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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 61

EM 3 E 4 DE ABRIL DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Luís António da Silva Tavares de Carvalho

PRIMEIRA PARTE

Sumário. - Aberta a sessão com a presença, de 38 Srs. Deputados, lê-se a acta, da sessão anterior e dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva} expõe os motivos por que. ainda não pôde responder a interpelação do Sr. brito Camacho.

O Sr. Brito Camacho pede ao Govêrno medidas imediatas e eficazes a propósito do caso das cédulas falsas.

Responde-lhe o Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho).

O Sr. Mariano Felgueiras defende o governador civil de Braga das acusações que lhe foram feitas pelo Sr. Joaquim de Oliveira.

O Sr. Joaquim de Oliveira insiste nas suas anteriores afirmações.

O Sr. Joaquim Ribeiro realiza o seu negócio urgente acerca da sindicância a que deu motivo o procedimento do Sr. Veiga Simões quando Ministro de Portugal em Berlim. Requere a publicação do relatório no "Diário do Governo".

Responde-lhe o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pedro Martins).

Como deu a hora de se pausar à ordem do dia, o Sr. Presidente consulta a Câmara sôbre se consente que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros continue no uso da palavra.

Sôbre o modo de votar, falam os Srs. Carvalho da Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros e Sá Cardoso.

Autorizado a prosseguir, o Sr. Ministro dos Negados Estrangeiros conclui o seu discurso.

O Sr. Pinto Barriga requere que seja aberta uma inscrição especial sôbre o caso Veiga Simões, para depois de se tratar da proposta dos fósforos.

Aprovado.

O Sr. Carvalho da Silva requere que se consulte a Câmara sôbre de corrente que no "Diário do Govêrno se publiquem o relatório do sindicante, o parecer do conselho disciplinar e o despacho do Ministro.

O Sr. Joaquim Ribeiro concorda com êsta requerimento, que amplia o seu, e que é aprovado em prova e contraprova, com contagem.

Entra em discussão a acta.

Sôbre a acta, usa da palavra o Sr. Jaime de Sousa, o qual propõe uma saudação aos heróicos aviadores que fizeram a travessia Lisboa-Bolama.

Associam-se a êste voto os Srs. Ministro da Guerra (Vieira da Rocha), Morais Carvalho, Viriato da Fonseca, Pinto Barriga e Lino Neto.

É aprovado o voto proposto pelo Sr. Jaime de Sousa.

É aprovada a acta da sessão anterior.

O Sr. Velhinho Correia, em nome da comissão do Orçamento, manda para a Mesa um projecto de alteração do Regimento e requere a sua publicação no "Diário do Governo".

É aprovado um requerimento do Sr. Mariano Felgueiras pedindo urgência para, a discussão do parecer n.º 877.

É aprovado um requerimento do Sr. Dinis do Carvalho.

Ordem do dia. - Prossegue a discussão do parecer n.° 903, relativo aos fósforos.

O Sr. João Camoesas manda para a Mesa um contraprojecto.

Usa da palavra o Sr. Portugal Durão.

A Câmara concede uma autorização, que é votada em prova e contraprova, com contagem.

Continua a discussão do parecer n.° 903.

Usam da palavra os Srs. Nuno Simões e Jaime de Sousa, que mandam para a Mesa a sua moção.

O Sr. Tôrres Garcia requere que a sessão seja prorrogada, com as interrupções que a Mesa entender, até se votar o parecer na generalidade.

Sôbre o modo de votar usa da palavra o Sr. Jaime de Sousa.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pedro Martins) comunica à Câmara que substituiu, na discussão do parecer, o Sr. Ministro das Finanças, por se encontrar incomodado de saúde.

O Sr. Portugal Durão lamenta a doença do Sr. Ministro e declara-se satisfeito com a substituição.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Carvalho da Silva propõe um aditamento ao requerimento do Sr. Tôrres Garcia para que a prorrogação passa ir até amanhã e dias seguintes.

Aprovado o requerimento com o aditamento.

O Sr. Carlos de Vasconcelos interroga a Mesa, respondendo-lhe o Sr. Presidente.

O Sr, Presidente transmite à Câmara um convite da comissão de homenagem aos mortos da guerra, e, em seguida interrompe os trabalhos para que prossigam pelas 21 horas e 30 minutos.

Reaberta a sessão, continua no uso da palavra, sôbre a ordem, o Sr. Jaime de Sousa seguindo-se os Srs. Tôrres Gama, Dinis da Fonseca, Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pedro Martins), Carvalho da Silva e Paiva Gomes, que fica, com a palavra reservada.

O Sr. Presidente interrompe a sessão pelas 2 horas, do dia 4, para prosseguir às 15.

SEGUNDA PARTE

O Sr. Paiva Gomes usa da palavra, fazendo largas considerações sôbre a matéria em discussão e requerendo que o parecer da comissão de comércio e indústria baixe à comissão de finanças.

Usam da palavra sôbre o modo de votar, os Srs. Tôrres Garcia, Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pedro Martins), Portugal Durão, Carvalho da Silva e Carlos Pereira.

Posta à admissão a proposta do Sr. Paiva Gomes, verifica-se a falta de número

Procede-se à chamada, sendo admitida a proposta por 31 Srs. Deputados contra 96.

O Sr. Presidente exorta os Srs. Deputados a que se conservem na sala.

Volta a usar da palavra o Sr. Paiva Gomes.

Seguem se no uso da palavra os Srs. Portugal Durão e Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Usa da palavra para. explicações o Sr. Portugal Durão.

Encerrada a discussão no, generalidade, é rejeitada a proposta do Sr. Paiva Gomes Feita a contraprova, verifica-se ter sido rejeitada por 56 votos contra 1.

É aprovada a moção do Sr. Nuno Simões e rejeitadas as moções dos Srs. Jaime de Sousa e Dinis da Fonseca.

É aprovado em contraprova o parecer da comissão de comércio e indústria.

O Sr. Presidente interrompe a sessão até às 21 horas e 30 minutos.

Reaberta a sessão, o Sr. Jaime de Sousa usa da palavra para invocar O Regimento, respondendo-lhe o Sr. Presidente

Usa da palavra para invocar o Requerimento o Sr. Morais Carvalho, respondendo-lhe o Sr. Presidente.

São sucessivamente lidos na Mesa o artigo 1.º do parecer e o contraprojecto do Sr. João Camoesas, que é admitido.

Feita a contraprova, requerida pelo Sr. Jaime de Sonsa, tendo o Sr. Carvalho da Silva invocado o § 2.º do artigo 116.° do Regimento, o Sr. Presidente declara não haver número e manda proceder à chamada

Verificada a presença de 47 Srs. Deputados, número insuficiente para validar a votação e prosseguir os trabalhos, o Sr. Presidente encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva, ordem do dia.

Abertura da sessão às 15 horas e 20 minutos.

Presentes à chamada 38 Srs. Deputados.

Srs. Deputados prementes à abertura da sessão:

Albino Pinto da Fonseca.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio do Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Correia.
António Maria da Silva.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Armando Pereira do Castro Agatão Lança.
Artur Rodrigues do Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio do Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Dínis de Carvalho,
Jaime Júlio de Sousa.
João Baptista da Silva.
João José da Conceição Camoesas.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim José do Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortês do Santos.
José Joaquim Gomes do Vilhena.
José Mondes Nunes Loureiro.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Alegre.
Manuel do Brito Camacho.
Manuel de Sousa Dias Júnior,
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Viriato Gomes da Fonseca.

Entraram durante a sessão os Srs.:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.

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Sessão de 3 e 4 de Abril de 1925 3

Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António de Abranches Ferrão.
António Lino Neto.
António Mendonça.
António de Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Artur de Morais Carvalho.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José António de Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Nuno Simões.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.

Não compareceram à sessão os Srs.:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Afonso Augusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Amaro Garcia Loureiro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Parreira da Fonseca.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur Brandão.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Cruz.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Hermano José de Medeiros.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João de Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João de Sousa Uva.
João Vitorino Mealha.
Joaquim Brandão.
Jorge Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Lúcio de Campos Martins.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

Manuel Duarte.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel do Sousa Coutinho.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Maximino de Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomé José do Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

PRIMEIRA PARTE

As 15 horas principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 38 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Requerimento

De Eduardo Augusto Rodrigues, amanuense da Junta Geral do Distrito do Bragança, pedindo o reconhecimento como revolucionário civil.

Para a comissão de petições.

De Manuel Vilela pedindo lhe sejam aplicadas as leis n.ºs 1:170 e 1:099. Para a comissão de guerra.

Telegramas

Do pessoal dos fósforos de Calhariz, pedindo protecção para garantias na velhice.

Para a Secretaria.

Dos secretários de finanças de Évora, pedindo aprovação do projecto do Sr. Correia Gomes remodelando as secções das repartições distritais o protestando, contra o projecto do Sr. António Resende.

Para a Secretaria.

Do Sindicato Agrícola de Aldeiagalega, contra a importação de álcool estrangeiro.

Para a Secretaria.

Dos secretários do finanças do 2.a classe, da Guarda, secundando o podido dos seus colegas do Pôrto sôbre aprovação do projecto do Sr. Correia Gomes.

Para a Secretaria.

Da junta de freguesia de Silvares, concelho do Guimarães, pedindo a cedência do passal daquela freguesia, para escola.

Para a Secretaria.

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de

Antes da ordem do dia

O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Sr. Presidente: tenho a pedir à Câmara que mo desculpe a falta involuntária de não ter respondido já à interpolação do Sr. Brito Camacho, e pessoalmente a S. Exa. apresento, por êsse facto, as minhas desculpas, porquanto ontem estivo retido na primeira sessão do Senado, onde se está tratando da proposta do financiamento de Angola. Hoje, pelo mesmo motivo, não posso ainda responder ao ilustre Deputado e por isso peço à Câmara que mo desculpe, e pessoalmente ao Sr. Brito Camacho o laço, também, da falta involuntária por mim cometida.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Brito Camacho: - Sr. Presidente: pedi a palavra, manifestamente, não para continuar a minha interpelação, dadas as explicações do Sr. Ministro das Colónias, mas para chamar a atenção do Govêrno para um facto que me parece de grande importância. É o caso das cédulas falsas.

Sr. Presidente: parece que se descobriu, de ontem para hoje, que havia em circulação muitas grosas de cédulas falsas de $20, apresentando até os jornais

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que o seu quantitativo se eleva a cêrca de 200 contos.

Mas, sejam 200 contos ou sejam 100 contos, a verdade é que andam em circulação cédulas reputadas falsas, começando já os conflitos a produzir-se, quer nos eléctricos, quer em estabelecimentos comerciais, onde alguém aparece a pagar com cédulas que julga serem boas.

Consta-me até, Sr. Presidente, que a Casa da Moeda, recebendo essas cédulas do público, lhes põe o carimbo do falsas e as devolve ao portador. Quere dizer, o público fica duplamente roubado, pois que essas notas são falsas unicamente por não terem sido feitas na Casa da Moeda. Quanto ao seu valor intrínseco, como trabalho, tintas e papel, são exactamente como as outras.

Risos.

Mas, Sr. Presidente, de facto do andarem em circulação cêrca de 200 contos de cédulas falsas podem resultar, pela desconfiança do público, graves inconvenientes para a vida do Estado.

Entendo ou, e talvez entenda mal, que O Govêrno tinha obrigação de prevenir o público de que há cédulas falsas, e que elas se trocariam na Casa da Moeda, porque cada um de nós não se pode constituir em fiscal do Govêrno para ver se andam em circulação cédulas e notas falsas ou verdadeiras. Isso compete aos agentes do Govêrno.

Sr. Presidente: pelos prejuízos imediatos que isso traz e pelos desastres graves que pode ocasionar, eu chamo a atenção do Govêrno para êste caso, pedindo a qualquer dos Srs. Ministros presentes a fineza de transmitir ao Sr. Ministro das Finanças as minhas considerações, se algum valor elas têm, para que providencias imediatas sejam dadas, a fim de se evitarem os conflitos de rua que já se estão dando e os graves inconvenientes que podem resultar para o Estado. Se as notas fossem convertíveis, ia ao Banco trocá-las por metal, mas como vivemos num regime de notas inconvertíveis, é necessário que o Govêrno acuda com providências enérgicas, visto que não temos defesa.

Espero que essas providências só não façam esperar.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Sr. Presidente: vou apressar-me a transmitir ao Sr. Ministro das Finanças as considerações feitas pelo Sr. Brito Camacho e que têm toda a oportunidade.

Efectivamente, S. Exa. tem razão em levantar aqui esta questão, que tem produzido certo alarme em Lisboa, sobretudo desde ontem. Na realidade, é indispensável acudir com urgência a êste assunto, o resolvê-lo como- deve ser resolvido.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Rocha Felgueiras: - Sr. Presidente : não estava presente ontem na sala, quando o ilustro Deputado e meu presado amigo Sr. Joaquim de Oliveira fez acusações extremamente graves contra o governador civil do Braga.

Entrei quando o Sr. Ministro do Interior estava respondendo a S. Exa., e só pelas considerações que a S. Exa. ouvi é que soube do que se tratava.

Competia-me a mim, como Deputado por um dos círculos do distrito de Braga, levantar essas acusações, no que elas têm de injusto, e por isso logo pedi a palavra a V. Exa., para antes de se encerrar a sessão; mas como V. Exa., por esta ter sido prorrogada, não ma pode dar, só hoje posso vir cumprir o meu dever.

Descanse, porém, V. Exa. e a Câmara, que eu me desempenharei da minha missão dentro de dois ou três minutos.

Parece me que a principal acusação do Sr. Joaquim do Oliveira consiste no facto, que S. Exa. afirma ter-se dado, de o governador civil ter presidido a uma sessão na Câmara Municipal do concelho de Vila Verde.

Devo dizer a V. Exa. que se o governador civil presidiu a uma sessão da Câmara Municipal, incontestavelmente o fez não na sua qualidade de governador civil, mas na de vereador dessa Câmara, e se o poderia ou não fazer, isso é para ser discutido nos tribunais administrativos, e não na Câmara dos Deputados.

Àparte do Sr. António Correia que não se ouviu.

Sr. Presidente: se o governador civil,

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presidindo à sessão da Câmara Municipal, consentiu um acto ilegal, isso é para ser apreciado pelos tribunais competentes.

O Sr. António Correia (interrompendo): - Mas isso não se deve fazer. A lei n.° 6:21 não permite isso.

O Sr. Joaquim Oliveira (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?

O governador civil foi presidir u sessão, a fim de exercer uma perseguição sôbre o secretário da Câmara Municipal, que é o dirigente da Acção Republicana em Vila Verde.

De resto V. Exa. sabe que não, exercendo o lugar do governador civil, não podia ir presidir a uma sessão da Câmara Municipal, de mais a mais para exercer uma violência sôbre um funcionário.

O Orador: - Discordo da opinião do Sr. Joaquim de Oliveira.

Entendo que os actos praticados pelo Sr. João Pinheiro, governador civil do Braga, no exercício das funções do vereador, Mo podem ser discutidos no Parlamento.

Entendo que, se o Sr. João Pinheiro, embora governador civil de Braga, foi tomar parto numa sessão da Câmara Municipal, isso deve ser levado aos tribunais respectivos por quem tenha interesse nisso, e a êles compete resolver, se as deliberações nessa sessão tomadas são ou não válidas.

De resto, estou convencido, de que todos aqueles que conhecem o Sr. governador civil de Braga, dificilmente poderão acreditar que S. Exa. possa cometer qualquer acto menos regular, menos correcto e menos legal, principalmente contra republicanos que, embora não militando no mesmo partido, em que milita, todavia pertencem a um agrupamento político que está dando o seu apoio ao Govêrno.

Tenho tido ocasião de observar que o Sr. governador civil de Braga tom procedido no exercício das suas funções de modo a merecer louvores, não só dos seus correligionários, como até mesmo dos seus principais adversários políticos.

Podia citar pessoas de categoria do Partido Nacionalista, que incontestavelmente um partido que está em intransigente luta com o Partido Republicano Português, as quais referindo-se à acção do governador civil de Braga, têm aludido a êle com louvor o aplauso pela obra de conciliação que tem tentado no seu distrito.

Não há dúvida nenhuma, de que S. Exa. tem mostrado no exercício dêsse cargo uma intenção tenaz no sentido de impedir os excessos das paixões políticas em todo o distrito, onde tem trabalhado incansavelmente por conciliar e harmonizar a família republicana.

Não posso deixar de aproveitar êste ensejo para perante V. Exa. e o Sr. Ministro do Interior prestar a minha calorosa homenagem ao Sr. governador Civil de Braga, pela mancha inteligente e verdadeiramente republicana como tom exercido a sua acção, que na minha opinião só mereço louvores e incitamento.

Aproveito a ocasião do estar no uso da palavra para apresentar dois requerimentos: um pedindo que seja discutido imediatamente um projecto de lei já aprovado pelo Senado que diz respeito aos alunos da faculdade de medicina, e é urgente a discussão dêste projecto, porquanto só aproveita sendo convertido em lei desde já, visto que o semestre lectivo n que o mesmo se refere já começou em 10 de Março; o outro requerimento é a pedir que entre em discussão o parecer n.º 877, que já está inscrito no período de antes da ordem do dia.

Tenho dito.

O Sr. Joaquim de Oliveira (para explicações): - As considerações que acaba de produzir o ilustre Deputado, Sr. Mariano Folguei rãs em nada destroem as considerações que ontem produzi no Parlamento.

Os factos suo de grande importância e não foram desmentidos pelas palavras do Sr. Mariano Felgueiras.

Por êsses factos prova-se de maneira terminante, insofismável, que o Sr. governador civil de Braga está exercendo uma perseguição implacável e usando das maiores violências, para com os seus adversários políticos, e especialmente para com o dirigente da Acção Republicana no concelho de Vila Verde, que é uma individualidade altamente considerada por todas as pessoas do bem do concelho, quer sob o ponto de vista moral e intelectual, quer até como funcionário da Câmara Municipal do mesmo concelho.

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Diz-se que êle tem realmente conseguido harmonizar as correntes do Partido Republicano Português existentes no distrito; mas o certo é que o seu proceder no concelho de Vila Verde tem sido no sentido de fazer a separação entre republicanos mais antigos do que eu, e pelos quais nutro a maior consideração.

O que digo é a verdade.

Assim os próprios correligionários do Sr. governador civil de Braga, e que constituem o senado municipal, queixam-se dos actos de violência praticados por S. Exa.

Já tive ocasião de distribuir aqui por vários Srs. Deputados um manifesto em que se expõem os factos que ontem narrei à Câmara.

Disse o Sr. Mariano Felgueiras que o Parlamento nada tem com a circunstância de o Sr. governador civil estar exercendo as funções de vereador no Senado municipal.

Entendo exactamente o contrário. E. se foi à câmara, fê-lo com o intuito de demitir o secretário respectivo.

O Sr. governador civil teve uma conferência com algumas das pessoas que faziam parte da câmara municipal, no seu gabinete, mas o Senado não consentiu nas irregularidades que o Sr. governador pretendia praticar.

Por isso o Sr. Ministro do Interior não pode deixar de intervir. Assim o exige o prestígio da República. S. Exa. responderá, se o governador civil de Braga deve ser mantido.

Afirmou o mesmo governador que por todos os meios a comissão executiva da Câmara de Vila Verde havia de ser demitida, que ia empregar todos os recursos ao seu alcance para o conseguir.

Exposto isto, dou por findas as minhas considerações, mas não sem declarar que achava bom que o Sr. Ministro do Interior encarregasse o Sr. Mariano Felgueiras de sindicar, pois assim se convenceria da veracidade das minhas afirmações.

S. Exa. pela sua honorabilidade, é pessoa da máxima confiança neste caso.

O orador não reviu.

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sr. Presidente: o assunto que vou versar em negócio urgente é o mesmo da interpelação que tencionava fazer ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Presidente: - Falta poucos minutos para se entrar na ordem do dia.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: o assunto de que o Sr. Joaquim Ribeiro vai ocupar-se certamente será generalizado.

É uma questão de moralidade que não pode deixar de ser tratada, mas que não deve prejudicar o debate sôbre a questão dos fósforos.

O Sr. Presidente: - Quando fôr a hora de se passar à ordem do dia, avisarei S. Exa. e só a Câmara poderá resolver se o Sr. Joaquim Ribeiro deve ou não tratar do seu negócio urgente.

Vozes: - Fale! Fale!

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Sr. Presidente: a interpelação que anunciei ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, tem por assunto as acusações de que foi alvo o Ministro de Portugal em Berlim.

A individualidade a que vou referir-me é a de um alto funcionário que se diz republicano.

Acusam-no de irregularidades várias, como outros têm sido acusados, sem que os castiguem, como era mister, desde que fossem delinquentes, para decoro e prestígio da República.

No decurso da existência do actual regime tem-se visto que as revoluções servem, em regra, para colocar em altos cargos os próprios meneurs, que à custa do sangue de muitos se guindam aos primeiros lugares.

A revolução de 19 de Outubro foi - posso crê-lo - a última, pois hoje quem pensar em promover movimentos revolucionários ou em coadjuvá-los há-de temer que se cometam horrorosos assassínios como os que então se praticaram e de que foram vítimas ilustres e dedicados republicanos.

No caso do diplomata de quem me ocupo, o que é para estranhar, chegando até a ser sintomático, é o facto de, tendo abandonado, como de facto abandonou, a vida política, haver a ela regressado depois do processo que lhe instauraram.

Isto, Sr. Presidente, não faz sentido, tanto mais quanto é certo que a nomeação do Sr. Veiga Simões para a legação de Berlim, em minha opinião, foi ilegal.

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8 Diário da Câmara dos Deputados

Tenho aqui, Sr. Presidente, o relatório da sindicância feita a êsse funcionário, relatório arquivado no Ministério dos Negócios Externos, e vim a propósito preguntar se, na verdade, houve acusações falsas, porque é que se não castigaram os falsos acusadores.

Neste País, Sr. Presidente, pouca ou nenhuma importância têm as provas morais, pois para tudo se exigem provas jurídicas.

É por isto que continuam e hão-de continuar impunes todos os responsáveis pelos escândalos dos Transportes Marítimos do Estado, dos Bairros Sociais, da exposição do Rio, etc.

A mim, bastam-me as provas morais, e, se outros pensassem do mesmo modo, estou certo de que não continuariam impunes tantos crimes.

No nosso País, só vai preso quem rouba um pão.

O que só tom passado com o Sr. Veiga Simões só redunda em descrédito de quem devia zelar a dignidade nacional.

Um funcionário que é acusado como êste o tem sido, já dê há muito que não devia continuar a desempenhar o lugar que ocupa, dando-se ainda a lamentável circunstância de êle na sua defesa apenas empregar insultos, alguns dos quais para o próprio Ministro, seu superior hierárquico.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): - Será bom que V. Exas. se não esqueçam dêste ponto; isto é, que o funcionário sindicado insultou mi sua defesa o próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Orador: - Não posso falar muito pulo meu estado de saúde não mo permitir, mas não quero deixar de mostrar à Câmara as acusações formuladas contra o Sr. Veiga Simões, e preguntar ao Govêrno e especialmente ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros qual a situação em que fica êste homem.

Para completa elucidação da Câmara requeiro a publicação do relatório no Diário do Govêrno e espero que ela não negará o seu voto a êste meu pedido.

Apoiados.

O Sr. Veiga Simões é acusado de não manter relações de ordem social com o corpo diplomático acreditado em Berlim.

Acusam-no também do sonegar a correspondência particular dirigida ao pessoal da legação. Acusam-no ainda, o que me parece grave, do convivência permanente com um professor de dança, Nicolau Schultz, que interviria em assuntos oficiais, convivência considerada escandalosa.

Prova-se, entre outros casos, o desaparecimento, por longo tempo, do arquivo da legação, de pastas contendo importantes documentos respeitantes às reparações, facto u que andava ligado o dançarino.

Não quero ir mais longe, porque não pretendo, nesta acusação, ir até ao ponto do apurar todas as atribuições que, porventura, teria o mesmo dançarino...

Há ainda o caso da venda por 5:000 dólares, de um lugar de vice-cônsul, que o Sr. Scharlach comprou e em que interveio também o professor de dança.

Cumpro ponderar que o facto de só conceder o erequatur a um indivíduo menos escrupuloso é muito grave para nós, sabido como ainda ontem combatíamos com a Alemanha.

Seria do boa política para Portugal não facilitar a entrada dos alemães em Angola, assim como não nomear gente desta categoria para vice-cônsul do nosso País.

O Govêrno Alemão não pode consentir que êsse indivíduo seja nosso vice-cônsul.

O orador lê passagens várias do relatório, desfavoráveis ao antigo Ministro português em Berlim.

O Orador: - Convém não esquecer o caso do Sr. Rendeiro. Num lugar do prazer, êste português teve uma questão com o dançarino e o Ministro não consentiu que o seu companheiro e amigo se batesse, alegando que para portugueses bastava Cie, e por isso tratou de promover a expulsão do Sr. Rendeiro da Alemanha.

