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REPUBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 33

EM 19 DE FEVEREIRO DE 1925

Presidente o Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva

Sumário. - Respondem à chamada 47 Srs. Deputados.

É lida a acta, que é aprovada quando se verifica o número regimental.

Dá-se conta do expediente, que tem o devido destino.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Tavares de Carvalho rectifica algumas palavras que lhe foram atribuidas nos relatos dos jornais diários. O Sr. Baptista da Silva apresenta um projecto de lei. '

Ordem do dia. - Continua em discussão o debate político, usando da palavra os Srs. Álvaro de Castro, Agatão Lança, Carvalho da Silva, Lino Neto, Paiva Gomes, Joaquim Ribeiro, Abranches Ferrão e José Domingues dos Santos.

O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato, com a respectiva ordem do dia.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Projecto de lei - Requerimento.

Abertura da sessão às 15 horas e 45 minutos.

Presentes à chamada 47 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 43 Srs. Deputados.

Srs. Deputados que compareceram à abertura da sessão:
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Álvaro Xavier de Castro.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
António Alberto Torres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Martins de Paiva.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia Correia.
Germano José de Amorim.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Serafim de Barros.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
Lourenço Correia Gomes.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luis da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Mariano Martins.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Ventura Malheiro Reimão.
Virgílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Anibal Lúcio de Azevedo.
António Abranches Ferrã.
António Correia.
António Lino Neto.
António Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Feliz deMorais Barreira.
Francisco Coelho de Amaral Reis.
Henrique Sátiro Fropes Pires Monteiro.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Pereira Bastos.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinoh.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Aberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amaro Garcia Loureiro.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Duarte Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
Jorge de Vasconcelos Nunes.
José Carvalho dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

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José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leirão.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Bolero Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Valentim Guerra.
Vergílio da Conceição Costa.

Pelas 15 horas e 45 minutos, com a presença de 47 Srs. Deputados, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta é o seguinte

Expediente
Ofício

Do Ministério da Guerra, pedindo informação sôbre o pedido feito em ofício n.º 126 de 4 do corrente, para o Sr. Pires Monteiro, que se refere a sargentos com o posto efectivo, ou a graduados, isto é, músicos e artifíces, ou ainda a licenciados e na reserva.

Para a Secretaria.

Representação

Do Grémio Técnico Português, contra o projecto de lei que restringe o uso do vocábulo engenheiro, não aos que possuem cursos de engenharia de qualquer escola, mas apenas aos diplomados por determinadas escolas superiores.

Para a comissão de instrução especial e técnica.

Antes da ordem do dia

O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente: alguns jornais, certamente por os seus redactores não ouvirem bem o que eu disse, não traduziram fielmente as considerações que proferi na sessão de ontem.

Eu não me referi ao comandante da polícia nos termos em que êsses jornais noticiam.

Apontei a desigualdade de tratamento que houve da parte da polícia quanto à conferência do Sr. Amâncio de Alpoim, e à conferência na Liga Naval feita por monárquicos, em que se falou contra o regime e contra os homens da República.

Foi isto que eu disse.

O orador não reviu.

0 Sr. Baptista da Silva: - Sr. Presidente: quando foi da "traulitânia", Vila Real, Chaves e Mirandela foram assoladas pelas fôrças monárquicas; Mirandela repeliu três assaltos, e, com 200 homens, defendeu-se de 2:000, só capitulando, quando a resistência se tornou impossível.

Tam heróicamente se portou, que o Govêrno a condecorou com a Tôrre e Espada.

Um republicano, que se distinguiu nessa defesa, morreu, ficando a viúva com sete filhos, entre êles um dos combatentes, que foi nomeado aspirante interino da repartição de finanças, lugar que desempenhou com zêlo até 1923, data em que foi exonerado.

Não se compreende que se deixe na miséria um cidadão que tanto se esforçou pela defesa do regime.

Mando para a Mesa e peço urgência para um projecto em que pretendo remediar essa grave injustiça.

O Orador não reviu.

Foi aprovada a urgência.

Foi aprovada a acta.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: Continua em discussão o debate político.

O Sr. Álvaro de Castro: - Sr. Presidente: antes de entrar propriamente na apresentação da declaração ministerial e de cum-

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primentar o Govêrno, permita-me V. Exa. que eu me refira à impressão que causou na Câmara o abandono dos trabalhos parlamentares pelo Partido Nacionalista.

Não é agora ocasião, até mesmo pela ausência, dos membros dêsse partido, de fazer qualquer referência às palavras proferidas pelo seu leader, o Sr. Cunha Leal, mas desejaria demonstrar o êrro que S. Exa. cometeu em muitas das apreciações que fez. '

Apoiados.

O Govêrno constituiu-se dentro das formas constitucionais.

Apoiados. ,

O Sr. Presidente da República está acima das nossas críticas (Apoiados), e não precisa da nossa defesa, pois tem o aplauso de todo o País.

O Sr. Presidente da República procedeu constitucionalmente.

Dentro da amplitude dos seus direitos nomeou quem entendeu para presidente do Ministério, o qual terá ou não viabilidade, conforme a atitude da Câmara.

Podia muito bem, certamente, o Sr. Presidente da República orientar-se no sentido de chamar às cadeiras do Poder o Partido Nacionalista ou qualquer outro com representação menor nesta Câmara, mas estava sujeito a que o Parlamento se manifestasse contra a constituição dum tal Ministério.

Não era ocasião para chamar às cadeiras do Poder senão um Govêrno que representasse um conjunto de ideas e princípios similhante àquele que orientou os Governos últimos. O contrário, se se fizesse, seria absurdo.

É por isso que êste Govêrno, cuja organização foi perfeitamente constitucional, merece ,absolutamente o apoio do Grupo da Acção Republicana, e è por isso que êste lado da Câmara aprova a moção enviada para a Mesa, em nome do Grupo Parlamentar Democrático, pelo Sr. Almeida Ribeiro.

Sr. Presidente: eu vejo com desprazer que uma parte importante da representação desta Câmara se tenha afastado dos seus trabalhos, porque não eequeço que o Partido Nacionalista tem elementos de valor, cuja presença aqui e cujo conselho seriam úteis à confecção das leis que, discutimos e votamos. Pena é que não possamos por nós mesmos realizar qualquer acto que os reconduza aos trabalhos desta Câmara.

Mas acho também que o seu afastamento não pode de forma alguma determinar-nos a não dar o nosso apoio ao Govêrno, porque seria absurdo que um dos Poderes do Estado deixasse de exercer conscientemente a sua acção apenas porque uma das suas parcelas entendeu não comparticipar nela.

Sr. Presidente: vi, com prazer, o Sr. Vitorino Guimarães, velho republicano, assumir o encargo de constituir Ministério.

Tive ocasião, em meu nome e no dos amigos que nesta Câmara me acompanham, de apresentar a S. Exa. as minhas saudações e de lhe oferecer todo o auxílio para a constituição do seu Govêrno.

Tive ocasião de particularmente, e publicamente, ontem aqui dizer algumas palavras para explicar as circunstâncias que ocorreram e que determinaram que eu não pudesse ter falado antes de S. Exa., como era da praxe. Foram factos para os quais a minha vontade não concorreu, e que, portanto, não podem ser levados à conta de qualquer manifestação contrária ao Sr. Presidente do Ministério ou ao Govêrno que S. Exa. chefia, porquanto até esta hora os meus amigos não deram provas senão de quererem tornar tam fácil quanto posível a vida do Govêrno.

Ao Sr. Vitorino Guimarães e a todos os Ministros, entre os quais conto amigos e até correligionários, eu dirijo as minhas saudações e os desejos sinceros de que possam realizar as obras a que se propuseram.

São todos velhos republicanos, alguns figuras conhecidas já do Parlamento, com largos serviços como, Ministros em várias pastas. Creio que só dois não ocuparam ainda nenhuma pasta, mas são, no emtanto, bastante conhecidos pela Câmara, pelo seu trabalho parlamentar, para podermos esperar dêles uma acção condigna com o passado.

Sr. presidente: propôe-se o Govêrno actual, e expressamente foi dito pelo Sr. presidente do Ministério, continuar, em matéria económica e financeira, a obra que os Ministérios transactos quiseram realizar, e que êste Govêrno supõe poder levar a cabo durante o tempo que ocupar as cadeiras do Poder.

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O Grupo Parlamentar da Acção Republicana dá todo o seu apoio a essa política è deseja que ela seja realizada, sem violências, ó certo, mas com firmeza, defendendo os bons princípios dos Governos anteriores, e principalmente antepondo a tudo a defesa da República é o prestígio da autoridade, em todas as suas farinas concretas.

O Governo encontrará sempre da nossa parte um apoio sólido para todas as atitudes que tome e que julgue úteis à defesa e prestígio das instituições republicanas.

Vejo que, a par da energia com que o Sr. Presidente do Ministério se apresenta a defender esses princípios e essas ideas, S. Exa. nos mostra as possibilidades que a seu espírito já entevê de fàcilmente, dalguma maneira, fazer voltar ao bom caminho aqueles que dêle se afastaram.

As ideas do Govêrno são já conhecidas da maior parte da Câmara, e, portanto não merecem certamente referência especial.

Estão certamente de acôrdo comigo todos os Parlamentares em que o problema dos tabacos precisa ser discutido, pelo menos na futura, Câmara, em 1926, de forma a dar-se-lhe solução.

É da maior importância sob o ponto de vista financeiro e económico.

Não tenho dúvida, em poder afirmar duma maneira geral que o Parlamento, os govêrnos e a maior parte das pessoas que têm tratado do assento, vêem com prazer que sé estabeleça o regime da liberdade.

É um problema a debater na Câmara.

Os que pretendem o regime livre dá exploração imaginam que essa, liberdade há de produzir uma deminuição enorme do preço.

O consumidor pensa assim. É natural. É êste o ponto que luz aos olhos de todos que desejam êsse regime.

Mas parece-me que essa orientação não será fácil de admitir-se no regime da liberdade.

Apoiados.

O Estado precisa de receitas; e na verdade deve receber receitas maiores pelos impostos dos tabacos. Imposto justo, imposto que é dado alargar até ao máximo.

