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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 72

EM 2 DE JUNHO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva

Sumário. - A sessão é aberta com a presença de 54 Srs. Deputados.

li a acta e dá-se conta do expediente, que tem o devido destino.

Antes da ordem do dia. - São aprovados dois negócios urgentes, um do Sr. Rodrigo Rodrigues, outro do Sr. Cunha Leal, trocando se explicações acerca do sentido da votação da Câmara quanto ao negócio urgente que primeiro deve realizar-se. Liquidado o incidente, realiza o seu negócio urgente o Sr. Rodrigo Rodrigues, que fica com a palavra reservada.

Ordem do dia. - É aprovada a acta. São aprovados votos de sentimento pelo falecimento do pai do Sr. Ministro da Justiça e de uma irmã do Sr. Tavares de Carvalho.

Realiza-se a contraprova da votação do artigo 1.° da proposta referente à pensão a conceder à viúva de João Chagas. Foi aprovada, por 76 votos contra 2.

Seguidamente, aprovaram-te os artigos 2.º e 3.º da proposta, com dispensa da leitura da última redacção, a requerimento do Sr. Jaime de Sousa.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães) justifica o procedimento do Govêrno durante o período de adiamento dos trabalhos parlamentares.

Estabelece-se debate, no qual (ornam parte os Sr. Cunha Leal, Carvalho da Silva, João Camoesas e Afonso do Melo, que fica com a palavra reservada.

Antes de se encerrar a sessão. - Usa da palavra o Sr. Carvalho da Silva, respondendo o Sr. Presidente do Ministério.

Seguidamente é o Sr. Presidente encerra a sessão marcando a seguinte para o dia imediato, com a respectiva ordem de trabalhos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão.- Proposta de lei - Projectos de lei - Pareceres.

Aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Presentes à chamada 54 Srs. Deputados,

Entraram durante a sessão 56 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Américo da Silva Castro.
António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Ginestal Machado.
António Pais da Silva Marques.
António Resende.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pires do Vale.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Martins de Paiva.
David Augusto Rodrigues.
Delfim Costa.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Júlio de Sousa.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João de Ornelas da Silva.
João Pina de Morais Júnior.
João Salema.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
José Cortês dos Santos.
José Mondes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Henrique de Abreu.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel de Sousa da Câmara.
Maximino do Matos.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Góis Pita.
Pedro Januário do Valo Sá Pereira.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Rodrigo José Rodrigues.
Tomás de Sousa Rosa.
Valentim Guerra.
Vergílio Saque.
Viriato Gomes da Fonseca.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abílio Marques Mourão.
Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António de Abranches Ferrão.
António Correia.
António Dias.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António Paiva Gomes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constando de Oliveira.
Custódio Maldonado de Freitas.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Jaime Pires Cansado.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Luís Ricardo.
João Pereira Bastos.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Ribeiro do Carvalho.
José Carvalho dos Santos.
José Domingues dos Santos.
José Marques Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José do Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso,
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Nuno Simões.
Vasco Borges.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo do Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires de Ornelas e Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Lelo Portela.
Alberto da Rocha Saraiva.
Álvaro Xavier de Castro.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.

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Sessão de 2 de Junho de 1925 3

António Lino Neto.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Augusto Pereira Nobre.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Ernesto Carneiro Franco.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Germano José de Amorim.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte da Silva.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge de Barros Capinha.
José António de Magalhães.
José Joaquim Gomes de Vilhena.
José Mendes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo Cancela de Abreu.
Paulo da Costa Menano.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Sebastião de Heródia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José de Barros Queiroz.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.

Às 15 horas e 20 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 54 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Oficio

Do Ministro da Justiça, enviando cópia de um ofício do presidente da Relação de Lisboa, pedindo uma alteração no Orçamento de 1925-1026.

Para a comissão do orçamento.

Telegrama

Da Associação Comercial e Industrial de Olhão, pedindo para serem atendidas as pretensões dos armadores dos cercos de pesca.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

Estão sôbre a Mesa dois negócios urgentes.

Um apresentado ontem pelo Sr. Rodrigo Rodrigues, que consta do seguinte:

Desejo tratar em negócio urgente das graves acusações, atentatórias da dignidade nacional, pelas quais foi imposta a demissão ao governador de Macau, Rodrigo Rodrigues, sem êle ser ouvido.

Sala das Sessões, 1 de Junho de 1925. - Rodrigo J. Rodrigues.

O outro apresentado hoje pelo Sr. Cunha Leal, e que consta do seguinte:

Desejo ocupar-me, em negócio urgente, do uso que o Govêrno fez, durante o interregno parlamentar, das autorizações que lhe haviam sido conferidas pela lei n.° 1773.

Sala das Sessões, 2 de Junho de 1920. - Cunha Leal.

Vou submeter à votação da Câmara êstes dois negócios urgentes.

O Sr. Almeida Ribeiro: - "V. Exa. diz--me se êsses negócios urgentes prejudicam a ordem do dia?

O Sr. Presidente: - Entendo que sim. No emtanto, a Câmara resolverá.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Almeida Ribeiro: -V. Exa., Sr. Presidente, sabe que ficou pendente a votação das pensões à viúva de João Chagas e à mãe de Fiel Stockler, e não é justo que só adie essa questão indefinidamente por motivo dos negócios urgentes.

Nestas condições, desejaria que V, Exa. condicionasse a votação dêsses negócios urgentes com a seguinte cláusula: som prejuízo da ordem do dia,

Apoiados.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, vou submeter à votação da Câmara os negócios urgentes nem prejuízo da ordem do dia.

O Sr. Almeida Ribeiro: - Exactamente, Sr. Presidente.

foram aprovados os dois negócios urgentes apresentados pelos Srs. Rodrigo Rodrigues e Cunha Leal.

O Sr. Pedro Pita (para interrogar a Mesa): - V. Exa. diz-me de que se compõe a ordem do dia? Se é o que eu vi na lista, então os assuntos dos negócios urgentes nunca mais se tratam.

Àpartes.

O Sr. Presidente: - Eu entendo que a ordem do dia é apenas aquilo que ficou pendente da última sessão.

O Sr. Pedro Pita: - Muito obrigado a V. Exa.

O Sr. Jaime de Sousa (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: desejava que V. Exa. me informasse se é conveniente pôr à votação a realização dos negócios urgentes apresentados sem que o Sr. Presidente do Ministério, que é quem tem de seguir essa discussão e naturalmente responder, tenha conhecimento dolos,

O Sr. Ribeiro de Carvalho: - Sr. Presidente: temos de apreciar a obra do Govêrno, realizada durante o interregno parlamentar.

Eu não sei a razão por que não está presente o Sr. Presidente do Ministério, nem tenho que saber. O que entendo é que a Câmara não pode estar à espera dos Ministros.

O Govêrno está no seu direito de não

comparecer na Câmara, mas então vai a Belém pedir a demissão, e a Câmara segue. Nós é que não podemos estar à espera do Govêrno para discutir os actos por êle praticados durante o interregno parlamentar.

Tenho dito.

O orador não reviu,

O Sr. Presidente: - Estão sôbre a Mesa dois negócios urgentes, o primeiro dos quais foi apresentado pelo Sr. Rodrigo Rodrigues, e para o qual está presente o Sr. Ministro das Colónias.

O segundo foi apresentado pelo Sr. Cunha Leal, e que visa a apreciar o uso feito pelo Govêrno das autorizações que lhe foram concedidas.

Estou convencido de que ao terminar a discussão do primeiro negócio urgente já se encontrará presente o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: a confusão que se estabeleceu foi grande, e eu não percebi os motivos por que V, Exa. alterou os termos do requerimento por mim formulado, isto é, para que o meu negócio urgente fôsse sem prejuízo da ordem do dia.