Afim do se conseguir essa expulsão, dirigia-se ao general Mollet, chefe das tropas inter-aliadas, o acusou o Sr. Rendeiro de espião.

Imaginem V. Exas. até onde iam os extremos de amizade do Sr. Veiga Simões pelo dançarino que exigiu que fôsse expulso o Sr. Rendeiro, como reparação ao agravo que sofrera!

Sr. Presidente: não posso falar mais porque me sinto cansado e doente. Não posso demorar por mais tempo esta interpelação; mas o assunto é importante, e

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julgo que a Câmara está suficientemente elucidada sôbre a gravidade dele.

Tinha mais cousas ainda para dizer. Posso desde já, todavia, afirmar porque conheço o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que S. Exa. não ficará certamente de braços cruzados.

Não sei bem qual foi o despacho do Sr. João de Barros; o que sei é que S. Exa. não teve a coragem de tirar o Sr. Veiga Simões duma situação de castigo em que o colocou o Sr. Vitorino Godinho.

Se o Sr. João de Barros sentisse Intimamente que se tratava dum inocente, o Sr. João de Barros certamente o teria restituído ao seu lugar, ter-lhe-ia dado, sem dúvida, as honras que merece o homem que não tem culpas. O Sr. João de Barros deixou-o na situação em que estava. Fez-lhe êsse favor, talvez mesmo, direi, à custa do seu bom nome de Ministro. S. Exa., pelo acto de fraqueza que praticou, ficou em mau campo, mas todavia, não deixou de manter o castigo.

E por todas as razões, porque estava ilegalmente nesse lugar o funcionário, porque o bom nome de Portugal o não permite, êsse indivíduo não podia ser conservado em legação alguma de Portugal e para mais num cargo desta natureza.

Eu, que emito o voto - e não faço mais do que pedir o cumprimento da lei e chamo para isto a atenção do Sr. Ministro dos Estrangeiros - de que os lugares chamados de carreira só possam ser desempenhados por funcionários de categoria suficiente, que corresponda a êsse elevado cargo, entendo que o lugar de Ministro de primeira classe pode ser desempenhado por qualquer funcionário não de carreira, mas que, pela sua capacidade, inteligência e serviços prestados ao País, o Ministro entenda dever designar.

Sr. Presidente: julgo que disse já o suficiente, esperando agora que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros proceda.

Para terminar, roqueiro a V. Exa. que o relatório da sindicância seja publicado no Diário do Govêrno.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: pedia a V. Exa. o favor de me dizer a que horas se passa à ordem do dia.

O Sr. Presidente: - As 16 horas e 35 minutos.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pedro Martins): - Sr. Presidente: trouxe o Sr. Joaquim Ribeiro, à Câmara o caso do processo instaurado ao Sr. Veiga Simões.

Primeiro que tudo, cumpre-me fazer a V. Exa. e à Câmara a declaração de que a tudo o que respeita a êsse funcionário, desde que foi para Berlim até finalizar o processo que lhe foi instaurado, eu sou inteira e absolutamente estranho.

Sr. Presidente: nenhuma intervenção tive nos diversos factos ou situações que se possam ligar a êste processo.

Desta arte sinto-me também inteira e absolutamente à vontade, relativamente às declarações que tenho a fazer sôbre êste caso, olhado, desde o seu início até hoje, em todos os seus aspectos.

Esta circunstância impõe-me pois o dever da maior serenidade na apreciação dos acontecimentos.

Quanto à nomeação de S. Exa. para Berlim, já a isso se referiu o Sr. João de Barros.

Dois decretos foram publicados: um com a data de 24 de Julho de 1922, invocando o artigo 2.° da lei n.° 971, ao qual o Conselho Superior de Finanças negou o visto, com o fundamento de que essa lei não se encontrava em vigor; o outro de 28 de Julho do mesmo ano, ao qual o mesmo Conselho negou também o seu visto, baseado nas mesmas disposições.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros de então não concordava com o Conselho, e, valendo-se da faculdade que a lei concede ao Ministro de manter as suas decisões, teve um despacho, com data de 12 de Agosto de 1922, em virtude do qual o colocava em Berlim.

Para satisfazer a curiosidade de V. Exas., dizendo-lhes quais os fundamentos dêsse procedimento, eu lerei:

Leu.

Para que a Câmara possa apreciar o caso em todos os seus aspectos, e sobretudo neste da legalidade, que não me res-

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10 Diário da Câmara dos Deputados

peita, porque em 1922 eu me encontrava fora de Portugal, em todos os factos relativos aos funcionários e no que o Ministro de então fez em relação ao funcionário sindicado, ao sindicante, às testemunhas de acusação, no Ministro que mandou instaurar o processo, ao outro que o julgou, eu, que não tive a mais ligeira som brade intervenção neste caso, como já disse, coloco-me inteiramente à vontade para poder esclarecer a Câmara sôbre o assunto.

Para que a Câmara possa também - já que o Sr. Joaquim Ribeiro aludia a êsse aspecto da legalidade - apreciar nosso campo os factos e exercer a sua fiscalização, que é uma das suas mais altas funções e aquela, a meu ver, a que um Ministro deve submeter, em primeiro lugar, os seus actos, eu vou ler os artigos em que o Conselho da Administração Financeira se passou e que, a meu ver, podem ser o 2.º 3.°, 4.°, 37.° e 67.°, que dizem respectivamente:

Leu.

Aqui tem, V. Exa. Sr. Presidente, as disposições legais reguladoras do caso.

E assim à Câmara ofereço os elementos para, neste ponto, poder apreciar as palavras do Sr. Joaquim Ribeiro.

Êste funcionário foi nomeado para Berlim pelo decreto que apontei à Câmara, e em Berlim se manteve até o fim de 1924.

Em 1924, foi mandado instaurar o processo, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros de então, o meu ilustre colega dêste gabinete, no Ministério do Interior, Sr. Vitorino Godinho.

Devo dizer à Câmara que a instauração do processo era positivamente missão do Ministro dos Negócios Estrangeiros, visto que pela lei, como V. Exas. sabem, êle tem competência para exercer superiormente acção disciplinar sôbre os funcionários do seu Ministério, desde que lhe apontem factos, notas do irregularidade que atinjam o Ministro dos Negócios Estrangeiros, ou os serviços de qualquer legação.

Êsse processo foi mandado instaurar pelo Sr. Vitorino Godinho, e devo dizer que a instauração do processo era da competência do Ministro, e que compreendo que S. Exa. sentisse a necessidade de "mandar instaurar o processo, desde que um funcionário, embora afastado da sua legação, vinha apontar responsabilidade" que não só atingiam a legação, mas 6sse mesmo funcionário.

Nos termos do regulamento disciplinar, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de então nomeou, para proceder à sindicância, um funcionário que era do categoria superior à do sindicado.

Como porém êle pertencia ao Conselho Superior Disciplinar, foi nomeado outro funcionário de categoria igual à do sindicado, mas muito, mais antigo.

Uma vez instaurado o processo disciplinar, foi o processo enviado ao Ministro.

Relativamente às acusações feitas no processo, devo dizer à Câmara que as informações dadas pelo Sr. Joaquim Ribeiro são as que constam do relatório do sindicante.

S. Exa. não aludiu a nada que se contém na defesa; S. Exa. não aludiu a nenhuma das conclusões do processo disciplinar.

Ora a Câmara compreende que não nos devemos guiar apenas pelo que diz a acusação.

Apoiados.

Contra o processo de sindicância, devo dizer que não houve qualquer reclamação, e desde o momento em que está em jôgo uma questão do verdade a ela me sacrifico por inteiro.

Devo, por isso, também dizer a V. Exa. que para a instrução da sindicância talvez fôsse preferível que ela tivesse sido confiada a um magistrado, e não a um simples funcionário, porque êste no desconhecimento de certas formalidades jurídícas não...

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Aqueles que julgaram o Sr. Veiga Simões, também não tinham competência jurídica.

O Orador: - Já lá vamos.

O Sr. Presidente: - Sou obrigado a dizer a V. Exa. que deu a hora de se passar à ordem do dia.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Carvalho da Silva: - Que pressa é essa de tratar do assunto que tem de ser largamente debatido?

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É o próprio Govêrno que quere prejudicar a discussão da questão dos fósforos?

Uma voz: - Não se exalte tanto.

O Sr. Carvalho da Silva: - Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte a Câmara nos termos regimentais.

O Sr. Presidente: - Em virtude de se ter manifestado discordância na Câmara, tenho de a consultar, Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, para V. Exa. poder continuar a asar da palavra.

Os Srs. Deputados que autorizam...

O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: V. Exa. sabe que no dia 25 dêste mês termina o exclusivo da Companhia dos Fósforos o que para desgraça do País êste assunto mio foi abordado há mais tempo, como devia ser, pelo Parlamento.

Sabem também V. Exa. e a Câmara que o Sr. Presidente do Ministério aqui tem vindo declarar que não se devem preterir os assuntos dados para ordem do dia, para se discutirem quaisquer outros.

Ora eu entendo que o assunto tratado pelo Sr. Joaquim Ribeiro é um daqueles, sem que com as minhas palavras queira apreciar o procedimento do funcionário em questão, porque quero apreciá-lo com a largueza necessária, que podem esperar alguns dias.

Entendo mais que uma questão, em que está em jôgo o bom nome do País, perante as outras nações, deve ser tratada com toda a amplitude e não apenas por meio de um negócio urgente.

Sei que o Sr. Joaquim Ribeiro não tem responsabilidades no caso, porque tinha anunciada uma interpolação, o que, se tratou o assunto em negócio urgente foi para satisfazer os desejos do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, mas êste deve saber que não se deve impedir ninguém de tratar do assunto largamente, sem contudo com isto se prejudicar a questão dos fósforos, que é uma questão fundamental.

De resto, há tanto tempo que a interpelação do Sr. Joaquim Ribeiro foi anunciada e o Sr. Ministro dos Estrangeiros não se mostrou com pressa de tratar dela senão agora.

Por consequência, desejo formular um requerimento para daqui a pouco ser votado, e êle consiste em que a Câmara permita a generalização do debate, mas só depois de a questão dos fósforos estar tratada.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pedro Martins) (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: não tenho quaisquer responsabilidades em que o assunto tivesse sido tratado em negócio urgente.

Tendo-me sido enviada uma nota de interpelação sôbre o mesmo, imediatamente a aceitei. Não pretendo esquivar-me ao debate parlamentar sôbre qualquer cousa do meu Ministério. Logo, as palavras do Sr. Carvalho da Silva foram injustas.

Devo também dizer que me sujeito a qualquer deliberação da Câmara, mas esclareço a de que uns vinte minutos me bastarão para acabar de tratar do assunto.

Evidentemente que o Govêrno tem interêsse em que a questão dos fósforos seja resolvida, e, se o não está, ainda, não é por culpa sua, visto que há muito tempo apresentou a questão ao Parlamento, e nisto não vai censura a ninguém.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Sôbre o modo de votar, está-se fazendo uma discussão que só serve para tirar tempo à discussão do assunto principal, e eu peço aos Srs. Deputados que resumam as suas considerações, a fim de que a Câmara possa tomar uma resolução.

Ainda estão inscritos, sôbre o modo de votar, os Srs. Sá Cardoso e Tôrres Garcia.

O Sr. Sá Cardoso (sobre o modo de votar): - Sempre que, como agora, uso da palavra sôbre o modo de votar, limito me a fazer considerações que só ao modo de votar dizem respeito, não fazendo, portanto, com que a Câmara perca tempo. Nestas condições, julgo que não me atingem as considerações que V. Exa. acaba de fazer.

Se pedi agora a palavra sôbre o modo de votar, foi simplesmente para dizer à Câmara que não me parece haver incon-

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veniente em conceder ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros autorização para concluir as considerações que estava produzindo em resposta ao Sr. Joaquim Ribeiro, visto que S. Exa. apenas carece de vinte minutos, como declarou já, para elucidar a Câmara, e não me parece que êsse pouco tempo vá prejudicar a discussão dos fósforos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Tôrres Garcia, sôbre o modo de votar.

O Sr. Tôrres Garcia: - Desisto da palavra.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que autorizam que o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros conclua as suas considerações, queiram ter a bondade de levantar-se.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Está autorizado.

O Sr. Carvalho da Silva: - Esta questão não pode ficar liquidada em vinte minutos!

Sussurro.

O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Peço a atenção da Câmara.

O Sr. Carvalho da Silva: - Querem abalar a questão, mas não pode ser.

Sussurro.

O Sr. Presidente (agitando a campainha): - A Câmara já autorizou o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros a concluir as suas considerações.

Continua S. Exa. no uso da palavra.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pedro Martins): - Continuando nas explicações que vinha dando à Câmara, passo a ler o seguinte:

Leu.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros, que era, então, o Sr. João de Barros, em Fevereiro último, lançou no processo êste despacho:

Leu.

Devo declarar à Câmara, com todo o desassombro, que perfilho absolutamente a conclusão a que chegou o Sr. João de Barros.

O funcionário Sr. Veiga Simões, em presença da carestia da vida na Alemanha, requereu que fôsse aumentada a verba que estava fixada para despesas de expediente.

Êste pedido teve o parecer favorável das entidades consultivas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e seguidamente o Ministro despachou no sentido de ser concedido um abono extraordinário.

Na organização das respectivas contas, as repartições ouvidas foram de parecer que se eliminassem algumas verbas: a relativa a uma parte das despesas de fardamento do pessoal menor, que era o chauffeur, e a relativa a aquecimento e luz eléctrica, por se entender, e bem, que ela deveria sair da verba consignada para despesas de representação.

Estas não foram, pois autorizadas.

O que foi autorizado foi apenas o abono extraordinário de 50 libras para despesas de expediente.

Quanto à acusação n.° 11, relativa a contas apresentadas como correspondendo a despesas feitas com a expedição de telegramas oficiais, tendo o arguido beneficiado com as diferenças existentes entre a quantia verdadeira e a recebida, direi que se trata do uma diferença de contas de telegramas do consulado de Hamburgo.

Quanto às outras acusações, sob o ponto de vista jurídico, não encontramos provas que as fundamentem.

Eu, que fui já chefe de missão, não hesito em dizer à Câmara que muitas vezes somos obrigados a levar da legação para casa certos papéis, não só para os estudarmos, mas até para garantir a sua inteira segurança.

O que não há, evidentemente, é o direito de guardar êsses documentos indefinidamente, como se fossem nossa propriedade.

O Sr. Joaquim Ribeiro: - É verdade que, por ordem do Ministro, era o Sr. Schultz quem substituía os funcionários da legação?

O Orador: - No processo não consta nada a êsse respeito.

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Eu tenho obrigação de dizer toda a verdade à Câmara, sem me preocupar absolutamente nada com esta ou aquela personalidade.

Há na Alemanha vinte e tantos consulados...

O Sr. Joaquim Ribeiro: - E que me diz S. Exa. relativamente ao consulado de Colónia?

O Orador: - O Sr. Bandeira não foi mais longe no seu inquérito, porque o seu mandato era restrito, e limitou-se a cumprir o que lho foi ordenado.

Sr. Presidente: sob o ponto de vista de facto, quanto às acusações fundamentais que foram feitas ao Sr. Veiga Simões, eu creio ter esclarecido a Câmara.

No ponto de vista legal, a que aludiu o Sr. Joaquim Ribeiro, também eu quero manter-me dentro dos limites, que me impus, de não gastar mais de vinte minutos, e, por isso, vou ser muito breve.

Convidou-me o Sr. Joaquim Ribeiro a declarar qual a atitude que o Govêrno tomará.

Se ainda não propus nenhuma solução é porque, quando cheguei ao Ministério, encontrei muitos requerimentos, pedindo-me o exame do processo.

A questão apaixonava a opinião pública; a imprensa já de assunto se tinha ocupado, havendo alguns jornais que o fizeram apenas no intuito de difamarem o funcionário; e eu entendo que o assunto havia de ser tratado no Parlamento, e aguardei o momento em que na Câmara se falasse sôbre o caso.

O Govêrno possui todos os elementos para apreciar a questão, e há-de apreciá-la e proceder como fôr de justiça.

A representação de Portugal, seja onde fôr, não pode caber exclusivamente a um Govêrno, porque o indivíduo que representa Portugal lá fora não leva a representação só de um Govêrno, mas do Estado.

Repito: o Govêrno tem todos os elementos para apreciar a questão e eu peço à Câmara que aguarde a resolução do Govêrno, para depois a apreciar.

O Sr. Carvalho da Silva: - Mas V. Exa. entende que a Câmara deve generalizar o debate?

O Orador: - Devo tranquilizar V. Exa. e dizer-lhe que, se pensa que da minha parte há o pretexto de me furtar à discussão do assunto, V. Exa. engana-se.

Apoiados da esquerda.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pinto Barriga (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que se abra uma inscrição especial sôbre êste assunto, mas que se faça apenas depois do resolvida a questão dos fósforos.

Posto à votação da Câmara, o requerimento é aprovado.

O Sr. Carvalho da Silva (para um requerimento): - Requeiro a V. Exa., Sr. Presidente, que consulte a Câmara sôbre se permite que seja publicapo no Diário do Govêrno o relatório do sindicante, o parecei; do conselho disciplinar e o despacho do Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - O Sr. Joaquim Ribeiro, ao terminar o seu discurso, requereu também que fôsse publicado no Diário do Govêrno o relatório do sindi cante; ora, como o requerimento do Sr. Carvalho da Silva também abrange essa parte, se o Sr. Joaquim Ribeiro não se importa, eu ponho apenas à votação o requerimento de S. Exa.

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Concordo com o requerimento do Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Carvalho da Silva (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar a V. Exa. que as próprias palavras do Sr. Ministro dos Estrangeiros, quando se referiu ao prestígio de que deve ser rodeada a nossa representação lá fora, justificam o meu requerimento.

Se, de facto, o Sr. Ministro dos Estrangeiros entende que o funcionário visado está isento de culpas, a votação do meu requerimento em nada prejudica a sua situação.

O orador não reviu.

Posto à votação o requerimento do Sr. Carvalho da Silva, é aprovado.

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O Sr. Ribeiro de Carvalho: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Está levantado 1 Sr. Deputado, e sentados 79.

Está aprovado.

Está em discussão a acta.

O Sr. Jaime de Sousa (sobre a acta): - Sr. Presidente: no final da sessão de ontem, o ilustre Ministro da Guerra comunicou à Câmara ter terminado, pela aterragem em Bolama, em condições normais, do Breguet 15, tripulado pelos heróicos aviadores portugueses, o raid Lisboa-Guiué.

Pelo adiantado da hora o estreiteza de tempo de que se dispunha, não houve ensejo, por parto da Câmara, de salientar êste facto, que maior glória e honra vem dar à aviação portuguesa.

Nestes termos, entendo que a Câmara só honrará fazendo inscrever na acta uma saudação aos heróicos aviadores, demonstrativa do apreço em que tem êste facto, que a todos enche de alegria e de orgulho.

Sr. Presidente: em meu nome pessoal, como oficial de marinha, militar e colega, portanto, dos heróicos aviadores, proponho que na acta fique exarada uma saudação a êsses bravos oficiais, e estou convencido de que a Câmara não deixará de aprovar a minha proposta.

Não quero deixar passar o ensejo sem prestar a minha homenagem àqueles que pela Pátria se sacrificam,, e V. Exa. viu até que ponto êsse sacrifício pode ir, pois a partida do Bregnet 15 foi tristemente assinalada por um desastre, estando a esta hora a enterrar-se um dos representantes da imprensa, que heroicamente se prestou a subir no Breguet 13.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Guerra (Vieira da Rocha): - Sr. Presidente: por parto do Govêrno, associo-me à saudação proposta pelo Sr. Jaime de Sousa aos heróicos aviadores do raid Lisboa Guiné, capitão Pinto Correia, tenente Sérgio da Silva e mecânico Manuel António.

É realmente digna de louvor a audácia dêstes arrojados aviadores, que fizeram, brilhantemente um percurso tam longo, sem qualquer acidente.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Morais Carvalho: - Sr. Presidente: em nome da minoria monárquica, associo me à proposta de saudação do Sr. Jaime de Sousa, pelo feito brilhante dos ilustres aviadores, que realizaram a viagem Lisboa-Guiué.

Tenho dito.

O Sr. Viriato da Fonseca: - Sr. Presidente: com todo o gosto me associo, em nome do Grupo de Acção Republicana, à proposta do Sr. Jaime de Sousa, pela chegada a Bolama dos heróicos aviadores portugueses.

Efectivamente, êste raid representa não só um feito valoroso, mas também a demonstração de que a aviação vai entrando no campo das cousas práticas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: em nome dos Deputados Independentes, associo-me ao voto do saudação proposto pelo Sr. Jaime de Sousa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Lino Neto: - Sr. Presidente: regozijo me com a chegada dos aviadores à Guino, pois que se trata dum facto de interêsse nacional que serve de estímulo à prática doutros no mesmo sentido, e associo-me gostosamente ao voto de saudação proposto pelo Sr. Jaime de Sousa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Em vista das palavras proferidas de todos os lados da Câmara, considero aprovado por unanimidade o voto proposto pelo Sr. Jaime do Sousa.

Foi aprovada a acta.

O Sr. Velhinho Correia: - Sr. Presidente: em nome da comissão do Orçamento mando para a Mesa um projecto de alteração ao Regimento, na parte que interessa à discussão do Orçamento Geral do Estado, e peço a V. Exa. que con-

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sulte a Câmara sôbre se permite a sua publicação na íntegra no Diário do Govêrno.

Foi autorizada a publicação.

foi aprovado o requerimento do Sr. Mariano felgueiras para a discussão urgente do parecer n.° 877.

O Sr. Presidente: - Há ainda outro requerimento do Sr. Dinis de Carvalho.

Foi aprovado.

O Sr. António Correia: - V. Exa. fazia a fineza de me informar se estou inscrito para formular um requerimento?

O Sr. Presidente: - V. Exa. está inscrito antes da ordem desde ontem, mas não lhe chegou a palavra.

ORDEM DO DIA

Prossegue a discussão ao parecer N.° 903, relativo aos fósforos

O Sr. João Camoesas: - Aproveito esta ocasião para mandar para a Mesa um contra projecto, que ontem não tinha concluído.

O Sr. Portugal Durão: - Sr. Presidente: na questão dos fósforos há dois pareceres, Um da comissão de finanças e outro da comissão de comércio e indústria; mas dá-se uma situação anómala, que é a de ser a comissão de comércio e indústria que critica o parecer da comissão de finanças.

Sussurro.

O Sr. Presidente (agitando a campainha): - Peço ordem.

O Orador: - Como o assunto é de alta importância, e como o contrato dos fósforos termina no dia 26 de Abril, a Companhia encontra-se com um monopólio de facto, e, portanto, parece-me, como presidente da comissão de finanças, que se torna necessário que o Sr. Ministro das Finanças indique à Câmara o seu ponto de vista.

Leu-se um oficio do juiz de direito do 3.° distrito de investigação criminal de Lisboa, pedindo autorização para depor naquele juízo o Sr. Cortês dos Santas, no dia 6 do corrente.

A Câmara autorizou.

O Sr. António Correia: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procede-se à contagem. De pé 5 Srs. Deputados, sentados 52.

Confirma-se a autorização.

O Sr. Presidente: - Vai continuar a discussão do parecer n.° 903. Tem a palavra o Sr. Nuno Simões.

O Sr. Nuno Simões: - Sr. Presidente: nos termos regimentais mando para a Mesa a seguinte

Moção

A Câmara dos Deputados, considerando, em face dos elementos e informações vindos ao debate, que os fundamentos sucessivamente invocados pela Companhia dos Fósforos para lhe ser autorizado o aumento do preço dos seus produtos não corresponderam sempre à sua verdadeira situação económica e financeira; e

Considerando que no debate se admitiu também a possibilidade de haverem sido abusivamente reduzidas as receitas líquidas da Companhia, e, portanto, as participações a arrecadar pelo Estado:

Afirma a necessidade de o Poder Executivo, por todos os meios ao seu alcance, proceder à verificação das contas da Companhia, para o devido procedimento, e passa à ordem do dia.

2 de Abril de 1925. - O Deputado, Nuno Simões.

Sr. Presidente: fazendo parte da comissão de comércio e indústria, tenho evidentemente ligado o meu voto ao parecer que essa mesma comissão apresentou, e, por isso que o Sr. relator brilhantemente tem defendido o mesmo parecer, dispenso-me por minha parte de acrescentar às considerações feitas pelo Sr. Tôrres Garcia qualquer novo argumento, qualquer novo elemento para defesa dêsse parecer, mas desejo, Sr. Presidente, pelo modo como o debate tem decorrido, pelos elementos apresentados, pelas dúvidas suscitadas, que a Câmara não deixe de tomar conhecimento de afirmações feitas e argumentos produzidos e não deixe também de sugerir ao Poder Executivo o prestígio que é necessário ter-se para com quem foi acusado de ter não só prejudicado os interêsses dos consumidores,

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16 Diário da Câmara dos Deputados

mas, mais do que isso, em face dos números apresentados acusado de, tendo de dar ao Estado determinadas participações, ter de reduzir as receitas liquidas sôbre que elas tenham de verificar se e, consequentemente, ter prejudicado o Estado.

