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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.° 45

EM 13 DE MARÇO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Jaime Pires Cansado

Sumário. - Respondem à chamada 40 Srs. Deputados.

É lida a acta, e dá-se conta do expediente.

São admitidas proposições de lei, já publicadas no "Diário do Governo".

Antes da ordem do dia.- O Sr. Tavares Ferreira apresenta um projecto de lei.

O Sr. Agatão Lança reclama contra os manifestos insultuosos distribuídos em Lisboa atingindo homens políticos, sem a precisa acção dos elementos de segurança pública, pedindo esclarecimentos pessoais.

O Sr. Pinto da Fonseca presta esclarecimentos sôbre as referências feitas à comissão liquidatária dos Bairros Sociais.

O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho) responde ao discurso do Sr. Agatão Lança, voltando êste Sr. Deputado a usar da palavra para explicações.

É aprovada a urgência para o projecto de lei do Sr. Tavares Ferreira.

É aprovada a acta e é aprovada aquela parte do expediente dependente da resolução da Câmara.

Ordem do dia. - Continua a discutir-se a proposta de empréstimo para a província de Angola, sendo admitida uma moção de ordem, apresentada na sessão anterior pelo Sr. Jaime de Sousa.

Usa da palavra sôbre a ordem o Sr. Carvalho da Silva, sendo admitida a respectiva moção.

Segue-se o Sr. Júlio de Abreu, que sôbre a ordem fala também, sendo admitida a sua moção.

Fazem-se substituições em comissões parlamentares.

Prosseguindo o debate, fala o Sr. Carlos de Vasconcelos, que fica com a palavra reservada.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Pina de Morais troca explicações sôbre haver ou não haver sessão no dia 16, em que te celebra o centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco.

Encerrou-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia 17.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Projectos de lei - Pareceres.

Abertura da sessão às 15 horas e 38 minutos.

Presentes à chamada 40 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 32 Sr. Deputados.

Presentes à chamada:

Aires do Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Ferreira Vidal.
Albino Pinto da Fonseca.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Alberto Torres Garcia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco da Cunha Rego Chaves.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Francisco Dinis de Carvalho.
Jaime Júlio de Sousa.
João Pina de Morais Júnior.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Júlio Henrique de Abreu.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Rodrigo José Rodrigues.
Sebastião de Herédia.
Viriato Gomes da Fonseca.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Lino Neto.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Pinto Meireles Barriga.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Delfim Costa.
Feliz de Morais Barreira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Domingues dos Santos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Leio Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo da Silva Castro.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Resende.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Domingos Leite Pereira.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
João de Ornelas da Silva.

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João Salema.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim José de Oliveira.
Jorge Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.
Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Monano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.

Às 15 horas e 39 minutos fez-se a chamada, à qual responderam 40 Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

É lida a acta.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o expediente.

Foi lido na Mesa o seguinte

Expediente

Oficio

Do Ministério da Guerra, satisfazendo ao requerimento do Sr. Pires Monteiro transmitido no ofício n.° 126.

Para a Secretaria.

Representação

De vários habitantes da fregesia de Molelos, concelho de Tondela, pedindo a reintegração imediata do professor Sr. Julião Antunes de Matos na escola daquela freguesia.

Para o comissão de instrução primária.

Requerimento

De Manuel Rodrigues Carvalho, contra a interpretação dada ao § 2.° do artigo 3.° do decreto n.° 7:823, de 23 de Novembro de 1921.

Para a comissão de guerra.

Admissões

Foram admitidas as seguintes proposições de lei, já publicadas no "Diário do Governo":

Projecto de lei

Dos Srs. Dinís de Carvalho, Pinto Barriga, José Pedro Ferreira e Torres Garcia, regulando a nomeação dos chefes das repartições de finanças dos bairros fiscais de Lisboa.

Para a comissão de finanças.

Proposta de lei

Dos Srs. Ministros das Finanças e Interior, abrindo um crédito especial de 33.000$ a favor do Ministério do Interior para pagamento das despesas com os funerais do Dr. Augusto Manuel Alves da Veiga.

Para a comissão do orçamento.

Antes da ordem do dia

O Sr. Tavares Ferreira: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto autorizando a Junta de Freguesia de Vila Moreira a elevaria percentagem das

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suas contribuições, para a realização do algumas obras que essa junta reputa inadiáveis.

Pela legislação actual, compete às respectivas juntas proceder às obras necessárias nas respectivas freguesias, mas as suas receitas são tam deminutas que, por vezes, nem sequer chegam para pagar as despesas de expediente.

Como não têm outro recurso além do das contribuições, e o lançamento destas só pode ser autorizado pelo Parlamento, a Junta de Freguesia de Vila Moreira resolveu dirigir-se ao Poder Legislativo, apresentando o projecto que tenho a honra de enviar para a Mesa, e para o qual requeiro urgência.

O orador não reviu.

O Sr. Agatão Lança: - Sr. Presidente: vou ocupar-me de um assunto que, dizendo-me pessoalmente respeito, envolvo igualmente outras pessoas que, corno eu, injustamente andam sendo abocanhadas por quem, não prezando a dignidade e honra alheias, certamente não sabe prezar a dignidade o honra próprias.

Apoiados.

E vou ocupar-mo dêste assunto, para que êle inteiramente se esclareça, levando, assim, a tranquilidade a muitos espíritos, fàcilmente alarmáveis, o concorrendo também vantajosamente para a manutenção da ordem pública.

Não é fácil, numa sociedade organizada, haver sossêgo, quando, além dos elementos de efervescência que ela possua, os próprios agentes de segurança do Estado, isto é, aqueles que oficialmente têm de zelar por êsse sossego, não estão à altura da sua missão.

Ninguém ignora que, há ainda poucos dias - 10 ou 12 -, foram distribuídos em pleno dia, nas ruas do Lisboa, repelentes e afrontosos pasquins, em que, no mesmo tempo que se elogiava determinada individualidade da política, pessoas da maior respeitabilidade política o pessoal eram infamemente atacadas no seu brio e na sua honra.

Pois apesar dêsses pasquins terem sido distribuídos em pleno dia, e de só sabor a tipografia onde êles foram impressos, até hoje ainda a polícia não teve um procedimento, talvez porque não tivesse tido a vontade de averiguar quem eram os autores dêsses pasquins, pasquins em que não só se procurava enxovalhar o nome de alguns parlamentares, mas ainda e de humildes republicanos pertencentes às comissões políticas do Partido Republicano Português, em Lisboa.

Consta-me que em determinado jornal veio publicada uma carta, em que alguém, sabendo que há contra êle um mandado do captura, aconselhava a polícia a que o não prendesse, visto que essa mesma polícia sabe muito bem quais são os autores dêsses pasquins.

Mas seja ou não assim, o que é certo é que são já decorridos 10 ou 12 dias e a polícia ainda nada conseguiu averiguar.

Mas há mais.

Têm-se espalhado, ultimamente, boatos de alteração da ordem pública, atribuída a políticos que militam nos campos mais diversos, e o meu nome tem aparecido ligado ao de pessoas, algumas das quais eu nem sequer conheço e ainda outras das quais me encontro afastado pelos mais profundos abismos.

Não, Sr. Presidente!

Todos que me conhecem sabem que eu sou incapaz de tais concluios.

Não sou do estôfo moral daqueles que, andando na política como aventureiros e repugnantes arrivistas, para saciarem as suas ânsias do mando, não tem escrúpulos em se juntar aos adversários políticos de ontem.

Só podem assim pensar aqueles que assim nos julgam, por serem capazes de indignidades que êles podiam praticar.

Consta-mo que ao Govêrno chegaram informações de que o meu nome havia aparecido no relatório dos agentes da polícia.

Nestas circunstâncias, pregunto ao Sr. Ministro do Interior se, efectivamente, o meu nónio aparece nas informações fornecidas pela polícia. E, no caso afirmativo, prezando S. Exa. as suas funções, como é próprio do seu carácter, visto tratar-se de um oficial superior do exército, pregunto a S. Exa. se nesses relatórios se encontram os dados suficientes que o habilitem a dar como boas essas informações.

Sendo assim, acreditando o Sr. Ministro do Interior nas informações dadas pelos agentes de polícia contra a minha pessoa, como tenho confiança na inteli-

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gência e no carácter honrado de Sr. Ministro do Interior, quero crer que S. Exa. exigia aos seus subordinados as provas, pelo menos de ordem moral, que nestas condições podem ser fornecidas, e, se o meu nome aparecer nas manigâncias conspiratórias, eu do novo pedirei a palavra para declarar à Câmara que imediatamente renunciarei às minhas imunidades parlamentares para me colocar inteiramente à disposição do Govêrno; e, se necessário for, se assim o quiserem, não tenho também dúvida nenhuma em renunciar ao meti mandato de Deputado para ficar simplesmente investido da minha qualidade de oficial do exército, de que muito preza os seus galões.

Eu, que tenho trabalhado contra todas as ditaduras e situações contra a Constituição e protestado sempre que o meu brio do cidadão é ofendido, declaro ao Sr. Ministro do Interior que assumirei perante os agentes de S. Exa. aquela mesma atitude que assumi perante os agentes da situação dezembrista. Nestes termos, declaro ao Sr. Ministro do Interior que nesse caso, como oficial de marinha, irei para o hospital, mas não irei para o govêrno civil.

Tenho um passado que devo ser respeitado pelos homens de bem, um passado político coerente;. tenho combatido contra todos os atentados à Constituição, e a favor dos Governos legalmente constituídos, e, portanto, tenho direito ao respeito de todos. Mas parece que a certos elementos da extrema, não sei se esquerda, se direita, convém deminuir o meu prestígio militar ou amesquinhar a minha qualidade de cidadão republicano, amigo da ordem.

Não sei também se porventura aos elementos da extrema direita convirá o meu nome, por algum prestígio que possa ter, para mais fàcilmente realizarem as suas manigâncias conspiratórias. Para mim tanto valem uns como outros. Não estou com os primeiros nora com os segundos, desde que ataquem a ordem pública, saltem por cima da Constituição ou atentem contra os Poderes legalmente constituídos.

Se o Sr. Ministro do Interior não confirmar o que corre acerca de o meu nome figurar nos relatórios da polícia, pregunto se os agentes continuam a merecer a confiança de S. Exa. É preciso que o Sr. Ministro do Interior diga se os seus subordinados merecem ou não a sua inteira confiança.

Nestas circunstâncias, já todos sabem a atitude que têm de tomar perante os boatos e perante as insídias em que cada um só acho envolvido.

Aguardo a resposta do Sr. Ministro do Interior.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Pinto da Fonseca: - Sabe V. Exa., Sr. Presidente, e sabe a Câmara, que na sessão de anteontem o ilustre Deputado Sr. Sá Cardoso apresentou um protesto contra a situação em que se encontra o presidente da comissão do inquérito aos Bairros Sociais, atribuindo a responsabilidade para essa comissão de não se importar com o labéu de desonesto lançado sôbre um funcionário.

As acusações do Sr. Sá Cardoso foram apoiadas por grande número de Deputados.

Em nome dessa comissão, eu disse que o procedimento tinha sido o mesmo que para administradores, suspensos há muito tempo, e ao mesmo tempo demonstrei que se êsse funcionário não foi ainda ouvido é porque a mesma comissão tem de inquirir várias testemunhas, e não podem ser ouvidas sem terminar o inquérito.

Igualmente afirmou a comissão não ter lançado o labéu de desonesto ao presidente da comissão.

O Sr. Sá Cardoso não se satisfez com as explicações e manteve o seu protesto, que foi igualmente apoiado por grande número de Deputados.

Nestas condições, a comissão reuniu para apreciar os factos, o concluiu que não merece a confiança da Câmara.

Não apoiados.

Nestes termos, a comissão apresenta a sua demissão, conforme o documento que mando para a Mesa.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Vou responder às considerações do Sr. Agatão Lança, segundo a ordem dessas considerações.

Referiu-se S. Exa. em primeiro lugar,

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à organização da Polícia de Segurança do Estado.

Não há país algum que não tenha organizado essa polícia para informação do que se passa, não só no país, mas mesmo no estrangeiro, para questões sociais. e políticas serem conhecidas.

