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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.º 29
EM 10 DE FEVEREIRO DE 1925
Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva
Sumário. - Abre a sessão com a presença de 43 Srs. Deputados.
É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.
Dá-se conta do expediente, e é admitido um projecto de lei, já publicado no "Diário do Govêrno".
Antes da ordem do dia. - E aprovada, com dispensa da última redacção, uma proposta de lei do Sr. Ministro da Guerra (Helder Ribeiro), de refôrço de verbas, tendo usado da palavra os Srs. Morais Carvalho e Lopes Cardoso, responde-lhes o Sr. Ministro.
O Sr. Amaral Reis trata da exportação dos nossos vinhos para França e do estado de ruina de muitas construções escolares.
O Sr. Maldonado de Freitas produz considerações sôbre a exploração da fábrica de vidros da Marinha Grande.
Ordem do dia. - Continua em discussão o negócio urgente do Sr. David Rodrigues.
Usam da palavra os Srs. Sá Pereira, Cunha Leal, que apresenta e justifica uma moção de ordem, que é admitida.
É aprovado um requerimento de prorrogação da sessão, apresentado pelo Sr. Pedro Pita.
Seguem-se os Srs. Joaquim Ribeiro, que apresenta uma moção que é admitida, Pina de Morais, Carlos Pereira e Torres Garcia.
Interrompe-se a sessão, e, reaberta, prossegue o debate.
Usam da palavra os Srs Cortês dos Santos e Julio Gonçalves.
Durante o discurso do Sr. Julio Gonçalves dá-se um incidente entre o orador e o Sr. Moura Pinto, que leva o Sr. Presidenta a interromper a sessão.
Reaberta a sessão, o Sr. Julio Gonçalves continua e conclui o seu discurso, dando explicações sôbre o incidente.
O Sr. Agatão Lança manda para a Mesa uma moção de ordem, que é admitida.
Dá explicações o Sr. Julio Gonçalves.
Responde aos oradores que atacaram o Govêrno o Sr. Presidente do Ministério (José Domingues dos Santos).
Segue-se o Sr. Pedro Pita.
O Sr. Joaquim Ribeiro é autorizado a substituir por outra a moção que apresentara, moção que o Sr. Presidente do Ministério declara não aceitar.
É aprovada a prioridade, nas votações, para a moção do Sr. Agatão Lança, que é dividida em duas partes a requerimento do Sr. Carlos Pereira.
Em votação nominal, a primeira parte é aprovada por 65 Srs. Deputados e rejeitada por 45.
A segunda parte é aprovada.
Retiram as suas moções os Srs. Joaquim Ribeiro, Cunha Leal e David Rodrigues.
O Sr. Previdente do Ministério aprecia o sentido da votação.
Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para a hora regimental.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão, - Declarações de voto. Um requerimento.
Abertura da sessão, às 15 horas e 22 minutos.
Presentes à chamada, 43 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 78 Srs. Deputados.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Albano Augusto do Portugal Durão.
Alberto do Moura Pinto.
Albino Pinto da Fonseca.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Torres Garcia.
António Albino Marques do Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
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António Dias.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
Armando Pereira do Castro Agatão Lança.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Ernest Carneiro Franco.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
João Baptista da Silva.
João Pina do Morais Júnior.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Serafim de Barros.
José Mendes Munes Loureiro.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros,
José de Vasconcelos de Sousa o Nápoles.
uís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vasco Borges.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão.
Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Continho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar. Alvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite do Vasconcelos.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António de Resende.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Virgínio do Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado Freitas.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rego Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Teixeira do Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
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Lourenço Correia Gomes.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Afonso Augusto da Costa.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Pinto de Meireles Barriga.
António de Sousa Maia.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José da Conceição Camoesas.
João Salema.
João de Sousa Uva.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José António de Magalhães.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Rodrigo José Rodrigues.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé de Barros Queiroz.
Valeutim Guerra.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Às 15 horas, principiou a fazer se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 43 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Vai ler se a acta.
Eram l5 horas e 22 minutos.
Leu se a acta.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Do Ministério da Marinha, enviando uma nota sob o n.° 79 pedindo que seja tomada na devida consideração.
Para a comissão do Orçamento.
Do Ministério da Instrução Pública, satisfazendo ao requerido para o Sr. Agatão Lança em ofício n.° 112.
Para a Secretaria.
Do Juízo de Direito do 2.° Juízo de Investigação Criminal de Lisboa, pedindo autorização para que o Sr. Alvaro de Castro ali compareça em 17 de Março próximo para depor como testemunha no processo contra o comissário e funcionários da Exposição Internacional do Rio do Janeiro, de 1922.
Concedido.
Comunique-se.
Para a comissão de infracções e faltas.
Representação
De Ricardo Pais Gomes, pedindo o reconhecimento como revolucionário civil de 5 de Outubro de 1910, para os efeitos da lei n.° 1:691 de 11 de Dezembro de 1924.
Para a comissão de petições.
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Telegramas
Do Comércio de Coruche, Malveira, Reguengos, Torrão, Cautanhede, Portel e Estremoz, protestando contra a dissolução da Associação Comercial de Lisboa.
Para a Secretaria.
Da Câmara Municipal de Velas (Açores), pedindo para no projecto dos Tabacos ser conservado o regime actual para os Açôres o Madeira.
Para a Secretaria.
Do Sindicato Agrícola do Reguengos, Centro Comercial do Pôrto, Associação Comercial dos Revendedores de Víveres do Pôrto, Associação Comercial dos Lojistas do Pôrto, comissões distritais o municicipais, da União dos Interêsses Económicos de Braga, Barreiro, Vieira (Braga) e Beja, protestando contra a dissolução da Associação Comercial de Lisboa.
Para a Secretaria.
Das Associações Comerciais e Insdustriais de Olhão, Barreiro, Oliveira do Azeméis Matosinhos, Guimarães, Vila Nova do Ourém, Aveiro o Faro, protestando energicamente contra o decreto dissolvendo a Associação Comercial do Lisboa.
Para a Secretaria.
Das associações comerciais de Régua, Lamego, Elvas, Vila Real de Santo António, Póvoa de Varzim, Monção e Ponte do Lima, protestando contra a dissolução da Associação Comercial de Lisboa.
Para a Secretaria.
Admissão
Foi admitido o seguinte projecto de lei, já publicado no "Diário do Govêrno":
Dos Srs. Mariano Martins, Sá Pereira e Gomes de Vilhena, prorrogando por mais 5 anos o prazo estabelecido na lei n.° 1:024, de 23 de Agosto de 1920.
Para a comissão de administração pública.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.
O Sr. Ministro da Guerra (Helder Ribeiro): - Sr. Presidente: encontrando-se na Mesa uma proposta de lei, pedindo um credito de 3:200 contos, para o pagamento de soldos e prés, e como essa proposta tem já os pareceres das comissões de guerra e de finanças, peço a V. Exa. se digne consultar a Câmara, sôbre se permite que entre imediatamente em discussão.
Foi aprovado o requerimento do Sr. Ministro da Guerra.
Foi lida a proposta, bem como os pareceres das comissões de guerra e finanças, e seguidamente posta à discussão.
Os pareceres e a proposta são os seguintes:
Parecer n.° 852
Senhores Deputados. - A vossa comissão de guerra, tendo examinado a proposta de lei n.° 845-G, acha-a suficientemente justificada pelo Sr. Ministro da Guerra, pelo que é de parecer que lhe deis a vossa aprovação.
Sala das sessões da comissão do guerra, 2 do Fevereiro do 1925. - José Cortês dos Santos - F. Dinis de Carvalho - Lúcio Martins - David Rodrigues - Vitorino Godinho.
Senhores Deputados. - A vossa comissão de Finanças, tendo apreciado a proposta de lei n.° 845-G, da autoria do Sr. Ministro da Guerra, verificou que ela se destina a abertura de um credito a abrir no Ministério das Finanças a favor do Ministério da Guerra da importância 3:269.500$ destinado ao complemento de verbas orçamentais cuja verba inscrita é insuficiente para pagamento de soldos e prés no corrente ano económico. Se é de lamentar que a Repartição de Contabilidade do Ministério da Guerra não tenha incluído no orçamento as verbas necessárias para estas despesas obrigatórias de vencimentos, não compete a esta comissão proceder pelos regulamentos em vigor sôbre a falta cometida porque isso é função do Poder Executivo.
A vossa comissão do finanças é de parecer que a referida proposta do lei deve ser considerada pela Câmara e aprovada.
Sala das sessões da comissão de finannças da Câmara dos Deputados, 5 de Fe-
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vereiro de 1925. - A. Portugal Durão - Viriato da Fonseca - M. Ferreira de Mira (com restrições) - Ferreira da Rocha (com restrições) - Mariano Martins - A. Paiva Gomes - Amadeu Vasconcelos - Lourenço Correia Gomes (relator).
Senhores Deputados. - Pelo ordenamento feito pela repartição de contabilidade do Ministério da Guerra até á presente data verifica-se serem insuficientes as verbas orçamentais consignadas a soldos, prés, gratificações de efectividade, abonos de marcha, serviço do recrutamento militar e pensões e prés de reformados e de mutilados de guerra.
Nestes termos e não sendo possível deixar, do pagar nos prazos oportunos os seus vencimentos aos servidores do exército, tanto dos quadros do activo, como das classes inactivas: tenho a honra de submeter à vossa aprovação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É aberto pela presente lei no Ministério das Finanças a favor do Ministério da Guerra um crédito especial da quantia de 3:269.500$ o qual será inscrito na proposta orçamental do segundo daqueles Ministérios, e como refôrço às verbas e epígrafes dos artigos e capítulos constantes do mapa junto a esta lei o que dela faz parte integrante.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 12 de Janeiro de 1925. - O Ministro da Guerra Helder Ribeiro.
Mapa das importâncias com que, pela proposta de lei a que êle se refere e que dela faz parte integrante são reforçadas as várias epígrafes dos artigos e capítulos abaixo designados, da proposta orçamenta do Ministério da Guerra para o ano económico de 1924-1925.
(Ver tabela na imagem)
Em 12 de Janeiro de 1925. - O Ministro da Guerra, Helder Ribeiro.
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O Sr. Morais Carvalho: - Sr. Presidente: a presente proposta do Sr. Ministro da Guerra é mais uma do pouco cuidado e da nenhuma com que é elaborado o Orçamento Geral do Estado.
O Sr. Ministro da Guerra acaba do pedir à Câmara um crédito novo de tres mil duzentos o tantos contos, para abonos, prés, gratificações o outros vencimentos que correm pela sua pasta.
Sr. Presidente: já o ano passado várias propostas da natureza da que o Sr. Ministro da Guerra hoje aqui trouxe foram apresentadas pelos seus antecessores nessa pasta, mas, então, dizia-se que este pedido se justificava porque os orçamentos eram feitos durante a vigência de determinado ágio da nossa moeda e que o câmbio se ia agravando, pelo que necessário se tornava reforçar as verbas orçamentais.
Essa pseudo-justificação não se dá êste ano, porque o Orçamento foi elaborado em época em que a divisa cambial era sensivelmente igual à de agora.
Acontece ainda que todas as verbas da proposta orçamental foram revistas pelo Sr. Ministro das Finanças, em Outubro, quando a esta Câmara trouxe o Orçamento devidamente rectificado.
Por consequência, o novo pedido feito pelo Sr. Ministro da Guerra não pode senão ser atribuído ao pouco cuidado com que foi elaborado o Orçamento Geral do Estado, ou, melhor dizendo, ao propósito que, houve em computar por baixo as despesas - e eu faço justiça ao Sr. Ministro da Guerra em que não vem pedir senão a verba indispensável - iludindo o País, dando-lhe a impressão de que o deficit era menor do que de facto era.
Quere dizer: é mais um dos muitos expedientes usualmente empregados, porque, em questão de contas a dar ao País, os governos são sempre muito avaros.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da Guerra (Helder Ribeiro): - Sr. Presidente: pedi a palavra para responder ao Sr. Morais Carvalho, que, com a sua correcção habitual, procurou filiar a apresentação desta proposta na má elaboração do Orçamento, e no desejo de apresentar contas defeituosas, pretendendo-se iludir a opinião pública.
Felizmente não é êsse o motivo da apresentação da proposta. A razao principal reside no regime de duodécimos em que vivemos.
Este, regime, num Ministério como o da Guerra, tem graves inconvenientes, porque a situação do pessoal é diferente da dos outros Ministerios.
Em qualquer outro Ministério existem os quadros fixados, mas no da Guerra o número de oficiais e praças varia constantemente e a situação das colónias influído bastante nessas alterações, por que têm sido dispensados muitos oficiais que faziam serviço nas províncias ultramarinas.
Por outro lado êste período em que estamos - o primeiro trimestre do ano - é aquele em que é maior o número de praças nas fileiras. E, sobretudo, o período da encorporação, na infantaria, dos seus 23:000 homens. Por isso se torna mister o crédito para satisfazer de pronto determinadas despesas dentro das unidades que, pela sua técnica, se vêem obrigadas a pagamentos imediatos. Essas contas serão devidamente, discriminadas.
Dadas estas explicações, creio que terei desfeito no espírito de S. Exa. as apreensões que possa ter sôbre factos que digam respeito ao Ministério da Guerra.
O orador não reviu.
O Sr. Lopes Cardoso: - Êste lado da Câmara vota a proposta de lei acêrca do crédito especial, como representando uma necessidade, lastimando apenas que este regime dos duodécimos não possa ser pôsto do parte.
A culpa desta situaçâo não pode pertencer à minoria, por isso que temos dado toda a assistência à discussão do Orçamento Geral do Estado. A culpa cabe à maioria que, dispondo do número, pode tratar a tempo dêste assunto, sem que seja necessário recorrer a pedido de créditos especiais.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Sr. Ministro da Guerra (Helder Ribeiro): - Pedi a palavra para responder ao Sr. Lopes Cardoso.
Agradeço a S. Exa. as suas palavras,
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bem como o seu voto e o do Partido que o Sr. Lopes Cardoso representa. Estou plenamente de acôrdo com as considerações de S. Exa. acêrca do regime dos duodécimos, que, como S. Exa., acho condenável.
Devo dizer que quem é mais prejudicado pelo regime dos duodécimos é o Poder Executivo, devido às dificuldades em que se vê colocado.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se na generalidade a proposta do lei do Sr. Ministro da Guerra.
Foi aprovada na generalidade e na especialidade.
O Sr. Pires Monteiro: - Requeiro que seja dispensada a última redacção.
Foi aprovado.
O Sr. Amaral Reis: - Desejava usar da palavra quando estivesse presente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, mas, desde que me consta que S. Exa. não pode vir à Câmara por estar doente, peço a qualquer dos Srs. Ministros presentes que leve ao conhecimento do seu colega as considerações que vou fazer acêrca de um assunto da maior gravidade.
Já tive ocasião, numa das últimas sessões, de falar aqui sôbre a necessidade de acautelar os interêsses da viticultura portuguesa, no que diz respeito a vinhos de pasto, em relação ao acôrdo comercial que consta estar sendo negociado com a França.
Esteve há dias em Lisboa o nosso Ministro em França, Sr. António da Fonseca, que, segundo informações que tenho, veio apresentar ao Govêrno Português novas bases para negociar o acôrdo com a França.
Consta-me também, embora não saiba a veracidade do facto, que, devido às dificuldades que se têm levantado com a França acêrca da entrada dos nossos vinhos de pasto naquela nação, êsse acôrdo será pôsto de parte, ou quando muito será apenas permitida a entrada na França duma pequena quantidade de vinho, absolutamente irrisória.
Quere dizer, sendo grandes os interêsses da França sôbre o mercado português, será realmente para lamentar que se não façam todas as démarches para que a exportação dos nossos vinhos de pasto seja tida em consideração, e não seja pôsto de parte um dos produtos que tiveram nos últimos anos maior exportação, sendo quási exclusivamente a França o seu mercado.
Dizem que a França foi sempre um país exportador de vinhos de pasto e que por isso Portugal não ganharia nada com essa exportação.
ão é verdade.
Toda a gente sabe que a produção de vinhos em França é muito irregular.
Se é certo que nalguns anos é superior ao consumo, em muitos outros aquele país vê-se na necessidade de realizar grandes importações.
Não era justo que nós, tendo feito a guerra ao lado da França, víssemos agora a nossa situação num plano inferior à da Espanha com relação aos vinhos.
É preciso que se faça a maior exportação de vinhos do Pôrto, pois até os próprios vinhos do pasto têm a lucrar com isso.
Apoiados.
Chamo a atenção do Govêrno, e se não formos atendidos lavrarei o meu mais enérgico protesto.
Desde que estou no uso da palavra, e como não é fácil conseguir falar na presença dos Srs. Ministros, eu chamo a atenção do Govêrno para o que se está passando com construções escolares.
Há edifícios arruinados por descuido e desleixo de administração.
Alguns estão há três e quatro anos sem telhado, com as paredes a arruinarem-se, por forma que terão de ser demolidos para se construírem do novo.
Ao mesmo tempo na gerência do último Ministro da Instrução distribuíram-se verbas a compadres, amigos o correligionários, para construções escolares, tudo isto feito no Gabinete do chefe do Ministro sem ser ouvida a respectiva repartição escolar.
Assim se perde o dinheiro.
O que primeiro era preciso era acabar as construções escolares já principiadas.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Maldonado de Freitas: - Aproveitando a ocasião de estar presente o Sr.
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Ministro da Guerra, pego a S. Exa. o favor de transmitir aos Srs. Ministros do Trabalho e dos Negécios Estrangeiros as considerações que vae fazer.
Vi nos jornais do hoje a notícia da abertura da Fábrica da Marinha Grande.
Surpreendeu-me essa notícia, pois suponho que não há o direito de pôr em prática tal medida sem primeiro chamar os antigos administradores da fábrica à responsabilidade dos graves abusos que cometeram.
Eu chamo a atenção do Sr. Ministro do Interior para êste facto e para o enorme esfôrço que fizeram os operários.
S. Exa. teve ocasião do ver, como eu vi, uma rima de caixotes com cristais que lá existiam, o tanto assim que ordenou que se fizesse o inventário dêsses cristais, isto é, que sé procedesse com aquela moral que seria para desejar, fazendo entrar a empresa concessionária com a sua cota parte; porém, a administração daquela fábrica tem sido, na verdade, das piores que pode haver, pois os seus administradores a maior parte das vezes deixam a fábrica entregue a um empregado, dizendo-lho que olhe por ela, por isso que têm de vir para Lisboa.
Isto, Sr. Presidente, é muito interessante, e bom será que a Câmara em ocasião oportuna trate do assunto convenientemente, de forma a que êstes casos se não repitam, pois a verdade é que a diferença que existe entre os enormes desmandos que houve no tempo da Monarquia o os que se têm dado na República, é de que antigamente êles eram encobertos o hoje discutem-se com toda a largueza e clareza, como deve ser.
O que é um facto, Sr. Presidente, é que na Fábrica de Vidros da Marinha Grande alguém, para servir a sua clientela política, recebeu abonos por conta de encomendas, os quais, se bem que fôssem recebidos e gastos, não consta que fôssem escriturados, o que, na verdade, representa uma ilegalidade, sendo, além disso, um desrespeito pelas disposições do Código Comercial.