Eu entendo que é absolutamente indispensável que comecemos a discutir êste assunto antes da ordem do dia, embora se intercale depois qualquer assunto importante que a Câmara entenda.

Nestas condições, julgo que foi um pouco precipitada a maneira como o assunto foi apresentado para votação da Câmara, o que V. Exa. deve-a consultar sôbre se entende que o meu negócio urgente só possa ser interrompido por qualquer assunto que estivesse em discussão na última sessão.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Foi em virtude da observação apresentada pelo Sr. Almeida Ribeiro que eu submeti à votação da Câmara os negócios urgentes sem prejuízo da ordem do dia, cujo assunto é a votação das pensões à viúva de João Chagas e à mãe de Fiel Stockler.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: Evidentemente o País espera a discussão

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dos actos do Govêrno, e o Sr. Presidente do Ministério, numa entrevista que deu, declarou que o desejava fazer, e foi por êste motivo que apresentei o meu negócio urgente, a fim de proporcionar a S. Exa. a satisfação dêsse desejo. Era uma forma de provocar as explicações.

Pregunto a V. Exa. que ordem vai seguir nos trabalhos. Entra-se na discussão do caso de Macau e depois passa-se à votação das propostas de lei que ficaram pendentes da sessão de ontem, e a seguir continua-se na discussão do caso de Macau?

O Sr. Presidente: - Sim, senhor. Depois entra-se na discussão do negócio urgente do Sr. Cunha Leal.

O Sr. Ribeiro de Carvalho: - Acho bem que se discuta o caso de Macau, mas quando houver vaga para isso. Estão suspensas as garantias porque continuam as apreensões de jornais, e, portanto,, o negócio urgente do Sr. Cunha Leal era a primeira cousa que se devia discutir. A imprensa não pode estar sujeita ao mesmo regime em que estava anteriormente, quando as garantias estavam suspensas.

O Sr. Presidente: - Consulto a Câmara sôbre se consente que o Sr. Cunha Leal trate em negócio urgente do uso que o Govêrno fez das autorizações no interregno parlamentar.

Foi rejeitado.

O Sr. Artur Brandão: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.° do Regimento.

Procede-se à contraprova, verificando-se ter sido rejeitado.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Declaro que, em harmonia com o preceito constitucional, o Govêrno, logo que se entro na ordem do dia, dará conhecimento à Câmara de qual a razão por que suspendeu as garantias constitucionais, e assim a Câmara, depois dessas declarações, abrirá o debate político. O orador não reviu.

O Sr. Sá Cardoso: - Declaro à Câmara que a razão de a Acção Republicana rejeitar o negócio urgente do Sr. Cunha Leal é por estar convencida de que o Sr. Presidente do Ministério tinha empenho em que êste facto se discutisse quanto antes. Portanto, aceito as declarações que o Sr. Presidente do Ministério acaba de t fazer, estando do lado de quem as apresentou.

Precisava de dar à Câmara esta explicação, para que não se supusesse que havia qualquer divergência com o Govêrno, onde está representada a Acção Republicana.

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: - Não está preceituado na Constituição o dia, a hora e os minutos em que o Presidente do Ministério dará conta, nos termos do § 3.°, n.° 16.° do artigo 26.° da Constituição, dos actos praticados em virtude do uso feito das autorizações concedidas ao Govêrno, mas o Govêrno devia, antes de mais nada, apresentar as suas razões para justificar o seu procedimento.

O Govêrno pode ser o juiz da oportunidade de apresentar as suas explicações à Câmara, mas a Câmara reserva-se também o direito de marcar a sua posição, só o Poder Executivo se negar a dar conta imediatamente dos seus actos.

Por isso, no intuito de provocar as explicações do Sr. Presidente do Ministério, apresentei o negócio urgente, e S. Exa., antes de começar a dar essas explicações, cometeu já uma falta, porquanto o seu dever teria sido dizer duas palavras justificativas antes de apresentar as propostas de lei relativas aos republicanos falecidos, mas as circunstâncias de* terminaram que primeiro o Parlamento apresentasse a homenagem aos vários republicanos falecidos.

Justificado, por essa circunstância, o não dar imediatamente as explicações, o Govêrno cometeu a primeira falta, não fazendo essas declarações, e agora fá-las como um mandão que manda quando quere e quando entende. Rejeita o nego de urgente, para dizer solenemente que êle é que é juiz de dar as suas explicações.

O primeiro dever do Sr. Presidente do Ministério era dar as razões dos seus actos ilegais.

Tenho dito.

O orador não reviu.

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6 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Rodrigo Rodrigues; - Agradeço a V, Exa. e à Câmara a votação permitindo trata em negócio urgente dum assunto que se relaciona com a demissão do governador de Macau, Rodrigo Rodrigues.

Devo dizer a V. Exa. que o assunto não é de interêsse pessoal, nem mesmo de carácter partidário, nem mesmo exclusivamente de interêsse político, mas sim ligando-se ao mais alto interêsse nacional, e muito folgo poder tratar desta questão no Parlamento, que é o mesmo que ser perante o País, questão que se relaciona com a vida comercial e económica da Metrópole.

Desta forma agradeço ao Sr. Ministro das Colónias a única ocasião que tinha para mostrar a minha gratidão. Emfim, o Parlamento, arvorados em tribunal, poderá julgar quem procedeu digna e patriòticamente, e ao mesmo tempo saber qual o critério a seguir neste altíssimo problema, que se refere à política colonial no Estremo Oriente.

Eu tinha anunciado uma interpelação, e ninguém que queira dar a estas palavras a verdadeira significação gramatical, pode ver qualquer discordância com o Sr. Ministro das Colónias.

Desde 16 de Junho que está ausente da colónia de Macau o governador Rodrigo Rodrigues.

Eu vou tratar o problema com a maior elevação, fazendo todo o possível para ser calmo, e dirigindo-me a V. Exa. que representa o mais alto Poder do Estado e tem por cima a figura da República com o sinal popular, o barrete frígio, farei todo o possível para que as minhas palavras sejam calmas e a minha voz suave.

Nem perante o Senado, nem perante esta Câmara me foi dirigida qualquer acusação, o embora não tenha viste o decreto no Diário do Govêrno sei o que se passou entre o Sr. Ministro dos Colónias e o Sr. governador do Macau.

Aqui na representação nacional é que eu tenho que vir responder por qualquer falta, porque julgo isso das boas praxes parlamentares.

Eu podia preguntar ao Sr. Ministro das Colónias por que me acusa, mas não o faço.

E que, Sr. Presidente, perante o País que nos ha-de julgar, aqui estamos face a face, e tenho a certeza de que não representamos, sequer, dois homens, usando cada qual o nome que tem, mas apenas dois princípios i um provocando a discussão em toda a parte, querer do trazê-la aqui ao Parlamento, agitando a lá fora nas assembleas políticas e scientíflcas, e outro usando ditatorialmente, sem explicações de nenhuma ordem, sem uma palavra sequer, sem uma atenção, tratando o governador do uma colónia como creio que S. Exa. não seria capaz de tratar um servo humilde que tivesse em sua casa.

De que se trata então, Sr. Presidente?

A questão tem duas partes perfeitamente distintas; uma é a forma de processos, outra é a sua essência, no que respeita à questão colonial e nacional.

Exponhamos primeiro perante à Câmara aquela, que eu capitulei de forma de processo.

Eu sei, Sr. Presidente - e para o não saber era preciso que eu não tivesse a realidade do ambiente - que todos nós andamos preocupados por mil questões que nos tomam tempo, dê modo que cada um apenas sente as suas mágoas, não havendo aquele espírito colectivo que nos devia fazer integrar a todos nas questões que interessam à Nação. Andamos 4odos perturbados, como a hora que se atravessa.

É por isso que é necessário relatar primeiro os factos, para que todos possam julgá-los em sua consciência.