Se V. Exa. me preguntar se a Polícia de Segurança do Estado satisfaz às necessidades do Estado, eu responderei que não, precisando ser remodelada em princípios scientíficos, É preciso que exista a Polícia de Segurança do Estado, mas com outra organização. (Apoiados). É preciso ter à sua frente um homem de prestígio e que se imponha à consideração pública.

É preciso também que a Polícia de Segurança do Estado tenha agentes com competência, astúcia, para assim fazer serviço completo do informação, que possa dar ao Estado a segurança própria que justifica o nome de Polícia de Segurança do Estado.

Vou mais longo: a polícia de investigação criminal não tem os elementos indispensáveis para poder colaborar com os domais organismos. É indispensável introduzir-lhe modificações necessárias para as seguras informações que o Estado precisa.

Quanto às informações, eu direi que os implicados foram ontem enviados para juízo. V. Exa. compreende que eu não posso vir aqui dizer todos os dias o que se passa.

O Sr. Almeida Ribeiro: - Era até inconveniente.

Apoiados.

O Orador: - Certamente que era inconveniente. Os implicados que estavam detidos há 8 dias foram enviados ontem para juízo.

O Sr. Sá Pereira: - Esses homens declararam que não podiam dizer o nome das pessoas que os tinham mandado fazer a manifestação.

O Orador: - O que eu posso dizer a V. Exas. é que até agora se tem feito o que se devia fazer, pois a verdade é que todos aqueles que imprimiram e distribuíram êsses pasquins já foram enviados para os tribunais, e dentro do prazo que a lei determina.

Com respeito à terceira parte das considerações feitas pelo Sr. Agatão Lança, visto elas referirem se especialmente a sua pessoa, deixo V. Exa. que eu lhe diga aquilo que está no meu sentimento, e no sentimento de nós todos.

Todos nós, Sr. Presidente, conhecemos o Sr. Agatão Lança; todos nós conhecemos o oficial de marinha o Sr. Agatão Lança e assim não deve ignorar V. Exa. a consideração que todos nós temos por S. Exa., não deve V. Exa. desconhecer a consideração e a estima que todos nós temos por S. Exa., pela sua lealdade e pelo seu republicanismo, que tantas vezes, tem sido pôsto à prova.

Apoiados.

Mas S. Exa. não deve desconhecer tambem que nestes períodos de perturbação por vozes chegam ao Govêrno informações sôbre possíveis alterações da ordem pública, o sôbre presumíveis autores dessa desordem.

S. Exa., que já esteve no Govêrno Civil de Lisboa, deve saber, por experiência própria, que nossas informações vêm por vezes indicados os nomes de pessoas que na verdade devem estar completamente alheias a qualquer tentativa de perturbação da ordem pública.

Falando como Ministro do Interior, eu devo dizer que o nome de S. Exa. não veio indicado, nem dentro de mim, da minha consciência, eu poderia julgar que o Sr. Agatão Lança estivesse envolvido em qualquer caso de perturbação da ordem pública. Em qualquer caso, que tenha por fiar alterar o estado de ordem e tranquilidade que nós todos queremos manter.

Eu tive ocasião de ver essa lista, e na verdade se lá encontrei o nome de pessoas, que em minha consciência se podem efectivamente considerar suspeitas, outros nomes há de pessoas por quem tenho a maior consideração, não só pessoal como política, dos quais não tenho a menor dúvida que são incapazes, pelo seu republicanismo, de estar envolvidos em quaisquer tentativas de perturbação da ordem.

Devo, pois, declarar a V. Exa. que da parte da Polícia de Segurança do Estado não foi indicado o seu nome nem mesmo pronunciado.

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Creio assim, Sr. Presidente, ter respondido o mais completamente possível às considerações feitas pelo Sr. Agatão Lança, e se S. Exa. assim o entender, e quiser, eu ponho ao seu dispor o meu gabinete para lhe mostrar todas essas informações que tenho.

Creio, repito, ter respondido cabalmente a S. Exa., e para terminar eu reitero a expressão do sentimento que tenho a seu respeito e que todos nós, não só aqui dentro, como lá fora, temos por S. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Agatão Lança: - Sr. Presidente: as últimas considerações feitas pelo Sr. Ministro do Interior fazem com que eu abrevie as que por minha parte tinha a lazer, pois, desde que S. Exa., amavelmente, o que era de esperar devido ao seu carácter, está disposto a pôr a minha disposição essas informações, eu tenho que abreviar e muito as considerações que tinha a fazer.

Ainda assim, Sr. Presidente, eu quero frisar um facto: é a declaração feita pelo Sr. Ministro do Interior relativamente à polícia de segurança do Estado.

Disse S. Exa. que a polícia de segurança do Estado não está organizada como devia estar, e desde que assim é, ela não pode nem deve merecer confiança do Govêrno.

Sr. Presidente: desde que o Sr. Ministro do Interior disse que a polícia de segurança do Estado não tinha indicado o meu nome, eu encontro-me na verdade à vontade para proceder às averiguações que desejo fazer, para encontrar a pessoa que me caluniou.

Devo no emtanto dizer a V. Exa. e à Câmara, que, segundo conversas que tive com alguns membros do Govêrno, ainda ontem nesta Câmara me ficou a impressão de que S. Exas. estavam em dúvida sôbre se eu tinha ou não ligações com êsse movimento.

Lembro-me agora, por exemplo, que saiu de Lisboa para o Algarve um ilustre oficial, o Sr. Filomeno da Câmara, e sei que dizem que eu tinha ligações com S. Exa.

Pois, Sr. Presidente, eu afirmo a V. Exa. que não vejo o Sr. Filomeno da Câmara desde o dia em que S. Exa. respondeu no Tribunal de Marinha há já cerca duas dez meses.

O Govêrno deve ter toda a cautela, empregar o máximo cuidado quando se trata de insinuações como estas, feitas a oficiais cujo passado os impõe ao respeito de todos.

Se hoje se levantam calúnias contra um, amanhã levantar-se-hão contra outro e outro. E eu não tenho dúvida, Sr. Presidente, em afirmar que o Sr. Ministro do Interior, pelo seu carácter, pela hombridade que sempre revela nos seus actos, pelas qualidades que o destinguem, o reconhecerá também.

Assim S. Exa. terá como certo que continuará a merecer a mesma admiração, a mesma admiração dêsses oficiais, que alguns mal intencionados os aviltam na sua honra, apontando-os como conspiradores, para os afectar no seio dos seus partidos, à face de todos os republicanos ou perante todos os homens de bem.

Mas, nós, Sr. Presidente, que não somos simplesmente Deputados, não podemos esquecer também que temos ocupações no exército e na armada e que, por isso temos uma farda, temos uns galões que muito nos custaram a conquistar e que ainda agora mantemos à custa de muito sacrifício e muito sangue, por vezes.

E, se não como políticos nos dão essa satisfação que nos devem, que não dêm como oficiais, quando, porventura, reconheçam que nós somos briosos e queremos acima de tudo o bem da nossa Pátria.

Apoiados.

Nós, os que não são aventureiros políticos mas que querem efectivamente servir o seu país, os que não cobiçam lugares nem ascender às altas situações do mando, estamos dispostos, na nossa qualidade de cidadãos e de militares, a exigir responsabilidades a quem tam fàcilmente nos abocanha e nos atira para uma situação que não só nos afecta materialmente mas que nos pode lesar, sob o ponto de vista moral, à face dos nossos camaradas e até dos nossos subordinados, que amanhã teremos de comandar.

Conhecemos o fim de todas estas manobras: diminuir-nos no nosso prestígio, desacreditar-nos no nosso nome e levar, porventura, êsses humildes servidores do Estado a qualquer movimento de revolta contra nós.

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É contra êstes processos que protestamos, vindo eu, muito deliberadamente, aqui esclarecer a situação, e provocar as declarações do Sr. Ministro do Interior; e, assim, ficam lá fora sabendo as pessoas de bem que não somos daqueles que sorriem a todos os movimentos políticos que estão na forja o antes, pelo contrário, somos dos que, por princípio, não concordam contra qualquer movimento que tenha em vista alterar a ordem pública, agravar a Constituição e os Governos legal e constitucionalmente organizados.

O nosso passado do republicanos e de militares, repito, deve merecer consideração a todos, não só ao Govêrno - e o Sr. Ministro do Interior já o disse, porque outra não poderia ser a resposta do S. Exa., essa justiça lhe faço - mas também a todos os informadores do Govêrno e a todos os homens de bem.

Aos outros, teremos ocasião do escarrar-lhes na cara todo o nosso soberano desprêzo do homens dignos, de militares honrados que por nada - acentue-o bom - por nada, permitirão que alguém, seja quem fôr, em quanto tiverem fôrças, procure diminuir o prestígio dos nossos galões.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Foi aprovada a acta.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara. O Sr. Tavares Ferreira mandou para a Mesa um projecto de lei, para o qual requereu a urgência. Os Srs. Deputados que aprovam, terão a bondade de levantar-se.

Foi aprovada a urgência.

O projecto de lei vai adiante por extracto.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Está pendente da admissão a moção mandada para a Mesa pelo Sr. Jaime de Sousa.

Vai ler-se.

Lida na Mesa, foi admitida.

Moção

A Câmara dos Deputados: Considerando que as circunstâncias graves em que se encontra a província de Angola tornam urgente o financiamento pela metrópole de um empréstimo àquela colónia;

Considerando que a situação financeira criada a Angola nos últimos tempos exige a resolução imediata da crise do crédito e do problema bancário:

Reconhece que a proposta em discussão é já um passo ao encontro destas aspirações, dá-lhe o seu voto e passa à ordem do dia.

Sala das Sessões, em Março de 1925. - Jaime de Sousa.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o parecer sôbre os 9:000 contos ouro a conceder como empréstimo a Angola.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: cumprindo as prescrições regimentais, começo por enviar para a Mesa a seguinte moção:

A Câmara:

Considerando que é urgente acudir à situação da província do Angola;

Considerando que ó indispensável apurar as responsabilidades dos que tal situação criaram;

Considerando que a proposta em discussão vem desacompanhada por completo dos elementos necessários que habilitem a Câmara a conhecer dos meios do que o Govêrno dispõe para financiar a província do Angola: passa à ordem do dia.-- Carvalho da Silva.

Admitida.

Sr. Presidente: já ontem, em nome dêste lado da Câmara, o ilustro leader desta minoria, o Sr. Aires de Ornelas, com toda a autoridade que lhe advém dos seus largos conhecimentos de todos os assuntos coloniais e com a ponderação e elevação imposta a um homem que ocupa a situação honrosa do S. Exa., declarou qual a nossa atitude em face desta proposta em discussão.

Não mo afastarei, portanto, dela, mantendo-me, pelo contrário, bem dentro dos pontos de vista que S. Exa. ontem, clara e elevadamente, nos marcou.

É evidente que não podemos deixar de acudir à província de Angola, que se en-

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contra na situação que o Sr. Ministro expôs, quando disse também que conhecia as tremendas responsabilidades que sôbre êle impendem.

Ao falar do assunto, S. Exa. acrescentou que o problema estava cercado de perigos de toda a ordem.

Não seremos nós, Sr. Presidente, quem por qualquer modo iremos avolumar êsses perigos, e antes faremos tudo quanto nos fôr possível para minorar a angústia de Angola.

É sem dúvida necessário acudir à situação de Angola, mas não podemos deixar de lamentar que, tendo a Câmara aprovado há meses uma moção que reconhecia a urgente necessidade de apurar todas as responsabilidades da administração nessa nossa província, ainda até hoje nenhumas estejam apuradas.

Eu queria que o Sr. Ministro das Colónias fizesse o favor de informar a Câmara sôbre qual é o estado em que estão as investigações nesse sentido; a sindicância, emfim.

Não posso também deixar de lavrar o meu protesto contra o facto de se continuar a manter como embaixador em Londres, uma vez que houve a tristíssima idea de para tal cargo o escolher, um homem sujeito a um inquérito votado pela Câmara dos Deputados!

Esta circunstância demonstra quanta falta de cuidado há na escolha das pessoas que vão ocupar os altos cargos diplomáticos, e nenhum mais alto há na nossa organização diplomática do que aquele que o Sr. Norton de Matos está desempenhando. Rodeá-los de todo o prestígio indispensável deve ser o cuidado constante dos Governos.