Sr. Presidente: desde 1918 que a Companhia dos Fósforos entrou no regime de participação para o Estado. O decreto de 1920, o acordo que se lhe seguiu, as disposições de 1922, o despacho ministerial de 1923 mantiveram inteiramente êsse critério. Ato 1918, portanto, ao Estado interessava apenas que a companhia cumprisse os seus contratos, de 1918 para diante interessa-lhe que a Companhia limitasse as suas despesas de modo que as receitas liquidas sejam aquilo que devem ser para delas retirar as participações do Estado.

Desde que aqui se afirmou que nas despesas gerais se incluíram despesas que não eram obrigatórias, surgiu imediatamente a dúvida sôbre se as receitas líquidas apuradas para o efeito das participações do Estado foram aquelas que legalmente deveriam ter sido.

Desde êste momento, a Companhia dos Fósforos ficou sujeita a uma verificação de contas que é absolutamente necessário que se laça, porque não compete ao Parlamento apenas resolver sôbre o regime futuro a adoptar, compete-lhe igualmente, e nesta oportunidade, verificar se os contratos foram cumpridos, só todas as disposições legais só cumpriram se o Estado recebeu tudo a que tinha direito.

Por outro lado, Sr. Presidente, tendo-se afirmado que a Companhia baixou a qualidade dos seus produtos, que a Companhia realizou determinados lucros que se traduziram em acções beneficiárias nas quais o Estado não teve participação, verificou-se que a Companhia, ao alegar que necessitava do aumentar os preços, não dizia inteiramente a verdade, pelo menos quanto os fundamentos que apontava.

Suponho que esta simples informação basta para justificar a moção que mandei para a Mesa, moção que acontecimentos recentes que se passaram, relativamente ao monopólio dos tabacos, impõem à, aprovação desta Câmara, para que não possa dizer-se que o monopólio dos fósforos teve tratamento diferente daquele que o Parlamento deu ao dos tabacos.

Apoiados.

Sr. Presidente: a justificação da minha moção, eu peço licença para fazer algumas rápidas considerações sôbre a posição em que neste assunto se colocou a comissão do comercio e indústria.

Ontem o Sr. Paiva Gomes estranhou que, tendo a proposta sido distribuída ao mesmo tempo às comissões de comércio o indústria e de finanças, com o fim evidente de abreviar a elaboração dos pareceres, a comissão de comércio e indústria só quisesse dar o seu parecer depois de o ter dado a comissão de finanças.

Ora eu suponho que, tratando-se de uma proposta que as circunstâncias caracterizaram como uma proposta essencialmente financeira, só poderia haver vantagem nesse critério.

O Sr. Paiva Gomes: - Isso é uma doutrina nova, mas a lição aproveita. Os meus bons intuitos hão-de acabar.

O Orador: - Parece-me que S. Exa. não tem motivo para se julgar agastado.

Sr. Presidente: a comissão de comércio e indústria, nesta questão, não tinha que exprimir outro parecer que não fôsse o de salvaguardar os interêsses do consumo e o do pronunciar-se pelo aperfeiçoamento e pela liberdade da indústria.

Suponho que a essa comissão não competia emitir outro parecer, isto sem desprimor para ninguém e, em especial, sem delimitação dos bons intuitos do Sr. Paiva Gomes.

A comissão de comércio e indústria só tarde deu o sen parecer, é certo, mas isso não foi por culpa de quem dirige os trabalhos dessa comissão.

Na hora em que foi entregue às comissões a proposta do Ministro d as Finanças, Sr. Pestana Júnior, procurei, como presidente da comissão do comércio e indústria, escolher, de acordo com os meus colegas, o relator do parecer a dar, tendo para tal sido escolhido o Sr. Carlos Pereira que, sendo um Deputado da maioria e um amigo pessoal e político do Ministro das Finanças de então, Sr. Pestana Júnior, arredaria a possibilidade de se poder afirmar que a comissão não acorria aos desejos de S. Exa., e mostra-

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ria que a maioria parlamentar se encontrava integrada no ponto de vista dêsse Ministro.

Infelizmente o Sr. Carlos Pereira, por motivo de falta de saúde, não pode apresentar o seu trabalho, nem tam breve como se impunha, nem um pouco mais tarde como a sua boa esperança nos fez acreditar. E, recentemente, S. Exa. declinou a incumbência que tinha recebido da comissão de comércio e indústria. A comissão pedia, então, ao Sr. Tôrres Garcia para S. Exa. ser o seu relator.

Sr. Presidente: na comissão do comércio e indústria foi posta uma questão prévia, em que se afirmava a necessidade de se emitir um voto nos termos que eu já expus à Câmara.

Mas não havendo na proposta e no parecer da comissão de finanças o articulado indispensável para se poder sôbre êle estabelecer a discussão da Câmara, a comissão de comércio e indústria resolveu elaborar as bases do novo regime dos fósforos.

Esta comissão entendeu, e bem assim o seu ilustre relator, que devia côlher todos os elementos de estudo e apreciação, de forma a poder esclarecer inteiramente o assunto perante a Câmara e o Pais, elementos êsses raríssimos e duma tal exiguidade que impediram o Sr. Ministro das Finanças de apresentar uma proposta devidamente justificada.

Existia, é certo, uma comissão extra-parlamentar encarregada de averiguar o valor lucrativo do monopólio e de estudar o regime a adoptar a partir de 25 de Abril, mas a verdade é que essa comissão não realizou o trabalho de que fora incumbida.

A Câmara, em face da proposta do Sr. Pestana Júnior, não tinha elementos para poder resolver conscienciosamente esta questão, não tanto pelo que ela representa para o efeito dos números a aplicar, mas pelo aspecto político-social que se lhe quis dar, fazendo-se girar, à volta da questão do monopólio, a base de uma renovação do programa do Partido Republicano Português que constitui a maioria parlamentar.

Sr. Presidente: a Câmara, tendo ouvido a opinião das comissões de finanças e do comércio e indústria, cujos relatores defenderam já os seus pontos de vista, e tendo sido posta em face de números, encontra-se em condições de poder pronunciar-se.

Entendo que as bases trazidas aqui pela comissão de comércio e indústria, representam um louvável esfôrço em face da carência absoluta de elementos de estudo.

Nem pelos relatórios da Companhia há possibilidade de se avaliar duma maneira segura, o estado da sua exploração industrial.

Creio ter justificado a minha moção e assim termino as minhas considerações por agora, visto que não pretendo demorar o debate.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Seguidamente foi lida na Mesa a moção, ficando admitida e em discussão.

O Sr. Jaime de Sousa:- Sr. Presidente: da discussão que tem vindo travada sôbre o assunto em debate, temos visto que há um completo desacordo entre o Sr. relator da comissão de finanças e o Sr. relator da comissão do comércio e indústria.

A forma como decorreram as duas falas dos relatores das comissões do comércio e indústria e de finanças, deu ensejo a que o Sr. Nuno Simões elaborasse a moção que a Câmara acaba de admitir.

O presidente da comissão de finanças, Sr. Portugal Durão, levantou-se hoje e preguntou se, em face da disparidade de opiniões, da discussão havida entre os dois ilustres representantes das referidas comissões, e, ainda, da confusão que se estabeleceu em volta dos pareceres, era lícito continuar o debate sem se ouvir da parte do Sr. Ministro das Finanças, as indispensáveis explicações, e, sobretudo, a sua opinião sôbre a doutrina contida nesses pareceres e que tanta celeuma tem levantado pelo antagonismo das suas afirmações.

O Sr. Morais Carvalho terminou ontem as suas considerações um pouco mais ràpidamente do que desejava, visto que sem ouvir o Sr. Ministro das Finanças, lhe era possível continuá-las com proveito, uma vez que dum momento para o outro o Govêrno poderia apresentar uma proposta de substituição e emendar, assim por completo as bases da discussão.

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18 Diário da Câmara dos Deputados

Parece-me que tanto o ponto de vista em que se colocou o Br. Morais Carvalho, como aquele em que hoje se colocou o presidente da comissão de finanças, exigem que para um debuto regular sôbre a matéria que se discute é que nós tanto temos classificado do importante, o Sr. Ministro das Finanças venha a Câmara fazer claras e terminantes declarações.

Assim eu não vejo a mais pequena vantagem, antes só vejo inconveniente, em prolongarmos um debato que se tem vindo a fazer em pura perda.

Hoje é o último dia de trabalhos parlamentares. Porventura as sessões desta e da outra casa do Parlamento irão ser prolongadas pela noite adianto.

Se assim fôr, e a questão se liquidar, o nosso esfôrço ainda poderá ser útil; mas se tal não fôr realizável - o que estamos nós aqui a fazer?

A falar simplesmente, sem qualquer finalidade.

Sr. Presidente; sem ter, pelo Regimento, a obrigação de enviar para a Mesa a minha moção, eu vou, no emtanto, fazê-lo num documento, em que mo retiro quási exclusivamente ao moderno sistema da exploração das grandes indústrias.

Pela minha profissão e pelo desempenho de missões através já largo período da minha vida, eu tenho viajado bastante e sempre o fiz procurando aproveitar êsse tempo em estudar Q que lá fora, em países de maior cultura que o nosso, se faz em matéria económica e, sobretudo, em matéria de explorações de indústrias.

E é por isso que eu muitas vozes me permito divergir daqueles princípios que se afirma indiscutíveis o que, afinal, absolutamente em nada o são para as pessoas estudiosas o conhecedoras.

A minha moção diz o seguinte;

Moção

A Câmara dos Deputados:

Considerando que a solução a adoptar para exploração da indústria dos fósforos deve assentar essencialmente na melhor forma de acautelar os interêsses do Estado;

Considerando que o regime da liberdade de fabrico de acendalhas num país de finanças equilibradas e economicamente bem apetrechadas está contra-indicado naqueles em que o Tesouro precisa de socorrer-se do todas as origens de receita segura e garantida;

Considerando que a administração directa pelo Estado, em regime de exclusivo, seria em princípio na mais útil maneira de fazer essa exploração, se as provas dadas neste capítulo em Portugal não fossem absolutamente negativas:

Reconhece que a exploração das grandes indústrias por entidades privadas competentes e idóneas, com a comparticipação do Estado, sob qualquer das modalidades por que êla pode exercer-se, é a fórmula mais adequada aos fins que tem em vista, passa à ordem do dia. - Jaime de Sousa.

Sr, Presidente: em muito pouca conta têm sido tomados, durante esta discussão, êstes princípios doutrinários: a exploração das grandes indústrias, suas vantagens económicas, suas vantagens para o Estado e para a colectividade e suas vantagens para a indústria.

Por experiências recentes realizadas noutros países, nós podemos chegar à conclusão do que O regime da liberdade completa para determinadas, indústrias não conduz senão ao desaparecimento de quaisquer rendimentos, quer para o Estado, quer para a própria indústria.

A Alemanha, Sr. Presidente, que eu conheço de perto, já passou por três fases, relativamente à forma de compreender esta questão.

Em Portugal imaginamos que o Estado não é propriamente a Nação, não se fazendo uma idea do que seja o Estado e as ligações que deve ter o Estado com a própria Nação.

Assim, eu devo dizer que seria de toda a conveniência que neste capítulo se tivesse em consideração semelhante assunto que, a meu ver, é de grande interêsse para a própria nacionalidade.

Sr. Presidente: também na Alemanha se começou por combater os grandes sindicatos; depois de uma larga experiência, chegou-se, porém, a uma conclusão que nos mostra que o critério de exploração industrial alemã, baseado em princípios scientíficos, se encontra em Portugal no seu estado de infância.

Sr. Presidente: na fórmula apresentada pelo Sr. João Camoesas, o Estado toma uma atitude de simples indicador, de sim-

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ples acompanhador, de simples protector. O Estado nau se ingere na vida das indústrias, facilita e auxilia-as em tudo que pode,, mas exige delas aquilo que elas lhe do vem dar, porque em caso nenhum abdica dos seus direitos.

Em Portugal, Sr. Presidente, estamos muito longo desta fórmula, e não seria preciso que o Sr. João Camoesas apresentasse a fórmula com iodo o brilho da sua linguagem, porque bastava ter conhecimento do que se faz lá fora, para se verificar que ela é de acertar.

Sr. Presidente: a propósito de um debate que nesta Câmara se suscitou em outra legislatura, relativamente à protecção às indústrias, representada pela intervenção do Estado na primeira fase, que é a isenção de direitos para a entrada dos sucessivos maquinismos, eu tive ocasião de ditar à Câmara o sistema usado pelo Govêrno alemão, que às suas indústrias dizia: "Instala-te, aperfeiçoa-te, progride, ganha dinheiro, que nessa altura irei buscar a minha quota parte".

Eu debati esta afirmação nesta Câmara, defendi a isenção e as facilidades máximas para o estabelecimento das indústrias, mas a eloquência parlamentar conseguia vencer me. Tratava-se nessa ocasião da questão de Leiria.

Por êsse motivo, a questão foi para o fundo, e só há poucos dias foi votada pela Câmara, sem mais exame nem discussão.

Sr. Presidentes como V. Exa. e a Câmara vêem, mantenho hoje o que então disse, acerca da exploração industrial.

O Estado deve tratar a industria como qualquer cousa que é muito dele, e não a tratar como por favor.

Nesta questão dos fósforos, trata-se duma indústria que tem, como característica, uma indispensabilidade, o que já é um lugar comum, que não é preciso insistir. É uma indústria cuja exploração se deve procurar fazer de tal maneira que o Estado possa tirar vantagens práticas no campo financeiro e económico nacional.

O parecer da comissão parece conter a afirmação de que a matéria prima para os fósforos é importada. Toda a gente acreditou que os fósforos são feitos de matéria prima importada.

Há pouco tempo montou-se uma companhia para fornecer madeiras para êste efeito. Parece-nos, portanto, que a madeira, pelo menos, é matéria prima que temos dentro do País. Temos cá as madeiras necessárias e convenientes para êste efeito e como êstes artigos muitos outros.

Mas ninguém falou nesta indústria quando ela estava em liberdade plena, sem sofismas.

No meu distrito todos faziam a indústria caseira, e ninguém deixava de a fazer por ser necessário importar matéria prima do estrangeiro.

O Sr. Tôrres Garcia (interrompendo): - Eu, se fiz essa afirmação, foi por ter o mapa dos armazéns gerais da companhia.

Entre oitenta espécies, só o prego e a madeira para os caixotes são nossos, e para o preço o próprio ferro vem de fora.

O Orador: - Logo que os produtos lá fora sejam mais em conta que os nossos, eu vou busca-los, nem que seja ao fim do mundo.

Temos, por exemplo, o algodão que as nossas colónias não dão nem em quantidade nem em preço.

Sr. Presidente: é a história eterna das matérias primas; é sempre o mesmo princípio fundamental de que para a boa produção económica a gente deve socorrer--se de todos os aproveitamentos e pequenas verbas que possa realizar desde o início da manufactura, para que o resultado final seja o mais completo possível.

V. Exa. sabe que nesta altura ainda nós temos no País exploração de determinados minérios, que vai apenas à fase primária da extracção.

Êsses minérios são depois transportados ao estrangeiro, onde são transformados e colocados em situação de voltar ao País, para depois então os utilizarmos no uso da nossa indústria.

Desde o volfrâmio ao cobre, desde o ferro ao estanho, cujos minérios são exportados para voltarem em lâminas, para se poderem utilizar e até com a própria cortiça, vemos que assim sucede.

No País precisamos, pois, Sr. Presidente, encarar o problema da exploração industrial como se encara nos países mais adiantados e não, Sr. Presidente, andarmos a passear ao sabor das paixões que estão contra-indicadas no caso a que me refiro.

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A proposta do Govêrno anterior trouxe-nos pura e simplesmente a liberdade de fabrico e a comparticipação.

Era duma simplicidade absoluta.

Mas havia nessa proposta uma feição que não podemos deixar do salientar desde já: havia a lógica, a seriedade republicana, havia a forma jurada do compromisso tomado em devido tempo e que era necessário manter o que a opinião republicana e democrática, a opinião séria que propagandeou a República, a que fez a República e pretende mante-la, tinha de cumprir em qualquer ocasião e designadamente nesta.

O Sr. Pestana Júnior - e com êle todo o Govêrno anterior-apresentou uma proposta de lei que era, como digo a V. Exa., de perfeita lógica o do perfeita honestidade republicana.

Essa proposta, som duvida, era simplista e faço a devida justiça à sinceridade com que ela foi apresentada.

Vejamos o artigo 3.° da proposta, ou seja a parte que nos interessa que se refere à industria dos fósforos.

O Sr. Tôrres Garcia (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?

Aproveito o ensejo para ler a V. Exa. a parte do relatório da companhia, em que se diz; o seguinte:

Leu.

O Orador: - Sr. Presidente: os números apresentados pelo Sr. Deputado Tôrres Garcia levam-nos à conclusão de que é exacta a presunção do Govêrno anterior, de que a verba de renda fixa deve ser aumentada.

Não serei ou, portanto, quem vá contestar êste ponto.

Sr. Presidente: pelas considerações que tom sido produzidas o poios números que tenho visto apresentar, vê-se que há um ponto fraco na proposta do Govêrno anterior.

E qual é êsse ponto fraco?

E que se parte do princípio que a produção continua normal.

Sr. Presidente: a comissão do finanças e a de comércio e indústria encararam a proposta sôbre o aspecto de utilidade para o Estado em matéria financeira e o critério da liberdade completa, que era sinceramente apresentado pelo Govêrno, não tem mais quem o defendesse.

Não sei, Sr. Presidente, se êle será defendido ainda, em face dos pareceres com restrições.

O que é certo é que de liberdade só tem o nome, porque o Estado tem uma acção de colaboração e a indústria passa a ter qualquer cousa de intangível.

Trata-se de fábricas pertencentes a uma sociedade anónima com acções-ouro, podendo o Estado ter um opport de 25 por cento dêsse capital em acções diferenciais ouro.

Seria longo o exame dasta forma e até onde ela nos conduziria, mas se todas as fábricas que estão constituídas por sociedades anónimas ficam no mesmo pé de igualdade, só por um grande esfôrço de fantasia poderíamos admitir que essas sociedades não entrassem num entendimento imediato, visto que os interêsses são comuns e então íamos cair num sindicato industrial.

Como V. Exa. sabe, esta indústria não tem segredos; é, por assim dizer, uma indústria do trazer por casa.

Por consequência, a fórmula da comissão de comércio e indústria, nas condições em que está posta, leva-mo à conclusão de que as fábricas, em breve espaço do tempo, correrão umas para as outras, numa união que é justificada, para formarem um corpo único, constituindo um monopólio de facto, exercido em três quartas partes pela indústria e numa parte pelo Estado que para êle concorre com 25 por cento do capital em acções-ouro preferenciais.

A base B, que é essencial para a circunstância, porque, com a base A, forma, propriamente, a engrenagem da fórmula preconizada pela comissão de comércio e industria, é muito mais complexa do que a primeira.

Completam-se uma a uma; mas é muito mais complexa.

Aqui, o Estado, que já é detentor da quarta parte do capital da entidade que eu considero como sendo o somatório de todos os elementos interessados no monopólio, não só tem a quarta parte do capital, com os correspondentes interêsses, mas ainda recebe 25 por cento dos lucros brutos.

Se V. Exa. ler, tanto o relatório da co-

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missão de comércio e indústria, como o da comissão de finanças, verá imediatamente que êstes 25 por cento não foram postos aqui por um cálculo especial, mas em consequência de números que derivam da própria vida administrativa da companhia actual, da indústria actual, e, tanto o relatório da comissão de comércio o indústria, como o da comissão de finanças, contêm, discriminadamente, elementos bastantes para vermos coma é que se chega ao raciocínio do se estabelecer o rendimento de 25 por cento da receita bruta para o Estado, além do lucro de comparticipação.

O Sr. Tôrres Garcia (interrompendo): - Sr. Presidente: peço a palavra para um requerimento.

O Orador: - Sr. Presidente: tenho de continuar as minhas considerações, mas, se V. Exa. quiser pôr imediatamente à votação o requerimento do Sr. Tôrres Garcia, até me fará favor, visto que assim descansarei um pouco.

Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Tôrres Garcia.

O Sr. Tôrres Garcia (para um requerimento): - Sr. Presidente: roqueiro que a sessão seja prorrogada, por hoje e dias seguintes, com as interrupções que V. Exa. entender, até se votar na generalidade o parecer que está em discussão.

O Sr. Jaime de Sousa (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: em nome da comissão de finanças, o seu ilustre Presidente pôs há pouco a questão da indispensabilidade da presença do Sr. Ministro das Finanças, não para a continuação do debate, mas para a sua ultimação e votação respectiva.

Sendo certo que êste critério me parece de seguir, sendo certo que ainda ontem o Sr. Morais Carvalho pedia a presença do Sr. Ministro das Finanças para prosseguir nas suas considerações, peço a V. Exa. o favor de me dizer se a votação que vamos fazer é apenas para se continuar a discutir ou para se votar definitivamente o assunto, sem se ouvir as declarações do Sr. Ministro.

Creio que estamos caindo no regime do afogadilho, mas, Sr. Presidente, tal regime não pode, especialmente neste momento, honrar o Congresso da República, nem satisfazer todos aqueles que têm feito desta questão uma questão nacional. O orador não reviu.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pedro Martins): - Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças nau pode comparecer porque, infelizmente, se encontra enfermo, de cama; no emtanto, o Govêrno está por S. Exa. incumbido de acompanhar a discussão do parecer, podendo fazê-lo até à sua própria votação.

O Sr. Portugal Durão - Sr. Presidente: pedi a palavra para, como presidente da comissão de finanças, lastimando a ausência do Sr. Presidente do Ministério por motivo de doença, declarar que me dou por satisfeito com o facto do Sr. Ministro dos Estrangeiros estar habilitado a acompanhar a discussão do assunto que se debate.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente : em nome dêste lado da Câmara declaro a V. Exa. que estamos dispostos a todo o trabalho que seja necessário para que nesta sessão, dada a exiguidade do tempo de que dispomos, seja votado o parecer relativo à questão dos fósforos; mas desejo acrescentar ao requerimento do Sr. Tôrres Garcia o aditamento no sentido de que a prorrogação da sessão possa ir até amanhã e dias seguintes.

O orador não reviu.

Foi aprovado o requerimento do Sr. Tôrres Garcia com o aditamento do Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: - Sr. Presidente: peço a V. Exa. a fineza de me dizer qual o artigo do Regimento que permite que, estando um Deputado no uso da palavra, seja interrompido por outro para fazer um requerimento.

O Sr. Presidente: - Qualquer Deputado pode interromper outro para fazer um requerimento, ou uma observação, desde que seja autorizado pelo orador.

Pausa.

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O Sr. Presidente: - O Sr. presidente da comissão de homenagem aos mortos da guerra comunicou à Mesa da Câmara dos Deputados que no dia 9 do corrente, pelas 13 horas, se realiza uma romagem ao cemitério do Alto de S. João, para prestar homenagem a todos os mortos da guerra, e que, não tendo essa comissão facilidade de fazer convites especiais aos Srtí. Deputados, me pedia por esta forma que transmitisse a V. Exas. êsse convite.

A sessão continuará às 21 horas e 30 minutos.

Está interrompida a sessão.

Eram 19 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 22 horas.

O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o Sr. Jaime de Sousa.

O Sr. Jaime de Sousa: - Sr. Presidente: por pouco mais tempo terei de ocupar â atenção da Câmara.

Estava eu examinando a base D, para a qual não posso deixar do chamar a atenção da Câmara, pois, segundo ela, ficará o Govêrno autorizado a importar fósforos, cobrando um diferencial alfandegário a favor da indústria nacional, nunca inferior a 25 por cento.

Sr. Presidente: tratando-se de um diferencial alfandegário, eu não creio que tal se possa fazer, pois que o Estado não pode deixar de receber uma cousa de que não deve prescindir.

Desejaria também, Sr. Presidente, que me explicassem a forma como lei fixada a comparticipação do Estado em 25 por cento sôbre o valor bruto das vendas. A base B diz que o imposto será lançado por cada uma das caixinhas que saírem das fábricas e cujo preço de venda não poderá exceder os actuais.

Não compreendo esta forma rígida de se dizer que os preços de venda não poderão exceder os actuais, quando é certo que êsses preços poderão ser alterados de forma a que se garanta o exercício da indústria e só possa manter o rendimento que se julgue ser aquele o mais conveniente.

Quanto às outras bases, nenhumas observações importantes há a fazer, a não ser a apresentação de umas pequenas emendas que é necessário introduzir-lhes, quando da discussão na especialidade.