Sr. Presidente: o governador Rodrigo Rodrigues foi nomeado para a colónia de Macau em 1923. Tomou posso do seu lugar, e sem apreciar as consequências do seu Govêrno, direi apenas que o Paia alguma cousa sabe, porque deixou do ter conhecimento pelos jornais das constantes, perturbações, das desordens, do estado de tensão, perfeitamente guerreiro, que havia entre essa colónia e as províncias do sul da China.

A sua acção foi sujeita a críticas, as quais só podem honrar, quando interpretadas bem intencionadamente, mas o que é facto é que, sentindo-se ilaqueado na sua acção, pediu para vir à Metrópole expor a sua opinião sôbre os assuntos mais importantes para a província que estava governando.

Aqui chegado, durante o curto espaço

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Sessão de 2 de Junho de 1925 7

de 3 a 4 meses, teve a infelicidade de conhecer 3 Ministros na pasta das Colónias.

Mal desembarcara, vindo com a intenção de tratar de problemas de natureza administrativa e colonial, foi chamado pelo então Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Sr. Vitorino Godinho, que lhe impôs - e lamento que S. Exa. não esteja presente para comprovar ou não isto - ir para a Conferência do Ópio, a fim de defender ali os interêsses da colónia de que então ara governador. E impôs-lho, porque tinha sido êle quem em Maio de 1924 tinha mandado para o Ministério das Colónias a informação de que êsse assunto ia ser de uma alta gravidade para o prestígio nacional, e tanto, que os Governos do Oriente estavam mandando os seus homens mais competentes para essa Conferência. Mesmo informando assim o Govêrno da Metrópole, eu recebi como resposta que não era necessário mandar lá ninguém.

E que o nosso costume, Sr. Presidente, é mandar, à última hora, instruções telegráficas ao nosso Ministro em Berne, para nos representar perante a Sociedade das Nações, nos mais diversos assuntos. Tal é a importância que nós ligamos a assuntos acerca dos quais a nossa incompetência é, infelizmente, assinalada lá fora perante essa assemblea, de que fazem parte todas as nações do mundo.

Não podia, portanto, recusar-me a seguir, apesar de procurar, por todas as formas, não ir a Genebra senão como delegado técnico.

Foi, pois, por êste motivo que estive ausente da Metrópole durante 4 meses.

Aqui chegado, encontrei como Ministro das* Colónias o actual titular dessa pasta.

Disse a S. Exa. que vinha à Metrópole para tratar de um problema que considerava da maior gravidade para a nossa nacionalidade, e que mais o tinha podido apreciar, em face das acusações que lá fora nos tinham sido dirigidas; que para êste fim trataria dos casos concretos com S. Exa., e que, ao mesmo tempo, procuraria saber, junto do diretório do Partido a que pertencia, se lhe mereceria ou não confiança para continuar no meu lugar; que por outro lado aproveitaria a ocasião para, a pretexto de uma interpelação a S. Exa. expor o problema

perante a Câmara do Deputados, porque seria esta a forma de se poder marcar uma norma na política colonial portuguesa no Extremo Oriente, visto que os Ministros e os Governadores passam pelos seus lugares com uma grande velocidade, não devendo nós consentir que, por tal maneira, estejam ligados os interêsses nacionais a individualidades que, umas vezes devidamente e outras indevidamente, passam por aquelas cadeiras.

É necessário que de um problema dêstes o Parlamento se aposse e marque a direcção que se deve seguir, e que depois, Ministros, Governadores e funcionários se integrem nessa directriz.

Tal foi o que me determinou a realizar a minha interpelação, e esta não tinha nenhum objectivo pessoal, porque até êste momento o único acto que pratiquei como governador, e S. Exa. como Ministro, foi o de nos termos encontrado quando lhe entreguei o relatório da Conferência do Ópio, e outra vez quando o Sr. Ministro me mandou chamar para me dizer que me devia considerar demitido porque não concordara com diversos pontos de vista meus, dando-me a escolher enforcar-me por mim próprio, ou entregar o porto de Macau a uma companhia presidida por um estrangeiro. Era apenas esta a única alternativa que me era concedida.

Procurei por todas as formas tratar assuntos com S. Exa., mas, como estava sempre muito preocupado, nunca me pôde rereber, e quando eu insisti com S. Exa. para que me dêsse uma resposta concreta, S. Exa. pediu-me que escrevesse os pontos que desejava tratar, e, nesse sentido, entreguei uma nota e continuei esperando, até que surgiu uma campanha contra êsse governador demitido. Essa campanha tinha dois aspectos, um espalhando nas gazetas sem nome as maiores ofensas para a dignidade pessoal do governador, e o outro era feito com mais tato e inteligência, com conhecimento de factos que se diziam fechados a sete chaves no Ministério das Colónias.

Essa campanha começou na Gazeta das Colónias, dizendo que existiam documentos de alta importância para o brio nacional, pelos quais se provava que o governador Rodrigo Rodrigues queria entregar a administração do porto de Ma-

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8 Diário da Câmara dos Deputados

cau a uma companhia internacional presidida por um estrangeiro.

O reflexo desta acusação, apesar dos documentos estarem bem escondidos no Ministério das Colónias, apareceu no Diário de Noticias, pedindo para que a soberania nacional não se perdesse, e dizia-se que tinha surgido uma grave incompatibilidade entre o governador e o Br. Ministro das Colónias.

Ora eu, que sou muito íntimo do governador, não conheço que entre êle e o Ministro existisse qualquer incompatibilidade.

Êsse governador continuou à porta do Ministro, como servo de gleba, esperando que essa porta se abrisse o se lhe lançasse em rosto a tremenda acusação.

Só pelos jornais tive conhecimento de que essa incompatibilidade estava sendo discutida no Directório do partido a que pertenço,

Continuando, no dia 29 do mós passado recebi um bilhete do chefe do gabinete do Sr. Ministro das Colónias, convidando-me a comparecer no Ministério às 21 horas. Chegou, emfim, o desejado momento em que eu ia tratar com S. Exa. alguma cousa digna da colónia do Macau.

A parte principal a que S. Exa. desejava referir-se era acerca do porto de Macau.

Aí a discordância era completo. E S. Exa. o Sr. Ministro já à á muito tempo - vejam V. Exas. como aqui começa a megalomania - tinha manifestado o seu desacordo escrevendo nos jornais. Isto foi há cêrca de ano o meio, e ainda S, Exa. não tinha o encargo do ocupar aquelas cadeiras, e era, portanto, um cidadão como qualquer de nós, ocupando o lugar que naturalmente lhe pertence na função oficial que exerce. Nada mais.

Mas, como eu dizia, nessas negociações que se tratavam relativas ao porto S. Exa. estava em desacordo. E um caso havia de extrema gravidade: era as negociações, o que o governador tinha entabulado com o governo duma colónia. Lá estava a repetição do que eu tinha sabido por intermédio dos jornais. S. Exa. estava em desacordo absoluto com elas, o achava-as tam graves que, declarou-o, tinha tido necessidade de fazer um desmentido por intermédio da legação portuguesa em Londres.

Essas negociações estavam agravadas ainda com uma frase do relatório que o governador Rodrigo Rodrigues, quando delegado do Govêrno Português na Conferência do Ópio, tinha escrito, em que dizia que estava certo de que o Govêrno Português não tomaria qualquer resolução acerca da administração futura do porto de Macau sem ter explicações necessárias cora a sua aliada e vizinha nessas paragens.

Em face disto S. Exa. disse que, não podendo eu continuar a merecer-lhe a confiança, tinha do optar ou por pedir a minha demissão ou pela minha saída, pelo motivo do falta do confiança e conveniência de serviço...

O Sr. Presidente: - Sr. Rodrigo Rodrigues é a hora de se passar à ordem do dia. Reservo a palavra a V. Exa.

