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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 28

EM 9 DE FEVEREIRO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva

Sumário. - Abertura da sessão. Leitura da acta. Correspondência.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Tavares de Carvalho ocupa-se da carestia da vida, chamando a atenção do Sr. Ministro das Finanças para a necessidade de melhorar o câmbio, e enviando para a Mesa um requerimento.

O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior) responde às considerações do Sr. Tavares de Carvalho.

É aprovado o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho, tendo usado da palavra, sôbre o modo de votar, o Sr. Pedro Pita.

Continua a discussão do parecer n.º 848.

Usa da palavra, sôbre a ordem, o Sr. Pinto Barriga, que envia para a Mesa uma moção.

É admitida.

O Sr. Sampaio Maia requere prioridade na votação para a moção do Sr. Pinto Barriga. É aprovado êste requerimento e em seguida é aprovada a referida moção.

É aprovada a moção do Sr. Baltasar Teixeira, apresentada numa sessão anterior.

É aprovado em seguida o parecer n.° 848, sendo dispensada a leitura da última redacção, a requerimento do Sr. Tavares Ferreira.

O Sr. Ministro do Comércio (Plínio Silva) envia para a Mesa uma proposta de lei sôbre as tarifas dos telefones. Requere a urgência, e para que entre em discussão no dia 11, antes da ordem do dia.

É aprovada a primeira parte do requerimento.

Usam da palavra sôbre o modo de votar a segunda parte os Srs. Cunha Leal, Ministro do Comércio, Pedro Pita, Carvalho da Silva e, novamente, o Sr. Ministro do Comércio, que desiste da segunda parte do seu requerimento.

O Sr. Velhinho Carreia, em nome da comissão de finanças, pede licença para que essa comissão possa reünir durante a sessão.

O Sr. David Rodrigues requere que lhe seja dada a palavra para se ocupar, em negócio urgente, das manifestações ùltimamente realizadas na cidade de Lisboa.

Usam da palavra sôbre o modo de votar os Srs. David Rodrigues, Álvaro de Castro, Jaime de Sousa, Lopes Cardoso, Carvalho da Silva, Vitorino Guimarães, Cunha Leal, Agatão Lança e Álvaro de Castro, depois do que se vota e é aprovado o negócio urgente do Sr. David Rodrigues, para se realizar logo que esteja presente o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Amadeu de Vasconcelos usa da palavra para explicações.

Lê-se na Mesa um pedido de palavra para negócio urgente, apresentado pelo Sr. Morais Carvalho, para quando esteja presente o Sr. Presidente do Ministério.

É aprovado.

É aprovada a acta.

Entrando na sala o Sr. Presidente do Ministério, o Sr. David Rodrigues, em negócio urgente, ocupa-se das palavras atribuidas ao Sr. Presidente do Ministério, proferidas das janelas do Ministério do Interior, em face da multidão que fôra até ali manifestar-se em favor do Govêrno, e bem assim dos factos graves ocorridos no decurso dessa manifestação, e manda para a Mesa uma moção.

Usa da palavra o Sr. Presidente do Ministério (José Domingues dos Santos).

Usa da palavra para interrogar a Mesa o Sr. Cunha Leal, respondendo-lhe o Sr. Presidente.

O Sr. Cunha Leal faz algumas considerações em resposta às palavras do Sr. Presidente do Ministério, seguindo-se-lhe o Sr. Morais Carvalho, que protesta contra as mesmas palavras e pede autorização para retirar o "negócio urgente".

Usam da palavra os Srs. Agatão Lança e Juvenal de Araújo, sendo admitida em seguida a moção do Sr. David Rodrigues.

Ficando em discussão, usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Sá Pereira, que faz largas considerações, ficando com a palavra reservada.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 15 horas e 20 minutos.

Presentes 39 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 76 Srs. Deputados.

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Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Pina de Morais Júnior.
João Vitorino Mealha.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Juvenal Henrique de Araújo.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Maldonado de Freitas.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
José Carvalho dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.

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Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo da Silva Castro.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Resende.
António de Sousa Maia.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim
Jaime Duarte da Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João Salema.
João de Sousa Uva.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José de Oliveira Salvador.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.

Pelas 15 horas e 20 minutos, com a presença de 39 Srs. Deputados, o Sr. Presidente declara aberta a sessão.

Leu-se a acta e o seguinte

Expediente

Ofícios

Do Senado, enviando as seguintes propostas de lei:

Autorizando a Junta de Freguesia de Casal Comba, concelho da Mealhada, distrito de Aveiro, a alienar determinados terrenos.

Para a comissão de administração pública.

Reintegrando no serviço do exército, e considerando primeiro sargento desde 28 de Janeiro de 1908, o cidadão Marcelino António Gorgulho.

Para a comissão de guerra.

Abrindo a favor do Ministério da Instrução um crédito de 150 contos para acabamento do campo de desenvolvimento físico do Liceu de Gil Vicente, de Lisboa.

Para a comissão de instrução secundária.

Dispensando de licença de uso de porte de armas os guardas nocturnos.

Para a comissão de administração pública.

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Do Ministério da Guerra, satisfazendo ao pedido, em ofício n.° 62, para o Sr. David Rodrigues.

Para a Secretaria.

Do Ministério dos Negócios Estrangeiros, respondendo ao ofício n.° 127, relativo a um pedido do Sr. Agatão Lança.

Para a Secretaria.

Do mesmo, respondendo ao ofício n.° 90, relativo a um pedido do Sr. Joaquim Ribeiro.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal de Viana do Castelo, pedindo o auxilio, no seu pedido ao Ministério da Instrução, sôbre as despesas da escola daquele concelho.

Para a Secretaria.

Telegramas

Das Associações Comerciais de Leiria, Évora, Tôrres Vedras, Abrantes, Vila do Conde, Macedo de Cavaleiros, Santarém, Beja, Aldeia Galega e Almada, protestando contra o encerramento da Associação Comercial de Lisboa.

Para a Secretaria.

Da Associação Comercial e Industrial de Alcobaça, da Associação Comercial de Barcelos e da comissão delegada dos interêsses económicos de Alcobaça, protestando contra o encerramento da Associação Comercial de Lisboa.

Para a Secretaria.

Da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Santiago do Cacém, pedindo para ser revogado o decreto que dissolveu a Associação Comercial de Lisboa.

Para a Secretaria.

Das Associações Comerciais e Industriais de Viseu, Tomar, Santa Comba Dão, Arruda dos Vinhos, Castelo Branco, Tavira, Feira, Fundão, Vila Nova de Fa-malicão, Coimbra, Cascais, Oeiras, Caldas da Rainha, Figueira da Foz, Vila Franca de Xira e Guarda, protestando contra o encerramento da Associação Comercial de Lisboa.

Para a Secretaria.

Dos comerciantes e industriais de Moura, Livramento, Rio Maior, Castro Verde, Miranda do Corvo e Amareleja, e Manuel Esteves, de Mafra, protestando contra o encerramento da Associação Comercial de Lisboa.

Para a Secretaria.

Da comissão dos interêsses económicos de Abrantes, Alcácer do Sal, Espinho, Pombal e Arruda dos Vinhos, das Associações Comercial dos Lojistas de Setúbal, Comerciantes de Cereais do Norte de Portugal, Armazenistas de Mercearia do Pôrto, e dos Sindicatos Agrícola de Serpa e Agrícola de Alcácer do Sal, protestando contra o encerramento da Associação Comercial de Lisboa.

Para a Secretaria.

Das Câmaras Municipais da Ribeira Grande e Santa Cruz da Graciosa (Açôres), pedindo para no projecto sôbre tabacos se conservar o regime actual para os Açôres e Madeira.

Para a Secretaria.

Do Grémio Português, de Loanda, interpretando o sentir de toda a colónia, entende indispensável a conservação do governador Tavares de Carvalho, não aceitando outro governador.

Para a Secretaria.

Dos barbeiros do Funchal, secundando o pedido da sua Associação, isentando-os de impostos de transacção e taxa anual.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Tavares de Carvalho: - Eu desejava que p Sr. Ministro das Finanças me respondesse a uma pregunta que fiz, quando S. Exa. não estava na sala.

Desejava que S. Exa. me dissesse se segue a política, sôbre cambiais, do seu antecessor para valorização do escudo.

É o meu grande interêsse na deminuïção da carestia da vida, que me leva a preguntar a S. Exa., não vendo nisso inconveniente, se está disposto a seguir a política da valorização do escudo, a fim de lhe sentirmos os benefícios, pois a maior parte dos artigos, estão sendo elevados pela ganância e instintos criminosos da maior parte dos comerciantes.

Aproveito a ocasião para mandar para a Mesa um requerimento.

O orador não reviu.

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O Sr. Ministro das Finanças (Pestana Júnior): - Na proposta sôbre fundo de meneio, o Govêrno tratará dessa política de cambiais.

Leu-se o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho.

É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que entre imediatamente em discussão o parecer n.° 488.- Tavares de Carvalho.

O Sr. Pedro Pita: - O Sr. Ministro das Finanças, publicou um decreto anulando a reforma apresentada pelo Sr. Baltasar Teixeira.

O Partido Nacionalista entende e muito bem, que o Poder Legislativo está superior ao Executivo.

Apoiados.

É preciso entrar nas boas normas; e, por isso, o meu partido verá com prazer que se discuta o aprove a matéria dêsse requerimento.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Tavares de Carvalho.

Entra em discussão o parecer n.° 848.

É o seguinte:

Parecer n.° 848

Senhores Deputados. - O projecto de lei n.° 845-Q, presente à vossa comissão de finanças para sôbre êle se pronunciar, destina-se a manter em pleno vigor o artigo 2.° da lei n.° 1:722, de 1 de Janeiro de 1925, que o Govêrno, pelo seu decreto n.° 10:438, deliberou suspender, contrariando assim a vontade expressa pelo Poder Legislativo no artigo 20.° da lei n.° 1:668, confirmada no artigo 2.° da lei n.° 1:722 que por ter sido suspensa agora se procura repor.

Absolutamente de acôrdo com o projecto em questão, não necessita a vossa comissão de finanças de basear a sua opinião, nem de a reforçar, porque, se não houvesse outros meios para a sua justificação, bastaria a argumentação cerrada e clara do relatório do Sr. Deputado que tomou a iniciativa da apresentação do referido projecto de lei, para que nitidamente a Câmara se elucidasse sôbre a sua razão de ser.

Felizmente, que a Câmara conhece o assunto do projecto, porque deliberou sôbre
a sua doutrina há poucos dias apenas, e não seria por certo nestes poucos dias que mudaria de opinião.

Por isso, e porque as resoluções da Câmara devem sem cumpridas rigorosamente por quem de direito, só podendo ser revogadas ou alteradas por leis que assim
o determinem e ainda porque nenhuma razão de justiça assistiu à suspensão do artigo 2.° da lei n.° 1:722, a vossa comissão de finanças dá ao projecto de lei n.° 845-Q o seu parecer favorável.

Sala das sessões da comissão de finanças, 19 de Janeiro de 1925. - A. Portugal Durão - Viriato da Fonseca (com declarações) - Carlos Pereira (com declarações)- Artur Carvalho da Silva (com declarações) - A. Paiva Gomes - Ferreira da Rocha -Pinto Rarriga - Amadeu de Vasconcelos - Lourenço Correia Gomes, relator.

Projecto de lei n.° 845-Q

Senhores Deputados. - Pelo decreto n.° 10:438, de 8 de Janeiro corrente, segunda vez publicado por virtude de inexactidões no Diário do Govêrno de 10, o Govêrno suspendeu o artigo 2.° da lei n.° 1:722, de 1 também do corrente, na parte que diz respeito ao Congresso da República, até resolução do Poder Legislativo. O artigo citado é o que manda adicionar ás verbas descritas na proposta orçamental do Ministério das Finanças para 1924-1925, além de outras quantias, a de 270.000$ no capítulo 3.°, artigo 15.°, relativos ao Congresso da República e de harmonia com o artigo 20.° da lei n.° 1:668. O artigo 20.° da lei n.° 1:668, de 9 de Setembro de 1924, confirma a autorização já anteriormente concedida à comissão administrativa do Congresso da República pelo artigo 2.° da lei n.° 1:569, de 27 de Março de 1924, para reorganizar os serviços e quadros da direcção geral da secretaria do Congresso e fixar novos vencimentos ao seu funcionalismo, podendo exceder em mais a quantia anual de 270.000$ da quantia inscrita no orçamento actual. No decreto n.° 10:438 o Govêrno declara usar da autorização concedida pelo artigo 1.° da lei n.° 1:648, de 11 de Agosto de 1924, e fundamenta-o com a alegação de que a reorganização dos serviços da Direcção Geral da Secretaria do Congresso da República publicada no Diário do Govêrno n.° 285, 1.ª série, de 24 de Dezembro

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último, está em manifesta desarmonia com o estabelecido no artigo 32.° da lei n.° 1:355, de 15 de Setembro de 1922, e que, pela aplicação do principio de igualdade de vencimentos fixado no mesmo artigo, sobremaneira agravaria a despesa em soma que não se comportaria na verba de 9:000 contos destinada a aumento de melhoria de vencimentos, conforme o artigo 24.° da citada lei n.º 1:668.

