempre exceptuados.

Os cavalheiros que ocupam às vezes as cadeiras do Poder fazem cousas exquisi-tas.

Deixámos perder a exportação da laranja, suplantada pela laranja espanhola.

Uma voz: - Foi no tempo do Sr. Hintze Ribeiro.

O Sr. Velhinho Correia: - A razão por que se perdeu a exportação da laranja dos Açôres e do continente foi a falta de conhecimentos técnicos da parte daqueles que exportavam e que mandavam a laranja para os mercados em condições de não poder concorrer com a laranja espanhola.

Tenho dêsse assunto um largo estudo; sou viajado e vi com o meus olhos, com o amor e carinho com que cuido das cousas portuguesas, que da parte dos cultivadores não havia os necessários conhecimentos.

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Os cultivadores espanhóis sabiam preparar a laranja, e portanto a laranja espanhola bateu a laranja portuguesa em toda a parte.

O Orador: - Há dez anos exportávamos fruta para o Brasil, quando lá me encontrava.

A consumidora da nossa fruta era a colónia portuguesa, embora no Brasil haja deliciosas frutas.

Quando lá chegava a fruta, e chegava o peixe que ia de Portugal, não havia português, por mais humilde, que não comprasse fruta, como uma laranja, ou cerejas, que tam agradáveis são ao paladar.

Pois sabem o que aconteceu?

Por falta de inteligência dos nossos representantes, ou por qualquer outra circunstância, as nossas frutas desapareceram dos mercados brasileiros.

Já não exportamos fruta para o Brasil!

O Sr. Joaquim Narciso: - A embalagem é que é defeituosa.

O Orador: - Aqui todos falam, embora só o Sr. Ministro das Finanças me devesse interromper.

Riso.

O Sr. Alberto Cruz: - A Câmara está ouvindo V. Exa. com interêsse.

Toda a lavoura escuta o Sr. Deputado com interêsse,

O Orador: - Agradeço as palavras do Sr. Alberto Cruz.

Eu insisto no ponto de vista de que é necessário que o Sr. Ministro suspenda a discussão desta proposta, porque tributar essas águas de mesa é fazê-las desaparecer do mercado.

O Sr. Velhinho Correia: - Foram dirigidas a vários Parlamentares algumas reclamações das mais importantes emprêsas de águas de mesa, queixando-se de que os revendedores cobravam em relação ao preço dessas águas 60 por cento a mais.

É uma especulação a que é necessário pôr côbro, e isso só se evitaria tributando os revendedores.

O Orador: - O Sr. Velhinho Correia nasceu com o sêlo metido em qualquer parte do corpo (Risos), e agora até pretende selar as águas.

Sr. Presidente: terminando as minhas considerações, eu aconselho ao Sr. Ministro das Finanças que suspenda a discussão desta proposta de lei, até que o Instituto de Hidrologia classifique e dê o seu parecer acêrca das várias águas, para, sôbre êste parecer se proceder justa e equitativamente.

Tudo o que não fôr isto, é um palpite e só traduz incompetência, como incompetente é o Sr. Velhinho Correia neste assunto.

Tenho dito.

O orador não reviu, nem os "àpartes" foram revistos pelos oradores que os fizeram.

O Sr. Alberto Jordão: - Sr. Presidente: êste assunto das àguas minerais já tem sido largamente discutido, e convencido eu estou de que todas as pessoas que nesta casa do Parlamento têm o seu lugar por direito se encontram absolutamente determinadas neste ou naquele sentido, depois dos vários argumentos aqui aduzidos.

Não tenho, portanto, a pretensão de convencer quem quer que seja; mas simplesmente pretendo aduzir o que penso sôbre o assunto.

A propósito da alínea b) em discussão fizeram-se várias referências ao Sr. Ministro das Finanças, referências que foram, como já se tornou hábito nesta Câmara, as mais encomiásticas e elogiosas para S. Exa.

Que o Sr. Ministro das Finanças é uma pessoa inteligente dizem-no todos; e eu, porque não gosto de me associar assim sem mais nem menos às outras pessoas, não digo o mesmo.

S. Exa. em matéria de finanças é o que é, e ninguém lhe dá nem lhe tira nada do que êle é por afirmar ou não que S. Exa. é inteligente.

Mas, quando mesmo se dêsse o caso do Sr. Ministro das Finanças não ser uma pessoa inteligente, a estas horas S. Exa. devia estar convencido de que o é de facto, por isso que os "bonzos" e os "canhotos", os que não são nem peixe nem carne, os independentes, etc., etc., têm afinado todos pelo mesmo diapasão.

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Mas, para se dirigir os negócios públicos não basta ser inteligente: é preciso também ter ponderação, conhecimento dos homens e das cousas e do meio para o qual se legisla.

Não me importa, portanto, absolutamente nada que o Sr. Ministro das Finanças fôsse guindado às altas culminâncias da inteligência.

O que me importa é saber que S. Exa., sendo inteligente, no emtanto, pela maneira como tem agido no seu Ministério e na argumentação referente ao assunto que se discute, não tem demonstrado ser de facto êsse estadista extraordinário, que muitos dos oradores desejam e pretendem.

Mas, Sr. Presidente, eu não pretendo de maneira nenhuma amesquinhar o Sr. Ministro das Finanças; longe de mim semelhante idea.

Mas tenho por hábito falar claro, e assim não podia iniciar as minhas conside- rações, sem as fazer desta maneira.

Eu sei que a matéria que estamos a discutir se presta a comentários largos; que ela se presta a divagações diversas, muito principalmente se compararmos a designação desta alínea b), que estamos discutindo, com a designação que vem no diploma de 1919.

O que se vê, Sr. Presidente, é que se chegou ao momento de se fazerem inovações, até em matéria de águas.

É provável que o Sr. Ministro das Finanças seja um distinto analista, e até um técnico dos mais notáveis do País; porém, o que é certo, Sr. Presidente, é que sôbre as águas de mesa minerais gasosas, eu não encontro maneira fácil de distinguir com clareza o que é que o Sr. Ministro das Finanças pretende com isto.

Assim, eu não sei na verdade se a água do Luso está incluída na alínea b); mas é provável que o esteja como tantas outras.

Mas o que eu na verdade não compreendo bem é como o Sr. Ministro das Finanças chega à conclusão de que as águas de mesa minerais gasosas constituam um artigo de luxo para aqueles que delas se servem.

Eu não posso deixar de considerar isto como uma heresia.

Natural é, Sr. Presidente, que o Sr. Ministro das Finanças, como abastado que
é, se possa transportar todos os anos ao Luso, Curia, Pedras Salgadas e Vidago, porém, isso não se dá com todos, como por exemplo com a minha pessoa, que me ve-jo obrigado a lançar mão do processo que usa a gente pobre, servindo-me das garrafinhas que por aí se vendem nas farmácias e drogarias para as beber às refeições.

Isto que se dá comigo dá-se com muita gente, razão por que as considero absolutamente necessárias para os pobres fazerem uso delas, empregando-as no tratamento das suas doenças.

O Sr. Presidente: - Devo prevenir V. Exa. de que são horas de se passar à ordem do dia.

O Orador: - Nesse caso, e como ainda tinha muito que dizer, peço a V. Exa. o obséquio de me reservar a palavra para a próxima sessão.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Está a acta em discussão.

Como ninguém peça a palavra, considera-se aprovada.

O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior): - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei, a que os jornais já se referiram, tendo-a já publicado na integra, para a qual eu peço urgência, de forma a que se comece a discutir na próxima segunda-feira, pedindo até a dispensa do Regimento, caso a comissão respectiva não dê o seu parecer, de forma a poder ser discutida no referido dia.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): - V. Exa. diz-me de que proposta se trata?

O Orador: - Pela leitura que deve ser feita na Mesa, V. Exa. ficará sabendo do que se trata.

O Sr. Carvalho da Silva: - Não diga V. Exa. mais nada; já sei que se trata da proposta do aumento da circulação fiduciária.

Trocam-se àpartes.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro das Finanças acaba de enviar para a Mesa uma proposta de lei, para a qual pede urgência e até dispensa do Regimento, caso a comissão respectiva não dê o seu parecer, de forma a que ela possa entrar em discussão na próxima segunda-feira.

Foi lida a proposta, que vai adiante publicada, e que será inserida na integra quando entrar em discussão.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: coerentes com o que sempre temos dito nesta Câmara, somos absolutamente contrários à concessão da urgência e dispensa do Regimento de qualquer proposta. Coerentes com o que sempre aqui temos afirmado - porque nunca nos desmentimos - somos igualmente contrários a que se discutam e votem aumentos de circulação fiduciária.

Sem nunca termos andado a enganar e a iludir o País, nem com promessas de bacalhau a pataco, nem mandando roubar o pêso do pão, sem termos também andado a clamar que éramos inimigos do aumento da circulação fiduciária para na primeira oportunidade a permitirmos, coerentes, repito, com essas nossas opiniões, ao vermos êste Govêrno, que não faz senão provocar o País, cuspir sôbre êle e demonstrar simplesmente que não quere mais do que iludir o pobre povo ingénuo e bom, nós não consentiremos, sem o nosso mais indignado protesto, que esta proposta vá por diante!

Declaro desde já a V. Exa. que dentro do Regimento e contra todas as violências de número que pela maioria forem feitas, nós empregaremos todos, absolutamente todos, os meios para que, emquanto fôrças tivermos, esta proposta nem mesmo seja discutida.

O Sr. Alberto Cruz (em àparte): - Temos sinfonia de carteiras...

O Orador: - Teremos, Sr. Deputado! O Regimento é claro: não pode conceder-se a sua dispensa senão a propostas sem importância, e esta, que envolve um aumento de circulação fiduciária, não é uma proposta sem importância.

E desde que a violência do número queira saltar por cima do Regimento, teremos carteiras, teremos tudo quanto fôr necessário!

Sr. Presidente: a Câmara não pode, pois, votar a dispensa requerida pelo Sr. Ministro das Finanças, porque a isso se opõe a letra expressa do Regimento.

Espero que a maioria, ponderando nisto, lembrando-se que pertence a um partido que apesar de, de vez em quando, estar a permitir o alargamento da circulação fiduciária...

O Sr. Velhinho Correia: - Não apoiado!

O Orador: - Quem diz não apoiado?

Ah! É o Sr. Velhinho Correia, o homem que, ilegalmente, mais alargou a circulação fiduciária! E tem S. Exa. o arrôjo - porque outra cousa não é - de vir dizer-me não apoiado!

Mas, Sr. Presidente, a maioria, dizia eu, pertence a um Partido que declara que é contrário ao aumento da circulação fiduciária, embora, repito, de vez emquando o esteja permitindo.

É acompanhada pelo Grupo de Acção Republicana, que tem à frente o Sr. Álvaro de Castro, que foi dizer para o Pôrto que o aumento da circulação fiduciária é um terrível inimigo do País.

Pois eu agora quero ver também se o Sr. Álvaro de Castro dá o seu voto a esta proposta ou sequer permite a dispensa do Regimento, para que se consume uma cousa que S. Exa. considera um terrível inimigo do País.

Vai agora o País, com esta votação, ter ensejo de ver quem lhe fala verdade e quem anda a enganá-lo duma forma imperdoável.

Vote a Câmara politicamente se quiser!

O que mais nos conviria, como monárquicos, era até a aprovação desta proposta. Mas primeiro que monárquicos somos portugueses e representantes da Nação.

E. assim, nós que sabemos quanto os aumentos da circulação fiduciária são perniciosos para a vida do País e influem no agravamento do custo da vida, tudo faremos para que esta proposta não seja aprovada ou sequer discutida.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

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O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: o Partido a que pertenço não pode de maneira nenhuma dar a sua aprovação ao requerimento do Sr. Ministro das Finanças, para ser discutida na segunda-feira a proposta de lei hipócrita e mentirosa, que representa bom todas as manifestações que êste Govêrno tem dado.

