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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
SESSÃO N.° 41
EM 10 DE MARÇO DE 1925
Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal
Secretários os Exmos. Srs.
Baltasar de Almeida Teixeira
Jaime Pires Cansado
Sumário. - Respondem à chamada 40 Srs. Deputados.
É lida a acta e dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Tavares de Carvalho declara que aguarda as providências ministeriais com respeito à carestia da vida.
O Sr. Viriato da Fonseca trata dos vencimentos em débito aos oficiais da marinha mercante.
Responde o Sr. Ministro do Comércio (Ferreira de Simas).
O Sr. Nuno Simões troca explicações com o Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva), sôbre um incidente ocorrido com o intendente do Ibo.
O Sr Carneiro Franco produz considerações acerca dum inquérito ao recrutamento de serviçais em Angola e Moçambique, apreciando depois o lançamento de direitos em ouro sôbre os géneros coloniais.
Responde o Sr. Ministro das Colónias, seguindo-se o Sr. Carlos de Vasconcelos, faro, explicações.
É posta em discussão a acta.
É aprovada.
O Sr. Carvalho da Silva requere a contraprova, que confirma a votação.
Ordem do dia. - Continua a discussão da proposta de lei n.º 854, sendo admitida a moção do Sr. Tôrres Garcia, apresentada na sessão da véspera.
Usa da palavra sôbre a ordem o Sr. Jaime de Sousa.
É lida e admitida a sua moção.
O Sr. Nuno Simões requere que se realize amanhã uma sessão nocturna, para se concluir a discussão da proposta de selagem.
Sôbre o modo de votar usam da palavra os Srs. Morais Carvalho e Presidente do Ministério g Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães).
É aprovado o requerimento.
Continua depois a discussão do parecer n.° 854, usando da palavra o Sr. Álvaro de Castro.
Antes de se encerrar a sessão. - Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva e Presidente do Ministério.
O Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte para o dia imediato, com a respectiva ordem do dia.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Pareceres.
Abertura da sessão às 15 horas e 33 minutos.
Presentes à chamada 40 Srs. Deputados.
Entraram durante a sessão 40 Srs. Deputados.
Srs. Deputados que compareceram à abertura da sessão:
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Martins de Paiva.
Ernesto Carneiro Franco.
Feliz de Morais Barreira.
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Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Dinis de Carvalho.
Jaime Júlio de Sousa.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
João Pina de Morais Júnior.
José Cortes dos Santos.
José Mondes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mariano Martins.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Tomás de Sousa Rosa.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano Autonio Crispiniano da Fonseca.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo Olavo Correia do Azevedo.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Correia.
António Dias.
António Lião Neto.
António Maria da Silva.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virgínio do Brito Carvalho da Silva.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Delfim Costa.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
João Estêvão Aguas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa Coutinho.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Ventura Malheiro Reimão.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.
Srs. Deputados que não compareceram à sessão:
Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto do Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Alfredo Pinto do Azevedo e Sousa.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio do Azevedo.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Mendonça.
António do Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio do Oliveira.
Custódio Maldonado do Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
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Fernando Augusto Freiria.
Francisco Cruz.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maxímino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Vergílio da Conceição Costa.
Estando presentes 40 Srs. Deputados, pelas 15oras e 33minutos, declarou o Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta e o seguinte
Expediente
Ofícios
Do Senado, enviando uma proposta de lei que autoriza o Govêrno a contrair um empréstimo para adaptação de um edifício para a Escola Industrial e Comercial Gabriel Pereira, de Évora.
Para a comissão de instrução especial e técnica.
Do Ministério da Justiça, para que no respectivo orçamento seja inscrita a verba de 1.000$ para concursos de delegados, conservadores do registo predial, notários e oficiais de justiça.
Para a comissão do Orçamento.
Do Ministério das Colónias, para alterações à proposta orçamental dêste Ministério para 1925-1926.
Para a comissão do Orçamento.
Representações
De Júlio Pinto Vieira, capitão de reserva, pedindo a reintegração no exército activo.
Para a comissão de guerra.
De Inácio Manuel de Sousa Freire Pimentel, pedindo que lhe sejam aplicadas as disposições dos n.ºs 2.° e 38.° do artigo 3.° da Constituição.
Para a comissão de inquérito aos Bairros Sociais.
Antes da ordem do dia
O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente: ainda não estou convencido de que as minhas palavras nesta Câmara não tenham produzido resultado para combater a carestia da vida, mas como até os próprios jornais declaram que os meus protestos de nada servem, aguardo as medidas do Govêrno e as suas providências para a deminuição dos preços dos géneros, cujo encarecimento nada justifica.
Fico esperando melhor oportunidade para tratar novamente do assunto.
O orador não reviu.
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O Sr. Viriato da Fonseca: - Sr. Presidente: sabe V. Exa. e sabe toda a Câmara que durante o tempo da Graúdo Guerra estiveram muitos oficiais prestando serviços nos Transportes Marítimos, serviços de vária ordem e prestados em condições do extraordinário risco.
A comissão liquidatária dos Transportes Marítimos não tem verba para pagar a êsses oficiais, e reduziu-lhes o vencimento, ao passo que os tripulantes não sofreram redução alguma.
Os oficiais, que têm estado a receber vencimentos lixados em 1922 a 1923, vivendo com dificuldades, vieram até mim solicitar que mo fizesse eco das suas reclamações junto do Sr. Ministro do Comércio.
Sabe V. Exa. a crise que está atravessando a marinha mercante, e ainda ontem o Sr. Ministro apresentou medidas para resolver êsse problema.
Estou certo que o Sr. Ministro do Comércio fará todo o possível para resolver o assunto com justiça.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Ferreira de Simas): - Já fui procurado pelos oficiais da marinha mercante, que me expuseram o assunto tratado polo Sr. Viriato da Fonseca.
Êles receberam apenas uma parte do vencimento que lhos ora devido e desejam receber o resto. Esta é a questão.
Estou habilitado a dizer o seguinte: só elos querem receber o têrço que lhes não foi dado, mas tomando, como base normal, o salário concedido nessa ocasião, estou resolvido a pagar-lhes já. Agora, se êles querem receber o torço do vencimento correspondente ao vencimento que muito posteriormente foi arbitrado, não posso pagar.
O orador não reviu.
O Sr. Nuno Simões: - Desejo chamar a atenção do Sr. Ministro das Colónias para um facto que chegou ao meu conhecimento e que, a ser verdadeiro, resulta num desprestígio para a nossa autoridade em África. Refiro-me ao boato que corre de que o intendente do Ibo, oficial do havia sido ofendido chegando a ser esbofeteado, o que lhe criou uma situação incomportável dentro das suas funções.
Se o Sr. Ministro das Colónias quiser ter a bondade de me dizer se o facto só confirma, muito agradeço.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Tenho a responder ao Sr. Nuno Simões que não tenho conhecimento do facto a que se referiu, o vou informar-me para devidamente providenciar.
O Sr. Carneiro Franco: - Há dias pedi a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro das Colónias. Só hoje ela mo é dada, um pouco tardiamente talvez, pois que um dos assuntos que desejava tratar era da máxima urgência.
Foi publicada em 27 de Fevereiro no Diário do Govêrno uma portaria, pelo Ministério das Colónias, referente a uma missão criada para Angola e Moçambique, a fim de só proceder a um inquérito sôbre a existência da mão de obra disponível e do seu recrutamento para a província de S. Tomé.
Esta portaria tom vários considerando, qual deles o mais curioso e interessante.
No primeiro considerando diz-se que as províncias do Angola o Moçambique permitem por sua livre vontade, de harmonia com as leias orgânicas, o recrutamento do trabalhadores para as ilhas de S. Tomé e Príncipe.
As províncias do Angola e Moçambique têm direito a estudar as relações dos seus trabalhadores com as emprêsas que necessitam de mão do obra, e têm igualmente direito a não permitir a saída dessa mão de obra para fora do território, como lhes foi conferido pelas cartas orgânicas, que me consta ainda não terem sido revogadas.
A seguir vem um outro considerando relativamente à província de Angola que na verdade é absolutamente extraordinário.