Digo isto sendo um fumador, e pensando já nas sérias consequências das minhas palavras.

Mas digo-o com a certeza de que é justa esta receita para o Estado.

É a contribuição de um vício, e ato servirá para chamar os portugueses à realidade dos factos.

Quanto ao problema dos fósforos, é conveniente o Govêrno pensar que o contrato termina em Abril deste ano.

Pouco tempo há para discutir este problema.

É um assunto muito melindroso, e que, na altura em que os trabalhos se encontram, o projecto que está na comissão de finanças carece de novos elementos para a Comissão se poder orientar.

Não podia deitar de chamar á atenção do Govêrno e do Sr. Ministro das Finanças, especialmente, para este problema, que é grave.

Não tem o mesmo aspecto do dos tabacos.

Apoiados.

O problema dos fósforos é diferente, porque as fábricas são particulares, pertencem à companhia que explora actualmente essa indústria.

Carece de ser estudado largamente este problema, de maneira, que possa entrar em vigor o novo regime em Abril.

Estou inteiramente de acôrdo com as ideas do Sr. Ministro das finanças sôbre esta matéria, nas suas linhas gerais.

Creio que fácil será à Câmara acompanhar-nos neste ponto de vista.

Desejave que as relações entre o Estado e as companhias que venham a fabricar fósforos se estabeleçam de uma maneira mais real e efectiva, para que do aumento das receitas das empresas exploradas fôsse compartilhar o Estado mais eficazmente.

Sr. Presidente: o problema a que o Sr. Presidente do Ministério se refere na sua declaração ministerial, e que diz respeito à convenção com o Banco de Portugal; de 1922, encontra-se infelizmente numa situação de posição já tomada.

Tive ocasião de dizer ao Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças que Grupo da Acção Republicana tinha tomado uma atitude em relação à modificação da convenção de 1922, que desejaria ver respeitada.

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S. Exa. falou-me em emendas para a Mesa, e fez uma declaração em resposta, creio, ao Sr. Carvalho da Silva, no sentido de demonstrar que da modificação que se propunha à convenção de 1922 não resultava aumento de circulação fiduciária, e que nesse sentido aceitaria todas as emendas que fossem, enviadas para a Mesa.

Não era a objecção maior que a Acção Republicana devia fazer à reforma da convenção de 1922: o aumento de circulação fiduciária que dela podia resultar; era à própria mecânica que se ia estabelecer.

Esta convenção, que não é mais do que uma central de divisão com outro nome, é um instituto que funciona dentro do Banco de Portugal, mas é para todos os efeitos uma central de divisão, como as que existem em todos os países que pretenderam fazer a estabilização da sua moeda.

Ora é um êrro alterar-se uma mecânica, que podemos dizer perfeita, porque, realmente, só há mecânicas dentro da nossa administração pública que possam ser perfeitas, quanto o consentem os fenómenos financeiros que pretendem regular, uma delas é a nossa convenção com o banco emissor.

Assim, os países que tinham uma central de divisas com uma mecânica diversa da nossa, viram-se obrigadas a ir para um regime igual ao daquela convenção.

Ora, se nós fomos para êsse regime, deixando o anterior, por o julgarmos imperfeito, porque é que agora pretendemos ir novamente para êste?

O defeito capital, pois, que, eu encontro nessa modificação é positivamente
êste.

Não sei se o Sr. Ministro das Finanças proporá quaisquer alterações neste sentido.

E não quero deixai de fazer estas objecções, que não são todas as que podia fazer, porque, tendo-as feito ao Sr. Ministro das Finanças, pessoalmente, não poderia deixar aqui de esclarecer esta situação, porque, embora tratando-se de uma medida meramente administrativa, poderia parecer estranha a alguém que amanhã eu pudesse divergir da opinião do Govêrno a êste respeito.

Mas não importa isto, evidentemente, ao apoio ao Govôrno, à sua orientação e às medidas que aqui apresentar, porque procuraremos sempre moldar a nossa posição no sentido de lho dar.

Desejo também chamar a atenção do Sr. Presidente de Ministério e Ministro das Finanças para factos que se estão dando e que são muito graves.

Refiro-me ao espírito de desperdício que novamente está invadindo todas as repartições publicas, parecendo que o Pais está já a nadar em dinheiro.

Há leis em Portugal que determinam que os lugares públicos não sejam preenchidos por pessoas que não pertençam ao funcionalismo público, que não sejam adidos. Essas leis estão em vigor, mas têm sido desrespeitadas!

Apesar de o Sr. José Domingues dos Santos, ex-Presidente do Ministério, não consentir em nomeações contrárias a essas leis, a verdade é que algumas nomeações têm sido feitas fora das condições impostas pelas leis que regulam tal matéria.

Com surpresa até para S. Exa. foram preenchidos lugares extintos e nomeadas pessoas, estranhas ao funcionalismo para lugares existentes. E digo com surprêsa, porque se arranjou esta cousa curiosa que me parece inconstitucional e ilegal - não afirmo porque não estudei bem o assunto - de as administrações fazerem nomeações e enviá-las directamente ao visto do Conselho Superior de Finanças, em vez de as remeterem pelo respectivo Ministério, única entidade que pode entender-se directamente com o Conselho Superior de Finanças.

Foi por este motivo que o Sr. Presidente do Ministério, e ao mesmo tempo Ministro do Interior do Govêrno transacto, não pôde ter conhecimento dêsses factos. Só mais tarde chegaram ao seu conhecimento por comunicação feita por pessoa estranha aos serviços públicos.

Sr. Presidente: esta parte, que respeita à forma que se empregou para legalizar as nomeações, é, sem dúvida, de alguma importância, mas fica a perder do vista à face da questão financeira. Esta é que principalmente interessa. É preciso que todos conservem ainda o mais rigoroso espírito de economia!

Estou convencido de que o Sr. Ministro das Finanças é o primeiro a prègar a favor dêsse espírito de economia.

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Quero também proferir algumas palavras. Sôbre a questão da selagem.

Não, obstante; as resoluções tomadas esta questão, conserva a gravidade da primeira hora.

É justo pronunciar palavras de simpatia para com os industriais que estão prontos a cumprir a lei do sêlo. Muitos têm-me comunicado ser êsse o seu propósito, mas vêem-se impossibilitados de o fazer por dificuldades da parte dos comerciantes.

Esses industriais pedem que se permita, tanto quanto possível, fazer a aposição; do selo na origem. Praticando-se assim - dizem - já o comércio não faria a greve que hoje está fazendo contra o consumidor e contra o industrial, pois obteria os produtos já selados.

Já afirmei quero Sr. Ministro das Finanças, em face de leis já aqui votadas, pode modificar o mecanismo da tributação e, portanto, S. Exa. fará, por certo as modificações que entenda para a mais fácil e proveitosa aplicação da lei da selagem; a fim de acabar uma questão que é prejudicial para todos.

Seria a vergonha do Parlamento e de todos os Governos republicanos que o Orçamento deste ano não viesse realmente equilibrado nas suas contas. Não há nenhuma razão fundamental de ordem económica ou de ordem económica ou de ordem financeira que possa permitir ou justificar o contrário.

Apoiados.

Nós temos o direito e o dever de impor a todos os portugueses e cumprimento das leis tributárias.

Apoiados.

É no exacto, e pronto cumprimento dessas leis que reside a segurança não só da economia do Estado, mas, também da economia particular. E só assim poderemos actuar pràticamente, no sentido do embaratecimento da vida, porque todas as medidas de que lançamos mão não têm passam, como não têm passado aqui, de medidas ilusórias, meros expedientes sem alcance e sem eficácia.

No dia em que o Estado tiver equilibrado o seu Orçamento, do preço do escudo poderá manter-se numa divisa determinada, e, então, o embaracimento; da vida surgirá sem esfôrço nem violência.

Mantenho ainda êste pensamento que poderá ser comezinho, mas que é o de uma boa dona de casa: equilibremos o nosso Orçamento.

Apoiados.

Todos os países fizeram uma política semelhante à nossa política de tentar equilibrar o Orçamento.

E não quero, a propósito, deixar de citar - não à Câmara, mas àqueles que encarniçadamente combatem as medidas tributárias, afirmando que o País, não suporta o peso de tais medidas - o caso bem flagrante da República Austríaca, país com um número de habitantes e uma área sensivelmente iguais aos nossos.

A Áustria atravessou ainda há pouca uma formidável crise. Basta dizer, para bem traduzir o desespêro a que chegou êsse povo, que, durante o movimento comunista que estalou nesse país em 1922, aqueles que tinham vindo para a rua, em revolta, se contentava em levar para casa um pedaço de cavalo morto na refrega.

E o que fez a Áustria para se colocar na situação em que hoje se encontra? Fez uma obra de sacrifício que poderá, ser considerada incomportável para nós.

O imposto de transacção, por exemplo, de 1923 para 1924, rendeu a mais em 1923 qualquer cousa como 200:000 contos da nossa moeda!

O Sr. Velhinho Correia: - O imposto de transacção sobre os artigos de luxo é de 12 por cento!

O Orador: - Fez-se depois, é certo, uma grande redução de despesas, sendo despedidos para cima de 50:000 funcionários públicos. Mas é bom, não esquecer que dessa redução resultou uma economias à la longue, que pouca influência exerceu no Orçamento, visto que a êsses funcionários foram estabelecidas pensões vitalícias que foram até 90 por cento dos vencimentos anteriores.

Interrupção do Sr. Mariano Martins que não serviu.

O Orador: - O encarregado da Sociedade das Nações junto do Govêrno austríaco foi a primeira pessoa e neste caso autorizada e competente - a fazer a declaração de que a presente situação da Áustria era mais o resultado das enormes

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sobrecargas fiscais lançadas pelo Estado, do que a consequência da compressão de despesas.

Era isso que eu queria afirmar, porque em Portugal diz-se aos Governos, diz-se aos republicanos, proclama se por toda a parte: comprimam-se primeiro as despesas!

Não é assim! Paguem primeiro o que não pagaram, que nós comprimiremos as despesas conforme pudermos.