Vozes: - Apoiado, apoiado! Não apoiado!

Trocam-se àpartes.

O Orador: - Sr. Presidente: eu não sei se alguns dos Srs. Deputados querem im-pedir que eu use da palavra, pela circunstância de saberem que há hoje uma manifestação em Lisboa ...

Vozes: - Apoiado! Apoiado!

O Sr. Amadeu de Vasconcelos: - Não apoiado!

O Orador: - ... mas previno os Srs. Deputados que me queiram impedir de falar que essa manifestação só é às 8 horas da noite ...

Esta proposta é hipócrita, porque oculta a verdade, porque, dizendo que não quere o aumento da circulação fiduciária, o consente; e eu declaro até ao Sr. Ministro das Finanças, sob minha palavra de honra, que, por ela, eu posso aumentar a circulação fiduciária em mais 290:000 contos.

Esta proposta é hipócrita, porque pretende ocultar que se perderam em negócios de câmbios cerca de 110:000 contos!

Muitos apoiados.

O Sr. Francisco Cruz: - Abaixo a máscara!

O Orador: - Esta proposta é hipócrita, porque, tendo sido lançada como obra contra o Banco de Portugal, é uma forma de acorrer em auxílio do Banco de Portugal.

Apoiados.

Enganou-se o povo. Mentiu-se-lhe, mente-se-lhe, mentem-lhe.

Não apoiados. Apoiados.

Diz-se que se não quere aumentar a circulação fiduciária, e aumenta-se.

Diz-se que se quere atacar o Banco de Portugal, e pretende-se comprá-lo com esta proposta.

Apoiados.

Não há ninguém que aqui esteja neste momento - a não ser os favorecidos pela Guerra, a não ser que tenha tido a felicidade de ler os dados como eu os li - não há ninguém nesta Câmara que a possa discutir nestas circunstâncias, porque o Govêrno não trouxe ao conhecimento da Câmara êsses dados.

É preciso saber: primeiro, qual o valor dos suprimentos feitos pela convenção de Abril de 1922; segundo, qual o valor actual de fundo ouro.

O que aqui está parece escrito por um jesuíta.

Apoiados.

É obra dum jesuíta intelectual.

Apoiados.

O meu Partido não pode discutir esta proposta de lei na segunda-feira.

O Govêrno pretende abrir um período revolucionário: estamos em revolução.

Apoiados.

Não a revolução feita pela oposição, mas feita pelo Govêrno.

Apoiados.

Está aberta a luta. Querem-na? Vamos para ela.

Ficarei em minha casa. Podem ir lá prender-me. O Govêrno que mande lá buscar-me.

Provarei ao longo da discussão que êsse homem não tem o direito de falar em nome do povo.

Apoiados.

Repito: estamos prontos para ir até onde nos quiserem levar, até para a Morgue.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Vitorino Guimarães: - Serei breve. Não aproveitarei o pretexto de pedir a palavra sôbre o modo de votar para discutir a proposta de lei.

Apoiados.

Tenho de expor a V. Exa. e à Câmara a razão por que o meu voto é dado à proposta do Sr. Ministro das Finanças, ao mesmo tempo fazer sentir que não compreendo, a não ser devido à paixão política, a enorme indignação contra o Govêrno porque à sombra dessa autorização, que a Câmara reconheceu constitucional, pretende fazer algumas leis.

Apoiados.

Não apoiados.

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O Sr. Ministro das Finanças, o Govêrno, não quis usar dessa autorização e resolveu trazer à Câmara a proposta sôbre o Banco de Portugal.

O que vemos? Vemos que a mesma indignação se levantou por pessoas que ainda há poucos dias votaram urgências e dispensas do Regimento para outros assuntos sem que fôssem ouvidas as comissões, assuntos da mais alta importância.

De maneira que agora é negada a aprovação para outros assuntos também importantes que o Sr. Ministro acaba de propor!

O pedido do Govêrno é para que esta proposta comece a ser discutida na segunda-
-feira.

São então tam falhas de conhecimentos as pessoas que, porventura, queiram entrar nesta discussão, que até segunda-feira não estejam habilitadas para discutirem a referida proposta?

Apoiados.

Interrupção do Sr. Cunha Leal.

O Orador: - Mesmo que a proposta fôsse desde já posta à discussão, poderia discutir com todo o conhecimento do assunto. Não se trata senão de paixão política.

Apoiados.

Infelizmente para o País, a paixão política muito se tem desenvolvido nestes últimos dias na Câmara.

Quanto ao Sr. Carvalho da Silva, direi que a proposta não é um encapotado aumento de circulação fiduciária.

Vozes: - É, é!

Protestos da oposição.

O Orador: Por sua parte, trata-se apenas do ódio ao regime e nada mais.

O orador não reviu.

O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: chegamos a isto: precisamente porque uma proposta desta natureza necessita de um estudo minucioso, a maioria, pela bôca do Sr. Vitorino Guimarães, condena-a, protestando contra os negócios urgentes sôbre assuntos que a maioria reconheceu serem urgentes.

Mas quem é que dentro desta Câmara desconhece a atitude de S. Exa., quando se tratou do empréstimo, que terminou por ir para os Passos Perdidos.

Vozes: - Apoiado.

Como se compreende que em assunto tam importante como êste as comissões não sejam ouvidas!

Isto é um verdadeiro pontapé que se pretende dar ao que é justo e é legal.

Então se existem comissões não é para se pronunciarem sôbre os assuntos?

Apoiados.

Não creio que Câmara pense em dispensar a consulta às comissões, porque isso seria a sua própria abdicação.

Estou convencido de que êste lado da Câmara votará a urgência, mas que ninguém consentirá que se vote a dispensa do Regimento.

Tenho dito.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Sá Cardoso: - Sr. Presidente: estou convencido de que ninguém deixará de votar que êste assunto fique para a próxima segunda-feira, e em nome do grupo da Acção Republicana para afiançar a V. Exa. que vota a proposta porque ela não envolve aumento de circulação fiduciária.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior): - Sr. Presidente: não sabia eu ontem, quando apresentei a alguns membros desta Câmara a proposta sem relatório, e lhes disse que por circunstâncias de interêsse do Estado eu trabalharia na noite seguinte por forma a poder redigir, ainda que sucintamente, um relatório que esclarecesse a situação; não supunha eu que, tendo feito esta declaração, cumprindo a praxe, boa praxe adentro desta Câmara de entregar a pessoas representativas das diversas correntes de opinião o meu trabalho, se levantava esta oposição.

Hoje tendo alcançado a palavra, mandei para a Mesa a referida proposta, e vejo levantar-se sôbre o modo de votar uma tremenda tempestade como se o Ministro não tivesse o direito, mas a obrigação de expor à Câmara o aumento e pedir-lhe urgência e dispensa do Regimento, para dois dias depois entrar em

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discussão a sua proposta. Não supunha eu, repito, que tal tempestade se viesse a fazer nesta casa.

O Sr. Carvalho da Silva: - V. Exa. disse há pouco que tinha mostrado a proposta aos representantes dos diversos lados da Câmara. Eu tenho a dizer a V. Exa. que não me foi presente a proposta; não a vi, nem nela me falaram.

O Orador: - Não tinha os exemplares necessários para os fazer chegar a todos os lados da Câmara, mas facultei-os ao leader da maioria, Sr. Vitorino Guimarães, ao leader do Partido Nacionalista, Sr. Cunha Leal, e ao leader do Partido de Acção Republicana, Sr. Álvaro de Castro.

Não tinha mais exemplares, não os podia nesse momento mandar a todos os lados da Câmara, mas hoje vi que alguém tinha feito chegar ao Século a proposta e todos tiveram, decerto, conhecimento dela.

Não é meu feitio melindrar ninguém, seja quem fôr, mas a minoria monárquica hoje ao despertar, viu, num jornal que bem podia ser o seu órgão, a proposta na íntegra.

O que eu vejo agora é que por todas as formas se quere guerrear o Ministro. Pois eu não fiz outra cousa senão, com esta proposta, evitar que se aumentasse a circulação fiduciária.

Apoiados.

Não apoiados.

Sr. Presidente: não é êste o momento de fazer a discussão da proposta, mas entendo do meu dever, para tranqüilizar a Câmara e o País, que não é meu propósito aumentar a circulação fiduciária.

Sr. Presidente: isto já não é discutir; isto não é pôr argumentos a argumentos: isto é transformar uma questão administrativa em questão política.

Apoiados.

Diz-se que eu sou um jesuíta intelectual.

Pois talvez na altura em que nós fizemos a República, nesta casa se encontrassem muitos antigos discípulos dos jesuítas.

Não tenho culpa de que me tivessem metido dentro de um colégio de jesuítas, em que me educaram nos princípios religiosos, que mais tarde abandonei. Mas o que é certo é que lá ensinaram-me os principios da honra, da dignidade e da disciplina.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Carvalho da Silva não fez a revisão do seu àparte.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: tomo a palavra na ocasião em que o Sr. Ministro das Finanças tecia o seu hino ao modo como os jesuítas educam os seus alunos.

Disse S. Exa. que O Século se não era um jornal monárquico, era uma cousa parecida; eu devo dizer que pouco me importou êsse jornal senão em dois períodos: 1.° aquele em que lá estive, e o segundo em que Trindade Coelho assumiu, como grande republicano que é, a sua direcção.

O Sr. Ministro das Finanças e o Sr. Presidente do Ministério é que, quere queiram ou não, ficarão grudados já a todas as desordens que, porventura, venham a dar-se.

Sr. Presidente: não falseamos a verdade quando afirmamos que o intuito do Govêrno é aumentar a circulação fiduciária.

Quem leia a proposta e saiba o que lê, fàcilmente verificará que um dos seus fins é encobrir a perda de 110:000 contos em negócio de câmbios.

Havia até agora uma circulação fixa e uma circulação variável.

O artigo 1.° torna permanente o aumento de circulação variável. Pode vender-se o fundo-ouro porque nem por isso os suprimentos por conta da convenção deixam de existir.

Quem disser o contrário disto mentirá a todos nós!

O Govêrno quere o aumento da circulação fiduciária, mas procura por todos os modos iludir êsse seu propósito. Então aponta-nos às vaias populares, como sendo nós que queremos impedir a salvação do País.

Esta política não dignifica!

Isto é uma política de jesuïtismo.

Aumentam a circulação fiduciária, mas não têm a coragem de o declarar.

Não consentiremos essa política,

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A Nação há-de ser esclarecida.

O Govêrno quere aumentar a circulação, mas diz o contrário, e aponta as oposições aos ódios da multidão, dizendo que são elas que querem êsse aumento.

Isto faz lembrar o processo de que muitos gatunos usam quando vão a fugir.
Indicam à polícia qualquer pessoa como autora do furto, e êles é que levam o roubo nas algibeiras.

Mas o Govêrno engana-se; não tem atrás de si o País.

A breve trecho encontrar-se-há com uma porção de energúmenos, que, embora pequena pelo número, será bem grande pela vileza.

Lembrem-se de que os massacres de Setembro, em França, foram feitos por 400 assassinos!

O Partido Nacionalista sabe para onde vai; mas sabe ainda muito melhor para onde o querem levar! Os seus homens aceitam as responsabilidades da situação que lhes criam.

Morra o homem e fique a fama! Não! Morra o homem, mas fique ao menos, para seus filhos, um nome honrado, próprio dos homens que sabem cumprir os seus deveres para com o País!

Estamos num período de revolução, aberto pelo Sr. Presidente do Ministério e pelo Sr. Ministro das Finanças.

Mas nós, nacionalistas, marcamos uma situação clara.

Ninguém pode acusar-nos de jesuítas, nem de hipócritas.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sr. Presidente: tenho a impressão de que qualquer cousa de grave se vai passar. Não é justo que os homens que aqui estão façam exacerbar as paixões.

Os interêsses da Pátria e da República estão acima das nossas ambições.