A Câmara não ignora a situação aflitiva em que se encontra essa província, e tanto assim que já foi apresentada a esta Câmara uma proposta de lei tendente a resolver o assunto.
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Ora, na verdade, Sr. Presidente, não se compreende que se venha dizer que a mão de obra não é necessária na província, quando na verdade essa mão de obra pode contribuir, e muito, para melhorar a situação de Angola.
Não se compreende, repito, que, dada a situação aflitiva que atravessam as nossas províncias ultramarinas, se façam na portaria a que me refiro as considerações que lá se encontram.
Permita-me a Câmara que eu faça uma simples declaração, qual é a de que não tenho nenhuma má vontade contra a pessoa que foi nomeada, com quem mantenho as melhores relações de amizade.
O meu único desejo é que se adoptem providências imediatas no sentido de as nossas províncias ultramarinas poderem sair da situação aflitiva em que se encontram.
Aproveitando a ocasião de estar com a palavra, eu desejo preguntar ao Sr. Ministro das Colónias seja tomou quaisquer providências no que diz respeito à comissão nomeada em virtude de uma moção aqui votada no Parlamento, para se fazer um inquérito ao Banco Nacional Ultramarino.
Consta-me, Sr. Presidente, que alguns membros dessa comissão já se demitiram, e assim eu desejaria saber qual a opinião do Sr. Ministro das Colónias acerca dêste assunto.
Também desejo que S. Exa. me forneça alguns esclarecimentos acerca da comissão nomeada há cêrca do um ano para fazer o estudo do regime bancário no ultramar.
Aproveito mais a ocasião de estar com a palavra para preguntar ao Sr. Ministro das Colónias o que é que S. Exa. pensa relativamente ao pagamento de direitos em ouro sôbre os produtos coloniais.
O Sr. Nuno Simões (interrompendo): - Não tem havido na verdade nenhum Ministro das Finanças, dos vários Governos que tem havido, que não tenha dito que vai prontamente resolver o assunto, o ainda não há muito isso foi dito pelo Govêrno do Sr. José Domingues dos Santos. O que é um facto, porém, é que até hoje nada se tem feito.
Interrupção do Sr. Carlos Pereira, que se não ouviu.
O Orador: - Êste assunto é da maior importância, e se o Sr. Ministro das Colónias, com o Sr. Ministro das Finanças, o resolver, terá dado um grande passo em auxílio financeiro de Angola.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Sr. Presidente: ouvi, com toda a atenção, as considerações produzidas pelo ilustre Deputado Sr. Carneiro Franco.
Referiu-se S. Exa. a três assuntos que correm pela pasta das Colónias.
Aludiu S. Exa. a, em primeiro lugar, a uma portaria publicada no dia 11 de Fevereiro, nomeando um funcionário para ir a Angola e a Moçambique tratar das negociações necessárias, no sentido de que se restabeleça a emigração de trabalhadores destas duas províncias para a de S. Tomé.
Com respeito aos considerandos da portaria, eu direi que, do facto, em meu critério pessoal, elos deveriam ter talvez uma outra redacção.
Em todo o caso, eu considero êsse ponto de vista secundário, porque o que é essencial nesta questão é o objectivo a que só visa.
Assim, verificando que êsse objectivo é da maior importância, e analisando detidamente os elementos que me foram fornecidos pelo meu ilustre antecessor, pelo governador da província de S. Tomé e pelos representantes dos interêsses desta província, não falando mesmo nos elementos que me foram fornecidos polo próprio funcionário nomeado, eu cheguei à conclusão do que devia manter a resolução do Govêrno transacto o a comissão criada.
A crise que atravessa a província de S. Tomé é demasiadamente grave para que o Govêrno da metrópole deixe de dispensar a essa colónia o auxílio que, dentro do todas as formas legais, é necessário prestar-lhe.
O problema da mão do obra em S. Tomé tem uma relação directa com a economia da província, e esta é valor do grande importância na economia nacional.
O assunto tem importância, como não desconhece a Câmara, porque por vezes tem sido encarado sob o ponto de vista internacional.
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Entendo, portanto, necessária a manutenção da comissão criada polo Govêrno transacto.
Receia o Sr. Carneiro Franco que o funcionário nomeado para essa comissão seja mal acolhido, e estranhou que não se tivessem consultado os governos de Angola e Moçambique.
Sob o ponto do vista puramente legal essa consulta não era necessária para a criação da comissão; todas as estações que oficialmente deviam ser ouvidas o foram, e não só essas, mas até os próprios interessados, que hão de custear a comissão e que anuíram plenamente.
O Sr. Carneiro Franco: - O Estado não despende nenhum dinheiro com a comissão?
O Orador: - O Estado deixa de arrecadar algum dinheiro, de uma nova contribuição que é criada, mas não despende nada.
O Sr. Carlos de Vasconcelos: - A sociedade de emigração do S. Tomé ofereceu-se para custear as despesas da comissão, preguntaudo se a colónia aceitaria a incumbência de lançar um imposto sôbre os indivíduos interessados.
A colónia, porém, apressou-se imediatamente a aprovar um crédito o a criar um imposto que incide apenas sôbre os indivíduos a quem interessa a mão de obra.
O Orador: - Disse o Sr. Carneiro Franco que estranhava bastante que o Govêrno chamasse a si o papel de angaria dor.
O funcionário em questão não é um angariador; apenas fica encarregado do ir a Moçambique e a Angola estudar, do acordo com as autoridades superiores dessas colónias, a melhor maneira de restabelecer a emigração. O angariamento não é feito por êle.
O Sr. Carneiro Franco: - Ouço apregoar constantemente que estamos numa época de economias, e seria lógico, por isso, que se tivesse nomeado qualquer funcionário inteligente e competente das colónias para essa missão. Custaria muito menos dinheiro.
O Orador: - Embora encontrasse o assunto resolvido, empreguei ainda os meios necessários para realizar a máxima economia possivel.
No emtanto, digo a V. Exa. que o funcionário em questão tem uma indicação muito especial. Êsse funcionário, na sua escolha, teve a aprovação dos próprios agricultores de S. Tomé, o que à primeira vista pároco uma contra-indicação, mas que em minha opinião não é.
O funcionário, a que vinha de referir-me, foi já há alguns anos encarregado de fazer um inquérito à mau do obra nessa província, o relatório que apresentou torna-o verdadeiramente insuspeito, e a Câmara avalia a importância que êsse facto tem.
Pelas razões que expus entendo dever manter a decisão do meu antecessor.
O Sr. Nuno Simões (interrompendo): - O que não deviam ser mantidos, eram os consideranduns da fantasia, porque isso é uma vergonha.
O Orador: - O ilustre Deputado referiu se seguidamente as comissões nomeadas.
Devo dizer que já por duas vezes fiz a convocação da comissão de parlamentares que foi nomeada em virtude de uma moção aprovada nesta Câmara, e que, apesar disso, ainda não foi possível efectuar a sua reunião. Parece me, talvez, desnecessário fazer terceira convocação - e folgo que o ilustro Deputado me dêsse ensejo para tratar êste ponto - porque o caminho que se me afigura indicado é fazer uma recomposição dessa comissão, visto êla não poder funcionar, como seria para desejar.
Repito, folgo que surgisse esta oportunidade para falar dêste assunto, porque desejo afirmar que da minha parte não há a menor desatenção para com os ilustres Deputados nomeados, mas sim o reconhecimento de que ela não pode fornecer com prontidão os elementos necessários ao Ministro das Colónias.
Referiu-se ainda S. Exa. a uma outra comissão nomeada anteriormente, o mais especialmente encarregada de indicar as normas em que deve assentar o regime bancário a estabelecer nas colónias.
Sôbre êste ponto direi a S. Exa. que
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já há dias foram expedidos convites para que essa comissão reúna amanhã no gabinete do Ministro das Colónias, pois desejo inteirar-me dos trabalhos que ela tem feito, e pedir-lhe que active com toda a intensidade possível aqueles de que ainda está encarregada.
Depois S. Exa. abordou a questão do pagamento dos direitos em ouro para os produtos coloniais.