Sr. Presidente: o Govêrno tom sempre a faculdade de chamar a si o exclusivo da importação, motivo por que a base E tem de ser alterada.

Trata se de alterações de redacção, e estou convencido de que na especialidade se farão as modificações necessárias.

É claro que todos os cuidados devem ser tomados, quanto ao exclusivo de importação.

O Sr. Tôrres Garcia (interrompendo): - Já tive ocasião de explicar a V. Exa. que o exclusivo de importação é uma prudente posição que o Govêrno tem de tomar, para não se dar o caso de, no dia 20 do Abril, desaparecerem os fósforos do mercado, o que se pode dar mesmo como resistência por parte da Companhia. E uma arma de que o Estudo pode usar ou não, conformo quiser para se defender e fazer face à situação.

O Orador: - Ainda relativamente a esta base, desejo chamar a atenção de V. Exa. para um ponto, qual é o que diz respeito à situação do pessoal operário.

Segundo esta base, o Govêrno garantirá, e fará garantir os direitos dos antigos operários que transitaram para as fábricas da empresa monopolista em virtude do contrato de 1895.

Não posso deixar de chamar a atenção da Câmara para a situação em que se poderão encontrar amanha alguns operários em face da resolução que o Parlamento tomar.

Torna-se necessário, Sr. Presidente, dizer qualquer cousa que possa tranquilizar o pessoal operai io que ficou verdadeiramente alarmado com a disposição da base H, porquanto muitos operários poderão não estar nas condições pela mesma base exigidas.

Torna-se, necessário, a meu ver, Sr. Presidente, garantir uma situação a todo aquele que não esteja nas condições da base H.

Em todo o caso, êsses operários que ainda restam do antigo sistema de exploração não estão seguramente nas condições de aproveitamento a que se referiu o Sr. João Camoesas, daquela eficiência

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preconizada por Tailleur e seus discípulos, e deve, portanto, ser um pessoal contra indicado para continuar a trabalhar. Nestes termos é natural ou conjugando as duas bases ou modificando a redacção da base 14.ª deve claramente consignar-se que aos operários actuais da indústria dos fósforos devem ser garantidas, pela entidade que ficar, as regalias que actualmente têm.

Sr. Presidente: tenho assim terminado o exame que me propus fazer à proposta, e, como V. Exa. vê, a minha moção está de acordo com a maneira do ver de qualquer das propostas, porque o nosso objectivo é encontrar uma fórmula, a necessária harmonia para a exploração da indústria entre as entidades a constituir, o Estado e os operários.

O Sr. João Camoesas teve uma fórmula feliz, e pelo projecto que vi publicado na imprensa de hoje tive ocasião de verificar quê êle é interessante como base de estudo mas, como vai apreciar se outro contra-projecto da autoria do Sr. Portugal Durão, e como vão ser apresentadas números das emendas à proposta do Sr. Ministro das Finanças, das quais resulta quási uma contraproposta, veja V. Exa., Sr. Presidente, quanta razão eu tinha para chamar a atenção da Câmara sôbre a forma como vai ser feita a discussão na especialidade.

Sr. Presidente: suponho bem que vai ser a confusão máxima; como isso, porém, é para ver depois, vou terminar as minhas considerações, com uma referência à régie, que eu sei ter defensores nesta Câmara.

O Sr. Tôrres Garcia (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?

Antes de V. Exa. terminar as suas considerações, desejava ler-lhe um mapa da Companhia sôbre os materiais para a fabricação dos fósforos.

Diz assim:

Leu.

Já V. Exa. vê que, quando eu afirmava que as matérias primas visadas na indústria dos fósforos, em Portugal, eram de origem estrangeira, dizia uma verdade.

Não fui eu quem inventou êste mapa. Pelos dizeres que estão escritos no cabeçalho, deve aceitar-se como um documento autêntico.

O Orador: - Não posso reproduzir as afirmações que o Sr. Tôrres Garcia fez ainda agora, quando declarou que era de oitenta o número dos ingredientes que vinham do Estrangeiro em parte e que existiam em depósito nos armazéns da Companhia dos Fósforos para a manipulação dêstes.

Uma parte dêsses ingredientes vinham do estrangeiro, disse S. Exa. porque eram mais baratos.

Isso, porém, não quere dizer que uma grande parte não pudesse ser adquirida no País Português e colónias, a carnaube por exemplo, que é uma cera especial, de origem vegetal, e que eu conheço por tê-lo visto já na origem.

Com respeito à régie creio que tinha muitos defensores.

Desapareceram, êsses defensores; primeiro, porque as experiências, como acentuo na minha moção, da administração directa do Estado, tiveram como resultado a falência completa.

Isto não se dá só em Portugal mas nos países estrangeiros.

Sôbre o assunto, ouso chamar a atenção da Câmara para o que se passa na América do Norte.

E mais que suficiente para convencer todos aqueles que ainda esperam uma boa administração do Estado.

Leu.

Aqui têm V. Exas. como na própria América isto se passou com os caminhos de ferro, durante a guerra, e com os transportes marítimos.

Em França acontece o mesmo, e em Inglaterra, onde a administração dos Transportes Marítimos foi entregue à Companhia Ship Board.

Portanto, está assim posta de parte, segundo creio, a hipótese da administração pelo Estado, e cujos resultados são flagrantes.

Não posso, portanto, admitir que nos vamos meter em semelhante empreendimento.

Creio ter fundamentado a minha moção, que entendo deverá merecer a aprovação da Câmara.

Tenho dito.

O orador não reviu.

É lida na Mesa a moção do Sr. Jaime de Sousa e admitida, ficando em discussão.

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O Sr. Tôrres Garcia: - Sr. Presidente: as largas considerações do Sr. Jaime do Sousa, respondo em meia dúzia de palavras, e não é por monos consideração por S. Exa., porque durante as suas considerações já procurei elucidá-lo.

Mas S. Exa. fez incidir a maior parto das suas considerações sôbre um ponto desta questão, que realmente preocupa muita gente, e é o de nos encontrarmos amanhã em face do monopólio de facto.

O Sr. Jaime de Sousa: - Fiz um somatório do todas as companhias.

O Orador: - As bases A e B, existindo no parecer, não modificam a posição relativa das Companhas ou trusts, porque se não existissem encontrar nos íamos ainda em face do mesmo perigo.

A formação de trusts seria, porventura, mais fácil numa situação absolutamente livre, sem as disposições de carácter financeiro que constam do parecer.

Eu entendo que a Câmara, na discussão da generalidade, deveria pronunciar-se sôbre as modalidades que o novo regime de exploração possa ter; mas isso não se fez. Depois veio ainda a sobrepor-se a falta do Sr, Ministro das Finanças, que, por motivo de doença, não pôde comparecer; bem sei que S. Exa. a foi substituído pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, mas há pontos de vista que são do Sr. Ministro das Finanças, e que S. Exa. concretizou num documento que eu vou ler.

Leu.

Vou mandar para a Mesa as emendas que acabo de ler, porque elas constituem um elemento de elucidação, e a aceitação das novas bases implica a concordância com pontos de vista formulados pela comissão de comércio e indústria.

Tenho dito.

O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: cumprindo as prescrições regimentais, mando para a Mesa a minha moção de ordem.

Moção

Considerando que os fósforos constituem um género de consumo de primeira necessidade, importando por isso ao Estado melhorar e baratear a sua produção e não onera-la por meio d(c) impostos indirectos;

Considerando que o monopólio administrativo, longe de ser odioso, é muitas vezes a melhor forma de dar satisfação ao interêsse geral;

Considerando, finalmente, que a liberdade prometida na proposta e contra-proposta que o discutem se traduz, pràticamente, num monopólio fiscal:

A Câmara convida o Govêrno e as comissões parlamentares a modificar a proposta em discussão, do forma a ser garantida a. produção pela forma mais consentânea com o interêsse geral.

3 de Abril do 1925. - O Deputado, Joaquim Dinis da Fonseca.

Sr. Presidente: pouco tempo tomarei à Câmara, pois já lixei a doutrina que se deve seguir nos considerandos da moção que enviei para a Mesa, e folgo que, sendo considerado um elemento reaccionário, seja eu que defenda a doutrina da socialização dos fósforos e os interêsses dos consumidores.

Pouco importa que se fale de liberdade de comércio ou de indústria dos fósforos, porque realmente, analisadas tanto a proposta como a contra-roposta, logo se verifica que o monopólio se mantém, e se mantém até com a agravante de nele se interessar o Estado muito mais e mais profundamente.

Definida assim a minha atitude, quero acentuar o meu protesto pelo facto de uma questão desta ordem, que interessa todo o país, porque todo o país é consumidor, se ter arrastado e protelado até o ponto de ser necessário fazer-se agora esta discussão em marchas forcadas, não havendo tempo para cuidadosamente se procurar a solução não mais conviria adoptar, a solução que fôsse mais harmónica com os princípios, mais jurídica, mais política e, sobretudo, mais consentânea com o interêsse geral.

O que é que, pràticamente e na realidade, só propõe? Uma autorização ao Govêrno para fazer o que quiser, contanto que recolha para o Estado uma determinada importância. O resto pouco importa.

Será mais uma autorização para o Poder Executivo legislar como entender, e, depois de estarmos aqui a discutir de afo-

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gadilho, o Govêrno fará amanhã o que muito bem quiser.

Li com desagrado - devo confessá-lo - o parecer da comissão de finanças, pois que, na sua essência, êle se limita a dizer que a Companhia está muito- bem, que o Govêrno deve receber mais e que o povo devo pagar mais.

O Sr. Paiva Gomes (interrompendo): - O parecer não diz nada disso. V. Exa. não sabe ler!

O Orador: - V. Exa. vai ensinar-me a ler. Diz o parecer:

Leu.

Por consequência verifica-se que o Estado receberá o que quere o que teremos de elevar o preço do venda de fósforos.

O Sr. Paiva Gomes: - Onde é que V. Exa. encontra quaisquer palavras qno o levassem à afirmação de que a comissão de finanças diz que a Companhia está muito bem?

O Orador: - Eu leio já as palavras do relatório.

Leu.

Se isto não quero dizer que a Companhia está muito bem, então declaro que já não sei o significado das palavras.

Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Paiva Gomes.

O Orador: - Diz ainda o parecer da comissão de finanças:

Leu.

Emfim, é possível que eu também não compreendesse estas palavras, mas fiquei com a impressão, ao ler o parecer da comissão de finanças, que ela queria que o monopólio continuasse, isto com prejuízo evidente do público.

Mas prometi ser breve e, por isso, não farei mais referências ao parecer da comissão de finanças.

Passarei a analisar, com a mesma brevidade, o parecer da comissão de comércio e indústria. Êste parecer tem dois objectivos: manter a renda, elevando-a para o Estado, e ao mesmo tempo manter o preço de venda dos fósforos. Por esta forma, a comissão procurou de alguma maneira realizar o que chamaremos o monopólio misto; tirar vantagens para o Estado, mas quanto possível trazer o mínimo de encargos para os consumidores.

Como procura o parecer defender esta doutrina? Dizendo que a Companhia está próspera, que, pela análise dos números apresentados o da produção que actualmente tem, se reconhece que ela pode pagar a renda que o Estado calcula dever tinir dessa indústria, som que para isso tenha do só sobrecarregar mais os consumidores aumentando o preço dos fósforos; e propõe duas formas de conseguir essa renda: por meio da comparticipação de Estado nos rendimentos da indústria, ou por meio da comparticipação no capital.

A estas duas formas tenho que fazer dois pequenos reparos, a meu ver suficientes para se pôr em dúvida a eficácia das soluções que se pretendem adoptar.

Em primeiro lugar seria muito interessante que a comissão nos pudesse ter dito o que pensa a Companhia, porque, de facto, sendo a Companhia uma empresa financeira bem montada, é ela que tem de aceitar ou rejeitar as duas propostas que se lhe possam fazer.

Não surgem amanhã no País, com efeito, dúzias de companhias que lhe possam fazer concorrência. Por isso a primeira dúvida surge: a Companhia está disposta a aceitar estas condições que o Estado lhe impõe? Mas se não está, ficamos reduzidos à base e), que é a do exclusivo de importação.

Também não me parece que esta situação...

O Sr. Tôrres Garcia: - Provisória...

O Orador: - V. Exa. não me poderá dizer que não seja a importação definitiva o com isso só conseguiria, tornando-a tributária do Estado, fazer a ruína de uma indústria portuguesa.

Sem que nos tenhamos assegurado mais ou menos da parte da empresa que neste momento está constituída, a boa vontade de entrar em negociações com o Estado, no sentido de serem aceites as bases aqui cotadas, é inútil o trabalho do Parlamento impor condições que uma Companhia que está próspera não acatará, se não lhe forem favoráveis.

É êste o motivo que me faz supor que as soluções propostas não têm garantia do êxito.

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O Sr. Tôrres Garcia: - V. Exa. dá-me licença? É para afirmar a V. Exa., de uma maneira clara, que a comissão no comércio e indústria não sabe das intenções da Companhia dos Fósforos, porque não se preocupou até com a sua existência.

O Orador: - Tanto V. Exa. se preocupou com a Companhia, que todo o seu relatório é absolutamente fundamentado neste argumento; a prosperidade da Companhia e de tal tirar a permissa do que da pode pagar mais ao Estado.

O Sr. Tôrres Garcia: - É que eu referindo-me á prosperidade da Companhia, refiro-mo à indústria nacional.

O Orador: - Mas êsse argumento, desculpo-me V. Exa. que lho diga, é indigno da sua inteligência, porque, se V. Exa. tem de aceitar a existência da Companhia, como uma realidade social, com todo o poder que tem uma indústria constituída financeiramente, V. Exa. tem de, ao fazer uma lei, contar com essa realidade social.

E, se não aceita a indústria constituída, V. Exa. supõe que era possível às indústrias que se constituíssem aceitarem condições que a primeira não tem?

A verdade é que tudo o que não fôr sabermos quais os intuitos da Companhia e qual será a eficácia da lei que vamos votar, equivalerá a um trabalho inútil ou mesmo prejudicial, porque estamos a poucos dias já da finalização do contrato o, só não tivermos na devida altura a forma de salvaguardar os direitos do Estado, os interêsses de uma população, porque toda a gente precisa dêste género que é do primeira necessidade, não se poderá então estar a fazer cálculos nem experiências. Tomos que ter qualquer cousa de positivo, visto que sem realidades não se faz política nem leis, porque estas não são geometria no espaço; são a fórmula de realidades que se encontram no meio social e com as quais temos que contar.

Mas partamos da hipótese mais favorável para a comissão de comércio e indústria, do que a Companhia (esta ou outras que porventura se virão a constituir) realmente aceitava esta doutrina.

Porventura mediu a comissão de comercio e indústria as graves dificuldades, as complicações, as despesas mesmo da execução das próprias bases, tanto da comparticipação como da intervenção do Estado accionista adentro destas sociedades?

Notem V. Exa. e a Câmara que não quero já referir o que encontro do, injurídico e de incongruente no sentido financeiro nossa teoria da intervenção do Estado nas emprêsas; apesar de uma corrente de opinião que a quis justificar, a verdade é que está sendo reconhecida como prejudicial, porque o fermento político penetra na vida dessas emprêsas.

Todos sabem que quanto maior fôr a produção, maior é a satisfação que há para o bem geral e a intervenção do instado acarreta, senão prejudicá-la propositadamente, pelo menos deminui-la. Qualquer que seja o aspecto em que eu encare esta questão, não tenho nenhuma má vontade contra ela. Não tenho ainda nenhum rumo sob o ponto de vista económico, sôbre esta proposta que, lida à primeira vista, não mo chocou e até achei superior à proposta inicial. Mas a verdade a que considerados maduramente os objectivos apresentados na proposta da comissão do comercio e indústria, não vejo a possibilidade prática, a eficácia que se pode traduzir numa lei de resultados imediatos e vantajosos quer para o Estado quer para a manutenção e melhoramento de uma indústria que havemos de reconhecer que é indispensável manter para interêsse geral. Nós não podemos, Sr. Prós dento, nem política, nem socialmente, brincar com um interêsse gorai, que por isso mesmo afecta a todos e que amanha não pode suspender-se à espera de qualquer rumo diverso ou de qualquer combinação que o Govêrno tivesse de entabolar com quaisquer emprêsas que surgissem. Infelizmente elas não surgirão!...

Mas, Sr. Presidente, vou terminar com o aspecto a que me quero referir. Suponhamos que a companhia aceitava. Como é que o Estado garantia a fiscalização nesta comparticipação e na sua intervenção como accionista? Pelos seus delegados comissários? Mas, Sr. Presidente, por ventura o triste exemplo da intervenção dos tabacos e os de um já longo

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tempo, não dêste regime só, mas de sempre, não condenam?

A intervenção dos comissários não sabemos que é absolutamente inútil?

A liberdade, tal como está concebida nestas duas propostas, daria a impossibilidade para o Estado de poder fiscalizar quer dentro das companhias quer fora no fabrico clandestino que se viesse a fazer e até na importação clandestina.

Nós sabemos quanto é difícil ao Estado fazer esta fiscalização, muito mais difícil mesmo do que a qualquer particular em qualquer empresa.

Há uma razão psicológica bastante forte que o determina e que todos conhecemos: é que, para lesar o Estado, todos se combinam: as próprias emprêsas e os participares.

O que se vê; de tudo isto é que o Estado não lucra cousa alguma.

O Estado não tem possibilidade de fiscalização, mesmo que faça uma rodo de fiscalização para impedir que a importação clandestina se efectue.

Tendo analisado as diferenças das diversas opiniões, volto ao meu princípio. Acho que o melhor era, não a liberdade condicionada, mas a fiscalização. Já um imposto indirecto.

E natural que todos paguem as contribuições. É preciso ver bem que não se trata do uma fonte de receita espantosa, mas é um imposto indirecto, e como tal odioso, que vai recair sôbre o rico e o pobre.

Dá-se ainda o facto dêste imposto ir afectar mais as pessoas que precisam de fósforos para usos caseiros do que propriamente os que mantêm o vício de fumar, pois êsses usam os acendedores que são tributados por uma só vez.

Êste imposto acaba por ser injusto.

Termino aqui as minhas considerações, e mando para a Mesa a minha moção.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Leu-se e foi admitida a moção.

O Sr. Viriato da Fonseca: - Sr. Presidente: depois do que já tem sido dito pelos ilustres oradores que sôbre o assunto tom usado da palavra, e todos êles encararam com toda a proficiência os diversos aspectos desta questão, eu não tenho a pretensão de trazer para o debate qualquer cousa nova.

Se pedi a palavra foi tam somente para marcar nesta questão a posição do Grupo Parlamentar a que pertenço. Eu faço parte da comissão de finanças, mas o meu nome não está no parecer que ela emitiu.

Já, porém, fácil a explicação disso.

Na reunião em que o Sr. relator apresentou o seu trabalho para ser assinado, eu não estive, visto que, então, me encontrava preso nesta sala com a discussão da proposta dos duodécimos de que fui relator.

Não assinei pois o parecer.

Falo, portanto, com uma certa liberdade sôbre o assunto.

Sr. Presidente: tenho ouvido dizer que o problema dos fósforos é de difícil solução por isso que é de si próprio muito complicado. Quanto a mim considero que se trata apenas de um problema financeiro dos mais simples de resolver.

O que o faz parecer difícil é a circunstância de haver carência de muitos elementos que dêem base para um estudo completo, segundo o qual se pudesse assentar numa solução conveniente.

Dois pareceres estão em discussão neste momento, no intuito de achar a solução que mais convenha ao futuro regime, da exploração da indústria dos fósforos.

Ambos preconizam o regime livre em determinadas condições.

Mais vago o da comissão de finanças; e da comissão de comércio e indústria apresenta concretamente um contra-projecto, para substituir a proposta ministerial.

Assim, Sr. Presidente, devo dizer que os pareceres destas duas comissões são bem diferentes um do outro quanto aos números que apresentam.

Assim a comissão de finanças afirma que os elementos que lhe foram fornecidos são oficiais, porém, eu tenho a impressão de que na verdade êles não representam a verdade dos factos.

Por outro lado, a comissão de comércio e indústria apresenta outros elementos, deduzidos através de várias considerações, baseadas nas leis de probabilidades, revestindo por isso um acentuado caracter de dedução matemática, que se nos impõe.

Necessário seria porém que as bases em que se firmam tais cálculos, fossem o

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mais exactas possíveis e eu sinto que nem sempre, tais bases, traduzem a verdade dos factos.

Relativamente ao número do caixotes o caixinhas, encontro eu uma pequena diferença, visto que, tendo feito os meus cálculos, cheguei à seguinte conclusão:

Leu.

Não ô lícito, portanto, supor, Sr. Presidente, que a produção dos fósforos aumente, visto que a Companhia não os poderá exportar para o estrangeiro, podendo exportar semente para as colónias e ilhas.

O Sr. Tôrres Garcia (interrompendo): - Desculpe-me V. Exa., mas há outras circunstancias a ponderar, como, por exemplo, a qualidade dos fósforos. Desde que a qualidade melhor, o consumo há-de aumentar.

O Orador: - Êsse aumento, a meu ver pode provir não só dessa circunstância, como também do aumento do população e ainda do aumento do exportação.

A circunstancia de a Companhia modificar, o tamanho, a qualidade e a quantidade de fósforos, é do lacto uma causa de aumento do produção e principalmente de lucros para ela.

É de notar que reduzido a 40 o número do fósforos em cada caixinha, se em cada caixa houver quatro fósforos, som cabeça, ou duplicados, isto é dois palitos com uma só cabeça, média de fósforos inutilizados, que não é de estranhar isso representa um déficit para o público do 10 por conto, que feitos os cálculos representa um lucro anual de 3:900 contos, ou um aumento do produção equivalente.

Quanto ao aumento da população, se se fôsse admitir como aumento anual e constante, o número que, em média, representa o aumento da produção de fósforos, e daí inferíssemos que a população aumentara proporcionalmente, onde iríamos parar!

E o facto é que as estatísticas não nos indicam êsse espantoso aumento de população.

A razão aritmética que a comissão de finanças indica é uma média de um certo número de anos, 18 ou 20 se não me engano, do aumento da produção de fósforos.

Querer estabelecer uma progressão na pradução dos fósforos o concomitantemente tirar conclusões para a uniformidade e constância do aumento da população, julgo que não está certo e por isso não aceito senão em parte, os números deduzidos pela comissão de comércio e indústria.

Entre o orador e vários Srs. Deputados estabelece-se uma larga discussão impossível de estenografar.

O Orador: - Eu não defendo nem ataco o regime do monopólio. Simplesmente não compreendo o horror que a maioria da Câmara manifesta contra essa forma de exploração de indústrias, quando é certo, que é ela mesmo que tantas vezes tem recentemente aprovado a concessão de monopólios, como ainda há pouco aconteceu com o monopólio concedido à casa inglesa Marconi, para a exploração de telegrafia sem fios.

Se o horror efectivamente existisse, nunca se deveria conceder qualquer monopólio grande ou pequeno.

Mas o problema dos fósforos, quanto a mim, é tudo quanto há de mais fácil. Não vejo aquelas extremas dificuldades que tanto se apregoa, a não ser talvez as do carácter moral.

Tecnicamente, dêem-me dados,, estatísticas o eu que nada valho vou pôr o problema em equação imediatamente o resolvido ficará o assunto.

Portanto, tecnicamente não vejo onde esteja a transcendência do problema.

Financeiramente, não vejo que o problema possa trazer ao Estado uma grande renda que sirva para equilibrar o Orçamento ràpidamente.

Assim, não vejo também por esto lado nada de grandioso no assunto.

Socialmente, trata-se de fazer fósforos, o isso, perante o avanço actual da sciência, não tem nada de extraordinário. O Sr. João Camoesas falou-nos aqui do Farjol e de Tayllor, dizendo cousas maravilhosas sôbre o funcionamento das indústrias, no sentido de ligar o trabalho e o capital de uma forma scientífica, de molde a dar o maior rendimento.

Já em tempo o Sr. Pires Monteiro aqui nos falou em Farjol a propósito do orçamento do Ministério do Trabalho e da forma como deve ser organizado o trabalho no nosso País.

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Ora eu lembro-me de que quando ora estudante da Escola do Exército, sem conhecer o Farjol, nem Tayllor, já me ensinavam a maneira de aplicar o trabalho scientífico, ao movimento de terras em aterros e desaterros, nos trabalhos do fortificação e tudo isto, de modo a obter o melhor rendimento; o quando depois estudei alguma causa do engenharia, lá fui encontrar, para a construção de estradas, êsse mesmo princípio da divisão das terras.

O Sr. João Camoesas: - Isso é tam antigo que já vem do tempo de Adão e Eva.

O Orador: - Afinal, pode dizer-se que não há nada de novo neste mundo, e felicito Adão e Eva pelos seus conhecimentos scientíficos.