Apoiados.

Não há casa comercial ou industrial que repentinamente faça o milagre da diminuição das suas despesas.

Basta pegar nos relatórios dessas casas, para se encontrar logo as objecções, as críticas feitas pelos seus sócias ou por aqueles que têm qúaisquer interêsses nelas. A mesma cousa dizem sempre: reduzam as despesas!

O facto, porém, é que o equilíbrio dos Orçamentos, a que me estou referindo o que tem interesso momentaneamente pelo paralelismo dos seus fenómenos, não foi só com as medidas de compressão do despesas que se realizou.

O déficit da Áustria era de cêrca de quatro vexeis o nosso. Seguiu se ali a política dá estabilização da sua moeda.

Eu estou certo também - o afirmo-o com a maior convicção - que o Sr. Ministro das Finanças é das pessoas que entendem, que noa, não precisamos para equilibrar o nosso Orçamento de nenhum empréstimo externo.

Apoiados.

Seria até absurdo obtê-lo. Temos: a obrigação de fazer como aqueles que queimavam os navios por não poderem retirar. Emquanto não tivermos o nosso Orçamento equilibrado, ninguém nos empresta um pataco!

Não queiramos assumir a responsabilidade da vergonha de andarmos pela Europa inteira a pedir um auxílio que sistemàticamente nos será negado!

Quando pudermos dizer aos nacionais e aos estrangeiros que a nossa moeda é um valor estável, nesse dia não precisaremos, de pedir a ninguém.

A Áustria; que estava na situação que apontei, viu operar-se êsse fenómeno. Nós veremos imediatamente escudos acorrerem aos depósitos dos Bancos: e a situação do Estado modificada para melhor.

Se o Ministro das Finanças tem tido facilidades em pagamentos, é porque as libras que se transformaram em escudos correram para o Ministério das Finanças, para a Caixa Geral dos Depósitos.

O regresso dós capitais deu-se imediatamente. Se qualquer Ministro das Finanças que ali se sente, o actual ou qualquer outro, fizer uma convenção com o Banco de Portugal no sentido de que êste banco não entregue nem uma só nota para pagamento das despesas do Estado ao Ministério das Finanças, êsse Ministro terá por certo a confiança pública. Mas é preciso para isso que êsse Ministro tenha as mãos à vontade, para poder tentar semelhante passo com o Banco da Portugal.

É preciso sacrifícios; porque o País que agora tem movimentos do rebelião ante êles, mais tarde há-de agradecer-nos até.

Apoiados.

Se o Ministro das Finanças não tiver recursos, como há-de ocorrer à satisfação das despesas públicas? Há-de recorrer nos escudos desvalorizados que manda imprimir no Banco de Portugal.

Mas não será mais legitimo e melhor a primeira solução do que esta, pela qual o Estado manda imprimir mais notas?

O País tem de optar ou pela desvalorização do escudo ou pelo imposto. E se efectivamente o País não corresponder aos desejos do Sr. Ministro das Finanças, dando-lhe os recursos para ocorrer ao pagamento da" despesas do Estado, não serei eu quem o condene, porque o Sr. Ministro das Finanças não tem possibilidade de semear dinheiro em qualquer quinta. S. Exa. há-de pedir ao Banco que adiante e êste só tem um meio: imprimir.

Apoiados.

Falo assim com entusiasmo, Sr. Presidente, porque sei que às minhas palavras encontram um eco no coração republicano, no passado de financeiro ilustre do Sr. Vitorino Guimarães.

Sei que êle vai realizar uma obra, com uma intenção altamente, patriótica, com o sentimento das oportunidades, aquela polítíca de gentilhomem, aquela acção de homem de pensamento e de intelecto audaz que sabe bem medir as concessões que faz, sem desprestigiar o Poder Executivo e com vantagem para o Estado.

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Sr. Presidente: termino ás minhas considerações renovando os meus cumprimentos ao Govêrno da presidência do Sr. Vitorino Guimarães, desejando a todos os seus elementos que tenham no fim, do seu mandato - quando houver de ser o fim - a plena consciência do dever cumprido. Nós os acompanhamos com o nosso sentimento de republicanos, com o respeito pela sua obra quererá a obra de todos nós, que lutamos pela República!

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Agatão Lança: - Sr. Presidente: em obediência às praxes parlamentares, começo por ler a seguinte moção que vou mandar para a Mesa:

Moção

A Câmara dos Deputados, repeliado absolutamente as injustificáveis acusações de ter protegido exploradores contra explorados e do haver admitido que a fôrça pública possa servir para espingardear o povo, lamenta o uso de tais processos e passa à ordem do dia. - Agatão Lança.

Admitida.

Sr. Presidente: propositadamente pedi a palavra só nesta altura do debate, propositadamente pedi a palavra só depois do ter falado o Sr. Vitorino Guimarães, ilustre Presidente do Govêrno.

Não podia deixar de desenvolver as considerações que vou fazer o que estão resumidas no espírito desta moção, ante a apresentação do novo Governo. A atitude do Grupo Parlamentar Democrático, do partido a que (há pouco é certo) eu tenho a honra ao pertencer, foi marcada dentro desta Câmara pelo meu ilustre correligionário, a quem presto as minhas homenagens, o Sr. Almeida Ribeiro.

A mim, modesto e apagado soldado dêste partido, cumpre também apresentar as minhas saudações ao Govêrno que vejo sentado naquelas cadeiras. Sem desprimor para ninguém o muito menos para os ilustres membros dêsse Govêrno, sem eu querer entrar na apreciação do seu programa, permita-me V. Exa., visto que sou daqueles que não esquecem a sua qualidade, quando lá fora, embora aqui apenas se lembrem de que são Deputados.

Eu abro uma excepção para dirigir as minhas saudações ao ilustre Ministro da Marinha, sentindo me ao mesmo tempo feliz e orgulhoso por ver que êste Govêrno conseguiu, pôr à frente daquela pasta, que tam importante para a defesa nacional, um dos mais ilustres, competentes e valorosos oficiais da corporação a que S. Exa., neste momento preside.

Apoiados.

Estar à frente da pasta da Marinha o Sr. Pereira da Silva é ter-se a certeza absoluta de que S. Exa. prosseguirá na política naval que iniciou no Govêrno do Sr. Álvaro de Castro e que depois continuou no gabinete de Sá Rodrigues Gaspar.

Além da sua competência, temos também de prestar homenagem ao seu espírito disciplinado e disciplinador, e temos assim a certeza de que S. Exa. vai pôr todo o valor da sua inteligência e dos seus muitos conhecimentos ao serviço da corporação a que me honro de pertencer, ao mesmo tempo que ela procurará certamente evitar que alguém, seja quem fôr, se imiscua no meio dos seus membros, que são também filhos do povo, para explorar o sentido da célebre frase dos exploradores contra os explorados".

Dito isto, Sr. Presidente, vou fazer algumas ligeiras e simples considerações para explicar o sentido da moção que tive a honra de enviar para a Mesa.

Afigura-se-me, Sr. Presidente, que as pessoas que acompanharam os últimos debates parlamentares e as pessoas de boa fé, de espírito alto, de alma limpa ou de consciência bem pura que tenham tido conhecimento do que ultimamente aqui se tem passado nesta casa do parlamento, fazendo através dos seus juízos a apreciação que cada um de nós merece, não poderão estranhar que eu procurasse marcar a minha posição num documento que ficará registado nos boletins parlamentares.

Apesar de já se encontrar na Mesa uma moção para ali enviada pelo ilustre leader do Partido Nacionalista, o Sr. Cunha Leal, visando os mesmos princípios e os mesmos fins do que a minha, não será para estranhar, repito que eu, que marquei uma posição em defesa do

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prestígio da fôrça pública, pela razão que lhe assistia, também venha agora marcar uma posição na defesa da instituição parlamentar, a que tenho a honra e o orgulho de pertencer, e do bom nome de todos que aqui se sentam.

Eu desejo que fique bem gravada a posição que quero voluntariamente tomar, para que se não atiro sôbre o Parlamento da República Portuguesa o labéu de que numa hora de agitação e de confusão, a altas horas da madrugada em que, porventura, se tinha perdido aquela serenidade necessária e em que se pronunciaram palavras que a todos nós atingiram, tivesse consentido que só desprestigiasse a fôrça pública.

Não pode passar sem o meu mais veemente protesto o facto de se ter aqui afirmado, em plena Câmara, e levado em letras gordas para os jornais, que a Câmara dos Deputados desejava um Govêrno que se pusesse ao lado dos exploradores contra os explorados e que praticasse a desumanidade de mandar espingardear o povo pelas fôrças da Guarda Republicana.

Apoiados.

Não, Sr. Presidente, é preciso que, de uma, vez para sempre, marquemos posições.

A guarda nacional republicana, o exército, a marinha, a guarda fiscal e a polícia, são corporações que são constituídas por homens do bem, por filhos do povo que vestem uma farda para que sôbre ela recaia a glória que se conquista na defesa da Pátria e da República; tendo ao mesmo tempo o dever de assegurar a manutenção da ordem pública, que é absolutamente necessária para o prestígio da República e até da própria nacionalidado.

Apoiados.

Não, Sr. Presidente, não poderemos, pelo menos sem o meu protesto, deixar ficar pendente sôbre o Parlamento essa afirmativa.

Eu, Sr. Presidente, não estou aqui para servir interêsses inconfessáveis ou para satisfazer ambições de qualquer ordem. Estou aqui apenas pelo amor que tenho à República e à Pátria, e, por isso, quero, Sr. Presidente, um Govêrno que administre bem, que se saiba impor a todas as classes, sabendo, ao mesmo tempo, colocar cada classe no seu devido respeito à lei, à República e ao Poder Executivo.

Eu quero crer, Sr. Presidente, que as próprias pessoas que, aplaudiram essas frases não mediram bem o alcance que elas poderiam ter, não só contra nós, mas até mesmo contra os próprios que as aplaudiram.

Sr. Presidente: essas frases são absolutamente condenáveis porque nos podem trazer, a nós todos, horas sangrentas e dias bem negros para a Pátria e para a República.