Sr. Presidente: direi a V. Exa. e à Câmara que o meu critério pessoal é de que deve haver a isenção de direitos em ouro para os produtos coloniais. Nem de outra forma eu poderia pensar, ocupando o lugar que ocupo, o tendo dedicado a êstes assuntos alguma atenção e muito interêsse, como de há longo tempo tenho feito.
Considero necessária essa isenção, não só para a economia das colónias, mas para que se fortifiquem cada vez mais as ligações que devem existir entre elas e a metrópole.
Infelizmente, como V. Exas. sabem, essa resolução não depende apenas do Ministro das Colónias; tem do ser tomada pelo Govêrno em conjunto, o de obedecer a indicações de outra ordem.
O Sr. Carneiro Franco (interrompendo): - Principalmente às indicações que foram dadas pelo Parlamento quando se votou essa lei.
O Orador: - O que eu posso assegurar à Câmara é que o meu empenho, como Ministro das Colónias, será, evidentemente, no sentido do meu critério pessoal neste assunto.
Tenho dito.
O Sr. Carlos de Vasconcelos (para explicações): - Sr. Presidente: agradeço ao Sr. Ministro das Colónias a justiça que fez aos intuitos que levaram o seu antecessor a formular a portaria, mandando um funcionário a Angola e a Moçambique tratar do modus vivendi com a colónia de S. Tomé, para o recrutamento da mão de obra.
Tenho a dizer, Sr. Presidente, que, na verdade, a redacção de alguns considerandos dessa portaria foi, talvez, pouco política.
Apoiados.
Reconheço o facto, e direi que, depois de várias conferências com os interessados, e de ter ouvido a colónia, mandei elaborar na repartição respectiva uma portaria, tendo eu até dado instruções escritas para a sua redacção.
Foi-me, de facto, apresentada a primeira minuta dessa portaria, que li, mas creio que depois foram introduzidas algumas modificações, que, confesso, não li com muita atenção, pois, de contrário, seriam alteradas.
Quanto, propriamente, ao problema, direi à Câmara que foi uma compensação que eu quis dar aos agricultores de S. Tomé pelos grandes sacrifícios que lhe a impus, quanto ao aumento de receitas.
Ao entrar no Ministério das Colónias foi-me comunicado que de S. Tomé iam sair vários vapores carregados de cacau; e que nesse Ministério se encontrava uma proposta de aumento de direitos, da autoria do governador.
Se eu protelasse a solução do assunto, daria em resultado que êsses vapores sairiam sem pagar a percentagem adicional que havia sido proposta.
Em 48 horas, estudando ràpidamente â proposta, telegrafei ao encarregado do Govêrno, pessoa muito inteligente e com grandes faculdades de trabalho, dizendo que submetesse ao Legislativo a proposta apresentada pelo governador, devendo, todavia, atender não só às circunstâncias económicas da província, mas às circunstâncias provenientes da melhoria cambial.
O encarregado do Govêrno submeteu ao Legislativo essa proposta, com as alterações necessárias, e foram aprovados impostos não só sôbre os direitos de exportação, como contribuição industrial e imposto pessoal, que devem orçar em perto de 4:000 contos, num orçamento de 8:000.
Além disso, a êsses agricultores eu proibi a destilação da aguardente, problema que estava pendente do Ministério das Colónias há muitos anos, e que eu consegui solucionar em pouco tempo, resolvendo-o de forma que os agricultores não fossem muito prejudicados e que o Estado tivesse um aumento de receitas importante.
Em face dêste sacrifício que exigi aos agricultores de S. Tomé, eu não podia
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deixar do lhes dar a natural compensação e a garantia de que êstes impostos seriam cobrados de facto.
Em S. Tomé há muitos anos que não entra mão do obra.
Em Angola há uma resistência grande à concessão dessa mão de obra, por motivos que eu não desejo enumerar.
Êstes motivos, estas cansas do reclamação da parte da colónia de Angola têm do cessar, e nas instruções que dei ao Sr. Marinha de Campos estava em primeiro lugar o roulement dos trabalhadores em S. Tomé.
É um assunto do bastante importância que tinha de resolver, sob pena do dificuldades futuras e sob a pressão de verdadeiras chantages, de que o Sr. Ministro das Colónias devo já ter conhecimento por experiência própria, o que tenho a certeza que continuarão a manifestar-se muito tempo, emquanto a situação não se regularizar.
Sôbre outro assunto - o da nomeação da comissão de inquérito ao Banco Nacional Ultramarino - tenho a dizer a V. Exa., Sr, Presidente, que os vogais que nomeei, à excepção do Sr. Jorge Nunes, foram todos consultados e gostosamente acederam à incumbência. Não vejo, pois, razão alguma para que S. Exa. aí não só reunam, fornecendo-nos os elementos indispensáveis para a boa regularização das relações do Estado com o Banco Emissor. E verdade que pela comissão do regime bancário têm sido fornecidos todos os elementos necessários para se poder ajuizar de quaisquer faltas aos contratos, do qual o estado das dívidas coloniais ao Banco Ultramarino. Mas a Câmara resolveu que fôsse nomeada outra comissão para se proceder ao apuramento destas coutas o ao exame dos factos que pudessem constituir faltas aos contratos, e eu submeti-me, em absoluto, às indicações que ela me deu.
Aventa-se a idea de que a comissão nomeada em portaria não obedeço ao espírito da moção Rêgo Chaves. Ora a moção Rogo Chaves refere-se unicamente a dois pontos: apuramento das contas; exame dos factos que possam constituir faltas aos contratos. Pelo que respeita ao primeiro ponto, êle leria de ser feito por peritos que deveriam examinar essas contas e que seriam, sem dúvida, contabilistas. Pelo que respeita ao segundo - faltas aos contratos - essa comissão deveria igualmente ser constituída por peritos nessa outra especialidade, isto é, por indivíduos que conhecessem a fundo as leis. Essa comissão, a todo o tempo, se necessitasse do contabilistas, tinha o direito do os requisitar ao Ministério das Colónias.
O comissário do Govêrno é a entidade que pode legalmente exercer a fiscalização no Banco, e eu não podia nomear livremente uma comissão que exercesse também essa fiscalização. E se se fizesse êsse exame seria a confissão do que o Estado não tem conhecimento dos seus débitos ao Banco Nacional Ultramarino.
No emtanto, posso afirmar a V. Exa. e à Câmara que êste assunto foi objecto dum grande estudo feito por mim, que elaborei as contas existentes entre o Banco Ultramarino e as colónias.
A situação do Banco Ultramarino perante o Estado tem de ser definida. Ao entrar no Ministério das Colónias, como, aliás, devo acontecer com todos os Ministros dessa pasta o como, por consequência, deve dar-se com o actual titular, não fui para lá para derrubar o Banco Ultramarino, nem para o favorecer. Tive de me colocar num campo imparcial, tendo em vista, apenas, a defesa dos interêsses do Estado.
Mas o problema assumo, neste momento, gravidado. Afirmo a V. Exa. que o Banco Emissor do Estado não está em condições de fazer frente à situação de algumas colónias. Não tem capital nem possibilidades de fazer face ao deficit da balança de pagamentos dessas colónias. E preciso absolutamente que o Govêrno procuro solução para o problema, seja ela a do regime livre da pluralidade dos bancos emissores ou outra qualquer. Seja mesmo a dum único banco emissor, mas com o capital indispensável para fazer faço às suas responsabilidades.
Todos os problemas que avultam hoje no campo económico não podem ser. resolvidos, emquanto se não resolver o problema que acabo do salientar.
Estou certo que o trabalho extenuante que fizermos para resolver o equilíbrio financeiro das colónias o todos os recursos que a metrópole tiver de pôr à disposição delas, serão remédios falíveis e
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transitórios emquanto não existirem organismos que possam, de facto, dar as colónias as condições para o seu desenvolvimento económico.
Sr. Presidente: terei ocasião nesta Câmara de mais largamente me referir a êste problema, e, então, o tratarei com a sinceridade e largueza que eu acho necessário empregar em todos os problemas que tenhamos de resolver.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a acta. Se ninguém pede a palavra, considero-a aprovada.