Mas, Sr. Presidente, a questão não pára aqui, e, para a Câmara ver o que se tem passado sobre o assunto, vou ler-lhe o que diz a firma Soares Cardoso:
Leu.
Estas letras, Sr. Presidente, de que aqui se fala, foram aceites e protestadas por falta do pagamento.
O que na verdade é para lamentar é que o Sr. Ministro do Trabalho se tenha desinteressado do assunto, preocupando-se apenas com outros, talvez de menor importância, deixando do vir à Câmara para os discutir como seria para desejar.
O Sr. Presidente: - Devo prevenir V. Exa. de que são horas de se passar à ordem do dia.
O Orador: - Se V. Exa. me permite, eu em dois minutos terminarei as minhas considerações, lendo à Câmara o seguinte:
Leu.
Como a Câmara está vendo, a fábrica encontra-se em condições de realizar lucros.
Êste estado do cousas não pode continuar, razão por que eu fiz estas ligeiras considerações, na intenção do chamar a atenção da Câmara para o assunto, que para mim é da máxima importância.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia. Está em discussão a acta. Como ninguém pede a palavra considero-a aprovada.
Está na Mesa um oficio do Juiz do direito de um dos juízos de investigação criminal, pedindo autorização à Câmara para que o Sr. Álvaro de Castro possa depor num processo.
Autorizado.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se uma nota de interpelação.
Foi lida na Mesa.
É a seguinte:
Nota de interpelação
Desejo interpelar o Sr. Ministro da Guerra sôbre a reintegração no exército, com o pôsto de major e colocado na situação de reserva, pela Ordem do Exercito n.° l, 2.ª série, de 24 do Janeiro do corrente ano, do ex capitão miliciano de artilharia de campanha, Almiro José Pereira do Vasconcelos.
Em 10 de Fevereiro de 1925. - O Deputado, Albino Pinto da Fonseca.
Expeça-se.
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ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o negécio urgente do Sr. David Rodrigues.
Ficou com a palavra reservada o Sr. Sá Pereira.
Tem S. Exa. a palavra.
O Sr. Sá Pereira: - Sr. Presidente: quando se constituíu êste Govêrno, amigos meus de todos os lados da Câmara disseram que eu mais uma vez era iludido na minha expectativa e que tudo quanto eu pudesse esperar das promessas do Govêrno resultaria inútil.
Felizmente que, decorridos dois meses, eu tenho de verificar que até hoje não sé não fui enganado, mas até, pelo contrário, todas as minhas aspirações e anseios da libertação dum povo se encontram, como prometeu o Govêrno, integralmente cumpridas.
Na verdade já não é sem tempo que aparece um Govêrno que haja respeitado o seu programa como êste.
As largas considerações que fiz ontem no decorrer dêste incidente, que sou o primeiro a lamentar, encontram-se plenamente justificadas pela grande ânsia do País inteiro, e muito especialmente pelo povo trabalhador, que dia e noite se mata para angariar os seus salários, que não correspondem às suas mais indispensáveis necessidades.
É necessário que o Govêrno se mantenha nas cadeiras do Poder para poder cumprir todas as suas promessas, o que constitui a sua maior glória.
Ainda mal êste Govêrno havia tomado posse e se havia apresentado a esta casa do Parlamento, logo um dos meus amigos pessoais mais queridos, mais dedicados, embora meu adversário político no campo republicano e que milita na minoria da Câmara, o Sr. Jorge Nunes, agitava, como bandeira, um jornal, A Batalha, para apontar como sendo a primeira vez na sua vida que aparecia um Ministério tendo a defesa do órgão da Confederação Geral do Trabalho.
Se isto constitui um motivo de alarme para S. Exa., para mim constitui a maior de todas as satisfações, porque, na verdade, desde que se proclamou a República em 5 de Outubro, um Gabinete era finalmente acolhido com simpatia pela Confederação Geral do Trabalho, pelas classes trabalhadoras do País.
Um regime democrático deve ter como base do seu programa o auxílio às classes trabalhadoras.
Os regimes democráticos não vivem em parte alguma do mundo do apoio das fôrças detentoras da riqueza bruta do País.
V. Exas. sabem que a nossa República não foi feita, como aliás outras. Repú-blicas, pelas pessoas que possuem fabu-losas fortunas.
Republicanos ricos, do tempo da propaganda, como Bernardino Machado, Braamcamp Freire, já falecido, e outros constituem um número tam reduzido que posso citá-los a todos neste momento.
A República foi proclamada pelo povo.
Como podemos estranhar, portanto, que as classes trabalhadoras demonstrem ter confiança no Govêrno da República, Govêrno que se constituiu para dar cumprimento ao programa apresentado em 5 de Outubro de 1910?
As palavras que proferiu neste caso o Sr. Jorge Nunes foram as palavras de um conservador, mas que não deixa do ser respeitado como um homem que, embora conservador, é profundamente republicano, uma pessoa absolutamente íntegra, porque a sua vida é um espelho de virtudes.
Por que é que o apoio dêsse jornal podia causar espanto, se a República, que todos nós amamos como republicanos, é defendida pelo povo, pelo órgão das reivindicações operárias?
Não faria referência a este facto se êle não tivesse sido ventilado nesta casa do Parlamento.
A Batalha e o Mundo, diziam, são os dois jornais defensores do Govêrno que se encontra à testa, dos negócios da Nação neste momento.
Tenho a satisfação também de ver que êste Govêrno é defendido pelo Mundo, o jornal que mais combateu pela República e que teve à sua frente França Borges. E ninguém ignora qual foi a sua vida inteira de sacrifícios em defesa da República e dos interêsses do País.
Apoiados.
Vozes: - Muito bem.
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O Orador: - E, todavia, esse jornal é apontado como um jornal que, estando ao lado do Govêrno, é indigno, por isso que defendendo o Govêrno é suspeito às classes conservadoras.
E dizia o Sr. Cunha Leal: "eu não posso agora socorrer-me do jornal o Mundo por o não ter conseguido, mas tenho aqui outro jornal que é A Batalha, outro órgão do Govêrno"; Ora bem haja que A Batalha, órgão da Confederação Gerál do Trabalho, verifique que se formou um Govêrno disposto a fazer política republicana e disposto a defender aqueles que trabalham. Ainda bem que alguns se afligem pelo facto de haver um jornal, órgão da Confederação Geral do Trabalho, que apoia ou justifica a existência de um Govêrno que defende aqueles que trabalham, porque eu sempre tenho defendido o povo trabalhador.
A Confederação Geral do Trabalho não é uma instituíção política, mas apenas do carácter económico. E veja V. Exa. como certas questões são estudadas no nosso País: da Confederação Geral do Trabalho podem fazer parte até os monárquicos, os conservadores, porque para pertencer a essa instituição é só necessário não ser vadio, mas ter um ofício com que se ganhe o pão dia a dia honradamente.
Para que se atravessa então na vida do Govêrno o nome de um jornal que constitui alguma cousa de grande e de honroso para a sociedade portuguesa?
Tenho a impressão de que há pessoas que desejariam antes que a sociedade portuguesa fosse uma sociedade apagada, onde existisse um povo sem vitalidade e sem opinião, caindo de podre, como estão podres as classes conservadoras de todo o mundo.
Tenho visto que êste Govêrno e apoiado mesmo por aqueles elementos mais obscuros da sociedade portuguesa.
Isto mostra apenas que o povo se interessa pelos negócios do seu País e que os Governos que o defendem merecem sempre o seu aplauso. Não são palavras, são factos!
Apoiados.
O que deploro é que neste momento tenha de tratar de uma questão que aqui foi levantada e que só pode classificar de lana caprina em comparação com as propostas de lei importantes que estão na Mesa para discutir.
Apoiados.
Era da proposta do lei do fundo de maneio do Banco do Portugal que nós nos devíamos ocupar, estudando-a e corrigindo-a, porventura, de forma a ela poder ser aplicada em defesa dos interêsses do Estado.
Mas o que vejo?
É que tive a necessidade de pedir a palavra para ontem não deixar votar uma moção que tinha por fim derrubar o Govêrno que está prestando importantes serviços ao País.
Apoiados.
Mas também da Mesa desta Câmara transitou para as respectivas comissões uma proposta de lei quo diz respeito aos monopólios dos tabacos e dos fósforos.
Não sei em que altura estão os trabalhos dessas comissões; o que sei é que já decorreram os vinte dias indicados pelo Regimento para elas darem parecer, e entretanto êsso parecer ainda não apareceu à discussão.
Em Abril acabam os monopólios dos tabacos e dos fósforos, mas se nós continuarmos a gastar tempo em questões que para nada servem, senão para irritar, chegaremos a Abril sem podermos acabar com êsses monopólios, com aplauso talvez daqueles que têm interêsses ligados àqueles dois colossos.
Apoiados.
E porque eu desejaria que se trabalhasse e que esta Câmara produzisse trabalho que se impusesse ao País, eis a razão por que continuo a deplorar que questões destas se levantem, sem prestígio para o Parlamento, nem para o Regime.
Levantam-se questões que só podem agradar aos monárquicos, porque a estes só convém o desprestígio do Parlamento republicano.
É por isso que a minha alma de homem, que sempre se bateu pelos interêsses da República, sangra por ver tanta desgraça.
Mas há, porventura, apenas a discutir neste tempo as propostas de lei a que atrás me referi?
Não.
Sôbre a Mesa da Câmara dos Deputados está uma proposta do lei que também foi para as comissões, pela qual se cria a Caixa de Conversão.
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Pela acção desta caixa há-de resultar a melhoria da situação do País, porque há--de concorrer para a valorização do escudo.
Ora como é que as oposições desta casa correspondem à apresentação de propostas desta natureza?
Com uma chuva de podidos de palavra para negócios urgentes, que findam todos com moções de desconfiança para se derrubar um Govêrno que está acima de todas as suspeitas.
Apoiados.
Mais ainda: existe na Mesa da Câmara dos Deputados uma proposta de lei que diz respeito ao habeas corpus.
Se esta proposta fôsse aprovada, ficariam garantidos todos os direitos dos cidadãos.
Pois ela não se discute, e em contraposição aparecem todos os dias negócios urgentes para apenas trocarmos discursos uns com os outros, sem utilidade para o País.
Sôbre a Mesa, e publicada já nas colunnas do Diário do Govêrno, encontra-se uma proposta de lei que trata da questão agrária.
Esta questão no nosso País é fundamental e se não Fôr tratada a tempo e horas pode trazer-nos os maiores dissabores.
A Câmara já viu se era necessário introduzir a essa proposta modificações?
Já os membros que fizeram parte da comissão de agricultura e que não conhecem a parte do País onde ela se deve aplicar, que é no Alentejo, foram ali estudar as condições da sua aplicabilidade?
Não me consta, Sr. Presidente, que até hoje alguém ali tenha ido, e estou também convencido de que ninguém se interessa por essa questão, que é absolutamente fundamental para a vida da República e para a vida dos homens que vivem no campo.
Onde é que está então, Sr. Presidente, o respeito que nós devemos ter pelo nosso passado?
E quando este Govêrno apresenta todas estas propostas de lei, que não se estudam e não se emendam, o que é que se faz?
Levantam-se todos os dias questões políticas para derrubar o Govêrno.
Há quatro ou cinco anos que nesta casa do Parlamento se apresentam propostas sôbre propostas para tratarmos do assunto das reparação das nossas estradas, que se encontram num estado de verdadeiro pavor, e agora, que faz parte do Govêrno, como Ministro do Comércio, um homem que a todos se impõe pela sua inteligência e pelo seu saber, o Sr. Plínio Silva, que nos diz que está estudando o problema e que já o tem resolvido, o que faz a Câmara?
Vivo em permanente regime de negócios urgentes.
Questões como esta são de fundamental interêsse público e de alta conveniência, até mesmo para os lavradores e comerciantes e a sua resolução não devia ser protelada por moções de desconfiança.
Mas não ficamos por aqui.
Ainda há dias, e em sucessivas sessões, nós vimos, pela discussão que então se travou, quanto é angustiosa a situação da nossa maior colónia.
Pois nem mesmo assim se esquecem as conveniências políticas, para se lembrarem de que há lá fora uma colónia que precisa dos nossos esfôrços, da nossa inteligência e do nosso amparo.
Mas, em compensação, Sr. Presidente, há a afirmação de que a maioria é composta por homens que, não sabendo discutir, respondem às oposições votando, como se nós não fôssemos tam conscientes como os homens que fazem parte da oposição e não desejássemos acudir aos altos interêsses do país, como patriotas ardentes que somos.
Apoiados.
Daqui prometo ao Partido Nacionalista responder-lhe nos mesmos termos quando os seus homens se sentem naquelas cadeiras, mas não lhe mandarei moções de desconfiança quando vir que êles estão trabalhando, ainda que esteja convencido de que lhes será difícil apresentar medidas da natureza das que êste Govêrno aqui tem trazido.
Apoiados.
Mas são graves, Sr. Presidente, os problemas que estão postos na ordem do dia, sem que a Câmara lhes ligue a menor importância.
Há ainda o problema dos "sem trabalho", sucedendo que êles não têm dinheiro para comprar pão, a fim de se alimentarem, bem como a suas famílias.
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A êste problema responde-se também com negócios urgentes e moções de desconfiança ao Govêrno, que tem a confiança e o aplauso dos que trabalham e dos que sofrem.
Apoiados.
Como é triste verificar estes factos, que são verdadeiras anomalias!
Sr. Presidente: ontra fôsse a orientação e outro fôsse o critério desta Câmara, e outro seria também o futuro da nacionalidade portuguesa.
Eu receio, Sr. Presidente, que possa chegar uma hora em que as labaredas atinjam tal altura, que todos nós tenhamos do nos queimar, os da direita e os da esquerda.
Oxalá que ainda seja tempo de remediar talvez isto e de reconhecer que é necessário deixar trabalhar aqueles que desejam trabalhar e que são capazes de investir contra todos os interêsses ilegítimos, tudo sacrificando pela República.
Eu dou, Sr. Presidente, por terminadas as minhas considerações, fazendo votos sinceros e ardentes para que não tenha de voltar a usar da palavra numas condições tam excepcionalmente graves como estas em que agora o fiz.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: nos termos do Regimento, mando para a Mesa a minha moção de ordem, que é concebida nos seguintes termos:
Moção
A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o procedimento do Sr. Presidente do Ministério, pelas palavras que proferiu e pelos actos que praticou, afecta profundamente o prestígio da fôrça pública, a disciplina militar e a ordem social, passa à ordem do dia. - O Deputado, Cunha Leal.
A pouco e pouco esta questão vai-se esclarecendo. A pouco e pouco vai-se fazendo luz sôbre ela, maior e mais intensa luz, com certeza, do que aquela que poderá projectar sôbre o assunto a sindicância feita por um dos manifestantes.
Apoiados.
Mas faltava ainda um depoimento, faltava ainda um elemento de certeza para nos convencermos do que efectivamente o Sr. Presidente do Ministério, numa hora do arrebatado entusiasmo, perante uma multidão que gritava "Abaixo a República" e "Viva a revolução social", proferira aquelas palavras que alguns jornais publicaram.
O Sr. Presidente do Ministério dirigiu, e creio que dirige ainda, um jornal do Porto - A Tribuna. Importa, pois, saber qual o rolato de A Jribuna sôbre os acontecimentos de sexta-feira. Vejamos, pois, como êsse jornal, que com certeza não quis, a soldo das fôrças vivas, comprometer o Sr. Presidente do Ministério, conta os factos passados:
Leu.
Uma certeza moral nós poderíamos ter independentemente dêste relato: é a do que eram verdadeiras as palavras atribuídas ao chefe do Govêrno. Se S. Exa. tivesse proferido palavras diferentes não teria por certo o entusiasmo delirante das multidões. Assim, teve-o; mas conquistou-o com uma arma fácil: o desprestígio da fôrça pública, o desprestígio da fôrça militar. Entro o aplauso e a ordem S. Exa. optou pelo aplauso, o então entregou, amarrada do pés e mãos, a guarda republicana à cólera da multidão que o rodeava.
E para que V. Exas. vejam até que ponto ia o delírio da multidão nessa hora, quero ainda ler de novo outra passagem do relato de A Tribuna:
Leu.
Quere dizer: perante a fôrça pública, prestígio da ordem social e da disciplina militar, os manifestantes, com o aplauso do Sr. Presidente do Ministério, com certeza, achavam-se com o direito de disparar, em sinal de regozijo e de vitória, as suas pistolas para o ar. Mas quando a fôrça tentava fazer uma cousa semelhante os mesmos manifestantes protestavam indignadamente! Isto é rebaixar demasiadamente a fôrça pública!
Apoiados.
Mas, Sr. Presidenta, tratava-se ao menos de vitoriar a República? Não! Disse o Sr. Agatão Lança que nã ouvira, no desfilar do comício de domingo uma única voz de "Viva a República"!
O Sr. Presidente o Ministério procurou a fácil vitória de dominar pelo ter-
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ror a sociedade portuguesa. Repare a Câmara! Na noite de sexta-feira, quando passava a manifestação nos Restauradores - informações fidedignas eu tenho - apareceu uma bandeira republicana. E então imediatamente os indivíduos que a levavam foram intimados a fazer desaparecer essa bandeira, sob pena de essa manifestação se fazer com bandeiras negras.
Não era, pois, uma manifestação de republicanos, mas do homens que querem acabar com a ordem burguesa dessa sociedade que ainda hoje detêm as rédeas da fôrça em Portugal.
Mas o Sr. Presidente do Ministério opta por se fazer comunista? A Câmara compete dizer se ó esta a forma de Govêrno que ela quere consentir.
Sr. Presidente: não quero alongar este debate; mas não posso deixar de responder a uma afirmação do Sr. Sá Pereira, que me parece uma trágica ironia. Disso S. Exa. que existem na Mesa várias propostas e que nós não as discutimos.
As assembleas políticas só podem discutir em plena liberdade. Tudo o resto é recuar, tudo o resto é obedecer. (Apoiados). Para nós as podermos discutir precisamos de conquistar a nossa liberdade.
Ainda agora o Sr. Presidente do Ministério sentiu talvez em voz baixa, não os aplausos, mas as manifestações do cólera das pessoas que estão nas galerias.
Era, pois, a coacção que pairava sôbre nós!
Apoiados.
Não discuto nestas condições propostas de lei. Quero-as discutir com aquela liberdade, sem a qual não há a verdadeira democracia.
Não pretendemos, naturalmente, senão a conquista dessa liberdade, repito, sem a coacção de qualquer homem do Estado que queira atirar-nos à cara a cólera das multidões que nem sequer são republicanas! Não! Não consentimos; como republicanos opomo-nos a ela!
Varra-se do terreno político êste Govêrno, conquistemos essa liberdade e V. Exas. hão-de verificar depois disso como êste gesto, que está a aterrar tanta gente, é afinal uma cousa sem importância!
Êste Govêrno só vive do terror que pretendem inspirar alguns homens que estão a seu sôldo; êste Govêrno cairá, pois; e eu estou certo de que êle encontrará na consciência dos cidadãos portugueses honrados, equilibrados, a maior repulsa!
E a Nação, quando olhar para nós, há-de ver como nós teremos a coragem de lhe retirar o nosso voto!