Esta. cousa que se chama a sciência, é uma cousa que já vem muito do traz, e que são poucos se vai acumulando na sucessão dos séculos, dando-nos hoje uma síntese, maravilhosa, deslumbrante, que é a moderna sciência.

Quando julgamos que uma descoberta é muito recente, vem a averiguar-se que já existia nos tempos antigos, ainda que sob outras formas, mais elementares e reduzidas.

Finalmente não tenho a fobia do monopólio.

A Acção Republicana não tem medo de monopólios, simplesmente os quere rodeados daquelas cautelas o cuidados, de modo a que o Estado e a colectividade não sejam prejudicados.

Ainda que por uma forma rude ou creio ter mostrado à Câmara a atitude da Acção Republicana desempenhando-me como pude do encargo com que ela me honrou.

Todos os números sôbre os quais assentam os cálculos feitos são variáveis, não valem nada porque afinal de contas as circunstâncias de futuro é que os hão-de determinar.

Parece que estamos todos a pressupor que a companhia que está é a que fica, quando afinal de contas pode haver outras entidades que queiram aceitar êstes princípios.

O Sr. Nuno Simões que é um dos nossos colegas que mais só tom imposto à nossa consideração pela sua inteligência, qualidades de trabalho, sinceridade e correcção, referiu-se a esto assunto colocando a questão, segundo o meu entender, no seu verdadeiro pé.

Eu fiz parte de uma comissão encarregada de estudar o futuro regime dos tabacos. Essa comissão ainda reuniu e assentou as bases de um sério estudo, para fixar as futuras normas do regime dos tabacos. Por intermédio das legações mandou vir livros concernentes aos regimes estrangeiros e procurava obter estatísticas completas, para bem orientar o seu estudo.

Em certa altura, o presidente da Comissão, falando com o Ministro das Finanças, sôbre os trabalhos dessa comissão, o Ministro Sr. Pestana Júnior disse-lhe, mostrando-lhe uns linguados de papel, que não precisava dêsses trabalhos, porquanto já tinha ideas formadas sôbre o assunto e que as ia apresentar à Câmara dos Deputados concretizadas em uma proposta.

Ê claro que a comissão, nunca mais se reuniu nem continuou os seus trabalhos.

É preciso resolver o problema e para isso são precisos elementos que a comissão pode dar.

Se não julgo de grande monta, económica o financeiramente o problema dos fósforos, outro tanto não digo do dos tabacos, que êsse é o assunto do grave importância, pela influência enormíssima que deverá ter no saneamento das nossas finanças.

Mas quer num, quer noutro caso, maís uma vez a Câmara se prestigiará, estudando, discutindo votando a solução a dar a êsses dois problemas, em volta dos quais os que, lá fora, têm por costume apodar os políticos de desonestos, de mandriões, e não sei que mais, hão-de ver, que nós pusemos toda a nossa devoção, inteligência e critério, para assegurar os sagrados interêsses da colectividade.

Tenho dito.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pedro Martins): - Pedi a palavra para sôbre o assunto em discussão expor o pensamento do Govêrno.

Na discussão, na generalidade, definira-se princípios gerais e estuda-se a oportunidade da proposta.

Nesta questão há que atender a vários interêsses, sejam os do Estado, os da ín-

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dústria, os dos consumidores e os dos operários.

A proposta ministerial apresentada à Câmara creio que considerava, principalmente, a questão sob o ponto de vista fiscal. O parecer da Comissão de Comércio e Indústria considera a questão em todos êstes aspectos. Estuda a questão em todo o seu conjunto.

O Govêrno acha aceitáveis os princípios defendidos pela Comissão, com o conjunto de emendas enviadas para a Mesa pelo ilustre relator.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: ouvi falar nos interêsses do Estado e nos interêsses dos consumidores e dos operários.

Quanto aos interêsses dos consumidores o dos operários, eu quero dizer ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros que... bem prega frei Tomás!

Inicialmente foram apresentadas duas propostas. A primeira é da autoria do Sr. Pestana Júnior, a quem sucedeu o Sr. Vitorino Guimarães nu gerência da pasta das Finanças. O Sr. Pestana Júnior, que não se fartou de combater os monopólios o de dizer (pie muito desejava proteger o consumidor, esqueceu-se dele na sua proposta, para cuidar mais no interêsso do Estado com um critério fiscal.

Sr. Presidente: já do início o parecer da comissão de Comércio e Indústria, obedece a êsse princípio, e relativamente às emendas enviadas hoje para a Mesa pelo Sr. Tôrres Garcia, em nome do Govêrno, não falarei por emquanto, porque dentro em pouco, terei ensejo de demonstrar o que elas são.

Sr. Presidente: ao discutir-se esta questão, (MI não posso deixar de pôr em relevo os inconvenientes do processo seguido nos trabalhos parlamentares, processo que mostra que estamos a assistir a uma sessão de forma atabalhoada e atrabiliária, numa questão fundamental, como esta e a do financiamento do Angola, e como se discutem nesta Câmara.

A questão dos fósforos devia ser debatida largamente e assentar num cuidadoso estudo, procedido de um inquérito feito àquela indústria, para que não pudesse haver aquela divergência de critérios, que nesta Câmara têm sido apresentados.

O Sr. Tôrres Garcia diz que o preço dos fósforos está completam ente actualizado, e o Sr. Paiva Gomes afirma que não.

Ora, Sr. Presidente, eu antes do vir para a Câmara discutir esta questão, procurei estudar a proposta e o contrato relativo ao monopólio de 1895 e todas as medidas legislativas anteriores a esta, e perante as quais o Sr, relator da Comissão tem do reconhecer que os seus trabalhos foram em parte baseados, no bem elaborados o cuidados relatórios da proposta ministerial da monarquia.

Sr. Presidente: só olharmos para o relatório da comissão do finanças, nós verificamos que o Sr. Paiva Gomes foi, em parte, buscar as suas afirmações ao relatório que precede a lei de 1895, referente ao exclusivo de fósforos.

Assim, S. Exas. tem de reconhecer hoje a injustiça espantosa com que acusavam no tempo da propaganda os homens da Monarquia, pois ao relatório por êles apresentado, ainda hoje se vão buscar muitas lições.

O Sr. Ribeiro de Carvalho (em àparte): - Grandes lições as da Monarquia!...

O Orador: - Não tenha V. Exa. dúvida nenhuma a êsse respeito. E o Sr. Tôrres Garcia será o primeiro, estou convencido, a reconhecer a verdade das minhas afirmações.

Também, o Sr. Tôrres Garcia, com uma sinceridade que muito o honra, tom no seu relatório passagens que bem demonstram o que era a propaganda feita contra a Monarquia.

E assim que S. Exa. faz a seguinte declaração:

Leu.

Ah! Sr. Presidente, esta declaração valo quanto pesa!

O Sr. Tôrres Garcia é um republicano de sempre, tem uma alta categoria dentro do regime republicano e a sua informação tem muito valor.

Ainda bem que aos homens da Monarquia já hoje se faz justiça o que se vão vendo os inconvenientes graves da propaganda.

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Os relatórios e propostas de lei apresentados pelos monárquicos oram bem diferentes dos apresentados agora, e não sofrem com êstes confronto.

Mas vejamos então como é que aqueles que tanto combatem os monopólios, aqueles que tanto acusaram os homens da Monarquia do nào quererem defender os interêsses do consumidor, resolvem hoje a questão dos fósforos pregando a liberdade.

Pregunto: qualquer das propostas ou dos pareceras não representa uma ruína defendendo um monopólio?

Ha três processos de exploração dessa indústria: a regie, a administração directa por couta do Estado; a liberdade; e o monopólio.

Porque se condenam os monopólios?

Porque é que os republicanos condenavam no tempo da monarquia os monopólios?

Porque, diziam, era a quebra de princípio da livro concorrência, o prejudicial ao consumidor.

Concordo em que não há nada como a livro concorrência para beneficiar o consumidor.

Mas então, o que é que se pretende?

O monopólio é um imposto sôbre o consumidor; aumenta os preços das cousas.

Vemos, porém, que são mandadas para a Mesa propostas como a que contém o princípio defendido pelo Sr. Tôrres Garcia, em nome do Sr. Ministro.

E o que contém essa proposta?

Contém a indispensabilidade do aumento do preço dos fósforos.

Onde está portanto a protecção ao consumidor?

Compreendia que se desejasse a liberdade, mas a liberdade sem condições. A que é defendida pelo Sr, relator da comissão de finanças está condicionada; é sujeita a determinadas condições que bem demonstram que se não procura defender o consumidor por êsse sistema de liberdade.

Então haja a liberdade ampla do fabrico e de importação.

Apoiados.

Sr. Presidente: com fundamentadas razoes tenho ouvido dizer neste debate que, entrando no regime de liberdade porque se condena o do monopólio, é necessário que não vamos cair no monopólio de facto, a substituir o monopólio de direito, mas, para se não cair no monopólio de facto, e qual é o único regime possível? É o da liberdade de importação, por forma a se garantirem os interêsses dos consumidores. Para confrontarmos com o que se fez em 1895, analisemos todas estas propostas, a principiar pela do Sr. Pestana Júnior. Que fez o Sr. Pestana Júnior, o grande amigo do povo, o acérrimo defensor da liberdade, para que o público não ficasse sujeito a exploração do monopólio?

O Sr. Pestana Júnior, em lugar de pretender baratear o preço dos fósforos, pretendeu apenas lançar sôbre êste artigo de primeira necessidade um imposto, dele tirando para o Estado uma receita de 11:000 contos.

Vem depois a proposta do Sr. Tôrres Garcia, proposta que S. Exa. já substituiu por uma outra que enviou para-a Mesa e para a qual eu peço a atenção da Câmara, a fim de que se veja bem o que vem a ser a tal liberdade e a tal protecção ao consumidor. Dizia o parecer inicial da comissão de comércio e indústria:

Leu.

Somos inteiramente contrários a êste princípio. Entendemos que o Estado não deve ter qualquer sombra de comparticipação, a não ser a que lhe vem dos impostos que recebe da exploração de qualquer indústria.

Mas uma indústria desta ordem, o Estado a lançar êste imposto sôbre o capital é, antes de tudo, ir logo criar encargos a essa indústria, por forma a contribuir para o aumento do preço do género. Mas, além disso, pregunto eu: onde está então êsse amor aos princípios de liberdade, o desejo de que tantas fábricas se estabeleçam, êsse amor à concorrência, quando se vai lançar êste imposto sôbre o capital, por forma a que as pequenas indústrias não se possam estabelecer, a levar à existência, portanto, de verdadeiros monopólios e a colocar a actual Companhia em situação verdadeiramente privilegiada em relação a outras que se possam formar. Não! Esta base é logo a primeira que contraria por completo os princípios de liberdade que S. Exas. dizem preconizar.

Mas vem depois a base B e diz:

Leu.

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Isto diz o parecer da comissão de comércio e indústria. Êste parecer não quere baratear o preço dos fósforos, mas pelo meãos estabelece que os preços não podem aumentar. Tia pouco o Sr. Tôrres Garcia enviou para a Mesa um contra-projecto, em que desapareço por completo tudo quanto se garantia para o consumidor e não há assim uma única cláusula, uma única que diga que o consumidor continua a ter fósforos pelo mesmo preço em que estavam. De maneira que os "grandes" defensores do consumidor fazem desaparecer a única cláusula destinada a marcar êsse preço. É agora ocasião do eu dizer ao Sr. Ministro dos Estrangeiros, visto que S. Exa. disso que é preciso atender o consumidor: Bem prega Frei Tomás!

Basta ler esta proposta de emenda, que o Sr. Tôrres Garcia enviou para a Mesa em nome do Sr. Ministro das Finanças, para provar que o Govêrno pousa, sem respeito pelo consumidor, obrigar ao aumento do preço dos fósforos.

Mas diz mais adiante a base B da emenda.

Leu.

Actualmente só se fabricam fósforos a $20 a caixinha.

Aqui está como se olha ao interêsse do consumidor: o Sr. Ministro dos Finanças e o Govêrno "Bem prega Frei Tomás!" repito, querem, lançar sôbre cada caixinha de fósforos que se produza no País um tostão de imposto!

A conclusão a que chegamos, Sr. Presidente, é de que o verdadeiro explorador do povo é o próprio Estado.

Não posso, Sr. Presidente, estar de acordo, do maneira nenhuma, com as emendas apresentadas pelo Sr. relator, visto que o imposto que se vai exigir, por parte do Estado, é de tal forma posado, que não vem senão prejudicar largamente o consumidor, não garantindo sequer a situação dos operários.

Não posso também estar de acordo com a opinião de que a produção dos fósforos aumentou, mio estando, a meu ver, nesta parte exactos os cálculos apresentados pela comissão, segundo os quais a Companhia devo fabricar 220 caixotes de 3:600 caixinhas por dia, o que dá perto de 300 milhões do caixinhas por ano.

Interrupção do Sr. Tôrres Garcia não se não ouviu.

O Orador: - Esses cálculos, a meu ver, não são exactos.

O Sr. Tôrres Garcia: - Se amanhã se verificar um abaixamento cambial que se reflita nas matérias primas, o Estado pode baixar.

O Sr. Paiva Gomes: - Parece-me que o que havia a fazer nesse caso era, antes de mais nada, baixar o preço do produto, em deixar do ter em consideração as recebas do Estado.

O Orador: - O Sr. Tôrres Garcia e o Govêrno têm o critério fiscal.

Isto não é nada um regime de liberdade, e, pelo contrário, parece um regime de monopólio, com o aumento do preço dos fósforos.

Ora veja V. Exas. Dizem o Sr. Tôrres Garcia e o Govôrno, defensores da liberdade do comércio, que querem um regime do livre concorrência, mas também dizem: queremos uma justa protecção à indústria nacional, marcando o Sr. Pestana Júnior 20 por cento, e o Sr. Tôrres Garcia 25 por cento.

O Sr. Paiva Gomes: - Não estabeleci números. Só á face dum inquérito é que pode, honestamente, fixar-se um número.

O Orador: - Vem o Sr. Ministro das Finanças o diz que quero uma protecção pautal de 15 por cento.

O Sr. Tôrres Garcia: - Não pode ser. Olhe que será muito.

O Orador: - O que sabemos é que não pode deixar de ser.

Os fósforos suecos, diz o Sr. Tôrres Garcia, custam $10 a caixa.

Com transporte, percentagem de venda, etc., temos que uma caixinha do fósforos estrangeiros não pode vender-se por monos de $20 ou $30.

O Sr. Tôrres Garcia: - O transporte de uma caixa de fósforos é irrealizável em números.

O Orador: - Não é tanto assim. V. Exa. não pode pôr menos de 15 por cento,

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por que tem as despesas de embalagem e outras.

Assim a protecção pautai que V. Exas. vão dar, e que deve ser regulada, não só pelo critério fiscal, mas pelo preço que fosse o freio dos preços do produto nacional, em lugar de dar a garantia ao consumidor do ter fósforos ao preço actual, ia apenas facilitar ao Govêrno o cobrar a receita que se propõe adquirir, com um imposto oneroso sôbre o contribuinte.

É sempre o critério fiscal que se impõe aos Governos!

Gostava de ouvir o ilustre Deputado Sr. José Domingues dos Santos pronunciar-se sôbre êste critério do Govêrno. S. Exa. que tem andado pelos comícios de propaganda a defender o regime de pura liberdade de trabalho, para protecção do consumidor, com certeza entende que lançar $10 do imposto sôbre cada caixa de fósforos não é aquela defesa acalorada dos explorados contra os exploradores.

O Sr. José Domingues dos Santos: - Não tenha V. Exa. pressa!

O Orador: - Eu não tenho pressa, tanto que tenho procurado que não passe tam depressa aquilo que, por certo, V. Exa. distraidamente deixaria passar.

Mas os explorados e os exploradores!

Quem são os exploradores?! Exploradores são aqueles homens que, dizendo-se inimigos dos monopólios e defensores do povo, vêm num género do primeira necessidade, como são os fósforos, consentir que se lance um imposto que os torna muito mais caros.

Não andaram pelos comícios a pregar a guerra dos explorados contra os exploradores os homens da Monarquia, e no emtanto, consultando o contrato de 1895, verificamos que êsses homens estabeleceram na base 14.ª, sem esquecerem os interêsses dos consumidores, o seguinte:

Lê.

Sr. José Domingues dos Santos ponha V. Exa. os fósforos a meio centavo, se é capaz!

Os homens da ominosa Monarquia, que não eram amigos do povo, que não andavam pelos comícios a prometer o bacalhau a pataco, nem os fósforos por preço nenhum, era assim que procediam.

Mas, agora, o que é preciso é garantir a liberdade de importação dos acendedores!

É preciso isso para não colocar o povo na condição do explorado, para impedir que êsses sindicatos explorem o povo, e então cada acendedor pagará, sabe V. Exa. quanto?

Pela proposta do Sr. Tôrres Garcia, 10$; pela proposta do Govêrno, 30$.

Fazem bem em aumentar assim o preço dos fósforos, porque quanto menos luz lio u ver, menos o povo vê a verdade com que lho façam os que se dizem seus defensores.

Uma pregunta farei ainda: Deixam-se, então, sem garantia alguma os operários que já, contam hoje mais de vinte anos do trabalho na indústria dos fósforos, só pelo facto do terem sido admitidos depois de 1890? Isto é inaceitável!

Lembro que, no contrato de 1895, a todos os operários ficou assegurada a sua situação.

Procedia-se assim no tempo da Monarquia!

O Sr. Américo Olavo: - O Estado não tomou sôbre si nenhum encargo. Impôs obrigações à Companhia.

O Orador: - Então, passava-se do regime da liberdade para o do monopólio, o agora dá-se o contrário.

As circunstâncias do 1895 eram diversas das actuais.

Diz a comissão de finanças que, até certo ponto, se justificava que em 1895, quando o País atravessava uma situação difícil em consequência das crises de 91 e de 92, o Estado procurasse obedecer ao critério fiscal.

Sr. Presidente: basta ler o relatório da lei que autorizou o contrato de 1895, para só verificar que não foi essa a razão que levou a Monarquia a fazer o contrato com os tabacos.

A razão fundamental da efectivação dele foi o estado verdadeiramente precário em que essa indústria se encontrava.

Foi assim que, em 1891...

Interrupção do Sr. Américo Olavo, que não se ouviu.

O Orador: - V. Exa. sabe, quando se estabeleceu o monopólio, qual foi a im-

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portância que a Monarquia foi buscar a mais do que tinha cobrado?

60 ou 70 contos.

Mas, o regime do exclusivo estabeleceu-se, porque a situação das fábricas dos fósforos era absolutamente insustentável.

A Monarquia em 1891 tinha tentado já abrir um concurso para o exclusivo dos fósforos, mas não apareceram concorrentes.

Tempos depois, embora se ficasse no regime da liberdade, estabeleceu-se avença colectiva para o imposto de fiscalização.

Êsse sistema também não deu resultado.

Mais tarde, quis estabelecer o redimo da selagem nos armazéns mas, como ora impossível manter a situação das 69 fábricas que então existiam, resolveu entrar no regime do exclusivo.

Sr. Presidente: quero lembrar à Câmara que a verba que a Monarquia foi buscar com este redime foi de 260.500$.

Vêem, pois, V. Exas. que não foi a questão financeira que levou a Monarquia para o regime do monopólio. Foi para o monopólio, para salvar a indústria.

Hoje, Sr. Presidente, a situação da indústria dos fósforos é diversa, completamente.

Se bem que não concorde com nenhum dos pareceres, devo dizer que o parecer da comissão de finanças tem uma cousa boa, porque não se deixa cegar pelo critério fiscal, ao contrário do parecer da comissão de comercio e indústria.

Com respeito aos números apresentados pelo Sr. Tôrres Garcia, ponho-os em dúvida, porque não sabemos o custo da produção.

Não há uma base, porque não se fez um inquérito á industria dos fósforos, e só assim é que seria possível chegar a urna base segura, para depois se discutir o que mais convinha. •

Porque não se fez êsse inquérito, como sucedeu à indústria de moagem e panificação em 1899.

V. Exas. sabem que nesse inquérito se desceu às mais pequenas minúcias.

E assim, agora que falta um ano para a terminação do monopólio doa tabacos, parece-me que êste facto deve servir de lição aos Poderes Públicos, para que não se demorem no inquérito a fazer à indústria dos tabacos.

Sr. Presidente: não quero tomar mais tempo à Câmara, e por isso termibo as minhas considerações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Paiva Gomes: - É um tanto violento, na verdade, ter do voltar a usar da palavra a esta hora da nono, mas estou disposto a cumprir o meu dever, e hei-de esforçar-me, quanto possível, para o cumprir.

Estamos, neste momento, em presença de uma proposta apresentaria pelo ilustro relator da comilão do comércio e indústria, e devo dizer que, ao contrário do que afirmou o Sr. Viriato da Fonseca, o assunto que se debato não é de somenos importância, pois reveste aspectos basta u to graves sob o ponto de vista social, moral e político.

Atentas estas circunstâncias, sou levado a concluir que o assunto para nós tem uma alta importância, e tam alta que ainda neste momento a Câmara, suponho eu, não está devidamente esclarecida.

Cada um traz dados que supõe serem os melhores, mas do origens as mais diversas.

Eu pregunto à Câmara se existe realmente qualquer indicação precisa, categórica, iniludível, que destrua esta incerteza e que leve a Câmara a votar conscienciosamente.

Afigura-se-me que não.

A comissão de finanças o a comissão de comercio e indústria, estão em conflito, mas de opiniões.

A comissão de finanças, embora no melhor dos intuitos, para abreviar o parecer, sem se importar com outra circunstância que não fôsse a de concorrer para que a matéria viesse à discussão o mais breve possível, não cuidou sequer de se precaver contra o que daí pudesse surgir, e, então, dou-se o caso do o parecer da comissão de finanças aparecer em primeiro lugar, quando devia aparecer em ultimo.

A lição servirá, creia V. Exa., porque não mais a comissão de finanças se sujeitará a tal situação. De resto, eu nem sequer pedi a palavra como relator. Neste momento há só uma comissão: a comissão de comércio e indústria, doublée da comissão de finanças. A questão não pode

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ser posta de outra maneira, mas, como fui incumbido de estudar o problema, quero dar couta do meu recado.

A comissão de comércio e indústria apresentou um projecto-base de substituição da proposta ministerial; a comissão de finanças aceitou a proposta ministerial. Porquê? Por estreita política? Não, Sr. Presidente.

E sempre grato, evidentemente, trabalhar de acordo com os governos, sejam elos quais forem, emquanto dêsse acordo não resulta qualquer inconveniente para os interêsses do País, mas ir até ao ponto de escravizar a opinião própria à vontade de um governo, não é para os homens que compõem a comissão de finanças.

A comissão de finanças aceitou a liberdade de fabrico, aceitou as bases da proposta ministerial. Apenas, no emtanto, entendendo que desta aceitação podiam derivar quaisquer riscos para a obtenção da receita prevista, procurou acautelar o Estado contra êsses riscos, fornecendo dados, à face de documentos oficiais, e fazendo considerações que pudessem habilitar a Câmara a tirar livremente a sua conclusão. Nada mais. Parece que é pouco?

Eu digo a V. Exa. que no parecer da comissão de finanças se contém tudo quanto se podia obter, sem recorrer, é claro, ao inquérito.

Quem o ler com atenção e não aos retalhos, período aqui, período acolá, como fez há pouco um ilustro Deputado, encontra no parecer da comissão de finanças dados oficiais seguros e considerações que o habilitam a pronunciar-se sôbre o assunto.

E tudo isso é para ter em conta, Sr. Presidente.

Entendendo a comissão de finanças que esto assunto - e V. Exa. os o viram - não está ainda suficientemente maduro, mas muito verde até, não quis alvitrar normas rígidas, não quis que saísse do Parlamento uma lei que fosso como que um colete de fôrças, dentro de qual o Govêrno se sentiria mal. E veremos se a comissão de finanças tinha ou não razão quando quis que o Poder Executivo fôsse autorizado a decretar todas as medidas que entendesse necessárias aos objectivos em vista.

Assim com muito mais elasticidade e, digamos mesmo, com mais conhecimento de causa, tempo tinha o Govêrno para conhecer com mais propriedade o assunto.

Seguindo esta fórmula que é, a meu ver, mais sensata e mais elástica e porventura mais produtiva, sob o aspecto material e, digamos mesmo, sob o aspecto moral, porque nos livraria dum insucesso, que é sempre desairoso, o Poder Executivo daria melhor conta de si do que as Câmaras Legislativas.

Falta me um elemento precioso. Não o pude eu obter, não mo puderam, fornecer as instâncias oficiais; e, como eu, o ilustre Deputado Sr. Tôrres. Garcia o não pôde obter também: é o elemento coeficiente da exploração daquela indústria. Não o conhecemos; e, portanto, veja V. Exa. como toda e qualquer consideração que possamos fazer sôbre o assunto é falha de fundamento em relação a êste caso basilar.