Apoiados.

Basta! Todos os bons republicanos têm o dever de pôr de lado as suas más vontades e ambições, para só atenderem ao prestígio da República.

Não pode ser! Eu apelo - não sei se falo bem, mas falo sinceramente - eu apelo
para a honra dos republicanos, para a sua sinceridade e abnegação, para que não tomem perante quaisquer questões as atitudes mais violentas, que lá fora se repercutem e cujos efeitos são desastrosos.

Pedi a palavra sôbre o modo de votar, embora não seja bem sôbre o modo do votar que esteja a falar, apenas para que a minha opinião fique constatada, para quando qualquer dia, hoje, amanhã, depois, só procurar saber qual foi a atitude dos Deputados desta Câmara, ou ter a consciência de poder dizer que alguma cousa disse em benefício da República e da minha Pátria.

Eu, que não tenho Partido político nesta Câmara, aprovo o requerimento que se fez para que na segunda-feira próxima se inicie a discussão da proposta de lei apresentada hoje à Câmara pelo Sr. Ministro das Finanças.

Estou certo que, com boa vontade, a discussão se poderá fazer principiar nesse dia.

Ouvi já alguns oradores falarem sôbre a proposta, e por isso acho que pela sua competência, sobretudo de alguns, se poderá muito facilmente elucidar a Câmara; e não é a primeira vez que os homens da oposição contribuem com a sua inteligência e competência para melhorar as propostas de lei apresentadas.

Sr. Presidente: relativamente às últimas frases do discurso do Sr. Ministro das Finanças, desculpe-me S. Exa., mas eu não concordo com elas.

Nas Constituintes vieram aqui como Deputados muitos dos antigos alunos dos jesuítas; eu fui um dêles. Pois bem, devo dizer que saí da escola dêles com uma opinião inteiramente diferente da do Sr. Ministro das Finanças.

Entrei no colégio dos jesuítas numa idade muito tenra, e as lições que recebi dessa gente foram muito diferentes das que o Sr. Ministro das Finanças apontou. Eu, efectivamente, não seria um homem de honra, nem com carácter, se tivesse seguido o que os jesuítas me ensinaram. Ensinaram-me, entre outras cousas, a ser delator, ensinaram-me a que nem respeitasse meu pai nem minha mãe, quando isso prejudicasse a Companhia de Jesus, porque, diziam eles, tinha havido criaturas
que não respeitaram seus pais e nem por isso deixaram de vir a ser santos.

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Afirmaram-me ainda que se fôsse jesuíta um dia, eu não iria para o inferno, e isso fez uma dolorosa impressão no meu espírito.

O Sr. Moura Pinto: - Foi até por essas e outras que êles foram expulsos.

O Orador: - Sôbre ensino, os colégios dos jesuítas eram dos que tinham mais reprovações; sôbre higiene e sôbre outros pontos de vista eram também dos piores, e a República assim o entendeu, que acabou com êles.

O Sr. Moura Pinto: - Assim é que é.

O Orador: - Mas talvez V. Exa., com outras modificações á Lei da Separação, consiga trazer outra vez cá os jesuítas.

O Sr. Moura Pinto: - Não tem nada V. Exa. do meu passado para supor que eu não sou tam anti-jesuita como V. Exa. Não precisei de ter estado nas suas escolas para ter a opinião que V. Exa. tem.

O Orador: - Como dizia, não foi feliz o Sr. Ministro das Finanças nas suas últimas palavras. Tirou uma impressão errada dos homens que o ensinaram, e foi por não terem essa opinião que as Constituintes resolveram expulsar os jesuítas.

Tenho dito.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e, interino, da Marinha (José Domingues dos Santos): - Sr. Presidente: não era meu intento usar da palavra a propósito do modo de votar esta proposta de lei apresentada à Câmara pelo Sr. Ministro das Finanças.

Já tinha falado, em nome do Partido Republicano Português, o meu ilustre e querido amigo Sr. Vitorino Guimarães, que claramente, singelamente, mas com inteira verdade pôs a questão, e o Sr. Ministro das Finanças, sem hesitações, com altivez, já esclarecera a Câmara sôbre aqueles pontos que andavam ali no ar como uma ameaça, e, ao mesmo tempo como um motivo de perturbação. Não me competia, pois, a mim que não sou Ministro das Finanças, falar a propósito dêste assunto de carácter administrativo.

Mas, porque à volta dêste assunto muitas outras questões se embrulharam, desde o ensino jesuítico, que não sei a que propósito se conseguiu meter numa questão de finanças, até à questão da ordem pública, eu pedi a palavra para dizer poucas, singelas, mas verdadeiras palavras.

Sr. Presidente: o Govêrno não abriu guerra contra ninguém.

Apoiados.

O Govêrno ouviu antes aqui na Câmara, pela bôca do Sr. Cunha Leal, uma declaração de guerra em forma, e respondeu em seguida que não declarava guerra a ninguém, mas estava apto a defender-se.

O Govêrno ainda neste momento não declara guerra a ninguém, mas, tendo vindo para esta Câmara no propósito firme de governar, quere continuar a dirigir os interêsses da Nação como entende e não ser o fácil joguete de que as oposições usam para conseguir os seus fins.

Sr. Presidente: desde que da parte da minoria nacionalista se declarou guerra ao Partido Republicano Português...

Vozes da direita: - Ao Govêrno, ao Govêrno!

O Orador: - Seja. Desde que o Partido Nacionalista declarou guerra ao Govêrno, o que é que temos visto?

Primeiro, durante dias, as carteiras a bater e as sessões interrompidas.

Resultado final: o Parlamento não trabalhar.

Depois mudou-se de táctica, e eram negócios urgentes sôbre negócios urgentes, resultando daí que a maioria em vez de governar, como de tantas vezes lhe tem sido pedido das bancadas da oposição, estava a ser dirigida, como o Govêrno, pelos nacionalistas.

Esta situação não era digna do Govêrno, nem da maioria, nem mesmo da minoria.

Apoiados.

Cada um tem de ocupar o seu lugar. O Govêrno a dirigir os negócios públicos, a maioria a dirigir os trabalhos parlamentares. De resto as minorias a mandarem é a subversão de todos os princípios!

Foi assim que nós resolvemos intervir e queremos intervir, porque estamos aqui para governar.

No dia em que nos convencermos de

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que não podemos governar, ir-nos-hemos embora, mas não saïremos daqui perante a desordem de fora ou de dentro do Parlamento. Entendamo-nos!

Tenho dito tantas vezes estas palavras, mas não as querem entender!

Êste Govêrno não é inimigo de ninguém, mas parece que há o propósito firme de conduzir o povo à desordem. Ameaça-se e prevêem-se acontecimentos tétricos. Ora pregunto se desde que êste Govêrno está no Poder, tem havido desordens ou atentados!

Apoiados.

O Govêrno tem afirmado, desde que está nas cadeiras do Poder, que não concorda com os atentados pessoais.

Porventura já houve mais ordem em Portugal do que desde que êste Govêrno está no Poder?

Há então o direito de apontar êste Govêrno como cúmplice de qualquer desordem?

Ah! é o interêsse oculto de provocar a desordem, para tornar o Govêrno responsável por ela!

Garanto a V. Exa. que, emquanto eu fôr Ministro do Interior, hei-de manter a ordem contra tudo e contra todos.

Apoiados.

Nem me assustam os manejos daqueles que, na sombra, procuram levar o povo para a revolta, nem as palavras de ameaça que aqui têm sido proferidas.

O Sr. Cunha Leal julga-se ameaçado?

Pode estar perfeitamente tranqüilo e ir para sua casa absolutamente descansado, porque eu respondo pela sua vida.

Tenham todos os seus nervos tranqüilos e não se perturbem com ameaças que não existem.

Quero dizer a V. Exas. que não praticarei violências de nenhuma espécie, mas que seguirei no cumprimento da lei, até o fim.

Apoiados.

Há porventura uma diferença entre êste Govêrno e a maior parte dos Governos passados.

É que emquanto êsses Governos eram fortes para os pequenos, nós queremos ter a coragem de ser fortes contra os grandes.

Queremos impor a ordem de cima para baixo, e aqueles que pelo facto de serem
ricos se julgam no direito de se revoltar contra o Estado têm de ver que nestas cadeiras estão homens que não se encontram dispostos a transigir com os seus impetos ou a atender aos seus caprichos.

Sr. Presidente: esta atitude, que é de firmeza, de coragem e de serenidade, o Govêrno a manterá.

Tenho dito.

O Sr. Pedro Pita (sôbre o modo de votar): - Requeiro que o requerimento do Sr. Ministro das Finanças seja dividido em duas partes: numa a urgência e noutra a dispensa do Regimento.

Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.

Foi aprovada a urgência.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a dispensa do Regimento.

O Sr. Pedro Pita (sôbre o modo de votar): - Requeiro votação nominal.

Foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Aprovaram a dispensa do Regimento 81 Srs. Deputados e rejeitaram-na 34.

Está aprovado.

Disseram "aprovo" os Srs.:

Abilio Correia da Silva Marçal.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva e Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.

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António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Germano José de Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Leonardo José Coimbra.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Maximino de Matos.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Disseram "rejeito" os Srs.:

Abílio Marques Mourão.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto de Moura Pinto.
António Garcia Loureiro.
António Lino Neto.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Francisco Cruz.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João de Sousa Uva.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.

O Sr. Presidente: - Há na Mesa dois pedidos de negócios urgentes, sobre o decreto que dissolveu a Associação Comercial de Lisboa.

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Um é assinado pelo Sr. Cunha Leal, e outro nos mesmos termos, assinado pelo Sr. Carvalho da Silva.

Vou pôr à votação da Câmara o primeiro.

Não implica isto a menor falta de consideração pelo Sr. Carvalho da Silva, mas sendo os dois negócios urgentes sôbre o mesmo assunto, só posso submeter à votação o do Sr. Cunha Leal, porque foi o primeiro.

Os Srs. Deputados que a aprovam têm a bondade de levantar-se.

Foi rejeitado.

O Sr. Morais Carvalho: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Feita a contraprova, verificou-se estarem de pé 61 Srs. Deputados e sentados 36, pelo que foi considerada rejeitada.

Trocam-se àpartes entre vários Srs. Deputados.

Negócios urgentes

Desejo ocupar-me em negócio urgente, do decreto de dissolução da Associação Comercial de Lisboa.

Em 6 de Fevereiro de 1925. - Cunha Leal.

Desejo um negócio urgente, ocupar-me do decreto que dissolve a Associação Comercial de Lisboa.

Sala das Sessões, 6 de fevereiro de 1925. - Artur Carvalho da Silva.

O Sr. Correia Gomes (em nome da comissão de finanças): - Peço a V. Exa. se digne consultar a Câmara, sôbre se permite que a comissão de finanças reúna imediatamente para apreciar a proposta do Sr. Ministro das Finanças.

Foi autorizado.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o negócio urgente do Sr. Pedro Pita.

Tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura.

O Sr. Ministro da Agricultura (Ezequiel de Campos): - Sr. Presidente: quando ante-ontem foi solicitada com urgência a minha presença nesta Câmara, estava eu
a responder, no Senado, e por isso não pude vir aqui senão no momento em que me libertaram acolá.

É êste o motivo de desculpa que apresento a V. Exa. e aos Srs. Deputados.

Quando entrei para êste Ministério, estava feita pelo Sr. Presidente a promessa de que ía baixar o preço do pão.

S. Exa. afirmou aquilo que era o desejo de toda a Nação Portuguesa.

Disse que ia cumprir uma imposição da opinião pública.

Nos Governos anteriores, a libra tinha baixado de 150 e tal escudos para 102$, de uma maneira fulminante.

Como digo, foi nos Governos anteriores que êste facto se deu, sem me importar saber a quem cabe a responsabilidade, e o Govêrno de que faço parte aceitou os factos como se lhe apresentavam.