Mas, infelizmente, vemos que isso foi esquecido, e o Sr. Norton de Matos continua na sua posição de embaixador numa capital onde a própria imprensa lhe tem feito referências bem pouco agradáveis e bem pouco consentâneas com o prestígio que S. Exa. necessitava manter.

Não venho eu agora fazer acusações que não sejam aquelas que as circunstâncias e o relatório da proposta que discutimos comprovam em absoluto.

O Sr. Norton de Matos está sujeito a um inquérito, e como temos sempre certos escrúpulos de nos referirmos a factos que estão por averiguar, nada mais acrescentarei, lamentando, no emtanto, que S. Exa. não esteja aqui para se defender, como era do seu dever, uma vez que tem assento nesta casa do Parlamento.

Pelo contrário, S. Exa., tendo vindo a Lisboa há poucos meses ainda, dispensou-se de comparecer no Parlamento, onde lhe tinham sido feitas graves acusações a justificar os seus actos.

E mercê, Sr. Presidente, da falta de cuidado do Govêrno que então se sentava nas cadeiras do Poder, o Sr. Norton de Matos voltou para Londres, para onde não devia ter voltado, e para onde S. Exa. não devia ter querido voltar emquanto não estivessem apuradas as suas responsabilidades.

Sinto não ver presente o Sr. Rodrigues Gaspar. S. Exa., por coincidência casual certamente, tem sempre qualquer doença ou qualquer circunstância que o impedem de comparecer nesta Câmara quando se discute a questão de Angola, ou quando se trata de qualquer assunto em que estejam em jôgo as suas responsabilidades como Ministro, que das Colónias foi, durante dois anos.

Mas, Sr. Presidente, desta vez talvez não seja por doença, porquanto eu não conheço confissão mais completa de que são tremendas as responsabilidades do Sr. Rodrigues Gaspar, de que o facto de parecer da comissão de colónias, que êle assinou sem restricções, ser a maior das acusações à sua obra.

O Sr. Mariano Martins (interrompendo}:- Eu não fiz êsse parecer para ser contra o Sr. Rodrigues Gaspar.

O Orador: - Eu vou ler à Câmara.

É a própria comissão de colónias que diz que é pavorosa a crise em que a província de Angola se debate.

Diz a comissão que foi em 1924 que começou a ser conhecida na Metrópole a situação pavorosa da província de Angola.

Então, que Ministro foi o Sr. Rodrigues Gaspar, que só em princípios de 1924 soube e veio dizer á Câmara a situação da crise em que se encontrava a província de Angola?

Não conheço, repito, confissão mais tremenda das responsabilidades que o Sr. Rodrigues Gaspar tem nesta questão de que as palavras que acabei de ler, num

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parecer assinado por S. Exa. e, demais a mais, sem restricções.

Mas, Sr. Presidente, a crise de Angola já vem de há muito tempo, e o Sr. Rodrigues Gaspar, como Ministro das Colónias, não tinha o direito de desconhecer essa situação.

S. Exa. devia fiscalizar todos os actos da administração da província, e por isso a. sua responsabilidade é tam grande como a do Sr. Norton de Matos.

O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo). - Mas V. Exa. já me chamou aqui tiranete por eu ter dado ordens para as colónias.

O Orador: Desde que V. Exa. dêsse instruções de harmonia com as Cartas Orgânicas das Colónia?, ninguém o podia censurar.

Mas, continuando, devo dizer a V. Exas. que ainda ontem o Sr. Mariano Martins, referindo-se ao contrato com o Banco Nacional Ultramarino, declarou que êle era absolutamente ilegal, e que aquela província não o podia ter feito sem autorização da Metrópole.

O Sr. Mariano Martins (interrompendo): - Nem com autorização da Metrópole.

O Orador: - Quere dizer, a falta de competência era agravada com a falta de fiscalização por parto dos Ministros das Colónias, e que deu em resultado que se fizesse tal contrato com o Banco Ultramarino.

Sr. Presidente: lamento que se não tivesse já feito o apuramento do responsabilidades. O Sr. Ministro das Colónias disse que não ora agora ocasião de fazer êsse apuramento, o que o que devíamos fazer era votar ràpidamente a proposta para o financiamento de Angola, para acudirmos de pronto à grave crise e à desgraçada situação em que actualmente se encontra aquela província.

Estou de acordo com S. Exa. em que devemos votar essa proposta, mas não posso compreender como é que, tendo-se já passado tanto tempo desde que se soube na Metrópole a desgraçada situação de Angola, ainda, Sr. Presidente, se não

tenha começado a fazer o apuramento das responsabilidades dêsse gravíssimo facto.

O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): - Eu apresentei aqui, quando Ministro das Colónias, uma proposta de lei criando uma comissão de inquérito às colónias, e, até hoje, essa proposta nem sequer tem parecer das respectivas comissões.

O Orador: - Esta Câmara já há meses que aprovou uma moção do Sr. António Maria da Silva para se fazer um inquérito às colónias. Não percebo, por isso, porque é que V. Exa. não nomeou essa comissão.

O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo):- Não a pedia nomear porque não tinha verba para isso. Por êsse facto, trouxe à Câmara a proposta a que há pouco me referi; mas, repito, ela não tem ainda nenhum parecer.

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, frisada esta circunstância da falta de apuramento de responsabilidades, há ainda um outro facto, e nesse tem o Sr. Carlos de Vasconcelos muita razão, que é de que o Parlamento tem as responsabilidades mais tremendas desta situação, por quanto, tendo começado a saber-se na Metrópole, em princípios do 1924, a situação pavorosa em que se encontrava a província de Angola, êste Parlamento, .que é composto por representantes da Nação, tem-se alheado dêste assunto, não obstante as propostas que aqui têm sido trazidas, a última das quais do Sr.(Carlos do Vasconcelos, quando sobraçou a pasta das Colónias, E só há 4 ou 5 dias é que êste Parlamento verificou, ante as afirmações muito graves, o, infelizmente, bem verdadeiras, que aqui se produziram, que tinha de efectivamente tratar de assunto, porque a província de Angola estava em perigo.

Isto demonstra a maneira como são encaradas as questões fundamentais da vida da Nação.

Sr. Presidente: referiu-se a comissão de colónias à obra do Sr. Norton de Matos, chamando-lhe um sonho delicioso, em que a opinião pública se embalava. Suce-

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deu-se-lhe, todavia, o cruciante pesadelo de que são prova esta proposta e as propostas anteriores.

Como é que um homem que comprometeu a existência da província de Angola pode ser premiado com a nomeação de embaixador em Londres?

Um homem público da categoria do Sr. Norton de Matos e que cometesse os erros de administração que êle praticou, em qualquer outro país do mundo estava para sempre liquidado como político.

Êste facto só por si representa a negação absoluta de todos os princípios de moralidade administrativa e o mais completo desrespeito pelo País.

Diz a comissão de colónias que, ainda mesmo que as obras de fomento tivessem terminado em curto prazo, Angola teria de suportar uma pavorosa crise financeira.

Qualquer obra de fomento para começar a produzir os seus efeitos benéficos em Angola num prazo curto não podia atingir encargos tamanhos.

É tam prejudicial a qualquer país lançar-se loucamente em obras de fomento sem pensar na maneira de ocorrer aos encargos que dessas obras hão de advir, como é prejudicial não fazer nada.

O equilíbrio financeiro impõe que as obras de fomento obedeçam a produzir gradualmente receitas que melhorem a situação do País que põe em execução essas obras.

Não tem, portanto, desculpa nem perdão possível o Sr. Norton de Matos.

Diz ainda a comissão de colónias que acresce o facto de que todas as obras começadas estão longe de serem concluídas.

Esta circunstância ó importantíssima para a proposta que estamos a discutir, proposta que parte do princípio de que a província de Angola pode, três anos decorridos sôbre a aprovação dela, começar a pagar os encargos que são criados à Metrópole.

Nos termos que constam do relatório, não há nada, portanto, absolutamente nada, que possa desculpar o Sr. Norton de Matos.

E a comissão de colónias que o afirma, e é ela que vem fazer ao Sr. Rodrigues Gaspar como Ministro das Colónias as mais tremendas acusações.

Sr. Presidente: é necessário acudir à província de Angola. Perfeitamente.

Mas como?

Quais os meios de que dispõe o Govêrno para financiar Angola?

Bom ó que se saiba que esta proposta não vem resolver a situação.

O Sr. Rego Chaves, que foi Alto Comissário metropolitano de Angola, e que não chegou, a ir a essa província, declarando que tomava essa atitude por ter certos compromissos, cuja não realização o colocaria numa situação desairosa - exemplo que o Sr. Norton de Matos deveria ter seguido quando lhe ofereceram o lugar de embaixador em Londres - o Sr. Rego Chaves apresentou aqui um quadro da situação da província de Angola, e por ai nós concluímos que eram superior a 3.000:000 de libras as dívidas da província, sem falar na situação cambial, que mais grave tornou a questão.

O que não quere dizer que essa parte destinada às obras de fomento seja suficiente para a terminação dessas obras.

Basta o confronto das duas propostas de lei, a do Sr. Ministro das Colónias actual e a do Sr. Carlos Vasconcelos, para não podermos compreender esta diferença extraordinária no montante dos empréstimos podidos.

Assim, o Sr. Carlos Vasconcelos, quando Ministro, pedia que o Govêrno fôsse autorizado a emprestar à província de Angola 5.300.000 libras, em quanto que o Govêrno actual pede apenas 2.000:000 de libras. Logo o que se pede agora é apenas para tapar um buraquinho; mas, em suma, são sempre 2.000:000, que têm o destino constante da proposta ministerial.

Eu peço ao Sr. Ministro das Colónias para me elucidar qual é o fundamento que tem para afirmar que a província de Angola pode ao fim de três anos começar a pagar em espécie os empréstimos. Estou convencido que esta afirmação se pôs aqui, como se podia pôr qualquer outra, não tendo fundamento algum. Realmente, se nós olharmos ao fim da proposta, vemos que só para acudir ao déficit da província são necessários 50:000 contos, tendo aliás o Sr. Rego Chaves afirmado que o déficit deve ser de 60:000 contos, Pregunto pois: então uma coló-

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nia que tom um déficit de 60:000 contos podo começar a pagar os empréstimos que se lhe façam daqui a três anos, quando, de resto, os seus encargos vão ser maiores? As obras de fomento que se vão concluir já então darão o suficiente para só poderem liquidar os encargos que a sua execução trouxe? Suponho que não; deixemo-nos de sonhos como aqueles que atribuiu o Sr. Mariano Martins, no seu relatório, ao Sr. Norton de Matos.

Portanto, é preciso acudir a Angola para manter a nossa soberania, mas quais são os meios de que a Metrópole se vai servir para isso?

Está-se, porém, tratando apenas do actual ano económico. Só os encargos dêste ano económico vão representar para a Metrópole o quê? O que consta do artigo 2.° da proposta de lei.

Em primeiro lugar, há na redacção dêste artigo uma dúvida. Se a situação ó que não exceda 10 por cento a percentagem dos encargos efectivos do empréstimo a contrair, não deve dizer-se "não devendo exceder", mas sim "não podendo exceder".

Se, porventura, V. Exa. tiverem aquela intenção, eu mandarei, se ninguém o fizer, uma emenda para a Mesa na discussão da especialidade, no sentido que acabo de expor.

Também devemos partir dum princípio: estamos numa época de extraordinária flutuação de moeda, e não sabemos, infelizmente, qual será a divisa cambial amanhã; não sabemos se ela será muito pior do que é hoje, e infelizmente temos de admitir esta hipótese. Ora emitir empréstimos, ou contrair empréstimos em ouro numa época de flutuação da moeda desta ordem, tem graves perigos. Mas admitamos que a divisa cambial se mantém tal como está; mesmo assim, esta simples proposta para tapar um buraquinho na situação da província de Angola, isto é, para acudir aos encargos mais urgentes, representará um encargo, se houver tomadores para os títulos dêste empréstimo, - e aí é que ponho não as minhas dúvidas, mas a minha certeza de que não haverá, - representará um encargo de 20:000 contos anuais para a Metrópole. Mas nós temos que prever, pois temos a lição do chamado empréstimo rácico, um agravamento na situação cambial; por

consequência, êste simples buraquinho representa para a Metrópole um encargo indeterminado, pois tanto pode ser de 20:000, como de 30:000 ou 40:000 contos por ano, a pesar no Orçamento.