Os números que a comissão de finanças forneceu a V. Exa. não são dela evidentemente. São números que oficialmente pedia ao Comissariado. Nem doutra forma podia trabalhar.

Sôbre êsses números (os que respeitam à produção) bordaram-se aqui considerações que podem conduzir a erros.

Disse o ilustre Deputado Sr. Tôrres Garcia que os números oficialmente fornecidos pecam por vários motivos, entre os quais o de só referirem somente à produção do fósforos para consumo da metrópole.

A avaliação que faço é por elementos seguros que possuo, mas não considero a exportação nem para o estrangeiro nem para as colónias.

Vejo, por êsses dados, que em 1924 era de 196 milhões de caixinhas a produção total, tanto para a Metrópole como para a exportação. E importante.

O Sr. Tôrres Garcia: - O valor da produção no ano de 1918 e a renda complementar paga pela Companhia ao Estado representam-se por êstes números:

Leu.

O Orador: - V. Exa. dá-me licença que eu confira por esta tabela que aqui tenho?

Pausa.

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O Orador: - Está certo. Confere. Isto é uma estatística fornecida pelo Comissariado.

Vamos por partes.

Leu.

O Sr. Tôrres Garcia pega num número que ao acaso encontrou no ano de 1918 e sôbre êle borda considerações.

Pega depois noutro número que a comissão de finanças lhe forneceu e borda mais considerações.

Ora o número 123 milhões é um numero de excepção. Vejamos.

Leu.

Não há progressão,

Aqui e que falha a matemática do Sr. Tôrres Garcia.

Estabelece-se diálogo, em que intervêm os Srs. Nuno Simões, Tôrres Garcia e o orador.

O Orador: - Estamos a confrontar números.

Desejava aligeirar o debate, porque sei que V. Exas. a esta hora estão ansiosos por que eu termine.

Apoiados. Não apoiados.

Não estou a pretender coarctar direitos.

Dizia eu que não há modo do tirar conclusões senão pelos números.

Leu.

O Sr. Presidente: - Por mais esfôrços que faça não consigo seguir a tinha dos raciocínios que V. Exa. está fazendo.

O que poço a V. Exa. é que, quando terminar êsse raciocínio, me diga, porque desejo interromper a sessão para a reabrir depois.

Pedia, pois, a V. Exa. que me avisasse...

Chamo a atenção da Câmara... A maneira como está decorrendo o debate não me permito segui-lo de forma a inteirar-me do que se está dizendo. Peço, por isso, aos Srs. Deputados que na1 o estabeleçam diálogos.

O Orador: - Dizia eu que a Câmara está em presença de dois elementos: um, derivado dos cálculos e conjecturas do ilustro Deputado Sr. Tôrres Garcia, relativamente à produção do 1918, que foi excessiva, mas que S. Exa. considera mínima, de 180 milhões confessados pela Companhia; outro, derivado dos números fornecidos oficialmente e que estou convencido merecem todo o credito, visto que são fornecidos por funcionários do Estado que, creio, tam tanta honorabilidade como nós republicanos de sempre, homens de bem, homens do carácter, e que, portanto, não iam falsear êstes números, porque o caso era grave, era tam sério que só tinha uma punição condigna: era levá-los à Penitenciária. Êstes números são fornecidos oficialmente pelos Comissariados...

O Sr. Nuno Simões: - Mas quem os fornece aos Comissariados.

O Orador: - E o próprio pessoal do Comissariado.

O Sr. Nuno Simões: - Mas os tabacos também tinham essa fiscalização o...

O Orador: - Essa questão dos tabacos ainda está muito verde. Eu discutirei o assunto a seu tempo.

Dizia eu que êstes dados são fornecidos oficialmente. Junto do cada fábrica funciona uma fiscalização própria, permanente, periódica, que faz a verificação, dia a dia, de toda a produção armazenada.

Essa fiscalização podia entrar em todos os escaninhos das fábricas e, se os números não estiverem, exactos é porque houve fraude.

Mas, reparem V. Exas., que, assim como prezamos a nossa honra, devemos também prezar a honra alheia, e, por isso, muito cuidado neste assunto, para que depois, por um inquérito, não se venha a apurar que não houve fraudo nem escândalo. Isto é grave, é delicado o importa muito escrúpulo.

Chegado a esto ponto, acabei o meu raciocínio, por emquanto.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão para recomeçar às 15 horas.

Fica com a palavra reservada o Sr. Paiva Gomes.

Está levantada a sessão.

Eram 2 horas.

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SEGUNDA PARTE

O Sr. Presidente: - Está, reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o Sr. Paiva Gomes.

O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: antes de continuar no uso da palavra, desejava que V. Exa. fizesse, a fineza de mandar avisar o Sr. relator, visto S. Exa. estar dentro do edifício, de que vou iniciar as minhas considerações.

Dá entrada na sala o Sr. Tôrres Garcia.

Sr. Presidente: a comissão de finanças, quando examinou êste problema, não viu diante de si outra cousa que não fôsse os interêsses do Estado, - os interêsses da colectividade.

Importou se pouco ou nada a comissão do finanças de que fôsse a entidade A ou B, que estivesse na posse dêste exclusivo; e esta atitude é tanto mais de considerar, quanto é corto que, em vez de censurar e criticar asperamente, em vez de fazer coro com as suspeições que, porventura, derivam do exame dêste problema, não bateu no monopólio nem nos seus detentores, apesar disso ser, para a opinião pública, da maior simpatia.

É certo que, para quem queira singrar na política, não é indiferente a popularidade; mas, pelo facto que me diz respeito, devo dizer que não sou propenso à popularidade e que até a aborreço.

É uma questão de feitio.

Sr. Presidente: como há pouco disse, não sou propenso à popularidade, porque entendo que quem tem o direito de aplaudir tem o direito de p ate ar e quem tem o direito de atirar flores tem o direito de atirar pedras.

E eu não quero nem flores nem pedras.

É esta a minha maneira de pensar, e é já tarde para mudar de opinião, porque quando se chega à minha idade temos já marcado o nosso feitio moral, e nada nos faz afastar do nosso caminho.

Eu bem sei que esta atitude, por vezes, nos traz desgostos; mas habituei-me a encontrar em mim próprio a recompensa dessa harmonia de actos com os ditames da minha consciência.

Isso me basta.

Sr. Presidente: como já disse a V. Exa. o à Câmara, a comissão de finanças, procurou, apenas, examinar o problema sob o aspecto dos superiores interêsses do País.

Apoiados.

Não procurou agravar qualquer pessoa ou entidade; e com o objectivo do acautelar os interêsses do Estado, marchou direita ao seu fim, importando-se pouco com os comentários.

Ainda mais ouvimos da parte de um ilustre Deputado católico, homem de bem como nós todos, um ataque violento.

Senti-me dorido por ver êsse Sr. Deputado ler, apenas, períodos soltos à Câmara, o deles tirar conclusões.

Eu chamo a isto desonestidade mental.

E êste acto foi praticado, - que ironia! - por homens do bem.

A Companhia dos Fósforos, detentora de um exclusivo conquistado em hasta pública, guiou esto negócio como qualquer em prosa industrial.

Havia disposições contratuais a cumprir e havia - outra cousa não era de esperar por parto de uma empresa industrial - que encaminhar os negócios por forma a obter a maior soma de lucros para os accionistas. Isto é elementar. Da propriedade das emprêsas particulares, resulta a propriedade geral.

Não nos atenhamos à propensão doentia de malsinar as emprêsas que trabalham proficuamente. Quem assim proceder não encara bem o problema. A função das emprêsas é, evidentemente, conduzir bem os seus negócios. Para olhar pelos limites legítimos até onde essa função se pode exercer, na parte contratual, lá está a fiscalização do Estado.

Sr. Presidente: êste contrato estava firmado em condições tam claras, tam honestas - o facto de ter sido feito no tempo da Monarquia não nos pode levar a afirmar o contrário - que dificilmente podia permitir qualquer subterfúgio na época normal de fabrico.

As cousas começaram a modificar-se depois que estalou a guerra mundial, principalmente sob o ponto de vista das

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dificuldades do aquisição do matérias primas.

Desde então, a senhora companhia começou a fornecer ao público polimos produtos. E como a função das senhoras emprêsas é geri-las de modo a dar chorudas gratificações aos seus corpos gerentes, eu suponho que não houve ninguém que estivesse à frente delas que, a coberto dessas dificuldades, não tivesse procurado obter os maiores lucros possíveis. É censurcível? Será, mas é humano; e porque assim é, é que os contratos estabelecem sempre a fiscalização.

A fiscalização, quando os produtos eram maus, intervinha? Não intervinha?

Mas acima da fiscalização está o Ministro; e, assim, sê a Companhia pôde atirar para o consumo com maus produtos, a culpa do facto devo atribuir-se, mais do que à fiscalização, ao Ministro que, sendo um mortal como qualquer de nós, tendo idênticas necessidades, certamente não deixou do notar o péssimo fabrico dos fósforos que usava. Havia necessidade da fiscalização lhe abrir os olhos?

Em seguida à dificuldade real de obtenção das matérias primas, surgiu, mais tarde, a desvalorização da monda.

Perante as reclamações da Companhia, os preços foram aumentando dia a dia, os novos produtos e as novas marcas sucederam-se, e o Estado limitou-se sempre a aceitar como boas as razões da Companhia.

Agora há o excesso do custo da mão de obra e o excesso de pagamento de contribuições.

Não é agora que se deve exigir - embora ainda esteja a tempo de o impor - o inquérito industrial. Eu ordená-lo-ia.

Quando a Companhia, perante mim, viesse alegar com razões mais ou monos fundadas que o custo das matérias primas não comporta já a venda dos produtos do seu exclusivo pelos preços antigos, eu dir-lhe-ia que estava disposto a ouvi-la, disposto a atende-la, depois de discutir, depois de ou estar devidamente apetrechado com dados que eu mandasse côlher por pessoa de minha inteira confiança.

Só assim é que me consideraria habilitado a resolver no sentido em que disse.

Não se fez assim, que eu o saiba. Por via de regra, o Ministro das Finanças aceitava, não digo de olhos fechados - mas aceitava como verdadeiras as afirmações feitas pela companhia e limitava-se a deferir a sua pretensão.

Assim aconteceu, sobretudo, desde 1918.

O Sr. Júlio de Abreu: - Então o Comissariado?

O Orador: - Não me interessa o Comissariado.

O Comissariado está subordinado ao Ministério das Finanças; o perante as Câmaras quem responde é o Ministro, se bem que haja serviços autónomos pelos quais o Ministro responde, mas nos quais o Ministro não interfere.

Isto também há-de acabar um dia.

São absurdos que se não compreendem.

Há situações neste País com as quais me não conformo. Não se compreende que nos serviços do Estado haja autonomia, como nos serviços dos correios e telégrafos, caminhos de ferro, estradas, etc.

O Sr. Nuno Simões: - As estradas e os portos ainda não são autónomos. São só autónomos no papel.

O Orador: - Outro paradoxo que me vem fornecer o Sr. Nuno Simões que, tendo sido Ministro do Comércio o Comunicações, sabe o que se passa!

Não se cumprem as leis que são feitas para se cumprirem. E necessário que essa autonomia acabo.

O Sr. Nuno Simões: - Já fui Ministro e por isso sei o que se passa.

O Orador: - Agora faz-se carreira assim.

Uma voz: - É o roulement das pastas.

O Orador: - E a formatura das pastas. Se um dia fôr Ministro de qualquer pasta, se tiver essa infelicidade.

Uma voz: - Lá irá...

O Orador: - ... podem crer que, seja qual for a letra da lei e o seu espírito, deixarão êsses serviços de ser autónomos perante mim.

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Desde que tenho do responder pelo bom, ou mau, como Ministro, hei-de exigir contas claras, contas de todos os actos, mesmo dos actos em perspectiva.

Evidentemente é um absurdo que o Estado entregue dinheiro, e quando muitas vezes de uma legal, ou boa aplicação, resultará um mau acto administrativo!

Nada importa que as contas estejam boas, ou devidamente organizadas, quando de facto pode haver uma má aplicação de receita. Podem as contas ser julgadas favoràvelmente e haver um grave êrro de administração.

Não acreditei, quando me disseram que a Caixa Geral de Depósitos, organização autónoma, recebendo à sombra da lei dinheiro do Estado, empreste ao Estado dinheiro, cobrando uma percentagem, uma comissão do dinheiro que empresta e é do Estado.

O Sr. Almeida Ribeiro: - Dinheiro do Estado?

O Orador: - Eu digo a V. Exas.: quero encurtar as minhas considerações, embora, talvez, a maioria de V. Exas. julgue o contrário.

Perece que eu, por vezes, emprego frases que não sintetizam perfeitamente o meu pensamento. Bem o sei.

Embora a minha frase não corresponda inteiramente à verdade, em princípio ela é exacta; porque se, do facto, a Caixa está habilitada a ter depósitos é porque a lei a habilita a isso e o crédito do Estado encaminha, o público a fazer lá Ossos depósitos.

E singular que a percentagem que cabe e muito bem em princípio, ao funcionalismo da Caixa, também incide sobre esse empréstimo feito ao mesmo Estado. E exquisito pelo menos.

Não estou a dizer aqui palavras à sobreposse ou para preencher o tempo; não é êste o meu propósito.

Eu tenho, o já o signifiquei a V. Exas. em devido tempo e antes do começar esta sessão, o objectivo de esclarecer, - se me permitem o termo - alguns de V. Exas. só, é certo, de falar para quem de direito. E quem de direito, neste caso, representa uma Câmara que esteja em condições de deliberar.

V. Exas. compreendem que, fora disto, é enfadonho, aborrecido o chocante mesmo - para mim e para V. Exas. - estar a falar.

Isto quere dizer apenas que me sinto obrigado a repetir as minhas considerações quando estiver em presença de uma Câmara em número suficiente para deliberações.

Escrúpulos de ordem moral! Bons ou maus são meus, e V. Exas. não podem ser juizes neste caso.

Por isso é que, embora até êste momento, eu não tenha estado a gastar palavras que considere inúteis, a preencher o tempo em pura perda, eu tenho feito considerações apenas à roda do assunto, bordando os seus aspectos gerais e dizendo o que penso a êste respeito.

Sr. Presidente: sentindo-me eu na obrigação moral, absoluta - e repito: só eu é que posso ser juiz neste caso - de falar para uma Câmara que esteja nas condições a que aludi, depois do três noites seguidas de sessão, eu que tenho uns hábitos um tanto ou quanto normais, ainda um pouco tresnoitado também, estou fazendo um esfôrço sôbre mim para cumprir o que julgo ser o meu dever.

Bem sei que é de interêsse máximo e urgente resolver-se êste assunto, mas há para mim uma cousa, que eu entendo ser do maior interêsse, de muito maior interêsse: é a necessidade de resolvê-lo bem.

Releve-mo, portanto, V. Exa. esta minha atitude: estas considerações que estou a fazer na sua essência hei-de repeti-las a seu tempo, quando houver o número indispensável para deliberações.

Veja V. Exa., Sr. Presidente, que são já 16 horas e 10 minutos. V. Exa., que conhece o modo de ser desta Câmara, dir-me há: haverá possibilidade determos número.

Há várias formas e processos de provocar, indirectamente, uma resposta de V. Exa. a esta minha pregunta o note V. Exa. que eu a provocarei na devida hora.

Se V. Exa. me permito que eu seja inteiramente franco, direi que tenho estado até agora, como disse já, a fazer considerações gorais, é certo, as quais eu, como também disse, não considero inúteis, honestamente, no intuito também de promover que o número se realizasse.

É possível realizá-lo a esta hora? Duvido muito.

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E porque assim é - isto sem estratagemas, sem habilidades, porque ou aborreço as habilidades, eu vou requerer a V. Exa. para que o parecer da comissão do comércio e indústria baixe, como de direito, à comissão de finanças, pois se trata de uma questão do carácter financeiro também.

Fazendo êste requerimento, fico bem com a minha consciência, e isso me basta.

Suspendo, portanto, por agora as minhas considerações, se mo é permitido dizer "suspendo", e requeira como disse, a V. Exa. que o projecto em discussão baixo à comissão do finanças, para que esta, por seu turno, como lhe cumpre, lhe dê o respectivo parecer.

O orador não reviu.

O Sr. Tôrres Garcia: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar a V. Exa. e à Câmara que não posso de maneira alguma estar de acordo com o requerimento leito pelo ilustro Deputado o Sr. Paiva Gomes, requerimento que aliás é uma proposta, devendo ficar em discussão com o assunto, como sempre se tem feito, até deliberação da Câmara.

Peço a V. Exa. licença para protestar contra a doutrina expendida pelo ilustro Deputado o Sr. Paiva Gomes, pois a verdade é que segundo o Regimento as comissões parlamentares só podem dar parecer acerca de propostas ministeriais ou projectos de lei apresentados pelos parlamentares e nunca acerca dos pareceres de outras comissões, não havendo disposição regimental alguma que dó prioridade a qualquer das comissões.

Não está no Regimento desta Câmara, nem podia estar semelhante doutrina; e, como tal, ela não pode ser aceita pela Câmara, a não ser que se faça um novo Regimento para a questão dos fósforos.

De resto, Sr. Presidente, há a considerar as afirmações aqui feitas já pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeires, que em nome do Govêrno declarou que aceitava em princípio o parecer da comissão de comércio e indústria.

Interrupção do Sr. Paiva Gomes que sê não ouviu.

O Orador: - Sr. Presidente: o parecer da comissão de comércio e indústria é absolutamente uniformo, visto que está assinado pelos seus cinco membros, sem declarações, o que se não dá com o parecer da comissão de finanças, que está assinado por alguns dos seus membros com declarações, alguns dos quais, como por exemplo o Sr. Portugal Durão, ainda não expuseram à Câmara as razões que os levaram a assim proceder.

O Sr. Portugal Durão: - V. Exa. não sabe se eu tenciono ou não falar sôbre o assunto; pois a verdade é que estava na disposição do pedir a palavra, o que faço desde já.

O Orador: - Eu, Sr. Presidente, não venho para aqui fazer referências a ninguém: estou apenas expondo sinceramente o que penso sôbre o assunto o nada mais.

Digo, Sr. Presidente, o repito que não há, nem pode haver disposição alguma regimental que permita que um parecer de uma comissão baixe à comissão de finanças para aí ser devidamente estudado.

Eu tenho, Sr. Presidente, a honra de pertencer à comissão de comércio e indústria, visto que tenho conhecimentos especiais que mo habilitam a compreender a maneira como se faz essa indústria, como ela se pode conduzir, pois, a verdade é que tendo frequentado o Instituto Superior Técnico, o tendo sido o primeiro aluno dêsse curso, tenho conhecimentos bastantes de ordem geral e técnica para falar sôbre o assunto.

O Govêrno aceita o ponto do vista da comissão de comércio e indústria.

Há até uma emenda do Sr. Ministro das Finanças a introduzir na proposta, para se adoptar o ponto de vista da comissão de finanças.

Nesta altura é que se requero que a comissão de finanças se pronuncie acerca da proposta?

Não é como relator, mas como membro da comissão, que protesto.

Isto é limitar a liberdade de acção das comissões.

As comissões viram o problema como entenderam: estão sujeitas às suas conclusões presas à responsabilidade, que não enjeitam, dessas conclusões.

Agora o requerimento do Sr. Paiva Gomes tem de ser transformado em propos-

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ta, como é praxe nesta Câmara, e entra em discussão.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pedro Martins): - Se bem ouvi, o ilustre Deputado Paiva Gomes requereu que o parecer sôbre o assunto em discussão baixasse à comissão de finanças, para lhe dar o seu parecer.

Parece-me que não é um requerimento, mas uma proposta, pela índole e pelo fim.

Devo dizer relativamente a ela que a proposta ministerial foi apresentada à Câmara em 16 do Dezembro de 1924.

Foram ouvidas as comissões de finanças e a comissão de comércio, que sôbre ela deram o seu parecer, como lhes cumpria, e presentes à comissão de comércio e indústria umas bases para organização do regime dos fósforos.

Tem há muito êste assunto sido discutido no Parlamento, analisado nos seus diversos aspectos.

Voltar à comissão de finanças parece-me não ser consentâneo com a necessidade, oportunidade e urgência da sua aprovação.

É preciso dotar a indústria dos fósforos com um regime legal.

Desta maneira, a Câmara não pode pôr em dúvida, e muito meãos negar a necessidade ou oportunidade, nem a urgência de que esta indústria dos fósforos seja dotada com um regime que a proximidade da data de 25 dêste mês impõe.

Não pode ser aprovada tal proposta, portanto, pelos inconvenientes que traz.

E sob o ponto de vista via necessidade e urgência, é inaceitável a proposta do Sr. Paiva Gomes, tanto mais que êle se não justifica bem, tendo já sido discutido o assunto em algumas sessões e em discursos largos e estando todos esclarecidos sôbre o significado geral da proposta em discussão.

A comissão de finanças nem poderia trazer mais elementos para a discussão.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Portugal Durão: - Creio que os elementos trazidos pelas comissões de finanças e de comércio e indústria são limitados para que a Câmara possa ser orientada e votar com consciência completa.

A comissão de finanças poderia, o mais depressa possível, dar parecer.

Não havia inconveniente,, mas apenas vantagem em que a comissão de finanças, utilizando-se dos elementos de muito valor da comissão de comércio, analisasse novamente a questão.

Mas se dêsse facto poderá resultar um adiamento da discussão, a comissão poderia reunir, porventura, porque não havia número hoje para concluir a discussão.

Reuniria e apresentaria um parecer modificado.

O assunto não poderá assim ficar solucionado hoje.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: é lamentável o que se está passando!

Estamos em presença de um contrato de exclusivo, que termina no próximo dia 25, e estamos na contingência de chegar ao dia 26 e ter de aumentar o preço dos fósforos ou prorrogar o exclusivo!

Não é nossa a responsabilidade.

Eu afirmo que é a primeira vez que os Deputados monárquicos têm fechado os olhos à letra regimental para que a Câmara funcionasse sem número.

Tem autoridade moral para dizer que mais uma vez os Deputados republicanos esqueceram os interêsses daqueles de quem são representantes!

Não queremos a responsabilidade dêste facto; mas ainda vou apelar para V. Exa. e para a Câmara.

Está em jôgo uma das questões mais importantes da administração pública.

Estão em jôgo os altos interêsses do País e é necessário que os Deputados republicanos ponham de lado as férias, e trabalhem pelo País, que aqui representam.

Apoiados.

Ponham de lado as férias e venham trabalhar; porque é êsse o dever de nós todos, porque foi para isso que nos elegeram Deputado.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos Pereira: - Quando a comissão de comércio e indústria me esco-

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42 Diário da Câmara dos Deputados

lheu para relatar a proposta que está em discussão, senti logo a necessidade de que se fizesse uma discussão rápida; e por isso ela foi à comissão de finanças.

Mas, sentindo-me doente, fui substituído pelo Sr. Tôrres Garcia, que apresentou um esplêndido parecer.

Parece que se fez um requerimento que dá êste resultado: se houver número, a proposta baixa à comissão; se não houver, não baixa.

Tudo isto leva muito tempo; e eu, se estivesse sentado nas cadeiras do Poder, chegando o dia 26, pouco me importava que estivesse ou não votado o regime dos fósforos, porque todos os produtos da Companhia seriam arrolados e depois viria dizer à Câmara que tinha assim procedido em nome da moral republicana.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vou pôr à votação a proposta do Sr. Tôrres Garcia. Parece ter-se suscitado a dúvida sôbre só ela podia ser considerada como um requerimento. O Regimento não classifica, nem define bem o que seja uma proposta e o que seja um requerimento. Como, porém, o alvitre do Sr. Tôrres Garcia tem realmente sido considerado muitas vezes na Câmara como uma proposta, não custa nada à Mesa considerá-lo como tal. Vou, portanto, pôr a proposta do Sr. Tôrres Garcia à admissão da Câmara.

É admitida.

O Sr. Paiva Gomes: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.

Procede-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 49 Srs. Deputados. Não há número. Vai fazer-se a votação nominal.

Procedeu-se à chamada.

Disseram "admito" os Srs.:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Ferreira Vidal.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomes.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leito Pereira.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Jaime Júlio de Sousa.
João Estêvão Aguas.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Domingues dos Santos.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique do Abreu.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Manuel de Brito Camacho.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.

Disseram "rejeito" os Srs.:

Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Mendonça.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Cândido Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
José Cortes dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Luís da Costa Amorim.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Nuno Simões.
Sebastião Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.

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O Sr. Presidente: - Disseram "admito" 31 Srs. Deputados e "rejeito" 26. Está admitida.

Chamo agora a atenção da Câmara. Se realmente há o empenho, por parte da Câmara, de finalizar a discussão o mais depressa possível, eu pedia aos Srs. Deputados para se conservarem na sala, porque receio muito que se repita o facto, já sucedido várias vezes, de as chamadas desmentirem as contraprovas onde se verifica não haver número.