Mas para publicar o decreto n.° 10:438 nem o Govêrno podia basear-se na autorização concedida pelo artigo 1.° da lei n.° 1:648, nem foi feliz na invocação do artigo 32,° da lei n.° 1:355, que não se aplica à hipótese. Quando no Diário do Govêrno foi publicado em 1.ª e 2.ª edição o decreto n.° 10:438 achavam-se interrompidas, por motivo de férias, as sessões das duas Câmaras Legislativas, circunstância esta que inibia o Poder Executivo de usar da autorização que lhe foi concedida pelo artigo 1.° da lei n.° 1:648, por virtude da disposição clara e insofismável do § 2.° do mesmo artigo que estabelece que essa autorização se considera desde logo suspensa no caso de ser adiada ou por algum outro motivo interrompida a corrente sessão legislativa.

Mas quando assim não fôsse não seria de invocar o artigo 32.° da lei n.° 1:355, que manda tomar para base da aplicação das percentagens fixadas na tabela n.° 4 que faz parte integrante da mesma lei os quantitativos designados nos mapas anexos ao decreto n.° 7:088, de 4 de Novembro de 1920, e em nenhum dêsses mapas figura o pessoal da Secretaria do Congresso da República. Outra conclusão não se pode tirar desta circunstância senão a de que as primeiras palavras do mesmo artigo 32.° "a fim de evitar diferenças de abonos aos funcionários das secretarias das Direcções Gerais dos Ministérios e dos serviços às mesmas equiparados" se não referem ao pessoal da Secretaria do Congresso da República que pela especialização das suas funções e ainda pelo horário do seu serviço, que não é normal como nos Ministérios e serviços dêles dependentes, mas é função da duração das sessões, não pode, efectivamente, estar equiparado ao restante funcionalismo do Estado.

Mas se alguma dúvida pudesse ainda subsistir sôbre a não aplicação do artigo
32.° da lei n.° 1:355 ao funcionalismo do Congresso, a mesma lei a faria desaparecer com o seu artigo 14.° que torna extensivas as suas disposições, na parte aplicável ao referido funcionalismo.

É evidente que esta última disposição seria desnecessária se ao funcionalismo do Congresso se aplicasse o artigo 32.° citado, porquanto, nesta hipótese, o artigo 14.° constituiria uma redundância e nas leis não podem admitir-se redundâncias. Mas admitido por hipótese que o artigo 32.° da lei n.° 1:355 se aplicava ao funcionalismo do Congresso da República seriamos levados à conclusão de que houve talvez precipitação na publicação do decreto n.° 10:438. O artigo 32.° da lei n.° 1:355 não se refere a vencimentos bases mas sim a vencimentos totais, isto é, abrangendo as melhorias de vencimentos. E tanto assim é que, compulsando os orçamentos, verificamos que funcionários da mesma categoria são diversamente dotados, conforme os Ministérios em que servem. Os directores gerais, por exemplo, têm nos Ministérios do Interior, da Justiça e da Instrução 2.400$ anuais, nos dos Estrangeiros e Finanças 3.300$ e no das Colónias 4.125$. Portanto, ainda na hipótese que figuramos, a comissão administrativa do Congresso da República ao fixar os vencimentos bases do seu funcionalismo não tinha que se prender com os vencimentos que percebem os funcionários dependentes do Poder Executivo, mas apenas tinha que atender não só a que o funcionalismo do Congresso, uma vez modificadas as actuais circunstâncias, viesse a auferir uma remuneração condigna, como ainda a não ultrapassar o limite que lhe foi imposto no artigo 20.° da lei n.° 1:668. Emquanto, porém, não forem normais as condições económicas do País, os artigos 22.° e 23.° da Reorganização dos Serviços do Congresso, de 1 de Novembro de 1924, estabelece coeficientes e factores de valorização a aplicar aos vencimentos, abonos, gratificações e subsídios atribuídos ao mesmo funcionalismo, coeficientes e factores êsses variáveis de semestre para semestre e dependentes, exactamente, dessas mesmas condições económicas. Êsses coeficientes e êsses factores nem foram publicados em documento algum nem sequer o Govêrno curou de saber quais eram.

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Como chegou, pois, o Govêrno à conclusão de que são aumentados os vencimentos totais do funcionalismo do Congresso?

Atenda-se ainda a que, ao contrário do que se afirma num dos considerandos do decreto n.° 10:438 e artigo 20.° da lei n.° 1:668 autorizando o acréscimo da despesa anual de 270 contos não fixa que seja "para aumento e beneficio do pessoal da Secretaria do Congresso da República". Por todas estas razões e ainda porque, incontestàvelmente, o Govêrno com o decreto n.° 10:438 contrariou a vontade do Poder Legislativo expressa no artigo 20.° da lei n.° 1:668 e confirmada na parte do artigo 2.° da lei n.° 1:722 suspensa pelo mesmo decreto, não deve êste subsistir, pelo que tenho a honra de submeter à vossa consideração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Continua em vigor o artigo 2.° da lei n.° 1:722, de 1 de Janeiro de 1925, na parte que diz respeito no Congresso da República.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário. - O Deputado, Baltasar Teixeira.

O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra, o Sr. Baltasar Teixeira, que ficara com ela reservada numa sessão anterior.

O Sr. Baltasar Teixeira: - Desisto da palavra.

O Sr. Pinto Barriga: - Em cumprimento das praxes regimentais, tenho a honra de enviar para a Mesa uma moção, que passo a ler.

É a seguinte:

Moção

Considerando que a Comissão Administrativa do Congresso da República só procedeu à reorganização de serviços da sua secretaria após a vontade expressa pelas duas Câmaras e consignada nas autorizações concedidas no artigo 2.º da lei n.° 1:569 e artigo 20.° da lei n.° 1:668, de 9 de Setembro de 1924;

Considerando que a comissão administrativa ao proceder à reorganização dos serviços não só não excede a verba orçamental, que por lei lhe foi fixada, mas
até o fez cautelosamente e melhorando os serviços;

Considerando que de 229 funcionários que existiam em 1910, com um trabalho muito menos intensivo então do que presentemente, se reduziram os quadros a 140 funcionários no que a comissão administrativa fez uma considerável economia para o Tesouro Público, não só no que respeita à efectividade de serviço dêsses funcionários, como também no que respeita à situação dos mesmos;

Considerando que nessa reorganização se fixou para os funcionários do Congresso a obrigação de serviço excedente ao fixado no decreto n.° 3:512, de 5 de Novembro de 1917;

Considerando que é de toda a justiça que sejam pagos os serviços extraordinários prestados pelos funcionários do Congresso;

Considerando que a forma de efectuar os pagamentos dêsses serviços especiais e extraordinários é da exclusiva competência da comissão administrativa;

Considerando que a comissão administrativa ao estabelecer os vencimentos dos funcionários do Congresso já tomou na devida consideração os serviços extraordinários de natureza técnica e especial;

Considerando que os serviços prestados pelos funcionários do Congresso, sendo, como efectivamente são, diferentes dos serviços prestados pelos funcionários de outras secretarias de Estado, merecem não só pela sua natureza especial e técnica, como também pela sua intensidade, uma remuneração adequada a essa mesma natureza de serviços;

Considerando que não existe nenhuma disposição legal que fixe exclusivamente aos funcionários superiores do Congresso vencimentos melhorados de harmonia com qualquer disposição legal que tenha por base o decreto n.° 7:088, de 4 de Novembro de 1920, ao contrário do que se dá com o pessoal menor, que tem as leis n.ºs 1:357, 1:569 e 1:571 a fixar-lhes uns vencimentos tais que demonstram não ser a doutrina do artigo 32.° da lei n.° 1:355 de 15 de Setembro de 1922, aplicável em caso algum aos funcionários do Congresso da República;

Considerando que a lei n.° 1:668 no seu artigo 20.° e respectivo parágrafo

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claramente determina que os vencimentos do pessoal menor sejam aumentados de importância não inferior a 50$ e que os vencimentos do funcionário superior de menor graduação sejam, pelo menos iguais aos vencimentos do funcionário menor mais graduado;

Considerando que foi de harmonia com a lei n.° 1:668 que a comissão administrativa reorganizou os serviços;

Considerando, por fim, que a comissão administrativa do Congresso da República, tendo uma administração sua e autónoma, só tem de dar contas dos seus actos administrativos ao Congresso da República que a elegeu:

A Câmara dos Deputados resolve ratificar a sua plena confiança na comissão administrativa do Congresso da República, sancionar em toda a sua plenitude a reorganização dos serviços da sua secretaria de 1 de Novembro de 1924, elaborada pela mesma comissão administrativa, e, esperando que seja mantido o artigo 2.° da lei n.° 1:722, de 1 de Janeiro de 1925, na parte referente ao Congresso, passa à ordem do dia.

Sala das Sessões, 9 de Fevereiro de 1925. - Afonso de Melo - Manuel de Sousa Coutinho - António Pinto Barriga - Lourenço Correia Gomes - Mário Pamplona Ramos - Jorge Barros Capinha - Tomás de Sousa Rosa - Juvenal de Araújo - Leonardo Coimbra - Teófilo Carneiro - José de Oliveira Salvador - António Pais -José de Vilhena - Tavares Ferreira - Marques de Azeredo - Valentim Guerra - José Pedro Ferreira - A. Pires do Vale - Júlio Gonçalves - Maximino de Matos - Mariano Felgueiras - Francisco Dinis de Carvalho - Carlos Pereira - Manuel de Sousa Dias Júnior - Pina de Morais - Bernardo de Matos - José Carvalho dos Santos - José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles - Manuel de Sousa da Câmara -Amaro Garcia Loureiro - Hermano José de Medeiros - Artur Brandão - Lopes Cardoso - João de Sousa Uva - João Bacelar - Maldonado de Freitas - Germano Amorim - Joaquim de Matos - Mariano Martins - Júlio de Abreu - Delfim Costa - Francisco Cruz - José Novais de Medeiros - Francisco Amaral Reis - Manuel Fragoso - F. Cunha Rêgo Chaves - Sebastião de Herédia - Augusto Nobre - Cortês dos Santos - José de Magalhães - David Rodrigues - Alberto Moura Pinto - Abranches Ferrão -António Correia - Angelo Sampaio Maia - Jaime Pires Cansado - Manuel Alegre - Ribeiro de Carvalho - Joaquim Serafim de Barros - Aníbal Lúcio de Azevedo -Alberto Cruz - Lúcio Campos Martins - Constâncio de Oliveira - Joaquim José de Oliveira - M. Ferreira de Mira - Vergilio Saque - Luís da Costa Amorim - Prazeres da Costa - Alberto da Rocha Saraiva - A. Crispiniano da Fonseca - Américo da Silva e Castro - António Resende - João José Luís Damas - Henrique Pires Monteiro - Abílio Marçal - Carlos Olavo - Abílio Mourão.

Sr. Presidente: esta moção está assinada por 77 Srs. Deputados que formam a maioria desta Câmara. É por assim dizer uma moção de confiança à comissão administrativa que sempre cumpre o seu dever, zelando os dinheiros do Congresso.

Ela merece que lhe votemos essa moção de confiança.

Mais ainda: a comissão administrativa, reduzindo o pessoal, está dentro das normas prescritas: reduzir o pessoal, mas pagar bem aos que trabalham.

Noutros tempos, o Parlamento estava aberto dois ou três meses; mas, agora, por virtude de várias circunstâncias, funciona por assim dizer permanentemente, havendo uma grande intensidade de trabalho para os funcionários do Congresso, nomeadamente a taquigrafia e outros funcionários. É ainda certo que os funcionários do Congresso são dos melhores no cumprimento dos seus deveres.

Apoiados.

Entendo, pois, que a comissão administrativa merece inteira confiança, porque sempre tem procedido zelosamente.

Em meu nome pessoal, e cumprindo o meu dever, dou toda a confiança ao Sr. Baltasar Teixeira.

O orador não reviu.

Leu-se a moção e foi admitida.

O Sr. Sampaio Maia (para um requerimento): - Requeiro a prioridade para a moção do Sr. Pinto Barriga.

Consultada a Câmara, foi aprovada a prioridade.

Seguidamente foi aprovada a moção do Sr. Pinto Barriga.

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O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção do Sr. Baltasar Teixeira.

Leu-se.

Submetida à votação foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo 1.° do projecto.

Leu-se na Mesa e foi aprovado sem discussão.

Seguidamente foi também lido na Mesa e aprovado sem discussão o artigo 2.°

O Sr. Tavares Ferreira (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite a dispensa da leitura da última redacção.

Consultada a Câmara, foi concedida a dispensa.

O Sr. Ministro do Comércio (Plínio Silva): - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de lei que reputo muito urgente e sôbre a qual eu espero, pois, que a Câmara muito em breve se pronuncie.

Gostaria de ter tempo para pormenorizadamente relatar à Câmara o que tem sido a questão, por assim dizer, permanente que tem havido entre a Companhia dos Telefones e o Govêrno, no que diz respeito a pedidos, a solicitações constantes para alteração das suas tarifas.

Gostaria de ter tempo para isso, repito, porque elucidaria agora detalhadamente a Câmara sôbre o que tem sido a série de decretos a que êste assunto tem dado lugar.

Parece-me que desde 1918 para cá, excepção feita ao Sr. Pedro Pita, não tem havido um único Ministro que não tenha promulgado um decreto sôbre o regime de tarifas da Companhia dos Telefones.

Além disso, têm sido publicados inúmeros relatórios de variadas comissões que nunca chegaram a resultados concretos, que não forneceram quaisquer bases apreciáveis para a consideração da justiça que devia haver nos pedidos a que aludi, embora tais relatórios tivessem a pretensão de reflectir o conhecimento perfeito do estado financeiro, isto é, de quais as receitas e quais as despesas dessa companhia, com o que então se poderia estabelecer um decreto justo.