Desejava, portanto, que o Sr. Ministro das Finanças me dissesse quais os meios de que dispõe a Metrópole para financiar a província de Angola, efectivando esta proposta de lei. Na generalidade, é claro, reconhecemos a necessidade e a urgência de aprovar esta proposta do lei, como já ontem foi declarado pelo Sr. Aires de Orneias.

Mas os termos da proposta de lei são absolutamente inconstitucionais, conforme o n.° 4.° do seu artigo 26.°

Não estão aqui esclarecidas as condições gerais em que deve ser feito o empréstimo. Aqui nem se diz se êste empréstimo, se esta operação de crédito será em ouro ou em escudos.

Querendo a Câmara insistir na aprovação dêste artigo, eu entendo que o Parlamento não deve autorizar o Govêrno a negociar por forma a realizar êsse empréstimo sem que o Parlamento tenha aprovado as bases.

Deve ser uma autorização ad referendum parlamentar.

Eu tenho pelo Sr. Portugal Durão o maior respeito, mas não posso concordar com o argumento de S. Exa., de que pode o Parlamento fechar. Isso, salvo o devido respeito, não colhe. Pois quando isso sucedesse, convocar-se-ia imediatamente o Congresso, para se pronunciar sôbre o caso.

Nós temos já a experiência da Companhia dos Tabacos, que deu as consequências que todos nós conhecemos e que o Sr. Nano Simões também tem pôsto em relevo nesta casa do Parlamento.

A comissão de colónias entende, e muito bem, que deve ser revogada a lei n.° 1:131.

Isto impõe-se. Pois então a Metrópole vai emprestar à província de Angola uma importância que ela não poderá satisfazer.

Não compreendo a opinião do Sr. Portugal Durão, opinião que aliás muito respeito, mas não compreendo por que razão S. Exa. não concorda com esta disposição da comissão de colónias.

Eu não me refiro a pessoas e se o fi-

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zesse estava agora bem o caso, pois o indigitado para Alto Comissário é o Sr. Portugal Durão; mas trata-se de um princípio e êsse é que não se pode pôr em prática.

Pelo n.° 2.° da base 65.ª das cartas orgânicas autoriza-se a contrair um empréstimo.

S. Exa. entende que a província de Angola nas condições em que está não pode contrair empréstimos.

O Sr. Portugal Durão: - Então as cartas têm de ser modificadas.

O Orador: - O regime dos Altos Comissários não é definitivo, é provisório, transitório.

V. Exa. sabe bom o que tem sido o regime de Altos Comissários.

O Sr. Brito Camacho: - Pela lei de 1907 os governadores ficam com as mesmas atribuições.

Eu não compreendo que a Metrópole vá fazer êsse empréstimo à província de Angola.

Não só o Sr. Portugal Durão mas qualquer outra pessoa pode ir animado das melhores intenções, mas pode enganar-se, e assim o Parlamento não tem o direito de dar a ninguém poderes dos quais possam resultar para a Metrópole encargos como êste.

Por isso, quando se entrar na discussão da especialidade, mandarei para a Mesa algumas emendas no sentido de o Parlamento exercer uma mais apertada restrição à província do Angola.

Sr. Presidente: o Parlamento não pode de modo nenhum deixar de apreciar tudo quanto diga respeito à província de Angola, nem tam pouco pode esquecer-se de olhar com a maior atenção para aquela liberdade, aquela autonomia que foi concedida.

Espero, portanto, que o Sr. Ministro das Finanças, visto que a proposta traz grandes encargos para a Metrópole, diga à Câmara quais os meios de que julga poder dispor para ocorrer a êstes encargos.

Desejava também que o Sr. Ministro me dissesse se considera ou não a província de Angola nas condições marcadas na base 91.ª, e, portanto, se concorda ou não em que a proposta da comissão de finanças para a suspensão da lei n.° 1:121 e a proposta tendente a reduzir a autonomia financeira daquela província, deva ou não ser apreciada com urgência.

Sr. Presidente: poder-me hão dizer que lá está o Conselho Legislativo da província para olhar por essas cousas, mas eu responderei que as cousas são o que são, e geralmente os Conselhos Legislativos - isto por informações de pessoas que lá têm estado - são compostos por pessoas que estão na dependência mais absoluta do governador ou Alto Comissário.

O Sr. Brito Camacho (interrompendo):- Não é só isso! Na colónia de Moçambique ó impossível constituir o Conselho Legislativo com as actuais cartas orgânicas. E absolutamente impossível.

O Orador: - Sr. Presidente: a interrupção do Sr. Brito Camacho vem ainda confirmar mais o que ia dizendo. Há até colónias, como a de Moçambique, onde o Conselho Legislativo se não pode constituir por motivo das cartas orgânicas.

Nestas condições, a minha opinião ó de que o Parlamento tem de chamar a si todas as questões de Angola, embora tenha a máxima confiança na pessoa escolhida para ir ocupar êsse elevado cargo.

Tenho dito.

O orador não reviu, nem os "apartes" foram revistos pelos oradores que os fizeram.

Foi lida e admitida a moção do Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Júlio de Abreu: - Sr. Presidente: cumprindo o Regimento, vou ler a moção que seguidamente enviarei para a Mesa:

"Considerando que a actual situação económica e financeira da colónia de Angola é tam grave que a impossibilita de cumprir muitas das obrigações por ela assumidas no exercício autónomo da sua administração;

Considerando que as causas de tal situação foram e são devidas principalmente à dificuldade de conseguir os meios financeiros indispensáveis para o regular prosseguimento das suas obras de fo-

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mento, embora graves erros só praticassem com o aproveitamento dos minguados recursos que do crédito foi possível obter;

Considerando ainda que muito contribuiu para o agravamento da situação a forma como o Banco Nacional Ultramarino deu aplicação aos seus capitais o disponibilidades, esquecendo a sua função de regulador do crédito e dificultando, de maneira assombrosa, a vida económica da colónia, tornando quási impossível a vida do comércio e indústria;

Nestes termos:

A Câmara reconhece que não há motivos para o uso das sanções facultadas pela base 92.ª das leis orgânicas da administração civil e financeira das colónias e que a metrópole deve pôr à disposição da província de Angola, dentro daquelas possibilidades que não lhe possam afectar o seu ambiento financeiro, os meios indispensáveis para saldar o actual déficit orçamental da colónia e para o regular prosseguimento das obras de fomento iniciadas, sobretudo das que foram de natureza imediatamente reprodutivas, o lembra a urgência que há na resolução do problema bancário do ultramar, continua na ordem do dia. - Júlio da Abreu."

Admitida.

Sr. Presidente: começarei por ler algumas das bases orgânicas da administração civil e financeira das colónias.

A base 1.ª diz o seguinte:

Leu.

A base 92.ª, acabada de ler pelo Sr. Carvalho da Silva, mas que vou ler de novo, diz o seguinte:

Leu.

Sr. Presidente: vê-se que, em conformidade com as leis orgânicas, cada colónia tem a sua administração própria e autonomia financeira.

Vê-se ainda que, quando não saibam usar dessa autonomia que fôr concedida, várias sanções há, que ó preciso impor-se-lhes.

Ora, para nós sabermos se Angola excedeu por menos cuidado, ou por qualquer outro motivo, as faculdades que lhe foram concedidas, precisamos de atender às suas determinantes, àquilo que é chamado crise actual de Angola. Não vou referir nomes e a minha critica limitar-se há, apenas, a factos.

Sr. Presidente: somos a terceira potência colonial, e a província de Angola, com cerca de 1.260:000 quilómetros quadrados, para continuar a ser nossa, é preciso que estejamos habilitados financeiramente a dar-lhe muito e muito dinheiro. Mas, quais são os motivos que levaram o actual Sr. Ministro das Colónias e o seu antecessor a trazer ao Parlamento a proposta que neste momento se discute?

Do todos os lados da Câmara foram, ditas várias cousas, cada uma segundo o seu sabor.

Do lado dos monárquicos foi dito que a crise que Angola atravessa é devida à obra do Alto Comissário.

Ninguém deixará de reconhecer erros, e alguns graves, na administração do Sr. Norton de Matos, mas daí até poder responsabilizá-lo só a êle pelo descalabro do Angola, vai um abismo.

Porventura a Metrópole deu os meios financeiros suficientes ao Sr, Alto Comissário para êle realizar as obras de fomento que se delineou, com a aprovação do Govêrno Central, ou pelo menos sem o mínimo reparo?

Todos sabem que não, e que o Sr. Norton só levou consigo, ao partir, o bordão da lei n.° 1:131, que o autorizava a contrair empréstimos ato 60:000 contos ouro, para despender pela forma nossa lei estatuída, e a verdade é que êle alguns recursos conseguiu à sombra dessa autorização, não se tendo provado até hoje que os não gastasse dentro dos limites marcados, mas apenas que êle, por um êrro de visão, despendeu tais recursos em obras dispensáveis para o momento, em vez da os empregar naquelas que eram de natureza mediatemente reprodutiva, em vista da exiguidade dos moios e das dificuldades encontradas cada vez que teve de recorrer ao crédito.

Assim, me parece fazer justiça.

O Sr. Nuno Simões atribuiu a maior razão da crise às deficiências do Banco Nacional Ultramarino.

Outros há que dizem que esta crise é devida à falta de produção e, ainda, o Sr. Portugal Durão acrescentou que era uma crise apenas de tesouraria; eu estou convencido que foram todas as causas apontadas que conjuntamente motivaram â crise em que a província do Angola se encontra.

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Nem a proposta em discussão, nem a do anterior Sr. Ministro nos elucidam sôbre a causa da crise; apenas nos indicam o que Angola deve a longo e a curto prazo e qual o seu déficit orçamental.

Nos relatórios das propostas nada se diz documentado sôbre as origens da crise, e eu penso que isso era absolutamente necessário para ver os remédios a dar-lhe e para com justiça julgar da forma como a colónia usou da autonomia financeira que lhe foi concedida, e se ela deve ser cerceada ou não em conformidade com as leis orgânicas coloniais.

Teremos pois de lançar mão dos documentos que encontrarmos, e eu outros não compulsei que não fossem os orçamentos, as actas do Conselho Legislativo e algumas estatísticas. Ora acontece que, comparando a descrição das dívidas que o relatório do Sr. Carlos Vasconcelos faz com os orçamentos de 1922, 1923 e 1924 neles se encontram elas também desenvolvidas e com as receitas suficientes para lhes fazer face a umas e aos encargos de todas, e portanto tem de se concluir que se trata de uma crise orçamental, proveniente ou de não se terem cobrado todas as receitas previstas ou então de elas se terem desvalorizado em virtude da grande baixa sofrida no valor do escudo angolano.

O Sr. Portugal Durão (interrompendo):- Eu não tive conhecimento dêsse orçamento, mas sei que ha um déficit de 45:000 a 50:000 contos.

O Orador: - Esses encargos têm vindo de 1923 em diante e sempre devidos, em meu entender, à diferença de câmbio entre o que se calculou quando da feitura do orçamento e o câmbio real, não se devendo perder de vista que em Angola em 1924 se chegaram a comprar libras a 300$ e muitas entre 200$ e 250$.

O Sr. Rego Chaves (interrompendo):- No Ministério das Colónias, existe apenas um orçamento, que é o de 1923-1924, e êsse orçamento está equilibrado, se se realizarem os diversos empréstimos.

O Orador:-Mas isso é absolutamente legal, porque nos orçamentos devem figurar todas as despesas e as receitas prováveis para lhes fazer face, inclusive as provenientes dos empréstimos, tanto mais que com estas tinha de contar o Govêrno de Angola, em vista da autorização da Metrópole, e por serem o único recurso financeiro que ela lhe pôs à disposição para fomentar a colónia.

Alguém interrompeu, não se percebendo o aparte.