Em virtude da grande baixa cambial, muitos artigos, a começar pelos da importação e a terminar pelos de fabrico nacional, começaram a baixar de preço metòdicamente, alguns com desvios notáveis e bruscos, outros mais lentamente.

A baixa de preço era a conseqüência fatal da baixa muito apressada da libra.

Mas dizia toda a gente em Portugal: Se tudo embaratece, porque não há-de baixar o pão, único género tabelado?

Esta imposição da opinião pública foi concretizada pelo Sr. Presidente do Ministério nas suas primeiras declarações à imprensa, e, quando tomei posse da pasta da Agricultara, vi que, não só podia resolver o problema, como também o devia resolver.

Devia resolvê-lo, porque era uma imposição da opinião pública, e ao mesmo tempo podia resolvê-lo, porque o condicionamento da vida portuguesa e internacional dava elementos para o poder fazer, sem perturbações no valor do trigo nacional, e sem restaurar o pão político.

De facto, dois processos havia para resolver o problema, tal como êle se en-contrava pôsto.

Sabem que o trigo nacional, por diplomas legislativos vigentes nessa ocasião, foi cotado a 1$80, e sabem também que o trigo exótico ficava em Lisboa, com todas as despesas pagas, a 1$40 e até a 1$30 por quilograma.

Peço licença a V. Exas. para de futuro, para ser mais claro, me permitirem

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que não me refira à unidade centavo, mas à moeda antiga.

Mas, voltando às minhas considerações, vêem V. Exas. que era impossível baixar o preço do pão do trigo nacional para a equivalência ao trigo exótico, a não ser que adoptasse o expediente do pão político.

Não podia aceitar esta solução, e não a aceitei.

Na ocasião, que era em fins de Novembro, as cotações internacionais andavam por 280 xelins, para o trigo, e as notícias dos jornais e dos boletins dêste assunto davam a perspectiva de que o preço se manteria por três meses naquela cotação máxima, a que corresponde, como disse, o trigo pôsto em Lisboa a cêrca de 1$40 por quilograma; ou seja menos $40 do que o trigo nacional manifestado, devendo lembrar que muito trigo nacional não manifestado foi vendido a 2$ e até a mais de 2$20 por quilograma. Estes preços, porém, não devem ser tomados em conta, por ilegalizados, para o custo do pão do trigo nacional manifestado.

Eu creio que ninguém tem o condão de adivinhar; mas todos podemos tirar antecipadamente conclusões dos factos que existem, da ordem e grandeza da sua seqüência, como se sabe, da teoria das probabilidades.

O problema cifrava-se então em antecipar de dois meses e meio o preço de 1$60 por quilograma, que era o provável como máximo para alguns meses além do primeiro trimestre de 1925; e para o fazer bastaria, não criando o "pão político", perder o diferencial em algumas toneladas, quando muito num décimo da importação que devia vir a ser de mais de 150:000 toneladas.

O Ministério a que pertenço queria resolver imediatamente aquilo a que eu chamei uma imposição da opinião publica; e depois de várias instâncias com a moagem, de reiteradas instâncias minhas com a moagem, foi aceite - eu não enjeito as minhas responsabilidades - a seguinte plataforma, em contraproposta a uma outra que me foi apresentada pela moagem:

1.° O Govêrno assegura a entrada livre de 14:000 toneladas de trigo pela moagem.

2.° A moagem assegura farinha à panificação de forma que esta comece a vender pão no dia 15, sem falta, pelo novo preço decretado.

A moagem, logo no dia imediato, fez-me saber que aceitaria esta plataforma, mas que não desistia do direito de reclamar para os tribunais competentes. Eu disse--lhe que não concordava com essa atitude, por isso que as minhas duas condições eram explícitas e simples. Mostrei-lhe o original do compromisso, e ela desistiu de ir para qualquer tribunal ou mesmo para os jornais, asseverando-me, porém, que o fazia como que violentada.

É esta a verdade nua e crua dos factos.

No dia 16 de Dezembro - por isso que o dia 15 era segunda-feira e não se fabricava pão - começou a panificação a vender o pão pelo preço correspondente, em taxas regulares, a 1$60 o quilograma de trigo.

Ao mesmo tempo o Govêrno executou a sugestão do Ministério anterior de comprar dois carregamentos de trigo exótico, visto que o teria de importar fatalmente e que de boa prudência era possuir êsse trigo, dadas as disponibilidades de Lisboa e as medidas seguidamente a tomar, medidas que consistiam em não trazer a Lisboa o trigo da província, para assim não prejudicar a lavoura nem prejudicar o Govêrno com qualquer pagamento entre 1$60, preço do trigo de Lisboa, e 1$80, preço do trigo da província.

Os dois carregamentos foram comprados e um entrou no Tejo poucos dias depois.

Êsses carregamentos asseguravam o preço do pão na base de 1$60. sendo a importação do trigo feita directamente pelo Estado, e davam um lucro satisfatório, pois apesar de se distribuir quási metade à Manutenção Militar pelo preço do custo que foi 1$47(9), o primeiro carregamento deu um lucro para o Estado de 382.582$10.

O segundo devia dar perto ou mais de 6:000 contos de lucro.

Pouco tempo depois chegava ao conhecimento do Ministro da Agricultura que a farinha saía de Lisboa justamente à compita com a farinha da província. Activei a fiscalização e obstei o mais possível à fuga da farinha, da capital.

Simultâneamente, do Pôrto saía também a farinha em grandes quantidades; e eu tive de fazer dela o inventário e de

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a pôr em conta corrente, bem como o trigo existente no Pôrto, porque previa que daí a poucos dias ficaria sem farinha e sem trigo nessa cidade.

Esta violência da parte do Govêrno passou sossegadamente, sem protestos; e ficou assegurado assim pão até ao dia 15 do mês corrente no Pôrto, deixando mais tempo disponível ao Ministro para cuidar do problema em Lisboa.

Em Lisboa toda a gente me dizia que estivesse descançado, porque tínhamos ainda bastante farinha. E assim devia ser.

Entretanto soube que o vapor que trazia o segundo carregamento de trigo tinha encalhado. Foi êste o primeiro embaraço do Govêrno nesta questão.

Eu tinha mandado abrir, logo depois da compra dos dois primeiros carregamentos, um concurso para o fornecimento de 60:000 toneladas de trigo, que davam para uns meses, com entregas escalonadas, e com um financiamento financeiro o melhor possível.

Entretanto os preços do trigo no mercado estrangeiro subiam dia a dia, às vezes com saltos diários de 5 por cento; e quando chegou o dia do encerramento do concurso, 28 de Janeiro, foi um verdadeiro dia de pânico em todo o mundo, especialmente em Buenos Aires, porque de hora a hora subia o preço do trigo, que chegava às cotações máximas dos últimos 26 anos.

O momento era péssimo, e a mais banal sciência comercial aconselhava que nestes dias de pânico se comprasse o menos possível.

Como as propostas apresentavam condições inaceitáveis de cotação para uma entrega imediata, amarrando-me ùnicamente ao mercado de Buenos Aires, que era justamente aquele que eu sabia mais influenciado pelas manobras europeias, eu resolvi, cheio de tristeza, não comprar trigo nenhum nesse dia, e marquei êsse dia como um dos mais negros da minha vida.

Abri imediatamente concurso para dois carregamentos de trigo. E no entretanto, o navio fantasma do trigo não se sabia dêle. E esgotava-se a farinha de Lisboa.

Reuni a comissão sempre que pude. Mas havia momentos em que não houve tempo nem de vir aqui, nem de reünir a comissão.

Só burocratas é que me podem censurar por isso. Sabem lá o que foram êsses dias de angustia, com os navios estrangeiros ao Tejo para a festa de Vasco da Gama! ...

Não perdi a minha serenidade (e quási a ia perdendo agora ao lembrar-me do passado) perante as dificuldades do problema. Mas os meus embaraços cresciam dia a dia.

Tentei a compra de navios flutuantes de trigo. Não os havia; ou os dois que puseram à minha disposição eram por um preço a escaldar. Tentei trazer trigo do Alentejo para Lisboa. Devo fazer notar que a farinha que saíu de Lisboa, embora em quantidades importantes, não teve influência alguma na dificuldade do problema.

Lisboa - a Lisboa de muitas e desvairadas gentes, ao soalheiro cansada de proezas e mares, como disse Fialho - depois de bocejar pela manhã, come cêrca de 200 toneladas de trigo, todos os dias. Mas, como disse, não era a farinha que saiu que trouxe maiores dificuldades ao Govêrno. Não quere isto dizer que eu consentisse tal fuga; sejamos claros. Não tinha outra solução no momento senão o confisco da farinha e do trigo de Lisboa. Estava em face dum problema delicado e resolvi-me pela máxima resistência.

Empreguei toda a minha fôrça de convicção para os sacrifícios; os sacrifícios, porém, só merecem ser assam chamados pelos outros, quando custam pouco mais que palavras. Mas quando custam muito dinheiro, os sacrifícios não há quem os faça. E o Ministro da Agricultura (que nunca o foi porque até agora tem sido apenas o Ministro do pão e do peixe), teve de recorrer à farinha que pôde obter, marcando-lhe o preço correspondente ao legal do trigo, 1$80.

Essa farinha da província não vinha toda no diagrama correspondente ao que estava em vigor, porque não era possível. Noutra parte qualquer, o Ministro da Agricultura decretava o negro pão da guerra. Mas o Ministro da Agricultura, tentou resolver as cousas com a menor dificuldade para a população de Lisboa e sem prejuízo para o Estado.

Eram poucos os dias de sacrifício, porque se esperava o vapor a cada momento.

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O pão, ou melhor dizendo, a farinha foi obtida em quantidade suficiente para a população de Lisboa. Os panificadores independentes todavia disseram que não podiam sacrificar-se vendendo assim, com muito reduzida taxa de fabrico. E a outra panificação, dotada de maquinismos rendosos, em grandes fábricas, uma delas das maiores do mundo, facultou o seu fabrico e os seus maquinismos á população de Lisboa. Havia produção suficiente; o que não houve foi a distribuição que costuma haver, por terem deixado de laborar por dois ou três dias mais de 100 padarias de Lisboa.

Eu, não querendo alarmar a população da capital, não mandei publicar notas oficiosas.

Não favoreci umas padarias em detrimento de outras. O que eu quis foi evitar a desordem na rua.

Todos conhecem já a situação do Ministro da Agricultura perante o problema do pão.

Eu não sei se disse que submeti a Conselho de Ministros a resolução das 14:000 toneladas, mas, se o não disse, declaro-o agora.

Sabe V. Exa., Sr. Presidente, sabe-o a Câmara muito bem, que pelo decreto n.° 9:684, de 9 de Maio de 1924 - e portanto não da autoria dêste Govêrno - é permitida a tolerância de 6 por cento no pêso do pão.

Apelo para umas simples contas de aritmética. Para que toda a gente, por um sacrifício de 2, 3 ou 4 dias, tivesse pão sem desordem, a fiscalização tolerou esta ... tolerância legal.

Mais nada. Nem o Ministro da Agricultura podia obstar a isto, nem eu podia ordenar, nem ordenaria, outra tolerância máxima.

Os padeiros independentes não fabricaram alguns dias, mas depois retomaram o trabalho exactamente dentro do fabrico legal.

Abusou-se da tolerância do pêso.

Abusa-se sempre: ainda agora os jornais belgas e franceses se queixam disso.

Mandei intensificar a fiscalização do pêso e da qualidade.

Os diagramas vinham da província conforme as disponibilidades; diagramas de ocasião; e eu nada mais tinha a fazer do que solicitar pessoalmente das direcções dos caminhos de ferro todas as facilidades nos transportes; e graças a todos os que me ajudaram, houve farinha para toda a gente e em todos os dias em Lisboa.

Quem relata os sacrifícios que isto me custou, e como consegui não ser obrigado a decretar o tipo único de pão? Num dia de manhã eu tinha só 7 sacas de farinha!