O Sr. Carvalho da Silva: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°
Fez se a contraprova, tendo aprovado a acta 54 Srs. Deputados e rejeitado 3.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na ordem do dia. Continua em discussão a proposta de lei n.° 854.
Foi lida na Mesa e admitida pela Câmara a moção do Sr. Tôrres Garcia, apresentada na sessão anterior.
O Sr. Jaime de Sousa: - Sr. Presidente: cumprindo os preceitos regimentais, mando para a Mesa a seguinte moção de ordem:
A Câmara dos Deputados considerando que o regime da entrega das cambiais da exportação ao Estado continua concorrendo poderosamente para a regularização do câmbio e para o desejado equilíbrio das contas públicas;
Considerando que a criação dum fundo de maneio entregue aos estabeleci mentos competentes do Estado é a melhor garantia do sou funcionamento e eficiência:
Concorda com a doutrina da proposta em discussão e passa à ordem do dia.
Sala das Sessões, em 10 de Março de 1925. - Jaime de Sousa.
Sr. Presidente: na generalidade desta proposta de lei, eu tenho apenas o único intuito de chamar a atenção de V. Exa. e da Câmara para a fraqueza da argumentação que empregaram os ilustres Deputados que a combateram, porquanto eu reputo a sua doutrina e os seus intuitos, hoje, como desde a primeira hora em que as cambiais do exportação foram entregues ao Estado, numa determinada proporção, que depois variou, vantajosa para a melhoria cambial o para a boa regularização, das contas públicas.
V. Exas. sabem que de longe vema$ entrega das cambiais de exportação ao Estado, sabem como isso se fez e sabem também as sucessivas etapas a que tem sido levado êste fundo de maneio que, tendo começado por ser estabelecido na convenção com o Banco de Portugal, de 29 de Dezembro de 1922, e depois ligeiramente alterado pela lei n.° 1:424, agora se pretende orientar, de facto, pela proposta que estamos discutindo, de uma maneira muito superior às anteriores.
Sr Presidente: quando a convenção de 29 de Dezembro do 1922 fez a entrega das cambiais ao Banco de Portugal e se referia, no seu último artigo, a um fundo de maneio, nós estávamos longe de supor que o Banco de Portugal iria fazer dêsse depósito de cambiais o que realmente fez.
E, Sr. Presidente, tendo sido lá fora, noutros países, empregada a mesma forma de utilização das cambiais do exportação, só no nosso País se assistiu a esta forma verdadeiramente curiosa da aplicação daquelas cambiais: não só se não valorizou a nossa moeda, como nem sequer se estabilizou, e, pelo contrário, assistimos a êste fenómeno único de, durante muitos meses, se desvalorizar cada vez mais o valor da nossa moeda.
Isto é, sucedeu exactamente o contrário do que lá fora.
E, Sr. Presidente, foi só mais tarde, quando, após a publicação da lei n.° 1:424, o maneio das cambiais de exportação pasmou a sor feito por outras entidades, que não o Ranço do Portugal, entidades verdadeiramente competentes e conhecendo bem a forma do proficuamente só aproveitar êsse maneio, que, com grande pasmo da opinião pública, se começou a ver como a utilização dessas cambiais vinha realmente a produzir o saneamento da moeda e ainda a ver como a libra só aproximava da divisa em que devia, de facto, ser fixada.
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E, então, o que é que nós vemos depois?
Vemos que, ao passo que as cambiais de exportação davam o resultado que nós desejávamos, o que, do há muito, deviam ter dado, só começaram levantando todas aquelas campanhas que têm vindo até agora, de sucessivas e variadas formas de ataque aos Governos da República.
E tudo isso, porque as cambiais de exportação estavam produzindo aquilo para que realmente tinham sido criadas.
Mas, o que seria curioso era demonstrar ao País as razões por que o maneio das cambiais não dou primeiramente" aquele resultado que se esperava, que ora lógico que dêsse, e que, posteriormente, mais inteligentemente aproveitado, veio a dar.
Assim é que, desde Junho do ano passado, por uma manobra mais hábil, por um maneio mais oportuno dessas cambiais de exportação, nós vimos a libra descer, sucessivamente, de 159$ até a divisa dos 100$, permitindo até operações mais favoráveis, com o presentemente, e vimos então que ora possível conseguir-se uma estabilidade eficaz, apesar do contra aqueles que orientavam essa manobra, que interferiam nesse bom emprego da arma que lhes tinha sido confiada, só terem levantado todas as dificuldades, todos os entraves.
A proposta que está em debate visa, portanto, a corrigir os defeitos da organização anterior ou melhor, das organizações anteriores.
Começou-se na convenção de 1922 a fazer referência aos fundos necessários para o manejo das cambiais e a que se dava o nome do fundo de maneio.
Os estadistas de então já lhes davam a designação que havia de ficar.
Mas, o Banco de Portugal, instituição que nunca perde o sou carácter privado, o sou carácter de indústria particular, por particulares dirigida, nunca se esqueceu dos seus interêsses e, conjugando êsses interêsses com os interêsses do Estado, da arma que lhe tinha sido confiada fazia um uso tal que o Estado não usufruía os resultados que eram de esperar, sendo o próprio Banco que, na verdade, tinha os grandes proventos.
Foi por isso que em 1923 aqui fizemos aquele longo debate a propósito da apreciação da proposta de lei que autorizou o empréstimo do 6,5 por cento, ouro.
Nessa mesma lei vinham incluídas disposições que estabeleciam um fundo permanente, chamado de maneio das cambiais de exportação, fundo que todos se lembram ter sido fixado em 140:000 contos, recebendo o Banco de Portugal 10:000 contos por cada 70:000, ou seja o total do 2U:0()0, para a sua circulação privativa.
Favor importante era êste para o Banco de Portugal, porque não só tinha sôbre toda a movimentação o circulação próprias do maneio a comissão de 3/8 por cento, mas ainda ficava com a sua circulação privativa aumentada em 10:000 contos por cada parcela de 70:000.
É claro que o Banco de Portugal, tendo ido aumentando sucessivamente a circulação necessária para o jôgo das cambiais, chegou ao limite dos 140:000 contos.
E claro que, se formos à essência desta operação e examinarmos se tem alguma inconveniência para o Estado, sabendo-se o que são emissões e quantias de emissões, fàcilmente se verificará que nenhum agravamento representa o facto de a circulação acompanhar, como tem acompanhado, o aumento dos depósitos em ouro, visto que essa circulação privativa do fundo de maneio corresponde diariamente, instante a instante, ao depósito do divisas-ouro.
A Câmara decerto se recorda de que, por consequência, n3,o se fez reparo de maior à fixação da verba de 140:000 contos.
Mas o facto é que essa circulação própria das cambiais de exportação foi aumentando, e em 31 de Dezembro de 1924 encontrámo-nos em face de uma verba que o Banco de Portugal nuns pontos declara ser de 350:000 contos e fracção e noutros declara ser de 349:000 contos e fracção - questão de 1:000 contos a mais ou de 1:000 contos a menos.
Achamo-nos, portanto, em face desta circulação, que é muitíssimo superior à verba primitivamente autorizada por lei e que era de 140:000.
O Sr. Almeida Ribeiro (em àparte): - A última situação publicada pela Direcção
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Geral da Fazenda Pública diz 325:000 contos.
O Orador: - Sr. Presidente: na nota do Banco de Portugal publicada nos jornais encontra-se o seguinte:
Leu.
Há, portanto, uma diferença que eu julgo ser de 3/8 por cento; mas foram tais as acusações feitas ao Banco de que o fundo de maneio não correspondia àquilo que o Estado esporava, que era lógico que o Estado entregasse êsse fundo a outra entidade.
Porém, a direcção do Banco, vendo o que resultaria de futuro, começou a mudar a sua forma de aplicação, e a circulação, em vez de aumentar, deminuíu, o que faz supor que a manobra do Banco de Portugal não correspondia ao que se esperava, porque, em vez de recolher as notas em circulação continuava a manter essa circulação.
Ora esta proposta visa apenas a evitar esta manobra do Banco, fixando o fundo de maneio, evitando que se laça um aumento ilegal de circulação fiduciária.
Há ainda uma outra acusação que se faz ao Banco, acerca da forma como êle geriu os fundos-ouro que estão à sua disposição.