O Orador: - Bem sei que algumas economias propostas, e até muitas já postas em prática, se têm feito com a redução de quadros e de funcionários, mas a meu ver isso pouco representa para o saneamento orçamental de Angola; o que ali se precisa é duma vontade de ferro que modifique os processos bancários e que lembre aos particulares que a situação é melindrosa e não consente o luxo a que muitos se têm entregado, nem tam pouco que se continuem a desviar tam grandes somas de capitais realizados em Angola, para efeitos comerciais e industriais que com esta colónia outra ligação não têm senão o de sor ela que fornece os capitais.

O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): - Mas a extinção do déficit fez-se principalmente pelo aumento das receitas.

O Orador: - Êsse aumento foi na contribuição industrial e no imposto de palhota, o a população indígena não pode pagar êsse imposto; e sôbre a primeira contribuição há muitas reclamações, sobretudo no distrito de Benguela, onde o comércio, a agricultura e a indústria pastoril e outras estão mais desenvolvidos que no resto da colónia.

Ora, Sr. Presidente, eis o motivo por que trago a esta discussão êste ponto: para o Parlamento ver se realmente deve subsistir o regime dos Altos Comissários ou se deve voltar ao regime dos governadores.

Os que ocupam o lugar de Altos Comissários têm uma representação que não é a dó simples governadores; emfim sempre aumentam um pouco as despesas.

Ora, Sr. Presidente, o Orçamento está desequilibrado, e êsse desequilíbrio pode atribuir-se, como já disse, a quando a libra a 100$, e depois a ter-se chegado a vender a 300$ em Angola.

Em Cabo Verde compravam-se a 200$ quantas aparecessem.

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Portanto essa diferença reflectia-se nesse desequilíbrio, tendo-se calculado em 100$ cada libra.

Não se cobravam alguns dos impostos com que se contava.

Em 1922 recorreu-se ao crédito, para continuar as obras iniciadas em Angola.

Surgiram as dificuldades de crédito, o então recorreu-se ao Banco Nacional Ultramarino, para um empréstimo.

Acedeu êste o contratou emprestar até 10:000 contos (ouro) sem se lembrar da modéstia do sou capital e sem ter em atenção a sua principal função de equilíbrio do crédito colonial, e portanto esquecendo o que devia ao comércio e indústria angolanas e não fazendo o mínimo esfôrço em prover à série de dificuldades que criaria a estas entidades e ao Estado, porque o Banco bem sabia que não tinha disponibilidades para poder cumprir honradamente os encargos que contratara e que o Govêrno de Angola para mais não precisava de dinheiro que não fôsse para satisfazer muitos compromissos tomados fora da colónia.

Porque pediu o Alto Comissário êsse dinheiro?

Para prosseguir as obras de fomento, para pagar material, emfim para fazer todos os pagamentos que tivesse a satisfazer naquela ocasião.

Por isso tinha a característica ouro.

Porque eu não posso acreditar que o Banco Ultramarino julgasse que o Alto Comissário não havia de gastar êsse dinheiro no que fOsse preciso, no que era urgente.

Por isso é que só dirigiu ao Banco.

Teria o Alto Comissário em mente realizar qualquer operação externa de crédito?

Se o Banco alguma cousa sabia, o certo ó que não podia contar com isso, para aceder a tomar tam grandes compromissos como os que se impunha voluntariamente com o empréstimo negociado.

Mas como estas cousas só fazem no campo da realidade, e não dos sonhos, o Banco é o principal responsável, visto que é uma instituição de crédito com administração própria e não podia esquecer a sua primacial obrigação de socorrer o comércio e a indústria da colónia.

Apoiados.

Não devia ter feito tal contrato.

Apoiados.

E, desde que o fez, tinha que cumprir as obrigações tomadas, sem que isso devesse repercutir-se na economia da colónia.

Deve ainda hoje cumprir o seu contrato com õ Alto Comissário, apesar de ter falhado por completo o recurso aos empréstimos fora da colónia.

Mas, suceda o que suceder, o certo é que o empréstimo se fez e que o Govêrno e os particulares exultaram na ocasião, pois lhos pareceu que havia muito dinheiro.

A colónia, vendo que tinha muito dinheiro, deu mais desenvolvimento às suas obras de fomento e o comércio e indústrias aumentaram as transacções; daí o avolumar das transferências, tanto mais que todos olhavam a operação pela sua característica ouro e que todos pensaram que por isso seria utilizada para se fazerem os pagamentos de fora.

Realmente, vendo as disposições do contrato, não encontrei lá nenhuma em que se diga em que devia ser gasto o dinheiro, e dai o poder sor utilizado adentro das cláusulas contratuais para todas as necessidades, dentro ou fora da colónia.

Só o Banco, passados tempos, assim o não entendeu.

Portanto, eis por que o Sr. Nuno Simões tem muita razão dizendo que o Banco foi um dos principais responsáveis daquela situação,

O Sr. Nuno Simões: - Trata-se de constatar factos: foi o que fiz. Se V. Exa. ouviu o meu discurso devo ter visto que tive o cuidado de citar só os factos oficiais.

O Orador: - Também não tenho feito outra cousa senão citar factos.

O Banco, esta afirmação não prejudica o seu crédito, fez um contrato para ganhar, e não sei só ganhou.

Mas fez um contrato que quando feito entre particulares seria cumprido, sob pena de a sua honra correr risco, fossem quais fossem as consequências.

Quando qualquer instituição bancária faz um contrato da natureza do realizado em Angola, positivamente que o não pode fazer para perder e ainda que isso aconteça, o que se não dá no caso em discussão, em nada pode isso contribuir para

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que não seja cumprido, porque só isso é que lhe poderia acarretar o descrédito. Eis porque entendo que, realmente, o Banco é um dos culpados da crise de Angola; e tanto o foi que, segando confessa a comissão de colónias, foi por virtude de êle não fazer as transferências que na Metrópole se soube da crise económica de Angola.

O Sr. Brito Camacho (aparte): - Chegou até ao Ministério das Colónias.

Risos.

O Orador: - O Banco, vendo que não podia cumprir o contrato, e vendo que da parte do Estado se contava absolutamente com a boa fé do Banco, veio pedir qualquer aumento de prémio, e isso como medida para poder cumprir realmente o contrato.

Creio que o Alto Comissário não entendeu que êsse aumento de prémio pudesse regular a situação, não o consentindo. Mas lembrando o Banco que os pagamentos que se fizessem por conta do dinheiro do empréstimo o deveriam ser só em notas de Angola, o Alto Comissário aceitou o alvitre, mas a breve trecho o Banco acusa-o de ser êle que ocasiona a desvalorização dessas notas, depois não faz mais transferências e começa a nota de Angola a andar por toda a parte em busca de cambiais, que consegue efectivamente, mas por preços exorbitantes.

Assim foi, e o que aconteceu a toda a colónia?

Faltando as transferências no Banco, começou-se a comprar por todo o preço os géneros coloniais, vista a grande procura; géneros que em Lisboa eram vendidos por preços muito baixos, porque a necessidade de arranjar dinheiro era enorme e portanto havia o aumento da oferta.

Dêste fenómeno resultou que as transferências assim obtidas pela compra em Angola de géneros e a sua venda em Lisboa chegaram a custar 30 a 40 por cento, vendo-se os comerciantes na obrigação de elevarem consideràvelmente os géneros de consumo em Angola, o que elevou por maneira insuportável o custo da vida, e das novas despesas com o aumento de vencimentos, paralisação das importações,
emfim uma perturbação económica assustadora.

E a tal estado se chegou com a dificuldade de transferências.

E mais um argumento para comprovar que, realmente, o Banco tem graves responsabilidades na crise de Angola.

Mas seria só êle?

Não. Realmente quem administrou e estava à frente de colónias tem responsabilidades; devia saber os meios financeiros com que contava para poder levar a bom fim os altos empreendimentos em que se metera, e deveria ter distribuído os recursos que do crédito conseguira por forma bem reflectida e de maneira que êles não tivessem ficado sem realização na sua maioria, além de pela fôrça das circunstâncias se ter usado do recurso ao crédito e daí a estagnação económica e a crise que a assoberba.

Êste fim era inevitável a meu ver, e vá isto dito sem que represente qualquer falta de respeito por quem estava à frente da colónia de Angola, por quem tenho a máxima das considerações, embora tenha de confessar que errou, o que de resto só não acontece a quem não tem onde exercer a sua actividade, sobretudo em funções de mando.

Não há ninguém, que conheça Angola, que não saiba que os seus melhores instrumentos de colonização são hoje as estradas e as linhas férreas.

Onde passa um caminho de ferro acabam as guerrilhas indígenas e cessam os abusos por estas provocados, vendo-se surgir imediatamente lindas granjas, povoações e estabelecimentos comerciais.

O Sr. Brito Camacho (interrompendo): - Peço desculpa a V. Exa., mas isso não acontece em toda a África.

Em Moçambique há muitos pontos servidos pelo caminho de ferro e que não têm nenhum tráfego.

O Orador: - Isso são apenas excepções a reforçarem a regra geral.

Em Angola sucede que o caminho de ferro é um elemento indispensável para o exercício pacifico da nossa soberania, e para o tráfego e o desenvolvimento da agricultura, comércio e centros de população.

A província de Angola tem muitas po-

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sibilidades; mas, infelizmente, vive ainda quási que apenas no campo das aspirações,

Oitenta por cento dos seus produtos agrícolas são cultivados exclusivamente pelos indígenas.

No que respeita a gado, especialmente gado bovino, a sua grande maioria, para não dizer quási todo, encontra-se nas mãos do indígena, que o permuta a custo com o europeu.

Ê no distrito de Benguela, ao longo da linha férrea, sobretudo em Quilengues, que só encontram as maiores manadas do bois; e êsse gado só por si chegaria para abastecer a metrópole se tivéssemos barcos apropriados ao seu transporte para aqui o maior cuidado no aperfeiçoamento das raças indígenas.

A exportação dêsse gado está limitada a S. Tomé e ao Congo belga.

Já se tentou trazer para Lisboa, mas aconteceu que, além do elevado preço do frete, foram tantas as dificuldades apresentadas pela nossa alfândega, que se desistiu de repetir a experiência, cm. vista dos prejuízos havidos.

O Sr. Brito Camacho: - V. Exa. sabe dizer-me qual ó, em média, o peso dêsses bois?

O Orador: - Deve orçar por 300 quilogramas o peso dos animais que se destinam à exportação.

O Sr. Brito Camacho: - Quero dizer, é gado quando se consome senão em África.

O Orador: - É difícil, realmente, arranjar, nas manadas pertencentes aos indígenas, bois de maior pêso o só o podem conseguir os grandes comerciantes, pelo cruzamento do sementais do várias raças; no emtanto, estou convencido de que já Lá muito gado aproveitável para exportar para a Europa.

Mas, Sr. Presidente, estava eu a referir-me à produção da colónia.

Pelos dados estatísticos que temos, a balança comercial de Angola está perfeitamente equilibrada, tendo ato um saldo a seu favor, isto até 1924, pelo menos.

A produção de Angola, se em relação à sua área ô pequeníssima, não deixa, contudo, de sor enorme relativamente ao esfôrço que isso representa era face do pequeno número dos seus colonos europeus e até ai população indígena.

A população indígena de Angola é, segundo uns, de 3 a 4 milhões, e segundo outros vai até 6 milhões.

Tiremos uma média, e supúnhamos que é do 4,5 milhões.

Excluindo crianças, velhos, carregadores, soldados, etc., poderão apurar-se para o trabalho 1 milhão, incluindo mulheres.

Por êste cálculo, que só poderá pecar por excesso, não teremos a percentagem de um indígena por hectare de terreno agricultarei, o portanto devemos convir em que a produção actual representa bastante esfôrço, atendendo sobretudo a que maquinaria agrícola por emquanto em pouco ajuda.

Be assim é, o permita-se-me o parêntesis, pregunto eu: como é que podemos proteador que a mão de obra para S. Tomo soja fornecida por Angola?

Ocorro-me fazer esta pregunta, não para que me respondam, mas para que cada um penso nela, pois teremos de qualquer dia fazer referencias ao assunto em virtude da interpelação do Sr. Brito Camacho.

Sr. Presidente: para documentar a afirmação que faço, de que a balança comercial do Angola está perfeitamente equilibrada, ou vou ler à Câmara os números que constam das estatísticas referindo-se ao período de 1920 até fins de 1923.