Eu, Sr. Presidente, que não sou pessoa que ponha nas minhas palavras o mais pequeno vislumbre de ódio pessoal, eu que não tenho dentro do meu coração a mais pequenina parcela de ódio - mas que pelo contrária encerro dentro dele um amor puro e elevado por esta República - não quero, não posso admitir a hipótese que a Câmara dos Deputados se deixe de pronunciar sôbre um labéu infamante e injusto, que, a ser verdadeiro, nos impossibilite de continuar aqui a representar a Nação.

Sr. Presidente; é demasiadamente conhecido da Câmara e do público, a celeuma, a agitação e politiquice, que em volta dêste caso se tem feito.

Não é, portanto, necessário produzir longas e fastidiosas considerações, para esclarecer o pensamento e quem quer que seja.

A Nação, nesta hora, tem formado, o seu juízo, e da a todos nós julgará.

Mas o que desejo, Sr. Presidente, é que sôbre a moção que mandei para a Mesa, que não traduz qualquer rancor ou ódio pessoal, as que apenas tem o intuito de levantar de sôbre os representantes do povo êsse labéu infamante e injurioso que todos conhecem, recaia uma votação, porventura a unanimidade dos votos da Câmara.

Estou certo de que o próprio Sr. Presidente do Ministério, militar brioso e parlamentar distinto, não deixará de lhe dar o seu voto, e, seja qual for a atitude de S. Exa. há-de guiar sempre os seus passos, com os olhos postos na República e na Pátria, e não deixará de se indignar tanto como eu me indignei.

Assim, Sr. Presidente, realizando-se uma votação da Câmara, acabar-se há com êste trocadilho que anda de boca em

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boca, de que uns estão pelo lado do exploradores contra os explorados e do que outros estão do lado dos explorados contra os exploradores.

É em virtude dêstes processos, que se têm dito em pasquins cousas tremendas, e o que me dói é que êles sejam impressos em tipografias de republicanos, em tipografias de órgãos republicanos que porventura ajudamos a sustentar.

Ah! Sr. Presidente! Eu sei que em muitos dêsses pasquins se tem dito que os Deputados que votaram a moção de desconfiança ao Govêrno transacto estão vendidos a companhias e que pelos domicílios foram distribuídas acções dessas emprêsas.

Mas, Sr. Presidente, êsses homens que venham diante dó nós, face a face, frente a frente, fazer essa afirmativa.

Vamos fazer um exame à nossa vida particular é, pública, vadios confrontar o nosso passado político e patriótico, com o dos outros, tirem-se folhas corridas, e façam-se inquéritos rigorosos, e então se saberá, quem são os republicanos e patriotas que sempre têm defendido a República, e que, jamais, admitirão que se lance sôbre a sua honra estas bolas de lama a calúnia que são a representação digna das suas almas de sevandijas.

Sr. Presidente: antes de terminar as minhas considerações, quero referir-me ao abandono dos trabalhos parlamentares pelos Deputados nacionalistas.

Da outra vez em que êsse abandono teve lugar, como Deputado independente que era, tive ocasião de manifestar nesta Câmara o meu modo de ver, sôbre as graves consequências que êsse facto podia ter.

Hoje, coerente com o meu passado e com os meus princípios, quero ainda, como Deputado democrático que sou, dizer a V. Exa. e à Câmara, que, hoje como ontem lamento, o afastamento do Partido Nacionalista dos trabalhos da Câmara.

É um facto que pode ter graves consequências políticas, embora algumas pessoas vejam só perigos quando são afectados directamente.

Para mim afigura-se-me que é muito delicada a situação política que atravessamos, dado o lugar, o segundo da República, que êsse partido tem.

Eu faço votos sinceros para que voltem aos seus lagares os parlamentares nacionalistas e que para isso se encontre uma fórmula.

Digo isto com os meus sentimentos democráticos e do bom republicano. Faço votos ardentes para que ràpidamente voltem à Câmara.

Apoiados.

Sr. Presidente: a situação tem de melhorar para o prestígio da Répública e salvação do País.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O orador não reviu.

Leu-se e foi admitida a moção do Sr. Agatão Lança.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: a moção do Sr. Agatão Lança levou-me a pedir a palavra para disser que já o meu querido amigo Morais Carvalho tencionava apresentar uma moção de desconfiança, redigida pouco mais ou menos nos termos da moção do Sr. Agatão Lança.

S. Exa. lamentou as afirmações feitas pelo Sr. Domingues dos Santos quando Presidente do Ministério e o Sr. Vitorino Guimarães, actual Presidente do Ministério no acto da posse colectiva do Govêrno, fez considerações das quais se depreende a sua solidariedade com as afirmações feitas pelo chefe do Govêrno anterior.

Nestas condições a moção do Sr. Agatão Lança é uma mação de desconfiança ao actual Govêrno.

O Govêrno actual segue a mesma orientação do Govêrno anterior.

O Sr. Presidente ao Ministério esqueceu se de todas as reclamações que lhe foram apresentadas sôbre vadias medidas do Govêrno anterior.

Uma delas; a que mais feriu á consciência pública, foi a que criou nos bancos lugares com vencimentos chorados, para mais fàcilmente se impedir que os particulares governem aquilo que é seu.

É isso mesmo que o Sr. Presidente do Ministério quere, mas ainda mais desenvolvido do que o seu antecessor.

É com isto que não concorda um País que ainda não se confessou num estado de bolchevismo.

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As palavras do Sr. Presidente do Ministério, juntas aquelas que foram proferidas pelo Sr. Álvaro de Castro, constituem para o País um perigo gravíssimo.

Ainda irá dias o velho e honrado republicano Jacinto Nunes dizia que não podia compreender, que um republicano sincero pudesse deixar de protestar contra aquilo que certos republicanos chamam a republicanização da República.

Mas; Sr. Presidente, a República é apenas o interêsse do meia dúzia de pessoas.

Também o Sr. Presidente do Ministério afirmou que a Associação Comercial só tinha revoltado contra os Poderes Públicos, mas essa afirmação vem desacompanhada do qualquer facto concreto, e isto porque seria impossível apontar qualquer facto que justificasse o sou encerramento.

A Associação Comercial estaria, de facto, fora da uma lei estatutária se não defendesse os seus associados, agravados pelos últimos decretos, porque tem nos seus estatutos consignada a defesa dos interêsses dos seus associados.

Eu pregunto ainda: porque é que o Govêrno rasgou os contratos existentes entre o Estudo e os bancos emissores?

Porque foi?

Porque a moral republicana é apenas ter subjugados aos seus pés toda a gente sem possibilidade de defesa!

Eu preggunto: porque não se mencionam no relatório do Banco de Portugal a contra partida do ouro em cambiais existentes?

Não poderá o Sr. Ministro das Finanças dizer qualquer cousa a êste respeito?

O Sr. Cunha Leal há dias dizia nesta casa do Parlamento que era do 1:800.000 libras a importância de cabiais adquiridas pelo Banco de Portugal à sombra da convenção de 29 de Dezembro de 1922. Se assim é, quere isso dizer que o Estado tem em poucos meses, pelo fundo de maneio de cambiais, um prejuízo de 170:000 contos.

Eu pregunto, ao Sr. Presidente do Ministro e Ministro das Finanças se é verdade que o Estado tem ou não êste prejuízo. E se não é êste, qual é êle?

O Sr. Velhinho Correia: - Não é verdade haver êsse prejuizo!

O Orador: - Então qual é?

O Sr. Velhinho Correia: - As contas não podem ser feitas assim. Isso é uma maneira desleal de operar. Eu responderei a V. Exa.

O Orador: - As contas podem ser feita B num instante. E preciso saber apenas isto: é qual é a importância das cambiais à data existentes no Banco de Portugal.

O Sr. Velhinho Correia: - Não sei mais nada do que está no relatório.

O Orador: - Então V. Exa. não pode falar.

O Sr. Velhinho Correia: - O que sei é que as receitas que o Estado hoje cobra, com a libra a 100$, não são as mesmas que o Estado cobrara com a libra a 150$.

São 200:000 contos do benefício que a melhoria cambial trouxe ao Estado.

O Orador: - Não diga V. Exa. isso, não queira confundir as questões.

Perguntei a V. Exa. qual é o prejuízo do fundo de maneio, e V. Exa. não soube ou não quis responder-me.

É isso que se oculta.

A lei obriga a semestralmente serem publicadas as contas do fundo de maneio, o todavia das há dois anos não são comunicadas ao País.

Porquê?

Porque se ocultam elas?

Naturalmente para encobrir os prejuízos que existem.

Pois o Banco de Portugal, por um processo que merece toda a nossa censura, oculta-nos também no seu relatório essas contas.

O Banco do Portugal, não devia ceder às imposições de ninguém para fazer isso.

O Sr. Velhinho Correia: - V. Exa. o que não pode esquecer é isto: e que se por um lado há prejuízos na liquidação da conta do maneio, por outro lado, há a contrapartida dos benefícios resultantes da melhoria cambial.

O Orador: - Eu e toda gente que ama êste país, queremos uma melhoria cambial.

O Sr. Velhinho Correia: - Não parece!

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O Orador: - Queremos uma melhoria cambial, mas com garantias de segurança o da verdade, e não, uma melhoria cambial que traga as perturbações gravíssimas que esta trouxe, com crises de trabalho e um maior custo de vida para o consumidor.

Mas, disse-se e afirmou-se, e eu gostava que o Sr. Presidente do Ministério desmentisse êste facto, que o Govêrno, contra ,as disposições claras e expressas da Convenção de 29 do Dezembro de 1922, tendo necessidade do dar uma aparência de legalidade às suas contas com o Banco do Portugal, se tinha permitido mandar para ali um cheque em substituição de cambiais que lá não existiam, pelos prejuízos que tinha havido pelo fundo de maneio.

Não me admira que assim seja, porquanto entramos no regime dos cheques falsas.

E até algum dos Srs. Ministros anteriores, como o Sr. Plínio Silvo, talvez pudesse esclarecer a Câmara a êsse respeito.