Foi assim que estes relatórios deram origem ao decreto n.° 10:318.

A urgência e o pouco tempo de que dispomos não permitem, infelizmente, fazer a história de todos estes assuntos.

Limito-me por isso, Sr. Presidente, a dizer qual a situação que eu encontrei quando em 22 de Novembro assumi a gerência desta pasta.

O meu antecessor - o Sr. Pires Monteiro - no dia 21 de Novembro promulgou o decreto n.° 10:318, que, segundo creio, não teve a concordância dos seus colegas de Gabinete, porque, segundo informações que me foram prestadas, o Conselho de Ministros não tinha um conhecimento exacto de qualquer acôrdo sôbre a medida que o Sr. Pires Monteiro tencionava promulgar.

Tendo apreciado o decreto n.° 10:318, firmei realmente a opinião de que êste decreto não era de aceitar; e a Câmara tendo procurado estudar o assunto e tendo consultado as pessoas que pela sua profissão especial melhor a podiam elucidar, verificou que eu estava no bom caminho e que o decreto n.° 10:318 devia ser anulado.

Devo dizer agora em parêntesis (uma vez que o Sr. Pedro Pita me está prestando a sua atenção e que é uma pessoa que em assuntos de direito é muito autorizada) que me permito ter a opinião de que, realmente, o que se fez sôbre êste assunto, não se devia ter feito, porque existindo um contrato entre a Companhia e o Govêrno, devia ser por um instrumento da mesma natureza que se deveria estabelecer qualquer alteração. Se as cousas, pois, tivessem corrido dentro da normalidade, julgo que qualquer alteração devia ser feita de acôrdo com as partes.

Por isso parece-me que estou dentro da boa doutrina; todavia - e não vou agora apreciar o decreto n.° 10 - verifiquei que havia da parte de muitos subscritores e do público o desejo de que fôsse permitido o regime das chamadas pagas. Devo também dizer que muitas pessoas com quem conversei sôbre êste assunto declararam - e existem pareceres escritos de alguns advogados neste sentido - que o § 2.° do artigo 15.° do contrato, a que há pouco me referi, permite não só modificar as tarifas nêle cons-

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tantes, mas ainda o regime das chamadas pagas.

Essas pessoas aduzem mais uma vez o argumento de que neste contrato se fala em contratos e preços de tarifas, e que, portanto, realmente podia ser permitido o regime das chamadas pagas.

Não tenho essa opinião; e, exactamente pelo facto de não a ter, é que venho trazer à Câmara uma proposta de lei, pedindo autorização para introduzir também o regime das chamadas pagas.

Devo dar explicações para se não supor que há no meu proceder qualquer antagonismo com o decreto n.° 10:065, para os subscritores do regime das chamadas pagas.

Parece-me que, de facto em virtude da letra do contrato de 1901, o Poder Executivo não está autorizado a modificar o regime das tarifas.

Evidentemente, se, porventura, a Câmara não está de acôrdo com esta minha opinião e resolver que realmente à sombra da disposição do contrato actual o Govêrno pode não só modificar o regime das tarifas actuais, mas o regime das chamadas pagas, aceito do melhor grado a indicação.

Como não tenho essa opinião, e, como além disso considero ilegal o decreto n.° 10:065, entendo que é necessário regular as relações entre o Estado e a Companhia dos Telefones.

Por isso, neste momento, peço à Câmara para incluir nas tarifas referidas o artigo por meio do qual se celebrou em 15 de Abril o regime das chamadas pagas.

Devo dizer que tenho muita urgência em que esta minha proposta de lei seja aprovada.

Sem poder fazer história do que se tem passado entre o Estado e a Companhia dos Telefones, cumpre-me dizer que tenho urgência em estar habilitado a poder de qualquer forma chegar a um entendimento com a Companhia dos Telefones. O meu empenho é tanto maior quanto é certo que há dois meses tenho lutado com imensas dificuldades, em virtude da necessidade que há de melhorar os salários do pessoal, o que reputo justo, visto a Companhia dos Telefones declarar que o aumento das tarifas era destinada a essa melhoria e que se veria forçado a fazer
uma redução de 25 por cento nos salários do seu pessoal se não lhe fôsse permitida qualquer alteração nas tarifas.

Sei muito bem quais têm sido nos últimos anos as solicitações da Companhia dos Telefones, para que lhe permitam o aumento das tarifas.

V. Exas. poderão verificar, lendo o relatório que aqui tenho, a situação em que se tem encontrado o Ministro do Comércio, perante essa comissão, não permitindo o aumento das tarifas, o qual de há muito vem sendo reclamado, de forma a evitar que o pessoal vá para a greve.

Não posso deixar de dizer à Câmara que a situação hoje, devido à última melhoria cambial, é diferente da que existia quando foi elaborado êsse relatório, quando a libra estava a 160$, estando hoje a 99$50; porém, segundo os cálculos feitos por essa comissão, as despesas da Companhia são calculadas da seguinte forma:

Leu.

Já por aqui a Câmara está vendo quais são os encargos da Companhia para 1924-1925.

Creio, Sr. Presidente, que é de todo o ponto justa a autorização que o Govêrno vem pedir à Câmara, permitindo as chamadas pagas, ficando claramente expresso que os subscritores poderão optar pelo regime que entenderem, isto é, pelo antigo regime, ou pelas chamadas pagas.

Sr. Presidente: o meu desejo seria que esta proposta fôsse aprovada ràpidamente, visto a grande conveniência que há em regular o assunto.

No emtanto, não me abalanço a pedir para ela a urgência e a dispensa do Regimento, pedindo sòmente a V. Exa. o obséquio de consultar a Câmara sôbre se permite a urgência, de forma que ela entre depois de amanhã em discussão, antes da ordem do dia, sem prejuízo dos oradores inscritos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se.

Foi lida na Mesa.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam a urgência para a proposta que acaba de ser lida na Mesa queiram levantar-se.

Está aprovada.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro do Comércio requereu também que esta proposta de lei entre em discussão, com ou sem parecer, depois de amanhã, antes da ordem do dia, e sem prejuízo dos oradores inscritos.

O Sr. Cunha Leal: - O Govêrno, Sr. Presidente, com as suas propostas não faz mais do que perturbar o regular andamento dos trabalhos desta Câmara, tanto mais quanto é certo que existem na Mesa, como toda a gente sabe, moções de desconfiança sôbre a questão da deminuïção do preço do pão.

A vida do Govêrno está dependente da aprovação ou não aprovação dessas moções de desconfiança; e, assim, não faz sentido não só o pedido feito na última sessão pelo Sr. Ministro das Finanças, sôbre a sua proposta relativa ao Banco de Portugal, como o pedido feito hoje pelo Sr. Ministro do Comércio.

O Govêrno; Sr. Presidente, ao que se vê, não tem a compreensão nítida dos seus deveres; e assim, Sr. Presidente, eu não posso deixar de declarar, em nome da minoria nacionalista, que não podemos deixar de votar contra, empregando todos os meios ao nosso alcance para que essas propostas não sejam convertidas em lei. Se o forem, saberemos naturalmente qual o caminho que havemos de seguir.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Plínio Silva): - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar ao Sr. Cunha Leal que o meu desejo, pedindo para que se discuta com urgência a proposta que mandei para a Mesa, é regular uma situação embaraçosa não só para êste Govêrno como para qualquer outro que aqui se encontre amanhã.

O Govêrno deseja que seja esclarecida por uma vez a questão das tarifas dos telefones; e por isso agora requeri para se tratar desta questão, sem desejar que se altere a marcha dos trabalhos parlamentares.

Eu não tenho abusado da Câmara, e estou convencido de que o Sr. Cunha Leal me vai facilitar a minha missão.

O orador não reviu.

O Sr. Pedro Pita: - Se o Sr. Ministro do Comércio me permitisse, dir-lhe-ia que
não é por muito madrugar que se amanhece mais cedo.

Também me permito sugerir-lhe que será melhor guardar para mais tarde essa proposta, depois dela ir à comissão para a estudar devidamente.

Tem-se permitido que a Companhia ameace até com a greve, por não poder continuar assim. Para evitar casos dêstes é que é preciso estudar a proposta, de maneira a poder ser devidamente discutida.

Agora atrevo-me a lembrar e até a pedir ao Sr. Ministro do Comércio que demore um pouco a sua proposta, fazendo-a estudar por uma comissão.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Como V. Exa. sabe, nós desejamos sempre que os projectos vão às comissões respectivas.

Não votamos, portanto, o requerimento do Sr. Ministro do Comércio.

Mas, independente disso, o Govêrno está levantando a opinião pública do País e por isso não podemos também dar o voto à proposta do Sr. Ministro do Comércio, estando sôbre a Mesa moções de desconfiança que têm de ser votadas primeiramente.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Plínio Silva): - Como já disse, não desejo criar dificuldades à marcha parlamentar; e, aquiescendo ao pedido do Sr. Pedro Pita, que também já passou por êste lugar, direi que não pode continuar a forma irregular como tem procedido a Companhia dos Telefones, sendo preciso, de uma vez para sempre, acabar com êste estado de cousas.

Estou convencido de que há a maior conveniência em solucionar ràpidamente o caso; mas concordo com o que me sugere o Sr. Pedro Pita para não criar dificuldades à marcha dos trabalhos parlamentares.

Entretanto, desejo que êste assunto se liquide para o bom serviço e interêsse do País.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

Foi aprovada a urgência.

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O Sr. Velhinho Correia: - Requeiro que a comissão de finanças reúna imediatamen-te.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente: - O Sr. Daniel Rodrigues deseja tratar em negócio urgente o seguinte:

Peço para tratar em negócio urgente das manifestações de perturbação de carácter social que se têm evidenciado nos últimos dias e que reputo atentatórias do prestígio do regime e da fôrça pública. - Daniel Rodrigues.

O Sr. Álvaro de Castro: - Desejava pronunciar algumas palavras, mas na presença do Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Daniel Rodrigues (sôbre o modo de votar): - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para dizer a V. Exa. e à Câmara que concordo em que o meu negócio urgente seja discutido quando estiver presente o Sr. Presidente do Ministério, desde que S. Exa. compareça hoje aqui.

O Sr. Jaime de Sousa (sôbre o modo de votar): - Sr. Presidente: se é necessária a presença do Sr. Presidente do Ministério para se tratar dêste negócio urgente, evidentemente que é também necessária a sua presença para se proceder à votação.

É esta a minha opinião.

Apoiados.

Não apoiados.

Estabelece-se sussurro e trocam-se àpartes.

O Sr. Lopes Cardoso (sôbre o modo de votar}: - Sr. Presidente: o Sr. Daniel Rodrigues declarou desejar tratar do seu negócio urgente sôbre os últimos acontecimentos, quando aqui se encontrasse o Sr. Presidente do Ministério; e o Sr. Álvaro de Castro, ilustre leader do Grupo da Acção Republicana, fez igual declaração.

Com estas afirmações estamos plenamente de acôrdo.

Há, porém, uma doutrina com a qual não podemos concordar: a exposta pelo Sr. Jaime de Sousa, pois que ela representa uma inversão do todos os princípios. A proceder-se assim, valeria mais, de uma vez para sempre, o Poder Legislativo delegar no Poder Executivo.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva (sôbre o modo de votar): - Sr. Presidente: êste lado da Câmara entende que é indispensável que o Sr. Presidente de Ministério dê explicações ao Parlamento sôbre êste assunto, tanto mais que os jornais atribuíram a S. Exa. palavras e declarações que é absolutamente necessário que sejam esclarecidas.

Já o meu ilustre colega e amigo, o Sr. Morais Carvalho, enviou para a Mesa um pedido de negócio urgente sôbre êste assunto; e por isso, repito, nós desejamos que êle se discuta ainda hoje e com a presença do Sr. Presidente do Ministério.

O orador não reviu.

O Sr. Vitorino Guimarães (sôbre o modo de votar): - Sr. Presidente: não há de maneira nenhuma, por parte dos membros dêste lado da Câmara, o desejo de impedir que a votação do negócio urgente apresentado pelo ilustre Deputado Sr. Daniel Rodrigues seja adiada até que esteja presente o Sr. Presidente do Ministério.

Apoiados.

Não apoiados.

E eu digo porquê, Sr. Presidente: É porque é quási certo, direi mesmo certo, que, quando S. Exa. estiver presente, e mesmo a propósito do modo de votar, S. Exa. fará declarações que tornarão absolutamente desnecessário êsse negócio urgente.

Apoiados.

Não apoiados.

Grande agitação na Câmara.

Trocam-se àpartes.

É apenas um mal entendido que se desfaz com explicações claras e categóricas. E eu tenho a certeza de que essas explicações serão dadas pelo Sr. Presidente do Ministério.

Não façamos especulações políticas com êste caso. Já bastam aquelas que se têm feito.

Não queiramos meter o exército, a fôrça pública, nos nossos conflitos e paixões,

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porque essas entidades devem estar sempre e condignamente fora de todas as questiúnculas políticas.

Muitos apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal (para explicações): - Sr. Presidente: os governantes, quer êles sejam membros do Poder Executivo ou do Poder Legislativo, têm deveres a que não podem faltar.