O Sr. Velhinho Correia: - Os valores da exportação indicados nas estatísticas são quási sempre inferiores aos da realidade.

O Orador: - Se êsses números são inferiores h realidade pelo que respeita à exportação, são também naturalmente inferiores à realidade no que se refere à importação, e portanto as proporções mantêm-se as mesmas.

Angola tinha, portanto, em 1923, um saldo positivo de 2:000 contos na sua balança comercial.

Qual é, pois, o motivo da crise que essa província atravessa?

Porque se desvalorizou por tal forma a moeda em Angola, tendo a província a sua balança comercial equilibrada?

Outras razões terá havido.

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Não seria o próprio Banco Nacional Ultramarino que, espalhando por toda a parte as suas notas de Angola, determinou uma menor confiança nessas mesmas notas?

E porque levaria tais notas para as outras colónias do ocidente africano?

Para evitar certamente o pagamento das rendas legais às respectivas colónias e para comprar cambiais, ajudando assim a alta destas, pois que deu o exemplo aos particulares para se entregarem a tal comércio e estabeleceu se assim a grande concorrência e por consequência a menor oferta daquelas e a sua alta brusca. Em Cabo Verde venderam-se libras por 300$ em notas de Angola.

O Sr. Velhinho Correia: - O estudo de V. Exa. é incompleto, porque lhe falta a referência à balança de pagamentos.

O Orador: - É essa a que já antes me referi e ia novamente considerar, do que me abstenho, visto a referência de V. Exa.

Mas, continuando; mais uma razão a acrescentar para a situação aflitiva de Angola.

Não são só erros administrativos, mas erros que vêm de diversas entidades, como seja o Banco, e mesmo dos particulares.

Êstes, quando viram tanto dinheiro na colónia, aumentaram as importações e transferiram grandes lucros para Lisboa, empregando-os em negócios estranhos à colónia; os funcionários públicos e particulares, obtendo grandes vencimentos, transferiram mais avultadas somas, emfim todos contribuíram para a crise.

Tudo isto não será suficiente para explicar a crise que em Angola existiu de sempre, reflectindo-se no seu permanente déficit orçamental?

Serve isto para dizer que em meu entender Angola não deve mudar de regime administrativo. Agora os Altos Comissários de hoje é que devem saber quais as obras que devem prosseguir na colónia, considerar nos meios que têm para as efectivar, se haverá possibilidades de poderem continuar todas as iniciadas ou se só devem ser preferidas as que mais depresssa sejam reprodutivas. E em face disto, julgo que as sanções da base 92.ª não devem ser aplicadas a Angola.

Mas de tudo isto o que resulta é que ó preciso acudir à crise de Angola. Como? Dando dinheiro à colónia. E é para isso que aqui está esta proposta de lei. Traz, porém, esta proposta de lei as vantagens que dela se esperam? O financiamento das obras, embora de natureza imediatamente reprodutiva, e o pagamento das dívidas a que se refere o relatório, estarão assegurados por esta proposta de lei?

Ponho isso muito em dúvida.

Hei-de ter ocasião de ouvir o Sr. Ministro das Finanças sôbre o assunto, mas parece-me que a Metrópole não pode actualmente, na situação em que se encontra, financiar Angola nos termos em que ela precisa de ser financiada, ainda que só para a parte que agora se pede. E não pode porque todos nós sabemos como cá se vive, todos nós conhecemos o déficit orçamental e qual o ouro com que podemos contar.

Eu bem sei que na proposta de lei há o artigo 2.°

Quere dizer: a metrópole vai já financiar Angola ou vai arranjar o seu financiamento por meio dum empréstimo?

Se se vai arranjar um empréstimo, porque é que em lugar de 2 milhões não se pedem mais milhões, para acudir à Metrópole e à colónia?

Creio que a Metrópole não estará habilitada a acudir por si só à província, mas se está, ainda bem. ^Mas mesmo assim não causará isso perturbação na nossa divisa cambial?

É verdade que já está fixo o câmbio da libra em 100$? E é aí que se pode manter, mesmo financiando Angola, sem a possibilidade de baixar a 70$ como quere o Sr. Velhinho Correia...

O Sr. Velhinho Correia (interrompendo): - Eu não disse bem isso. Que podia ir até 71$, afirmei.

O Orador: - Se realmente podemos, mantendo o câmbio actual, financiar Angola, eu voto a proposta sem restrições. O que eu não queria era votar qualquer cousa que fôsse apenas um sonho. Quero uma realidade e que de facto a colónia seja habilitada com os meios financeiros que lhe são indispensáveis para, pelo menos, sair da situação actual.

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Quando se tratar desta proposta na especialidade é possível que eu tenha-se outrem o não fizer - de mandar para a Mesa algumas emendas.

O artigo 1.° a primeira vista e confrontado com o artigo 2.° dá a impressão de tratar-se de duas operações diferentes. Sei que não é essa a intenção, pois que o artigo 2.° se refere ao artigo 1.°, mas isso na1 o está expresso. Ora, Sr. Presidente, todos os cuidados são poucos.

Diz-se no artigo 1.°.

Leu.

E no seu parágrafo acrescenta-se.

Leu.

E depois o artigo 2.°, sem qualquer referência ao artigo 1.°, diz:

Leu.

Sei que não ó de duas operações que se trata, mas sim da mesma. Mas será bom que êste artigo se ligue de qualquer forma com o primeiro. Sôbre êste ponto eu terei ocasião do mandar para a Mesa uma emenda.

Outro reparo eu queria fazer às emendas introduzidas pela comissão de colónias.

Concordo com todas elas, e ato com as que restringem a aplicação da lei n.° 1:181; entendo, porém, que não é do Parlamento que devo depender a aplicação desta lei, e por uma razão muito simples, a de que o Parlamento pode estar fechado na época em que se possa conseguir um empréstimo vantajoso, por exemplo. Além disso, o Parlamento é muito demorado nas suas deliberações, e por vezes quere elucidá-las tanto que as compromete. Como V. Exas. sabem, estas operações do crédito são tam melindrosas às vezes que, quando se não aproveita uma ocasião que se dopara vantajosa, podem comprometer-se do vez. E, assim, seria melhor talvez dispor que não poderá usar-se da lei n,° 1:131 sem autorização da Metrópole, ouvido o Conselho de Ministros. Dava-se uma arma a quem fôsse governar Angola e tinham-se as cautelas bastantes.

Postas estas considerações, direi que outras muitas teria de acrescentar. Mas, como me pediram para ser breve, e como já disse o essencial do que queria dizer por agora, termino-as, expressando claramente qual será o meu modo de votar. Votarei esta proposta na generalidade o na especialidade aprovarei as emendas

que foram introduzidas pela comissão de colónias e ainda mais algumas que eu ou algum outro Sr. Deputado mande para a Mesa no sentido que há pouco enunciei. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! Foram lidas na Mesa as seguintes substituições em comissões:

Comissão de correios e telégrafos

Substituir o Sr, José de Nápoles, durante a ausência, pelo Sr. Dinis de Carvalho.

Para a Secretaria.

Comissão de marinha

Substituir o Sr. António Maia, durante a ausência, pelo Sr. Dinis do Carvalho.

Para a Secretaria.

Lida na Mesa a moção do Sr. Júlio de Abreu, foi admitida.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: - Sr. Presidente: numa das últimas sessões, o ilustre Deputado, Sr. Nuno Simões, falando sôbre a forma apressada como se queria examinar agora a proposta de financiamento de Angola, referiu-se à atitude da Câmara para com o antecessor do actual Ministro das Colónias, deixando jazer na comissão respectiva, durante sois meses, uma proposta de financiamento por êle apresentada, produzindo-lhe o maior obstrucionismo possível quando da sua apresentação, o procedendo para com elo de forma a colocá-lo, como disse S. Exa., politicamente mal.

S. Exa. foi demasiadamente benévolo quando disse que o Ministro tinha ficado mal colocado.

Toda a discussão que então aqui se desencadeou teve, naturalmente, por fim colocar pessoalmente mal a pessoa que nessa altura ocupava a pasta das Colónias.

É claro que não podemos deixar de ter uma certa mágoa ao constatar que, em determinados problemas, mais nacionais do que propriamente coloniais, como muito bem disse ontem o Sr. Aires de Ornelas, se venha para aqui procurar desprestigiar aqueles que, no melhor dos propósitos, apresentam soluções para êsses problemas, pouco se importando de que, ferindo o Ministro, podem também ferir até

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mesmo a integridade de interêsses nacionais.

E costume político, Sr. Presidente, quando se sai das cadeiras do Poder, vir para as bancadas desta Câmara fazer pagar caros os trucs de que se serviram os que os derrubaram.

Não há dúvida, Sr. Presidente, de que tem sido êste o sistema seguido, o, para mal da República e dos interêsses do País, muitas pessoas têm pôsto acima dos interêsses nacionais as suas vaidades feridas que são, incontestavelmente, pouco de considerar perante os importantes problemas que se apresentam nesta casa do Parlamento.

Ao discutir-se o problema de Angola, eu faço estas considerações para firmar bem no espírito da Câmara que as minhas palavras serão despidas do qualquer sentido do represália, e que não procurarei de forma alguma retorquir àqueles que, dentro desta Câmara, me atiraram com cascas de laranja, a torto e a direito, o que me fizeram aquele obstrucionismo a que tão acostumados estivemos durante o Gabinete do Sr. José Domingues dos Santos, a que muito me honro de ter pertencido.

Sr. Presidente: ao assumir, em má hora, a gerência da pasta das Colónias, um dos problemas mais graves que se me apresentaram foi, incontestavelmente, o de Angola.

Tive em poucos dias de proceder ao balanço da situação dessa colónia e de elaborar a proposta de financiamento que se encontra na Mesa.

Para elaborar essa proposta de financiamento eu tive de recorrer a diversas fontes, e com estranheza eu noto que o parecer da comissão afirma que só no secretário do Sr. Malheiro se encontram os dados precisos para detalhar a situação de Angola.

Não se deu a comissão do colónias ao fácil trabalho de lançar mão de outros documentos, pois, se assim tivesse feito, teria logo encontrado elaboradas as fontes do que me servi para a elaboração dessas contas.

Digo eu, Sr. Presidente, no meu relatório o seguinte:

Leu.

Nos termos do meu relatório, êsses documentos encontram-se no Ministério das

Colónias, e pouco será o trabalho para os ir ver, e examinar e conferir as verbas devidas, pois tive o cuidado de entregar ao meu antecessor um resumo das dívidas que só encontram no meu relatório sob a rubrica de dívida flutuante em escudos e de dívida flutuante em libras.

Para elaboração da minha proposta de financiamento eu entendi, como não podia deixar do entender, que um dos pontos principais seria a criação da caixa de conversão e a mobilização, ou antes a concentração de todos êsses valores do Estado, quer na Metrópole, quer nas colónias, e pondo à disposição do Govêrno grandes recursos facilitaria o financiamento do Angola, passando assim para a Metrópole todas as dívidas dessa colónia.

No emtanto, como não tinha sido aprovada a proposta da caixa de conversão que se encontrava na minha proposta de lei, referi-me unicamente à Caixa Geral de Depósitos, no convencimento em que estava, e ainda estou, de que essa entidade pode, de acordo com o Ministro das Finanças, proceder à mobilização dêsses valores, fornecendo à colónia aquilo que ela necessita para o seu financiamento; não um financiamento barato mas sim aquilo que ó absolutamente necessário.

Sr. Presidente: acima de pequenas divergências políticas, esta é uma das questões mais altas: a questão de sermos a terceira potência colonial do mundo.

Esta situação, extremamente honrosa, impõe-nos deveres, obriga-nos a determinadas atitudes o a muitos sacrifícios, e é sempre com horror e mágoa que ouço afirmar aqui, ou em qualquer parte, que nós não podemos dispor de recursos para auxiliar as nossas colónias. Essa afirmação, cujo eco lá fora nos tem colocado numa situação absolutamente secundária, permitindo que se avente na Sociedade das Nações a possibilidade de passar as nossas colónias para o regime do mandatos, essas palavras, repito, não devem sair dos lábios de portugueses, porque elas representam para nós um perigo de ordem internacional, além de afectarem o nosso crédito, que é absolutamente indispensável para darmos às colónias os recursos de que carecem.