V. Exas. sabem que às cambiais de exportação deve corresponder um movimento de mercadorias de exportação.
A verdade é que o Banco não forneceu ao comércio importador aquelas facilidades a que por lei era obrigado.
Pelo contrário, empregou os seus fundos disponíveis nas praças estrangeiras para fazer operações das divisas-ouro em seu proveito.
Foi por isso que o Govêrno Português entendeu valorizar a prata que estava nos cofres do Banco e traduzir essa prata no seu valor-ouro, colocando êsse valor em condições proveitosas, ao contrário do que estava sucedendo.
A Direcção do Banco de Portugal, utilizando-se seguramente das divisas-ouro de que dispunha nos bancos suíços e americanos do Norte, comprou valores suíços e americanos altamente rendosos e garantidos, que lhe permitiram fazer passar a sua conta de bilhetes e efeitos ouro de 3:000 e tantos contos para 30:000 contos.
Sr. Presidente: devemos confessar que os ilustres Deputados da oposição que combateram a proposta, e ainda hoje empregam o melhor dos seus esfôrços para que ela não seja aprovada, têm razão em alguns pontos. Há observações que realmente, são de côlher.
Refiro-me à forma como uma proposto desta importância para a economia da País e finanças públicas é apresentada no Parlamento.
Se V. Exas. viram que a proposta inicial se encontrava absolutamente desprovida de qualquer indicação, se abstrairmos daqueles elementos muito modestos, muito insuficientes que vêm no relatório, quando desejamos saber, em face de todas as entidades que até agora têm estado a manusear as cambias de exportação, se elas nos têm trazido vantagens, ou prejuízos, não obtemos resposta.
Seria interessante saber em detalhe o montante dos prejuízos dêsse maneio cambial.
Se tivéssemos entregue desde logo todos os fuudos-ouro a quem mais competência tivesse e maior prática para o seu maneio, melhor teria sido para o Estado.
Desde o início até o desconto que essas cambiais podem ter há uma série de modalidades que habilmente aproveitadas podem dar grandes lucros. Tudo dependo do golpe de vista do agente bancário encarregado do maneio das cambiais.
A forma como o Banco de Portugal faz o maneio das cambiais de exportação pode chamar se a infância da arte.
O Banco de Portugal que tem vantagens da parte do Estado, que lhe são asseguradas por leis, não necessita correr com muita velocidade para ter lucros garantidos.
Não necessita, dada a situação especial que disfruta, fazer manobras bancárias de balcão para ter lucros certos.
E preciso habilidade e prática suficiente. Dispondo-se dêstes elementos podem alcançar-se resultados maravilhosos.
Qualquer pessoa poderá verificar que é verdade o que digo, se notar a acção que teve nos últimos meses a intervenção da Caixa Geral de Depósitos. Vimos como ela, intervindo nas manobras de cambiais em seu interêsse próprio e também no intuito de influir directamente no saneamento do meio circulante, conseguiu
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provar que a habilidade posta ao serviço da competência alcança resultados do maravilha.
Assim é que vemos a forma como só tem produzido a melhoria cambial.
Ora quando se tem como experiência duma porção de meses êstes resultados práticos, compreende-se fàcilmente a grande conveniência que há em, por meio de uma lei, fixar concretamente as determinantes a seguir num assunto em que até agora, por assim dizer, se tem andado em regime de experiências.
É, pois, ao que visa a actual proposta de lei. Estabelecer de uma voz para sempre e por uma forma definida o regime a seguir para obter as maiores vantagens para a economia nacional.
Sr. Presidente: para terminar, devo dizer a V. Exa. e à Câmara que discordo inteiramente de algumas opiniões aqui expendidas neste debuto contra a possível deflação no meio circulante, porque para além duma certa divisa, sôbre a qual não estão de acordo os com potentes na matéria, se não devei ia ir no caminho da deflação, visto que dai adviriam prejuízos que eu, aliás, não vi citar, a não ser aqueles que resultam do fenómenos que se verificam sempre que se produz a deflação.
Eu, porque não vi apresentar argumentos que me convencessem do contrário, continuo a ser um deflacionista impenitente, não no sentido de que a deflação se produza bruscamente, de forma a poder prejudicar os interêsses da economia nacional, mas no sentido de que ela se acentue lentamente, tal como tem sucedido em todos os países que sentiram a necessidade de valorizar a sua moeda.
Sr. Presidente: convencido do que justifiquei cabalmente os pontos de vista marcados na moção que tive a honra de enviar para a Mesa, por agora tenho dito.
O orador não reviu.
Lê se e entra em discussão a moção do Sr. Jaime de Sousa.
O Sr. Nuno Simões: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. para consultar a Câmara sôbre o requerimento que faço para que amanhã se realizo uma sessão nocturna, para conclusão da discussão da proposta da selagem.
O Sr. Morais Carvalho (sobre o modo de votar): - Pedi a palavra simplesmente para declarar que êste lado da Câmara dá o seu voto ao requerimento que acaba de formular o Sr. Nuno Simões.
Realmente há toda a vantagem em concluir uma discussão que dura já há perto de três semanas. O requerimento de S. Exa. merece, pois, a aprovação da Câmara e não só por essa razão, mas ainda porque não devemos demorar por mais tempo a apreciação de reclamações importantes que nos foram apresentadas há mais do três meses.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - O Govêrno tem todo o empenho em ver liquidada a questão da selagem. Mas, ao mesmo tempo, não pode prescindir da votação de outras propostas que estão marcadas para a ordem do dia.
E para que, efectivamente, a discussão da primeira não prejudique a discussão das restantes, o alvitre do Sr. Nuno Simões é de atender, visto que, numa sessão nocturna se pode muito bem discutir o que resta da proposta da selagem. Por isso o Govêrno dará o seu voto ao requerimento de S. Exa.
É aprovado o requerimento.
O Sr. Álvaro de Castro: - Sr. Presidente: pedi a palavra sôbre este assunto para fazer algumas ponderações a propósito da proposta que está em discussão, por me parecer que a orientação que ela marca não é a mais útil como finalidade da política até agora realizada e pode, porventura, criar obstáculos a uma nova tentativa de melhoria na nossa situação monetária, que poderiam embaraçar fortemente a política de equilíbrio orçamental seguida pelo Governo.
O Sr. Tôrres Garcia muito especialmente se referiu à obra do Govêrno a que presidi e a uma comparação que eu então fiz entre a política seguida por países que tinham atingido uma situação financeira o económica verdadeiramente desgraçada e aquela que nós seguimos.
E agradecendo ao ilustre Deputado as referências que S. Exa. quis ter a gentileza de fazer às intenções não só minhas, mas de todos os membros do Govêrno a que tive a honra de presidir, eu
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não posso deixar de salientar que não podia advogar, nem advoguei, a adopção de medidas perfeitamente iguais àquelas que tinham sido adoptadas em alguns dêsses países.
Nós temos, porém, e felizmente, um temperamento e uma natureza especiais que nos tornam, na verdade, um povo singular que pelos seus sentimentos seria incapaz de suportar qualquer interferência estranha, como sucedeu, por exemplo, com a Áustria. As condições do Estado português, sob o ponto de vista financeiro, são, de resto, bastante diferentes.
Nós podemos hoje discutir os prejuízos da conta de maneio, em resultado da melhoria cambial. Podemos dar hoje às oposições e, sobretudo, aos monárquicos uma arma formidável de ataque à República, qual seja a perda do Estado em virtude dessa melhoria. Não se esqueçam, porém, que lha damos com alegria.
Apoiados.
O Sr. Morais Carvalho: - Os prejuízos já existiam antes da melhoria.
O Orador: - Em virtude do uma política que não foi isolada na Europa e que foi o resultado de meras circunstâncias de momento. Eu não sei o que houve de imperativo na adopção dessa política. Nós temos de julgar os homens públicos em face das circunstâncias em que êles têm de operar.