O regime dos cheques falsos consiste nisto, por exemplo: E preciso acertar as contas da Companhia dos Caminhos do Ferro Portugueses, porque se não paga o imposto de trânsito ao Estado.

O Estado diz-lhe: "pague o imposto de trânsito".

A companhia diz: "só pago o imposto de trânsito quando me paguem a mim a importância que me devem; não tenho dinheiro para lhes pagar".

Mas, a certa altura, resolve a Companhia pagar, mas com um cheque falso sôbre a Caixa Geral de Depósitos.

É aceito êsse cheque, e por sua vez com êle vai pagar ao Estado o, imposto que lhe deve.

Resultado: o prejuízo do cofre geral das receitas do Estado, porque os Caminhos de Ferro do Estado, vem afinal a ficar, por esta manobra, com uma parte do imposto pertencente à receita geral.

Entra-se, portanto no regime dos cheques falsos; não admira que o Govêrno tenha procurado regalar a sua situação com alguns cheques verdadeiramente falsos mandados para o banco...

Interrupção do Sr. Pinto Barriga que não se ouviu.

O Orador: - V. Exa. que está tam bem informado, podia dizer à Câmara, e até o Sr. Plínio Silva, que está ouvindo, o que sabe....

O Sr. Plínio Silva: - Tinha de fazer um discurso para lhe explicar o caso.

Com duas palavras só, não é fácil.

O Orador: - Tenho muito prazer em ouvir V. Exa.

S. Exas. que não contestam, é porque o facto é verdadeiro.

Mas não há duvida: o facto é verdadeiro, o cheque é que é falso.

Estamos portanto, repito, no regime dos cheques falsos, e com a confissão das pessoas que tiveram conhecimento do caso.

Sr. Presidente: - mas tratando ainda do Banco do Portugal, desejo que o Sr. Ministro das Finanças faça o favor de me responder a uma pregunta que tem a maior importância.

O Estado parece-me que acaba de ser defraudado numa importância espantosa.

Sabe V. Exa. que, por um decreto do Sr. Álvaro do Castro, depois repetido não sei só pelo Sr. Daniel Rodrigues, foram abertos créditos na importância, de milhares de contos para compra de acções do Banco do Portugal.

Êste facto e gravíssimo, Sr. Ministro.

Tenho aqui a lista dos accionistas do Banco do Portugal, e vejo que a Fazenda Nacional tem apenas 250 acções!

Então onde estão, os milhares de contos que pelo referido dcreto foram levantados para compra de acções?

Onde é que estão elas, Sr. Presidente do Ministério?

A Fazenda Nacional foi evidentemente defraudada em importância considerável.

O Sr. Presidente do Ministério tem de esclarecer êste assunto, porque o País tem de o saber.

O Sr. Brito Camacho: - V. Exa. dá-me licença?

Os créditos foram utilizados ou autorizados?

O Orador: - Utilizados na importância, creio, de 8 a 9:000 contos.

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O Sr. Velhinho Correia: - A relação está certa!

O Orador: - Êste é um documento oficial.

250 acções!

Repito: a Fazenda foi defraudada em muitos milhares de contos.

Há-de resolver-se êste caso, hoje mesmo aqui!

O País tem de saber em que estão os milhares de contos gastos.

Pouco mais considerações farei.

Antes de terminar, quero apresentar o meu protesto contra as afirmações do Sr. Álvaro de Castro.

S. Exa. tinha pedido a palavra sôbre a ordem.

Parece que devia mandar para a Mesa a sua moção; porém S. Exa. fez desaparecer a sua moção e parece que nem já S. Exa. tem confiança no Govêrno - o Govêrno que apareceu aqui já morto!

A moção de Sr. Almeida Ribeiro, é uma moção de confiança ao Sr. Presidente da República; já do Sr. Agatão Lança é de desconfiança ao Govêrno, ao pobre Govêrno!

O Srs. Deputados da maioria: levante-se alguém por caridade e mande para a Mesa uma moção do confiança ao pobre Govêrno!

Vejam se o salvam!

O Sr. Paiva Gomes: - Vou eu fazer-lhe a vontade!

O Orador: - Então vamos ver isso.

Agora não é difícil!

Se o quorum fôsse de quatro Deputados, teríamos um empate.

Se fôsse de cinco, teria o Govêrno uma maioria de três votos.

Risos.

Mas, Sr. Presidente, dizia eu há pouco que me queria referir a afirmações do Sr. Álvaro de Castro.

Disse S. Exa. que quere o Orçamento dêste ano equilibrado.

Quando S. Exa. pôr processo seu, por plano seu, diz que quere equilibrar o Orçamento, é de fugir porque o déficit orçamental deve aumentar de maneira espantosa.

O Sr. Álvaro de Castro elevou ao dôbro a taxa dos emolumentos consulares e esqueceu-se de que é sempre perigoso esticar a corda demais, o que deu em resultado que êsses emolumentos consulares rendem hoje monos que dantes.

O Sr. Álvaro de Castro: - V. Exa. está mal informado. Êsses emolumentos rondem hoje muito mais do que anteriormente.

O Orador: - Mas não rendem 56:000 contos mais, como V. Exa. dizia.

Sr. Presidente: o Sr. Álvaro de Castro foi para o Pôrto, para uma conferência, afirmar que se devia ao seu plano financeiro a melhoria cambial, cantando grande vitoria pelos resultados da sua obra.

Basta ler o relatório do S. Exa. para vermos como êle procurou deminuir o déficit orçamental.

Em primeiro lugar pensou em reduzir as despesas-ouro do Estado, e para isso achou um processo fácil de o fazer - processo, aliás, que ocorre a qualquer indivíduo e que não demanda grandes qualidades de estadista - êsse processo foi o de não pagar a quem devia, reduzindo os juros dos títulos da dívida interna.

Em seguida foi às receitas e transformou-as todas pelo seu quantitativo em ouro.

Desta forma o déficit seria tanto menor quanto mais só agravasse o câmbio.

Quando o câmbio chegasse a zero o Orçamento estaria equilibrado.

O Sr. Álvaro de Castro não fazia a mais leve idea de que o câmbio pudesse melhorar.

E tanto assim que, pelo decreto de 3 de Julho, o portador de títulos da dívida externa hoje recebe mais do que receberia só S. Exa. não tivesse publicado o decreto. É isto verdade ou não?

O Sr. Álvaro de Castro: - V. Exa. está em êrro. Não podia supor, porque na verdade a minha ideia não era melhorar o câmbio.

O Orador: - Ora ainda bem que V. Exa. o confessa. Então, para que foi dizer o contrário para o Pôrto?

O Sr. Álvaro de Castro: - Não disse tal. Disse, apenas, que todos os factores

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por mim empregados nos podiam levar a isso.

O Orador: - É quási a mesma cousa; mas V. Exa. acaba de declarar que nunca pensou em que o câmbio melhorasse. É bom, portanto, que, isto se saiba pára que lá fora se não diga que os traidores é que não queriam que o câmbio melhorasse.

Isto, porém, foi apenas una incidente, e para terminar quero apenas dizer que o Sr. Álvaro de Castro se engana também quando afirma que é pelo aumento de impostos que a situação cambial há-de melhorar. Toda a gente sabe que os impostos exorbitantes, como os actuais, só fazem aumentar a desconfiança, e que esta só leva à emigração de capitais.

Assim, não é pelo aumento dos impostos que o câmbio pode melhorar, muito pelo contrário.

Também não posso deixar passar sem protesto a Afirmação do, Sr. Álvaro de Castro de que o aumento de impostos faz diminuir o custo de vida.

Dando agora por terminadas as minhas considerações, e declarando, que voto a mação do Sr. Agatão Lança, porquê ela é de desconfiança ao Govêrno, espero a resposta do Sr. Presidente do Ministério e chamo a atenção de S. Exa. para êste facto gravíssimo: é que o País precisa de saber onde param os milhares de contos gastos com a compra de acções do Banco de Portugal, porque êste no seu relatório faz figurar o Estado apenas com 250 acções.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Agatão Lança (para explicações): - Sr. Presidente: pedi a palavra para explicações quando estava a falar o Sr. Carvalho da Silva, para repetir mais uma vez à Câmara algumas das primeiras afirmações que fiz há pouco, quando tive a honra de enviar para a Mesa a minha moção.

Eu frisei então, e friso novamente para que não se desvirtue o significado da minha moção, que pedi a palavra naquela altura, propositadamente, depois de ter falado o Sr. Presidente do Ministério, para que se não pudesse procurar tirar a menor ligação entre a minha moção, com as considerações que fiz à Câmara, e ao actual Govêrno. Nada tem realmente à minha moção com, o actual Govêrno; á minha moção representa apenas aquilo que as suas palavras dizem, sem qualquer espécie de habilidade política.

O Sr. Carvalho da Silva: - V. Exa. dá-me licença? V. Exa. censura determinadas palavras, e como o Sr. Presidente do Ministério disse que não havia razão para as censurar, e concordou até com elas, V. Exa. censura ipso facto o Sr. Presidente do Ministério.

O Orador: - Eu devo dizer a V. Exa. que não ouvi aqui, nem sei que S. Exa. o tivesse feito em qualquer parte, o Sr. Presidente do Ministério repetir as palavras que eu condeno na minha moção.

O Sr. Carvalho da Silva: - Mas se as tivesse dito, a moção de V. Exa. era também de censura à S. Exa.

O Orador: - Eu estou no campo das realidades; e não no das hipóteses.

Existe uma acusação contra é Parlamento, e a minha moção não visa o actual Govêrno, mas apenas repele o labéu que se lançou sôbre a Câmara dos Deputados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Lino Neto: - Começo por dar as boas vindas ao novo Govêrno, do qual fazem parte amigos e colegas no foro português, a quem eu muito prezo e admiro.

Um facto se deu nesta Câmara que eu desejo que não fique sem repares por êste lado da Câmara; quere referir-me à saída da minoria nacionalista. Quero afirmar o meu pesar, porque os parlamentares nacionalistas eram os mais activos desta Câmara.

Passando a considerar a declaração ministerial, eu vejo, por algumas das suas palavras, que se pôs de parte a velha fórmula de que a Lei da Separação devia ser imposta e cumprida tal como foi gerada.