Ouço dizer, Sr. Presidente, que não podemos dispor de recursos para acudir às

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colónias, mas o que não ouço a ninguém dizer, é que todas as nações, as mais fortes, recorrem ao empréstimo externo, o natural é que ou, na elaboração da proposta do financeamento, chamando à Metrópole as dívidas da colónia, contasse com as operações do crédito que a Metrópole pudesse realizar no estrangeiro, para fornecer à colónia de Angola.

Mas, quais eram as dívidas do Angola?

Sr. Presidente: num trabalho a que o Sr. Rego Chaves, então Alto Comissário, deu a maior parte dos elementos, verifica-se que elas são de carácter consolidado, umas, o de carácter flutuante, outras.

As dividas consolidadas, que se encontram no relatório, eram representadas principalmente pelo empréstimo do Banco Nacional Ultramarino à colónia, na importância de 162:200 contos, acrescida de mais 2:300 contos de empréstimo garantido.

A propósito dêste empréstimo, a imprensa, após a apresentação do meu relatório, fez considerações a que hoje não posso deixar de responder.

Dois jornais afirmaram categoricamente que eu, na enunciação das dívidas de Angola, favorecera o credor, Banco Nacional Ultramarino, enunciando em escudos do Angola ou da Metrópole o montante dessa dívida. E o que é mais de estranhar é que o próprio Sr. Norton de Matos, no meu gabinete, afirmou que essa dívida não podia ser representada por escudos de Angola, visto que era uma dívida ouro.

Sr. Presidente: a êsse ponto não posso deixar do responder, lembrando a V. Exa. o à Câmara a parte do contrato feito entre o Sr. Norton de Matos e o Banco Nacional Ultramarino, para a emissão dêsse empréstimo.

Veja-se a cláusula.

Acusaram-me de eu querer dar ao Banco Nacional Ultramarino um presente de 30:000 contos.

O ágio do ouro era então de 2:600 por cento. A dívida de Angola era de 165:200 contos.

Passando para a Metrópole a dívida consolidada de 165:200 contos, eu tencionava proceder a operações preliminares para apresentar uma proposta de conversão dessa dívida.

Entrei em negociações com o Banco. Se a memória mo não falha, a base da conversão era a do 20 por cento de desconto sobro o montante da dívida.

O pagamento não seria feito em títulos ouro, como há dias disso o jornal Novidades, mas sim em quaisquer títulos do Estado, de renda perpétua.

Era o que eu pretendia fazer para aliviar Angola,

Havia também enumerado nas dívidas do consolidado a operação do empréstimo dos diamantes, em diversas operações feitas antes do regime dos Altos Comissários.

Na dívida flutuante englobaria uma verba em escudos de 54:761 contos o uma verba de 291:612 libras.

Depois de feita a minha proposta de financiamento, alguns dados mo foram fornecidos que mo levaram a fazer diversas rectificações às verbas enunciadas. Tive até ocasião de dizer ao Sr. Deputado por Angola, Carneiro Franco, que em breve enviaria à comissão do colónias uma nota de dívida e de rectificação à dívida, para que essa comissão pudesse fazer um juízo seguro sobro a situação de Angola.

Assim, por exemplo, quanto ao financiamento da província, eu tenho de fazer diversas rectificações que me foram sugeridas pela própria colónia.

Independentemente das obras do porto de Loanda em que tínhamos de pensar com mais cuidado, em virtude do circunstâncias especiais de momento, a verba para o porto do Lobíto tinha de ser elevada a 18:000 contos, importância apenas aplicável à conclusão da primeira étape.

O caminho do ferro de Loanda, cujo financiamento estava orçado em 15:000 contos, forçou, também, a um aumento do verba que passou a ser de 20:000 contos.

O caminho de ferro de Mossâmedes passou a ser financiado em 6:650 contos e a verba de 15:000 contos destinada à conclusão de várias obras dispersas pela província teve de ser elevada a 17:000 contos. A juntar a estas verbas que tiveram de ser aumentadas há ainda mais outras duas: uma de 5:000 contos e outra de 8:000.

Mas, se eu tenho de fazer rectificações e emendas na parte relativa às despesas,

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eu tenho, também, de n s fazer no que diz respeito ao orçamento da colónia.

Mais tarde, em virtude de trabalhos feitos pelo ex-Alto Comissário Sr. Norton de Matos e depois sob a minha direcção o déficit da província ficou reduzido, não a 55:000 contos, mas sim a 42.000. Êsse déficit foi ainda deminuído pela criação de novas receitas provenientes do lançamento de várias contribuições.

Sr. Presidente: o relatório que o Sr. Ministro das Colónias apresentou à Câmara molda-se mais ou menos naquele que eu tive a honra de apresentar. S. Exa. o afirmou já com a maior nobreza.

Ia ou dizendo que no relatório de S. Exa., o Sr. Ministro das Colónias, afirma-se que há um agravamento quanto ao déficit de cerca de 15:000 contos. Neste ponto S. Exa. afastou-se do meu relatório e, permita-me também que lhe diga, afastou-se da realidade dos factos. Eu na previsão feita na minha proposta de lei referi-me unicamente ao 1.° semestre de 1925, porque o déficit representado por dívidas já estava incluído na relação que consta do meu relatório, e que figura nas verbas de 54:000 contos e 291:000 contos; mas, indubitavelmente, S. Exa. não pôde, porque não teve tempo para isso, fazer um exame mais minucioso ao relatório, e por isso fez aquela afirmação que eu não podia, contudo, deixar passar em julgado.

Disse também S. Exa. que tirou os 30:000 contos de cédulas. Também no meu relatório foram tirados. Êles figuram unicamente para o balanço geral da situação de Angola, não figurando, porém, na lista dos encargos que havia necessidade de satisfazer dentro do ano económico.

Quanto à proposta de lei, eu só tenho a dizer à Câmara que a minha proposta de financiamento correspondia a uma sanção a aplicar a uma colónia que não se soube administrar, não retirando-lhe em absoluto a autonomia financeira, pois que a sanção estava mais ou menos esbatida dentro do princípio geral da Caixa de Conversão, mas impedindo-lhe absolutamente de contrair empréstimos à la diable, que viessem colocar amanhã a Metrópole nas condições mais angustiosas para os poder satisfazer.

E eu digo que desejaria aplicar uma sanção à colónia, porque as responsabilidades que caíram sôbre o Sr. Norton de Matos têm de ser compartilhadas absolutamente pela colónia..

Realmente o Sr. Norton de Matos, a cajás altas qualidades presto justiça, a cujo patriotismo não posso deixar de prestar o mais rendido preito, teve a colónia toda a sou lado ao empreender a grande aventura em que se meteu; não houve uma única voz discordante nos louvores que se dirigiam ao seu empreendimento. S. Exa. imperava no Conselho Legislativo da província, e esta toda fremia perante a grandeza do sonho de S. Exa.

Apoiados.

Tem de se aplicar, portanto, a sanção que comina a lei, o que representa um acto absolutamente indispensável para que amanhã as outras colónias não sigam pelo mesmo caminho, e entrem no caminho de economia.

Interrupção do Sr. Mariano Martins.

O Orador: - Nos termos da base 92.ª, a Metrópole não pode favorecer qualquer colónia que mio tenha sabido administrar-se, sem aplicar a devida sanção.

Não há nas minhas palavras o intuito de possivelmente colocar mal a individualidade a que me tenho referido.

Não há nas minhas palavras a menor dificuldade levantada à solução, do problema de Angola.

No emtanto, é preciso que nos compenetramos de que os homens pouco valem perante a lei, e o nosso ponto de vista social tem de ser desviado, tem de se sujeitar às condições de momento, e obedecer aos princípios de ordem legal, que é absolutamente necessário que apliquemos.

O caminho em que as nossas colónias caminham é absolutamente perigoso; e dentro do Ministério das Colónias alguém há que pode impedir a marcha perturbante dessas colónias.

Falou o Sr. Aires de Orneias no perigo internacional.

Não posso acompanhar S. Exa. nessa orientação; e é com grande magoa e sentimento que constato que em Angola se permite que jornais publiquem artigos confrontando a situação angustiosa da província com a próspera da União Sul-Africana.

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Estranho que em Angola ainda só tenha feito sentir mais largamente a acção perigosa de determinados elementos, que é preciso afastar da colónia, porque representam um perigo na situação administrativa e política da província, o até na sua situação financeira.

Porque amanha podemo-nos ver obrigados a despesas muito grandes que nos ocasionem encargos tremendos, para reprimir qualquer movimento feito pelos exploradores do Angola, talvez (quem sabe?) alimentados por influencias estranhas, que se estão infiltrando na vida da província, apoderando-se de pontos estratégicos, concentrando-se a dentro do território o preparando algum golpe definitivo, que nos possa ser fatal.

Disse muito bem nesta Câmara o Sr. Aires de Ornelas: não Lá o perigo alemão em Angola, mas o perigo de que os alemães estejam em grande número em Angola, E, com efeito, Sr. Presidente, podemos dizer que não há o perigo de que a Alemanha vencida c exausta se vá apoderar da província; há, porém, Sr. Presidente, o perigo grande de que determinados vizinhos da colónia se aproveitem dessa infiltração estrangeira para provocar um movimento que a torne - não independente, que não está em condições do o ser - mas, pelo menos, qualquer cousa diversa daquilo a que todos nós aspiramos.

Apoiados.

Eu não quero, Sr. Presidente, referir-me mais largamente a esto aspecto do problema, porque infelizmente êle apresenta-se-nos por outros bastante graves também, quais sejam o financeiro, o da paralização das obras, o das transferências ainda não resolvido inteiramente, o político e internacional.

No campo político V. Exa. Sr. Presidente, bem como o Sr. Ministro das Colónias, devem já estar inteirados sobro o que se passa em Angola, e eu não desejo aqui proferir qualquer palavra que possa de forma alguma amanhã ocasionar o enfraquecimento da acção que o Sr. Ministro das Colónias ou o Alto Comissário tiverem de ter nessa nossa- possessão ultramarina.

O problema de Angola, sob o ponto de vista económico, deve ter uma finalidade própria e cuidadosamente estudada, devendo revestir um carácter acentuadamente nacional. E é nosso ponto, Sr. Presidente, que eu mais admiro o Sr. Norton de Matos. S. Exa., do facto, vincou bem em todos os seus empreendimentos, em todos os actos da sua vida de Alto Comissário, um espírito absolutamente nacional, profundo e, por vezes, grandioso.

Eu creio que nesta Câmara se proferiram já algumas palavras - o eu creio que foi até o Sr. Nuno Simões quem as disso - no sentido da necessidade urgente que há do tratar da elaboração dum plano, na matéria a que mo vinha referindo.

Ao assumir a regência da pasta das Colónias e cumprindo um dos pontos do vista do Ministério, de que me, como de ter feito parte, enviei para as Colónias diversas instruções telegráficas. Uma delas, referente a Osso plano, era concebida nos seguintes termos:

Leu.

V. Exa. Sr, Presidente, por esta minha leitura, como ou encarei o problema, procurando resolvê-lo.

Eu bem sei que toda a gente hoje fala no plano geral do administração.

E já António Enes, em 1882, se bem me recordo, no seu relatório, dizia que um País como o nosso, essencialmente colonial, ainda não tinha elaborado o seu plano geral de administração colonial.

Sobro êste termo, eu tenho ouvido bordarem-se as mais variadas considerações.

No Senado, ao apresentar-se o Ministério da Presidência do Sr. José Domingues dos Santos, várias pessoas falaram dêsse plano geral, dizendo que isso era uma sobreposição de planos superficiais. E, lá fora, em comícios e conferências tem-se afirmado que um só homem não podia organizar êsse plano, e, que só uma comissão é que o poderia elaborar.

Sr. Presidente: eu preciso do dizer a V. Exa. e a Câmara que, desde que Albert Sarrault publicou o seu livro, a nossa directriz colonial mudou em absoluto, integrando-se completamente nos processos indicados por Albert Sarrault, sem sequer ninguém se ter dado ao trabalho de ver se elos eram ou não mais atrasados do que os dos nossos coloniais.

Porém, vou dizer a V. Exa., de que consta êsse plano geral de administração colonial, o qual abrange não só a parte económica, como a parto política, finan-

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ceira e administrativa, como aliás quási todos os planos do administração.