O Orador: - Para quando V. Exa. entender.

O orador não reviu.

Foi aprovada a acta sem discussão.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Tendo a Mesa tido conhecimento do falecimento do pai do Sr. Ministro da Justiça e duma irmã do Sr. Tavares de Carvalho, proponho que seja lançado na acta um voto de sentimento.

Foi aprovado.

O Sr. Presidente:-Na sessão de ontem fez-se a votação do artigo 1.° da proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Presidente do Ministério, concedendo uma pensão de 300$ mensais à viúva do João Chagas. Foi aprovado. Requerida a contraprova, verificou se não haver número. Vai proceder-se, pois, à contraprova.

Procedeu-se à contraprova.

O Sr. Presidente: - Estão levantados 2 Srs. Deputados; sentados, 76.

Está aprovada.

Vai ler-se o artigo adicional mandado para a Mesa pelo Sr. Ginestal Machado.

Lido na Mesa foi admitido e aprovado, sem discussão, em prova e contraprova, requerida pelo Sr. Morais Carvalho.

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Sessão de 2 de Junho de 1925 9

Procedeu-se seguidamente à leitura da última redacção da proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Jaime de Sousa (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro a V. Exa. a dispensa da leitura da última redacção dos projectos de lei que concedem as pensões.

Consultada a Câmara, foi aprovado o requerimento.

A proposta de lei e o artigo novo são os seguintes:

N.° 917. - Considerando que o falecido cidadão João Pinheiro Chagas, antigo Ministro de Portugal em França, foi um dos precursores da República o que por ela sempre se sacrificou e arriscou com o mais acrisolado e intemerato patriotismo;

Considerando que pelo seu ideal sofreu prisões o destêrro sem que de forma alguma se quebrantasse a sua fé num futuro de radiante prosperidade para o País que tanto amou;

Considerando que a sua vida de propagandista e de alto funcionário foi um constante e perene exemplo de patriotismo, cheio de ensinamentos do dedicação, representando a mais lídima encarnação da Democracia;

Considerando que à Nação cumpre reconhecer a dedicação dos seus filhos, tributando-lhes a gratidão o agradecimento de que se tornarem merecedores pelos altos serviços prestados:

Em nome do Poder Executivo tenho a honra de apresentar à consideração da Câmara a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É concedida à viúva do cidadão João Pinheiro Chagas uma pensão mensal de 300$, sendo aplicável a esta pensão, para efeitos de melhoria, o disposto no artigo 2.° do decreto n.° 10:250 de 5 de Novembro de 1924.

§ único. Esta pensão será paga a partir da data do falecimento do referido João Pinheiro Chagas.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das sessões da Câmara dos Deputados, 1 de Junho de 1925. - Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Artigo novo

Artigo... Igual pensão é concedida à mãe do capitão do fragata João Fiel Stockler.

Sala das sessões Ide Junho de 1925. - A. Ginestal Machado.

Última redacção

Projecto de lei n.° 916

Que abre um crédito especial do 20.000$ a favor do Ministério do Interior, para as despesas feitas com os funerais do cidadão João Pinheiro Chagas.

Aprovada.

Remeta-se ao Senado.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Sr. Presidente: antes de fazer as declarações a que sou obrigado nos termos do § 3.° do n.° 16.° do artigo 26.° da Constituição, permita-me V. Exa. que eu explique novamente à Câmara as razões da minha atitude de há pouco.

Não ó, Sr. Presidente, que de forma alguma o Govêrno tema ou receie a discussão que no Parlamento se possa fazer da maneira como utilizou as autorizações que lhe foram concedidas, mas tam somente porque, determinando a Constituição Política da República Portuguesa que quando haja uma suspensão de garantias, na primeira sessão o Govêrno dêsse facto venha prestar contas, votando-se o negócio urgente anunciado, poderia ficar no espírito de alguém a impressão de que o Govêrno se tinha esquecido do cumprimento do preceito constitucional.

Outra censura foi feita ao Govêrno: por não ter feito ontem mesmo .essas declarações.

Sr. Presidente: como V. Exa. sabe, e toda a Câmara, é das praxes parlamentares que as declarações do Govêrno sejam feitas ao entrar na ordem do dia.

E ontem, quando se entrou na ordem do dia, V. Exa. - e muito bem - iniciou os trabalhos pela comemoração de vários portugueses falecidos e entre êles o grande cidadão e dedicado republicano João Pinheiro Chagas.

E o nome dêsse homem, os seus serviços, o seu alto valor era tam grande, que pareceu ao Govêrno que agradaria a um Parlamento republicano que, numa sessão

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em que só fazia essa comemoração, nenhum outro assunto só tratasse.

Apoiados.

Eis a razão por que ontem não foram feitas as declarações devidas.

Mas é o que agora venho fazer nos termos do § 3.° do n.° 16,° do artigo 26-° da Constituição Política da Republica Portuguesa.

Efectivamente, depois de encerrado o Parlamento e terminado o prazo da primeira suspensão de garantias, o Govêrno teve necessidade de publicar o decreto n.° 10:770, que prolongou até 30 de Maio o estado de sítio no distrito de Lisboa.

A razão disto foi porque ao lindar O prazo fixado pela lei de 30 de Abril último para a suspensão parcial de garantias constitucionais no distrito de Lisboa, estavam ainda em curso diligências importantes que a polícia encetara para completo descobrimento das causas e dos implicados no último movimento, e, além disso, porque o Govêrno estava informado de que uma nova ofensa à tranquilidade pública e à ordem social só preparava, chegando-lhe simultaneamente também a informação de que se preparavam vários atentados do carácter pessoal.

Efectivamente, na noite de 15 para 16 do mês passado, na ocasião em que findava o prazo da suspensão parcial das garantias constitucionais, um vilíssimo atentado era praticado contra uma das autoridades superiores da polícia, o Sr. tenente-coronel Ferreira do Amaral, que, pelas suas excepcionais qualidades de militar, de cidadão o de republicano, constitui um dos mais seguros penhores da manutenção da ordem pública. Apoiados.

O Govêrno, nessas circunstâncias, ponderada a situação, resolveu submeter à assinatura de S. Exa. e o Sr. Presidente da República o decreto n.° 10:770, que prorrogou até 30 de Maio o estado do sítio no distrito de Lisboa.

Ao abrigo das providências tomadas, efectuaram-se diligências o tomaram-se medidas preventivas que a opinião pública há muito reclamava; e o Govêrno, com essas diligências e medidas conseguiu manter efectivamente em todo o País a mais absoluta tranquilidade.

Está o Govêrno, por isso, cônscio de que cumpriu o seu dever, e, como disse, feitas estas declarações, o Govêrno nada tem a opor a que efectivamente se abra o debate que a Câmara deseja fazer, não só sôbre os motivos que determinaram a continuação da suspensão de garantias, como sôbre o uso que fez das autorizações que lhe foram concedidas, porque não receia nem teme os ataques que porventura lhe possam ser feitas, pois que a sua consciência lhe diz que jamais abusou dessas autorizações e que no seu procedimento foi sempre norteado pela defesa dos interêsses superiores da Pátria o da República.

Tenho dito.

Vozes da esquerda: - Muito bem, muito bem,

O orador não reviu.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: antes de começar a usar da palavra, peço a V. Exa. que faça manter na Câmara o silêncio necessário para eu me fazer ouvir,

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

Peço aos Sr s. Deputados que não estabeleçam grupos de conversação.

O Sr. Tavares de Carvalho: - V. Exa. dá-me licença? listávamos estranhando que não prosseguisse a discussão do negócio urgente apresentado pelo Sr. Rodrigo Rodrigues.

Apoiados da esquerda.

O Sr. Presidente: - V. Exa., Sr. Cunha Leal, dá-me licença?

O Orador: - Pois não!