Anunciou-se, não sei com que visos de verdade, que o Sr. Presidente do Ministério, das janelas do Ministério do Interior, proferira palavras que são evidentemente perigosas para a conservação da sociedade actual; e afirmou-se que S. Exa., para se firmar no Poder, desencadeia a guerra civil e a guerra das classes, pondo uma classe contra todas as outras, servindo-se dessa classe para se sustentar no Govêrno.

Exactamente porque isso se disse e até porque pode ser mentira, o Sr. Presidente do Ministério não devia deixar de comparecer aqui, pois é o Parlamento a única tribuna onde S. Exa. pode fazer ouvir a sua voz.

S. Exa. poderia faltar hoje em qualquer lugar menos na Câmara, porque nada devia ser considerado tam urgente como o facto de vir tranqüilizar uma Nação que teme ver a sua ordem social perturbada.

S. Exa. faltou, portanto, ao cumprimento dos seus deveres.

Nós cumprimos os nossos; e aqui estamos a preguntar ao Sr. Presidente do Ministério o que há sôbre o assunto.

Apresentámos um requerimento e não o retiramos. Neguem a urgência se entenderem que não lhes convém que a questão seja esclarecida; nós é que não desistimos do requerimento formulado.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Agatão Lança: - Sr. Presidente: é esta a primeira vez, desde que estou filiado num partido, que tenho de usar da palavra sôbre um assunto de ordem mais ou menos política; e a circunstância de êle ser de ordem mais ou menos política torna-o mais grave do que se fôsse simplesmente de ordem política.

Sr. Presidente: sou um republicano de sempre (Apoiados) e em todas as ocasiões da minha vida nunca deixei de ser coerente com os meus princípios, que prezo acima de qualquer questão partidária.

Antes de Deputado, sou oficial da marinha de guerra, e são conhecidas da Câmara e do País as atitudes que tenho assumido sempre que está em perigo o prestígio da República, sempre que está em jôgo a dignidade da fôrça armada, seja a da marinha, a que me honro de pertencer, seja a do brioso exército português.

Sr. Presidente: devo confessar a V. Exa. e à Câmara que profunda estranheza me causaram as notícias que vi nos jornais de Lisboa após as manifestações de há dias, estranheza profunda que em nada pode comparar se àquela estranheza leve que o meu ilustre correligionário e amigo Sr. Pina de Morais sentiu a quando da frase justa do Sr. Amadeu de Vasconcelos que chamava bandidos aos díscolos que aqui vieram insultar os Deputados.

O Sr. Amadeu de Vasconcelos, falando em defesa do Govêrno, soube aplicar a êsses indivíduos o nome que realmente lhes foi devido.

Mas eu, que discordei da opinião manifestada pelo meu ilustre correligionário Sr. Pina de Morais, discordo hoje também da atitude dos jornais que põem na bôca do Sr. Presidente do Ministério palavras que eu não posso acreditar que S. Exa. tivesse proferido.

Efectivamente, seria preciso não possuir a mais leve noção do respeito que é devido à fôrça pública, para produzir tais afirmações.

Eu não posso acreditar, repito, que isso se tivesse passado; mas entendo que é aqui o lugar próprio para esclarecer o assunto.

E, por isso, não ficaria bem com a minha consciência se negasse o meu voto ao requerimento do Sr. David Rodrigues, para que a Câmara se ocupe dêste caso quando estiver presente o Sr. Presidente do Ministério, a quem os jornais atribuem essas afirmações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovado o requerimento do Sr. David Rodrigues.

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O Sr. Amadeu de Vasconcelos (para explicações): - Sr. Presidente: eu vi no relato parlamentar de alguns jornais referências a um discurso que há dias proferi. Dessas referências pode porventura inferir-se que eu tivesse apodado de bandidos os indivíduos que nas galerias se manifestaram.

Ora não foi bem assim.

O Sr. Agatão Lança: - Se V. Exa. quiser, eu faço minha essa afirmação e tomo dela a responsabilidade.

O Sr. Júlio Gonçalves: - Não apoiado! Não podemos chamar bandidos a homens que davam vivas à República!

O Sr. Agatão Lança: - Também os bandidos de 19 de Outubro assassinaram republicanos dando vivas à República!

O Orador: - Sr. Presidente: eu não tenho a intenção de lisonjear quem quer que seja. O que eu não podia fazer era apodar de bandidos os indivíduos que nas galerias se manifestaram e que não sei quem eram.

Lamentei o facto, protestando contra êle; mas não quero uma responsabilidade que me não pertence.

Servi-me apenas da expressão que aqui tinha sido proferida para dizer que o Govêrno não precisava do apoio dessas criaturas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovado o pedido de negócio urgente do Sr. Morais Carvalho.

É a seguinte:

Negócio urgente

Desejo ocupar-me, em negócio urgente, das declarações feitas pelo Sr. Presidente do Ministério acêrca da acção da fôrça pública na noite de 6 do corrente. - Morais Carvalho.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar à ordem do dia.

Está em discussão a acta.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como ninguém pede a palavra, considero-a aprovada.

Vai entrar-se na

ORDEM DO DIA

O Sr. David Rodrigues (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: constando-me que está na sala dos Passos Perdidos o Sr. Presidente do Ministério, pregunto a V. Exa. se o não convida a entrar na sala.

Nesta altura entra na sala o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Presidente: - Vai discutir-se o negócio urgente apresentado à Câmara pelo Sr. David Rodrigues.

O Sr. David Rodrigues: - Sr. Presidente: nos jornais, em todos ou quási todos, pelo menos naqueles que tenho lido, vi referências a factos, vi referências a palavras, factos que foram dados, palavras que foram pronunciadas, mesmo no Ministério do Interior, que me causaram muita tristeza e profunda mágua; e eu digo funda extranheza e grande mágua, porque tendo visto essas notícias publicadas nos jornais, mas, não tendo visto que algum jornal dissesse que êsses factos não eram verdadeiros e que essas palavras não eram exactas, sou obrigado a concluir que essas palavras e actos são verdadeiros e isso representa para mim uma mágua, representa para mim uma tristeza, uma mágua como português e uma tristeza como militar que sou.

As palavras que certamente toda a Câmara conhece e que são atribuídas ao Sr. Presidente do Ministério, causaram-me pena e estranheza, certamente como à Nação inteira.

Apoiados.

E não posso deixar de pôr em foco esta estranheza, quanto é certo que essas palavras foram pronunciadas por uma pessoa formada em direito, isto é, com cultura jurídica.

Nesta qualidade, S. Exa. sabe muito bem, mesmo pelo seu passado político, quais são as funções dos elementos que compõem o Estado.

Ora eu li que das janelas do Ministério do Interior se pronunciaram palavras que vêm estabelecer exactamente a desarmo-

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nia entre todos os elementos que constituem o Estado.

Apoiados.

Das próprias janelas do Ministério do Interior (li eu nos jornais) deram-se "vivas" a várias corporações, fizeram-se referências a várias classes, umas agradáveis para certas classes, outras desagradáveis para outras classes.

Essas referências feitas na presença do Sr. Ministro do Interior e das janelas do seu Ministério, vêm mostrar-nos que dentro do próprio Ministério do Interior se fomentou a luta de classes.

Essa luta é sempre perigosa, tem causado em todos os países, ou pelo menos em muitos, sérias perturbações que sempre se lastimam e que têm consequências sempre funestas.

Mas ao mesmo tempo que se pronunciavam essas palavras, passavam-se na rua factos anormais.

Uma fôrça pública, uma fôrça da guarda republicana, devidamente comandada, devidamente disciplinada, colocada no seu pôsto, cumprindo estritamente com a sua obrigação, de forma a não haver nada que lhe assacar, num determinado momento foi atacada à bomba.

Esta simples cousa: uma fôrça pública atacada à bomba!

Não sei que instruções ou ordens esta fôrça pública tinha; o que li nos jornais é que essa fôrça pública, contra àquilo que é natural e humano, praticou um facto anormal: limitou-se simplesmente a disparar as suas armas para o ar.

Se porventura a guarda republicana tem estas ordens, elas não são legítimas, porque não são naturais nem humanas, visto que se vai tirar à fôrça pública, não só o seu prestígio, mas também o seu legítimo direito de defesa.

Eu protesto como militar, se porventura alguém deu a uma fôrça pública do meu País instruções neste género.

Apoiados.

Eu protesto e é necessário que todos aqueles que são militares e portugueses amantes da ordem protestem exactamente contra êste estado de cousas, porque eu, sendo militar, gosto de cumprir o meu dever, mas não posso abdicar do meu legítimo direito de defesa.

Apoiados.

Depois dêstes factos se passarem, dizem os jornais que o Sr. Presidente do Ministério disse cousas assombrosas; por exemplo:

"Que não consentia que a guarda republicana fizesse uso das suas armas contra o povo".

Mas, neste caso, quem é que S. Exa. entende que é o povo?

Em discursos que se pronunciaram nessa ocasião, disse-se que havia duas classes: uma que era a dos explorados, outra que era a exploradora.

Pergunto, pois: quem é o povo?

São todos os indivíduos, ou são os que exploram, ou os explorados?

É necessário fazer-se a destrinça, saber que significado têm estas palavras e até onde podem ir.

É necessário, nestes termos e se estas palavras forem verdadeiras, que se faça uma cousa extraordinária e que só no nosso País se admite: fazer a definição do que é o povo português.

Para mim, porém, não há classes exploradas, nem classes exploradoras, e agora falo como militar; eu, como militar, comandando uma fôrça, não quero saber de quem é explorado ou explorador; quero simplesmente saber que tenho por obri- gação manter a ordem contra aqueles que a excederem; hei-de mantê-la contra aqueles que atentarem contra a idea normal do Estado e contra o regime.

Apoiados.

E na rua, e das janelas do Ministério do Interior, deram-se vivas a certa classe e deram-se morras a outra.

Ouviu-se dizer também que dessas duas classes uma merecia toda a repulsão, e a outra toda a simpatia, e que esta última era a que tem ideas comunistas!

E, como o comunismo é um regime que destrói o Estado e que destrói o regime democrático e parlamentar, eu não posso deixar de considerar essas palavras como absolutamente subversivas.

Apoiados.

Mas, os factos anormais que se deram, e não foram poucos, ainda não ficaram por aqui; foram ainda mais longe.

Atribuíram-se; com razão ou sem razão - não pretendo discutir isso agora - actos praticados pela Guarda Nacional Republicana, e, por aquilo que eu li nos

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jornais, sem ter sido consultado o seu comandante, foi nomeado um militar de patente inferior à daquele comandante, para proceder a um inquérito àqueles actos.

Isto vai de encontro ao prestígio militar e ao prestígio da autoridade.

Representa, além disso, uma desconsideração para o passado de um homem que todos nós conhecemos e que, evidentemente, todos nós muito apreciamos.

Apoiados.

O Sr. general Vieira da Rocha é um oficial distintíssimo.

Apoiados.

Conheci-o dos bancos da escola, porque foi meu companheiro na Escola do Exército, e nessa altura já era querido e respeitado pela sua correcção e aprumo.

Anos depois era o ajudante de Mousinho de Albuquerque, em África, e os feitos por êle praticados em Moçambique foram bem conhecidos de todo o País e postos em relêvo por Mousinho.

Apoiados.

Desde então, o Sr. general Vieira da Rocha ficou sendo considerado como um dos heróis do glorioso Exército Português.

Apoiados.

Tem-se salientado sempre, pela sua nobre correcção e pelo seu espírito militar, como um oficial digno e cumpridor, e como um verdadeiro homem de bem. E V. Exas. viram-no, não há muitos anos, desempenhando o papel brilhante que desempenhou e, pelo qual, êste regime tanto lhe ficou devendo.

Refiro-me ao comando que exerceu das fôrças contra Monsanto.

Apoiados.

Pois êste oficial que tem êste passado e que, como disse, tem prestado à República tantos serviços, foi agora altamente desconsiderado, pois, que se nomeou um oficial de patente inferior para sindicar os actos dos seus subordinados.

Sr. Presidente: se eu fôsse comandante da Guarda Nacional Republicana, prenderia o oficial sindicante quando entrasse na sede do meu comando.

Nestas minhas palavras peço à Câmara que não veja uma ofensa pessoal para o oficial sindicante, o Sr. tenente-coronel Tavares de Carvalho, a quem muito estimo e por quem tenho a maior consideração.

Estas minhas palavras, repito, não querem ofender S. Exa. Mas S. Exa. tem uma patente inferior.

Aparte tudo mais procederia como já disse. E estas palavras são ditas sem intuitos ofensivos para S. Exa.

O Sr. Tavares de Carvalho: - Não ouvi; se V. Exa. fizesse o favor de repetir...

O Orador: - Se fôsse comandante da Guarda Republicana não consentiria que V. Exa. fizesse a sindicância.

O Sr. Tavares de Carvalho: - Mas eu não estou a fazer uma sindicância à guarda republicana, mas um inquérito aos factos.

O Orador: - Mas envolve a guarda republicana.

Mas, Sr. Presidente, a minha estranheza não pode ficar por aqui. Faz parte do Ministério um oficial ilustre, muito distinto, um oficial com cuja amizade muito me honro.

É o Sr. Helder Ribeiro que não tenho o prazer de ver aqui; e nestas condições vou ser curto nas minhas referências.

Não sei que atitude tomou S. Exa. nestes factos. Se não tomou nenhuma, estimo; se tomou alguma, não sei qual fôsse.

O que sei é que tenho por S. Exa. muita consideração, e me causou funda mágoa ver o seu nome envolvido em acontecimentos como êstes, desta espécie e natureza.