Teremos com isso a certeza de engrandecer a Pátria e a República, que não podem ser dignificadas por actos como os do Sr. Presidente do Ministério. É em presença dêsses actos que eu apelo de novo para a consciência da Câmara! Que não se aterre ninguém com o espantalho duma noite trágica que, porventura, nos deixe, como herança, êste Govêrno, ao cair! ^
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro a V. Exa. a prorrogação da sessão até completa liquidação dêste debate.
Foi admitida a moção do Sr. Cunha Leal.
O Sr. Pedro Pita: - Como aditamento ao meu requerimento, peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que a prorrogação da sessão se faça sem interrupção, pondo á votação cada uma das partes do requerimento por sua vez.
Foi aprovada a prorrogação e rejeitado em contraprova, por 64 contra 49 Srs. Deputados, que a prorrogação fôsse sem interrupção da sessão.
O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sr. Presidente: lembro a V. Exa. a conveniência que existe em que o Regimento seja devidamente observado, porque a propósito dêste assunto, como a propósito de muitos outros, tem-se usado da fórmula sôbre o modo do votar para se discutir o que só pretende pôr em discussão, antes dessa discussão estar iniciada.
Porque sou um homem de ordem e acato sempre rigorosamente as determinações regimentais, só agora pedi a palavra.
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Pôsto isto mando para a Mesa a seguinte:
Moção
A Câmara, entenden-lo que só deve prestigiar a fôrça publica o manter a ordem e o respeito por todos os cidadãos, passa à ordem do dia.
Em 10 de Fevereiro de 1925 - Joaquim Ribeiro.
Sr. Presidente: esta moçao é bem simples. É talvez até simples de mais para muita gente; é possível, todavia, que esto Govêrno, que se tem caracterizado pela maneira como interpreta as moções apresentadas, que pode chamar-se um pouco Govêrno de faquires, aceite esta moção como de confiança ou como de desconfiança, conforme o critério do Sr. Presidente do Ministério.
Por míi, o significado desta moção será de confiança, se o Govêrno está disposto daqui em diante a manter o prestigio da fôrça pública, o será de desconfiança se o Govêrno não estiver nessa disposição.
Sr. Presidente: eu tenho sido sempre, em todos os actos da minha vida, um homem coerente.
Logo de princípio eu afirmei aqui não concordar com a forma como tinha sido constituído êsto Govêrno, que derrubou o Ministério Rodrigues Gaspar para escalar o Poder.
O Govêrno transacto tinha tomado uma atitude não menos enérgica do que êste, mantendo intacto o regulamento do sêlo, combatendo as forças vivas.
Mas êste Govêrno apareceu e eu, coerente sempre, acatei o que vinha, o dispus-me logo a auxiliá-lo em tudo o que fôsse para bem da Pátria e da República.
Eu, que sou um homem de ordem, repito, fui dos que mais combateram as forças vivas, com as quais eu jámais posso concordar, desde que elas tomem, como tomaram, uma atitude de manifesta rebéldia.
Mas, perante os actos que o Govêrno tem praticado ultimamente, eu não posso continuar a ajudá-lo. Se o Govêrno, porém, reconhecer os seus erros e vir que tem amigos - permita se me o têrmo - dos diabos, que o comprometem, e continuar a combater as fôrças vivas, então terá outra vez o meu apoio.
A minha atitude, desde o princípio até hoje, é cheia de lógica.
Sr. Presidente: há um colega nosso nesta Câmara, de quem tenho a honra de ser amigo, mas de quem nunca fui correligionário, o Sr. Cunha Leal, que tenho de saudar pela sua atitude.
S. Exa. manifestou se como um homem de carácter e de energia, não havendo ameaças nem insultos que o impeçam de, altivamente, afirmar o que entende.
Como gosto do fazer justiça a toda a gente, saúdo com muito prazer o Sr. Cunha Leal.
Sr. Presidente: as célebres fôrças vivas são por mim combatidas, o que poderá parecer estranho; mas, como já expliquei, acima dos meus interêsses ou dos da classe a que pertenço, ponho os interêsses da Pátria o da República.
Essa classe das forças vivas hoje não acata as leis da República e por isso merece ser castigada.
O grande êrro do Sr. Rodrigues Gaspar fui justamente o do não mandar encerrar a Associação Comercial.
Logo da primeira vez em que esta associação começou discutindo política, imiscuindo-se naquilo em que não devia, eu vim a Lisboa de propósito para aconselhar ao Sr. Rodrigues Gaspar o encerramento dessa agremiação.
S. Exa., no seu alto critério, não o fez, e as fôrças vivas julgaram-se vencedoras.
Mas não queira o Govêrno fazer, por causa disto, a revolução de baixo.
Não transformemos isto numa tragédia.
Os princípios que regem a sociedade podem modificar-se, mas lentamente, a pouco o pouco.
Não sou reaccionário. Reconheço que é preciso andar para a fronte, mas sabe toda a gente que isso se faz por evolução e não aos solavancos.
Apoiados.
Somos todos irmãos; para que havemos de nos matar uns aos outros?
O Govêrno cairá, porventura.
O Sr. Velhinho Correia: - Não apoiado.
O Orador: - Não se julgue que a sua queda fará triunfar as fôrças vivas.
Apoiados.
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As fôrças vivas não triunfarão.
A especulação não desarma. A libra estava a 150$, há oito meses, e hoje está a 99$, mas a vida está mais cara. O pão, que é o mais caro do mundo, não se pesa. Todos se lembram dos meus esforços para o pão de luxo ser pesado.
Os tecidos do lã estão mais caros. Protege-se escandalosamente a indústria nacional.
O Sr. Cunha Leal: - Os tecidos leves pagam 150$...
O Orador: - E querem a vida barata?!
Eu. Sr. Presidente, orientarei o meu modo de votar conforme as explicações do Sr. Presidente do Ministério.
Tenho dito.
Apoiados.
O orador não reviu.
Foi lida e admitida a moção do Sr. Joaquim Ribeiro.
O Sr. Pina de Morais: - Sr. Presidente: eu gostaria que a Câmara ouvisse as minhas palavras com a mesma isenção com que eu as pronuncio.
Quiseram que eu fôsse político e ou aqui estou neste lugar, que não representa outra cousa, mas isso não significa que o bom cerne beirão de que sou feito se deixe carcomir pela mesma política, não quero isso dizer que me deixe arrastar pelas suas venenosas paixões.
Já quando da declaração ministerial tive o prazer do enunciar o meu modo de ver político e a maneira de encarar a vida política nacional.
Sr. Presidente: a minha intervenção neste debate tem toda a justificação. Foi iniciada a discussão por um meu camarada, o Sr. coronel David Rodrigues, e foi por êle enviada para a mesa uma moção de desconfiança. Invocou S. Exa. a sua qualidade de oficial, que eu muito prezo e respeito; mas mantenho a opinião de que aqui dentro não há profissões. Somos todos Deputados. Não há cursos, não há galões.
Eu também sou militar, mas aqui dentro não envergo o meu uniforme, por ser coerente com o meu modo de pensar. Sou militar de infantaria, arma que, dizem os livros, é a rainha das batalhas.
As sucessivas transigências dos republicanos têm causado à República as maiores amarguras. Foram essas transigências que tornaram possível o sidonismo. Foram ainda elas que fizeram proclamar a monarquia no norte.
Que significa isto? Significa que a República - com queria Basílio Teles e como queriam todos os idealistas - não se defendeu desde o primeiro dia em que se implantou. A República deixou ficar adentro dos seus quadros, quer do exército, quer da magistratura e de outros serviços da República, o seu próprio inimigo; e a ladrão de casa não se podem fechar as portas.
Feito o movimento monárquico do norte - e já que eu por várias vezes, na Câmara, vejo falar as pessoas de si próprias, eu, que sou modesto, que sou humilde, eu, a quem V. Exas. por certo fazem a justiça de dizer que nunca aqui proferi quaisquer palavras em meu próprio abono - feito êsse movimento, dizia eu, afirmei então do uma forma iniludível, que me dá o direito de toda a vida dizer as palavras que entender, que estaca estreitamente unido à República.
Eu tinha chegado havia poucos dias de França e encontrei-me num quartel onde havia entrado há quatro dias apenas. Não conhecia sequer a minha ordenança, nem nenhum soldado. Deixem-me V. Exas. ter o orgulho de dizer que se eu houvera há mais tempo conhecido os meus soldados eu tê-los-ia nas minhas mãos!
Mas eu não conhecia ninguém. Entrei dentro do quartel chamado por uma ordem. Encontrei um conselho de oficiais que tinha assistido impassível ao içar da bandeira monárquica com todas as honras!
Sr. Presidente: não teria nesse tempo o prestígio, que tenho hoje, para o lado do norte do País. Era, por assim dizer, anónimo.
Mas, dizia eu, que encontrei numa sala um conselho de oficias, desde coronéis a alferes. Mas que fiz eu então? Que fez êsse rapaz que não conhecia nenhum soldado, nem sequer a casa onde estava o quartel?...
Disse:
- Se proclamaram a monarquia, compete-nos despir um uniformeo, cora o qual jurámos perante a Constituição da Repú-
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blica, porque eu não admito que alguém, que êste uniforme vista, possa oferecer dúvidas sobre a sua identidade política!
Repugna-me até, Sr. Presidente, que quando um oficial precisa de ser admitido a certos serviços, só vá colhêr a informação se é republicano ou não!
Apoiados.
Não! Vestindo-se êsse uniforme, é-se republicano ou é se desonrado!
Apoiados.
Mas eu disse mais: se proclamaram a Monarquia, compete-nos ir proclamar a República. Estamos aqui nós, estão na parada os soldados, estão na arrecadação os canhotos do pólvora! Que mais precisamos?
Mas só um alferes - o Sr. João Queiroz - um engenheiro muito distinto é que disse: tem razão. Diz muito bom o nosso tenente. É o que temos que fazer. Mas estas palavras foram imediatamente afogadas com o vociferar, com as chufas negativas do resto da corporação. Vendo então a inutilidade da minha acção, que não tinha ninguém para quem apelar, o que fiz? Arranquei os galões que tinha sôbre as mangas, galões honrados onde tinha batido muito fumo de pólvora, muita lama de trincheiras, galões que tinham já sido salpicados pelo sangue português.
Sr. Presidente: se invoquei isto, eu, o humilde, o modesto, foi para revestir de toda a autoridade que indubitavelmente têm as minhas palavras de agora. O curso das minhas ideas levou-me a dizer que nesta ocasião eu entrei para a guarda nacional republicana e como os acontecimentos que se debatem se dão com a guarda nacional republicana, eu tenho prazer de a êles me referir, porque estive nessa unidade cêrca de uns três anos. É, por consequência, uma unidade que eu conheço por dentro e por fora. V. Exas. compreendem que eu não tenho os olhos fechados e sei ver o que se passa à minha volta. Sabem talvez V. Exas. a razão por que ainda hoje eu não faço parte dessa corporação e a abandonei contra todos os pedidos, contra todas as pressões, de todas as maneiras, abruptamente?
Fez-se o 19 de Outubro e eu não servi mais naquela corporação.
Vêem bem V. Exas. que dentro da minha humildade, dentro da minha talvez apagada individualidade, ou tenho mantido uma linha de conduta inflexível. Saí por só ter leito o 10 do Outubro. E agora que alguns parlamentares anunciam que outra nuvem se avizinha, que outro 19 de Outubro se prepara, eu, que fiz isto há alguns anos, repito, sou capaz de o voltar a fazer.
E não me limitei a abandonar o meu quartel. Não. Dentro dos recursos da minha caneta eu escrevi o artigo mais violento que tenho escrito na minha vida, verberando êsso procedimento. Ocorre-me agora fazer justiça ao director do jornal que nesse tempo tinha a responsabilidade do mesmo, O Primeiro de Janeiro, que com uma coragem que se podia igualar à daquele que escreveu o artigo, aceitou e publicou em editorial êsse artigo. Também, sem ter convite para manifestações, sem ter possibilidade do anunciar o meu carinho por António Granjo, tive ainda o recurso da minha caneta para desfolhar, com as minhas possibilidades e os meus poucos recursos de homem de letras, a minha grinalda de saudades à memória dêsse honrado, alto o perpetuo republicano.
Apoiados.
Sr. Presidente: invoco todos êstes factos e dados para que V. Exa. veja que as palavras que vou dizer, de observação e análise aos acontecimentos do dia 6, possam ter da parte das inteligências claras, da parte dos homens que as paixões não toldam as vistas, da parte daqueles que continuadamente encontram nos menores atritos más vontades e nas mais leves reticências desejos de mágoa, a certeza de que a minha crítica é absolutamente independente.
Analisemos e observemos os factos. Eu tenho desejo de acertar nestas minhas palavras; eu tenho o desejo de me balizar de uma maneira irrefutável, de apontar de uma forma que fique rígida e nítida os acontecimentos que se deram.
Sou um homem que gosto de acertar na vida.
Há caminhos que não precisam de balizas para que a gente dentro dele bem se conduza; é, por exemplo, o caminho da honra, que todos sabemos; é, por exemplo, o caminho do carácter, que todos sabemos.
Dentro do caminho militar, acerta-se
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sempre, porque aí ou se obedeço ou se manda.
Na política é que é mais difícil acertar. Pois eu quero ter a certeza de que o meu espírito não me engana, e que aquelas palavras que disse quando da apresentação do Govêrno, e as que vou dizer hoje, estão dentro do ponto de vista que hoje é exigido à política da República.
Sr. Presidente: quantas entidades estão em jôgo nos acontecimentos do dia 6?
Quantas entidades e quais as entidades que estão em jôgo?
Estão em jôgo, Sr. Presidente, as seguintes entidades: o povo, a guarda republicana e, pelo decorrer do debate, em vista dos acontecimentos que se deram, o Sr. Presidente do Ministério.
O povo é a razão profunda e eterna da nacionalidade.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo): - Nem todo o povo deseja essa nacionalidade.
O Orador: - V. Exa. é muito inteligente e sabe bem o sentido das minhas palavras.
Além disso, V. Exa. não é mais homem de ordem do que eu.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo): - Já tivemos ocasião do apreciar isto, ainda não há muito tempo.
O Orador: - Apreciou-o V. Exa. O povo, Sr. Presidente, é, repito, a razão suprema das nacionalidades.
Basta ver o que êle tem feito através de toda a história, como, por exemplo, nas guerras de Napoleão.
De resto eu não vejo, na verdade, razão alguma para que se esteja fazendo um ataque tam cerrado, como êste que se está fazendo, a propósito dos acontecimentos que ultimamente se deram.
Ficam no mesmo pé de pureza as intenções que o povo denuncia (Apoiados), ficam tendo a mesma grandeza, as mesmas características, as manifestações que o povo por si procura.
A outra entidade em jôgo é a guarda republicana.
Esta corporação, a que já tive a honra de pertencer durante três anos, é uma corporação briosa.
Eu creio que os oficiais da guarda republicana, meus camaradas, os sargentos, meus camaradas, e os soldados, que camaradas são, porque a todos nivela e a todos obriga o mesmo regulamento e as mesmas responsabilidades, não se melindram se eu lhes disser que a frase atribuída ao Sr. Presidente do Ministério não me incomodou.
Apoiados.
Se queremos fazer a defesa dessa corporação, para que lhe vamos atribuir desgostos e ofensas, se a alta figura de militar, que é a do seu nobilíssimo comandante, se não encontra ofendido?
Eu creio bem que é de reparar por S. Exa., que é de reparar por todos, que não precisando, aliás, do manifestar o seu desagrado, venham outros sem procuração alguma, manifestar êsse desagrado.
O Sr. Tavares de Carvalho (em àparte): - Convém-lhe para os seus fins.
O Orador: - Os oficiais da guarda republicana compreendem que um homem exaltado podia dizer uma frase que os ferisse.
Porém, não aconteceu assim; e o homem exaltado que as proferisse, retomando a serenidade, não lhe custaria nada retirar essa frase.
A mim não me custaria.
Mas, Sr. Presidente, não foi proferida nenhuma frase que os pudesse ferir.
A guarda republicana disparou para o ar...
Os comandantes humildes dessa pequena fracção, e os próprios soldados, isoladamente, merecem do povo trabalhador, e de mim, que sou militar, os mais inteiros e completos aplausos.
Apoiados.
Dêste lugar os cumprimento, desde o mais humilde, de manga lisa, ao mais graduado.
Sr. Presidente: há tempos li num jornal francês uma notícia, que neste momento me ocorre, por causa dêste episódio.
Um oficial de uma unidade, enviado a um motim popular de índole mais perigosa, de efeitos mais videntos e de características mais acentuadamente desordeiras, porquanto se tratava de uma ma-
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nifestação comunista, apesar de atacade pelos manifestantes, não deixou a sua tropa fazer fogo.
Continuou com os seus soldades alinhades, e, apesar de alguns já estarem feridos, leve o sangue frio e a elegância moral de permanecer imperturbável, sem ordenar um tiro.
Os seus superiores ordenaram um inquérito e castigaram-no.
O oficial em questão reclamou do castigo, fez-se novo inquérito, e foram-lhe tributados os maiores elogios que aos oficiais são dados naquele país.
Êste procedimento foi igual ao que na última sexta-feira teve a guarda republicana.
Resta das entidades que apontei, como tendo intervenção nos acontecimentos, o Sr. Presidente do Ministério.
Evidentemente que os juízos que só formulam dependem muitas vezos das informações jornalísticas, muito difíceis em acontecimentos desta natureza. Os reporters que as escrevem colhem essas informações muitas vezes com risco da sua vida, e procuram, com o gosto pela sua profissão, reproduzi-las da forma mais exacta e clara. Mas a verdade é que nem dessas informações se pode concluir que o Sr. Presidente de Ministério tivesse faltado aos deveres que lhe eram impostos pela funcão que exerce.
Sr. Presidente: os povos, depois da guerra, que não foi mais de que um formidável fenómeno da dissolução social, têm procurado critérios novos.
Evidentemente procura-se um novo equilíbrio.
O espírito avançado dalguns povos procura firmar-se sôbre o lado financeiro, o lado agrário e o lado económico.
Como exemplo de democracia política apresentarei a França nos períodos de 1871 e 1914.
Com a democracia política com mais defeitos apresento a nossa de 1911 até 1917.
A democracia política, em geral, é mais fácil de estabelecer nos povos; é uma democracia que não mexe em interêsses.
A democracia económica é que é difícil de fazer estabelecer e viver.
A democracia económica não é como a política, nem como a democracia política, que toca nas prerrogativas.
Não, Sr. Presidente, a democracia económica toca nessa massa vil de que é feito o homem, toca na lama baixa de ouro.
O dinheiro sem contrôle, o dinheiro, quando as democracias o não seguram e o não obrigam, o dinheiro, Sr. Presidente - e deixo estas palavras à consideração descuidada da Câmara - é sempre pelo dinheiro e por mais nada.
Escusam de procurar grandezas de abnegação nas classes ricas, porque as não encontram, salvo raras excepções.
A verdade, Sr. Presidente, é que, seja de que maneira fôr e desde todos os tempos, o dinheiro sem contrôle, repito, é sempre pelo dinheiro.
E é por isto mesmo que a democracia económica é muito mais difícil de estabelecer e de fazer viver dentro de regime.