Na casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão; mas eu tinha muita para proceder como procedi. Não recuei diante das dificuldades; passaria por cima da lei - de todas as leis - para não haver falta de pão em Lisboa, que seria causa de desordem.

Apoiados.

O pão de todos os dias não podia faltar; eu havia de evitar isso, fôsse como fôsse.

O Sr. Francisco Cruz: - O que houve foi imprevidência.

O Orador: - Não houve imprevidência!

Imprevidência! Como podia haver imprevidência se o trigo foi comprado logo que entrei para o Govêrno, e quando todos diziam que era exagerada prudência comprá--lo quando tanto ainda havia em Portugal?

Que culpa tenho eu que o navio encalhasse?

Agora tenho a boa notícia, neste mesmo momento recebida, a comunicar à Câmara, que o vapor chega na segunda-feira.

Não houve a mais ligeira imprevidência. Depois dos factos sucedidos são todos adivinhos e cautelosos.

Eu não vou explicar à Câmara porque não abri concurso para mais de 60:000 toneladas, porque em negócio do Estado, como em certos negócios comerciais (e êste é um negócio comercial), há cousas eme não se dizem senão depois de feitas. É uma obrigação de gerência nos momentos delicados.

Ontem comprei dois carregamentos de trigo; e na segunda-feira deve chegar o carregamento fantasma.

Acusaram-me de eu ter enviado um telegrama para o Pôrto a permitir tolerância no pêso do pão.

Sim; eu enviei êste telegrama para o chefe do gabinete do Ministério da Agri-

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cultura que acabava de chegar ao Pôrto, para em meu lugar atender ao assunto do pão:

"Electrizar - Pôrto (isto é: Serviços Municipais Gás e Electricidade - Pôrto) - Indique fiscalização alguma tolerância sòmente pão de luxo emquanto durarem circunstâncias anómalas como Lisboa. Sòmente pão de luxo".

Foi expedido a 29 de Janeiro, quando até mim tinham chegado queixas da panificação, de que estavam a apreender pão tradicionalmente fora da pesagem no Pôrto.

Devo esclarecer a Câmara de que no Pôrto há muitos mais tipos de pão que em Lisboa; as amostras de todos os pães que se fabricam no Pôrto e nos seus concelhos limítrofes enchem metade de um cêsto de padeiro.

E certas qualidades de pão têm feitio especial.

Assim no Pôrto "pão de luxo" é o pão de Viena de Áustria, o pão de fôrma, o pão francês, todos feitos com fermento estrangeiro; o pão regueifa e o pão de bico, com feitios próprios, e feitos com massa espêssa, comprimida; o pão biscoito, feito com farinha, açúcar e ovos; o pão cacete, de feitio especial.

Nunca nenhum dêstes pães foi fiscalizado no pêso.

E como tinha recomendado rigor para todo o pão de luxo, para atender a justas reclamações enviei aquele telegrama ao chefe do gabinete do Ministério da Agricultura, capitão Sarmento Pimentel, que tanto me ajudava e que sabe levar a carta a Garcia.

O outro pão normal de luxo estava, como todo, sujeito apenas à tolerância legal do decreto n.° 9:684, de 9 de Maio de 1924.

O telegrama não foi entregue ao chefe de gabinete; daí a exploração pouco sabedora e honesta a que se prestou.

Mas que tem o telegrama de censurável?

Onde há qualquer ordem minha de fraude no pêso do pão?

Abusou-se agora, como se abusou sempre, no pêso do pão.

Mas que culpa tem o Ministro no caso?

Eu sei muito bem que houve em Governos transactos abusos consentidos no pêso e na qualidade do pão.

Não se deu tal comigo; consegui que no Pôrto se generalizasse o pão de primeira qualidade, o que foi sempre inviável naquela terra.

É demais tanta fúria de mesquinhez comigo!

O trigo sempre é semente que não raro fica semanas e meses escondido debaixo da terra.

Já me aconteceu semeá-lo no comêço de Outubro, e só o ver a surgir da terra no Natal.

Por isso a farinha de Lisboa e do Pôrto me fugia para esconder-se...

O trigo também tem outro condão: ao moer-se, polvilha tudo de branco, até os telhados dos moinhos.

Mas quando eu sair do Govêrno, o meu casaco, que é preto, não há-de ir, com certeza, polvilhado de farinha.

De luvas só tenho um par que comprei em Lisboa e me custou 60$.

Todos que me ouvem sabem isto de mim. Mas eu quero dizê-lo também alto e bom som.

Apoiados.

Se estou aqui sem nada dever a nenhum partido político, na minha vida já longa e bem trabalhada de engenheiro também nada devi à política nem à negociata.

Dirijo hoje uma das grandes casas comerciais do País, não como gros-bounet decorativo, mas como director de funções permanentes e complexas.

Cheguei aí com muito trabalho e estudo, sem cobiça de lugares e sem favores de ninguém.

A honestidade e a correcção, o vigor dos meus braços e o esfôrço do meu cérebro obtuso têm sido os meios da minha vitória na vida.

Que não consultei o Parlamento...

Bem ficava Lisboa sem pão se viesse aqui pedir providências.

Pois não se vê do que trata o Parlamento?

Bizâncio...

Resolvi como entendi melhor; estou aqui a explicar o que fiz.

Se a Câmara dos Deputados não aprovar o que fiz, manifesto a sua desconfiança, que eu não tenho prazer nenhum em ser Ministro.

Falou-se aqui em favores à moagem e panificação.

O Sr. Sousa da Câmara afadigou-se em contas de diagramas, de prejuízos da la-

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voura, de lucros da moagem, de precalços da panificação, de prejuízos do Estado...

Ora S. Exa. apenas sonhou ou fantasiou. Nem vale a pena comentar os seus números no ar.

Basta retomar a simples aritmética de moer trigo de 1$80 o quilograma, e de pa-nificar a farinha respectiva, que se obterá a farinha e o pão que vigoravam quando entrei no Govêrno; e fazendo as contas com o trigo a 1$60 tem-se a farinha pelos preços decretados por mim.

E as taxas de 20$80 para moer, e 60$ a 50$ para panificar não merecem censura nas circunstâncias actuais.

Favores à moagem; amigos políticos na moagem!

Nas pessoas que me acusaram há a perda completa da noção do lucro e do prejuízo.

A moagem só colheu de mim prejuízos; e tais desfavores não se fazem a amigos - que não tenho na moagem onde não tenho relações nenhumas.

O comércio dos trigos, a moagem e a panificação prestaram-se sempre a negócios onde não raro os lucros foram escandalosos. É possível que, entre a pouca sorte de quási todos, alguns tenham lucrado desde que estou no Govêrno. Como Ministro, porém, tenho estado absolutamente alheio a tais negócios.

Na última sessão palavras foram aqui proferidas que tive de exercer sôbre mim um grande esfôrço para não abandonar para sempre a sala.

Uma susceptibilidade doentia quanto à minha possível descontinuidade na gerência da Agricultura. De facto muito apagado de saber sou para continuador de quem se jactou de tanta sciência:

Io se las matematicas
Comprendo las gramaticas,
Retorica, poetica, la historia natural
La Geografia fisica, la chimica, botanica
A mas el nuevo calculo del sistema decimal.

Tirando algum decreto de mesquinho valor ou inexeqüível, no Diário do Govêrno, não vi no Ministério nada em realização do Sr. Tôrres Garcia, imponderável em obras.

Nada desfiz do labor iniciado pelos meus antecessores; pelo contrário, pus em andamento as providências por êles decretados que encontrei passadas. Assim
ordenei a medição dos baldios da Fatela, perto do Fundão, da Fátima em Vila Nova de Ourém, do Maxial em Tôrres Vedras, de Caxarias; ordenei o prosseguimento da partilha da Serra de Mértola; e cuidei de promover a execução do anteprojecto de rega do Ribatejo, estimulando a actividade das pessoas imcumbidas dêsses estudos.

Por outro lado cuidei de seguir uma política do pão que permitisse ter êste o mais barato possível, sem prejudicar as realizações do povoamento da rega e da reforma agrícola dum modo concatenado e metódico.

Passará o Govêrno de que faço parte como um tufão no agitar das ideas, dos sentimentos e dos interêsses. Alheio às paixões e à luta política, eu sei manter a calma do meu espírito para cuidar da política do pão fora das normas tradicionais da absorpção dos tributos do trigo nas despesas burocráticas, e do favor à lavoura sem proveito nacional.

Os Governos anteriores fizeram sempre o pão político; por muito tempo era a lavoura e a moagem que cobrava a favor do Estado, e assim aconteceu desde 1899, com a lei frumentaria, até depois de 1914, por algum tempo era toda a gente que comia pão que, sem deixar também de ser a moagem, e por muito, beneficiava do favor do pão político, então na inversa do primeiro, pois o Govêrno vendia a matéria prima mais barata do que lhe custava.

Estas duas modalidades de pão político foram desfavoráveis, muito prejudiciais à nação.

Olhemos para o efeito da lei frumentária de 1899. Bem sabia um dos seus principais colaboradores que o favor pautal e do preço acrescido do trigo não bastava, só por si, para nos assegurar a sufificência (já não dizemos a superabundância) do trigo. Outros, porém, e entre êles Elvino de Brito, contavam que a lei bastaria de todo, e viam a perspectiva, como chamaram nesta Câmara, de automàticamente embaratecer o trigo quando tivéssemos a segurança da produção mais que suficiente.

Muito se tem discursado acêrca da lei de 1899; mas muito pouco se tem reflectido e ponderado os seus efeitos. Esta lei não foi, nem podia ter sido, uma lei de

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fomento, desajudada, como veio, de toda a correcção agrícola e agrária.

Antes dela importávamos trigo todos os anos, para três a cinco meses; durante ela, tirando apenas os anos de 1902 e 1911, importávamos na mesma ordem de grandeza, e o mesmo agora. A lei passou tendo facultado o arroteio de muitíssimos hectares de charneca, tendo provocado queimadas extensíssimas; tendo espalhado combóios e combóios de fosfatos; e tendo permitido fundas de 20 a 50 sementes, para depois se voltar às 6 ou 8 tradicionais.

Os números da importação de trigo desde 1898 até agora falam por si:

Trigo importado para consumo no continente e ilhas

[ver tabela na imagem]

Os números de 1922 só da importação de Lisboa; e os de 1923 sujeitos a correcção.

Três regimes de 1898 até hoje: o proteccionista da lavoura até 1915; o da guerra, de 1915 a 1920; e da paz, aquém de 1920.

No primeiro, que durou 16 anos, o trigo nacional tinha um preço de favor e uma colocação garantida, para estímulo de maior extensão e aperfeiçoamento da cultura frumentária. Nos dois últimos o preço foi variável, em alguns anos anulando-se quási o favor, já considerado como um direito da lavoura, noutros usando-se e abusando-se da venda do trigo exótico por preço mais baixo que o do custo ao Govêrno, em "anona" de centenas de milhares de contos, como de nação a nadar em dinheiro.

Dizem os números que logo ao terceiro ano da lei proteccionista, em 1902, a importação foi mínima. Foi o efeito da lei?

Não foi, na quási totalidade, pois nem se tinha ampliado quanto bastasse a área das sementeiras, nem se tinham introduzido melhoramentos culturais que aumentassem o rendimento por hectare. Foi o favor da natureza: um acidente estranho no trabalho humano.

De 1902 até 1914 os números são irregulares, quási sempre com importações pelas 100:000 toneladas, só 1911 abrindo uma excepção de número baixo. O que representa isto?

Que na cultura cerealífera, de planta anual, a influência da lei foi pequena no resultado final que é a produção do trigo, pois que a importação se manteve sempre alta pelos 16 anos da sua vigência franca. Não se contesta a grandeza dos arroteios, da quantidade de fosfato lançado ao solo, da fumarada da vegetação espontânea, alguma velhíssima... a heroicidade, se quiserem, da lavoura alentejana à sombra da lei frumentária.