Esta fórmula é mais suave, é mais leal, é mais séria.

Sôbre o ponto de vista económico registo a declaração do Govêrno de que mo-

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dificará alguns dos aspectos do último decreto sôbre a função bancária.

Sôbre o ponto de vista político ou verifico que o Govêrno procura manter a ordem dos espíritos e a tranquilidade no País.

Bem sei que as declarações ministeriais são apenas um enunciado do problema que não comportam uma realização imediata, mas nos seus tópicos sinto que a declaração ministerial deve agradar ao País. Isto não significa um apoio ao Govêrno, pois apenas o terá dêste lado da Câmara só conseguir manter a tranquilidade e a ordem pública, respeitando também as crenças religiosas da grande maioria do País.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: é claro que não vou, falar para receber o Govêrno. Pertenço a que grupo da Câmara que tem os seus leaders, que já em seu nome falaram.

Assim, se alguma cousa tivesse que dizer a tal respeito, seria para me associar inteiramente às palavras já proferidas por S. Exas.

Sou, porém, chamado à tela da discussão por algumas palavras proferidas pelo Sr. Álvaro de Castro quando aludiu, às nomeações dos administradores de concelho.

É certo que algumas nomeações se têm feito e têm sido visadas pelo Conselho Superior de Finanças, à sombra da lei.

Como representante da Câmara junto do Conselho Superior de Finanças, julgo-me obrigado a prestar, a propósito de tais palavras, algumas declarações e a fornecer alguns esclarecimentos.

Têm sido visadas as nomeações feitas porque a lei n.º 1:344 estabelece, que o Govêrno proceda à redução dos quadros, assim como, igualmente, estabelece, no seu artigo 7.º, que as disposições impeditivas cessem desde que a redução dos quadros esteja feita.

Mas o, que é certo e ao mesmo tempo singular é que, por via de regra, os desejos do Poder Executivo em fazer reduções não são atingidos, não duvidando alguns Ministros em manter, através de tudo os seus despachos contra a opinião do Conselho de Finanças. Isto coloca, por vezes, as duas entidades em conflito, conflito de que só pode resultar desprestígio para a governação pública.

Só há uma maneira de nos entendermos: é a de cada um se colocar no seu lugar, fazendo o mais que pode e sabe para honra do regime. Infelizmente isso nem sempre se dá e daí a invasão de poderes, e daí - vá lá o têrmo já tam usado e estalado - a ditaduras que alguns fazem como lhes dá na gana.

Os casos têm sido tam curiosos, que um há que eu me permito, com a devida do V. Exas., tratar desde já, chamando para êle a atenção do Sr. Ministro das Colónias, porque realmente é muito estranho.

Trata-se, Sr. Presidente, duma questão, e, porventura mesmo, o Sr. Ministro das Colónias, que exerceu um determinado cargo, aliás com muito brilho e com muito lustre, talvez o conheça já.

Trata-se do caso de um funcionário que, bem ou mal, foi esbulhado do seu lugar, e, que tendo recorrido para o tribunal respectivo, lhe foi dado provimento ao recurso.

Parece-me que, em tal caso, deveria ser reposto no seu lugar. E assim se fez.

Mas, pergunto eu: e o funcionário que estava, parece-me, legitimamente a exercer o lugar, qual foi o destino que lho foi dado?

Evidentemente que deveria voltar à situação anterior, mas tal n3o sucedeu, e êle foi simplesmente mandado passar à situação de adido.

Adido a que? Não pode ser, Sr. Presidente.

Apoiados.

O Sr. António Maria da Silva (interrompendo): - A situação de adido sempre foi interpretada como a de um indivíduo pertencente a um quadro que está excedido.

O Orador: - Evidentemente.

Mas êste caso vem apenas à colecção e para demonstrar o pouco cuidado que há na elaboração do decretos ou despachos.

Era apenas isto que ou tinha a dizer a V. Exa., visto que a mim me não cabe entrar no assunto da apresentação do Govêrno.

O orador não reviu.

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O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sr. Presidente: primeiro que tudo felicito o Sr. Vitorino Guimarães por ter organizado Ministério, e, de S. Exa. espero que será uma futura garantia da ordem pública, e no que respeita à pasta das Finanças, tenho confiança na sua obra, visto que já tem demonstrado, por várias vezes, a sua competência.

Sr. Presidente: o Govêrno que antecedeu êste caiu porque não dava garantias de ordem pública.

Foi um Govêrno que, naquele lugar, e com a maioria parlamentar garantida, tomou atitudes e praticou actos que, de um momento para o outro, o fizeram sair daquelas cadeiras.

É curioso que, tendo obtido o Govêrno, dias antes, uma maioria de 40 votos, êsse mesmo Govêrno procedesse de maneira a ter de sair daqui com uma minoria de 20 votos.

Explica-se isto pelo facto de aquele Govêrno ter procedido inábilmente, e, até a meu ver, anti-patriòticamente.

Sr. Presidente: acima de tudo há a considerar o problema da ordem pública, e esta, desde que a República se implantou, nunca mais se manteve como era necessário que se mantivesse.

Sr. Presidente: a razão pura e simples por que nós retirámos o nosso apoio ao Govêrno foi porque, tendo êle apresentado um programa, comprometendo-se executar uma obra bem republicana, tomou depois atitudes que comprometiam a ordem pública, e que até pareciam querer visar o próprio Parlamento.

As manifestações contra as autoridades constituídas, que o Govêrno não se atreveu a demitir, as queixas injustas que se fizeram contra a fôrça armada e contra o operariado que nesse momento não se encorporou na manifestação, as queixas contra os polícias que o Sr. comandante da polícia judiciosamente tinha retirado para local distante do percurso da manifestação, e que eram aqueles que habitualmente prendiam bombistas, tudo isto é manifesto.

Até, Sr. Presidente, se afirma que muitos dos homens que andavam a monte por crimes praticados estavam ao serviço da Polícia de Segurança do Estado!

Isto é preciso dizer-se, Sr. Presidente.

Apesar de vivermos e pugnarmos por um ideal avançado, não podemos pactuar com o crime.

Apoiados.

Portanto, cumprimentando o Sr. Vitorino Guimarães, estou bem certo de que êle, um velho republicano, cheio de serviços prestados à Pátria e à República, será o primeiro a bem garantir os direitos de liberdade dos cidadãos, aquela liberdade que a todos deve ser respeitada igualmente.

Apoiados.

Sr. Presidente: o Govêrno do Sr. Vitorino Guimarães tem muito que fazer além da ordem pública.

Tem de restaurar as finanças, e para isso, conta com o apoio da Câmara.

Não sou pelas oligarquias lá de fora, e eu sou insuspeito, porque fui dos primeiros a bramar contra os seus ataques, qualquer cousa parecida com o Sidónismo e Pimenta de Castro.

Nós, os republicanos, temos de defender a República, trabalhando, fazendo uma obra que se impunha a amigos e inimigos, mas essa obra deve ser feita dentro da ordem, progressivamente.

Apoiados.

Ao exército devo dizer que, se se sentiu atacado por qualquer palavra dita nesta. Câmara, ou por qualquer interpretação errada que foi dada a essas palavras, êle é acima de tudo uma fôrça organizada, para a defesa da Pátria e da República.

Sr. Presidente: sem dívida, é o problema financeiro aquele que o Sr. Vitorino Guimarães vai encarar com a competência que todos me reconhecem.

Mas um problema, porventura bem mais grave, o problema colonial, se apresenta, e eu espero que o Govêrno, que à, frente da pasta das Colónias tem um homem de grande nome, olhará para essa questão com carinho e desvelo.

Apoiados.

O Sr. Ministro das Colónias tem passado grande parte da sua vida nas colónias, tem um nome ilustre, como militar e como governador colonial, e estou certo de que enfrentará êsse problema com a maior atenção, especialmente, no que diz respeito a Angola.

Apoiados.

Para terminar devo dizer a V. Exa., Sr. Presidente, que não enviei para a Mesa,

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no início das minhas considerações, qualquer moção, porque não pedi a palavra sôbre a ordem, mas faço o agora.

A moção é a seguinte:

A Câmara, afirmando que jamais teve o propósito do colocar-se ao lado dos exploradores contra os explorados, nem o de atribuir à fôrça pública a função de espingardear o povo, passa à ordem do dia.

Sala das Sessões, 19 de Fevereiro de 1925. - Joaquim Ribeiro.

Tenho dito.

Foi lida na Mesa e seguidamente admitida a moção do Sr. Joaquim Ribeiro.

O Sr. Abranches Ferrão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para em meu nome e no de alguns Deputados independentes que se encontram agrupados, dirigir as minhas saudações ao Govêrno.

Preside a êle uma individualidade republicana, que pelos seus serviços prestados à Pátria e à República constitui sólida garantia de que saberá manter na governação pública as mesmas qualidades que tem demonstrado no desempenho de outros altos cargos.

Nestas circunstâncias, os Deputados independentes que se encontram agrupados apresentam as suas saudações ao Sr. Presidente do Ministério, e às altas figuras de que S. Exa. soube rodear-se.

No tocante, propriamente, à sua situação perante o Govêrno, sob o ponto de vista político, êles aguardam os actos do Govêrno, para serenamente os apreciarem, criticando-os ou apoiando-os, conforme a êsses Deputados pareça que êles servem os altos interêsses, da República, ou não.

Sr. Presidente: não entro na apreciação detalhada da declaração ministerial.

Em todo o caso não quero deixar passar sem reparo dois pontos que se me afiguram de certa importância.

O Sr. Presidente de Ministério, no tocante à reforma bancária, parece que está disposto a introduzir-lhe algumas modificações.

Sr. Presidente: eu já tive ocasião de dizer nesta Câmara, quando se discutiu a reforma bancária, que achava absolutamente indispensável que o Estado exercesse nos bancos uma fiscalização muito mais enérgica do que aquela que tem sido adoptada, especialmente naqueles que têm ligações especiais com o Estado.