Apoiados.

Disse um escritor militar categorizado que "os exércitos são o espelho das na-ções".

Apoiados.

Isto é uma verdade, uma grande verdade.

As grandes nações, as nações poderosas apresentam um exército numeroso e disciplinado. É o espelho, a imagem da Nação.

Apoiados.

O contrário se dá igualmente quando uma nação não é organizada, quando é fraca, quando numa nação ninguém se entende, quando impera a anarquia.

Até o exército é incompreendido, nele existe a anarquia e a indisciplina.

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Pois se V. Exas. olharem para um exército e o quiserem ver como espelho da Nação, encontrarão nêle a imagem dela.

Um facto semelhante se dá olhando para um espelho fragmentado, partido, em que a amálgama tenha caído em parte. Há nêle figuras também partidas.

Um exército é o exemplo da Nação.

Se falo no exército é porque considero a guarda republicana como corporação do exército.

Apoiados.

Um exército pode apresentar-se como um espelho partido: pode ter braços, pernas, podo ter armas, mas se não tiver disciplina e unidade não é exército, não tem condições de poder cumprir a sua missão.

Apoiados.

É isso que eu lastimo e sinto.

Por isso não podia deixar de levantar êste incidente porque o julgo deprimente para a fôrça pública.

Nesta conformidade mando para a Mesa a minha moção.

Moção

A Câmara, reconhecendo que a política do Ministério conduz ao desprestígio da fôrça pública, e consequentemente do regime, passa à ordem do dia. - David Rodrigues.

O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior, e, interino, da Marinha
(José Domingues dos Santos) (sôbre o modo de votar): - Sr. Presidente: estava no Ministério da Marinha a tratar de assuntos daquela pasta quando fui surpreendido pela notícia de que estavam desejando a minha comparência neste Parlamento para tratar daquilo que se convencionou chamar "as minhas palavras" na manifestação de sexta-feira.

Vim imediatamente, e não tinha vindo já porque, ao ler a ordem do dia, encontrei marcada para a primeira parte a continuação da discussão sôbre a selagem, e na segunda parte o assunto relativo a reforma bancária.

Assim supus que nada teria de fazer antes dessa ordem do dia.

Chamado porém para vir aqui, aqui estou para ouvir o negócio urgente aprovado.

Estive com toda a atenção a ouvir as palavras proferidas pelo ilustre Deputado
Sr. David Rodrigues. Com atenção e com calma.

Uma das cousas que me traz preocupado é saber do que me acusam.

Dizem que proferi palavras, na sexta-feira, sem me dizerem que palavras são.

Compreendem V. Exas. que não posso responder sem saber que palavras foram pronunciadas por mim, ofensivas do prestígio, dizem, da guarda republicana ou do prestígio do exército ou da polícia.

Isso é que eu desejava saber para poder responder completamente se foram ou não verdadeiras essas palavras.

Começo, pois, por preguntar: Quais são as palavras que, dizem, proferi?

Mas se no Século, até, segundo me informam, se diz que eu andei de pistolão!

Garanto que nem pistola possuo.

Mas à Câmara eu vou referir, tanto quanto a minha memória mo permita, como os factos se passaram.

Estava preparada uma manifestação de protesto contra as chamadas "fôrças vivas".

Preguntaram-me se proibia a manifestação, e eu respondi:

"Não proíbo, mas tomo todas as precauções possíveis para que essa manifestação decorra em ordem".

E tomei.

Pedi ao Sr. comandante da polícia que tivesse a polícia preparada para que a debandada se fizesse em ordem. O mais perigoso nestas manifestações é sempre a debandada.

Queria que ela se fizesse ordeiramente e ràpidamente, por forma que ninguém pudesse ser desacatado na sua propriedade individual, ou desrespeitado.

Quando saí daqui e cheguei a casa, pouco depois do jantar, disseram-me que estava lá em baixo a multidão.

Ao chegar ao Ministério do Interior encontrei a multidão um tanto agitada. Havia certa efervescência.

Diziam uns:

"A guarda republicana atacou o povo sem que o povo a tivesse provocado".

Diziam outros:

"A polícia atacou o povo sem ter havido provocação alguma".

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Ainda outros:

"Lançou-se uma bomba sôbre a multidão".

Outros:

"Contra a guarda".

Explicavam-me terceiros: não houve bomba.

O que houve foi um morteiro que se pegou nos fios, e, ao cair, produziu um alarme grande.

Houve uma descarga e dois homens feridos.

O que se passou de verdade no meio de tudo isto?

Qual era a razão verdadeira?

Alguma era verdadeira?

Eu não sabia.

Qual foi, então, a posição do Ministro do Interior?

Saudar as pessoas que o iam saudar, garantir que o Govêrno se conservava firme na posição que havia marcado na política portuguesa, e que procederia a um inquérito, para apurar quem tinha responsabilidade naqueles distúrbios.

Havia certamente um equívoco, têrmo êste que, propositadamente, empreguei.

Êsse equívoco havia de ser esclarecido pelo inquérito a que ia mandar proceder, e terminei pedindo a todos que dispersassem na melhor ordem, acentuando que, quanto mais ordeira fôsse a manifestação, mais forte e mais significativa ela era.

Apoiados.

E assim sucedeu.

Quem mais falou, não sei.

Falou o Sr. Leonardo Coimbra, que muito gosto de ouvir, o que não consegui por muitas circunstâncias, e ainda várias outras pessoas que não sei.

Nesse momento, o que mais me interessava é que aquela mole de gente, uma parte dispersada pelos tiros, mas outra firme, debandasse na melhor ordem.

Foi essa a minha acção, e devo dizer que o consegui inteiramente.

Toda a gente se retirou, e naquela manifestação realizada de noite, numa atmosfera de excitação e irritação, eu pude verificar, mais uma vez, que o povo de Lisboa se tinha manifestado por forma que não tinha sido possível a repetição de acontecimentos sangrentos, como tantas vezes se têm dado.

Houve, na verdade, uma bomba, o que verifiquei depois.

Mas quem a atirou?

Isto é que é indispensável averiguar-se. Foi então que chamei ao meu gabinete e desculpem V. Exas. esta narrativa fácil e verdadeira, como resposta ao discurso do Sr. David Rodrigues - o Sr. general comandante da guarda republicana, e disse-lhe:

Deram-se estes acontecimentos.

Fazem-se estas e aquelas afirmações.

Julgo necessário para esclarecimento da verdade, e sem prejuízo de diligências posteriores, que se proceda imediatamente a um inquérito.

O Sr. comandante da guarda republicada concordou comigo.

Chamei seguidamente o Sr. governador civil de Lisboa, a quem disse a mesma cousa e S. Exa. concordou comigo.

Resolvi pois proceder, não a uma sindicância, mas a um inquérito, no que há sua diferença.

Para êsse inquérito, nomeei um Deputado.

Então havia de nomear um homem da guarda republicana ou da polícia?

Havia de nomear um homem do povo?

Entendi que devia nomear um Deputado, que está procedendo a êsse inquérito.

Sr. Presidente: isto não impedia que a guarda republicana procedesse desde logo a um inquérito, que se fez, e já está concluído.

O final de tudo isto era apurar quem atirou a bomba, porque, para mim, é o que me interessa.

Apoiados.

O Sr. Carvalho dos Santos (em àparte): - É saber quem costuma ir às manifestações, e quem costuma atirar bombas.

Trocam-se àpartes.

O Orador: - Sr. Presidente: do que ainda ninguém me convenceu, e não há-de ser fácil convencer-me, é que foi alguém da manifestação que atirou a bomba para os seus fins, para êle próprio ficar ferido.

A bomba partiu de alguém que não ia na manifestação.

Mas isso apurar-se há.

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Para mim isto representa tudo.

Mas o que eu tenho o direito de estranhar é que se procure tomar um acontecimento banal da rua, para me indispor com a guarda republicana, como se alguém, dentro desta Câmara, tivesse mais respeito e consideração pelo Sr. general Vieira da Rocha que, além de ser meu correligionário, é meu amigo pessoal.

O que eu tenho o direito de estranhar é que se procurasse esta arma, para me atingir.

Eu não posso andar todos os dias, pelos telhados, a dizer que O Século envenena, que deturpa as situações, desde o uso do tal pistolão até às palavras que não proferi.

O que o Presidente do Ministério procura, neste momento, é manter a ordem, como, de resto, a tem mantido e demonstrando-o nas horas mais críticas da República.

O Govêrno, pela sua acção, conseguiu evitar a difusão de sangue de irmãos contra irmãos. Se não fôsse a minha atitude de calma e energia, porventura ter-se-iam dado acontecimentos mais dolorosos.

Tenho a consciência inteiramente tranquila por ter cumprido o meu dever.

Não desrespeitei nem desrespeito a guarda republicana, e não serão as intrigas, que, porventura, farão afastar o Sr. Vieira da Rocha, do cumprimento do seu dever, como não serão as calúnias nem as malsinações, que me farão dizer palavras que não quero proferir, porque elas não estão no meu espírito.

Emquanto aqui estiver, hei-de manter o prestígio do Poder, e a ordem há-de ser mantida contra tudo e contra todos, dentro daquele espírito de justiça social, que entendo, assiste a todos os portugueses.

É dentro do regime de liberdade que eu quero manter a ordem. Não a quero manter contra êste ou aquele, mas a favor de todos os portugueses e republicanos, porque todos nós, pobres ou ricos, temos os mesmos direitos.

Tenho dito.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: eu respeito muito V. Exa. - tenho-o afirmado variadíssimas vezes - e conheço bem o seu grande espírito de imparcialidade e até de sacrifício no exercício da sua missão. Dá-se, porém, uma circunstância: o Sr. Presidente do Ministério, ouvindo ler a moção que está na Mesa, pediu a palavra sôbre o modo de votar e, a seguir, sôbre o modo de votar, fez o discurso resposta às considerações do meu ilustre correligionário, Sr. coronel David Rodrigues.

Para quem não é absolutamente ingénuo nas lutas políticas e parlamentares não terá sido difícil adivinhar a posição que o Sr. Presidente do Ministério queria reservar para si.

S. Exa. queria inutilizar a admissão da moção. Como? Antecipando a resposta ao discurso do Sr. David Rodrigues; mas, como não o podia fazer senão sôbre o modo de votar, foi dêste expediente que procurou lançar mão.

Mas, já que V. Exa., Sr. Presidente, por circunstâncias derivadas da má audição, não pôde fazer sentir ao Sr. Presidente do Ministério que, sôbre o modo de votar, estava antecipando uma resposta ao discurso do Sr. David Rodrigues, permita-me pedir que me releve de usar do mesmo processo empregado pelo Sr. José Domingues dos Santos, visto que é esta agora a única forma de assegurarmos a plenitude das nossas garantias.

Interrupção do Sr. Presidente, que se não ouviu.

O Orador: - O que eu disse a V. Exa. foi o seguinte: V. Exa. mandou ler a moção, e, quando disse que a ia pôr à votação, o Sr. Presidente do Ministério pediu a palavra sôbre o modo de votar, tendo, com tal pretexto, feito o seu discurso-
-resposta ao ilustre Deputado Sr. David Rodrigues.

Para quê? Para dar à maioria o ensejo de não votar a admissão da moção, não podendo nós às razões de S. Exa. contrapor as nossas sôbre a necessidade dessa admissão; caso V. Exa. não nos autorize a fazê-lo, também, sôbre o modo de votar, ficaremos colocados numa situação de desigualdade. Nós não queremos ferir V. Exa., mas pregunto: entende V. Exa. que, sôbre o modo de votar, poderei ser um pouco mais extenso do que normalmente, da mesma forma que o Sr. Presidente do Ministério?

O Sr. Presidente: - Já está estabelecido, com muita mágua minha, o princípio

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de se fazerem longos discursos a propósito do modo de votar. Nestas circunstâncias, não tenho que impedir V. Exa. de usar da palavra, sôbre o modo de votar, como é já norma corrente.

O Orador: - Muito obrigado a V. Exa.; mas quero acentuar que estas palavras eram necessárias para que se não dissesse que não sabiamos respeitar V. Exa., pessoalmente, e a sua alta função.

O Sr. Presidente do Ministério declarou que há-de manter o prestígio do Poder. A Nação inteira está vendo-o. Em que é que consiste a arte de governar?

Em fazer progredir um país, equilibrando tanto quanto possível as suas classes, acalmando as suas paixões. Há interêsses divergentes - todos o sabem.

O interêsse do consumidor é, normalmente, contrário ao interêsse do produtor, havendo entre os produtores classes diferentes e intercalando-se entre uns e outros a classe comercial, encarregada de efectuar a troca.

Governar é servir-se o Poder de todas estas classes, produzindo o equilíbrio de fôrças que são, às vezes, directamente opostas. Uma fôrça pode, muitas vezes, equilibrar-se com uma outra fôrça oposta. E o Sr. Presidente do Ministério que está fazendo?

Está conduzindo o país à guerra social, declarando réprobas todas as classes que o embaraçam. S. Exa. procura desviar o bom instinto do povo português e do nosso operariado, tentando levá-lo, guiado por meneurs saidos do seu próprio Gabinete, para os maiores desvarios, para as maiores violências, apontando-lhe inimigos imaginários, fazendo até com que a autoridade consentisse que num comício público, ontem realizado, se tivesse feito a apologia de um novo "19 de Outubro".

Muitos apoiados.