Mas também não se contesta a grandeza e a sequência dos números das toneladas de trigo importado, que mostram a "ineficácia da lei frumentária para termos suficiência de trigo", como não se contesta a grandeza de dinheiro que pagámos todos nós para afinal registarmos aquela ineficácia: de 1893 a 1908 pagámos de direitos de importação de trigo 24:000 contos; de 1908 até o fim do primeiro semestre de 1913 pagámos mais 7:617 contos; isto é, em vinte anos os direitos sôbre o trigo exótico importaram em cêrca de 31:000 contos-ouro.

Se somarmos aos direitos nas alfândegas do trigo importado o acréscimo de preço do trigo nacional pelo favor à la-

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voura, ou como tal legislado, durante a lei proteccionista, encontramos bem mais de 50:000 contos-ouro como excesso de custo do trigo consumido em Portugal nos vinte anos de 1903 a 1914.

E se fizermos as mesmas contas aquém de 1914, encontraremos também somas de bastas dezenas de milhares de contos-ouro em direitos alfandegários, favores de preço do trigo nacional e de pão político.

Tirando a prova das utilidades políticas de tais dispêndios efectivos, chegamos a esta simples e triste conclusão: falta-nos agora, no fim de tanto tempo e de tam quantiosos subsídios ou tributos, como nos faltava antes da lei frumentá-ria, trigo para um têrço a metade do ano. Esta é a insofismável situação; aqueles os factos e os gastos insofismáveis. Tudo o mais, palavras, esperanças, promessas, quimeras, inconsciência, ganhuça, campanário ... o que quiserem.

Que a lei faliu não há dúvida, pois por mais de vinte anos de custosa duração, nada afinal resolveu do nosso abastecimento seguro e suficiente de trigo. O regime depois da Grande Guerra pouco, se alguma cousa, piorou o abastecimento de trigo, pois muita mais gente de Portugal passou a comer pão de trigo, em vez de milho, o que explica quási todo o acréscimo da importação de trigo aquém de 1920.

A grande lição da nossa política do pão sempre político, durante a lei frumentá-ria para a lavoura, na nova Paz para toda a gente, que afinal pagou e há-de pagar as diferenças, é esta: nem os direitos, nem os favores à lavoura, em muitas dezenas de milhares de contos, alteraram a nossa deficiência tradicional de trigo.

Por outras palavras: o dinheiro que dava para um completo fomento agrícola, se tivesse sido bem gasto, sumiu-se na voragem dos desatinos políticos sem o resultado ambicionado.

Ora é esta política que eu não vou seguindo: nem vou encarecer o pão escusa-
damente, nem vou deixar que se suma na voragem o imposto do pão.

Adoptei para isso umas providências simples e eficazes, como vão ver à face dos decretos que fiz para o pão, e do regime que sigo na importação do trigo.

Tendo decretado o preço do pão por trimestre (e as circunstâncias dirão se o passarei a mensal), asseguro um diferencial de pelo menos $10 em cada quilograma de trigo importado; isto é, o pagamento de um imposto de 15:000 contos, até a próxima colheita cerealífera, visto que será necessário importar cêrca ou mais de 150:000 toneladas de trigo.

Por outro lado evito que êste dinheiro entre na voragem das despesas públicas - que o mesmo é dizer, no abismo da burocracia e da militança - fazendo directamente a importação do trigo pelo Ministério da Agricultura, entregando-o à Manutenção Militar, vendendo-o esta à moagem, e cobrando logo, directamente o lucro da venda.

Por esta forma o Ministro da Agricultura tem à sua ordem o dinheiro do diferencial do trigo, como de direito, para o ensino e fomento agrícola; e não há, como tem havido, questões de diferenciais com a moagem, de longa resolução nos tribunais, como o vim encontrar no comêço do meu Govêrno.

O primeiro carregamento de trigo comprado deu de lucro, como já disse, 382.582$10, com o diferencial de $12(1); o segundo há-de dar perto ou mais de 1:000 contos, e os vindouros hão-de assegurar mais de 12:000 contos, talvez mais de 16:000 contos.

Que hei-de fazer com êste dinheiro?

A política do pão; por esta forma: 1.°, preparando a aplicação e executando os decretos dos baldios e dos incultos e charnecas, com os esclarecimentos que a prática fôr mostrando necessários, alguns dos quais vou decretar; 2.°, promovendo a execução de obras de rega, começando pela inicial do Ribatejo; 3.°, executando ordenadamente a reforma agrícola. Não preciso de nenhuma lei nova, embora a por mim proposta, de organização rural, me facilitasse o govêrno da agricultura.

Nos baldios comecei a actuar, mandando fazer as plantas dalguns para se proceder ao parcelamento. Um já está topografado, e os trabalhos começaram depois de eu entrar no Ministério, por ordem minha. Outros dois vão a caminho do fim.

O processo da partilha da serra de Mértola prossegue; em breve deve estar concluída. K não tardarão muitas semanas que o pessoal da agrimensura do Mi-

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nistério da Agricultura esteja a topografar vastíssima área de incultos e charneca para a aplicação da lei respectiva.

Também dentro em pouco vamos iniciar uma notável obra de rega: a da terra ribatejana entre Santarém e Vila Franca de Xira, na extensão de 10:000 hectares da terra melhor de Portugal.

Tivesse havido um pequeno senso governativo em Portugal que de há muito se teria transformado a aridez estival da vasta campina ribatejana na mais viçosa e produtiva terra de Portugal; se teria modificado o regime do gado manadio por terreno de ervas espontâneas, gado tantas vezes magro e tam pouco por quilómetro quadrado, em criação pecuária seleccionada e abundante, alimentada por ervagem de grande produção, de que boa parte ensilada. Um milharal extenso de cana alta, embandeirada, e espigas gradas a tapetar no estio a terra, que tradicionalmente se mantém então improdutiva; vários campos de cebola com saída fácil pelo Tejo, à compita da valenciana; laranjais e pomares, hortas extensas na terra do gado bravo, em que Oliveiros, por fôrça de expressão, comparou o campino a beduínos do Nilo.

A luz, talvez a mais suave de Portugal, com o auxílio da água de rega, transformaria êsse grande vale nilótico e semi-árido, que tem sido sempre, na mais pujante demonstração de produtividade que haveria em Portugal. Lição permanente, ao lado do caminho de ferro mais transitado do país, de qual deve ser a nossa política hidráulica, ficaria êsse primeiro empreendimento hidráulico. Depois iria buscar a electricidade a Ródão e a Belver, para dar movimento a outras bombas, como se trouxesse a água por fios das terras montuosas para os vales onde só ela falta para que estes mostrem a sua farta produção.

Não é sonhar. Quando entrei no Ministério soube que um Govêrno anterior, por aspirações e estudos dalgumas entidades interessadas em planos de rega, tinha contratado um engenheiro inglês, sir Murdoch Mac Donald, com longa prática de estudos e obras de rega no Egipto, como consultor dos estudos de rega em Portugal.

Logo cuidei do saber do que estava feito, sendo informado que Sir Mac Donald
tinha ido à Inglaterra apresentar-se na casa do Parlamento, de que era membro, e que tinha apresentado um primeiro relatório, o qual cuidei imediatamente de ler.

Era apenas de impressões gerais acêrca dos planos ainda mais ou menos indecisos de rega no Sado, no Tejo e no Mondego.

Logo que Sir Mac Donald voltou de Inglaterra, conferenciou comigo, tendo eu por intento principal definir-se qual o plano de rega de mais fácil e rápida exe- cução, de maior valor económico e demonstrativo.

Com prazer verifiquei o nosso acôrdo em se começar pela rega de Santarém a Vila Franca.

Dei imediatas instruções a S. Exa. para se elaborar com toda a rapidez o anteprojecto desta obra.

E tenho o prazer de anunciar à Câmara que há poucas horas Sir Mac Donald me trouxe o anteprojecto concluído ontem no fim do dia.

É também a resposta que dou a quem me acusa de eu não ter dado seguimento à sua acção como Ministro da Agricultura: notando-se que neste assunto fui eu quem definiu o ramo, e quem actuou desde o comêço até o fim.

Examinei ràpidamente o anteprojecto, e logo ordenei que se elabore o mais ràpidamente possível o projecto, para se começarem as obras.

Constam estas de uma estação elevatória de água do Tejo, abaixo de Santarém, em ponto determinado, perto do dique das Onias, para 4m,75 de elevação; de um canal primário, partindo daqui, ao lado daquele dique e depois do da Valada, primeiro num percurso de quási vinte quilómetros; depois o canal corta do rio em direcção á estação de Azambuja, aonde chega com perto de 26 quilómetros de percurso, alimentando ao longo dêste 26 canais secundários de rega; ao quilómetro 26 será instalada outra estação elevatória de água, em 2m,75 de altura, para ali alimentar um canal primário que irá por Vila Nova da Rainha e Carregado terminar em Vila Franca de Xira, ao passo que paralelo ao caminho de ferro, pelo sul, irá outro canal também terminar em Vila Franca, regando êste as terras de entre o caminho de ferro e o Tejo, e

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aquele as que ficam ao norte do caminho de ferro.

Conta-se com a vasão de 4 a 8 metros cúbicos por segundo, e uma elevação anual de 41 a 100 milhões de metros cúbicos de água, conforme se não adoptar ou se adoptar o arroz no afolhamento.

Parece que se deve eliminar o arroz, que encontra nos planos de rega com água por derivação, isto é, não elevada mecânicamente, melhores circunstâncias de produção económica.

Também o vale do Tejo, especialmente entre Santarém e Vila Franca, merece melhor destino.

O canal pode também ceder 2 metros cúbicos de água por segundo para Lisboa, a cidade famélica e sedenta.

Custará êste empreendimento, sem atender aos canais de distribuição nem à regularização do terreno para a rega, cêrca de 200:000 libras, no caso de se excluir o arroz do afolhamento, ou a cêrca de 20 libras por hectare irrigável.

A despesa anual de conservação e exploração regulará por 14:000 libras, com juros e amortização, por 37:528 libras, na mesma hipótese de se não cultivar o arroz.

E então o encargo anual por hectare será de 3.95 libras ou, ao câmbio actual, de 395$.

Como se realizará a obra?

Algumas entidades financeiras e alguns lavradores da região mostram interêsse pela obra.

Se continuar no Govêrno, convocarei os interessados para estudarmos a viabilidade do empreendimento, facultando o Estado tudo o que puder.

No caso de não se conseguir uma emprêsa nas normas gerais da lei das águas, de 10 de Maio de 1919, e da minha proposta de organização rural, o Govêrno, passando por cima de todas as dificuldades, iniciará as obras "logo que esteja elaborado o projecto", e executá-las há à sua custa, usando das regalias de concessionário expressas na lei das águas.

Tem tudo o que é necessário para que as obras só realizem, a começar pelo dinheiro; pois, como disse, o trigo há-de dar êste ano, até a colheita do que está a crescer, cêrca ou mais de 15:000 contos, isto é, mais de metade do custo das obras de rega entre Santarém e Vila Franca, e o ensino e fomento tradicionais deixarão livre dinheiro bastante para pagar metade das obras, ou soja toda a actividade dêste ano e de parte do que há-de vir.

E, ai de nós, no ano próximo bem por certo teremos ainda receita de trigo para o resto das obras e começar outras!

Vê bem, Sr. Presidente, como se pode transformar, apenas por uma correcção de hábitos antigos, uma política ruïnosa de pão político, ora para a lavoura e Moagem, ora para toda a gente, sempre com favor para alguns e ao mesmo tempo com a ruína de todos, em política benéfica do pão.

É o que tenho estado a fazer e que levarei a cabo ràpidamente na partilha de baldios, terras incultas e charnecas, dentro das leis existentes, e brilhantemente na primeira obra de rega que espero iniciar em Junho próximo, logo que tenha o projecto definitivo elaborado.