O Sr. Presidente: - Efectivamente, o Sr. Rodrigo Rodrigues tinha pedido a palavra para interrogar li, Mesa, o por equívoco não lha dei.

Tem a palavra S. Exa.

O Sr. Rodrigo Rodrigues (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente : estava convencido do que tinha sido votado por esta Câmara o negócio urgente apresentado por mim, para ser discutido antes da ordem do dia, mas ter seguimento

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após a votação da proposta de lei referente às pensões,

Pregunto a V. Exa. se assim é, porque, sendo assim, pedia para me ser dada a palavra; mas, se não fôr, submeter-me-hei às deliberações de V. Exa.

O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Sr. Presidente: desejo informar V. Exa. e a Câmara de que há realmente necessidade de prosseguir na discussão do assunto referente a Macau, porque é importante e urgente, e assim eu gostava de que êle se tratasse quanto antes.

O Sr. Presidente: - Eu não estava neste lugar na altura em que foi apresentado o negócio urgente de V. Exa., Sr. Rodrigo Rodrigues, e assim só tive conhecimento das votações da Câmara por informações que me foram fornecidas. Ora as informações que tive foram estas: o Sr. Rodrigo Rodrigues tinha enviado para a Mesa o seu negócio urgente anteriormente ao do Sr. Cunha Leal, mas foi requerido que êste preferisse o primeiro, o que foi rejeitado. Depois o Sr. Presidente do Ministério explicou que tinha rejeitado êsse requerimento, não porque o Govêrno ou a Câmara pretendessem evitar a discussão que o Sr. Cunha Leal queria encetar com o seu negócio urgente, mas só porque o Sr. Presidente do Ministério já tinha tenção de fazer declarações à Câmara que acarretariam certamente a abertura de um debate político.

Nestas condições, entendo que a questão apresentada pelo Sr. Rodrigo Rodrigues não pode deixar de ser discutida senão no período de antes da ordem do dia.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Rodrigo Rodrigues (para explicações): - Sr. Presidente: bastava que o Sr.. Presidente do Ministério mostrasse êsse desejo para eu me curvar à sua vontade.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Sr. Presidente: é para declarar a V. Exa. e à Câmara que quando entrei na sala não sabia nada do que se tinha votado. Estava fazendo-se uma votação do negócio urgente apresentado pelo Sr. Cunha

Leal, e foi por isso que nesse momento tive ocasião de declarar que não votava o negócio urgente, porque julgava que o meu dever era fazer antes as declarações a que me obriga a Constituição.

Também declarei a V. Exa. e á Câmara que não tinha desejo de demorar o debate que se devia aderir sôbre a atitude que o Govêrno tomou no interregno parlamentar, mas que de forma alguma queria prejudicar quaisquer resoluções que a Câmara anteriormente tivesse tomado.

Apoiados.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Cunha Leal.

O Sr. Cunha Leal: - V. Exa. dá-me licença que eu primeiramente esclareça uma dúvida que tenho?

V. Exa. deu-me a palavra para explicações, porque também a pedi nessa conformidade a V. Exa., ou sôbre as declarações do Sr. Presidente do Ministério a respeito do debate político?

O Sr. Presidente: - Sôbre as declarações do Sr. Presidente do Ministério.

O Orador: - Sr. Presidente: quando o Sr. Vitorino Guimarães entra nesta sala com aspecto grave e geminativo, a gente nota que o Sr. Vitorino Guimarães dificilmente se move, porque parece que arrasta atrás de si qualquer cousa invisível.

Eu calculo que aquilo que o torna pesado e que o impede de fazer movimentos é o grande pêso das suas ideas.

O Sr. Vitorino Guimarães quando fala é sempre muito cauteloso nas suas afirmações; e se bem consideramos, isso é devido ao seu aspecto de máximo pensador do Partido Republicano Português.

Não há dúvida nenhuma que quando S. Exa. fala guarda os seus pensamentos; e nestas condições temos de acreditar no mistério do ocultismo do pensamento.

O Sr. Vitorino Guimarães à sombra da autorização que em má hora o Parlamento lhe votou publicou várias medidas e decretos.

Aparece-nos aqui e não diz a razão por que foram publicados êsses decretos,

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se foi por motivo do ordem social o tranquilidade pública que os publicou. Esqueceu-se do nos dar as razões explicativas dêsse procedimento.

Fez a sua costumada fala sem dar a razão justificativa dêsses decretos,

Que razões apresentou? Nenhumas.

Mais uma vez ocultou os seus pensamentos; o a gente tem do respeitá-los, porque estamos acostumados da parte do S, Exa. a essas justificações. Temos então do procurar por qualquer forma adivinhar os pensamentos do Sr. Vitoria-o Guimarães.

O Sr. Vitorino Guimarães teve há dias uma escapadela, permita-se-me o têrmo. Entrevistado por um jornalista, disse ao Diário de Lisboa muito mais do que nos veio dizer aqui.

Podemos considerá-lo como o prefácio da abertura do Parlamento, em que u gente descortina um pouco mais do sou pensamento.

Porque é que S. Exa. normalmente não diz nada, e foi confessar-se ao jornalista? Porquê?

Evidentemente, porque todos nós temos uma fraqueza, o S. Exa. teve a fraqueza do dizer cousas que toda a gente entende, nessa intervista de que vou ler à Câmara alguns trechos, que revelam o pensamento profundo e sempre profundo do Sr. Vitorino Guimarães.

Leu.

Esta é a pregunta do jornalista a que S. Exa. respondeu:

Leu.

Isto é, o Sr. Presidente do Ministério está absolutamente descansado quanto à sua sorte, o eu estou também igualmente descansado quanto à sorte que espera o Sr. Presidente do Ministério.

O Sr. Presidente do Ministério, fica-o sabendo toda a gente, é impossível ter ideas ministeriais, matematicamente impossível é que S. Exa. abandone aquelas cadeiras.

Em primeiro lugar, pelo muito que lho querem os seus colegas; em segundo lugar, porque pode ser difícil a solução que tem de ser combinada doutro do bloco parlamentar.

Já tivemos o Sr. Álvaro de Castro, o Sr. José Domingues dos Santos e o Sr. Vitorino Guimarães. Tivemos também o Sr. Rodrigues Gaspar.

Mas onde é que o Partido Democrático há-de ir buscar mais alguém para chefe do Govêrno?

Onde há-de ir buscá-lo?

Tem de ir fora procurar a presidência do Ministério?

Parece-mo que não.

Podo o Govêrno cometer monstruosidades, pode praticar atropelos contra a liberdade para satisfazer alguns influentes, cometer ataques ao bom senso, pode usar do seu poder ditatorial para procurar ferir a dignidade da Nação.

Que importam os atropelos contra uma Nação ferida e depauperada?

Que importa Portugal, que é tam pouca cousa perante o Sr. Vitorino Guimarães?

Onde está o seu sucessor?

O gato escondido com o rabo do fora que lhe há-de suceder?

Portanto, com esta sua primeira afirmação clara e concreta, estamos todos de acordo, absolutamente de acordo.

Pode S. Exa. 5 esfregar as mãos de contentamento que lhe domino a alma.

Pode S. Exa. esfregar as mãos de contentamento por ter conseguido arrancar a um Parlamento incompetente, o celebro empréstimo rádco, aquele empréstimo que o seu aliado Álvaro da Castro esfrangalhou, reduziu a nada, o que o Sr. Vitorino Guimarães defendeu, pela mesma razão por que agora está condenado a estar naquelas cadeiras por não ter sucessor.

O Sr. Vitorino Guimarães tem também a minha opinião relativamente a ter que ficar amarrada do às cadeiras do Poder; mas não ô peias mesmas razões em que eu filio essa sua situação.

A tremenda cousa que confrange mais do que os erros do Sr. Vitorino Guimarães, é o contentamento que êste ilustre estadista tem de si próprio.