O que eu na verdade não posso, Sr. Presidente, é deixar do aplaudir as palavras proferidas, não só pelo Sr. Tôrres Garcia, como as proferidas pelo Sr. Velhinho Correia, que também falou sôbre a matéria, tendo até publicado uma entrevista sôbre a situação financeira, marcando uma política cujas intenções eram na verdade justíssimas, e que foram aplaudidas nesta casa do Parlamento, política essa seguida por aquele Govêrno a que eu tive a honra de presidir e do qual faziam parte algumas pessoas que se encontram dentro desta Câmara.
Não se pode dizer que essa obra se deva única e exclusivamente ao esfôrço dêsses homens; mas sim desta Câmara, que, relativamente a êste ponto de vista, seguiu a orientação que êsse Govêrno tinha marcado.
Não me esqueço das palavras aqui proferidas pelo Sr. Presidente do Ministério, o Sr. Vitorino Guimarães, quando respondeu às considerações que eu aqui fiz no momento da sua apresentação, isto é, que estava no propósito de continuar a política de compressão de despesas, política essa que na verdade tem. sido sabotada, permitam-me o termo, sem nenhuma vantagem para o País.
Encontro-mo perfeitamente à vontade " para proferir estas palavras, por isso que presentemente não tenho o receio de provocar a queda do Govêrno.
Sr. Presidente: afirmei e afirmo ainda hoje que o propósito da política do compressão do despesas que se realizou não pode, evidentemente, em absoluto, atingir o seu objectivo, que era o do equilíbrio das contas públicas. Tínhamos, com efeito, de recorrer ao aumento das receitas. E, Sr. Presidente, vem agora a propósito responder às objecções daqueles que, dentro da Câmara e lá fora, têm dito que há maneira superior e mais perfeita (em relação aos actuais fenómenos sociais da vida do nosso Estado) do que recorrer à compressão das despesas e elevação das receitas para o equilíbrio económico e financeiro. Essa maneira é desenvolver a economia nacional.
Ora, só efectivamente fôssemos para uma política dessas e se houvesse um país no mundo que a tivesse, realizado, iríamos cair no caso cómico-trágico daquele homem que à beira do um rio pretendia salvar outro prestes a afogar-se, mas que antes de deitar-se à água tirou muito vagarosamente o casaco, o colete, as calças, os suspensórios e... quando chegou junto dele, já êle estava morto.
O que em todos os países que eu conheço se fez foi aplicar efectivamente a política - que é possível, principalmente depois da guerra, que criou um espírito especialíssimo, uma moral nova, que modificou profundamente as relações dos indivíduos entre si, comunicando-se aos Estados em geral e dando, por consequência, uma fisionomia também nova aos serviços públicos e avolumando extraordinariamente as despesas do Estado, improdutivamente, por vezes - o que se fez, dizia eu, foi aplicar efectivamente a política seguinte: realizar muita economia e pedir ao País os sacrifícios indispensáveis. E foi assim que eu citei (po-
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dendo citar muitos outros) a Áustria. Citei-a para frisar bem que um País que tinha um orçamento que era de 10 milhões do libras, constatado pela Sociedade das Nações, um País que tinha uma situação desgraçada, fez, ou está próximo de fazer, o milagre do equilíbrio Orçamental.
É certo que a Sociedade das Nações a auxiliou, consentindo o levantamento do quantias para deminuir o seu déficit, que é Superior à totalidade do nosso orçamento. Mas êste déficit foi coberto pela redução de desposas e aquisição de receitas.
Entre nós era praticável - o demonstrou-se já que o era - essa policia.
Efectivamente, não sendo assim, como se pode explicar que, ao assumir a presidência do Govêrno a que pertenci, o déficit fosse de 300:000 contos, quando no ano de 1922-1923 êle não deve ter sido muito interior a 600:000?
Como é que se explicaria que a mera mecânica do lançamento do libras no mercado, para o efeito de alterar o câmbio, poderia produzir a alta da nossa divisa?
Não estava feita a experiência em Portugal ainda largamente.
A Alemanha, país com mais recursos do que o nosso, teve um financeiro que pregou a doutrina de que haveria um moio de equilibrar o Orçamento - e isto já foi doutrina da Associação Comercial e Industrial - sem necessidade de lançar impostos ao País. Êsse meio consistia em pegar nas divisas do Estado e lança las no mercado, de maneira a lazer melhorar o câmbio, o assim, naturalmente, se deminuiria o déficit orçamental o estabilizaria a vida financeira do Estado.
Daí adveio a ruína financeira da Ale-anha, que se seguiu à emissão estupenda do notas para o pagamento das suas despesas do Estado.
Êsse financeiro, que teve um momento de aura na Alemanha, é talvez hoje a criatura mais odiada nesse país, porque a sua política foi reconhecida como de desgraça e miséria.
Quando a Alemanha estava num momento de aura. quando todos os portugueses compravam, à louca, marcos - e importa salientar que uma das cousas que pesou bastante na nossa balança económica foi justamente essa compra fabulosa de marcos nessa época em Portugal houve a doutrina idêntica do que o equilíbrio do nosso câmbio estava exactamente em emitir notai, e mais notas.
Sr. Presidente: quando assumi a responsabilidade do gerir a pasta das Finanças, duas pessoas da mais alta categoria mental mo aconselharam a desvalorizar a moeda, como fazia a Alemanha, alegando que na altura própria só daria o que a Alemanha fez mais tarde, que foi a conversão da sua moeda.
Opus-mo sempre tenazmente a essa doutrina, e felizmente encontrei eco nesta Câmara, porque a única política que era legítimo adoptar, através de todos os sacrifícios, não podia ser outra senil o a valorização do nosso escudo, não o levando ao valor minimo que atingiu o marco.
Sr. Presidente: em 1924 a França teve de sustentar uma luta temerosa para manter o valor do tranco, combatendo a especulação formidável que a Áustria queria fazer com o franco, no período da sua regeneração financeira.
Foi precisamente o que entre nós aconteceu, o que nos trouxe o prejuízo de muitos e muitos mililitros de libras.
A economia nacional perdeu 10 milhões de libras devido a política que até certa data se seguiu, a de deixar todas as disponibilidades nas mãos dos particulares, do comércio o da indústria.
A acção económica o financeira iniciada pelo Govêrno a que presidi tem a sua justificação no aplauso que todos os Governos seguintes lho têm dado, e de tal forma ela se tom imposto que foi possível chegar à discussão desta proposta.
Estas minhas palavras eram absolutamente necessárias como exórdio para as considerações que vou produzir no sentido de demonstrar a V. Exa. e à Câmara que êla não corresponde bem à acção que se tinha em vista.
Já aqui tive ocasião de dizer que a convenção de 1922 era o melhor arranjo que se tinha feito, porque era um princípio de concessão, embora possuindo defeitos.
Não vejo nenhuma vantagem em se fechar uma conta corrente para amanhã se abrir outra, em piores condições para o Estado.
Nós estamos numa situação financeira que não permito conceber a possibilidade do equilíbrio orçamental, como já provou
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o Sr. Velhinho Correia, e podemos muito proximamente começar a realizar o sistema de amortização das notas desvalorizadas, não pelo sistema estabelecido pelo Banco de Portugal, mas por uma amortização sã e possível.
Actualmente já acho absurda a existência da amortização, quando o Estado não tem o seu Orçamento equilibrado.
Achava que seria uma medida a adoptar, e se me preguntarem porque o não fiz emquanto estive no Govêrno, responderei que não podia pôr em prática todas as medidas em que pensava, porque não me deram tempo para isso.
Todavia, se estivesse lá, fazia cessar a amortização por êsse meio, porque sobrecarrega o fundo de tesouraria com uma quantia importante.
Sr. Presidente: todos conhecem aquela convenção magnifica que durante muitos anos entreteve os financeiros ilustres e que se chamava Convenção de Price.
Esta caixa era interessantíssima sob o ponto de vista matemático, mas absolutamente infantil sob o ponto de vista pratico.
Esta caixa fundava se na multiplicação dos juros compostos, e portanto X escudos em Portugal, acumulados num determinado espaço de tempo, davam a quantia suficiente para amortizar a dívida do Estado. Na elaboração complexa desta caixa financeira, o espírito ilude-se, não vendo que na base estava apenas isto: era o Estado que metia o dinheiro numa gaveta, quês pagava os juros dêsse dinheiro, de maneira que aquela multiplicação curiosissima dos juros compostos desaparecei, porque para haver juros compostos é preciso haver duas entidades: uma que paga e outra que recebe.