Enquanto falava, Sr. Presidente, para compensar a violência das minhas palavras, eu quis procurar, numa memória que não tenho, um exemplo em que pudéssemos ter um bocadinho mais de carinho pelo dinheiro, e lembro-me, Sr. Presidente, que encontrei apenas êste pequeníssimo capítulo.
A única acção patriótica de Bancos, que eu conheço, foi a dos Bancos regionais, depois da guerra de 1870, em França.
Já vê V. Exa. Sr. Presidente, já vê a Câmara, e o País fica também informado, além daqueles que me ouvem e da imprensa, que os acontecimentos do dia 6 não têm o vilismo que lhe querem atribuir, não têm as consequências que lhe querem procurar e não têm, finalmente, a grandeza que lhe querem dedicar.
É um mero caso de rua, sem importância de maior.
Porém, a razão principal, a razão da luta política que se trava apaixonadamente, é só uma: o impedir que se implante definitivamente entro nós uma democracia económica.
Sr. Presidente: eu não tenho acompanhado de perto a vida e o caminho que a República tem seguido, porque os lugares que tenho ocupado tal me não permitiram, o que deveras lamento. Assim, não me tem sido permitido um acompanhamento seguro e aproximado, de forma a poder, com os elementos do passado, chegar às conclusões de futuro.
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Mas apesar disso, Sr. Presidente, reconheço - e aqui as responsabilides são de todos - que o momento de hoje é grave, e grave porque não vejo lealdade política capaz de encarar a situação e de poder colocar os homens nos lugares onde devem estar.
Não se deve procurar desvirtuar as intenções de ninguém.
Nunca, Sr. Presidente, na minha vida política desvirtuei as intenções de alguém, e a minha bôca nunca se abriu para incriminar aqueles que tenham intenções boas e que mandem para a Mesa propostas no sentido de bem governar.
Não é, Sr. Presidente, um episódio classificador das intenções e dos desejos do Govêrno o incidente de sexta-feira à noite, o qual só assim poderá ser apreciado por aqueles, a quem a sua obra, parte da qual já posta em prática, não convém.
O que êste Govôrno tem pretendido fazer é garantir a todos um maior equilíbrio e dar também a todos uma maior percentagem de amor neste mundo.
E, além disso, levar pela rigorosa intervenção do Estado, onde ela seja necessária, o império da lei.
O que caracteriza os Governos, repito, não são os episódios da rua, mas sim as medidas que apresentam.
E, assim, eu esperava que sobre essas medidas recaíssem a critica e a observação inteligente e ponderada das oposições, quando afinal o que surge são comentário sôbre ninharias, para justificar a apresentação de certos papelinhos, denominados moções de desconfiança.
O ataque que havia a fazer era às medidas especiais.
Essas, sim, é que dizem se os Governos valem ou não valem.
Acabo as minhas considerações deixando a certeza absoluta na Câmara e no País de que o acontecimento do dia 6 foi um episódio da rua (Apoiados), episódio sem importância, pró ou contra o Govêrno.
Deixo a impressão de que a guarda nacional republicana não ficou deminuida.
Têm a certeza, o País e a Câmara, de que S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério com aquela frase, não magoou ninguém, e não magoou também essa alta e nobilíssima figura do Sr. comandante da guarda republicana.
Apoiados.
O ataque feito à existência do Govêrno, peemitam-me que lhes diga sem detalhe de ironismo não fica bem.
Não dve atacar-se aqui o adversári abaixo da cintura, deve atacar-se, e o Govêrno asim o espera, em pleno peito.
Apoiados
Vozes: - Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Carlos Pereira: - Sr. Presidente: ainda as ideas do sindicalismo parlamentar não fizeram carreira neste País, porque o bom senso dos primeiros homens da República, daqueles que, na verdade, tinham direito a fundar uma democracia, e sabiam que a mudança de instituições não era uma simples mudança de rótulos, não o fizeram então, apesar de toda a sua autoridade, que o povo lhes deu.
No emtanto o povo de hoje é o mesmo que implantou a República.
Parecia que havia esquecido êsses princípios políticos de então o povo de hoje.
Nos que não representamos aqui classes, nós que representamos a Nação no conjunto mesmo de todas as classes, que procuramos o equilíbrio delas, esquece-mo-nos daquela a que pertencemos.
Sr. Presidente: alguém nesta Câmara chamou-me à realidade para pensar que eu era também um proprietário; mas eu sou muito diferente de S. Exa., porque nunca contei com o suor do povo e porque corri sempre os riscos naturais de uma lavoura própria.
A arguição que então me ora feita revelava mais do que um estado de espírito: revelava uma tendência que era preciso fazer desaparecer desta casa.
Se nos lembrássemos mais dos interêsses próprios em detrimento dos da Nação, o Estado deixaria de ser aquela organização política e jurídica que os doutrinários nos afirmam que êle é, e passaria a ser o gáudio daqueles que estão dispostos a usar de todos os processos dos miseráveis que não conhecem o que é o dever.
Por mais superficial que seja no exame, é fácil determinar a razão do ser do carinho de tantos que aqui se sentam, sendo fácil até dterminar o entusiasmo que tomam, e, pulsando bem, nós sentimos apenas que, no momento grave que a Nação
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atravessa uma grande parte dos seus representantes sé tem a consciência desta realidade tremenda, mas miserável: estão à porta as eleições. E então, como estão à porta as eleições, como parece que a situação do Deputado é qualquer cousa de pingue para os interêsses de cada um, vá ou não contrariar o movimento de revolta que anda lá fora, e, como êsse movimento é contra o povo, vá de alcunhar o povo de miserável, vá de alcunhar de generosa a atitude dos outros.
Como uma consulta, às urnas pode nesta hora vir demonstrar a esta gente que o divórcio da Nação é cada vez mais completo, então vá de fazer uma cousa; só porque o Govêrno esboçou qualquer cousa de útil, qualquer cousa de amparo ao povo, vá de procurar por todos os termos derrubar o Govêrno.
Sr. Presidente; se nesta hora eu tivêsse de acusar o Govêrno, acusá-lo-ia, precisamente por ter feito pouco, muito pouco, por ter apenas esboçado os problemas, se bem que com generosidade, olhando para o povo e não esquecendo a tradição republicana.
Apoiados.
Podem, senhores das oposiçõos, vencer êete Govêrno que, apesar de tudo, hão-de ficar amarrados, porque a Nação os jungirá, à orientação que êlo quis imprimir aos destinos do País.
Por mais que as confrarias de padrinhos pensem que aos senhores da grande finança será possível novamente tomar conta de uma pátria, o povo não o consentirá por nenhuma forma.
Apoiados.
Vou contar a V. Exa. um caso edificante.
Todos V. Exas. sabem que determinada emprêsa da nossa terra, das tais emprêsas tentaculares, dos tais pobres da alta indústria e do grande comércio, se comportou por tal forma em suas contas que um roubo tremendo se deu em detrimento dos accionistas.
É que os "ratos" da administração, metidos no queijo gostoso que ela representava, administraram por tal forma que o êrro da conta - expressão baixa, miserável, que nestes tempos de plutocracia é possível atirar à face escaldada de um povo - atingiu dezenas de milhar de contos.
E porquê? Porque os pequenos accionistas não tinham representação nas assembleas dessa emprêsa, e, Sr. Presidente, dentro desta casa outro diferente de mim eu não ouvi que tivesse estigmatizado actos desta natureza.
Então o povo, então aqueles portadores de uma, duas, três ou dez acções, então os seus ínterêsses não contam para esta República?
Depois talvez se soubesse lá fora que no meu grupo se tinha aconselhado o Govêrno a modificar êste estado de cousas, de forma a que o portador de uma acção tivesse voto, de forma a que não fossem possíveis as negociatas que tem havido e, então, como isso é recomendação do meu Partido e porque haveria um Govêrno capaz de o pôr em prática, vá de derrubar êsse Govêrno.
É um tremendo sudário o abandono a que os Governos da República têm votado o povo.
Os interêsses dos pobres não têm contado!
Pois é necessário olhar para êles. Qualquer que seja o Govêrno, tem de encarar êsse problema e de o resolver. Isto é que são negócios urgentes.
Mas como nós, meridionais, temos a facilidade de exagerar, V. Exa. poderá supor que isto que digo não é a expressão da verdade.
Pois bem, Sr. Presidente, agora vou dar um outro exemplo, e dou-o por esta razão elementar: é porque isso importa a interêsses de pequenos.
á uma companhia que delibera sobre o aumento de capital: o pobre Ze portador de poucas acções não conta para isso, e nesta hora em que êle invoca por esmola às direcções que modifiquem os estatutos por forma a ser-lhe dada representação, eu não vejo levantar-se, aqui, a questão em negócio urgente, a fim de intimar o Govêrno a que dê representação aos interêssos legítimos dos pequeninos.
Isto é que era um negócio urgente!
Espezinham-no à vontade, e o povo tam bom, tam ingénuo, não sabe destas cousas!
O Sr. Torres Garcia: - O povo tem de ser esclarecido com a verdade!
O Orador: - É o que estou fazendo.
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O Sr. Agatão Lança: - Mas não se deve dizer uma cousa e depois fazer outra!
O Orador: - Eu estou a dizer a verdade, e se V. Exa. tem elementos para provar o contrário, desafio-o a que o faça.
Sr. Presidente: as palavras que se dizem em defesa do povo e do Estado não têm grande repercussão aqui dentro. Dir se há que uma liga satânica se fez contra os interêsses da Nação, e agora, que as eleições estão perto, vá de amolentar verdades o liquefazer energias.
Risos nos lábios, porque os senhores das fôrças económicas ainda têm votos para dar!
O Sr. Agatão Lança: - Se V. Exa. julga que nos atira com as fôrças económicas à cara, engana-se.
Eu não sou advogado, nunca recebi nada das fôrças económicas, e V. Exa. talvez já tenha recebido como advogado.
Nunca me vendi.
O Orador: - 0nde é que V. Exa. ouviu a palavra vendidos, no meu discurso? Onde ouviu mesmo qualquer palavra que fôsse indigna desta Câmara ou de mim?
O Sr. Agatão Lança: - Dizem-se lá fora!
O Orador: - Mas que tenho eu com o que se diz lá fora?
Eu sou advogado, tenho uma profissão liberal, não conheço o Estado. Mais feliz é V. Exa., que se amanhã precisar do Estado, por se ter incapacitado, êle o protegerá, e eu, que tenho uma profissão liberal, onde a gente não pode preguntar pela política de cada um, onde exclusivamente o contrário é que se faz...
O Sr. Agatão Lança: - A V. Exa. que está tam exaltado, que parece que está a pleitear uma causa como advogado, devo dizer que conheço o Estado porque tirei um curso para servir o mesmo Estado.
Apoiados.
Entretanto, posso dizer que o Estado não me paga dignamente.
Apoiados.
Mas desafio a que V. Exa. prove que eu tenha recebido, ou alguém da minha família, alguma cousa do Estado sem o merecermos.
Apoiados.
O Orador: - Sr. Presidente: quis o Sr. Agatão Lança tirar efeitos da sua situação de republicano. Não quero comparações.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo). - Não se pode comparar!...
0 Orador: - Todos os homens de bem se podem comparar, e eu, simplesmente quero dizer que, apesar de ter um curso só de 12 anos, reconheço que o Sr. Agatão Lança recebe os seus vencimentos do Estado porque lhe são devidos.
Nunca pus isso em dúvida. Eu nunca, com as minhas palavras, quis atingir o Sr. Agatão Lança, e muitas vezes tenho dito que nesta Câmara tenho, apenas, três amigos, um dos quais é o Sr. Agatão Lança.
Todos os outros são meus conhecidos.
Ápartes.
Sr. Presidente: urge, de facto, que a orientação dos Governos da República seja no sentido o mais democrático.
Então há alguma cousa do mais reacionário do que aquilo que nos últimos tempos da República se tem feito?
Basta citar como exemplo, Sr. Presidente, que, quando tudo aconselhava a que se criassem tribunais de 2.ª instância, com recursos especiais, para resolver os acidentes no trabalho, os Ministros da República extinguiram a maioria dos tribunais de desastres no trabalho.
Porquê? Porque era uma conquista da República.
E ainda são capazes de dizer que isto é fazer democracia.
Como V. Exas. vêem, eu quis focar o momento que passou, quis mostrar a falta de protecção de que o Estado tem sido vítima e os receios de certos carinhos suspeitos.
Mas o que não posso compreender é que por um caso da rua, porque o Presidente do Ministério do meu País, para aplacar o povo, pediu que retirasse em paz, porque as armas da guarda republicana não foram feitas para fuzilar o
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mesmo povo - o que de resto representa um elogio à mesma guarda - se faça uma questão política.
Então se houvesse um Presidente do Ministério que dissesse: As armas são para fusilar o povo! Que diriamos nós?
ntão porque num momento em que era preciso calma, o Sr. Presidente do Ministério não disse isso, acusa-se o Ministério?
Sr. Presidente: é profundamente triste que se não encontre outro fundamento para derrubar o Govêrno, pois a verdade é que isto chega a vexar a nossa inteligência.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança não reviu os seus àpartes.
O Sr. Torres Garcia: - Sr. Presidente: deve haver uma semana a esta parte que a Câmara dos Deputados se tem constituído em tribunal, e assim, visto que a maior parte dos Deputados que têm falado tem salientado as suas qualidades como republicanos e cidadãos, eu não quero neste momento grave que estamos atravessando deixar também de definir a minha atitude.
Devo dizer em abono da verdade que tenho toda a autoridade para falar como republicano e como cidadão, por isso que tenho servido a República desde 1907, tendo feito parte dos centros republicanos de Coimbra.
Prestei também o meu concurso quando da implantação da República, e mais tarde não deixei também de me oferecer, como o Sr. Pina de Morais, para prestar o meu concurso em defesa da Pátria.
O Sr. Agatão Lança: - Não diga mais, senão é considerado um inimigo da República e da Pátria.
O Orador: - Lembro-me, Sr. Presidente, muito bem que entrei também no 14 de Maio ao lado do Sr. Agatão Lança.
Quando da nossa participação na guerra, frequentei uma escola de oficiais milicianos, em que havia vinte e sete monárquicos e apenas dois republicanos.
Levantou se uma suspeita sôbre o meu carácter, e quando o director da escola me quis entregar o diploma de aspirante miliciano, declarei lhe que não o aceitava sem que publicamente êle fizesse a declaração de que eu tinha qualidades morais para envergar a farda do exército português; e êsse homem que me tinha caluniado, teve de declarar que me considerava absolutamente digno.
Fui para França, como voluntário, servir no quadro de artilharia, e lá fui recebido com as mesmas provas de desafecto e falta de solidariedade.
Houve uma hora que eu considerei deprimente para a glória do exército português, em que todos abandonaram o cumprimento dos seus deveres, e eu arrisquei a minha liberdade, escrevendo um relatório de oficial do dia.
Tirei hoje uma cópia dêsse relatório, que vou ler à Câmara, porque julguei que seria necessário trazer os meus dados biográficos para aqui.
Eis o que eu escrevi para salvar o bom nome do nosso exército:
Leu.
O Sr. Sá Cardoso (interrompendo): - V. Exa., pelo que acaba de ler, faz uma acusação formal à acção da nossa artilharia em França.
Como a Câmara sabe, eu fui comandante duma secção de artilharia do Corpo Expedicionário Português.
O Orador: - V. Exa. nunca teve a mínima interferência na secção de artilharia em que eu servi, e portanto êste documento não se refere de forma alguma à acção de V. Exa.
Sr. Presidente: apesar de ter escrito êste tremendo atentado à disciplina, nunca fui castigado; pelo contrário, fui louvado e quem recebeu o castigo foram aqueles que o mereciam, sendo destituídos dos lugrares que ocupavam.
Isto vem para demonstrar perante todos o que sou capaz de fazer para manter a linha de conduta que desde o principio indiquei ao meu carácter.
De todos que aqui estão haverá alguns com mais merecimentos intelectuais ou scientíficos do que eu; mas mais autoridade moral e republicana, muitos a terão igual, sem que ninguém, suplante a que eu possuo.
Apoiados.
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Sr. Presidente: as afirmações que hoje tenho produzido foram exigidas por êste ambiente, que obriga cada um a apresentar aqui provas de que merece o respeito e consideração de todos.
A formação do meu republicanismo não é de geração espontânea, porque entendo que a mentalidade dos homens públicos orienta-se pelo conhecimento das cousas e não resulta de artifícios.
Eu entendo que aos homens que governam, mormente dentro das democracias e mais especialmente ainda dentro da República, cabe a função permanente de esclarecer o povo.
Em Portugal o problema da carestia da vida não se resolve com decretos. Quem diga o contrário, mente ao povo.
Êste problema só poderá resolver-se pelo esfôrço colectivo.
Dizer que a carestia da vida é obra dos argentários e da incompetência dos governos, é um crime nefando.
Mas a situação financeira e económica também é grave.
Exige grandes sacrifícios.
Para que todos os possam fazer, necessário se torna que haja ordem e confiança.
Apoiados.
E eu aguardo as declarações do Sr. Presidente do Ministério sôbre o caso.
Conheço S. Exa. pelas atitudes que tantas vezes tem tomado na defesa da ordem, e, portanto, estou na convicção de que S. Exa. de maneira nenhuma poderá cometer qualquer atentado contra a ordem.
Espero que S. Exa. dê terminantes explicações a tal respeito.
Em face delas pautarei a minha atitude.
Se a conduta do Govêrno não fôr aquela que se coaduna com os princípios republicanos, S. Exa. terá de contar-me no número dos seus adversários.
Haja no Govêrno aquela função necessária à salvação do País, que é a de equilíbrio constante entre todas as correntes.
Então nós não somos todos o povo?
Só queremos classificar de povo só determinada classe, é o mesmo que apontarmos um punhal, em linha recta, ao coração da República. E antes que a República chegue ao seu transe mortal, teremos mais uma vez o doloroso sacrifício e estúpido sacrifício de valores da raça.
Apoiados.
O Sr. Presidente: - V. Exa. deseja terminar ou quere ficar com a palavra reservada para depois da interrupção da sessão, que vou fazer?
O Orador: - Eu termino já. A democracia da eternidade de que falou o Sr. Pina de Morais é uma cousa muito bonita em filosofia, mas na vida prática da política não vale nada. A palavra "eternidade" é uma cousa muito complexa para a política.
A V. Exas. não lhes repugna a sujeição a um regime onde não pode haver melhoria económica, porque esta depende da função de equilíbrio das diferentes correntes de opinião pública e do potencial de energia que temos todos dentro de nós, essa função não existe, nem pode existir, com certos governos e certas ideas?
Para que vamos, portanto, para dentro do campo da filosofia, sem querermos resolver as questões pràticamente?
Não me refiro neste momento ao Govêrno, porque não tenho que me referir a êle, mas aos amigos do Govêrno que, sofrendo duma indigestão de leituras feitas à pressa, agitam questões que não conhecem nos seus fundamentos.
Apoiados.
De maneira que entendo que não devemos caminhar assim, porque irmos para êsse campo será cavar a ruína e a destruição da República.
Mas tenho absoluta confiança em que o Sr. Presidente do Ministério há-de esclarecer a Câmara, sossegando os nossos espíritos duma forma que não deixe dúvidas a ninguém.