Parece-me que tenho um pouco o direito, e até o dever, de fazer esta solicitação aos Srs. Deputados, e espero por isso que os Srs. Deputados atendam a ela, bom como à de que sejam o mais breves possível nos seus discursos.

Apoiados.

O Sr. Paiva Gomes: - Sr. Presidente: viu V. Exa. que a produção de caixas de fósforos oficialmente registada atingiu em 1924 cêrca do 197 milhões, e em 1918 mais de 193 milhões; e se é certo que no decorrer de vinte e nove anos do exercício desta indústria sob o regime do exclusivo o acréscimo representa uma média anual de 3 milhões e 200 mil caixinhas, não é lícito tirar daí a conclusão de que de 1918 para cá a produção deva ter aumentado em proporção dessa média anual. Excepcionalmente, em 1918 a produção foi de 193 milhões, mas no ano anterior foi apenas de 173 milhões, e no ano imediato de 172 milhões.

O ano de 1918, por qualquer circunstância que não conheço, mas que a indústria conhece, foi um ano de produção excepcional.

Não deve, pois, esta circunstância entrar como condição para qualquer conclusão.

Assim, o ilustre relator da comissão de comércio e indústria tira disso uma ilação gratuita.

Quem fala não sou eu, nem S. Exa.; são os números.

O aumento foi de 182 milhões em 1918 até 197 milhões em 1924, o que não quere dizer que ano a ano êle foi subindo de 3 milhões e 200 mil caixinhas.

Se V. Exas. se quisessem dar ao trabalho de fazer o gráfico da produção, veriam que altos e baixos êle teria. Devia ser uma cousa equivalente ao gráfico

duma doença febril, digamos, que saísse das regras estabelecidas pelo exame do maior número de casos.

Essa curva gráfica seria uma curva que oscilaria, e oscila de facto, doidamente.

Como é, pois, que o ilustre relator da comissão de comércio e indústria nos vem dizer que o acréscimo da produção de 1918 para cá deve ser de 3 milhões e 200 mil caixinhas?

Não sei como se pode tirar esta conclusão.

E, notem V. Exas., esta questão é fundamental para a resolução do caso, porque nós estamos a trabalhar unicamente sôbre a base da produção.

Diz ainda a ilustre comissão de comércio e indústria que, calculando por baixo a venda das caixas de fósforos em 180 milhões, o valor bruto dessa venda é representado pela importância de 36:000 contos, porque, diz, essa venda foi feita à razão de $20 cada caixinha.

O Sr. Tôrres Garcia: - Está lá "é feita", e não "foi feita".

O Orador: - Se V. Exa. se reporta ao momento presente, é evidente, por a mais b, que 180 milhões a multiplicar por $20 dão 36:000 contos.

Vejamos os números por que nos anos de 1922, 1923 e 1924 são representados os produtos brutos da venda.

Leu.

Se foi assim nestes anos, assim deveria ser actualmente, se o contrato fôsse cumprido.

Ainda agora, segundo me dizem, a Companhia está fabricando apenas o fósforo de luxo, que vende ao preço de $20!

O que diria a isto o Sr. Ministro das Finanças?

Não o sabemos, porque, infelizmente, S. Exa., por falta de saúde, não pode acompanhar esta discussão.

Censuro a falta de cuidado que há da parte do Estado em fazer, cumprir os contratos; mas no caso sujeito não deixo de me sentir satisfeito por ver que, cingindo-me, é claro, unicamente ao critério fiscal, vamos estando preparados para o regime da liberdade. Note V. Exa.: vamos estando preparados

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Como só sabe, o público está neste momento a pagar os fósforos à razão de 20 vezes o seu preço antigo.

Mas havia direito para se fazer isto?

Então o público, encontrando-se em face dum exclusivo de produção, não tinha o direito de exigir o cumprimente dos respectivos contratos?

E não tem o Govêrno toda a obrigação de zelar pelos interêsses do público em geral?

Sr. Presidente: é preciso que tenhamos em conta as nossas palavras o os nossos actos. Nada de atirar palavras sem tem nem sem, ou pior ainda, com tem especulativo, porque, não se sabendo onde poderão cair, sujeitamo-nos aos teus maus efeitos. Essas palavras envenenam e vitimam mais do que o arsénico.

Devemos ter em muita conta as palavras que pronunciamos, sobretudo quando tenham de ser ouvidas em meios menos cultos.

Mas, prosseguindo, a verdade é que estamos em presença da existência dum só tipo de fósforos, que é vendido a $20. Isto é ilegal,

Supõe S. Exa. que eu hei-de aceitar os seus números como dogmáticos?

Está S. Exa. esclarecido, mas não está o público; se os jornais quiserem produzir o que eu disser...

O Sr. Tôrres Garcia (interrompendo): - V. Exa. está falando em termos que forem a minha honestidade mental.

O Orador: - E necessário ter um grande domínio sôbre os nossos nervos para poder ouvir esta observação graciosa! Então nas minhas frases, nos meus intuitos há alguma cousa que possa deminuir quem quer que seja?

Eu, quando quero ofender, digo-o franca e abertamente; não me encubro com, palavras vagas, faço o frente a frente e tomo a responsabilidade dos meus actos.

Mas ia eu dizendo, Sr. Presidente, que o consumidor está pagando os fósforos a $20 cada caixinha quando a Companhia é obrigada a fabricar fósforos de preço inferior. Esta situação é ilegal. Êste facto preocupou a comissão de finanças. Para que a receita pudesse ser aquela que o Sr. Ministro desejava, era forçoso o aumento do custo do produto.

Mas para se saber quem é que tem razão só o tempo é que o poderá dizer.

E dar tempo ao tempo e depois chegará o momento de ver quem tinha razão.

Não quero cansar a atenção de V. Exa.; quero apenas dizer o que penso a êste respeito; quero apenas fazer com que aqueles dos Srs. Deputados - e poucos êles serão -que não estejam devidamente elucidado sôbre o assunto, se habilitem convenientemente de forma a emitirem o seu voto por maneira conscienciosa. Nada mais me interessa; e tanto assim é que estou a reduzir as minhas considerações.

Diz mais a comissão de comércio e indústria:

Leu.

Fixem V. Exas. êste número, fixem V. Exa. a esta afirmação.

Diz a comissão que a receita líquida para a Companhia deve ter sido de 20:000 contos em média por ano.

Sr. Presidente: o produto bruto de venda nos últimos anos que são os que mais nos interessam, porque os antigos são muito limitados, começando por 731 contos no início e só atingindo em 1900 a importância de 1:000 contos, êsses números representativos de produto bruto de venda foram nos últimos quatro anos o seguinte: 1921, cêrca de 8:000 contos; 1922, 10:000 e tal contos; 1923, próximo de 12:000 contos e em 1924, 25:545 contos.

O Sr. Tôrres Garcia: - Nesse ponto tem V. Exa. razão.

O Orador: - No emtanto dizia-se que a receita líquida para a Companhia tinha sido, em média, de 20:000 contos por ano.

Neste ponto tenho razão, como razão tenho em muitos outros pontos.

Mas veja V. Exa. como dêstes números resultam as confusões mais extravagantes.

E se é certo, como é, que de facto êstes números não correspondem à receita líquida da Companhia, mas, correspondem à receita líquida prevista, porventura, pela comissão se continuasse êste regime, êles alteram profundamente os nossos cálculos, e assim é, que verificados êstes números chega-se, e isto é importante à

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conclusão de que o negócio, digamos assim, dando um rendimento líquido de 18:000 contos, deve representar uma importância de 260:000 contos.

Êste número está liquidado.

Passando adiante estamos assim caídos na análise da proposta ministerial inicial.

Confrontada com a proposta mandada para a Mesa pelo ilustre relator da comissão do comércio e indústria, a concordância a êste respeito é flagrante entro a comissão de finanças e a do comércio e indústria.

A comissão de finanças teve o intuito de atender ao objectivo do Sr. Ministro das Finanças proponente, objectivo que é louvável e justificável, o que é mais.

Basta pegar na receita de 1914, actualizá-la, isto é, multiplicá-la pelo coeficiente da desvalorização da moeda e teremos uma receita que o Estado boje deve receber. Nunca compreendi, que o Estado - deixem-me assim dizer - tivesse uma moeda para receber e outra para pagar. O Estado não faz milagres. A moeda que tem não é aquela que do céu lhe cai. Não é aquela que como certo povo julga, a Divina Providência lhe arranja. E aquela, somente aquela que o contribuinte lhe confia, der boa ou má fé, de boa ou má vontade É só com êste dinheiro que administra. Mas o que ternos verificado é que todos, quando se trata de receber, querem entrar em linha de conta com os câmbios, mas quando se trata de pagar acham tudo caro e excessivo. Nunca o compreendi, repito; são dois critérios antagónicos, quando deve haver um só e uma mesma moeda.

Muitos dos que aqui estão são agricultores; e quando vendem os seus géneros invocam o preço da mão de obra, as contribuições que dizem, ser excessivas. Mas se vão à mercearia ou qualquer outra loja, tudo acham caro e não têm já a mesma craveira para aquilatar do valor dos produtos.

Mas ia ou dizendo, há pouco, que é atingível o objectivo do Sr. Ministro proponente. Êsse objectivo, é, pelo menos, justificável e honesto.

Pode haver e haverá talvez, nos primeiros tempos, qualquer desencontro de verbas, quaisquer dificuldades.

Está actualizado o produto? Não está actualizado? Só o inquérito pode dizê-lo!

Mas se de facto está actualizado hoje, temos nós a garantia da fixação da moeda?

Já está estabilizado o câmbio?

Há a certeza de poderem manter-se amanhã as bases concertadas neste momento?

Entendo que melhor fora que o Sr. Ministro das Finanças actual, aceitasse a proposta do seu antecessor o Sr. Pestana Júnior.

Mas, bem ou mal, nós estamos em presença duma proposta que o ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros declara aceitar em nome do Sr. Ministro das Finanças.

Em que consiste essa proposta?

É o que vamos ver.

A base A estabelece a obrigatoriedade para a companhia ou entidades que fabriquem fósforos, de darem a comparticipação ao Estado de 25 por cento do seu capital.

Como temos de argumentar com realidades e não com fantasias sou forçado a encarar esta base sob o aspecto da sua aplicação no momento actual em que há apenas exercendo a indústria do fabrico de fósforos, a Companhia dos Fósforos que tem um capital realizado de 4:500 contos.

Como se levaria a efeito aquela comparticipação?

Sob que forma foi comparticipar o Estado - admitindo a hipótese da aceitação desta cláusula por parte da companhia: - dêsto capital ouro?

O que pensa a êste respeito o Sr. Ministro dos Estrangeiros?

Aceita S. Exa. a incidência de 25 por cento sôbre os 4:500 contos, sem entrar em linha de conta com a desvalorização da moeda?

Recebe apenas, 25 por cento dos 4:500 contos ou recebe-os depois da devida valorização?

Sr. Presidente: em minha opinião, a forma mais simples seria esta: dizer à Companhia que devia actualizar primeiro os 4.500 contos-ouro, para depois dar acções preferenciais, não sôbre os 4:500 contos de então, mas aos do câmbio actual, que, em números redondos, deve ser 100 000 contos.

Sr. Presidente: sôbre acções preferenciais, eu devo dizer a V. Exa. e à Cama-

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46 Diário da Câmara dos Deputados

ra, que confesso a minha ignorância, porque a êste respeito, não sei bem definir, sem que possam resultar dúvidas, que possam levar o Estado aos tribunais, o que sejam essas acções.

Por êste motivo, eu receio que as leis que implicam contratos, saiam pouco claras, do modo a terem interpretações duvidosas pelos bacharéis em direito. Não lhes quero mal por isso, visto que é êsse o seu ofício; mas só os condeno quando saem fora do tribunal para defender questões.

Nestas condições, muito desejaria que nesta base fôsse bem definido o que se entendo por acções preferenciais.

Sr. Presidente: seria de toda a conveniência que o Sr. Ministro, com toda a inteligência que possui, e com os conhecimentos que tem, que são grandes, esclarecesse a Câmara a tal respeito.

Desejaria, pois, repito, que o Sr, Ministro dos Negócios Estrangeiros esclarecesse a Câmara a êste respeito, tanto mais que isso se torna absolutamente necessário para evitar dúvidas futuras.

Diz Sr. Presidente, a base B o seguinte:

"O Estado cobrará das emprêsas constituídas, ou a constituir 25 por cento do valor bruto das suas vendas, por meio de solo imposto sôbre cada uma das caixinhas que saírem das fábricas, cujo preço de venda não poderá exceder os actuais".

Eu devo dizer francamente à Câmara que me parece que esta base não assenta em dados seguros; e, assim, bom seria que fôsse dito à Câmara quais são êsses preços actuais.

Relativamente à base C diz ela o seguinte:

"Os acendedores (acendalhas da proposta) só serão permitidos depois de pagarem um imposto de sêlo de 10$, por acendalha, além do custo do solo metálico ou taxas de contrastaria que forem exigidas.

O Govêrno poderá fixar os tipos de acendedores a admitir à selagem".

Está é a proposta em discussão, pró* posta que o Sr. Ministro dos Estrangeiros, em nome do seu colega das Finanças declarou aceitar.

Leu.

E, portanto esta base superior em rendimento hipotético à base B da proposta da comissão de comércio e indústria.

Vejamos, pois, até que ponto há razão, para modificar o critério seguido por essa comissão.

Durante o exercício normal da indústria dos fósforos sob o regime de monopólio, a percentagem sôbre o produto bruto da venda foi, nos primeiros anos, de 37,9, 30,6 e 38,8 por cento, passando no quarto ano a 25 por cento.

Parece que a elevação de percentagem nos primeiros imos, se pode atribuir a duas circunstâncias: à circunstância de nessa época se ter fabricado grande quantidade de fósforos de enxofre, espera galego, e à circunstância da companhia ter, nesses primeiros anos, fornecido os produtos ao público por um preço mais elevado, como de facto se verifica no quinto ano do exercício da indústria.

Ao quarto ano fixa-se o coeficiente 25 em volta do qual a percentagem se mantém até 1918.

Em 1918 essa percentagem começa a diminuir de 13 a 7 e a 5 por cento.

O ano passado o Estado recebia apenas a magra percentagem de 7 por cento,

A companhia reservava, assim, para si a melhor parte, dando ao Estado, por favor, como outr'ora aos portais dos conventos, a malga do caldo dos 7 por cento.

Por favor, digo; porque em 1922 deu apenas 4 por conto, só em 1923 essa percentagem foi de 7 por cento, isso só deve à criação dos fósforos de luxo, isso se deva à "generosidade" da companhia que se dignou dar ao Estado 15 réis por cada caixa do 200 réis, dádiva com que o Estado se contentou em vez de mandar fazer, como lhe cumpria, um inquérito à vida dessa indústria. E queixamo-nos, nós, da companhia.

Pelos números que citei à Câmara, demonstra-se que a percentagem de 25 por cento pode ser legitimamente exigível num regime de máxima tributação.

Não só se me afigura uma monstruosidade, como um número - desculpe-me V. Exa. o termo, que, aliás, não uso na sua baixa significação - como um número desonesto.

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Sessão de 3 e 4 de Abril de 1925 47

E perigosa esta fórmula porque diz: até 50 por cento.

Se neste momento existe um Govêrno que merece confiança, se o Ministro das Finanças, pela sua sciência, pela sua prática, é incapaz de procurar atingir êste limite, quem nos assegura que amanhã não aparecerá alguém que atinja os 50 por cento ou, o que é o mesmo ou pior, que aplique só 1 por cento?

Será preferível que se diga ao Govêrno que queremos um determinado rendimento, e que êle regule a matéria como entender.

Sejamos francos e leais.

Na base C diz-se:

Leu.

Sr. Presidente: com estas tarrachas, com estas imposições, e melhor e mais honesto dizer-se: é proibido o uso de acendedores. Assim, sim.

Que me diz o Sr. Ministro a êste respeito? 30$ e mais o sêlo metálico!

Tenho a impressão que vai tudo além de 100$.

Base D:

Leu.

Será, também, mais honesto dizer: fica proibida a importação de fósforos. 150 por cento sôbre o imposto fixado para a produção nacional!

Veja V. Exa. o que sucederia se ali estivesse o Ministro das Finanças que quisesse usar do disposto nesta base.

Façamos os cálculos por baixo. Preço da caixa de fósforos: $10 - porque é êste, sensivelmente, o preço pelo qual o Sr. Pestana Júnior, quando Ministro das Finanças, disse ter-lhe sido oferecido o fósforo sueco. E note V. Exa. que, costumando ser cauteloso, ainda ponho dúvidas de que o fósforo fique cif Tejo por $10.

As emprêsas produtoras estão retinidas em trust poderosíssimo, em boas condições de fabrico, porque têm excelentes relações comerciais e dispõem de óptimas matérias primas; mas, embora a afirmação seja de um agente do trust, segundo as palavras do então Ministro das Finanças, tenho sempre receio destas promessas esperançosas.

Mas, fique a caixa de fósforos por $10. Façamos então os cálculos:

Leu.

Um àparte do Sr. Carvalho da Silva.

O Orador: - Na base E diz-se:

Leu.

Ficará então o Govêrno habilitado a regular esta matéria pelo exclusivo da importação?

Sob que forma? Quererá o Govêrno fazer êste negócio por conta própria?

Preferirá entregá-lo a qualquer entidade ou empresa?

Se é por conta própria, nego o meu voto porque então estaríamos caídos numa cousa pior do que a régie.

Se porventura se prepara, embora a título provisório, para entregar êste negócio a qualquer entidade comercial, em que condições o fará? Em que condições se pensa fazê-lo?

Estas dúvidas bailam no meu espírito e supunha-as inteiramente justificadas.

Na base S diz-se o seguinte:

Leu.

Tem-se a impressão, antes de mais nada, de que se quis apenas repetir aqui o que já estava no decreto com fôrça de lei que permitia o contrato de adjudicação do monopólio dos fósforos à Companhia, porquanto nesse decreto se estabelece que será exclusiva da Companhia a importação de massa fosfórica, sendo ela obrigada a fornecer essa massa fosfórica a todos que dela careçam, e muitos carecem porventura.

Mas dizer-se, por esta forma imprópria, por esta forma inaplicável, que fica reservada apenas às fábricas instaladas e matriculadas no comissariado o direito de importação de todas as matérias primas destinadas à indústria do fósforo, é inadmissível.

O número de matérias primas que a Companhia consome é o seguinte:

Leu.

Quere dizer: quando quiséssemos um pouco de clorato de potássio para bochechar a boca - e tantas vezes, por mal nosso, êle é nececessário a alguns para evitar estomatistes mercuriais - tínhamos de ir pedir à Companhia dos Fósforos para nos fornecer êsse clorato de potássio.

O Sr. Tôrres Garcia: - V. Exa. dá-me licença que lhe diga que isso não é assim?

O Orador: - No emtanto figura como sendo assim.

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48 Diário da Câmara dos Deputados

Na base F diz-se o seguinte:

Leu.

Eu pregunto se esta fórmula não abrange todas as matérias primas empregadas no fabrico dos fósforos.

Nesta alínea figura a farinha, o choupo, o clorato de potássio, o cartão e até a trama.

O Sr. Américo Olavo (àparte): - Parece que V. Exa. está propositadamente a não deixar votar esta questão antes das férias da Páscoa.

O Orador: - É interessante...

O Sr. Américo Olavo: - E apenas verdadeiro.

O Orador: - É inexacto e tanto que V. Exa. disso: parece.

O Sr, Américo Olavo: - Enganei-me. Tenho a certeza. E V. Exa. está a abusar da cortesia, que temos tido, ouvindo-o com atenção.

O Orador: - Sr. Presidente: veja V. Exa. a elasticidade dos meus nervos.

O Sr. Américo Olavo: - Não tenho receio nenhum dos nervos de V. Exa.; pode dar-lhe largas à vontade.

O Orador: - Não há desafios nenhuns que possam impedir-me de cumprir o meu dever.

Não faço nem nunca fiz obstrucionismo e quem me conhece sabe bem que isto é verdade.

Se eu quisesse fazer obstrucionismo, era-me muito fácil fazê-lo. Ainda tenho um bocado de fôlego e possuo também, visto que se trata de uma questão do fósforos, um bocado de matéria fosfórica.

Hei-de cumprir o meu dever até ao fim e quem disser que eu faço obstrucionismo falseia a verdade.

O Sr. Américo Olavo: - Digo-o eu. Nunca falsiei a verdade e não consinto a V. Exa. que o afirme nesses termos.

O Orador: - Vejam V. Exas. se vale a pena por uma caixa de fósforos levar a discussão para êste campo.

O Sr. Américo Olavo: - São caixas de fósforo de "espera galego" pela demora com que V. Exa. tem arrastado as suas considerações.

O Orador: - Nunca me reciei de coacções do espécie nenhuma; e, assim, vou continuar as minhas considerações sem pretender abusar da atenção de V. Exas.

Se esta causa fôsse minha, não gastaria um minuto com ela; mas trata-se de uma questão que interessa fundamentalmente ao País.

Vou continuar a análise das bases restantes, que são só duas.

Base G:

Leu.

Preconiza a comissão de finanças, não só na parte respeitante aos operários do quadro, mas ainda na parte que respeita aos operários fora dos quadros.

O monopólio exercido por uma Companhia é cedido ao Estado. O Estado é que tem a prova. Os operários que vieram da regie, no montante de 400, apesar do excesso para 1:080, que tantos são os que se ocupam nesta indústria. Têm iguais direitos.

De resto, ainda que assim não fôsse, pregunto se é justo obrigar êstes operários a irem fabricar sapatos ou outra qualquer cousa.

Não; ninguém pode pensar em tal, nem ninguém pensa; e, se o pensassem, andariam muito mal.

Neste País tam pequeno, todos nos conhecemos e todos somos parentes e amigos.

Temos, é certo, o coração muito perto da boca; e, assim, somos levados, nos momentos de fraqueza e exaltação, a pedir a força para aqueles que nos incomodam e hostilizam. E certo é também que é condão dos meridionais deixarem o coração falar muitas vezes mais alto que o direito.

Pedimos a forca para amanhã pedirmos piedade e sermos os primeiros a implorar a amnistia e o esquecimento das faltas praticadas.

E porque assim é, nunca se deve pensar em atirar para o barril do lixo com os operários que não pertencem ao chamado quadro da indústria dos fósforos.

Pela base H:

Leu.

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Sessão de 3 e 4 de Abril de 1925 49

A doutrina que sustento é, quero crer, a da comissão de finanças.

Os direitos são iguais.

Termino, por agora, as minhas considerações.

Não é uma ameaça que faço - descansem.

Disse "por agora"; mas não se assustem, porque faço votos sinceros porque isto não haja de ser assim.

Porventura desenvolvi demasiados esfôrços perante os que me dão a honra de me ouvir.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Portugal Durão: - Sr. Presidente: eu tenho tomado uma série de apontamentos para tratar desta questão, que é importante, não apenas como questão dos fósforos em si, mas porque está ligada à questão dos tabacos, que se há-de resolver daqui a um ano, e porque seria bom firmar pontos de vista sôbre êste assunto para regular a questão dos tabacos.

Entretanto, visto que assinei o parecer da comissão de finanças com declarações, vejo-me obrigado a fazer ligeiramente as considerações que sôbre o assunto me ocorrem.

Não posso deixar de agradecer ao Sr. Ministro dos Estrangeiros por ter, a meu pedido, informado a Câmara do ponto de vista do Govêrno.

E faço-o com tanta mais razão quanto é certo que, por circunstâncias independentes do Governo, não foi possível à comissão de finanças, emquanto esteve a elaborar o parecer, ouvir a opinião governamental sôbre o assunto.

A proposta apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças do Govêrno transacto e enviada para a comissão de finanças, proposta que se não limitava a tratar do problema dos fósforos mas de outros de grande importância fiscal, carecia de elementos de informação.

O ilustre relator da comissão de finanças teve um trabalho insano e ingente para conseguir coligir todos os elementos necessários para o estudo e elaboração do respectivo parecer.

Os elementos obtidos pela comissão de finanças, apesar de oficiais, foram considerados menos verdadeiros pela comissão de comércio e indústria.

Se esta questão ficasse suspensa para ser resolvida depois de férias, eu concordaria com a idea aventada pelo ilustre relator da comissão de finanças no sentido de que o assunto baixasse novamente a essa comissão.

Eu pediria até reunião conjunta das duas comissões; mas, depois das considerações produzidas pelos dois senhores relatores, parece-me que a questão está suficientemente esclarecida e parece-me que a Câmara não pode ter escrúpulos em a votar.

A proposta de lei do Sr. Ministro das Finanças do Govêrno transacto afirma essencialmente o princípio de que é necessário irmos para a liberdade de indústria.

Essa proposta diz:

Leu.