Dadas estas afirmações, eu desejaria que o Sr. Presidente do Ministério dissesse à Câmara, visto brevemente realizarem-se eleições no Banco de Portugal, se entende que o decreto deve ser aplicado tal como está, ou se deve sofrer primeiro quaisquer modificações, tanto mais que o Estado possui grande número de acções naquele Banco.

Permite-me ainda chamar a atenção do Sr. Ministro da Instrução para algumas medidas que pelo seu ilustre antecessor foram tomadas na gerência dessa pasta, e às quais ainda não tive ensejo de me referir, porque S. Exa. raras vezes vinha à Câmara, infelizmente, pelo seu estado de saúde.

O Sr. Helder Ribeiro, quando Ministra da Instrução, modificou a legislação no tocante às escolas primárias superiores, e ainda ao número dos liceus centrais. Depois veio o Sr. Ministro da Instrução do Govêrno transacto, que repôs as
cousas na situação em que primitivamente se encontravam, a meu ver com grave prejuízo para o Estado e para o ensino,

O Sr. Ministro da Instrução está disposto a manter o que está, ou quere faz alguma modificação?

Pessoalmente, estou confiado em que o Sr. Presidente do Ministério saberá defender a República, mas com a cautela necessária, para não estabelecer a desarmonia entre os republicanos.

É esta a minha esperança, e aguarda os actos do Govêrno para os apreciar com inteira liberdade de acção.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Sr. Presidente: reservei-me um pouca para o fim por várias razões. Entre elas, devo dizer, predominou no meu espírita esta: é que. pelas considerações feitas pelo Sr. Cunha Leal e pelas dos vários oradores que se lhe seguiram, eu tive a impressão de que ainda era eu o Presidente do Ministério.

Pode dar-se por satisfeito o Sr. Vitorino Guimarães, porque ninguém opôs objecções à declaração ministerial que o seu Govêrno apresentou à Câmara. O que

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preocupou os legisladores foi a acção do Govêrno anterior, que, proclama vam defunto, mas tam mal morte que julgaram necessário mais algumas sessões de protesto para o acabar de matar.

Não quero trazer a esta discussão nenhuma nota discordante. Depois que saía o Partido Nacionalista desta casa parece-me que estamos todos em família. Quero apenas trazer ao debate parlamentar umas ligeiras considerações, que são sempre necessárias para se firmar uma posição.

Pode o Sr. Presidente do Ministério contar com a cainha lealdade, com a minha dedicação, êle e os seus correligionários.

Não é por cumprimento pessoal que lhe faço esta declaração. Estou, a seu lado porque S. Exa. prometeu, continuar uma política que eu iniciei. Estarei tanto mais perto do seu Govêrno quanto, mais estreitamente êle viver com os ideais que preconizo.

Eu não faço cumprimentos pessoais; não costumo fazer êsses cumprimentos; tenho vindo por toda a vida fora de cabeça alta e muitas vezes ao arrepio de toda a gente, mas preciso sempre definir situações. É preciso que todos olhem para mim sabendo para onde vou e o que eu quero.

A política que eu fiz foi sincera, clara e levantada, Detesto aquela política de habilidades, em que, tanto faz inclinar os políticos para os radicais como para os conservadores, conforme as conveniências de momento.

Apoiados.

Depois, Sr. Presidente, em volta duma frase que proferi no Terreiro do Paço fez-se uma campanha torpe e atiraram-me essas frases, como pedras, para me derrubarem, esquecendo-se de que eu tinha aqui um fauteuil de Deputado e que estava aqui um homem que tinha vida e tinha coragem de lhes atirar com essas mesmas pedras. Não se lembraram que a arma com que me feriram tinha dois gumes e que ela viria a voltar-se contra quem pretendera ferir-me.

Apoiados.

Os que me disseram essas frases e assim procederam contra mim hão-de ter remorsos durante toda a sua vida política.

Apoiados.

Êste seu acto há-de ficar-lhes amarrado a toda a sua vida, como a grilheta ao tornozelo do condenado. Êste, já depois de cumprida a pena ainda por vezes supunha que a grilheta lhe ousava. Assim sucederá aos homens do conluio torpe que me derrubou.

Diversos àpartes.

Sr. Presidente: são me absolutamente indiferentes as apreciações que façam as minhas palavras.

Tudo o que eu entendo que devo dizer di-lo-hei com absoluta serenidade, através de toldos os comentários que me queiram fazer.

Já aqui eu fui apodado do epiléptico e de energúmeno; e contudo, Sr. Presidente eu não conheço ninguém adentro desta Câmara que tenha uma maior serenidade ao que eu, e perante todas as tempestades, eu não conheço ninguém que seja capaz de dominar os seus nervos como eu domino os meus.

Eu tenho visto essas pessoas, que me chamam epiléptico e energúmeno, muitas vezes em atitudes, descompostas e sem finalidade.

Há dois anos eu vi, pela primeira vez, o Partido Nacionalista, em atitudes furiosas e descompostas, sair desta sala prometendo e, jurando que não mais voltaria aqui.

Eu disse nesse momento umas palavras aproximadamente iguais às que estou agora pronunciando.

Passaram-se meses e eu vi que essas pessoas, que, me chamam epiléptico e energúmeno, vieram pedir que se lhes arranjasse ponte de passagem para voltarem à Câmara.

Eu é que sou o epiléptico, e energumeno; êles possivelmente é que são as pessoas sensatas!

Durante o meu Govêrno, em certa altura, porque se publicou um decreto que não foi pôsto à aprovação individual de cada uma das pessoas que compõem êsse lado da Câmara, jurou-se-me guerra de morte, e no dia seguinte; depois de esgotados todos os meios para derrubar o meu Ministério, assistimos ao espectáculo de algumas pessoas, batendo desordenadamente nas carteiras a ponto de ameaçarem destruí-las, jurarem que aqui ninguém mais trabalhava.

Afinal passaram-se uns dias, essas pes-

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soas reconsideraram o voltaram novamente aqui para discutir, sem mais partirem carteiras.

Sou eu o energúmeno! Mas êles é que tomavam atitudes que no dia seguinte punham de parte.

Ninguém podia governar mais com o Parlamento. As minorias haviam tomado conta da Câmara, Negócios urgentes sôbre negócios urgentes, procurando assim esmagar o Poder Executivo.

Mas um certo dia aparece aqui um Ministro que se impôs para que entrasse imediatamente em discussão a proposta sôbre o fundo de maneio, e a Câmara, calculando os propósitos da minoria, acabou por votar consoante os desejos do Ministro.

Mas eu é que sou o energúmeno e êles as pessoas superiores e inteligentes!

Depois disso, a propósito de uma frase que eu proferi - e repetirei quantas vazes forem precisas, porque cada dia estou mais convencido de que proferi as palavras convenientes e precisas - procurou-se e conseguiu-se derrubar e meu Govêrno.

Constitui-se o Ministério do Sr. Vitorino Guimarães e quando tudo indicava que lhe fosse feito pelas oposições um combate sem tréguas, combate prometido desde que o novo Govêrno aceitasse o defendesse a política do Gabinete transacto, eis que as oposições abandonam os trabalhos parlamentares, batendo em retirada.

Mas eu é que sou o energúmeno e êles as pessoas inteligentes!

Êste ligeiro raciocínio que eu quis pôr perante a Câmara vem como resposta àqueles que têm facilidade em proferir palavras violentas e para lhes dizer que não é a injúria a melhor forma de convencer.

Eu li algures - não me lembro já onde - que a injúria é a eloquência de quem não tem eloquência, o talento do quem não tem talento.

Eu não costumo pronunciar palavras violentas, mas costumo afirmar sempre com decisão, energia e segurança os meus pontos de vista. Não quero ofender ninguém. Quando quiser ofender sei fazê-lo directamente, tomando as respectivas responsabilidades.

Não quero, porém, que me tirem o direito de fazer as afirmações políticas que eu entenda dever fazer, visto que é para isso que ou sou político e ocupo êste lugar.

Há pouco, notei uma estranha agitação em volta de umas palavras por mim proferidas. Não havia razão para tal.

As palavras que pronunciei reproduziram uma verdade, verdade histórica que há-de ter oportunamente a sua confirmação.

Eu caí porquê?

O meu Govêrno caiu porquê?

Logo no primeiro dia em que se iniciou õ debate que derrubou o Governo transacto, eu preguntei: mas, afinal, de que me acusam?

Era legítima a pregunta.

Responderam-me: o senhor tem de cair porque afirmou no Terreiro do Paço que na lata entre explorados o exploradores o Govêrno estava ao lado dos explorados, e que a fôrça pública não servia para espingardear o povo. O senhor provocou a luta da classes.

Mas eu progunto: não há na nossa terra uma luta do classes de exploradores contra explorados?

Se não há, temos que o anunciar ao mundo inteiro para que todos saibam quê somos um País privilegiado.

Creio, porém, que, desde que existem homens sôbre a terra sempre tem existido a luta dos que oprimem com os oprimidos.

Luta entre os que oprimem e os que são oprimidos! Mas isso é das mais remotas origens da história. Pois quê!? Não vemos nós, nas mais distantes lutas de classes, a luta entre escravos e senhores?

Não vemos nós depois, na própria Roma, a luta entre a plebe e os patrícios?

E não vemos que o fundo dessa luta se resumia afinal nesta cousa simples?: explorados a um lado, exploradores a outro.

Apoiados.

Depois, pela Idade Média fora, não vemos nós a mesma luta?

Que é toda essa luta da Idade Média entre senhores feudais e servos da gleba, senão uma luta entre explorados e exploradores?!

Que vemos nós na revolução francesa, senão ara eco triunfante das classes que tinham vivido oprimidas até então?

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Não vemos nós que nessa luta o primeiro gesto do povo foi ir queimar a Bastilha, fortaleza até onde então eram encerrados os oprimidos?

Não vemos, depois, na Rússia, essa luta cruenta e sangrenta entre aqueles que tudo possuíam e os que nada tinham, entre os que tudo podiam e os que apenas tinham a liberdade de ir para a Sibéria, apenas porque tinham ideas que proclamavam?

Que é êsse conflito permanente senão a luta entre explorados e exploradores?

Mas, se em Portugal não há; explorados nem exploradores, ah!, somos um País feliz, então!