O Govêrno da República vai seguramente fazer justiça e dessa forma ter-me há a seu lado. Se, porém, quere provocar a luta social, então ter-me há contra si.
O Govêrno da República, por sua mão, vai fazer aquilo que as condições do meio e da raça portuguesa permitirem. Ir mais longe é trair a função governativa, é ofender o prestígio da República que, como disse, tenho servido com o maior desinterêsse, pois não estou abancado à mesa do Orçamento.
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Eu recebo sessenta e tantos escudos por cada dia que venho ao Parlamento. Não tenho um palmo de terra, e naquilo que entendo sou um bom e honrado defensor do povo, sem praticar desonestidades, sem lisonjas, sem o iludir com propostas falazes, que estilo fora do âmbito social em que vivemos.
Se as declarações do Sr. Presidente do Ministério, no capítulo da ordem pública e da harmonia das classes, não resultarem prontas e claras, não poderei dar-lhe o meu apoio. Pelo contrário, se V. Exa. como é timbre do seu pausado, afirmar e demonstrar que está sendo vítima de calúnias, estou absolutamente disposto a dar-lhe o meu concurso.
Mas, se êste debate é inoportuno, segundo uns, e malévolo, segundo outros, por ter uma feição política, eu julgo da maior necessidade esclarecer-se esta questão, não indo mais para a frente, porque, em minha opinião, se o fizermos, entendo que não praticamos um acto útil ao País.
As democracias, para se fortalecerem, devem colocar nos lugares da administração do País homens que compreendam as responsabilidades dêsses lugares. Não é qualquer que pode ser representante do povo, não é qualquer que pode ditar dêste alto cenáculo a lei, porque é preciso que essas pessoas tenham uma cultura que lhes permita ter o conhecimento exacto do que representam.
Não é berrando nem agitando problemas cuja solução não esteja prèviamente estudada, que se presta bom serviço ao País.
Isso ofende a inteligência, que ainda é uma das grandes faculdades do homem.
Se não entrarmos pelo caminho da clareza, a catástrofe é irremediável. Essa clareza de processos vai o Sr. Presidente do Ministério dizê-la à Câmara, e suponho que o momento é bem grave para que alguém deixe de acreditar na sinceridade das suas palavras.
Depois podemos seguir tranquilamente, e republicanamente, no caminho das realizações, dando ao País aquelas finanças de que ele tanto necessita.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vou interromper a sessão para recomeçar às 22 horas.
Está interrompida a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.
Ás 22 horas e 10 minutos reabre-se a sessão.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Continua o debate sôbre o negócio urgente do Sr. David Rodrigues. Tem a palavra o Sr. Cortês dos Santos.
O Sr. Cortês dos Santos: - Sr. Presidente: sôbre um incidente de rua tem se feito nesta Câmara um grande debate.
Apoiados
Nesta altura da discussão, recordando tudo o que se tem dito nesta Câmara, confirmo mais uma vez que a discussão está muito longe do acontecimento dado e não podemos deixar do reconhecer uma cousa: é que as palavras atribuídas ao Sr. Presidente do Ministério tiveram desde o dia 6 até hoje uma evolução que é justo não deixar do se lembrar. Quando no dia seguinte aos acontecimentos que têm preocupado a Câmara a maior parte das pessoas leu nos jornais o que era atribuído ao Sr. Presidente do Ministério, essas pessoas acharam absolutamente natural a sua frase.
Do facto as palavras insertas nos jornais, que têm sido atribuídas a S. Exa. o que aqui tem sido várias vezes repetidas, cifram-se nesta afirmação: a guarda republicana não foi criada para atirar sôbre o povo.
Esta afirmação é bem clara, e estou convencido de que toda a gente a pode perfilhar, porque ninguém aceita que haja um organismo, qualquer que seja a sua natureza ou missão, que não seja de defesa.
Não pelas palavras em si, mas pelas considerações que em volta dessas palavras se bordaram nesta Câmara, se conseguiu fazer o que se tem chamado um incidente político. E sobretudo com as palavras proferidas n^sta Câmara que se tem pretendido avolumar o acontecimento e tirar dele todo o efeito político.
Apoiados
Mas oêsse efeito político é dos mais infelizes, porquanto se tem pretendido imiscuir nas questões políticas uma parte do organismo militar.
Apoiados.
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Muitas vezes tenho ouvido afirmar nesta Câmara, como um princípio basilar, a necessidade do manter o exército e as corporações militares fora de toda a acção política; e, contudo, pretende se neste momento, com esta discussão, trazer para as questões políticas o grupo do militares que constituem a guarda nacional republicana.
E sob êste aspecto que acho absolutamente lastimável a questão levantada nesta Câmara.
Para mim interessa-me neste momento muitíssimo pouco a sorte do Govêrno, que se irá decidir com a votação das moções enviadas para a Mesa, mas, se tomo parte neste debate, é por que não aceito a afirmação aqui produzida, de que êste debate foi aqui trazido pela necessidude de desafrontar a fôrça pública.
Não se trata de desafrontar ninguém, porque se o exército, a guarda republicana ou a marinha precisassem de ser desafrontados, deviam em primeiro lugar expor as suas queixas e reclamar a desafronta.
Ora tal não sucedeu.
À frente do exército está um militar distinto, que é o Sr. Helder Ribeiro, combatente da Grande Guerra, militar cuja acção tem estado perfeitamente integrada na orientação do exército, e S. Exa. como chefe supremo do exército, e até como oficial do exército, devia sentir-se melindrado se qualquer das palavras atribuídas ao Sr. Presidente do Ministério pudessem de qualquer maneira afrontar o exército de que faz parte.
Mas S. Exa., que tam dignamente está à frente do exército, pelas suas altas qualidades e pelo seu passado de combatente da Grande Guerra e de republicano, não se sentiu medindrado, nem molestado pelas palavras atribuídas ao Sr. Presidente do Ministério.
Por consequência parece-me que é lógico e natural concluir que o exército não se sentiu agravado por essas mesmas palavras.
A Guarda Nacional Republicana também não se manifestou de qualquer modo, e o seu comandante, oficial distintíssimo, a quem eu já aqui nesta Câmara tive ocasião de apresentar as minhas maiores e calorosas homenagens, não se sentiu também melindrado pelas palavras atribuídas ao Sr. Presidente do Ministério.
A que vêem, pois, as palavras aqui proferidas, da necessidade de uma desafronta?
Mas, Sr. Presidente, todos nós, que aqui estamos, sabemos que o que se pretende é transformar um incidente banal numa questão política, que possa servir para derrubar êste Govêrno.
Porém eu acho que é absolutamente perigoso, não só neste momento, mas sempre, pretender imiscuir o exército ou parte dele nas questões políticas, que só aqui devem ser tratadas.
Pretende-se com esta discussão criar um ambiente contra o Govêrno.
E pretende-se também com esta afirmação da necessidade de desagravar o exército, chamá-lo e distraí-lo da sua missão, para, repito, o imiscuir na política.
É contra esta acção, que eu considero absolutamente prejudicial e nefasta, que eu, Sr. Presidente, levanto o meu mais veemente protesto.
Não faz sentido que, quando se apregoa por toda a parte que o exército deve estar fora das questões políticas, se pretenda chamá-lo para êsse campo, não por factos produzidos, não por acontecimentos realizados, não por palavras pronunciadas, mas apenas por considerações bordadas em volta dessas palavras.
Sr. Presidente: eu julguei que êstes acontecimentos, pela maneira, larga como têm sido tratados, interessavam a Câmara, mas reconheço pelas conversas em voz alta e pelo sussurro produzido que me enganei absolutamente, pois que neste momento há muitos oradores que, embora não estejam no uso da palavra, aproveitam o ensejo para fazer outras discussões. , .
Sr. Presidente: é êste aspecto da questão que eu acho que a Câmara devia ter arredado desde o início da discussão.
É êste aspecto que eu acho perigoso.
Não há por consequência, quanto a mim, razão alguma para que se chame agravo a uma afirmação banal, pois se alguma pudesse haver sôbre a interpretação dada às palavras de S. Exa., o Sr. Presidente do Ministério, depois das afirmações que S. Exa. fez nesta Câmara, dizendo que sempre teve e tem a maior consideração pela guarda republicana e por todo o exército, ela não deve continuar a subsistir.
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A questão está afastada do seu ponto inicial, e está afastada para só transformar neste debate político.
Não se trata. Sr. Presidente, de uma questão do administração pública, mas sim de um debate que nenhumas vantagens pode trazer ao País.
A guarda nacional republicana, Sr. Presidente, não se sentiu nem se podia sentir agravada pelas palavras atribuídas ao Sr. Presidente do Ministério, não só porque essas palavras não contêm êsse agravo, como pelas explicações já aqui dadas e que mostram que não havia intenção de agravar essa fôrça.
Eu já disse, e repito, que o que perturba e agita são as palavras aqui produzidas por alguns Deputados neste momento grave.
Toda a gente sente, não só dentro desta Câmara mas em todo o País, que o que perturba são as atitudes aqui tomadas contra o Govêrno, que o que estabeleçe a confusão no País são as afirmações constantemente aqui repelidas e publicadas nos jornais, as quais podem dar lugar a situações muito graves.
Ninguém se importará depois com as suas consequências, mas pela sua repetição constante, pela natureza das pessoas que as proferem, vão lançar por todo o País uma confusão tam grande que nós não sabemos até que ponto essas consequências poderão ir.
Tem-se falado muitas vezes nesta Câmara sôbre acontecimentos passados, e ainda hoje à tarde o meu ilustre amigo Sr. Pina de Morais, nas considerações que fez e citando de relance a sua acção como militar e como político, se referiu aos acontecimentos de 19 de Outubro.
Lamento que o meu ilustre amigo não esteja presente, porque, colocando os factos num pé de verdade, eu desejaria responder a uma sua afirmação.
Aguardarei, porém, que S. Exa. chegue para então me referir a essa afirmação, mas, no entretanto, aproveito o ensejo para, sôbre êsses acontecimentos, tantas vezes relembrados e deturpados, fazer uma distinção que é absolutamente justa.
Pretende-se frequentemente confundir o movimento de 19 de Outubro com as mortes realizadas após êle.
rata-se, no emtanto, de duas cousas completamente distintas.
Não procuro saber, nem me preocupam, as opiniões de quem quer que seja sôbre êssos acontecimentos, mas o que não é justo é que, se deturpem e que se misturem os factos para tirar dêles conclusões que não correspondem de nenhum modo à verdade.
Qualquer pessoa de boa fé e que se recorde dos acontecimentos, poderá com facilidade confirmar a afirmação que eu faço, de que há uma distinção completa e absoluta entre o movimento revolucionário que se produziu e os assassinatos praticados depois.
Ainda há pouco o ilustre Deputado e distinto oficial da marinha que é o Sr. Agatão Lança, amigo que muito prezo, numas palavras que trocou comigo, confirmou esta minha afirmação.
Hão exactamente aqueles que nesta Cântara iniciaram o elogio ao actual Govêrno que mais vezes se têm servido da recordação do movimento de 19 de Outubro, pretendendo, com a mais flagrante injustiça, confundir duas coussas que não têm relação possível.
Procura-se neste momento lançar a perturbação sôbre a guarda nacional republicana, fazendo a afirmação de que ela foi agravada pela pessoa de S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério.
Interrupção do Sr. Agatão Lança, que, não se reviu.
O Sr. Presidente: - Peço a V. Exas. que não mantenham diálogo em voz baixa.
0 Orador: Dizia eu que se pretende criar uma situação que é perigosa.
Tenho, porém, a certeza de que os que tal pretendem não conseguirão os seus fins.
Tanto o exército como a guarda republicana conhecem bem a sua missão. Sabem que ela está acima das pugnas dos políticos que só a estes interessam.
O que se pretende é derrubar o Govêrno! Para quê?
Há quem queira substituí-lo?
É esta a pregunta que se devia fazer.
Mas derrubar o Govêrno à volta da questão que se pretende estabelecer, seria uma cousa tam extraordinária que nós podemos afirmar que seria mesmo única nos anais da nossa história política.
Vê-se. Sr. Presidente, das considerações que eu fiz que nenhum agravo pode-
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ria ter sido feito, nem ao exército nem à guarda nacional republicana, pois, se assim fôsse, os seus representantes legítimos, o Sr. Ministro da Guerra e o comandanto geral da guarda republicana, teriam, certamente, como militares briosos e distintos que são, chamado a atenção de quem tivesse feito êsse agravo.
Do que se trata é do uma eterna luta, da eterna disputa do Poder, o que não é de hoje nem de ontem, porque tem sido de sempre neste País, pois a verdade é que, se nós formos remontar às épocas mais afastadas da história, vemos que sempre em Portugal se manifestaram duas correntes, duas maneiras de ver, uma chamada avançada, que neste momento chamam esquerdista, e outra conservadora.
São estes, Sr. Presidente, os nomes, as designações que se dão, com propriedade ou sem ela, a estas duas correntes de opiniões.
A luta que neste momento se tem travado neste Parlamento é de sempre; é aquela que se chama da reacção contra o progresso.
Podem, Sr. Presidente, dar-lhe o nome que quiserem, mas a luta é esta, que existiu sempre, que continuará a existir, e que aliás existe em todas as nações.
Não se mede o alcance de derrubar êste Govêrno porque se pretendo lançar o País em mais uma perturbação.
Apoiados.
Essa acção é tanto mais criminosa (Apoiados), quando se pretende...
O Sr. Sá Pereira: - E, pelo menos, leviana.
O Orador: - Quando se pretende que essa perturbação seja feita com a guarda nacional republicana, corporação a que está confiada a defesa da República. Não o conseguirão ainda desta vez. Nem seria lógico que o fizessem sôbre uma quentão destas. Se as dificuldades que aqui se procuram criar fossem condicionadas dentro da Câmara, a questão pouca importância teria.
Mas o que é extremamente grave é que esta acção tem uma repercussão perigosa sobre todo o País.
Um Govêrno impedido de governar, um Govêrno impedido de cumprir o seu programa, um Govêrno impedido de actuar pelos seus actos para que ocupe as cadeiras do Poder, um outro que nada faça em benefício da República e, sobretudo, do povo português? É esta a situação, e não se iluda ninguém sôbre a gravidade do momento.
Vou terminar as considerações que estou fazendo, dizendo à Câmara que esta luta das oposições está deslocada neste momento, porque não serve o País, não serve o povo português.
Apoiados.
Sendo assim, o Sr. Presidente do Ministério, pelo contacto que teve com o povo, ouvindo sobretudo o povo republicano, concretizando depois essas aspirações no seu programa ministerial, de que se não afastou ainda, S. Exa. sabe bem que conta, como tem contado e como continuará a contar emquanto mantiver a atitude que tem tomado, com o aplauso de todo o povo, embora isso muito possa pesar às oposições.
Estabelece-se discussão entre o orador e vários Srs. Deputados.
O Orador: - É nestas condições que êste Govêrno, sabendo que conta com o aplauso do povo, pode aceitar êste debate; é nestas condições que êle não receia qualquer perturbação proveniente das afirmações que aqui têm sido feitas.
Sussurro.
Sr. Presidente: tenho a impressão de que, com excepção de meia dúzia de Srs. Deputados, se tanto, à Câmara não interessam no presente momento estas considerações, o não interessam porque todos têm já o seu voto comprometido. Toda a gente sabe já a maneira como irá votar as moções que estão na Mesa, e que não há palavras que possam já alterar êsse voto; no emtanto, parece-me que é necessário concretizar mais uma vez, repetindo aquilo que disse quando iniciei as minhas considerações.
Sussurro.
Sr. Presidente: eu pedia um pouco menos de sussurro para poder concluir as minhas considerações.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.
O Orador: - Vou concluir as minhas considerações, dizendo à Câmara que não
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houve, nem podia haver, agravo algum para o exército ou para a guarda nacional republicana nas palavras atribuídas ao Sr. Presidente do Ministério.
A acusação trazida a esta Câmara dizia apenas respeito à guarda republicana.
Mas o exército foi trazido aqui por um distinto militar, que, na, sua qualidade de oficial do exército, veio agora dizer que o exército se sentia agravado.
Demonstrei, porém, já largamente que o exército não se tinha sentido agravado.
Ninguém, individualmente ou com procuração do quem quer que seja, procurou o Sr. Ministro da Guerra para se mostrar agravado.
O próprio Sr. Ministro da Guerra, oficial distinto, não se sentiu agravado.
O comandante da guarda republicana, como representante da guarda republicana, não se sentiu agravado.
Para quem foi, pois, o agravo?
Quem se sentiu agravado?
Ninguém.
Trouxeram o agravo à Câmara, mas trouxeram-no não com o aspecto que lhe quiseram dar, duma defosa do exército, mas por mera e simples especulação política.
Vê-se, pois, que não houve nas palavras proferidas agravo; e mostra-se claramente das afirmações aqui feitas pelo Sr. Presidente do Ministério que êsse agravo não existiu.
Mas considerando ainda a frase aqui trazida, e aqui tantas vezes repetida, verificamos que esta frase de que "as armas não são para usar contra o povo", não pode envolver agravo para o exército, nem para a guarda republicana, encarregada da manutenção da ordem.
Se as palavras fossem outras, a acusação viria aqui da mesma maneira. E daqui posso concluir que, se o Sr. Presidente do Ministério nada tivesse dito, a acusação viria aqui por se haver calado.
Apoiados.
A acusação viria de nada haver dito em face dos acontecimentos que se tinham dado.
Apoiados.
Tudo tem servido para acusação ao Govêrno.
Apoiados.
Mas êste incidente deveria ser muito cautelosamente empregado como arma contra o Govêrno, visto a gravidade que pode revestir, e as consequências que daí podem resultar.
Concluindo, afirmo mais uma vez que reconhecemos, e eu na minha qualidade de militar reconheço, que nem o exército nem a guarda republicana, foram ou se sentiram agravados pelas palavras do Sr. Presidente do Ministério.
Nestas condições, não se compreende a atitude tomada por parte da Câmara, e traduzida na letra das moções mandadas para a Mesa.
Tenho dito.
Apodados.
Vozes:- Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Júlio Gonçalves: - Sr. Presidente: o jornal O Século, no seu relato da crónica parlamentar de ontem, escrevia em certa altura umas palavras pelas quais eu preciso pedir explicações, ou preciso explicar à Câmara o que julgo necessário.
Diz o Século:
Leu.
Não costumo falar de mim, creio mesmo ser a primeira vez que o faço, mas o precedente está aberto nesta Câmara.
Alguns Deputados que aqui têm falado, e bastante, têm-se referido à sua personalidade política e moral.
Permitam-me, pois, V. Exas. que a propósito de explicar esta frase do jornal O Século tenha de dizer apenas duas palavras da minha personalidade política, que é de um republicano de toda a vida.
Apoiados.
Não tenho, como o Sr. Agatão Lança, a quem estas palavras se referem, o peito constelado de medalhas, mas sempre lutei pela Republica.
Não tenho medalhas ao peito por lutas ingentes pela República, pela razão de que nunca as circunstâncias se prestaram, mercê da terra em que tenho vivido, a ser preciso que empunhasse armas em defesa da República.
Se o fôra, teria a República não um soldado tam valente como o Sr. Agatão Lança, mas certamente tinha em mim tam boa vontade como em S. Exa.