Para que V. Exas. vejam o que hoje, sob a protecção desvelada do Sr. Ministro do Interior, se publica e circula na nossa terra, vou ler um trechozinho final de uma en-tête de um periódico que aí se publica e que diz o seguinte:

Leu.

A compreensão que V. Exa. tem da ordem e do prestígio do Poder é esta.

Muitos apoiados.

É isto que V. Exa. deixa circular livremente pelas ruas de Lisboa, é isto que V. Exa. acarinha!

É sob as janelas do Gabinete do Ministro do Interior, Sr. José Domingues dos Santos, homem que a desgraça do nosso País foi arrancar do seu anonimato para o fazer Presidente de Ministério, é sob as janelas do Ministério do Interior, que V. Exa. tam mal ocupa, que se faz o rèclamo de um novo "19 de Outubro", tam bárbaro e sanguinário - Presidente do Ministério, por desgraça de nós todos! - que talvez o sangue que correr, que talvez o sangue em que V. Exa. ou, pelo menos, os seus partidários pretendem encontrar o prestígio para se poderem impor pela fôrça a uma sociedade dominada pelo medo, o afogue a si, vindo mesmo juntar-se ao sangue dos outros o seu próprio sangue!

Apoiados.

O Sr. Presidente do Ministério quis saber quais as palavras por que nós o tomávamos responsável. Nós já estamos habituados a esta política de Ministros que mandam hoje telegramas e que amanhã negam a evidente verdade que ressalta da sua leitura, telegrafando de novo a desmentir-se a si próprios.

Apoiados.

Não nos admira, pois, que o Sr. Presidente do Ministério se desminta; mas os jornais contaram o que se passou e V. Exa. - estou certo - na ocasião ficou contente com o relato.

Depois, porém, passada a embriaguez, quando deixou de se regozijar com os "morras" ao Ferreira do Amaral e com os "morras" ao Cunha Leal, que deviam ter sido para a alma de V. Exa. como um sino a repicar em dia de baptizado; então, quando a multidão ululante deixou de passar por debaixo das janelas do seu gabinete, então começou V. Exa. a pensar nas suas responsabilidades - e agora pregunta-me por que palavras o responsabilizamos!

Respondemos a V. Exa. que o responsabilizamos pelas palavras que V. Exa. proferiu e que não tem ao menos a coragem fácil de manter.

Danton conseguiu ser grande apesar da matança de Setembro, mas V. Exa. nem com essas matanças, se as houver, poderá jamais ser grande neste País.

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O Sr. Moura Pinto (em àparte): - É que o Sr. Presidente do Ministério é um Danton "de trazer por casa".

Risos.

O Orador: - As palavras que censuramos em V. Exa., Sr. Presidente do Ministério, vêm em vários jornais. E como V. Exa. tem hoje dois órgãos oficiais - O Mundo e A Batalha - eu vou, porque não encontro à mão O Mundo, ler as palavras de A Batalha. Atribuem-se-lhe as seguintes palavras:

Leu.

Mas que somos nós senão os explorados - e por V. Exa.? Explorados por V. Exa. e pelos seus amigos na nossa própria honra que é cousa mais preciosa que os nossos haveres!

Apoiados.

E depois acrescenta-se:

Leu.

Em presença dêste dilema o Sr. Presidente do Ministério não conhecia a verdade. Não sabia se o povo, de facto, tinha atirado bombas sôbre a guarda ou se esta atacara sem motivos. Afirmou aqui S. Exa., depois de ter sido prèviamente atacado, declarou o Presidente do Ministério o Ministro do Interior que a guarda republicana não tinha razão. É por esta afirmação que o responsabilizamos.

Apoiados.

Mas o Sr. Presidente do Ministério teve uma frase, magnífica e formidável: disse que, quando há ajuntamentos desta natureza, o perigo está na debandada.

À consciência da Câmara eu ponho esta afirmação.

É à debandada de um Govêrno que nós assistimos; de um Govêrno que até hoje ainda não teve uma idea prática de administração, de um Govêrno que apenas tem sabido cuspir ódio sôbre os seus adversários políticos.

E esta debandada, Sr. Presidente, é tam terrível, que vou hoje dizer à Câmara, não já como nacionalista, não já como republicano, mas como um português que vê tristes dias reservados para o seu País, que acabem com êste pesadêlo!

Muitos apoiados.

O Govêrno assistirá, porventura, impassível aos atentados pessoais?

Sr. Presidente: não se trata de defender fôrças vivas ou económicas. O que nos importa é, acima de tudo, o prestígio da Nação.

As fôrças vivas, quando saiam para fora dos limites que marcam o prestígio do Poder, saberemos impor a ordem.

Apoiados.

Todos queremos, por certo, respeitar a dignidade do Poder o fazer sentir que existo um Govêrno forte, que atende todos os interêsses legítimos que estejam adentro da ordem.

Mas prègar a guerra civil e de classes é legítimo porventura? Apelo para a consciência da Câmara.

Num assunto tam grave é preciso que o Govêrno se afaste de paixões para bem merecer da Pátria e não se tornar um pesadelo.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Morais Carvalho: - Sr. Presidente: começo por estranhar as palavras do Sr. Presidente do Ministério quando há pouco respondeu ao Sr. David Rodrigues.

Disse S. Exa. que tendo-se informado de qual a ordem de trabalhos desta Câmara, antes e na ordem do dia, verificou que não havia nenhum assunto que exigisse a sua presença nesta casa, e por isso ficara tranquilo no Ministério da Marinha a tratar do expediente da sua pasta.

Sr. Presidente: pois os jornais atribuem ao Sr. Presidente do Ministério palavras que devem alarmar a opinião pública, e o Chefe do Govêrno esquece-se de vir aqui desmentir essas palavras que falsamente lhe atribuem!

Apoiados.

O que vejo é o Govêrno a incendiar as paixões ruins.

Já assim se fez no princípio da República. Agora é o contrário: são os elementos da desordem que se servem do Sr. Presidente do Ministério como trampolim para dar o salto.

O Sr. Sá Pereira: - O que V. Exas. têm é mêdo. Está chegando a hora da justiça.

O Orador: - Não tenho mêdo. Quem cumpre o seu dever, aqui, de dia e de

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noite, durante quási três anos, não tem mêdo.

Apoiados.

Lavrado assim o nosso enérgico protesto contra a política seguida pelo Sr. Presidente do Ministério, acirrando paixões em vez de conciliar, como é do dever dum chefe de Govêrno, os interêsses em presença, não alongamos mais êste debate; e eu que havia enviado para a Mesa um negócio urgente, também sôbre êste assunto, que a Câmara fez o favor de aprovar, o que agradeço, desisto do meu negócio urgente, pois que já protestei em nome dêste lado da Câmara. Isto é o que eu não queria deixar de fazer, contra as palavras do Sr. Presidente do Ministério, impróprias de um chefe de Govêrno que tenha a consciência das suas responsabilidades.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Agatão Lança: - Sr. Presidente: não vou analisar as razões da manifestação de sexta-feira passada, nem apreciar a atitude das classes que estão em luta. Isso é agora indiferente para mim. Fàcilmente se verificaria que os homens que fizeram essa manifestação são em grande parte os mesmos que estiveram no Parque de Eduardo VII, ao lado de Sidónio Pais que o Sr. Presidente do Ministério tanto combateu com grande energia, inteligência e audácia.

Também podíamos verificar que um jornalista que elogiou a obra de Sidónio Pais e que atacou violentamente o grande republicano Afonso Costa, que fôra lançado na fortaleza de Elvas, é o mesmo que não se farta agora de fazer o elogio máximo dêste Govêrno.

Vamos à manifestação:

Entre os vivas que se soltaram não ouvi nenhum à República nem ao Govêrno. Ouvi vivas à Russia vermelha e à revolução social; e não sei que êsses gritos subversivos merecessem quaisquer reparos da parte dos homens do Govêrno.

No jornal O Mundo, que eu leio porque sou um dos seus amigos, e que deve ser insuspeito para o Govêrno, encontrei um relato que me merece os maiores reparos.

Leu.

O jornalista que escreveu esta notícia usou de má fé.

Quere provocar a antipatia do povo pela guarda republicana, dizendo que a guarda foi de propósito firme hostilizar os manifestantes.

A verdade é que a guarda formou em obediência aos regulamentos disciplinares. Não fez mais do que cumprir o seu dever.

Apoiados.

Diz mais o jornalista:

Leu.

Todos sabem que dois feridos são praças da guarda republicana, que foram atingidos por estilhaços da bomba que rebentou.

Diz ainda mais:

Leu.

Não creio que S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério tivesse tido tais palavras. Creio que tivesse verberado os gritos subversivos, o lançamento da bomba e os tiros de pistola dados pelos populares.

Se S. Exa. tivesse proferido o seu discurso tal como o jornal O Mundo lho atribuíu, decerto que o Sr. Ministro da Guerra que é um militar brioso, possuindo a Tôrre Espada e a Cruz de Guerra, não deixaria de protestar contra essas palavras do chefe do Govêrno.

Certamente o Sr. Presidente do Ministério elogiou os soldados da guarda republicana que deram um admirável exemplo de serenidade, coragem e disciplina.

Apoiados.

Fizeram tiros para o ar! Grandes e admiráveis soldados são êsses!

Eu, oficial de marinha, não tenho dúvida em fazer continência respeitosa a quem demonstrou tam elevadas virtudes militares.

Apoiados.

Também, decerto, S. Exa. não se esqueceu de elogiar a fôrça de cavalaria que estava no Terreiro do Paço.

Essa fôrça foi atacada a tiro por populares. Pois apesar disso e de uma praça ficar com uma perna atravessada por uma bala, essa fôrça nem sequer deu descargas para o ar.

Limitou-se a fazer evoluções.

É, Sr. Presidente, razão para nós, militares, nos orgulharmos e cada vez mais prestarmos as homenagens do nosso respeito ao ilustre general Vieira da Rocha,

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êsse soldado da escola do glorioso Mousinho, que tam bem tem sabido impor a disciplina às fôrças do seu comando.

Essa alta figura do nosso exército, êsse soldado da escola gloriosa de Mousinho, como as humildes praças dessa guarda, acabam de dar o maior exemplo de valor, de disciplina e de qualidades militares.

E como procedeu a polícia?

Com a maior serenidade e prudência.

Está à sua frente o Sr. tenente-coronel Ferreira do Amaral, militar brioso que é respeitado por toda a gente que o conhece, tendo dado em França os mais altos exemplos de valentia e espírito militar.

O Sr. Cunha Leal: - O tenente-coronel Sr. Ferreira do Amaral publicou uma ordem à polícia que é um documento nobilíssimo, cheio de espírito republicano, de fé na disciplina, e que é bem um documento próprio dum soldado do valor de S. Exa.

Apoiados.

O Orador: - Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério não deve ver nas minhas palavras qualquer azedume ou má vontade.

S. Exa. conhece-me, trabalhou já muitas vezes comigo, e sabe que eu pela minha inteligência, pelo meu temperamento e pela minha independência, não sirvo para agradar a quem quer que seja, nem para andar a formar grupos ou grupinhos em volta de qualquer pessoa.

Eu desejo preguntar ao Sr. Presidente do Ministério se é verdade que da janela do seu gabinete, no Ministério do Interior, um dos seus secretários deu vivas à Confederação Geral do Trabalhor.

Se êste facto é realmente verdadeiro, eu pregunto a S. Exa. se está disposto a continuar a ter como secretário um cêgêtista.

Também quero preguntar ao Sr. Presidente do Ministério se é verdade que S. Exa. mandou fazer um inquérito aos acontecimentos, e qual a extensão dêsse inquérito.

Desejo saber ainda se o Sr. Presidente do Ministério, que é Ministro do Interior, e, como tal, quem manda na guarda republicana, cometeu o acto ofensivo para essa corporação de lhe mandar fazer um inquérito por um tenente-coronel da administração militar.

Teria, porventura, o Sr. Presidente do Ministério dado ordens para que um tenente-coronel da administração militar vá fazer um inquérito à arma de infantaria?

O Sr. Manuel Fragoso: - Naturalmente foi confusão dos jornais. O tenente-coronel Sr. Tavares de Carvalho, que é Deputado, foi incumbido de fazer um inquérito aos últimos acontecimentos que se deram no Parlamento.

O Orador: - Mas então para que serve a polícia de investigação criminal? Creio que era ao Sr. Crispiniano da Fonseca, e não ao Sr. Tavares de Carvalho, que competia êsse inquérito, por muito grande que seja a argúcia do Sr. Tavares de Carvalho e a sua enorme pessoa de Sherlock Holmes.

Sem que nas minhas palavras vá qualquer desprimor para com êsse Sr. Deputado, eu desejaria, no emtanto, poder amanhã prestar as minhas homenagens ao novo Sherlock Holmes da administração militar e desta casa...

Sr. Presidente: antes de terminar, peço à Câmara que não veja em mim uma pessoa que toma atitudes contra os humildes a favor das chamadas "fôrças vivas" - pois não deixo de reconhecer que estas têm por vezes procedido duma forma condenável - mas eu não quero, pelo meu passado, pela minha situação nesta casa, e até porque sou oficial de marinha, poder deixar pensar alguém que dava a minha aprovação a casos desta natureza.