Lembramo-nos de que na discussão da medida financeira proposta em tempo pelo Sr. Vitorino Guimarães na sua qualidade do Ministro das Finanças, que ficou conhecida pelo nome de "empréstimo rácico", dissemos a S. Exa., daqui dêste mesmo lugar, que não queríamos nenhuma das glórias dêsse empréstimo, e que sôbre Cio recairiam todas as responsabilidades de tal medida arrancada a uma maioria cega, que redundaria em desprestígio da Nação.

Era um êrro palmar e os homens pú-

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blicos que cometem erros dessa natureza devem considerar-se liquidados.

Ficou S. Exa. liquidado?

Cada vez está mais vivinho e a saltar. Assim é que nós os queremos!

O contentamento que S. Exa. tem de si próprio faz-me lembrar uma anedota, interessante, que li, há dias, a respeito de dois irmãos que discreteavam.

Um dia disse-lhe um sábio que a terra teria apenas alguns milhões de anos de existência, cinco ou seis.

Não preciso o número porque não me lembra.

Apenas cinco ou seis milhões de anos de existência!?

Responde o sábio: é verdade, apenas isso.

Êle enteio voltando-se para a assistência, exclama muito seriamente: e é para isto que eu e o meu mano temos trabalhado tanto uma vida inteira.

Eu tenho a certeza de que o Sr. Vitorino Guimarães, diria: e é para isto que todos os Vitorinos do País têm andado a trabalhar!

Por esto motivo é que S. Exa. julga que deve ficar no Poder.

O País é que julga de maneira diferente.

Afirmou o Sr. Presidente do Ministério na sua entrevista, que sentia bem o dês agrado manifestado por alguns, e reprimido a custo por outros, mas que pressentia também o aplauso reservado do alguns e prudente de muitos outros.

Como S. Exa. é modesto?

Apenas pressente o aplauso de alguns!

Porque será que êsse aplauso não se faz sentir ruidosamente perante a sua obra?

Será porque o bater dos queixos, o mastigar do bolo orçamental, abafe as vozes dos que o aplaudem,?

Porque serão tam modestos os seus admiradores?

E porque é que o Sr. Vitorino Guimarães não quere palpitar a opinião do País?

S. Exa. procede como se não existisse o País e por isso eu lhe digo: existe o País, Sr. Vitoririo Guimarães!

Uma cousa curiosa que se conclui da entrevista, é que o Sr. Presidente do Ministério quere mudar de posição na política portuguesa.

Nós não lho consentiremos.

Lembramo-nos bem de que todos os jornais noticiaram que em plena reunião do Grupo Parlamentar, o Sr. Vitorino Guimarães teria declarado que só constituiria Govêrno se fôsse seu Ministro das Finanças o Sr. Pestana Júnior.

Muitos dos republicanos que aqui se encontram, lembram-se muito bem de que o Sr. Vitorino Guimarães chegou a afirmar, parca poder competir com essa soberba revelação da República, que é o estadista José Domingues dos Santos que era mais esquerdista do que êle.

Mas S. Exa. quere agora mudar de posição política.

Longe de quaisquer extremismos me encontro - disse S. Exa., e acrescentou:

Leu.

Que ingrato é S. Exa.!

Levado ao Poder por essa manifestação que foi de aplauso à política esquerdista, mas ultrapassando as raias da República, pretende agora pôr-se do nosso lado.

Não o queremos cá.

Ao lado do Sr. José Domingues dos Santos é que S. Exa. está bem.

Disse ainda o Sr. Vitorino Guimarães que ao seu gesto de concórdia arvorando a bandeira da paz, houve quem - no Parlamento - lhe respondesse em tem de guerra, que se pretendeu levar para fora do campo constitucional.

Aqui a ironia é evidente.

Pretende-se atingir o Partido Nacionalista.

O Partido Democrático condena o Partido Nacionalista à posição absolutamente inglória, de espectador dos seus erros e desmandos administrativos.

Condena o Partido Democrático o Partido Nacionalista à posição de não ter nenhuma interferência na vida do Estado.

Houve na própria policia de segurança do Estado legionários, e ninguém ignora que no dia da primeira e celebre manifestação houve alguém altamente colocado que a certa altura apareceu com uma lista de pretendidos polícias que tinham atirado contra os manifestantes, tendo o então oficial de polícia feito a demonstração de que êsses homens eram todos aqueles que pertenciam à brigada de ataque à Legião Vermelha, e que êsses homens estavam desde manhã presos numa esquadra para que não pudessem ser acusados de terem

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cometido os malefícios que lhos oram atribuídos.

Sr. Presidente: um Partido que estava aqui lutando pelas liberdades públicas, contra aqueles que berram tanto contra os ditadores, o que procurava dar ao Puís ainda um. resto de esperança, sofreu do Presidente do Ministério a exigência de passar debaixo do fôrças caudinas para homenagear o potentoso talento.

Mas nós não confiamos nas palavras de paz do Sr. José Domingues dos Santos.

Vieram depois os acontecimentos do 18 de Abril, o eu aprendi a conhecer os homens e os inimigos.

Hoje tenho o legítimo direito de não saber distinguir entre o Sr. Vitorino Guimarães e o Sr. José Domingnes dos Santos e dizer ao Sr. Presidente do Ministério:

"Não fuja às suas responsabilidades, Sr. Vitorino Guimarães. Fique esquerdista e partidário do Bela Kukn, do Gavroche e da Legião Vermelha, pois ainda quási na véspera do atentado contra o Sr. Ferreira do Amaral preguntava onde estavam os malefícios da Legião Vermelha".

Eu, por mim, sinto-me elucidado a respeito do que são as liberdades públicas confiadas a certas mãos.

Eu vi um homem que é juiz - ahi desgraçada justiça! - interpretar "flagrante delito" como um autentico perseguidor para quem os textos da lei fossem cousa nenhuma.

Senti a dura mão do Sr. Vitorino Godinho e do homem que representa no necrotério ministerial o papel de "olho da Providência. Estamos perfeitamente elucidados.

Disso numa entrevista o Sr. Vitorino Guimarães que o 18 de Abril surgiu como o remate lógico de doença há muito incubada. Plenamente de acordo.

O 18 de Abril foi o grito espontâneo, irresistível da Nação, que apesar de tudo quis reagir como protesto contra os que a deprimem; grito porventura irraciocinado, grito de homens que não olham a conveniências.

Eu, por mim, não fui revolucionário do 18 de Abril, nem o sou ainda agora. Mas

não posso deixar de dizer que eu, parcela dum todo que é apropria Nação, e sentindo com ela a dor coletiva, aplaudo os homens do 18 de Abril.

Sr. Presidente: os mortos vão depressa, mas os assassinos até às vezes andam na plena convivência dos vivos honrados.

Os homens que interpretam a resolução de 5 de Outubro como ela foi, como um altivo gesto da Nação querendo procurar melhores dias, hão-de dar à mesma Nação o direito do ver que os revolucionários do 18 de Abril procuravam restabelecer aquilo que nós queríamos em 5 de Outubro, para que a República não seja esta cousa que nos envergonha a todos nós.

Ao acto insurreccional das tropas que em 18 de Abril foram representantes do sentir nacional, indo para a Rotunda, respondeu o Govêrno, como se fora o detentor duma parcela de consciência pública, com a declaração do estado de sítio.

Publicou então o decreto, n.º 10:702, de 18 de Abril de 1925.

Para defender a Constituição o primeiro acto que o Govêrno praticou foi um acto inconstitucional.

Vejamos o que diz êsse decreto:

Leu.

Agora vejamos o que diz a Constituição nos números invocados por ííste decreto:

Leu.

Quando é, portanto, que o Poder Executivo podia lazer de Poder Legislativo e decretar o estado de sítio?

Não estando retinido o Congresso da República.