Era a mesma cousa que ter $02 na algibeira esquerda do colete, e com a algibeira direita pagar os juros.
Sr. Presidente: no fundo, as amortizações do Banco, é pouco mais ou menos isto, porque o Estado tem papeis seus, que deposita no Banco.
Quem é que paga os juros?
É o próprio Estado.
Q nem é que os deposita?
É o próprio Estado.
Desta maneira seria mais lógico que os fundos existentes nas mãos do Estado não recebessem juro, o que, para a caixa de amortização pagasse 15:000 ou 20:000 contos anualmente.
Postas as cousas nesta simplicidade, diz toda a gente: mas como veio senhor amortizar por ano 15:000 ou 20:000 contos, quando o senhor, para os dar, tem de aumentar a circulação fiduciária, que lhe deminui o valor do escudo?
Então estamos num ciclo vicioso.
Neste momento o Sr. Ministro das Finanças não está nessas condições, mas todos aqueles que ocuparam esta pasta, até 1922, encontraram-se em tal situação.
Todos os Ministros tiveram de ir buscar à circulação fiduciária os escudos necessários para a amortização, e então desfaziam com uma mão aquilo que faziam, com a outra.
Isto não era lógico, e, porque estamos ainda num regime de déficit, seria mais interessante cessar essa amortização e modifocar o seu sistema.
Para isso o Ministro daria uma forma diversa à organização dêsse fundo e à sua constituição, fazendo para lá convergir o ouro obtido com a venda da prata, e, como lastro de garantia, todos os títulos que deixavam de vencer juro, mas que eram todos externos, ficando, portanto, para as eventualidades futuras.
Então o Estado podia num determinado momento, usando da autorização que o Parlamento lho concedeu, fazer a emissão de notas ouro, inteiramente valorizadas.
Mas qual era a vantagem dêste mecanismo?
A vantagem avalia-se ràpidamente.
Sr. Presidente: é preciso dizer que a circulação fiduciária, emitida como cobertura completa de ouro, é uma cobertura essencialmente útil.
Todavia, não deixo de ter em conta que a excessiva circulação, quer seja em ouro, quer seja em platina, é nociva.
Mas, felizmente, estamos muito longe do ponto de saturação, em que a circulação, ouro, chega a ser excessiva.
O Estado tinha toda a vantagem, portanto, em emitir êsses títulos ouro, mas para isso sei ia necessário, no momento oportuno, criar o nosso escudo ouro, que se referiria à paridade metálica.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - O escudo ouro era para comprar ouro?
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O Sr. Morais Carvalho (em àparte): - Era ouro bera!
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - Não em bera, porque com 4$50 ouro comprava-se uma libra!
O Orador: - Tudo dependo da oportunidade da aplicação dessa doutrina.
Eu continuo a julgar como boa a convenção de 1922, a que já me referi.
Interrupção do Sr. Velhinho Correia à qual responde, o Sr. Morais Carvalho, estabelecendo-se dialogo entre êstes Srs. Deputados e o Orador.
O Orador: - Esta mecânica conduzia-nos portanto a aproveitar o ouro das exportações numa cobertura da circulação, o era um passo futuro para a modificação do nosso regime monetário.
Evidentemente que todas as doutrinas tem de ser olhadas e apreciadas de urna maneira genética, porque na prática sofrem naturalmente as alterações que os factos e as circunstâncias lhes imprimem o aconselham.
Ora a convenção que nós estamos estudando é a continuação da convenção anterior e que tem dois fins: liquidar o débito ao banco e abrir um novo período de convenção, por forma diferente do que até aqui.
Daqui para o futuro o banco deixará de omitir mais notas para êste fim, ficando porém as notas que já estão emitidas, e o Estado adianta nina determinada quantia para a compra dessas cambiais.
Ora o que eu não percebo é a vantagem da liquidação imediata desta conta, assim como a de se fixar uma quantia máxima para a compra das cambiais. E também não compreendo para que é que o Estado há-de entregar urna quantia tam avultada para a compra dessas cambiais.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - Talvez faltem a V. Exa. alguns elementos financeiros para a apreciação da proposta.
O Orador: - De acordo com V. Exa. É claro que eu não sei o que o Sr. Ministro das Finanças me vai responder. E eu mesmo estou fazendo êsse largo relato porque disse ao Sr. Presidente do Ministério, quando êle apresentou o Govêrno da sua presidência, da minha discordância com esta proposta. E eu quero dar razões tam largas quanto possível para que o Sr. Ministro das Finanças veja bem os intuitos que me movem. Além disso, a responsabilidade desta proposta não pertence ao actual Sr. Ministro das Finanças, e, pode até muito bem ser que S. Exa. tenha sôbre êste assunto uma opinião diferente da do seu antecessor.
Mas para o que eu desejo chamar desde já a atenção do Br. Ministro das Finanças é para a nova forma da convenção.
Porque é que havemos do limitar a 300:000 contos a quantia para a aquisição de cambiais?
Sou também contrário a que o Estado, por modificação da convenção de 1922, entre com escudos como fundo de tesouraria.
Mas vamos ver a situação como se apresenta: suponhamos que a política do Sr. Ministro das Finanças - e não me refiro ao Sr. Vitorino Guimarães, somente, mas a qualquer outro - é a da valorização do escudo à outrance, que se propõe levar a libra a 4$50.
O Ministro que se propusesse realizar essa medida sabia o que o esperava. Então tínhamos o seguinte: o Estado pagava 1001 e recebia 50$, pagava 50$ e recebia 20$, e daí a pouco não havia fundos.
De maneira que, Sr. Presidente, eu não vejo na verdade quais as vantagens que poderão resultar desta proposta.
Não sei se o Sr. Ministro das Finanças expôs à Câmara as suas doutrinas, mas estou absolutamente certo de que está do acordo, até certo ponto, com as considerações que acabo de fazer.
Devo no emtanto dizer, em abono da verdade, que esta proposta não traz aumento da circulação fiduciária, embora isto não deva agradar muito não só ao Sr. Carvalho da Silva, como ao Sr. Morais Carvalho.
O Sr. Morais Carvalho (interrompendo): - Os escudos que não regressam aos cofres do Tesouro vão juntar se à circulação fiduciária.
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O Orador: - Podem V. Exas. ter a certeza de que esta proposta não altera em nada a situação existente da circulação fiduciária.
O Sr. Morais Carvalho (interrompendo): - Não a altera de facto; mas a situação legal é alterada.
O Orador: - Não aumenta a circulação fiduciária de facto.
Torna-se necessário dizer. Sr. Presidente, que se tem feito uma enorme exploração sôbre esta matéria, e assim necessário é que todos saibam que ela não afecta só a República nem os homens da República, mas sim o crédito da Nação.
São os que têm capitais que fazem principalmente essa propaganda e que sofrem as consequências dela.
E vejam V. Exas. que um jornal inglês, de cujo nome agora me não recordo, fazendo uma apreciação sôbre a situação financeira de Portugal, diz que, felizmente, o nosso país tinha entrado no regime do não aumentar mais a circulação fiduciária. E nenhum português, seja monárquico ou republicano, deve afirmar lá para fora que assim não é.
Mas a verdade é esta: o aumento da circulação fiduciária, pela convenção de 1922, não é particularmente nocivo, porque não serviu ao Estado, nem em um centavo, para pagar despesas públicas.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): - Estes 110:000 contos são para pagar o déficit orçamental... Exclusivamente para isso e para mais nada.
O Orador: - Aquele acordo não serviu ao Estado, mas sim ao comércio e à indústria.
Apoiados.
Êsse acordo concorreu para o aumento dos depósitos nos bancos, para as disponibilidades do comércio e da indústria.
Se ha alguém que não devesse atacar a Convenção de 1922, êsse alguém é precisamente o comércio e a indústria, porque, estando constantemente a pedir aumentos de circulação, a convenção de 1922 deu-lhes essa circulação, porquanto todos êsses 110:000 contos foram produto dessa convenção.