Eu, que sou militar, e os meus camaradas lá de fora, homens honrados que têm sôbre os seus peitos medalhas e Cruzes de Guerra, queremos saber a atitude que temos de tomar, porque só queremos ser militares e marinheiros emquanto houver uma sociedade e Governos que permitam que desempenhemos a nossa missão, que sempre foi honrada, com brio, honra e glória.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

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O Sr. Juvenal Araújo: - Sr. Presidente: eu pertenço a uma bancada que não é de oposição, mas de colaboração, e que sempre se guia pela sua consciência e por aquilo que julga ser o interêsse nacional. Pedi por isso a palavra para dizer que votarei a admissão da moção do sr. David Rodrigues; primeiro, porque entendo que dentro das possibilidades parlamentares nunca devemos coarctar aos representantes da Nação a faculdade de no seio da representação nacional exprimirem a sua maneira de ver sôbre os assuntos mais palpitantes da administração pública que estão decorrendo; segundo, porque a forma como tem decorrido já esta discussão é o maior argumento a favor de que ela prossiga. Realmente o Sr. David Rodrigues pediu ao Sr. Presidente do Ministério conta das palavras que os jornais atribuem a S. Exa. como proferidas nas janelas do Ministério do Interior, e o Sr. Presidente do Ministério preguntou-lhe que palavras eram essas.

Verificamos assim que em tudo isto há confusão e dúvidas que precisam ser esclarecidas.

Apoiados.

As palavras do Sr. Presidente do Ministério mais vieram confirmar a necessidade de se discutir o assunto. Disse S. Exa. que, tendo-lhe sido anunciado que uma manifestação popular se ia realizar em Lisboa de ataque às fôrças vivas, tinha permitido essa manifestação. Ora eu pregunto se não foi uma manifestação de apoio ao Govêrno que foi anunciada, porque essa podia o Govêrno admiti-la; mas se outra manifestação lhe foi anunciada, de ataque a determinadas classes, o Sr. Presidente do Ministério, que sabia com certeza a onda de indignação que havia em certo público de Lisboa, tendo até algumas pessoas aconselhado violências contra certos estabelecimentos, não devia permitir essa manifestação, para não iniciar, como iniciou, a luta de classes, com dias amargurados para êste pobre povo português.

Disse-se que é necessário defender o povo contra aqueles que o vexam. É uma linda inscrição para os melhores monumentos políticos.

Mas pregunto: Qual foi a lição de honra, de trabalho para as verdadeiras fôrças sociais que se tirou da manifestação de sexta-feira?

Por todos estes motivos, e porque entendo que o assunto merece e deve ser discutido amplamente, de maneira a ver-se as responsabilidades do Govêrno, eu voto a admissão da moção que está sôbre a Mesa.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi lida na Mesa, e seguidamente admitida, a moção do Sr. David Rodrigues.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Carvalho da Silva: - É demasiadamente grave a hora que o País atravessa, para que dêste lado da Câmara possamos hesitar em votar a moção do Sr. David Rodrigues. Ninguém poderá ver nisso qualquer quebra dos nossos princípios.

Votaremos, pois, essa moção porque ela é de desconfiança ao Govêrno, e porque assim significamos o nosso sentir perante a obra perniciosa do Ministério.

O Sr. Sá Pereira: - Não era propósito meu usar da palavra nesta altura da sessão, mas o facto de V. Exa. ter declarado que não havia mais nenhum Sr. Deputado inscrito, sôbre a moção apresentada pelo Sr. David Rodrigues, deu margem a que eu pedisse a palavra para estranhar que depois de admitida essa moção ninguém, da parte da maioria, se levantasse para bordar considerações a propósito dêsse documento.

Eu compreendia que não se fizessem discursos antes da admissão da moção, e que, uma vez posta ela à admissão, o assunto se liquidasse pela rejeição dessa admissão.

O que não compreendo é que tendo a Câmara reconhecido que o assunto era importante, uma vez admitida a moção, unicamente sôbre ela tivesse usado da pa- lavra um Deputado monárquico, o Sr. Carvalho da Silva, meu prezado e particular amigo.

Estava convencido de que o assunto era de molde a interessar especialmente a Câmara e de que havia certamente revelações a fazer para que a questão fôsse

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largamente debatida, indo as responsabilidades a quem de direito, e para que cada um de nós ficasse elucidado devidamente a fim de dar conscientemente o seu voto.

Não vejo nada disso; e devo declarar que foi com espanto que eu vi ter-se pedido a palavra para um negócio urgente à volta de um acontecimento que é a repetição de muitos acontecimentos idênticos, enviando-se em seguida para a Mesa uma moção de desconfiança ao Govêrno numa questão de ordem pública.

O Sr. Presidente do Ministério, usando da palavra sôbre o modo de votar a admissão da moção, explicou minuciosamente como se passaram os acontecimentos.

Nada foi aqui dito que não fôsse mais ou menos do conhecimento da Câmara, não vendo eu que haja qualquer cousa que diminua o prestígio do Govêrno.

Na sexta-feira passada dirigiu-se uma manifestação ao Terreiro do Paço. Não tinha carácter político, pois que era composta por cidadãos de todas as classes e pertencentes a diversos partidos.

A manifestação que só fez em 22 de Fevereiro do ano passado, quanto a mim, assumiu proporções mais graves. E ninguém, nesta casa, se inflamou tanto como agora o fazem alguns Srs. Deputados. Lembro-me de que nessa manifestação se chegou a praticar o acto grave de se rasgar a bandeira nacional.

E deixe-me V. Exa. dizer que havia esta diferença: - e é que o ano passado a multidão dirigindo-se da praça pública ao Congresso da República apelava para um Govêrno no qual talvez não tivesse precisamente a mesma confiança que tem naquele que se encontra hoje nas cadeiras do Poder.

Não é, Sr. Presidente, porque o Poder então não estivesse entregue nas mãos do honrados republicanos; não é porque o Poder então não estivesse sendo servido por pessoas, que, sob o ponto de vista republicano, não oferecessem tanta confiança, como oferecem os homens que actualmente ocupam as cadeiras do Poder.

O que é um facto, Sr. Presidente, é que o Ministério que então presidia aos destinos da Nação não tinha tomado precisamente os mesmos compromissos que êste grupo de homens tomou quando ainda se não encontravam nas cadeiras do Poder, que continuaram a perfilhar quando constituiram Ministério, e que tem mantido hoje.

É a diferença que há entre a multidão de Fevereiro do ano passado, e a de Fevereiro dêste ano.

O povo apelava então para um Govêrno, se bem que não tivesse nêle a confiança que hoje tem neste.

O povo então fez esta grandiosa manifestação, da qual, pode afirmar-se, não tirou resultados benéficos, o que se não dá hoje, que tem confiança neste, visto que os seus processos têm sido diferentes daqueles que se têm seguido até hoje.

Sr. Presidente: todos os homens públicos do meu País, muito especialmente os homens que têm tido responsabilidades como Ministros, e que têm desempenhado outros lugares, têm obrigação de medir bem o momento que passa.

Infelizmente, Sr. Presidente, a série de acontecimentos que se têm dado até hoje tem dado origem a que a descrença dos homens públicos neste País seja cada vez maior.

A descrença, Sr. Presidente, vai alastrando dia a dia, hora a hora, o que é até certo ponto natural, dada a modificação que se tem dado nos últimos 10 a 12 anos na sociedade portuguesa, em todo o mundo que nós conhecemos.

Tem havido, Sr. Presidente, na sociedade portuguesa uma luta de carácter político, e uma luta de carácter económico.

Eu ainda me lembro, Sr. Presidente, estando no poder em 1906-1907 o Sr. João Franco, o que êsse homem público afirmou a um jornalista que o entrevistou, isto é, que em Portugal não havia e não existia a questão social, quando afinal de contas essa questão não só existe hoje, como minava já profundamente os alicerces da sociedade, não só entro nós, como nos outros países, como por exemplo, na Bélgica, na Alemanha, Itália, França, Inglaterra e nos Estados Unidos.

Em 1894 dizia, que a guerra era fatal, visto que ela tinha de ser uma consequência dos orçamentos do estado, de toda a Europa, não puderem comportar mais essa grandíssima verba para a construção de armamento destinado à defesa da guerra.

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Dizia-se que a guerra era fatal, quando mais não fôsse por isso que os estados não podiam com tam grande encargo.

Dizia-se que a Alemanha tinha que declarar a guerra, quer quisesse quer não.

Sr. Presidente: declarada a guerra, e feito o rescaldo da guerra, todos os países, muito especialmente da Europa, ficaram numa situação má, o que na verdade não é para admirar.

A França, Sr. Presidente, encontrou as mais sérias dificuldades para vencer a guerra, e a própria Inglaterra, nação verdadeiramente poderosa, tem tido grandes dificuldades depois da guerra, pois, na verdade a Inglaterra, um povo conservador por excelência, já teve o desgosto de ver no poder ministério um trabalhista.

Não é, pois, para admirar, Sr. Presidente, que em Portugal, se esteja manifestando uma certa modificação na sociedade.

Sabem V. Exas. que logo no inicio da guerra, o povo português tendo a noção do que convinha à sua política internacional, de pendão arvorado, percorreu as praças de Lisboa e Pôrto, clamando que Portugal devia formar ao lado dos aliados.

Sendo assim, numa conjuntura como esta, como é que se vem afirmar perante o Parlamento, que o Govêrno não se deve preocupar com outra cousa que não seja defender os interêsses da sociedade portuguesa?

O Govêrno, quanto a mim, tem obrigação de ir até onde puder, manter a ordem, e não consentir que alguém possa ter a sua vida em perigo, perder os haveres por um acto revolucionário de momento.

O Govêrno tem ainda o dever de garantir o direito à vida por parte de toda a gente, e, sendo assim, tem de ir mais longe, começando por fazer inteira justiça.

Sr. Presidente: no início das minhas considerações, eu disse que o Govêrno, tendo presenciado a manifestação de sexta-feira, à noite, havia mantido a ordem, apesar de alguém ter querido alterá-la, atirando uma bomba.

Sr. Presidente: todos os homens de boas intenções, têm de reconhecer que o incidente a que venho de me referir, não foi, de maneira alguma, obra dos manifestantes.

Afirmou-se do centro desta Câmara, e até da esquerda, que o Chefe do Govêrno tinha feito afirmações que inquietaram até o espírito daqueles homens, que são amigos da ordem.

Afirmou-se que o Sr. Presidente do Ministério disse que a guarda republicana não fôra organizada para atacar o povo.

Eu pregunto o que há de extraordinário nesta afirmação.

O Sr. Manoel Fragoso (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?

Na afirmação em si não há nada. Mas, quando ela é feita no momento em que a guarda republicana não fuzilou o povo, é extraordinária.

O Orador: - Sr. Presidente: a afirmação do Sr. Presidente do Ministério não envolve qualquer censura para a guarda republicana.

Aprovado.

S. Exa. não sabia o que se passava; sabia apenas que tinha rebentado uma bomba, que tinham sido disparados tiros, mas de forma nenhuma das suas palavras se pode concluir qualquer censura para aquela corporação, que, apenas, como já aqui foi dito pelo Chefe do Govêrno, merece o seu mais caloroso aplauso, por querer manter a ordem.

Apoiados.

Não estejamos, pois, a fazer confusões, sôbre todos os pontos de vista lamentá- veis, porque com a fôrça pública não podemos nem devemos fazer política.

O Govêrno que hoje se encontra no Poder pode amanhã ser substituído pelos seus adversários de agora, e, se a história se repetir, verificarão o mal que fazem certos ataques políticos.

Mas, Sr. Presidente, dizia eu que o Sr. Presidente do Ministério segundo os jornais, afirmara que a guarda republicana não foi organizada para bater no povo.

Evidentemente, que não foi êsse o motivo da sua organização.

De resto, a afirmação de S. Exa. deve ser a de todos os republicanos.

Para bater no povo, organizou-se a guarda municipal, a guarda pretoriana, cuja missão única, era defender a monarquia dos adiantamentos, contra aqueles que pagavam êsses esbanjamentos com o seu suor.

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A guarda republicana foi criada para defender o povo, e não para o atacar. Foi organizada para defender as prerrogativas republicanas, que são as prerrogativas de todo o cidadão português.

A polícia tem também que empregar todos os esforços para defender a propriedade dos cidadãos, bem como a sua integridade, e a propósito lembro-me que em determinado momento, em Lisboa, houve um movimento chamado "as mulheres dos bichos", em que cidadãos indefesos foram barbaramente espancados pela polícia.

A guarda republicana merece o nosso maior respeito porque ela é a segurança, não só da cidade de Lisboa, mas do nosso País.

Sabem V. Exas. e principalmente aqueles que viviam no Alentejo, as situações que se atravessavam, quando não havia organizada a guarda republicana e os chamados malteses percorriam as estradas da vasta província que é o Alentejo, pondo em perigo as pessoas e a propriedade dos cidadãos.

Sr. Presidente: se organizámos a guarda republicana com o único objectivo de ela ser uma garantia para a ordem e para a paz, como é que nós, os homens que se sentam dêste lado da Câmara, os homens que se sentam naquelas cadeiras e que ali estão representados por uma das suas mais brilhantes figuras, nos poderíamos associar a actos ou manifestações de que resultasse o desprestígio para o ilustre comandante da guarda republicana, um dos nossos oficiais mais valorosos?

E, Sr. Presidente, dada a circunstância de êste brioso oficial ser nosso correligionário e amigo pessoal do Chefe do Govêrno, como é que se vem em plena Câmara dos Deputados fazer a acusação de que o Chefe do Govêrno trata com menos consideração e respeito um dos oficiais que maior culto de amizade lhe merece?