Na vida atribulada que leva o Govêrno de que faço parte, tudo isto pode deixar de ser realizado por mim. Deixo contudo definida uma orientação e trabalhos que nada custará depois seguir quem me suceder.

Devo, como português e engenheiro que sou, fazer aqui um reparo: um engenheiro inglês recebe por dia 25 libras esterlinas pelo seu trabalho de estudo de obras de rega de Portugal; o Govêrno não quis pagar-me menos do que isso por mês para fazer o estudo das obras de rega do Ribatejo, quando, tendo-me convidado para êsse trabalho, eu lhe pedi que me pagasse o mínimo que podia receber.

Não censuro o Govêrno que contratou sir Murdoch Mac Donald, porque havemos talvez de ficar a saber quanto custa ter ideas aproveitáveis; mas tenho pena e revolta por não saberem os governos aproveitar os homens que temos em Portugal, alguns tam capazes como os estrangeiros de estudar e realizar os nossos empreendimentos fundamentais.

Apoiados.

Ainda bem que temos um engenheiro competente e livre de peias burocráticas para a orientação do estudo das obras de rega.

Seguirei na política de realização, alheio ou pelo menos indiferente a êste Bisâncio,

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amealhando dinheiro do trigo para realizar a política do pão fora das normas clássicas dos dispêndios improdutivos. Dinheiro de trigo há-de dar muito trigo e fomentar a cultura mais perfeita e mais larga de muita terra, se me conservar no Govêrno.

Ao mesmo tempo cuido da reforma agrícola. É um problema de demorada solução, porque é sobretudo educativo. Vasto campo de acção. Começarei pelos folhetos de vulgarização dos silos e das montureiras e outros de correcção dos sistemas e dos processos agrícolas. Simultâneamente promoverá a divulgação de máquinas e ferramentas adequadas às diversas regiões do País, começando pelas da cultura do milho, da média e pequena propriedade.

O Sr. Brito Camacho: - Oxalá V. Exa. seja mais feliz do que quando há anos se mandaram vir tractores.

O Orador: - Não comprarei agora tractores; vou comprar máquinas, algumas que já experimentei, outras que muito desejava ver experimentadas, e que já particularmente tentei, há anos, comprar, mas que fiquei impossibilitado de adquirir no tempo da guerra e depois, e que hão-de modificar inteiramente a despesa com pessoal da nossa lavoura do centro e norte do País. Máquinas de tracção animal, ou por tractores pequenos do tipo Fordson.

Devo também dizer que, se tenho grande aversão ao pão político, tenho grande amizade à política do pão. Perdeu, de facto, o Estado algum dinheiro para antecipar a solução dum problema que era exigida pela opinião pública; mas eu não tenho culpa de não poder decretar nos mercados de Nova-York, Chicago, Buenos-Aires e Londres, o preço do trigo estrangeiro.

Não tenho também culpa de que a colheita da América tivesse sido inferior à normal, que a colheita da Argentina fôsse quási deficitária e que as colheitas da Rússia, da Roménia e dos outros países europeus habitualmente exportadores de trigo fôssem simplesmente desastrosas. Não tenho culpa ainda das perspectivas de preços do trigo que vinham sendo anunciados nos jornais da especialidade, e que me habilitavam a esperar que o trigo vendido pelo Estado a 1$60 o quilograma desse ainda um diferencial dalguns milhares de contos no primeiro trimestre de 1925 e nos outros com que eu pudesse fazer a política do pão.

Sr. Presidente: como tenho ainda diante de mim alguns minutos antes que a sessão feche, quero referir-me a outro ponto. É que hoje não se pode decretar preços para vigorarem por um ano, ou sequer por meses em qualquer País do mundo, nem em qualquer artigo do consumo. Por exemplo: do anteontem para ontem subiram na Alemanha os preços dos produtos eléctricos de 15 por cento.

Nós pudemos durante muitos anos manter situações de preços do trigo para um ano e quási para mais de um lustro; mas hoje isso é impossível.

Na casa comercial que dirijo, vendo electricidade na importância de mais de 40 contos por dia a preços variáveis de mês para mês.

Em alguns países da Europa os preços do pão mudam de semana para semana.

Ora, desta maneira, todas as previsões são falíveis. Erra toda a gente; só não erra aquele que nada faz e se limita a censurar o que os outros fazem.

Como disse, não tive culpa de que trusts se ligassem e as produções exíguas conspirassem contra o Govêrno de que faço parte. Mas se eu tivesse a cotação do ano passado, 200 xelins, para o trigo, com a libra a 100$, deitava um figurão, metendo nos cofres do Estado - que não devia fazer! um enorme diferencial e baixando muitíssimo ao mesmo tempo o preço do pão. Fui infeliz, mas não fui eu, nem a minha imprudência, quem fez a infelicidade.

Eu estou prêso há 15 anos à condenação do imposto sôbre trigos. Eu chamei a lei de 1899 a "lei da fome", mas também a posso denominar de lei de fartura...de impostos improdutivos, se assim quiserem.

Estou prêso há muitos anos a opiniões que muitas vezes leio para corrigir ou para ver se acertei. Sou um homem de opiniões feitas; mas tinha de aceitar o imposto de um diferencial, embora pequeno, que me dê para à vontade fazer a política do pão. Não fazia o pão político nem faria o pão caro. Eu nunca farei o pão político.

Apoiados.

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A situação hoje é delicada; estamos nas cotações maiores de há 26 anos a esta parte. Assim, o trigo que comprei hoje vai ficar em Lisboa a um pouco menos de 1$80. Ora êste número basilar ou importa um pão de guerra, ou importa um pão político, ou importa ainda uma alta no preço do pão.

O Poder Legislativo dir-me-há qual a resolução que devo tomar e eu a cumprirei. Mas eu quero um diferencial que me dê o bastante para fazer aquilo a que chamo a política do pão, isto é, uma receita tal que me habilite a fazer as obras de rega que se forem estudando como melhores, assim como o povoamento e a reforma agrícola.

Pelo menos para o essencial dêstes dois últimos problemas, e para se realizar a rega de Santarém a Vila Franca, como lição a todos os portugueses, ao lado do caminho de ferro, com o que se obterá prados, hortaliças, legumes, frutas, gado nédio e abundante... enfim, o triunfo de uma enorme e variada colheita agrícola a cantar sob o nosso lindo céu, no vale do Tejo, ainda barbaresco, a glòria do saber humano no prodígio da produção.

Apoiados.

É a luz mais bela da Europa que se perde; é o clima mais equilibrado, talvez, das regiões temperadas do mundo, que não tem o devido aproveitamento; essa luz que não somos capazes de estragar por vir de muito alto.

O Sr. Moura Pinto: - Nem de selar!

O Orador: - Isso não é comigo.

Essa luz devia alumiar já de há muito a obra da moderna engenharia, que transportasse a água do rio para as leivas sequiosas, onde todos os verãos reina a secura da mirra, transformando-as em terra de promissão.

Sr. Presidente: nunca vemos o trigo mais barato do que êle custou. Evidentemente o pão político é aquele que é feito com o trigo comprado pelo Estado por certo preço e vendido por preço menor.

O trigo exótico do Estado foi vendido por mim pelo preço que custou e ainda com o diferencial superior a $10, sendo fácil fazer a conta de 280 xelins por tonelada para 1$60 por quilo, para ver que há ainda, como sempre houve desde que aqui estou, uma taxa diferencial cobrada para o Estado.

É preciso dizer isto, porque uma cousa é o pão político e outra é a política do pão.

O Govêrno a que pertenço tentou resolver honestamente um problema.

Apoiados.

Não tem culpa de que contra êle conspirasse todo o estrangeiro que produz e consome trigo, não tem culpa de que o vapor que havia de chegar antes de 20 de Janeiro só chegue na próxima segunda-feira, e não tem culpa, também, da minha pouca competência(Não apoiados) para dirigir um movimento comercial enorme, dificílimo, com interêsses formidandos pela massa do capital que representam e pela complexidade de legítimos valores a respeitar.

O Ministro da Agricultura, como disse, encontra-se hoje numa situação difícil perante o problema do pão. O Poder Legislativo dará as suas indicações sôbre o assunto.

- Que prejudiquei a lavoura; que quero mal à lavoura!

Quem me acusa, nem conhece o problema e os factos, nem me conhece a mim.

Recebi o problema do pão em péssimas bases. Toda a gente dizia:

- A libra baixou de um têrço - o pão deve baixar de um têrço.

E eu só pude fazer a baixa de uns míseros dois ou três centavos por quilograma!

Ninguém ficou satisfeito, justamente porque estamos na casa onde não há pão.

Mas a lavoura, que jogou com o manifesto vendendo muito trigo fora dêle a 2$ e mais, tirando o pânico de poucos dias entre os meus decretos acêrca do pão, vendeu sempre o seu trigo pelo menos a 1$80 por quilograma.

E se não vendeu algum a êste preço, foi justamente porque não o manifestou: isto é, por sua culpa.

Ouvi tantas contas e tantos números dos Srs. Deputados, todos tanto no ar, que não devo contradizê-los e comentá-los.

- Que quero mal à lavoura!

Quando é certo que por ela tenho sofrido canseiras e despesas, como talvez ninguém em Portugal. Curiosa sorte a minha: foi preciso ser Ministro para que

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me chamassem estúpido (no que devem ter razão) e mau para a grei, no que não têm razão nenhuma.

Emquanto muitos Deputados da Constituinte marinhavam à cata dos queijos ricos, candidatos a conezias, eu estudava lavoura portuguesa e outros problemas fundamentais da nossa política, e publicava A Conservação da Riqueza Nacional que não me deu um centavo de receita.

Vendo que ninguém publicava nada acêrca de alguns problemas agrícolas, que surgiam daquele livro, fui para o Alentejo experimentar lavoura e estudar o seu ambiente agrário, em 1915. Primeiro para Grândola, terra de Jacinto Nunes.

Debalde.

Tenho do meu venerando amigo uma carta que é um conselho. Dizia-me:

"Deixa-te de lavoura, e sobretudo de lavoura regada no Alentejo. Vai para a tua terra verdejante do noroeste.

No Alentejo não há água sequer para os passarinhos.

Que sonhas tu, místico?

Os medronheiros no Alentejo são belos, e também as flores brancas das estevas.

Nem as ondas verdes do trigal são mais lindas.

Queres mudar a face da terra?

A emigração é como a saída dos enxames: deixa partir os que vão. O mando de Portugal é inalterável na sua derrota.

Volta para o teu Minho; sonha lá!"

Não segui o conselho, fui para Évora. Um ano volvido sôbre a minha entrada em Évora, comprei 40 hectares de terra, quási toda delgada.

Ao longo dela, a charrua quando ia lavrando roçava na rocha do sub-solo. Nunca tinha sido lavrador. No Minho meu pai tinha um quintal, de pouco mais de meio hectare, onde tinha feito experiências da cultura minhota. O meu problema, porém, era o da cultura de sequeiro.

Instalei-me sem nada: nem ferramenta agrícola, nem alimento para a gente e para o gado.

Comecei pelo princípio. E de princípio vi a má vontade da guarda republicana, e do transeunte.

Não estava na situação dos subsidiados pelo Estado para fingirem culturas nos
postos agrários. Havia de viver da minha lavoura, mais os meus colaboradores.

Tivemos insucessos; e tivemos êxitos brilhantes.

Durante 3 anos trabalhei na terra luminosa do Alentejo; e já no segundo ano sabia agricultar a minha quinta.

Nas Leivas da Minha Terra oferecia à lavoura portuguesa, por lhe querer mal, o fruto do meu primeiro ano de aprendizagem.

Quantas dificuldades a vencer!

Que diferença entre o clima chuvoso e de brumas do Minho e o alentejano, da senhora da mirra!