Por isto estranhei estas palavras do jornal O Século, que estou convencido não
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serem a expressão exacta das palavras do Sr. Agatão Lança.
Não acredito que S. Exa. tenha dito: "Não defendo a República dando vivas como V. Exa.".
Não acredito, porque S. Exa., que é meu amigo, sabe que eu sou capaz de defender a República por qualquer cousa mais que um simples viva.
S. Exa. sabe também que eu sou pessoa de poucos vivas e exteriorizações, e talvez por isso sou uma pessoa que muito sinto, prezo e amo a República do fundo do meu coração.
Se não se atribuíssem a S. Exa. certas palavras, S. Exa. não teria dado motivo aos meus reparos e não teria talvez usado da palavra para tratar dêste assunto.
Mas logo adianto O Século põe na boca do Sr. Agatão Lança estas palavras:
Leu.
Sr. Presidente: as duas frases conjugadas é que me obrigaram a pedir a palavra.
Não entrei no Arsenal; mas se entrasse, não era para matar cidadãos indefesos.
Seria antes para defender a República com a mesma boa vontade com que lá entraram outros; seria da mesma forma para oferecer o meu peito às balas e defender êsses cidadãos indefesos.
Dadas estas explicações, e julgando eu que S. Exa., se de facto proferiu essas palavras, fazia de mim êste conceito que eu acabo de expor à Câmara, dou por findas, pois, as minhas considerações sôbre este assunto.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo]: - V. Exa. dá-me licença, para eu não pedir a palavra para explicações?
O Século transcreveu estas palavras:
Leu.
É a única cousa que há a rectificar do jornalista.
O que eu disse foi: "Não defendi a República dando simplesmente vivas".
Não se defende a República dando vivas em lugares...
O Orador: - V. Exa. não se refere a mim com certeza... Eu não dei vivas...
O Sr. Agatão Lança: - Não, Sr. Deputado. Quero referir-me a pessoas que vieram para aqui perturbar os trabalhos da Câmara.
Muitas vezes à sombra dos vivas à República se cometem os mais nefandos crimes.
E então disse o que está aqui: "Os que entraram no Arsenal também deram vivas à República, mas mataram cidadãos prestimosos".
É isto, Sr. Júlio Gonçalves, é isto, Sr. Presidente!
Nada tenho a retirar, tenho simplesmente a manter.
V. Exa. não está em causa; quem o está são os desordeiros que vêm perturbar a boa marcha dêstes trabalhos parlamentares; são os homens que, dando vivas à República lá fora, querem levar para a Morgue os republicanos de sempre, os republicanos honrados, homens que jamais, por mais horríveis que sejam as deliberações tomadas nas alfurjas para os proclamar inimigos da Pátria, e da República, jamais sairão do seu lugar.
E estão nesse caso, felizmente, muitos dos Deputados que têm assento nesta Câmara.
Apoiados.
O Orador: - Eu não posso deixar de agradecer as palavras do Sr. Agatão Lança, que me levam mais uma vez a considerar S. Exa. como uma pessoa leal e correcta para com todos aqueles que sabem ser correctos, como eu me prezo de ser.
Sr. Presidente: não é porque as palavras do Sr. Agatão Lança varressem do meu espírito a convicção em que eu estava e que me levou a proferir a frase com que ontem o interrompi, que eu faço esta constatação acêrca da correcção de S. Exa., mas porque vejo que houve de facto um mal entendido.
Eu efectivamente disso a S. Exa. que ninguém, pelo facto de dar vivas à República, poderia ser classificado de bandido, embora o incidente que aqui se passou nas galerias pudesse merecer o nome de imprudência.
O Sr. Agatão Lança não teve, porém, o pensamento que lhe atribui e portanto não tive fundamentalmente razão para o interromper.
O Sr. Agatão Lança, como acabo de dizer, é uma pessoa leal, correcta, e um dos meus amigos.
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S. Exa. é um bom republicano, como eu me prezo de ser, embora eu não tenha tido ensejo de pegar em armas pela República, como S. Exa., mas tenho prestado ao regime o esfôrço que tenho podido.
Mas o Sr. Agatão Lança é para mim uma pessoa de má orientação política, de uma orientação política desastrada.
S. Exa. parece-me ser como aquelas borboletas que andam à volta da luz para nela se queimarem. S. Exa., sendo um republicano, não tem tido na sua trajectéria política através da República, uma linha do republicanismo partidário orientada dentro das correntes republicanas que eu julgo a mais consentânea com os interêsses da República.
S. Exa. é neste momento um correligionário meu; é nesto momento um membro do meu partido, certamente dos mais considerados e dos mais simpáticos.
O Sr. Agatão Lança tinha sido antes disso um ferrenho adversário de todos os Governos do meu partido...
O Sr. Agatão Lança (em àparte): - Não apoiado.
O Orador: - ...e terçado armas aqui dentro com o Govêrno do Sr. António Maria da Silva.
O Sr. Agatão Lança ainda nesse momento não tinha razão, porque o Sr. António Maria da Silva representava, porventura, a melhor corrente dentro do Partido Democrático.
Mais tarde, o Sr. Agatão Lança filiou-se no meu partido. Felicitei-me por isso.
No dia em que a sua filiação foi anunciada, num discurso proferido no Centro Almirante Reis, eu tive osasião de manifestar o meu regozijo por mais um soldado valente e sem mancha ter vindo para o Partido Democrático.
Tive ensejo de dizer isto, e, por êste motivo, julgo-me com toda a autoridade para lhe dizer que sou das pessoas que discordam da sua orientação política. E porquê?
Porque o Sr. Agatão Lança tem vindo sempre combatendo todos os Governos do meu partido, apesar de nele estar filiado. Agora, e não obstante isso, continua a combatê-los.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo):- Também V. Exa. derrubou o Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar.
O Orador: - Eu não desejo fatigar demasiadamente a atenção da Câmara, mas quero ainda proferir mais algumas curtas e desalinhavadas frases.
O Sr. Agatão Lança (interrompendo}:- V. Exa. dá-me licença?
Eu desejava preguntar-lhe se já acabou de fazer a interpelação que não me tinha anunciado, porque, se acabou, desejava retirar-me para o meu lugar.
Eu esperava da correcção e delicadeza de V. Exa. que me avisasse. Mas logo terei ocasião de lhe responder.
O Orador: - Eu julgo que as interpelações são, apenas, anunciadas aos Ministros, e V. Exa. não é Ministro.
Sr. Presidente: se eu quisesse abusar da paciência da Câmara, muito mais cousas de ordem política teria a dizer, e adequadas ao momento político que decorre.
Se a ocasião se proporcionasse e se se não supusesse que fazia blague, eu enviaria para a Mesa os seguintes negócios urgentes:
Leu.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo}: - O trabalho que V. Exa. deve ter tido para fazer essa fórmula!
Risos.
O Orador: - V. Exa. vai ver que esta fórmula no fim é verdadeira e foi feita em 5 minutos. Mas vou ler a V. Exa. o resto, que é o seguinte:
Continua a ler.
O Sr. Ferreira da Rocha (interrompendo): - V. Exa. já tem 400 em 100. A fórmula está errada.
O Orador: - V. Exa. já fez a soma? Se V. Exa. quere, dou-lhe a fórmula.
O Sr. Cunha Leal: - Sabe V. Exa. porque o Govêrno tem a vida arriscada? É porque em 100 encontra 400.
Risos.
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O Orador: - Se V. Exa. somar tudo, dá mais do que os 400.
Sr. Presidente: também não deixaria de mandar para a Mesa êste negócio urgente que seria consequência dos primeiros:
Leu.
O Sr. Cunha Leal: - Fui tudo isso, menos parvo!
Apoiados da direita.
O Orador: - Aqui, nestas palavras, não pode V. Exa. ver, nem delas pode V. Exa. concluir, que eu tenha V. Exa. como um parvo, porque isso seria a maior das injustiças contra V. Exa.
Evidentemente, V. Exa. não foi um parvo.
Precisamente por V. Exa. não ter sido um parvo é que eu escrevi aqui isto.
Parece-me que êstes negócios urgentes vêm a propósito.
Parece-me que vem a propósito o primeiro negócio urgente: "da impossibilidade do Partido Nacionalista subir ao Poder".
Efectivamente, o Partido Nacionalista é, como se vê através dos negócios urgentes que anunciei, uma mistura que me faz lembrar aqueles vinhos avariados, que é preciso lotar, para que o público os tolere no mercado.
O Partido Nacionalista tem um - permita-se-me esta expressão própria para vinhos - casco: o casco é o unionismo, e êsse casco predomina na receita aí em 80 por cento.
O unionismo, de negregada memória para a República...
O Sr. Moura Pinto (interrompendo}: - V. Exa. hoje está muito bravo!
O Orador: - Eu já lho vou demonstrar, e V. Exa. não é dos que têm menos quinhão.
O Sr. Moura Pinto: - Já cá se sabia isso!
O Orador: - V. Exa. entra em todos os negócios urgentes.
V. Exa. entra na invasão do domicílio do Sr. Afonso Costa e na sua prisão.
V. Exa. entra na miserável campanha...
O Sr. Moura Pinto: - Miserável?!
Nesta altura, produz-se um incidente entre o Sr. Moura Pinto e o orador, que obriga o Sr. Presidente a interromper a sessão.
São O horas.
As O horas e 45 minutos reabre a sessão.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Espero e peço aos Srs. Deputados a maior serenidade.
Escuso de dizer outras palavras.
Continua no uso da palavra o Sr. Júlio Gonçalves.
O Sr. Júlio Gonçalves: - Sr. Presidente: lamento o incidente de há pouco, porque, ainda não muito antigo Parlamentar, mas já Parlamentar o tempo bastante para conhecer o meio em que estou e conhecer as pessoas e conhecer as responsabilidades dos Parlamentares, eu sou levado a, perante V. Exa. e a Câmara, lastimar o incidente, de que fui um dos protagonistas.
Lamento profundamente o facto de ter atingido com o meu gesto o Sr. Afonso do Melo, vice-Presidente desta Câmara.
Eu tenho por S. Exa. a mais elevada estima.
Considero-o, sem ofensa para ninguém, como uma das mais respeitáveis pessoas desta Câmara.
Daqui, peço desculpa ao Sr. Afonso de Melo, embora S. Exa. tenha compreendido bem que foi involuntariamente que o agredi.
Eu ia dizendo que o Partido Nacionalista, composto de várias correntes políticas, tem no seu seio figuras com grandes responsabilidades em muitos dos tristes acontecimentos, que já hoje pertencem à nossa história política.
Então declarava eu que o unionismo, hoje integrado no Partido Nacionalista, havia feito uma campanha contra a nossa intervenção na guerra.
Foi uma campanha miserável.
E assim me referi a uma campanha que apodei de "miserável", feita num jornal, que então se publicou, chamado
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A Notícia, e que lançou por todo o País a perturbação, a desordem nos espíritos.
E, nessa altura, quando chamei "campanha miserável" à campanha feita em A Notícia, é que um Sr. Deputado, porventura julgando-se lesado pelas minhas palavras - não sei mesmo se S. Exa. escrevia nesse jornal - teve o gesto do me atirar um cigarro, que estava fumando.
E, Sr. Presidente, humanamente, ainda que, porventura, não parlamentarmente, eu repeli esta agressão com outra, e peguei num copo que tinha diante do mim e atirei-lho.
E, em seguida, vendo que não tinha atingido êsse Sr. Deputado, atirei-lhe êste livro que tenho aqui na mão.
Eis explicado êste incidente que: repito, eu sou o primeiro a lamentar.
E agora, Sr. Presidente, eu vou reatar o fio das minhas considerações.
Dizia, eu que o Partido Nacionalista tinha agarrado a si o êrro que classifico de crime, de crime político, da propaganda defectista contra a nossa intervenção na guerra.
Essa propaganda faz-se sob vários aspectos.
Evidentemente, como ela foi feita? dizendo que nós não devíamos entrar, no intuito de nos prejudicar e não de nos valorizar - eu apelo para a consciência de muitos que aqui estão unidos nesta Câmara, sob o mesmo pensamento político, e pregunto-lhes se não repeliram em absoluto futuras camaradagens com os homens que proclamaram o defectismo a dentro das fileiras portuguesas.
E confio bem no republicanismo dêstes homens, alguns pertencentes ao meu Partido e ainda alguns também pertencentes ao actual Partido Nacionalista.
Todos êstes homens, unidos, com os olhos fitos no ideal da Pátria e nos destinos da República, então combateram pela nossa intervenção na guerra.
E ouvi mesmo jurar a alguns, a muitos que estão aqui dentro, que, numa questão tam essencial à vida portuguesa e ao prestígio da República, quando os republicanos não conseguissem congregar-se, unir-se, jamais poderia haver a união indispensável na nossa sociedade.
Ouvi-o a muitos.
Sr. Presidente: referi-me a um caso das lutas políticas de então; a um incidente que nem por ser incidente deixa de marcar com um ferrete as pessoas que nêle intervieram.
O sidonismo foi o filho mais novo do unionismo, que lhe transmitiu a sua última fôrça, o seu último vigor.
Sr. Cunha Leal disse um dia nesta Câmara, da qual eu então não fazia parte, que o sidonismo tinha 10.000 republicanos nas cadeias, e S. Exa., com aquela impetuosidade parlamentar que todos lhe conhecemos, declarou-se desde essa hora inimigo do sidonismo.
Eu tenho repugnância em duvidar do republicanismo de alguns unionistas, como o Sr. Brito Camacho, por exemplo; mas não posso deixar do afirmar que o unionismo foi o pai que gerou, numa hora anti-patriótica, o sidonimo.
Nunca, como no tempo do sidonismo, se praticaram tantos crimes e tantas misérias, chegando a ser invadidas as residências dos homens da República por uma cáfila de miseráveis, pois não podemos esquecer os assaltos as casas dos Srs. Afonso Costa, Leote do Rêgo e Norton do Matos.
Sr. Presidente: ouço falar das misérias de hoje; ouço falar duma bomba que rebentou próximo do Terreiro do Paço, ferindo quatro populares o um sargento da guarda republicana; ouço a indignação que se levantou contra êste facto banal, como contra os indivíduos que há dias nas galerias desta Câmara deram vivas à República, e contra a frase do Sr. Presidente do Ministério de que era a favor do povo contra os exploradores.
Custa-me verificar que muitos dos que protestam contra êstes casos não retiraram o seu apoio à política responsável por todos os crimes praticados desde o dia 5 de Dezembro de 1917 até tantos de Março de 1918.
A política sidonista gerou a monarquia do norte e essa série de crimes que eu quero passar em branco, porque ninguém teve a coragem de a aplaudir dentro das fileiras republicanas.
Depois de vários Governos que se seguiram à monarquia do norte, houve aquela celebre dissolução parlamentar dirigida pelo pronunciamento militar do 21 de Maio de 1921, ficando encarregado o Partido Liberal de colhêr os frutos duma
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dissolução parlamentar resultante dum mal entendido político que não quero apreciar.
O Partido Liberal fez as eleições e, como se diz em linguagem parlamentar, perdeu as eleições porque não conseguiu uma maioria que o pudesse apoiar.
Foi o Partido Democrático que conseguiu que o Partido Liberal governasse durante algum tempo, mas então apareceram as correntes antigas dêsse partido a manifestar-se: o unionismo com o Sr. Barros Queiroz, e o evolucionismo com o Sr. António Granjo, de saudosa memória. O Govêrno do Sr. Barros Queiroz caiu e o Govêrno do Sr. António Granjo foi derrubado pelo movimento de 19 do Outubro.
Sr. Presidente: o actual Ministério pode felicitar se por não lhe ter ainda sido ainda apresentado nenhum negócio urgente sôbre o 19 de Outubro.
Parece que os homens se esqueceram já dessa catástrofe tam lamentável, e afigura-se-me, a mim, que sou novo e que não tenho entrado com as armas na mão nas lutas travadas entre os republicanos, que as explicações dadas aqui no Parlamento e lá fora sôbre o 19 de Outubro são dum puerilidade tal que levam a crer que os homens não querem ver os acontecimentos na sua origem política, atribuindo-os apenas à obra do "Dente de Ouro".
Sr. Presidente: por mais lamentável que tenha sido a revolução de 19 de Outubro, e tristíssima foi ela, cruel e prejudicial para a República e para a Pátria, não nos iludamos: essa revolução foi o produto dos antecedentes históricos dessa época. Os republicanos não se entendiam, por toda a parte era a luta mesquinha, a luta política sem finalidade. A desordem política fez nascer essa madrugada trágica, e êstes acontecimentos não servem de exemplo nem de lição.
Sr. Presidente: os políticos da minha terra parecem-se muito com as borboletas de que há pouco falei e que andam à volta da luz. Eu falo com o coração nas mãos e com a sinceridade de republicano e de patriota. A revolução de 19 de Outubro não foi mais que o produto histórico das lutas das paixões que se entrechocaram.
Há um pregão que se ouve constantemente, como o reclamo dum milagroso elixir, capaz de curar todas as enfermidades. Êsse elixir é o Partido Nacionalista. Só êle é que pode governar, só êele é que tem competência, só êle é que tem grandes homens de finanças. Proclama-se: aqui está o elixir nacional; quem quere comprar?
Quem agita êste frasco é o Sr. Cunha Leal, que é uma pessoa muito inteligente e particularmente muito simpática. Mas o Sr. Cunha Leal é como político o mais desastrado político de Portugal. S. Exa. nunca foi senão um desastrado político. Desde a sua saída dos bancos da escola, republicano velho, segundo ouço dizer e sem contestação, ate hoje, não tem feito mais do que trilhar dentro da política republicana um caminho aos torcículos, que ninguém entende, sem uma orientação. Tam depressa se diz um avançado, como um conservador; tam depressa diz, segundo o relato dos jornais (não sei se S. Exa. perfilha estas palavras) que "se não houver dinheiro a guarda republicana irá buscá-lo aos bancos", como se coloca até contra as suas qualidades de valentie, com mêdo que tudo subverta, que venha a onda popular que tudo avassala, entendendo, por isso, ser preciso que todos nós, as pessoas das classes médias e que temos que perder, nos unamos e seguremos a nossa situação, para que não nos deixemos subverter por essa onda infrene.
S. Exa. tam depressa diz aqui um dia, quando era popular e indicando o lado liberal: "para aí nunca irei; para ali, para os democráticos, ainda poderei ir", como tam depressa se passa para aquelas bancadas.
O Sr. Cunha Leal: - Levou-me para lá o 19 de Outubro.
O Orador: - O Sr. Cunha Leal que é uma personalidade política da qual eu guardo as recordações que posso fixar nos jornais, visto que o conheço de pouco tempo, S. Exa. a quem considero um homem de bem e digo-o aqui sem nenhum receio de desagradar aos seus inimigos, S. Exa. que é um desastrado político, mas que particularmente considero como homem de bem, S. Exa. pondo se dentro do Partido Popular estragou êste Par-
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tido. Êste Partido, realmente, sucumbiu às suas mãos. O Partido Popular que o pobre e saudoso Júlio Martins tinha fundado na sua ingenuidade republicana, foi escangalhado, com dois safanões para a direita e dois para a esquerda, pelo Sr. Cunha Leal.