Êsse aumento, deixem-me V. Exas. dizer, fez com que a circulação do Banco de Portugal, que para o efeito de desconto ao comércio e à indústria estava em 200 e tal mil contos, fôsse para 300 e tal mil contos visto que foi acrescentada com os tais 110:000 contos.
Quero dizer, a carteira comercial do Banco de Portugal tornou-se muito maior, e, portanto, aquele aumento traduziu-se absolutamente num benefício às fôrças económicas de produção e não foi aplicado em gastos do Estado.
O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): - São circulações do Estado, não são circulações privativas, do Banco.
O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - A circulação é só uma, e o facto é que dela não veio nem uma nota para o Estado.
O Orador: - V. Exa., Sr. Carvalho da Silva, apenas pode estar em desacordo comigo, nesta questão, politicamente, porque V. Exa. não pode deixar do estar de acordo com a doutrina e com os factos por mim apresentados o demonstrados.
O Sr. Carvalho da Silva: - Êsses 10:000 contos não são circulação privativa do Banco.
E nós temos, assim., duas circulações perfeitamente distintas.
O Orador: - A circulação é uma só, embora, desde o contrato de 1918, se pretenda defender a doutrina de que há duas circulações: a dos deficits do Estado e a do Banco de Portugal.
A verdade, porém, é que a circulação é toda uma, porque é emitida em virtude da faculdade que pertence ao Estado, da emissão das notas.
O Sr. Morais Carvalho: - V. Exa. há pouco declarou que a circulação que tinha representação em cambiais era vantajosa, o que quere, naturalmente, dizer que a outra o não era.
O Orador: - Eu falo nesta Câmara e para pessoas que conhecem os problemas financeiros pelo, menos nas suas bases, e
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18 Diário da Câmara dos Deputados
julgo me por isso dispensado do citar pormenores que são do todos conhecidos.
A distinção da circulação em duas não tem importância por agora, porque nenhuma utilidade prática tom senão quando houver de se discutir a rescisão do contrato com o Banco para o efeito da posse das reservas.
A garantia das notas pertence não ao Banco, mas aos seus possuidores.
Eu disso que toda a circulação era particularmente nociva sempre que se destinava a cobrir os déficits do Estado.
São cousas diversas, a nocividade da circulação para o efeito do abalo que produz no corpo económico da Nação e a nocividade para o efeito do valor que tem a nota em relação às reservas.
Eu afirmo e digo que num País de moeda inconvertível o valor da nota nada tom com a reserva metálica.
Para esta reserva diz um escritor notável - a circunstância do estar na caixa de um banco sem se movimentar, é o mesmo que estar a 100 quilómetros do nós.
Trago a V. Exas. o exemplo de um banco da Dinamarca e o Reich Bank na Alemanha, que não tinham uma reserva metálica de um pataco que fôsse.
O valor da nota resulta é da confiança que nela deposita, o público, e da maior ou menor quantidade que haja em circulação.
Quando aqui me interpelava o Sr. Carvalho da Silva, naquelas tardes em que eu tanto gozava com a luta com S. Exa. na questão financeira - dizia-me que determinada nota (e isso escreveu-se em muitos jornais) deixava de ter valor, porque não tinha garantia metálica suficiente. Mas o público quando recebo a nota não se ocupa disso; e assim, quer na circulação a que S. Exa. chama do Estado, quer na que S. Exa. considera do Banco, o valor da nota é o mesmo, dependendo apenas dos factores que apontei.
Mas lá não têm o mesmo valor se algumas delas puderem ser caucionadas em ouro.
E aí têm V. Exas. como os americanos são mais práticos do que nós, porque não admitem a circulação além da reserva metálica integral.
Nós sabemos que se os depositantes todos se apresentassem na caixa do Banco a reclamar o seu dinheiro por inteiro, o Banco iria para uma falência.
Em 1922 as casas bancárias estiveram para falir e se não faliram foi pelo auxilio que lhes deu o Estado.
Apoiados.
O Sr. Carvalho de Silva: - O que V. Exa. cita só vem confirmar a nossa opinião.
O Orador: - Nada tem com a reserva metálica.
Sr. Presidente: a reserva ouro que se aplicou foi a do um homem que deixou um nome na banca portuguesa, e que disse nessa hora palavras, dirigidas à multidão que se aglomerava para receber os seus depósitos, que eu não posso repetir aqui nesta Câmara.
Foram as palavras dêsse homem...
O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que faltam cinco minutos para se passar ao período antes do se encerrar a sessão.
O Orador: - Se V. Exa. me dêsse licença, fazia mais algumas considerações, e terminava para não deixar esta parte do discurso incompleta.
Porque é que a liberdade é nociva?
E porque o Estado só pode o d ove pagar disponibilidades; vive da produção. Por isso recebe dos impostos êsses valores reais, moeda de um determinado valor.
O Estado que para pagar 500 contos precisa mandar fazer 250, evidentemente fez um fictício valor que não corresponde às condições do País e à realidade económica e financeira.
Os 500 contos valiam 50 por cento a menos.
Era uma cousa extremamente nociva, afectando profundamente a economia, porque afectava o próprio valor da moeda.
Mas a nota que há muito é trocada em ouro, totalmente em ouro, não vai, na verdade, servir de valor fictício para pagamento.
Tinha mais considerações a propósito da proposta: mas, para não cansar a Câmara, reservar-me hei para outra sessão, visto a hora ir adiantada.
O orador não reviu.
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Sessão de 10 de Março de 1920 19
Antes de se encerrar a sessão
O Sr. Carvalho da Silva: - Vejo nos jornais repetidas reclamações do professorado primário pelo atraso com que recebem os seus vencimentos.
Ainda anteontem no Diário de Notícias havia uma referência ao assunto, numa entrevista feita com um professor que se queixou de que lhe não pagavam há meses o seu ordenado.
É necessário que êstes funcionários tenham os vencimentos pagos em dia como os outros funcionários.
Como V. Exa. sabe, as necessidades da vida são grandes para todos.
Nestas condições, peço ao Sr. Presidente do Ministério para pedir ao Sr. Ministro da Instrução que tome as necessárias providências.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Sr. Presidente: pedi a palavra para responder às considerações feitas pelo Sr. Carvalho da Silva.
Vou averiguar o que há-de verdade sôbre a reclamação apresentada por S. Exa., tendo quási a certeza de que a culpa não é da repartição respectiva. As demoras são devidas à falta do pessoal, conforme eu tenho já tido ocasião de verificar.
O que eu posso garantir a V. Exa. é que relativamente ao não preenchimento das vagas existentes nas diversas repartições do Estado, se tem ido mais longe do que deve ser, pois a verdade é que se está lutando com uma enorme falta de pessoal.
Assim, por exemplo, no que diz respeito à contribuição de registo, há pagamentos importantes para liquidar porque não há o pessoal necessário para fazer êsse serviço.
Vou, no emtanto, averiguar o que há de verdade sôbre o assunto, esperando amanhã mesmo já poder dizer a S. Exa. alguma cousa sôbre a reclamação que apresentou.
Eram estas as considerações que eu tinha a fazer em resposta ao Sr. Carvalho da Silva.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Amanhã haverá sessão diurna e nocturna, devendo a diurna começar à hora regimental e a da noite às 21 horas, com a seguinte ordem de trabalhos:
Antes da ordem do dia:
A de hoje.
Ordem do dia:
A de hoje.
Ordem da noite:
Parecer n.° 843, que substitui a tabela do imposto do sêlo.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 25 minutos.
Documentos mandados para a Mesa durante a sessão
Pareceres
Da comissão de finanças, sôbre o n.° 103-O, que conta ao escriturário do quadro do Arsenal de Marinha, Pedro Elisiário Moreira Correia, para promoção e reforma, o tempo que prestou serviço no extinto Ministério da Marinha e Ultramar.
Imprima-se.
Da mesma, sôbre o n.° 845-J, que concede a aposentação extraordinária ao fiscal da Cadeia Nacional de Lisboa Joaquim Quaresma de Moura e ao guarda Joaquim Bau.
Imprima-se.
O REDACTOR - Herculano Nunes.