Ora eu presunto a V. Exa., Sr. Presidente, que demais a mais e um dos guardas da Constituição, se não estava reunido o Congresso da República no dia 18 de Abril!

Estávamos, porventura, em período de interregno parlamentar?

Não. Havia um sábado e um domingo em que não reunia o Congresso, mas isso não quere dizer que estivéssemos nas condições do § 2.° do artigo 26.° da Constituição.

Como o Congresso estava em exercício, só poderia antecipar-se a hora da convocação do mesmo, convocando-o, por exemplo, para domingo.

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O Govêrno não podia usar desta autorização senão no interregno parlamentar, e era assim que o Sr. Presidente da República, interpretava a Constituição em 10 de Dezembro de 1923.

O Sr. Presidente da República dizia então que só por um acto de ditadura êle poderia subscrever um decreto estabelecendo o estado de sítio.

O Parlamento não reuniu e, por isso, não tomou conta dêste abuso constitucional ao Govêrno da presidência do Sr. Vitorino Guimarães.

Mas a certa altura S. Exa., que andava fazendo cousas diabólicas e que como todas as pessoas que são susceptíveis de crítica não quis sujeitar-se a ela, aproveitou o momento excepcional para estrangular a opinião pública, suprimir a tribuna da imprensa desafecta, prender e insultar republicanos e homens de bem como Trindade Coelho, enxovalhado por garotos, intelectual e moralmente muito abaixo dele.

E para que o Parlamento não tomasse conta dos seus actos, o que fez o Govêrno do Sr. Vitorino Guimarães? Arranjou maneira de fechar o Parlamento, já que de todo lhe era impossível manter a prisão do Sr. Cunha Leal. Antes, porém, de o fazer pediu às Câmaras autorizações. Essas autorizações foram-lhe concedidas.

Leu.

O que pretendeu o Parlamento impedir que se dêsse? Naturalmente que o estado de sítio se prolongasse além do dia 15. Mas o Govêrno é que não quis saber disso para nada, e prorrogou o estado de sítio até 30 de Maio. É certo que o Govêrno podia fazê-lo, uma vez que o Parlamento se encontrava fechado, mas, nos termos da Constituição, apenas quando se dêsse qualquer agressão estrangeira, ou no caso de perturbações internas.

Mas onde é que se produziu essa agressão, ou quando é que se deram essas perturbações? O que o Govêrno nos disse é que havia deligências policiais em curso que aconselhavam a prorrogação do prazo estabelecido pelo Parlamento, isto é, que havia o desejo do prender e de vexar mais adversários. E tam grande era êsse desejo, que o Govêrno não hesitou em saltar por cima da Constituição prorrogando o estado de sítio em

termos que todos os seus actos praticados entre 15 e 30 de Maio, não são mais do que verdadeiros abusos de autoridade, pelos quais o Govêrno e muito em especial o Sr. Ministro do Interior teriam de responder se vivêssemos num país em que houvesse justiça.

Ah! Sr. Presidente, como se compreende bem a surpresa daqueles legionários, colegas do Sr. José Domingues dos Santos, e, portanto aliados do Sr. Vitorino Guimarães, que em certa altura, depois de terem servido na polícia, são mandados pela barra fora!

Como se compreende bem que êsses homens são cheios de ódios contra o Govêrno, contra êste Govêrno que os utilizou, não sabendo distinguir o operariado que mata entre o operariado que trabalha.

Fez bem o Govêrno em os mandar barra fora, mas renegou os aliados da véspera e isso não é bonito.

O Sr. Joaquim Ribeiro: - Não apoiado! Muitos parabéns ao Sr. Vitorino Guimarães!

O Orador: - Em 2 de Maio surgiu no Diário do Govêrno o decreto n.° 7:733, que deveria ter sido firmado por algum parente de Torquemada; êsse decreto tende a rebaixar o exército português a situação ao nível de uma associação de malfeitores.

O seu artigo 2.° diz o seguinte:

Leu.

Veja V. Exa. como tudo é vago! Veja V. Exa. como toda a gente pode cair sob a alçada de qualquer Vitorino Guimarães que o queira desgraçar por não ser democrático!

Veja V. Exa. o artigo 3.° como é hediondo!

Leu.

Estabeleceu-se a obrigatoriedade da delação! Mas como? Não se sabe, porque depende do critério individual do chefe e êste à mercê do Govêrno.

Quem julga êstes delitos?

O Govêrno directamente, e é o Conselho do Ministros que julga em segunda instância!

O recurso que em iodas as legislações existe para defesa dos condenados é excluído por uma penada pelo Govêrno.

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Quere V. Exa. ver até que ponto pode ir a interpolação que uma autoridade pode dar a êste decreto ?

Tia pouco ofereceram me um jantar político em casa do meu correligionário Vale Frias, que tem a desgraça de ser funcionário público. Pois o delegado chamou-o e disse-lho: olho que o Cunha, Leal costuma dizer mal do Presidente da República e do Govêrno; veja lá não lhe caia em cima o decreto!

O delegado do Govêrno interpreta essa monstruosidade com o pensamento de quem a ditou, e tam monstruosa ela é que ainda o Govêrno não teve coragem para a aplicar.

À sombra dêsse decreto, publicou-se o afastamento dos oficiais.

Qual foi o critério a que obedeceu esta escolha? Não foi o critério dos mais graduados? Então quem é que denunciou?

Porque é que se encontram esses oficiais incriminados e n fio estão todos os outros que estiveram na Rotunda e não negaram a sua intervenção no movimento?

Porque é que na hipótese de, nos termos do artigo 3.°, ter havido a denúncia, essa denúncia só atingiu 4, 5 ou 6 dos 60 ou 70 oficiais que lá estiveram?

Mas se não foi nenhuma autoridade militar, e eu quero crer para honra da farda que ainda visto e que o Sr. Presidente do Ministério ainda me não tirou, eu quero crer que nenhuma autoridade militar teve a vilezas cometeu a vilania do cumprir o artigo 3.° dêste decreto para o lacto do ir denunciar umas tantas vítimas ao Sr. Presidente do Ministério,

Se isto assim foi, foi então o Govêrno que fez a selecção.

E como é que fez a selecção?

Tirou à sorte? Se não tirou à sorte, obedeceu isso ao critério da vingança individual. Tem algum dêstes homens, porventura, prejudicado ou ofendido qualquer dos homens do Govêrno?

Exerceu-se essa vingança, decretada pelo Ministro sem outra forma de processo?

Mas isto são maneiras de honrar o Poder?

Uma outra pregunta;

Um decreto desde que atinge determinados indivíduos, não pode deixar de lhes ser aplicado; ora se o Govêrno já tem a certeza de que estos homens estão incriminados num processo, o se me vier responder que foi a êsse processo verificar a culpabilidade dôsses homens, digo-lhe: nesse processo descobria também a culpabilidade dos outros. Como foi então que os escolheu?

Hão-de dizer-nos quais oram os membros do Govêrno a quem Ossos homens tinham feito mal; porque é que alguns capitães foram abrangidos e outros não. Hão-de explicar ponto por ponto, aliás a Nação olhará para os senhores e há-de pensar, como pensou no meu caso, que V. Exas. se servem dos lugares que ocupam para se vingarem dos seus adversários políticos ou pessoais.

Apoiados.

Sr. Presidente: o Govêrno não tinha poderes para decretar o que decretou. Não consegue o Govêrno demonstrar que fôsse necessário à ordem social e à tranquilidade pública separar do serviço, por um motivo que pela maneira como foi praticado temos o direito de considerar da mera vingança pessoal, seis ou sete homens, publicando um decreto que envergonha a legislação republicana.

Não, Sr. Presidente, a República deve merecer aos seus Governos mais alguma consideração do que isto.