Vou ler à Câmara umas pequenas instruções sobro a parte administrativa, isto é, sôbre a elaboração do plano orgânico das Colónias.

Era primeiro nas colónias, como era de toda a justiça, que se estavam elaborando os planos parciais que, reunidos depois no Ministério das Colónias, serviriam então para que aqueles que, de facto, podiam sôbre cada colónia emitir uma opinião autorizada, constituíssem não uma comissão, mas sim um grupo que auxiliasse o Ministro na revisão dêsses planos parciais, e fosso então elaborado osso plano geral, que tinha do atender aos elementos do ligação entro as Colónias e a metrópole.

Reputava eu que determinadas medidas, principalmente as relativas à vida de relações, fossem somente manejadas no Ministério das Colónias, porque a metrópole, dando a descentralização administrativa às Colónias, não pode, de forma alguma, abdicar da sua função directora e fiscalizadora.

Apoiados.

Respondi assim, creio eu, às palavras do ilustro Deputado, Sr. Nuno Simões. E, tenho a certeza de que o Sr. Alto Comissário que for nomeado para Angola lá encontrará já elaborados os planos que servirão de ponto de partida para se formular o plano necessário ao desenvolvimento da Colónia, plano que, repito, é absolutamente necessário.

Uma das cansas do fracasso da administração do Sr. Norton de Matos provém exactamente da falta absoluta dum plano de acção.

Disse-se que era deficiente o plano de melhoramentos enunciado na minha proposta financeira.

Eu tenho a dizer a V. Exa., Sr. Presidente, como já foi declarado e muito bem pelo Sr. Ministro das Colónias, que não podia, numa proposta do financiamento, apresentar um plano completo do que seria necessário fazer para o ressurgimento de Angola.

No emtanto, terei muito prazer em defender perante a Câmara todas as obras enunciadas neste relatório, pois que indubitavelmente elas são as mais urgentes e aquelas do que pode advir aquele futuro

absolutamente promissor que a província de Angola nos pode oferecer.

Começarei por me referir ao porto do Loanda.

Havia um contrato realizado pelo Sr. Norton de Matos para a realização das obras dêsse porto.

O Sr. Norton de Matos, futurando fazer em Angola um empório colossal, pensou em construir em Loanda um porto magnífico, que satisfizesse a êsse objectivo.

O orçamento dessa obra era, relativamente à capacidade da colónia, também colossal, pois custaria 1 milhão de libras.

Nesses termos foi assinado o referido contrato.

Infelizmente, porém, não pôde realizar-se o que o Sr. Norton de Matos desejava e em dada altura, quando eu era Ministro das Colónias, os engenheiros construtores do porto de Loanda tiveram de retirar-se.

Pretendi eu que êsse porto tivesse as condições indispensáveis ao seu tráfego e assim orcei em 8:000 contos o acabamento das obras, para não perder o que já estava começado.

O porto do Lobito é, como, todos nós sabemos, o melhor porto da África Ocidental. O seu movimento, que já é importante, vai ser enorme quando as minas de Katanga estiverem em laboração.

O caminho de ferro de Loanda ofereceria em breve todas as possibilidades de uma melhoria grande na sua situação económica.

As informações que tenho sôbre êsse caminho de ferro são as mais favoráveis.

Calcula-se em 200:000 toneladas a quantidade de milho que poderá sair pelo porto de Loanda.

O caminho de ferro de Mossâmedes carece de sor substituído porque a sua linha está estragada. Estando já comprado o material, havia que empregá-lo nessa linha, a fim do ela ficar em condições de satisfazer às necessidades do tráfego.

A região de Gand, onde se encontram as antigas minas já exploradas no tempo do Marquês do Pombal, fica a 230 quilómetros da costa, margem esquerda do Zaire. O Sr. Norton de Matos visitou essas minas e creio que recebeu uma impressão desoladora.

Voltou a Loanda e não quis pensar-

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mais na solução dêsse problema. Mas tempo depois visitou as minas da Catânia e vendo a configuração do terreno o os indicies pelos quais os técnicos descobrem a existência de minas, voltou às minas do Gand e resolveu financiar uma emprêsa para a sua exploração.

A ocupação da margem esquerda do Zaire representa para nós uma afirmação de soberania que não pode agradar aos que mais ou menos desejam que essa margem lhes pertença.

O Sr. Norton do Matos, então} numa visão patriótica a que presto toda a justiça, procurou uma base de penetração pela margem esquerda do Zaire ato as minas do Gand.

Foram feitos os estudos para o caminho de ferro.

Esta obra é indubitavelmente superior pelo seu futuro económico, e, principalmente para efectivação da ocupação da margem esquerda do Zaire.

Como V. Exa., Sr. Presidente, já me disse que deu a hora de se passar ao período do antes de se encerrar a sessão, eu peço a V. Exa. a fineza de me reservar a palavra para a próxima sessão.

Por hoje, tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráfcas que lhe foram enviadas.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Pina de Morais: - Sr. Presidente: desejo preguntar a V. Exa. se tenciona marcar sessão para a próxima segunda-feira.

O Sr. Presidente: - Sim, senhor. É essa a minha intenção.

O Orador: - Sr. Presidente: desejo dizer que, passando na próxima segunda-feira o aniversário do maior escritor português, entendo que essa sessão deveria ser destinada a homenagear a sua memória.

Mas, como as minhas informações me levam a concluir que na próxima segunda-feira não haverá sessão, eu acho que bem avisada andaria a Câmara consignando que essa sessão se não marcasse, como homenagem ao grande escritor, que foi Camilo Castelo Branco.

O Sr. Brito Camacho (em aparte): - É uma homenagem por omissão.

O Orador: - O aparte de V. Exa. foi, sem dúvida, interessante, e eu creio que a omissão podia evitar-se se cada um dos parlamentares, que vai assistir às festas de homenagem, aproveitasse o ensejo para manifestar o grande carinho que à República sempre têm merecido os vultos da nossa literatura.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem. Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Em virtude da manifestação da Câmara, a próxima sessão é na têrça-feira, com a seguinte ordem de trabalhos:

Propostas de lei n.ºs 843-B e 857-A e parecer n.° 873, que autorizam o Govêrno a pôr à disposição da província de Angola determinada importância.

Proposta de lei n.° 854, que autoriza o Govêrno, por acôrdo com o Banco de Portugal, a transferir da conta sob a rubrica "Suprimento ao Govêrno (convenção de 29 de Dezembro de 1922)" para a conta sob a rubrica "Empréstimos ao Govêrno (contrato de 29 do Abril de 1918)" a importância do saldo dos aludidos suprimentos à data da entrada em vigor desta lei.

Parecer n.° 783, que anula os decretos n.ºs 9:354 e 9:763 o suspende a execução do decreto n.° 9:677.

Parecer n.° 639, sôbre construção e exploração de um arsenal naval na Margueira.

Parecer n.° 645-C, orçamento do Ministério da Instrução.

Parecer n.° 760, que isenta de direitos os materiais para caminhos de ferro eléctricos.

Parecer n.° 633, que autoriza a Junta de Freguesia de Alpendurada e Matos a vender certos bens.

Parecer n.° 799, que cria na freguesia de Barcarena uma assemblea eleitoral.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

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Sessão de 13 de Março de 1925 27

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Projectos de lei

Do Sr. Tavares Ferreira, autorizando a Junta de Freguesia de Vila Moreira, concelho de Alcanena, a elevar, durante 5 anos, até 30 por cento os impostos sôbre as contribuições gerais do Estado, e aplicar o produto a designados melhoramentos.

Aprovada a urgência.

Para a comissão de administração pública.

Para o "Diário do Governo".

Do Sr. José Pedro Ferreira, criando uma assemblea na freguesia de Terragem, concelho de Sintra.

Para o "Diário do Governo".

Pareceres

Da comissão de correios e telégrafos, sôbre o n.° 876, que altera a redacção dos artigos 2.° e 5.° do contrato com a Marcon's Wireless Telegraph Company.

Para a comissão de colónias.

Da comissão dos negócios eclesiásticos, sôbre o n.° 807-B, que permite aos párocos colados requerer o reconhecimento do direito do aposentação nos termos da lei de 14 de Setembro de 1890.

Para a comissão de finanças.

Documentos publicados nos termos do artigo 38.° do Regimento

Parecer n.° 405

Senhores Deputados. - O Sr. Manuel Fragoso apresentou nesta Câmara um projecto de lei n.° 178-N, tendente a conceder definitivamente à Junta de Freguesia de Vendas Novas o edifício que, por decreto n.° 1:779, de 29 de Julho de 1915, lhe foi concedido a título de arrendamento.

Nesta casa, aliás de pequeno valor, tem aquele corpo administrativo instalados uma creche, o pôsto do registo civil e o da guarda nacional republicana, instituição aquela muito simpática e digna da protecção do Estado, e os outros serviços de manifesta utilidade pública.

Mas o prédio está em manifesto estado de' ruína, carecendo de obras de maior importância do que o seu próprio valor, e não pode a Junta arriscar-se a fazê-las em prédio que tam precariamente possui.

Pretende, por isso, que êle lhe seja definitivamente concedido, e a tanto se dirige o presente projecto de lei que à vossa comissão de administração pública parece dever merecer a vossa aprovação.

Sala das sessões da comissão de administração pública, 2 de Fevereiro de 1923.- Abílio Marçal, presidente e relator - Costa Gonçalves - Custódio de Paiva - Alberto Vidal - Vitorino Mealha.

Senhores Deputados.- À vossa comissão dos negócios eclesiásticos foi presente um projecto de lei, que o Manuel Fragoso formulou em 26 de Junho de 1922, para o fim de serem definitivamente entregues à Junta de Freguesia de Vendas Novas, concelho de Montemor-o-Novo, certas casas anexas à igreja paroquial, das quais já pelo Ministério da Justiça em decreto n.° 1:782, de 29 de Julho de 1915, havia sido feita cedência a título de arrendamento àquele corpo administrativo para instalação de um dispensário clínico.

Êsse projecto, que chegou a ter parecer favorável da comissão de administração pública em 2 de Fevereiro de 1923, está hoje prejudicado pelo facto de, mediante o decreto n.° 9:569, de 3 de Abril de 1924, expedido também pelo Ministério da Justiça e ao abrigo do artigo 104.° da Lei da Separação, ter já sido cedido definitivamente à aludida Junta o prédio mencionado.

Deverá por isso o presente processo ser simplesmente arquivado.

Lisboa, sala das sessões da comissão dos negócios eclesiásticos, 9 de Março de 1925.- Valentim Guerra - Manuel Fragoso - Joaquim de Matos - A. Lino Neto (com declarações) - A. de Almeida Ribeiro.

Projecto de lei n.° 178-N

Senhores Deputados. - Por decreto de 1846, a rainha D. Maria II cedeu ao povo de Vendas Novas, para residência do pároco da freguesia, conjuntamente com a capela do palácio real, o edifício anexo.

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Em 1911, por efeito da Lei da Separação, passaram os referidos bons para a posse do Estado, que mais tarde, por sua vez, os cedeu, a título de arrendamento, à Junta do Freguesia da referida vila de Vendas Novas, para que, no mesmo edifício, montasse os serviços- públicos a seu cargo.

Do facto, a respectiva Junta do Freguesia tem hoje instalados ali os serviços da creche; do registo civil, pôsto da guarda republicana, cadeia civil e armazéns.

Acontece, porém, agora, que o edifício de que se trata reclama urgentes e custosas reparações, reparações que a Junta receia encetar, com pesado sacrifício próprio, sem a certeza da posso definitiva do aludido prédio.

Parece-mo, pois, que em face do exposto, justa é a aprovação do seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São definitivamente cedidas à Junta do Freguesia da vila do Vendas Novas, do concelho de Montemor-o-Novo, distrito de Évora, as casas anexas à respectiva igreja paroquial, que lhe foram reservadas e cedidas, á título do arrendamento, por decreto n.° 1:779, de 29 de Julho de 1915, o onde se encontram instalados os serviços públicos a cargo da referida Junta.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões, 26 de Junho de 1922. - Manuel Fragoso.

O REDACTOR - Sérgio de Castro.

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