Vamos apregoar isso em todos os Jornais, para que os estrangeiros venham todos para aqui.

Não procuremos, porém, iludir-nos: em Portugal, como em toda a parte, há uma luta secular entre explorados e exploradores, que não acabará tam cedo.

Apoiados.

Há homens que, fazem fortunas em seis meses, emquanto outros passam a vida inteira a trabalhar, para irem morrer no catre dum hospital.

Há homens que andam pelas ruas, quási sem saberem ler o escrever, enxovalhando-nos com a lama dos seus automóveis e ofuscando-nos com o luxo das suas amantes, emquanto há outros que vivem sem ter que dar de comer aos seus filhas.

Não é isto uma verdade!?

E então o Governo de uma democracia não pode afirmar que estará ao lado dos explorados contra os exploradores!?

Apoiados.

Então porque, me acusaram!?

Cada um assume a responsabilidade das suas palavras e dos seus actos; eu assumo-a também, porque amanhã como sempre, eu, afirmarei que estou ao lado dos explorados contra os exploradores:

Apoiados.

Sr. Presidente: há muita gente ofendida porque eu disse no Terreiro do Paço, em seguida a uma desordem que lá houve, provocada não sei por quem, que a força pública não servia para espingardear o povo.

E diz-se agora: a frase é justa, o momento é que não foi oportuno para a dizer.

Eu digo desde já: diz-se agora, mas não se disse isso desde a primeira hora.

Apoiados.

Quem levantou esta questão nesta Câmara foi o Sr. coronel David Rodrigues, e eu ainda tenho nos meus ouvidos as palavras que lhe ouvi:

"Se fosse o comandante da fôrça atacada à bomba teria mandado à minha força que fizesse fogo ao centro do alvo, para poupar munições".

Como Chefe do Govêrno e como republicano, teria de repelir essa afirmação, que é uma afronta aos sentimentos republicanos.

Apoiados.

Sr. Presidente: assim, como Presidente do Ministério, afirmei que o Govêrno tinha opinião diversa da que foi afirmada pelo Deputado interpelante e secundado por muitos Deputados.

Derrubaram-me?

Que importa?

Voltarei ao Govêrno, não por favor de V. Exa., mas pelo favor do povo.

Apoiados.

O Govêrno estava no intuito sincero de realizar uma obra republicana.

Nunca procurei fazer valer os meus pergaminhos republicanos.

Quando ouço afirmar em todos os tons que se é republicano a propósito dos mínimos incidentes, lembro-me logo da situação dos homens da minha terra, que, por vezes, ao atravessarem os pinhais, sentindo medo dos ladrões ou de qualquer fantasma, vão por entre os pinhais gritando:

"Eu não tenho medo. Eu não tenho medo!"

Os homens que, a propósito de tudo, gritam o seu republicanismo, fazem-no para desviar atenções; o acto que estão praticando não é próprio de republicanos.

Sr. Presidente; as palavras que proferi deram motivo a uma votação contrária ao Ministério a que presidia.

Foram, porém, tomadas depois como bandeira pela população de Lisboa, não em número de 10.000, como falsamente

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se afirmou, mas em número muito superior:

"Não queremos nenhum Govêrno que esteja ao lado dos exploradores. Não queremos nenhum Govêrno que se sirva da fôrça pública para espingardear o povo".

Isto quizeram êles afirmar nessa manifestação.

Mas eu estou no meu direito de preguntar: porque me derrubaram então?

Apoiados.

Não tinham outro meio de derrubar o Govêrno, não tinham competência para demonstrar que as medidas que êsse Govêrno havia trazido ao Parlamento não eram as melhores, as mais necessárias para a salvação da Pátria e da República?

Então tenho de dizer perante o País, porque tenho que defender-me, que me derrubaram perante uma habilidade de momento, porque não tinham fôrça para me derrubar perante a obra que tinha a realizar.

Apoiados.

Sr. Presidente: quero fazer justiça a todos.

Não está aqui ninguém que seja capaz de defender a doutrina de que os Governos hão de estar ao lado dos exploradores contra os explorados.

Não está aqui ninguém que seja capaz de defender a tese de que a fôrça sirva para espingardear o povo.

Mas tenho então de afirmar que o Govêrno caiu perante um cilada adrede preparada, servindo reservados intuitos, e não os interêsses da República.

É preciso contar com os homens, com a sua inteligência, e não supor que é fácil derrubá-los ao primeiro pretexto que apareça, supondo que êles são estátuas inertes, incapazes de demonstrar e afirmar depois perante o País a injustiça de que foram vítimas.

Apoiados.

Não supunham êsses homens que é fácil sufocar as palavras de um homem que tudo vem sacrificando para prestigiar a República.

Tenho vindo pela vida fora espalhando ideas, e hoje, mais do que nunca, sinto-me com uma fôrça, com uma vontade enorme de as realizar.

Essa é a fôrça que me há de levar às cadeiras do Poder.

Estou ao lado do Sr. Vitorino Guimarães porque S. Exa. pretende realizar o meu programa.

Faço-lhe essa justiça, porque sei que S. Exa. não é capaz de estar agarrado às cadeiras do Poder, que não solicitou, senão pela verdade das suas palavras.

Mas, pregunto eu, a que vem tudo isto?!

É que as moções que aparecem na Mesa, depois de o meu Govêrno ter caído, são ainda moções de desconfiança ao Govêrno que passou!

Isto é inédito na vida política portuguesa.

Mas estas moções não me aquecem nem me arrefecem, porque sou uma pessoa que está na disposição de continuar ainda através da guerra mais desenfreada a vida política dentro da República, e tendo feito uma experiência inútil com êste Parlamento, julgo absolutamente improfícuo tentar segunda vez.

Assim, não voltarei a ser Govêrno com êste Parlamento.

De forma que V. Exas. podem estar tranquilos.

Podem votar nova moção de desconfiança, que não me perturbam; podem votar nova moção de confiança, que não me entusiasmam.

Perante êste Parlamento, continuarei a pôr, se me fôr possível, os meus pontos de vista com a mesma e absoluta intransigência que tendo tido até aqui.

Não tenho nenhuma espécie de intransigência com os homens, mas tenho-a, absoluta, perante os meus princípios.

Sr. Presidente: porque tive essa intransigência, porque não quis explicar nada além daquilo que estava no meu pensamento, porque não quis ceder um passo no caminho que tinha traçado, porque não quis transigir um ápice na senda que havia marcado, caí.

Agora que caí, não me importa absolutamente nada com as opiniões de quem quer que seja.

Continuarei o meu caminho, dizendo a verdade, afirmando aquelas verdades republicanas que já a tantos parece terem esquecido, ainda mesmo àqueles que do tempo da propaganda vêm.

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Continuarei afirmando o propósito em que estou, e a convicção que tenho, de que esta República, para viver, tem de se apoiar no povo, nesse povo cuja existência V. Exas. parecem desconhecer.

Eu tenho o crime de ter chamado à actividade da política o operariado português, sim.

Eu posso ser acusado de ter sido defendido por vezes na Batalha, o jornal do operariado português.

Recebo essas acusações com inteiro prazer (Apoiados), de cabeça alta, olhando para V. Exa. sem um estremecimento.

Apoiados.

Nunca fui ao jornal A Batalha, e o meu maior orgulho é de ter conseguido juntar o povo trabalhador, que êsse jornal representa, em volta de uma obra republicana.

Senhores: querem desconhecer que quem fez a República não foram as fôrças vivas da Associação Comercial, não foram os homens da ordem, a que constantemente se refere o Sr. Carvalho da Silva, mas sim êsses homens de pé descalço e mão calosa, que fizeram a escalada de Monsanto, essa mole de operários que foram a Belém dizer ao Sr. Presidente da República que não compreendiam a razão porque o Govêrno caía.

Senhores: quem fez a República foi essa mole de gente que V. Exas. têm tratado a chicote.

Apoiados.

Quero neste momento, mais do que nunca, afirmar as virtudes da administração republicana que eu fiz, e mais uma vez afirmar a minha simpatia por essa legião de trabalhadores que de norte a sul vêm constituindo a garantia da República, e afirmar a minha simpatia pelo povo trabalhador, porque é entre êle que está a riqueza de Portugal!

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã à hora regimental, com a mesma ordem de trabalhos:

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 33 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Projectos de lei

Dos Srs. Vergílio Saque e Jaime de Sousa, autorizando a Câmara Municipal do concelho de Vila do Pôrto a vender baldios, aplicando o produto a captação, canalização e abastecimento de águas à vila.

Do Sr. Tôrres Garcia, concedendo à Câmara Municipal de Miranda do Corvo uma casa denominada "Casa da Guarda", para alargamento da via pública.

Do mesmo, autorizando a Câmara de Miranda de Corvo a vender baldios para despesas com a adaptação da antiga residência paroquial a escolas e residência de professores.

Do Sr. Alfredo Rodrigues Gaspar e mais 10 Srs. Deputados, dividindo em secções de voto as assembleas eleitorais de Lisboa e Pôrto.

Para o "Diário do Governo".

Dos Srs. Delfim Costa e Baptista da Silva, nomeando João do Amparo Baptista aspirante do quadro da Direcção Geral das Contribuiições e Impostos.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de finanças.

Para o "Diário do Governo".

Requerimentos

Requeiro que pelo Ministério da Marinha seja fornecida urgentemente a esta comissão, e para estudo da proposta de lei n.° 651-M, da iniciativa dos Srs. Ministros da Marinha e Finanças, uma nota detalhada em que se indique anualmente e por capitanias de porto e artes de pesca qual a receita bruta realizada com a venda de peixe, imposto de pescado e progressivo pagos ao Estado, e bem assim as verbas que anualmente têm sido concedidas às diferentes artes de pesca para despesas de exploração.

A nota a fornecer deve ser desde o início da cobrança do imposto progressivo até à data do último ano cobrado.

Sala das sessões da comissão de pescarias, 19 de Fevereiro de 1925. - O secretário da comissão, Jaime Pires Cansado.

Expeça-se.

O REDACTOR - Herculano Nunes.

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