Porventura não se sabe que o Sr. Vieira da Rocha, filiado no Partido Democrático, já ali ocupou duas vezes o lugar de Ministro?

Se o Presidente do Ministério e Ministro do Interior não tivesse por S. Exa. a maior consideração, decerto não o colocaria à frente daquela guarnição que é o sustentáculo da ordem.

Mas então como é que se manda para a Mesa uma moção em que se aponta o Govêrno como um elemento que contribui para o desprestígio da ordem?

Não, Sr. Presidente! E que neste momento há alguma cousa de mais grave que isto; é que neste momento - e é para isso que todos devem olhar - há uma pequenina questão partidária, uma pequenina questão política por parte de alguém a quem não convém êste Govêrno, nem para os seus desígnios nem para as suas ambições!

Neste momento há um perigo não para o Govêrno, mas para a própria República!

É preciso não esquecer que os inimigos de todos nós, de todos nós os que somos devotados servidores do regime, são aqueles que se sentam do lado direito da Câmara!

É preciso não esquecer que neste momento há alguma cousa de mais grave do que as questões entre os partidos da República, neste momento há a vencer os homens que querem a extinção do regime e que, não podendo recorrer às armas leais, o fazem por intermédio da intriga.

A luta não é de ontem ou de hoje, vem de mais longe.

Sr. Presidente: a seguir ao Monsanto, os monárquicos reconheceram que tinham de adoptar outra tática, porque as armas já não chegavam para fazer sucumbir as instituições republicanas, que por serem republicanas são progressivas e são cada vez mais a garantia das instituições vigentes.

E o que é que se está fazendo de há um ano a esta parte?

Esta cousa simples: declara-se a toda a gente, proclama-se em todos os cantos e recantos do País que o Poder Executivo e com êle o Poder Legislativo desprezam e amesquinham todas as reclamações e ambições das classes que a si próprias se intitulam de fôrças vivas do País.

E então assistimos a êste espectáculo edificante: as associações comercial, industrial e dos proprietários, não falando em política, tendo o cuidado de pôr de parte tudo o que possa significar uma palavra pròpriamente ofensiva, abertamente ofensiva às instituições; vêm insinuando que é preciso arranjar um Parlamento

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composto de pessoas que aqui só viessem tratar de interêsses económicos, descurando por completo a sua acção política, quási insinuando que é preciso o Parlamento tratar de interêsses económicos, pondo de parte a política.

Mas no dia em que essas fôrças económicas tivessem saído triunfantes da luta, seria impossível a República em Portugal.

Apoiados.

Aqueles que, primeiro que ninguém, se levantam, nesta casa do Parlamento, ira- dos, espumando raiva por todos os lados, parecendo querer subverter o Ministro das Finanças e com êle o próprio Govêrno e o regime, são os monárquicos.

O Sr. Carvalho da Silva, meu prezado amigo, é um homem recto, de são carácter, sabendo fazer justiça aos homens e aos intuitos dos homens, mas, quando se trata de defender o seu credo monárquico, perde toda a sua compostura, e de tal maneira que, com a maior facilidade, falta à verdade.

Mas não sabem todos que tudo aquilo é política, a política do Sr. Carvalho da Silva, a política da monarquia, a política de milhares de monárquicos que estão por todo o País, a política extinta que não vê porque não quere ver?

Ainda não tinham passado muitas horas depois que se deu êsse embate, e veio logo das bancadas legitimistas o maior tribuno da oposição para afirmar o seu protesto, também irado, contra a reforma bancária.

Vem a propósito nesta altura recordar factos.

A Câmara bem sabe que houve da parte de alguém a idea de que eu fôsse capaz de cometer um acto menos correcto, menos digno.

Toda a gente sabe que eu pertenço à extrema da Câmara, e muita pena tenho de que não haja ainda mais uma extrema esquerda para a poder ir ocupar.

Costumo proceder com toda a correcção. Quando tenho que atacar, ataco.

Quiseram atribuir também a mim, como agora querem atribuir ao chefe do Govêrno, a responsabilidade de factos ocorridos em 2 dêste mês nesta casa do Parlamento, acontecimentos lamentáveis.

Era indispensável fazer barulho, e era preciso assacar a responsabilidade a al-
guém. Pronunciaram-se palavras que não ouvi.

Atribuiram-me a responsabilidade de ter mandado para as galerias da Câmara dos Deputados determinado número de indivíduos para fazerem essa manifestação...

O Sr. Tavares de Carvalho: - Não fui só eu o responsável; foi também o senhor. Assim, é distribuída a responsabilidade...

O Orador: - É verdade; que eu mandara para as galerias gente que poderia espalhar o seu ódio contra o Parlamento, ou quem quer que fôsse!

Aproveitei esta ocasião para dizer isto porque não podia ter responsabilidade alguma de que alguns díscolos insultassem os homens públicos da Nação.

Apoiados.

Alguém me julga capaz de um acto que representaria uma violência.

Assim ficam sabendo que êsses actos não podem merecer a minha aprovação, nem a de ninguém.

Aproveitei êste ensejo para o dizer.

Mas o que eu acho, sobretudo, assombroso, é que alguém se indigne porque o chefe do Govêrno, segundo o relato dos jornais, tinha dito que a fôrça armada não foi organizada para bater no povo, e que estava no firme propósito de não consentir, por mais tempo, a exploração do povo, por algumas centenas de indivíduos que, há um ano a esta parte, outra cousa não têm feito.

O meu amigo, Sr. coronel David Rodrigues, mandou para a Mesa a sua moção, e, nas considerações que fez, disse que até hoje não tinha verificado que na sociedade portuguesa houvesse de um lado a classe dos exploradores e do outro a dos explorados.

O Sr. David Rodrigues (interrompendo): - Perdão! Eu disse que não queria saber de que lado estava cada uma das classes.

O Orador: - Sr. Presidente: as palavras do Sr. David Rodrigues tinham um significado diferente daquele que eu percebi, mas, independentemente delas, já

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nesta Câmara essa afirmação tem sido feita.

Sr. Presidente: a sociedade portuguesa é una e não se desdobra nem numa nem noutra categoria. Não posso aceitar semelhante doutrina, porque ela é contra os meus princípios e contra a verdade.

Eu sei que, na classe comercial, há muita gente honrada.

Apoiados.

Sei que, na classe industrial, há igualmente muitas pessoas honradas, o mesmo acontecendo na classe da agricultura, para as quais vão as minhas mais calorosas saudações. Mas, se por um lado verificamos isto, temos por outro de reconhecer que, após a guerra, muitos comerciantes têm aproveitado a situação, não para comerciar, mas para roubar, levando ao consumidor aquilo a que não têm direito.

Toda a gente sabe, quando existiam os "milicianos", que se praticavam verdadeiras barbaridades, auferindo-se lucros de 200 e 300 por cento, e, se todos os comerciantes, industriais e agricultores fôssem honrados, não estaríamos, com certeza, na situação aviltante em que nos encontramos.

A manifestação de sexta-feira, como a realizada o ano passado, onde surgiram os protestos indignados do povo, não são mais do que a consequência lógica da exploração que vem sendo exercida, há muitos anos a esta parte. É por êste motivo que me causa extraordinária admiração, quando vejo protestar indignadamente contra o Govêrno, por ter dito que estava ao lado dos explorados contra os exploradores, contra aqueles que, sendo parasitas, vivem à custa dos que produzem.

Dizem que houve gritos subversivos.

Eu não sei se houve ou não, porque não tomei parte na manifestação, não a acompanhei nem estive a vê-la passar. O que posso afirmar é que "gritos subversivos" é uma cousa que em regra os Governos arranjam para bater no povo, Porém, desta vez, parte das oposições.

Sr. Presidente: eu direi a V. Exa. e à Câmara que, quando em Portugal ainda existia a monarquia, eu fazia parte de um partido donde saí por incompatibilidades criadas entre mim e outras pessoas, em consequência de uns quererem a implantação da República imediatamente, de cujo número fazia parte, e outros quererem que essa evolução se fizesse gradualmente.

Mas, nesse tempo, quando os republicanos eram cuidadosamente vigiados, quando os seus centros eram assaltados pela polícia, eu fazia parte, como disse, de um partido que, em regra, fechava os seus ofícios com esta frase:

"Saúde e Revolução Social".

Isto escrevia-se, transitava por toda a parte, e nunca houve o menor impedimento.

Nestas condições, habituei-me tanto a estas duas palavras "revolução social" que, se fizesse parte da tropa, e fôsse encarregado de manter a ordem, não atacava ninguém por gritar:

"Viva a Revolução Social".

Para mim, êsse grito pode corresponder a uma aspiração tam legítima como aquela de que queremos manter a República.

Gritos subversivos, para mim, são aqueles que partem da boca dos monárquicos, quando êles gritam:

"Viva a restauração monárquica".

Mas, Sr. Presidente, eu continuarei ainda por mais algum tempo a apreciação dêstes acontecimentos, que talvez sejam como que um prólogo de novas e lamentáveis ocorrências.

É que eu, neste momento, ainda não consegui saber qual é o fim que as oposições querem atingir ao ser levantada nesta casa do Parlamento, em termos de aberta oposição ao Govêrno, esta questão da manifestação de sexta-feira passada.

Eu pregunto: o que é que se pretende atingir?

Eu devo declarar em abôno da verdade que, quando essa moção foi mandada para a Mesa, estava convencido de que esta parte da Câmara a não admitiria, e, se assim tivesse sucedido, a questão estaria morta.

O facto que eu estou registando é de que alguém - sem que até agora fôssem ditas quais as razões especiais que o le-

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varam a admitir êsse documento que, certamente, vai provocar uma discussão violenta, que não tinha absolutamente nenhuma razão de ser - quere, porventura, obrigar o Govêrno a pedir a sua demissão, exactamente no momento em que êle tem nas suas mãos o futuro do povo, Govêrno êste que tem a coragem de falar alto e de assumir assim as responsabilidades.

O facto de alguém, que tinha o dever de apoiar o Govêrno, estar colaborando com as oposições contra êste, parece-me excepcionalmente grave, e precisa de ser explicado.

Sr. Presidente: foi esta a razão por que eu pedi a palavra e foi êste o motivo que me levou a tomar parte neste debate, eu que tam pouco uso falar nesta casa do Parlamento, pois que tenho bem a noção de que o tempo é muito preciso para tratarmos dos negócios da Nação.

Porém, eu fui obrigado a falar para pedir que êste caso se esclareça, visto que êle diz respeito a um Govêrno, ao qual eu dou todo o meu esfôrço e toda a minha dedicação e a quem tenho acompanhado dia a dia, hora a hora, momento a momento, absolutamente convencido de que êle é aquêle Govêrno pelo qual o povo português esperava anciosamente há já muito tempo.

Não posso ainda terminar as minhas considerações, porque ainda não ouvi que alguém tenha pedido a palavra para explicar porque foi admitido êsse documento, que pode trazer, talvez, as mais negras horas para a nacionalidade portuguesa.

Porventura há alguém que julgue que aquelas cadeiras poderão vir a ser ocupadas por outras pessoas que façam uma obra diferente da que êste Govêrno tem estado a fazer?

Estão enganados, porque nós não consentiremos que assim suceda, com o aplauso ou não das "fôrças vivas" (Apoiados), e que ficam sempre satisfeitas, quando os Governos deixam a libra atingir a soma de 150$, e que os géneros sejam açambarcados para serem vendidos pelos preços que os açambarcadores julgam dever vender.

Ora, se alguém julga que se deve derrubar um Govêrno, porque êle disse que a guarda-republicana não se fez para bater no povo, eu não deixarei, nem o País, que outro Govêrno vá para ali.

O Govêrno não cairá, mas se porventura cair por ama futilidade desta natureza, todo o País certamente se erguerá contra os homens que não querem seguir a sua directriz política, que é aquela pela qual durante muitos anos andámos a batalhar.

Foi, efectivamente, para que tivéssemos um Govêrno bem republicano que nós, através de tudo, trabalhámos e fizemos todos os sacrifícios, porque a verdade é esta: os Governos partidários nada já produzem para a terra portuguesa, e nós estamos resolvidos a não deixar continuar a mesma situação.

O Sr. Presidente: - V. Exa. deseja terminar o seu discurso, ou quere ficar com a palavra reservada?

O Orador: - Se V. Exa. consente, fico com a palavra reservada.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, às 14 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:

Antes da ordem do dia:

A de hoje, menos o parecer n.° 848.

Ordem do dia:

Negócio urgente do Sr. David Rodrigues sôbre as últimas manifestações populares, e a de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 22 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Projecto de lei

Do Sr. Sá Pereira, tornando extensivo à Junta Geral do Distrito de Beja o preceituado no § 1.° do artigo 1.° da lei n.° 1:453, de 26 de Julho de 1923.

Para o "Diário do Govêrno".

Proposta de lei

Do Sr. Ministro do Comércio, autorizando o Govêrno a incluir nas tarifas a

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que se refere o artigo 15.° do contrato de 15 de Abril de 1901 com a "The Anglo Portuguese Telephone Company, Limited" a de chamadas pagas.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de comércio e indústria.

Para o "Diário do Govêrno".

Constituição de comissão

Cumpre-me comunicar que a comissão de correios e telégrafos escolheu para presidente o Sr. Américo Olavo Correia de Azevedo e a mim para secretário.

Sala das sessões, 9 de Fevereiro de 1925. - Luís da Costa Amorim.

Para a Secretaria.

O REDACTOR - João Saraiva.

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