Da minha pequena quinta, toda de sequeiro, à excepção de uma horta que tinha, quando muito, uma dúzia de laranjeiras, meia dúzia de tanjerineiras, outras tantas figueiras e duas nogueiras - com quanta saudade tudo estou vendo! - a minha pequena quinta, que apenas alimentava uma parelha de muares aos que anteriormente a lavravam, ali montou, sem que eu tivesse de comprar um quilograma de forragem ou de ração e de adubo, 24 cabeças de gado vacum, 120 ovelhas e 4 jumentos. Tive talvez a maior produção cerealífera e pecuária do Alentejo por hectare, apesar de não ser lavrador, nem tam pouco os meus auxiliares. Se toda a terra de Portugal dos mesmos ou melhores caracteres agronómicos produzisse como a minha, não estaríamos nunca às voltas com a falta de alimentos.

Se quero mal à lavoura...

A ela, por dever e por paixão, dediquei e dedico o melhor da minha actividade. E se deixei a minha quinta do Alentejo, foi tam sòmente porque 40 hectares eram poucos demais para ocuparem a minha actividade, desde moço orientada na vida de engenheiro, bem como excessivamente deminutos como modo de vida para quem não lavrava e amanhava tudo pelas suas mãos e da sua família.

Sr. Presidente: voltei a sentir-me mal nesta casa do Parlamento, depois de a ter deixado em 1914. O pouco que tinha, consegui-o com trabalho afincado e economia severa fora do Orçamento. No tempo da guerra e na nova paz, os Bancos o os seus amigos aventureiros aviltavam os meus haveres, pois não comprei nem vendi, não fui miliciano de balcão nem de

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trapeira, não comprei títulos nem prédios para depois vender na alta, nem joguei com o dinheiro dos outros.

Apoiados.

A minha vida é clara e simples. Filho de um modesto alfaiate da aldeia, valorizei-me pelo meu esfôrço.

Como Ministro posso ter erros; mas o que tive sempre foi boas intenções de acor-tar em prol do comum.

Voltei a sentir-me mal nesta casa do Parlamento, onde tudo se amesquinha e se malsina.

Que saüdades que eu tenho dos serviços municipais do gás e electricidade do Pôrto, do recanto da Praça de Carlos Alberto onde era o meu gabinete do trabalho, e das ruas do Pôrto laborioso, onde passo afadigado pelos cuidados de todos os dias e do fim de todas as tardes em que descanso dos números e das obras, a cuidar das minhas árvores e das minhas sementeiras, no ambiente amigo dos meus cães e das minhas flores, pondo sôbre os joelhos, como o Passos, a minha filhinha que me beija ...

O Sr. Presidente: - Devo prevenir V. Exa. de que já deu a hora de se encerrar a sessão, e assim, se V. Exa. deseja, poderá ficar com a palavra reservada para a próxima sessão.

O Orador: - Se V. Exa. me permite, terminarei hoje as minhas considerações, para o que necessitarei apenas de mais um minuto.

Declaro mais uma vez à Câmara que não houve da minha parte o intuito de estorvar a acção inteligente de qualquer anterior Ministro da Agricultura, assim como não houve da minha parte o intuito de atacar a lavoura.

Seguirei a política do pão em normas bem definidas para o momento da produção agrícola do País, sem explorar a grei com impostos improdutivos sôbre o trigo nacional e exótico.

Estando Sr. Presidente, sôbre a Mesa várias moções de desconfiança, eu termino declarando que só posso aceitar uma moção de confiança, redigida como a do Sr. Tôrres Garcia.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se uma nota de interpelação.

Foi lida.

O Sr. Presidente: - Devo prevenir a Câmara de que o Sr. Prazeres da Costa foi substituído na comissão de finanças pelo Sr. Abranches Ferrão.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Morais Carvalho: - Sr. Presidente: nesta altura da sessão, nos breves minutos que o Regimento me permite que use da palavra, não posso tratar, como desejava, do acto inteiramente ilegal do Govêrno dissolvendo a Associação Comercial de Lisboa; porém, não quero eu que neste primeiro dia deixe de se levantar nesta Câmara uma voz de protesto contra a arbitrariedade do Poder Executivo.

Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério declarou há bocado que se ufanava de exercer o Govêrno dentro da mais estrita legalidade.

Não é assim!

O Govêrno da presidência de S. Exa., provocando o acto a que acabo de me referir, saíu para fora da lei.

O Sr. Presidente do Ministério, nos considerandos do seu decreto, copiando quási textualmente os considerandos dum outro decreto publicado em 1896, e dissolvendo então também a Associação Comercial e outras, esqueceu-se apenas duma cousa: é que são diferentes os preceitos constitucionais que hoje vigoram dos que então vigoravam.

O direito de resistir e reclamar contra as leis que não sejam promulgadas nos termos constitucionais, está expressamente reconhecido pela Constituïção.

Pode qualquer recorrer para os tribunais, e êles têm obrigação de verificar da legalidade e da constitucionalidade das leis.

A Associação Comercial, aconselhando os seus associados a que resistissem à lei, porque entendia que ela não era constitucional, não exorbitou, nem praticou nenhum acto que lhe não fôsse permitido pela Constituïção.

Quem se colocou fora da lei foi o Govêrno.

Sr. Presidente: se se tratasse de qual-

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quer outro momento, que não êste, em que o Regimento me permite apenas que aflore ràpidamente o assunto, eu trataria também de examinar os dois únicos decretos que o Sr. Presidente do Ministério invocou para neles se estribar para o acto que praticou, e verificaria também se êles eram aplicáveis a uma associação como a Associação Comercial.

Refiro-me a um decreto de 1890 e a outro de 1891.

Eu trataria também de estudar se, em face da lei que regulamenta o direito de associação, de 1907, o decreto poderia ser publicado invocando essa lei.

Mas tudo isto fá-lo hei noutra ocasião, provàvelmente na segunda-feira, ou em outro qualquer dia próximo.

Porém, o que não quis deixar de fazer desde hoje, Sr. Presidente, foi levantar o meu protesto enérgico contra uma medida que não tem justificação alguma, porque todos os actos praticados pela Associação Comercial estão dentro da lei.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigràficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do interior (José Domingues dos Santos): - Sr. Presidente: prometeu o Sr. Morais Carvalho voltar a tratar mais detidamente dêste assunto e está também sôbre a Mesa uma nota de interpelação sôbre êste mesmo caso.

Posso afirmar que o acto do Govêrno encerrando a Associação Comercial de Lisboa não foi um acto ilegal, porque ela tem sido um foco de insubordinação contra o Govêrno e o Parlamento.

O Govêrno não tem feito senão cumprir a lei e fazer respeitar as deliberações do Poder Legislativo e os legítimos interêsses do País.

Há-de cumprir-se a lei e tenho afirmado, mais de uma vez, que hei-de prestigiar o Poder.

Tenho dito.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: é espantoso que o Sr. Presidente do Ministério tenha a coragem de falar pela forma como acaba de o fazer!

A sua acção tem sido sempre de incitamento aos inimigos da sociedade para os seus fins criminosos.

Todos os crimes e assassinatos que se têm praticado, os homens que os praticam têm sido armados por homens que procedem como S. Exa.!

Não é êsse o papel de um homem de Govêrno, porque êsse só pode apoiar-se nos elementos de ordem; mas S. Exa., que não é um homem de Estado, principiou por pôr à sôlta assassinos, e só tem hoje autoridade para dissolver colectividades que não fizeram mais do que protestar, como fez o Parlamento, contra a sua acção perniciosa!

O dever da Associação Comercial é defender os interêsses do comércio, e eu pre- gunto se ela saíu dos seus fins defendendo o comércio de um ataque que o Govêrno lhe dirigiu.

Então S. Exa. salta por cima dum voto do Parlamento, e publica o decreto.

S. Exa. não tem o direito de desrespeitar o Parlamento, pois nós é que representamos o povo e não a rua que S. Exa. mandou aqui.

A Associação Comercial não fez mais do que defender os seus sócios, que os Bancos não são outra cousa, em conformidade com os estatutos.

A Associação Comercial cumpriu o seu dever, procedeu com honra, procedeu como uma associação deve proceder.

Apoiados.

Não apoiados.

O Sr. Presidente: - V. Exa. já passou o tempo destinado a falar.

O Orador: - Onde estão os princípios democráticos?

O que S. Exa. fez foi um acto despótico, de tirania, e eu não posso deixar de apresentar o meu mais indignado e veemente protesto por se ter cuspido sôbre o comércio e sôbre o País e não se deixar que o assunto fôsse aqui tratado.

Tenho dito.

Vozes: - Vá para a associação tratá-lo.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Domingues dos Santos): - Repito o que já disse: na altura

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em que fôr feita a devida interpelação, então responderei.

Pedi a palavra para levantar uma frase do Sr. Carvalho da Silva.

Disse S. Exa. que eu soltei assassinos. Não; o que fiz foi pôr em liberdade pessoas que estavam detidas indevidamente tanto tempo, pois não tinham culpa formada.

É provável que eu soltasse algum assassino, mas isso foi quando da traulitânia, e eu era governador civil do Pôrto.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Manuel Fragoso: - Chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio para o estado em que se encontram as estradas do País, mormente as de Arraiolos.

Necessita ser reparado apenas um lanço que liga a cabeça do concelho à estação do caminho de ferro, distância de dois ou três quilómetros.

Chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio para que providências sejam tomadas neste sentido.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Plínio Silva): - Um dos meus objectivos consiste, como já disse, em aproveitar exactamente o auxílio da iniciativa local, que está sendo dirigido de toda a parte do País, no sentido de facilitar a solução do problema.

Chegou ao meu conhecimento o oferecimento de Arraiolos apenas pela bôca do Sr. Manuel Fragoso.

Não tenho conhecimento do oferecimento da câmara, o que não me impede de o aceitar, como de resto o auxilio doutros municípios.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é segunda-feira, às 14 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:

Antes da ordem do dia:

A de hoje.

Ordem do dia:

Proposta de lei n.° 854, que autoriza o Govêrno, por acôrdo com o Banco de Portugal, a transferir da conta sob a rubrica "Suprimento ao Govêrno (convenção de 29 de Dezembro de 1922)" para a conta sob a rubrica "Empréstimo ao Govêrno (contrato de 29 de Abril de 1918)" a importância do saldo dos aludidos suprimentos à data da entrada em vigor desta lei, e a de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Documentos enviados para a Mesa
durante a sessão

Substituição

Na comissão de finanças substituir o Sr. Prazeres da Costa pelo Sr. Abranches Ferrão.

Notas de interpelação

Desejo interpelar o Sr. Presidente do Ministério sôbre o decreto que dissolveu a Associação Comercial de Lisboa.

Em 6 de Fevereiro de 1925. - O Deputado, Pedro Pita.

Expeça-se.

Proposta de lei

Do Sr. Ministro das Finanças, autorizando o Govêrno, por acôrdo com o Banco de Portugal, a transferir da conta sob a rubrica "Suprimentos ao Govêrno (convenção de 29 de Dezembro de 1922)" para a conta sob a rubrica "Empréstimos ao Govêrno (contrato de 29 de Abril de 1918)" a importância do saldo dos aludidos suprimentos à data da entrada em vigor desta lei.

Aprovada a urgência e dispensa do Regimento para ser discutido na próxima segunda-feira.

Para o "Diário do Govêrno".

Requerimento

Requeiro, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, que me seja fornecida cópia do relatório da sindicância feita ao Ministro em Berlim, Sr. Veiga Simões.

Sala das Sessões, 6 de Fevereiro de 1925. - Joaquim Ribeiro.

Expeça-se.

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Projecto de lei

Dos Srs. Mariano Martins, Sá Pereira e José Gomes de Vilhena, prorrogando por mais cinco anos o prazo estabelecido na lei n.º 1:024, de 1920 (direitos de importação de materiais pelas câmaras municipais).

Para o "Diário do Govêrno".

O REDACTOR - Sérgio de Castro.

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