S. Exa. ainda, segundo os jornais dêsse tempo, ouviu da boca de um dos seus futuros correligionários, anunciado como dos mais prestimosos, também pessoa muito inteligente, pessoa com quem S. Exa. terçou armas nas horas amargas da República, pessoa a quem deu o peito às arms em Santarém, e com quem aqui lutou, as seguintes palavras: "eu com o Sr. Cunha Leal só tenho ligações por intermédio da polícia". Não sei se é verdade ter sido dito isto, mas o Sr. Cunha Leal não deixava passar com certeza a afronta. Portanto, não afirmo que isto se passou, mas li isto nos jornais de então. Pois S. Exa. agora é um dos correligionários dêsse homem que foi o segundo chefe do sidonismo, o homem que em Santarém, estragou a nossa acção na guerra.
Êsse homem que estragou a guerra, que sufocou a revolta de Santarém, chasqueando dela e mandando um tenente para prender os oficiais que nela tinham tomado parte, embora alguns fossem de patente superior, esta em vésperas de ser correligionário do Sr. Cunha Leal.
Sr. Presidente: que incoerência política eu vejo nos homens!
Eu não costumo falar nestes termos, mas faço-o hoje, porque reputo êste dia histórico e porque desejo marcar a minha humilde posição.
O Sr. Cunha Leal é quem agita com mão de mestre o tal elixir nacionalista, o elixir dos Governos de 1921, e do Govêrno dos célebres 28 dias, de Novembro a 10 de Dezembro do 1922.
Sr. Presidente: se formos a acreditar na intriga política que se está desenrolando contra êste Govêrno, servindo-se de todos os processos, que teríamos nós de dizer dessa triste aventura de Outubro de 1923?
0 que teriam de dizer alguns deportados que estiveram em íntimo contacto com êsso movimento, embora o combatessem?
E nós fomos magnânimos ..
O Sr. Pedro Pita: - Peço a palavra.
O Orador: - O Govêrno de então caíu porque o Parlamento o derrubou numa situação em que se preguntava ao chefe do Govêrno: O Senhor quis fazer a ditadura?
O Senhor quis obter a dissolução parlamentar?
O Sr. Pedro Pita pediu a palavra. Eu sei que S. Exa. segundo rezam algumas confidências...
O Sr. Pedro Pita: - Desisto da palavra.
Orador: - ...foi uma das pessoas que se opuseram a que se fizesse ditadura e até que a dissolução fôsse votada.
Presto, pois, a minha inteira homenagem ao Sr. Pedro Pita, e à acção que S. Exa. desenvolveu nesse dia. Aqui Tem S. Exa. o que posso dizer acêrca dêsse caso.
Todavia, o que afirmo, Sr. Presidente, é que êsse Govêrno quis não só a dissolução parlamentar como pretendeu fazer a ditadura.
O que disse, afinal, o Sr. Presidente do Ministério?
Que a guarda republicana não se tinha feito para espadeirar o povo.
Então não é isto uma verdade?
Porventura a guarda republicana fez-se para espadeirar o povo?
Há aqui algum republicano que tenha a coragem de tal afirmar?
Se há, fale claramente: diga que só vai derrubar o Govêrno porque êle entende que a guarda republicana não se fez para espadeirar o povo!
Também se disse que é preciso o equilibrio das classes. Evidentemente que é.
Mas o equilíbrio das classes consiste em as fôrças vivas nas suas associações resolveverem nã0 cumprir as leis emanadas do Parlamento, como sucede com a lei da selagem?
É equilíbrio das classes os bancos e Associações Comerciais não cumprirem o decreto sôbre o regime bancário?
É equilíbrio das classes ir para a Associação Comercial e Banco de Portugal dizer que os políticos são uns ladrões e incompetentes?
Apelo para todos os políticos que aqui
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estilo para que me digam se isto é fazer o equilíbrio das classes.
O povo! O povo somos todos nós, mas há um povo diverso do outro povo e foi toda a vida assim. Nos comícios a que assisti nunca encontrei outro povo que não seja o que se manifesta agora ao lado do Govêrno. Nunca vi neles os elementos graduados de bancos e de Associações Comerciais e Industriais. Vi lá sempre o povo que sua: o povo da enxada, o povo da blusa, o povo do atelier, o povo da oficina.
Foi êsse povo que proclamou a República. Então é um crime o Govêrno declarar que está ao lado dêsse povo?
Andamos numa confusão deplorável!
Numa entrevista publicada hoje num jornal, o eminente democrata Magalhães de Lima diz:
Leu.
Chamo a atenção de todos os republicanos para estas palavras, que são ditas por um homem que eu classifico como um dos santos da democracia portuguesa, que me ensinou a amar a República e a rezar por ela.
Sr. Presidente: nesta guerra sem quartel, a guerra dos negócios urgentes, a guerra das interpelações, guerra que não deixa trabalhar nem descansar, guerra feita pelos adversários do Govêrno, oxalá que êssos adversários não tenham que se arrepender amargamente da atitude incompreensível que assumiram.
Vozes: - Muito bem.
O orador não reviu.
O Sr. Agatão Lança: - A esta hora da noite e depois dos acontecimentos que nós presenciámos, poucas palavras pronunciarei.
Eu espero desde ontem a resposta do Sr. Presidente do Ministério, e até agora não a tive.
Vou mandar uma moção para a Mesa e devo dizer a V. Exa. que não tendo tido resposta alguma...
O Sr. Presidente: - V. Exa. deve começar por ler a sua moção e mandá-la para a Mesa.
O Orador: - Peço desculpa de me esquecer das praxes do Regimento.
Moção
A Câmara dos Deputados, lamentando palavras proferidas e actos praticados durante a manisfestação da noite de sexta-feira passada, e reconhecendo que, pela ausência de uma acção sensata e ordeira do Poder Executivo foi profundamente afectado o prestígio da fôrça pública, a disciplina militar e a ordem social saúda a fôrça pública e passa à ordem do dia.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 1925.- Armando Agatão Lança.
Sr. Presidente: dizia eu: depois dos acontecimentos que todos nós presenciámos e a esta hora da noite não irei alongar as minhas considerações, e também porque tenho a certeza de que a Câmara já tem a sua opinião formada; mas, se não me alongo em considerações a respeito da moção, não posso ficar em silêncio a respeito de considerações que foram feitas dentro desta Câmara por um Deputado que antes de mim usou da palavra.
Não irei estabelecer discussão com o Sr. Júlio Gonçalves; seria até ridículo da minha parte dar explicações ao Sr. Júlio Gonçalves por S. Exa. querer julgar a minha atitude política.
Eu tenho servido sempre a República e considero a fôrça pública, porque não sou como S. Exa. anti-militarista, que não pode ver a fôrça armada.
O Sr. Júlio Gonçalves (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença? É preciso que V. Exa. entenda o que é o meu anti-militarismo.
Eu quero a nação armada para a sua própria defesa, mas não quero o exército de caserna.
O Orador: - S. Exa., como a Câmara acaba de ouvir, confessou o que eu disse, que é anti-militarista. Está, portanto, S. Exa. a distância da posição que eu ocupo e quero ocupar.
S. Exa. frisou há pouco o facto de, quando eu era Deputado independente, ter divergido de determinados actos praticados por um Govêrno democrático que era presidido pelo Sr. António Maria da Silva, e censurou me. Mas porquê? Então eu, como Deputado independente, não tenho êsse direito?
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Não posso divergir das opiniões de qualquer homem que se senta naquelas cadeiras?
E pregunto então: qual é mais condenável: é a minha atitude de então ou a que S. Exa. ultimamente tomou, S. Exa. que, sendo um velho soldado do Partido Republicano Português, votou, sem qualquer deliberação do partido, contra o Govêrno do Sr. Deputado o membro do Directório do Partido Republicano Português, o Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar? É esta a coerência da S. Exa.!
as disse também o Sr. Júlio Gonçalves que eu era uma borboleta sob o ponto do vista político.
Apesar disso eu apenas voei da situação do independente em que estive durante toda a minha vida, para um partido, onde me filiei pela primeira vez e que foi o Partido Republicano Português. Não mudei mais de partido para partido.
Mas mesmo que o tivesse feito, pregun-to: seria isso um crime?
Há aqui dentro republicanos veneráveis, como o Sr. Álvaro de Castro, que tem passado pelos diferentes partidos da República, sem que por isso S. Exa. tenha descido dessa alta situação em que todos o consideramos.
Eu serei uma borboleta; mas a borboleta que gira em volta da luz dos bons princípios republicanos e de uma moral política sã.
Só isso prova que não há peias partidárias que me obriguem jamais a tomar uma atitude de submissão que se não coadune com a minha consciência.
Nunca na política tratei de mim.
Tenho tratado apenas da causa que sempre defendi: a da República e a do interêsse nacional.
Quando isto não suceda, êsto Govêrno ou qualquer outro, pertencente ou não ao meu partido, não poderá contar com o meu voto.
O Sr. Júlio Gonçalves que, como a Câmara viu, votou contra o Govêrno do Sr. Rodrigues Gaspar, e que é prestigioso elemento do Partido Republicano Português, é, sem dúvida, mais borboleta do que eu: deixando se levar por grupos e coteries, a que eu jamais prestarei vassalagem.
Pelo discurso que o Sr. Júlio Gonçalves fez, toda a Câmara viu que S. Exa. a ninguém dá o direito de ter visão política.
Ela concentrou se toda no cérebro potentoso do Sr. Júlio Gonçalves.
E, ainda bem, porque, assim, S. Exa. certamente deverá ser elevado aos mais altos cargos desta República ou do outra qualquer, que pode muito bem ser a dos
soriets.
Uma outra passagem que eu não quero deixar passar em claro é aquela em que O Sr. ina de Morais disse que aqui dentro é só Deputado.
Disse S. Exa. uma verdade, como as de Mr. de La Palisse.
Todos nós sabemos que não estamos aqui como advogados, médicos, oficiais ou profissionais de qualquer classe.
Mas, Sr. Presidente, o que nós podemos é discordar de qualquer acto de um Govêrno que representa um desprestígio para as corporações armadas, a uma das quais eu tenho a honra de pertencer.
Dito isto, Sr Presidente, eu tenho a relembrar a V. Exa. e à Câmara que ainda não ouvi resposta às preguntas concretas que dirigi ao Sr. Presidente do Ministério.
É natural que S. Exa. a vá dar daqui a pouco, mas, Sr. Presidente, fala-se muito na célebre frase por S. Exa. pronuncada, ou pelo menos atribuida, e que O Mundo, órgão oficial do Govêrno, transcreveu.
Eu tenho a dizer a V. Exa. que essa frase é ofensiva porque é inoportuna e porque foi dita, depois de acontecimentos sangrentos.
Rebentou uma bomba, houve vários feridos, entre êles dois pertencentes à guarda nacional republicana, e diz-se à fôrça armada que ela tinha procedido da melhor forma não disparando sôbre o grupo donde essa bomba tinha partido, porque ela é também constituida por filhos do povo.
Sem dúvida. Mas não se pretende que a força armada dispare sôbre o povo, mas sim sôbre os bombistas que lançam bombas na via pública, atentados êstes que são propalados nas alforjas, para se efectivarem contra verdadeiros patriotas e homens de bem.
Apoiados.
Mas essa mesma frase ainda ontem foi repetida pelo Sr. Presidente do Ministério
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na entrevista que deu ao jornal A Tarde: "não quero que a guarda republicana sirva para espingardear o povo". Quando é que a guarda republicana, o exército ou a marinha tiveram o pensamento insensato de admitir que aquela força servia apenas para espingardear o povo?
O Sr. Presidente do Ministéiio ainda não respondeu, mas certamente vai responder, às perguntas que ontem lhe dirigi.
Mas dizia ontem S. Exa.: "De que e que me acusam? Façam preguntas e eu responderei".
Ora eu dirigi perguntas a S. Exa. e S. Exa. não me respondeu.
Que culpa tenho eu que S. Exa. tenha pessoas ao seu serviço que o comprometam?
Que culpa tenho eu que o Sr. Tavares de Carvalho fôsse nomeado como oficial do exército para fazer um inquérito, visto que como Deputado não podia ser nomeado pelo Sr. Presidente do Ministério...
O Sr. Tavares de Carvalho (interrompendo}: - Peço desculpa, mas não fui nomeado como militar.
O Orador: - Sossegue V. Exa. que eu. já vou provar que o foi.
No jornal A Tarde, a seguir à entrevista que há pouco citei, vem outra com o Sr. tenente coronel Tavares de Carvalho, como muito bem acentua o jornal. Diz essa entrevista o seguinte:
Leu.
É o Sr. Tavares de Carvalho que ainda ontem julgava que tinha poderes para sindicar toda a guarda republicana e tudo, quando não tinha porque não poderia lá entrar...
O Sr. Tavares de Carvalho: - É V. Exa. que vai lá impedir essa entrada?
O Orador: - É o ilustre comandante dessa guarda, porque V. Exa. não tem hierarquia para sindicar uma fôrça que é comandada por um general.
O Sr. Tavares de Carvalho: - Descanse V. Exa., eu sei cumprir o meu dever.
O Sr. Presidente: - Chamo a atenção do Sr. Tavares de Carvalho para que não interrompa o orador.
O Sr. Tavares de Carvalho: - O orador está a dirigir-se a mim...
O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Agatão Lança para se dirigir à Mesa.
O Orador: - A Câmara, como disse, está verdadeiramente inteirada da questão em debate e, por isso, vou dar por findas as minhas considerações.
O orador não reviu.
Leu-se e foi admitida a moção do Sr. Agatão Lança.
O Sr. Júlio Gonçalves: - Sr. Presidente: só duas palavras. (O Sr. Agatão Lança serviu-se duma conversa particular que com êle tive, mas isso não me incomoda nada, para dizer que eu sou anti-militarista.
O ser anti militarista não quere dizer que se seja anti-patriota.
Quanto à minha indisciplina partidária, isso é equívoco do Sr. Agatão Lança.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério, Ministro do Interior e interino da Maninha
(José Domingues dos Santos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: quando há pouco o meu querido e ilustre amigo Sr. Júlio Gonçalves lia à Câmara as palavras do velho democrata, honrado e austero republicano, que é o Sr. Dr. Magalhães Lima, S. Exa. terminou a leitura com uma frase, porventura, profética, dizendo:
"Oxalá que amanhã o Sr. Dr. Magalhães Lima não tenha mais um motivo para desilusões, e não veja que a sua boa fé e esperança se desfolharam mais uma vez".
E eu pensei que o Sr. Dr. Magalhães Lima, homem a quem os anos encaneceram nas lutas pela democracia, a quem nunca arrefeceu o sagrado amor pelo seu ideal, não terá razão para desfolhara esperança de melhores dias para a nossa terra.
Quando se dá um passo na vida de uma sociedade, quando uma idea aflora,
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se espalha, subjuga e domina tantos espíritos, como aquela que neste momento o Govêrno vem espalhando por Portugal, essa idea não pára, nem morre.
Apoiados.
É uma idea em marcha, idea criada pela democracia, idea pura saída das aspirações mais generosas do povo português, traçada através de muitas dezenas de gerações, que dia a dia vêm espreitando a aurora sagrada, em que êsso ideal há-de ter a sua realização plena.
Sr. Presidente: não chegou ainda a hora.
Essa esperança que tantos iluminados prégaram, que criou tantos adeptos, que converteu tantos apóstolos, essa idea que ainda não teve realização prática dentro da República Portuguesa, essa idea, senhores, quer queiram quer não queiram os homens que neste momento são os detentores do mandato popular, há-de vingar.
A idea não pára, não morre porque contra ela se pretendeu neste momento lançar um punhado de vil metal.
Ela desabrochou, há-de vingar mais dia menos dia, mais mês menos mês, contra todos e contra tudo.
Sr. Presidente: a propósito do um incidente de rua, a propósito de uma frase que os jornais trouxeram o glosaram à sua vontade, arvorou-se esta balbúrdia, teceram-se intrigas, armaram-se calúnias. E dentro dêsse corrilho que se formou com fôrças que não me importa saber, gerou-se esta vontade firme e decidida.
O Govêrno cairá se não tiver o único apoio que até êste momento tem procurado manter, sem nenhuma espécie de bajulações, sem nenhuma espécie de contumélias.
Estamos aqui de cabeça levantada; não pedimos votos a ninguém, não pedimos que nos deixem continuar nestas bancadas.
Viemos para aqui para cumprir uma missão. Tínhamos prègado lá fora um determinado programa; queremos executá-lo e sentámo-nos nestas cadeiras com a vontade resoluta e decidida de o realizarmos.
Queremos, no emtanto, cumprir essa missão firmados no único apoio que até hoje temos procurado: o apoio parlamentar.
Á nossa volta levantam-se as vozes do povo aclamando-nos; são os operários dentro das suas confederações e associações, que nos incitam a andar para a frente: é o povo que nos habituámos a encontrar pelos centros quando prègávamos pela República; são aqueles que nós vimos escalar Monsanto e que eu senti junto a mim nas cadeias do Pôrto.
Querem os senhores que desprezemos os aplausos?
Não.
Eu quero realizar uma República para todos os portugueses o não apenas para uma determinada casta.
Queremos realizar uma obra de ressurgimento nacional, e sinto que essa obra só poderá ser ofectivada no dia em que os republicanos se convencerem de que é preciso quebrar este hábito em que todos estamos de deixar estar no seu lugar quem lá está.
E necessário realizar uma obra corajosa de punição.
Á nossa volta começam a aparecer, hora a hora, obstáculos sem conta, dificuldades sem limite, e o Govêrno, que quere andar, vê-se ennovelado numa série de meadas que vêm de longe, sentindo a sua acção enfraquecida justamente por aqueles que mais obrigação moral tinham de lhe dar o seu apoio.
Quero encontrar me aqui para governar, e governar dentro daquela orientação que marquei na minha declaração ministerial.
Se essa orientação, expressa na declaração ministerial, não era boa, porque a não repeliram logo de entrada, e antes lhe deram um voto de confiança?
Mas se essa obra ora de aceitar, porque nos acusam por realizarmos aquilo que prometemos?
Publicou-se a reforma bancária, com o grave deleito, apenas, de antes de ser publicada não ter ido ao "visto" de todos os homens entendidos da nossa terra.
0 Ministro das Finanças cometeu êste enorme êrro: não andou de porta em porta mendigando o aplauso, o favor, a opinião do toda a gente.
Porque era Govêrno, ordenou a sua publicação, depois de nela acordar com os seus colegas de Gabinete.
Publicou-a, e então surgiu uma declaração de guerra em forma surgiu.
O Govêrno não mais vive!
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Guerra sem tréguas ao Govêrno!
E ela apareceu.
O que aparece agora?
É o Govêrno acusado de estar a governar em guerra aberta com toda a gente.
Mas êste Govêrno procurou apenas defender-se da guerra que lhe faziam.
Defendeu-se da guerra que lhe declararam os Bancos, quando na sua suposta omnipotência julgaram que podiam dominar o Parlamento, e constituir um quarto poder do Estado.
Defendeu-se das oposições que partiam carteiras ou que, quando as não partiam, mandavam negócios urgentes todos os dias para a Mesa.
Esta foi a defesa do Govêrno.
Mas, como êste caminho não dava os resultados desejados, vá de tomar entre mãos casos do ordem pública em que o Govêrno não teve uma responsabilidade qualquer.