Concordo absolutamente com esta. segunda afirmação; mas tenho as minhas dúvidas em relação à primeira, isto é, em acabarmos com o monopólio.

Vejamos:

Quando nos tempos da propaganda se atacavam os monopólios, êsses ataques não eram dirigidos aos monopólios em si; evidentemente os republicanos dêsses tempos, e eu sou um deles, não podiam deixar de reconhecer que o regime de monopólio é lucrativo para o Estado.

Aquilo contra o que os nossos correligionários se revoltaram foi contra a desgraçadíssima operação financeira que se fez em torno do regime dos monopólios; foi contra as desgraçada? operações do empréstimo; foi contra o desgraçado rendimento fiscal que se obteve em comparação com o que se poderia ter obtido.

Um país rico, com as suas indústrias largamente desenvolvidas e que zele apenas os interêsses do contribuinte, pode acabar com os monopólios; mas um país como o nosso, que se vê a braços com uma verdadeira crise financeira que ainda não está resolvida, não pode aceitar a priori a afirmação de que é absolutamente indispensável acabar com o regime dos monopólios, porque o Estado não pode abandonar essa riqueza.

É lícito a um país como o nosso estabelecer liberdade de indústria? Está algum organismo preparado para tomar conta destas indústrias?

Sr. Presidente: no dia 26 dêste mês encontramo-nos perante esta situação: se o

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Estado quiser a liberdade de indústria5 não se encontra de maneira nenhuma habilitado a abastecer de fósforos o País.

E então o que teremos de fazer?

Importar fósforos do estrangeiro; e essa importarão resultará em prejuízo não só da nossa situação financeira, porque são cambiais a exportar, mas também em prejuízo do operariado nacional.

O que se pretende fazer é de facto um monopólio, porque as indústrias monopolizadas formam trusts e, por consequência, não me influencia essa panacea da liberdade de indústria contra os monopolistas.

Eu não sou pela liberdade do fabrico nas condições em que nos encontramos.

Repare a Câmara no que acontecerá no dia 30 de Abril do próximo ano, em que termina o monopólio dos tabacos!

O listado toma conta dessa indústria e caímos no sistema de régie.

Eu tenho autoridade para falar; porque já administrei uma régie.

Eu sei os casos que se tom dado neste desgraçado País; mas sei também o que durante oito meses que estive à frente dos Transportes Marítimos, lá encontrei navios que não navegavam, dívidas por pagar havia-as por todos os lados.

Pus tudo a navegar, paguei todas as dívidas e deixei ao Estado 5:000 contos em material e 3:000 contos em dinheiro.

Daí concluí que era possível administrar uma régie.

O que é preciso é encontrar os homens que tenham as faculdades de administração que eu tive a fortuna de encontrar.

Com respeito aos tabacos, eu não compreendo como é que um País tam faltado recursos, tendo na sua mão uma grande fonte de receita, a vá entregar a outrem; o que penso acerca dos tabacos é o mesmo que ponso acerca dos fósforos.

Qual a solução para êste problema?

A meu ver, é apenas a compra da fábrica pelos seus maquinismos, pois que valor industrial não tem; mas é pagar essas instalações pelo seu justo valor, e daqui a um ano o Estado estaria de posse de dois dos maiores e mais rendosos monopólios: o dos fósforos e o dos tabacos.

Uma das grandes dificuldades que o Estado tem na administração e exploração de uma indústria é encontrar quem bem o sirva.

O culpado é o próprio Estado que não quero pagar como deve.

Sabem V. Exas. quanto eu ganhava por mês quando administrava os Transportes Marítimos? 120$ por mês!

Isto é verdadeiramente o culto da incompetência!

O Estado não é bem sorvido porque não quero pagar bem!

Apoiados.

O meu ponto do vista concretiza-se no seguinte: o Estado, tomando conta das fábricas dos fósforos e dos tabacos, abriria concurso para a formação de uma emprêsa que aceitaria as fábricas por um certo prazo previamente estabelecido.

Havia concurso para a formação de uma emprêsa que aceitaria as fábricas por um certo preço, que daria ao Estado a comparticipação do rendimento do seu capital uns tantos por cento, que garantiria ao Estado um têrço pelo menos dos seus administradores o representantes no conselho fiscal, que garantiria a fiscalização da sua contabilidade, que garantiria ao listado uma certa representação nas assembleas gerais, mas não de forma que o Estado pudesse de novo apropriar-se da indústria, e que tomaria como base ou uma renda a pagar (o isso seria difícil) ou o compromisso de que o produto que saísse das fábricas era matéria fiscal e, portanto, sujeita à imposição de um solo.

Podíamos assim acabar com esta história de renda que é difícil de fixar, sobretudo num país de moeda flutuante como o nosso.

É esta a minha idea. É boa? É má? Não sei.

Isto quanto ao parecer da comissão de finanças.

Vou agora referir-me ao parecer da comissão de comércio e indústria.

Não vejo nenhuma conveniência na participação do Estado no capital da emprêsa, visto que disso resulta com certeza uma deminuição de renda a obter.

Mas dá-se mais êste caso: é que o Estado ficaria associado a todas as emprêsas que viessem a formar-se.

E o que fariam essas emprêsas com a indústria livre?

Concorreriam entre si; e, assim, o Estado, sócio de uma empresa, estaria a con-

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correr com as outras, prejudicando-se absolutamente.

Mas não é isso que quero discutir; o meu fim, e não quero tornar tempo à Câmara, é tam sòmente esclarecer as palavras com que assino o parecer.

Autos de concluir, ainda a respeito do parecer da comissão de comércio e indústria e da proposta ministerial, pregunto, se realmente querem estabelecer a liberdade da indústria dos fósforos, se o Govêrno está precavido - e eu gostava que o Sr. Ministro dos Estrangeiros informasse a Câmara - contra a hipótese de a Companhia amanha ficar com o monopólio de facto.

Se realmente querem liberdade da indústria, não vale a pena tanta discussão; amanhã, como selaram garrafas de água contra a minha opinião, selam também caixas de fósforos.

Só vamos para isso, o problema é de uma simplicidade extrema, mas não se esqueçam das considerações que fiz e que em casos dêstes há uma questão moral que não podemos perder de vista.

Sr. Presidente: apareceu aqui uma outra forma de resolver o problema: a apresentada pelo Sr. João Camoesas.

Não difere muito da fórmula que apresentei: é uma régie, mas régie em que o Estado se associa às emprêsas particulares - sistema para mim recomendável em Portugal.

Além disso, a forma como o Sr. João Camoesas resolve a questão operária merece o meu aplauso.

Não temos, efectivamente, que nos limitarmos a olhar pelo seu estado na velhice, mas lembrarmo-nos de que são criaturas humanas e que a elas muitas vezes deve o Estado a sua prosperidade.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Pedro Martins): - Sr. Presidente: na larguíssima exposição que o ilustre Deputado Sr. Paiva Gomes fez do projecto da comissão de comércio e indústria e ainda da proposta de emenda, S. Exa. dignou-se formular-me certas preguntas, que me parece que interessam, sobretudo, na discussão da especialidade.

E assim, se porventura S. Exa. não me leva a mal, porque a minha resposta terá melhor cabimento nessa altura, para então mo reservarei relativamente, sobretudo, às bases A, B, C e D.

Certo esteja S. Exa., desde já, de que as dúvidas levantadas encontrarão resposta, senão cabal e completa, ao menos tendente a esclarecer suficientemente S. Exa. e a Câmara.

Quanto às considerações que o Sr. Portugal Durão acaba de fazer, devo dizer que S. Exa. d veio apresentar um novo ponto de vista: e da régie.

Pôs S. Exa. e a hipótese de qual será a situação, quando terminar êste contrato, referindo-se também a esta proposta de lei e ao parecer.

Mas, ao mesmo tempo, quere-me parecer que S. Exa. e foi nas suas considerações um pouco contraditório.

Ao princípio S. Exa. apresentou uma situação de grande pavor, mas depois incumbiu-se de tranquilizar a Câmara e de tranquilizar-se a si mesmo, dando uma resposta a que me parece dever fazer reparos.

Disse S. Exa.: esta proposta no fundo é um monopólio, de facto.

Se S. Exa. partiu dêste princípio, não se assuste com a situação que pode apresentar-se para o Govêrno em 27 de Abril dêste ano.

S. Exa. apresentou outra solução: o que só deve fazer relativamente1 aos fósforos e tabacos é o Govêrno tomar conta das indústrias, a fim de saber-se qual o processo técnico, funcionamento em geral, etc., porque, até agora, nada ou muito pouco sabemos pelas discussões aqui travadas sôbre o funcionamento da indústria.

Mas S. Exa., dizendo que o processo da régie é delicado, imediatamente disse: porque é que a régie não tem dado resultados entre nós, quando é um sistema que inteiramente se coaduna com a natureza e as condições especiais dêstes produtos?

E S. Exa. acusou então o Estado da falta de critério da escolha das competências técnicas e, numa palavra, S. Exa. reeditou as velhas afirmações contra os monopólios.

Mas, Sr. Presidente, ontem eu tive já ensejo de dizer à Câmara que esta ques-

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tão não pode ser resolvida com argumentos de ordem teórica.

Em teoria há argumentos para defender as formas de um ou outro processo. Mas o intuito final, diz S. Exa., ora a liberdade de indústria.

Parece que S. Exa. disse que eu queria a régie com a liberdade.

O Sr. Portugal Durão (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença?

Eu estava há pouco a resumir as minhas considerações.

Eu disse que, se no fim dêste tempo a experiência e estudo sôbre o funcionamento da indústria chegasse à conclusão de que o Estado se revelava competente, ficaria com a régie.

O Orador: - Eu tinha colhido uma opinião diferente.

Mas eu pregunto ao Sr. Portugal Durão só, nesta hora, dadas as dificuldades para que a régie possa ser frutuosa, é o momento do se estabelecer a liberdade industrial.

Sr. Presidente: ante problemas desta natureza há, evidentemente, qualquer cousa de incerto; mas na situarão actual, em meu nome pessoal, eu devo dizer à Câmara que sou partidário da liberdade industrial, em relação aos fósforos.

O Sr. Paiva Gomes (interrompendo): - Mas com ou sem contribuição pesada?

O Orador: - A êste respeito eu não me guio só pelo critério da tributarão. Tenho de considerar todas as outras condições da vida industrial.

O Sr. Paiva Gomes (interrompendo): - O meu intento era saber se V. Exa. colocava essa indústria nas mesmas condições das outras, tais como lanifícios, etc.

O Orador: - Nós temos de considerar a liberdade sob o ponto de vista abstracto; e, nestas condições, não podemos olhar apenas para o lado fiscal.

Sr. Presidente: eu declarei em nome do Govêrno que aceitava o parecer da comissão de comércio e indústria, som prejuízo das emendas tendentes a melhorar os princípios consignados na proposta.

O Sr. Portugal Durão, com a sua conhecida compotência, tratou do assunto; mas eu devo dizer a S. Exa. que não me convenceram os seus argumentos, no sentido do defender o princípio por S. Exa. apresentado.

Nestas condições, e porque não desejo fatigar mais a atenção da Câmara, eu encerro por aqui as minhas considerações, deixando à assemblea a solução do assunto.

Devo, todavia, lembrar que a solução é urgente, tanto mais que o dia 21 de Abril está à vista.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito.

Está encerrada a discussão na generalidade.

Foi lida e rejeitada a proposta apresentada pelo Sr. Paiva Gomes.

O Sr. Paiva Gomes: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.º do artigo 116.°

Feita a contraprova, estavam de pé 56 Srs. Deputados e sentado 1, pelo que foi considerada rejeitada.

É a seguinte:

Proponho que a matéria em discussão baixo de novo à comissão de finanças, a fim de, dada a discordância dos elementos referidos por esta comissão com aqueles que foram fornecidos pela comissão de comércio e indústria, aquela comissão formular o seu parecer.

4 de Abril de 1925. - António de Paiva Gomes.

Foi aprovada a moção do Sr. Nuno Simões.

É a seguinte:

A Câmara dos Deputados:

Considerando, em face dos elementos e informações vindos ao debato, que os fundamentos sucessivamente invocados pela Companhia dos Fósforos para lhe ser autorizado o aumento de preço dos seus produtos não corresponderam sempre à sua situação económica e financeira; e

Considerando que no debate se admitiu também a possibilidade de haverem sido abusivamente reduzidas as receitas

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líquidas da Companhia e, portanto, as participações a arrecadar pelo Estado:

Afirma a necessidade do o Poder Executivo, por todos os meios ao sou alcance, proceder à verificação das contas da Companhia, para o devido procedimento, e passa à ordem do dia.

2 de Abril de 1925. - Nuno Simões.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Jaime de Sousa.

Foi lida e rejeitada em prova e contraprova requerida pelo Sr. Jaime de Sousa.

É a seguinte:

A Câmara dos Deputados:

Considerando que a solução a adoptar para exploração da indústria dos fósforos deve assentar essencialmente na melhor forma de. acautelar os interêsses do Estado;

Considerando que o regime da liberdade de fabrico de acendalhas, num País de finanças equilibradas e economicamente bem apetrechadas, está contra-indicado naqueles em que o Tesouro precisa de socorrer-se de todas as origens de receita segura e garantida;

Considerando que a administração directa pelo Estado, em regime de exclusivo, seria em princípio a mais útil maneira de fazer essa exploração, se as provas dadas neste capítulo em Portugal não fossem absolutamente negativas:

Reconheço que a exploração das grandes indústrias por entidades privadas, competentes e idóneas com a comparticipação do Estado sob qualquer das modalidades por que ela possa exercer-se, é a fórmula mais adequada aos fins que tem em vista, e passa à ordem do dia. - Jaime de Sousa.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção enviada para a Mesa pelo Sr. Dinis da Fonseca.

Foi lida e seguidamente rejeitada.

É a seguinte:

Considerando que os fósforos constituem um género de consumo de primeira necessidade, importando por isso ao Estado melhorar e, baratear a sua produção e não onera-la por meio de impostos indirectos;

Considerando que o monopólio administrativo, longe de ser odioso, é muitas vezes a melhor forma de dar satisfação ao interêsse geral;

Considerando, finalmente, que a liberdade prometida na proposta e contraproposta que se discutem se traduz, pràticamente, num monopólio fiscal:

A Câmara convida o Govêrno e as comissões parlamentares a modificar a proposta em discussão, de forma a ser garantida a produção pela forma mais consentânea com o interêsse geral.

3 de Abril de 1925. - Joaquim Dinis da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a proposta na generalidade.

Foi aprovada.

O Sr. Carvalho da Silva: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

O Sr. Paiva Gomes: - V. Exa. diz-me se o que se está a votar é a proposta ministerial?

O Sr. Presidente: - O que se está a votar é o parecer da comissão de comércio e indústria sôbre a proposta ministerial. De resto é assim que sempre se tem feito.

Os Srs. Deputados que rejeitam queiram levantar-se.

Estão levantados 11 Srs. Deputados e sentados 40.

Está aprovado.

O Sr. Presidente: - A sessão continua logo às 21 horas e 30 minutos.

Está levantada a sessão.

Eram 19 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 22 horas.

O Sr. Jaime de Sousa: - Peço a palavra para invocar o Regimento.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra para invocar o Regimento.

O Sr. Jaime de Sousa: - Invoco o artigo 19.° e § único do Regimento.

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O Sr. Presidente: - Não compreende o alcance da invocação do Regimento, feita agora por V. Exa.

O Sr. Jaime de Sousa: - Eu explico. Entendo que a sessão não pode reabrir legalmente, sem que se observe o que vem disposto nossas disposições do Regimento que acabo de invocar, no tocante ao quorum que é fixado para a abertura da sessão.

O Sr. Presidente: - Trata-se da reabertura da sessão, o que não é o mesmo que abertura.

Emquanto não haja necessidade de proceder a qualquer votação, não encontro razão para quaisquer reparos sôbre o número de Deputados presentes. Além disto, V. Exa. está em êrro quando invoca o artigo 19.° e § único, supondo que essas disposições regulam o assunto. Ora não é assim.

Êsse artigo e parágrafo foram revogados pelos artigos 23-A, 23-B e 23-C, aprovados em sessão do 21 de Junho de 1925.

A sessão estava prorrogada. Foi interrompida e agora é a reabertura.

Cumpriu se a artigo 23-A do Regimento que é o que regula neste caso.

O Sr. Jaime de Sousa: - O quorum que é exigido para a abertura da sessão deve ser o mesmo para a reabertura.

Eu exijo...

O Sr. Presidente (interrompendo): - V. Exa. não exigo cousa nenhuma!

O Sr. Jaime de Sousa: - Eu quero que se respeite...

O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-mo licença? Eu não posso discutir dêste lugar; e, portanto, nada mais tenho a dizer a V. Exa. senão que a Mesa considera-se dentro do Regimento, dando como reaberta a sessão.

O Sr. Morais Carvalho (para invocar o Regimento): - Sr. Presidente: no incidente aberto pelo Sr. Jaime de Sousa, não podemos deixar de exprimir também o nosso modo de ver.

Não podemos, Sr. Presidente, ser acusados nesta discussão de por qualquer forma termos querido impedir o trabalho regular desta caba do Parlamento.

Mas, desde que o Sr. Jaime de Sousa invocou o Regimento, - embora a mim me pareça que invocou mal o artigo aplicável à hipótese - eu quero também chamar a atenção de V. Exa. para a letra do Regimento.

Diz o artigo 23.º-B do Regimento, que só se pode entrar no período da ordem do dia, desde que o Presidente seja verificado que há número legal para votar.

Desculpo-me V. Exa., Sr. Presidente, mas este ponto de vista foi sempre adoptado nesta legislatura, desde que nós, pela primeira vez, invocámos o artigo 23.°-B.

Eu apelo para V. Exa. o para os precedentes que se têm dado nesta casa do Parlamento, com a sanção de V. Exa.; porque mo parece que a questão levantada pelo Sr. Jaime de Sousa tem toda a razão de ser, não estribada no artigo que S. Exa. invocou, que foi o artigo 19.º, mas no artigo 23.°-B, cuja letra é bem clara.

Desde que a questão se levantou, não podíamos nós ficar calados, nem queremos que fique o precedente, de que a Câmara pode funcionar, na ordem do dia, sem número legal para votação.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

O artigo 23.°-B, que V. Exa. citou, começa pelas seguintes palavras:

"Artigo 23.°-B, findo o período destinado para antes da ordem do dia, etc.".

Trata-se da abertura normal de uma sessão, depois do período de antes da ordem do dia. Como agora não é começo de sessão, e o Sr. Presidente, não tem maneira do verificar se há presente e número de Deputados necessários para funcionamento da Câmara, sem que haja qualquer incidente que provoque uma demonstração de que, na verdade, não se encontra na sala o número do Deputados para a Câmara poder funcionar.

Devo também dizer a V. Exa., muito sinceramente, que não me recordo de ter

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alguma vez sancionado procedimento diferente daquele que acabei de expor.

Digo isto a V. Exa. com toda a sinceridade.

O Sr. Morais Carvalho: - Salvo o devido respeito, parece-me que V. Exa. não tem razão.

O artigo 23.°-B diz realmente, como V. Exa. acaba de referir, no fim do período destinado para antes da ordem do dia;

"Artigo 23.°-B, findo o período destinado para antes da ordem do dia e verificando o Sr. Presidente que há número legal para proceder a votações, os trabalhos prosseguirão na ordem seguinte: 1.° discussão e aprovação da acta; 2.° comunicações feitas à Câmara pelo Sr. Presidente; 3.° aprovação de últimas redacções; 4.° admissão de propostas e projectos de lei; 5.° votação de propostas e requerimentos de Deputados que dependam de deliberação da Câmara; 6.° ordem do dia".

Quere dizer que se não pode entrar na ordem do dia sem que haja número legal, para votações.

Compreende-se que, se há razões para se não entrar na ordem do dia sem haver número legal, pela mesma razão não se pode continuar na ordem do dia sem que haja êsse número.

O contrário seria um contra senso.

Desde já prometo trazer na próxima sessão os Diários das Sessões, de onde consta a resolução tomada por V. Exa., quando êsse incidente foi levantado há cêrca de dois anos, por êste lado da Câmara.

Ainda no ano passado, tendo sido designadas várias sessões, para a discussão do Orçamento na segunda parte, nenhuma dessas sessões começou a funcionar sem que houvesse o número legal de 55 Srs. Deputados para votações.

Nestes termos, parece-me que V. Exa. está em êrro e que a resolução que pretende agora tomar é contra os precedentes estabelecidos nesta casa do Parlamento, já sob a presidência de V. Exa. Sou obrigado a insistir neste ponto, porque não é razoável a interpretação dada por V. Exa.

E, se então na discussão do Orçamento se aplicava o artigo 23-B, às prorrogações das sessões, neste momento não há razão especial para alterar o Regimento ou dar uma interpretação diferente ao artigo 23-B, sem deliberação da Câmara.

O Sr. Presidente: - V. Exa. está equivocado. A interpretação do Regimento, a que o Sr. Morais Carvalho aludiu, era apenas para a discussão do Orçamento.

Só no início de uma sessão é que se procede à chamada. E só fazendo-se a chamada, é que a Mesa conhece o número de Srs. Deputados presentes.

Agora trata-se da continuação de uma sessão que está prorrogada. Os trabalhos prosseguem, continuando se a discutir o que está dado para ordem da noite.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se, para entrar em discussão na especialidade, o artigo 1.° do parecer.

É lido.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o contra-projecto do Sr. João Camoesas.

É lido na Mesa e admitido o contra-projecto do Sr. João Camoesas.

O Sr. Jaime de Sousa: - Requeiro a contraprova.

O Sr. Carvalho da Silva: - Invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.

Procedeu-se à contraprova e respectiva contagem.

O Sr. Presidente: - Estão sentados 44 Srs. Deputados e em pé 1.

Não há número.

Vai proceder-se à chamada.

Procede-se à chamada.

Disseram "admito" os Srs.:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Xavier.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Augusto Tavares Ferreira.

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56 Diário da Câmara aos Deputados

António Maria da Silva.
António do Mendonça.
António Pais da Silva Marques.
António de Paiva Gomos.
Armando Pereira do Castro Agatão Lança.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Coelho de Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Dinis de Carvalho.
Jaime Júlio do Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João José Luís Damas.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
José Cortes dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Luis António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel do Brito Camacho.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano da Rocha Felgueiras.
Nuno Simões.
Sebastião Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.
Vitorino Henriques Godinho.

Disseram "rejeito" os Srs.:

Amadeu Leite de Vasconcelos.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

O Sr. Presidente: - Disseram "admito" 45 Srs. Deputados e "rejeito" 2.

Não há número para a admissão, nem para a sessão poder prosseguir.

A próxima sessão é segunda-feira, é à hora regimental, com a seguinte ordem de trabalhos.

Antes da ordem (com prejuízo dos oradores inscritos):

Parecer n.° 877, que permite aos oficiais na situação de adidos, de licença ilimitada, transitar dessa situação para a de disponibilidade.

Parecer n.° 876, que altera a redacção dos artigos 1.°, 2.° e 3.° do contrato celebrado em 18 do Novembro de 1923, com a Marconi's Wireless Telegraph Company.

(Sem prejuízo dos oradores inscritos:

A de hoje menos o parecer n.° 877 e mais no final a proposta do lei n.º 904-K, que estabeleço um regime especial para determinados alunos das Faculdades de Medicina.

Ordem do dia:

Parecer n.° 903, que estabelece desde 26 do Abril do 1925, a liberdade do fabrico e venda do acendalhas, pavios o palitos fosfóricos.

Interpelação do Sr. Brito Camacho ao Sr. Ministro das Colónias, já em tabela e os restantes pareceres também já em tabela.

Está encerrada a sessão,

Eram 22 horas e 45 minutos.

Documentos enviados para a mesa durante a sessão

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, mo sejam dadas cópias das peças do processo de inquérito aos actos do juiz de direito José Pinheiro Mourisca Júnior, a seguir mencionadas:

a) Cópia das declarações do denunciante;

b) Cópia dos depoimentos das testemunhas do acusação e de defesa do arguido; e bem assim:

c) Cópia dos documentos apresentados pelo arguido com excepção dos jornais;

d) Relatório do juiz inqueridor;

e) resposta do Ministério Público;

f) Acórdão proferido no mesmo inquérito. - Alberto Vidal.

Expeça-se.

Projecto de lei

Do Sr. Velhinho Correia, alterando o Regimento da Câmara.

Para o "Diário do Governo" com o relatório.

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Nota de interpelação

Desejo interpelar o Sr. Presidente do Ministério, sôbre o estado actual dos serviços públicos e os critérios a adoptar para a sua organização.

3 de Abril de 1925. - João Camoesas.

Expeça-se.

Parecer

Da comissão do Orçamento, sôbre o n.° 845-L, que fixa as despesas do Ministério da Justiça e dos Cultos, para 1925-1926.

Imprima-se com urgência.

OS REDACTORES:

Avelino de Almeida.
João Saraiva.

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