E assim nos jornais apareceu a notícia de que o Presidente do Ministério tinha dito que, na luta entre exploradores e explorados, o Govêrno se colocava ao lado dos explorados contra os exploradores.
Logo se disse que o Govêrno abria uma luta de classes.
E porque o Presidente do Ministério tinha afirmado que não queria a guarda republicana para espingardear o povo, vá de dizer que o Govêrno desprestigiou a guarda, o poder, a fôrça pública.
Vamos ver o que isto é e o que vale.
Há alguém que possa estranhar que o Presidente do Ministério tenha dito que, na luta entre exploradores e explorados, o Govêrno se colocava ao lado dos segundos?
Mas eu, antes de vir para o Govêrno, escrevi dezenas de vezes estas palavras; afirmei-o em conferências e na primeira vez em que aqui falei.
Já quando se procurava lançei sôbre êste Govêrno o epíteto de desordeiro, dizendo que nós queríamos organizar um golpe de Estado, eu fiz esta afirmação.
Mas, só ela é subversiva e porque não me mandaram desde logo embora?
Quere-se negar que na sociedade haja explorados.
Mas então como é que, em meia dúzia de dias ou anos, homens que eram pobres aparecem milionários?
Como se realizou êste prodígio?
Como é que a riqueza bafeja uns e outros cada vez mais se vêem depauperados?
Como é que os administradores da moagem guardam para si 400 contos e para o pobre do accionista lhe dão não sei o quê?
Mas a Câmara entende que não é esta a posição do Govêrno?
Di-lo claramente: "não queremos Govêrno que se coloque ao lado dos explorados contra os exploradores".
E eu vou-me embora.
Vou-me embora, e a sociedade portuguesa ficará sabendo que o Parlamento não quere um Govêrno que esteja ao lado dos explorados e sim ao lados dos exploradores.
Muitos apoiados.
O Sr. Cunha Leal: - Mas está ao lado das padarias independentes que não fabricam pão.
O Orador: - As padarias independentes estão todas funcionando. Fizeram greve durante um dia, mas terminou logo.
Apoiados.
Uma voz: - Mas fabricam pão sem peso.
O Orador: - O que esta Câmara não quere saber é que obriguei a moagem a perder dinheiro.
Muitos apoiados.
O que esta Câmara não quere saber, é que tendo o Govêrno sabido que a moagem devia ao Estado 4:500.000$, obrigou essa moagem a pagar o que devia.
Muitos apoiados.
Isso é que a Câmara parece não querer saber.
Muitos apoiados.
Àparte do Sr. Cunha Leal, que não foi percebido.
O Orador: - O Govêrno obrigou a moagem a pagar ao Estado o que devia.
Apoiados.
Disse, Sr. Presidente, que este Govêno na luta entre os exploradores e explorados se colocava ao lado dos explorados.
Disse e repito que estou ao lado dos explorados contra os exploradores.
Muitos apoiados.
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São estas afirmações que ferem a sensibilidade da Câmara. Mas se êste Govêrno não serve assim, digam-no claramente.
Apoiados.
É o Govêrno acusado de ter dito na Câmara que a fôrça pública não é para espingardear o povo.
Esta afirmarão vem sendo feita desde longos anos, desde os tempos da propaganda, quando só deram os morticínios de 5 de Abril e 4 de Maio.
Muitos apoiados.
Os mais entusiastas propagandistas da República, os homens que andavam nesse momento orientando as camadas populares assim afirmavam: que a guarda municipal não podia servir para espingardear o povo.
Muitos apoiados.
Essa afirmação era acarinhada por todos os republicanos (Apoiados) e hoje parece que constitui um grito subversivo.
Muitos apoiados.
Mas, se a Câmara adopta o critério estupendo - que eu ouvi - que a fôrça deve fazer pontarias ao centro, para não desperdiçar munições, está bem; se é isso que a Câmara quere, direi que êste Govêrno não serve para isso.
Muitos apoiados.
Êste Govêrno entende que a fôrça pública deve manter a ordem, porém entendo também que ela não serve para espingardear o povo.
Muitos apoiados.
Há maneira de manter a ordem sem espingardear o povo.
Apoiados.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo): - Também sem deitar bombas há forma do povo se manifestar.
O Orador: - Fala-se agora em bombas, como se elas rebentassem todos os dias; mas estou no Govêrno há dois meses e não rebentam bombas. No tempo do Govêrno anterior - e nestas palavras não vai censura para ninguém - era raro o dia em que não rebentavam bombas e não havia ataques pessoais.
Apoiados.
Pregunto a V. Exa. e à Câmara quantas bombas rebentaram desde que estou no Poder e quantos ataques pessoais se cometeram desde que estou no Govêrno?
Muitos apoiados.
E indispensável que nos vamos convencendo do que estamos em República, em democracia (Apoiados), que os povos não se regem a chicote como nos tempos bárbaros.
É necessário que todos se convençam de que não se trata ninguém a cavalo marinho, nem a chicote.
Muitos apoiados.
Êste Govêrno é para todos os portugueses (Apoiados) e tem mantido a ordem melhor do que ninguém.
Desde que tomei conta do Govêrno apenas duas ou trê vezes tive de pôr as tropas de prevenção.
Disse-se, aqui, que eu estava preparando um novo 19 de Outubro. Cumpre-me declarar que não tive nenhuma espécie do cumplicidade com os acontecimentos de 19 de Outubro. Antes os combati tenazmente a peito descoberto e tendo a minha cabeça a prémio.
Não compreendo porque tanto se fala em desordens e em revoluções.
Êste Govêrno, se quisesse nesta hora dar um golpe de Estado, não tinha um cabo que fôsse para o acompanhar.
Êste Govêrno só tem procurado governar com o Parlamento.
Oxalá que todos pudessem dizer o mesmo.
Sr. Presidente: posso afirmar, sem receio de não dizer uma verdade, que emquanto aqui estiver não haverá atentados pessoais contra qualquer político.
Sosseguemos os espíritos.
Tem-se procurado intrigar o Govêrno com a guarda republicana, mas o Govêrno confia em absoluto na lealdade daquela corporação.
Sr. Presidente: folgo em dizer à Câmara que se a guarda republicana disparou para o ar, como na verdade disparou, as suas espingardas, procedeu assim porque os seus comandantes o determinaram. Mas também devo dizer que não tenho dúvida em galardoar quem naquela hora procedeu assim.
Nós seguimos quási sempre o que se faz lá fora; pois eu quero proceder como Millerand em França, quando condecorou com a Legião de Honra um militar que à
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frente dos seus soldados impediu que a tropa espingardeasse o povo. Quero também honrar o oficial que evitou na sexta-feira à noite que a tropa espingardeasse o povo.
Apoiados.
É assim que entendo a democracia!
Quero dizer à guarda republicana que ela, procedendo assim, está irmanada com o meu pensamento, e que assim procedeu mais beróicamente do que espingardeando o povo.
Apoiados.
Sr. Presidente: há aí várias moções. Não me importam, não me interessam. Há duas do lado nacionalista: uma do Sr. Cunha Leal, outra do Sr. David Rodrigues; estas não as aceito, evidentemente. Há outra dum marinheiro...
O Sr. Agatão Lança (interrompendo): - Dum quê V. .. Eu lembro a V. Exa. que aqui sou simplesmente Deputado, e não lhe admito a menor falta de respeito.
Vozes da esquerda: - Falta de respeito chamar marinheiro?...
O Orador: - A moção do Sr. Agatão Lança, essa não a posso aceitar. A outra, do Sr. Joaquim Ribeiro, exprime uma doutrina que toda a gente deve aceitar; o Govêrno aceita-a por isso.
Não quero moções de confiança, estou farto delas. O que quero é trabalhar. Moções de desconfiança não quero, mas moções de confiança também não quero; o que quero é poder trabalhar. De forma que se fôr aprovada a moção do Sr. Joaquim Ribeiro, o Govêrno conservar-se-há no Poder; se forem, porém, aprovadas as outras o Govêrno sairá.
Esquecia-me dizer que há uma última parte da moção do Sr. Agatão Lança que o Govêrno aceita: é a da saudação à fôrça pública e armada, a quem êste Govêrno quere também saudar, e fá-lo sem nenhuma espécie de constrangimento pelo que ela representa de respeito à ordem e guarda da nossa torra. Esta minha saudação não envolve nenhuma subserviência, mas apenas o respeito àqueles que sempre se têm sabido bater pela Pátria e pela República.
Apoiados.
Saúdo comovidamente a fôrça armada nesta hora em que muitos procuram abrir scisões entre ela e o Govêrno. A maior prova de respeito que êste Govêrno pode dar pela fôrça pública consiste nisto: é que, apesar de todos os boatos e intrigas que têm chegado ao Govêrno, êste ainda não procurou saber se a ordem pública está assegurada, porque julga que a fôrça pública está ao lado do Govêrno para manter a ordem.
Mas, ao terminar, eu quero dizer a V. Exas. que resolvam como entenderem. Todavia, quero sair daqui com a minha figura moral perfeitamente intacta; não quero sair humilhado, não aceito qualquer espécie de humilhação. Saio de cabeça alta, como aqui entrei, na certeza de ter cumprido o meu dever e com o orgulho de ter mantido a ordem, podendo mostrar as mãos, porque não estão tintas de sangue.
Tenho dito.
O orador foi muito cumprimentado.
O orador não reviu.
O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: sem me seduzir o exemplo do Sr. Presidente do Ministério, e, portanto, com a maior calma e serenidade, eu vou procurar colocar a questão nos termos em que deve ser posta.
Ninguém censurou o Govêrno, que arranjando duas classes, explorados e exploradores, se colocou ao lado dos primeiros. Ninguém censurou o Govêrno por não ter espingardeado a população. O que é diferente é acirrar classes umas contra as outras, a pretexto de o Govêrno se colocar ao lado dos explorados.
Sr. Presidente: eu ouvi do Sr. Presidente do Ministério, para demonstrar os seus serviços a favor dos explorados, que tinha obrigado a moagem a pagar ao Estado 4.000 contos que lhe devia.
Sr. Presidente: isto não é verdade.
Apoiados da direita.
Sou funcionário público e faço parte duma repartição por onde êsses serviços correm, e posso afirmar que a moagem não pagou cousa nenhuma.
Existe de facto um processo sem pés nem cabeça, e não é por êle que a tal moagem vai pagar os 4:000 contos, pelo que não é verdadeira a afirmação do Sr. Presidente do Ministério.
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Sr. Presidente: o Sr. Joaquim Ribeiro, por acaso, tem sôbre a sua carteira um exemplo característico daquilo que essa moagem paga, e por onde se verifica a falta de fiscalização do Govêrno. Trata-se de um exemplar de pão fabricado por uma das fábricas de moagem.
Sr. Presidente: o Govêrno nada fez a favor dos tais explorados. O que êle procurou fazer foi uma campanha do exploração.
Apoiados da direita.
Mas se o chefe do Govêrno tivesse dito num discurso que não desejaria servir-se da fôrça pública para espingardear o povo, quem se lembraria do o censurar?
Sr. Presidente: as palavras têm de entender-se conforme as ocasiões em que são proferidas e conforme as circunstâncias em que o são.
A guarda republicana tinha sido atacada por uma bomba, que feriu dois militares e dois populares. Como é que essa guarda se defendeu?
Disparando as armas para o ar e evolucionando com os sons cavalos.
Sr. Presidente: é sôbre êste facto que o Sr. Presidente do Ministério declarou que não queria a fôrça pública para espadeirar o povo.
O Sr. Cunha Leal (interrompendo]: - E é uma afronta o Sr. Presidente do Ministério vir dizer que no tempo da propaganda também se proferiam frases idênticas, pois nesse tempo não havia bombistas.
O Orador: - Sr. Presidente: não se trata, portanto, de uma frase isolada. Trata-se de frases proferidas num momento grave.
Mais uma vez o que o Sr. Presidente do Ministério pretendeu foi obter os aplausos dessa multidão.
Sr. Presidente: porque se fez essa manifestação na sexta-feira à noite e não no domingo, dia em que estão livres todos os que trabalham?
Porque é que se consentiu que se fizesse essa manifestação de noite?
Certamente estas duas preguntas ficarão sem respostas, porque eu também as não dou.
Mas, Sr. Presidente, sabia muito bem o Sr. Presidente do Ministério que a parte mais perigosa da manifestação era a debandada. Pois, muito bem; como é que S. Exa. procurou que ela decorresse?
A pretexto do que uma fôrça tinha disparado para o ar, S. Exa. mandou imediatamente recolher a quartéis todas as fôrças da guarda nacional republicana que se achavam nas ruas, cumprindo com o seu dever do manter a ordem.
Sr. Presidente: se não houve mais alguma cousa não foi porque o Sr. Presidente do Ministério o procurasse evitar, mas antes pelo contrário.
Disse também há pouco S. Exa. que tinha sido acusado do pretender dar um golpe do Estado.
Não fui eu que o açusei.
Disse mais o Sr. Presidente do Ministério que, se realmente quisesse praticar êsso acto, não sabia se poderia contar sequer com um simples cabo, porque disso se não tinha informado.
Ainda bem, e eu dir-lho-hei que, se S: Exa. não dá êsso golpe não sei se será por não querer, se será por realmente não ter nem um cabo para o acompanhar.
Sr. Presidente: na sexta-feira foi o início, porque o complemento foi o célebre comício do domingo em que as resoluções que ali foram tornadas se comunicaram ao Sr. Presidente do Ministério.
Sr. Presidente: é alguma cousa para aqueles que querem a manutenção da ordem.
Se tenho com o Deputado José Dorningues dos Santos uma bela camaradagem, tenho com o Sr. Presidente do Ministério uma atitude bem diferente, pois tenho o desejo formidável de o ver fora dêsse logar, de o ver desaparecer daí para bem da sociedade.
O orador não reviu.
O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sr. Presidente: as considerações de ordem geral
proferidas pelo Sr. Presidente do Ministério não me satisfizeram.
Não quero repetir as afirmações que fiz quando tive a honra de mandar uma moção para a Mesa.
O meu voto seria condicional e conforme as indicações do Chefe do Govêrno, mas S. Exa. nada disse.
Apoiados.
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Sessão de 10 de Fevereiro de 1925 43
Sr. Presidente: eu tenho o direito de exigir do Govêrno a garantia da vida e do sossego dos cidadãos.
Estranho o facto de o Sr. Presidente do Ministério aceitar, como acaba de o declarar, a minha moção, tanto mais que S. Exa. já havia dito que não a aceitaria.
Ao que parece S. Exa. mudou de opinião.
Não me satisfizeram as explicações de S. Exa. e por isso mando para a Mesa outra moção e peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se ela permite que esta minha moção substitua a que anteriormente enviei para a Mesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Consultada a Câmara, foi autorizada a substituição requerida.
A moção é a seguinte:
A Câmara dos Deputados, considerando que ao progresso da República é necessário o prestigio da fôrça pública;
Considerando que é ao Govêrno que principalmente incumbe promover por todos os meios aquele prestígio;
Considerando que foram insignificantes as explicações do Sr. Presidente do Ministério acêrca dos acontecimentos de sexta-feira e domingo últimos, passa à ordem do dia. - Joaquim Ribeiro.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (José Domingues dos Santos): - O Sr. Pedro Pita acusou me de eu não ter dito a verdade à Câmara. Eu digo sempre a verdade. Quando S. Exa. estava fazendo essa acusação, eu preguntei ao Sr. Ministro das Finanças, por cuja pasta corre o assunto, se não era verdade ter a moagem entrado com os 4:000 e tantos contos que deve ao Estado. O Sr. Ministro das Finanças informou-me então que a moagem caucionou.
Não entrou com aquela quantia. Caucionou-a. Ficou assim feita a devida rectificação.
Ainda outra rectificação tenho a fazer. O Sr. Joaquim Ribeiro estranhou que eu tivesse aceitado a sua moção.
Eu não a aceitei. Ao que parece S. Exa. não ouviu o que eu disse.
O que eu declarei foi que a doutrina que se continha na moção de S. Exa. tinha de ser votada por toda a gente e que, portanto, não me importava que ela fôsse votada.
Terminando, declaro que não aceito a moção que o Sr. Joaquim Ribeiro acaba de enviar para a Mesa.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. António Dias: - Requeiro a prioridade para a votação da moção do Sr. Agatão Lança.
Foi aprovada.
O Sr. Carlos Pereira: - Requeiro que a moção do Sr. Agatão Lança seja dividida em duas partes, por maneira a poder ser votada a saudação à fôrça pública.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se.
O Sr. Sá Pereira: - Requeiro votação nominal para a primeira parte da moção do Sr. Agatão Lança.
Foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada para a votação.
Procede-se à chamada.
O Sr. Presidente: - Disseram "aprovo" 65 Srs. Deputados; disseram "rejeito" 45 Srs. Deputados.
Está aprovada.
Vai votar-se a segunda parte.
Foi lida na Mesa e aprovada.
Disseram "aprovo" os Srs.:
Abílio Marques Mourão.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António Vicente Ferreira.
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44 Diário da Câmara dos Deputados
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia do Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartino Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Jose de Vasconcelos de Sousa Nápoles.
Juvenal Henrique de Araújo.
Lúcio de Campos Martins.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Mariano Martins.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Sebastião de Horédia.
Tomás do Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Disseram "rejeito" os Srs.;
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevodo.
António Alberto Torres Garcia.
António Correia.
António Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
António Resende.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Domingos Leite Pereira.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho de Amaral Reis.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João José Luís Damas.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
Joaquim Serafim de Barros.
José Cortês dos Santos.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel Alegre.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Pias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Vergilio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Câ-
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Mara sôbre se permite que eu retire a minha moção.
Foi permitido.
O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: requeiro autorização para retirar a moção que enviei para a Mesa.
Foi autorizado.
O Sr. David Rodrgues: - Sr. Presidente: peço também para retirar a minha moção.
Foi retirada.
O Sr. Presidente de Ministério e Ministro do Interior e da Marinha (José Domingues dos Santos): Sr. Presidente: fui informado de que a moção de desconfiança ao Govêrno acaba de ser aprovada.
Ficamos entendidos: a Câmara quere um Govêrno que esteja ao lado dos exploradores contra os explorados, a Câmara quere um Govêrno que espingardeie o povo.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - A próxima sessão é hoje, às 14 horas, com a seguinte ordem de trabalhos.
Antes da ordem do dia:
A de hoje.
Ordem do dia:
A de hoje, menos o negócio urgente do Sr. David Rodrigues.
Está encerrada a sessão.
Eram 3 horas e l5 minutos.
Documentos enviados para a Mesa durante a sessão
Declaração de voto
Declaro que rejeitei a primeira parte da moção do Sr. Agatão Lança, em virtude das declarações do Sr. Presidente do Ministério, pelas quais se conclui que da parte do mesmo senhor não foi praticado qualquer acto, nem teve intenção de o praticar, de menos consideração e respeito pela fôrça armada. - Albino Pinto da Fonseca.
Para a acta.
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério do Comércio, me seja enviada com a maior urgência uma nota de todas as verbas que foram distribuídas pela Administração Geral das Estradas e Turismo desde 6 de Julho a 21 de Novembro de 1924.
10 de Fevereiro de 1925. - Henrique Pires Monteiro.
Expeça-se.
O REDACTOR - Herculano Nunes.