Êste decreto não veio, pois, garantir a ordem social nem a tranquilidade pública; êste decreto serviu apenas para permitir que alguns homens se vingassem de outros homens, e, se assim foi, a gente verifica como dentro desta República nem todas as revoluções são indesejáveis.

Veja-se a benevolência que há para todos os revolucionários desde que venham da extrema esquerda; atente-se na absolvição ainda ontem proferida nos tribunais militares. Sou das pessoas que se regozijam com a liberdade de todas as pessoas, mas vejam V. Exas. que a êsses que eram revolucionários ninguém pensou em aplicar o decreto. E porquê? Porque eram esquerdistas.

Sr. Presidente: à sombra da lei n.° 1:778 fez-se ainda a publicação do decreto n.° 10:771, que regula a forma de julgamento dos arguidos no movimento revolucionário ocorrido nos dias 18 e 19 do Abril.

O n.° 21.° do artigo 3.° da Constituição diz:

Leu.

Dentro da lei n.° 1:773 não está consignado que o n.° 21.° do artigo 3.° da

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Constituição ficasse suspenso; essa lei suspende apenas os n.ºs 15.°, 16.°, 17.° e 18.° do artigo 3.° Portanto, está de pé a garantia consignada no n.° 21.°, e então pregunto: como é que o Govêrno podia alterar a forma processual?

Eu creio que para os juristas isto é absolutamente horrível, mas a qualquer cidadão que não tenha estudado direito, isto do alterar a forma de processo para um crime cometido anteriormente é qualquer cousa que fere o nosso sentimento jurídico.

Eu ainda admitia que se fizesse êsse ataque à Constituição para num gesto de generosidade dar maiores garantias de defesa aos intessados: mas foi no sentido de dar mais ampla defesa aos interessados que se publicou o decreto n.° 10:771?

Pelo contrário, restringiram-se direitos, restringiu-se o número de testemunhas a apresentar, restrições odiosas que ainda mais fazem ressaltar a inconstitucionalidade do decreto, porque se verifica que ao mesmo tempo que se absolvem os homens das revoluções radicais, julga-se necessário tornar o processo rápido para condenar os revolucionários do 18 de Abril, porque o Sr. Presidente do Ministério odeia profundamente as revoluções conservadoras.

Mas não ficou por aqui o Govêrno da Presidência do Sr. Vitorino Guimarães, pois que em 19 de Maio de 1925 publicou o decreto n.° 10:774, cujos considerandos são os seguintes:

Leu.

Ora o artigo 13.° da lei n.° 1:662, de 4 de Setembro do 1924, dizia:

Leu.

Portanto, a lei n.° 1ÔG2 tinha vida legal e todas as suas disposições vigoraram até 31 de Dezembro do corrente ano.

Apoiados.

Estávamos, pois, a sete meses e meio da sua terminação, e eu pregunto à consciência de V. Exas. se é lógico que se tivesse procedido assim.

Apoiados.

Pois não havia ainda tempo para êste Parlamento se pronunciar sôbre a lei?

Pois não haveria ainda tempo - de 2 a 31 de Dezembro - para o futuro Parlamento. sôbre ela se pronunciar?

A que propósito vem, pois, invocar a tranquilidade e a ordem social?

Só motivos ocultos permitiram a publicação desta lei.

E, foi para acudir aos desgraçados que se publicou êste decreto?

Não.

O Govêrno alargou o prazo e alterou a própria essência das disposições da lei do inquilinato, e, nem sempre o fez no sentido do proteger os humildes de que êle se diz defensor, porque o artigo 8.° tem disposições que só aproveitam aos donos dos prédios.

Foi para prorrogar e modificar a lei do inquilinato que o Govêrno arrancou ao Parlamento as autorizações?

Que solene hipocrisia e que figura fazem assim todos os legisladores!

Deixando passar estas e outras cousas £ como querem V. Exa. a8 que os seus eleitores os olhem sem ser com nojo?

Pensarão, por acaso, V. Exas. que a Nação é uma roça do Partido Democrático?

Mas, o Govêrno não parou por aqui na sua fúria, e, assim, publicou o decreto n.° 10:809, contendo várias disposições acerca do recrutamento dos jurados, publicou uma reforma da polícia, criou lugares e aumentou as despesas públicas, continuando, portanto, a engrandecer o a robustecer o Partido Democrático, porque, quem dá, é pai.

Apoiados.

E, Sr. Presidente, fizeram-se aumentos de despesa numa época em que todos nós andamos a clamar que é preciso comprimi-las.

Mas então, se assim é, o Govêrno anda a brincar connosco e com a Nação.

Sr. Presidente: eu quero terminar, porque estou cansado e porque sinto que estou cansando a Câmara (Não apoiados), mas quero dizer-lhe, mais uma vez, Sr. Presidente do Ministério, que Portugal, que os republicanos prometeram fazer feliz, não pode ser á roça do Partido Democrático.

Apoiados.

Ou o País é realmente qualquer cousa sem consistência ou o País há-de revoltar-se, porque não há escravo que um dia não sinta a sua hora de revolta.

Sr. Presidente do Ministério: ainda há pouco percorri as regiões do norte e por

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toda a parte se queixavam das fúrias "democráticas", das perseguições "democráticas".

O espírito do irritação é tremendo! Exorto-o a que se lembre disto, porque é possível que as ondas de revolta, que os actos do V. Exa. e dos que o antecederam levantam, galguem por cima do todos os políticos, senão galgarem por cima do regime. Dizia isto o grande cidadão João Chagas, a quem V. Exa. ainda hoje prestou homenagem! Di-lo a consciência, de nós todos! Di-lo toda a pessoa que veja dois palmos adiante do nariz! Como terminará isto?... Não sei; mas isto é impossível continuar! Unia Nação não pode permanecer afrontada constantemente por um estado de cousas semelhantes. Isto é demais! Existe uma República assim? Não existo! Existe apenas uma oligarquia condenável. É esta a única verdade que podemos dizer aos nossos filhos? Somos uns escravos do Sr. Vitorino Guimarães e dos vários Vitorinos Guimarães que enxameiam pelo Partido Democrático.

Eu vou terminar, proporcionando ao Sr. Vitorino Guimarães o ensejo do mais um triunfo político o ao Taís a certeza do que o Partido Democrático, logo que se veja arriscado a sair das cadeiras do Poder, se reúne à volta do homem que nêle esteja, seja o Sr. José Domingues dos Santos, o Sr. Vitorino Guimarães ou qualquer outro.

Vou mandar a minha moção para a Mesa, que sorve apenas para dar uma vitória política ao Sr. Vitorino Guimarães, e oxalá que possam gozar essa vitória por muitos anos e bons.

É concebida nestes termos:

Considerando que a lei n.° 1:773, de 30 do Abril último, apenas autorizava o Govêrno a tomar medidas que respeitassem à ordem pública e tranquilidade social;

Considerando que o Govêrno, invocando essa autorização publicou decretos que nada têm que ver com a ordem pública e tranquilidade social, absolutamente inconstitucionais, nomeadamente os decretos n.°s 10:734, 10:761, 10:767, 10:774, 10:790 e 10:809:

A Câmara dos Deputados convida o Govêrno a revogar êstes decretos o passa à ordem do dia. - Cunha, Leal.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O orador não reviu.

Lida na Mesa foi admitida.

O Br. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Sr. Presidente: tratando-se dum debate político e tendo sido enviada para a Mesa uma moção, reservo-me para responder desenvolvidamente ao ilustre Deputado no fim do debate. Mas algumas afirmações há que eu desejo desde êste momento levantar, dando à Câmara o ao País as necessárias explicações.

Assim, Sr. Presidente, eu quero levantar a acusação feita de que o Govêrno ficou silencioso sôbre o uso que tinha feito das autorizações, Ora eu não tinha pedido n palavra para expor à Câmara qual o uso que fiz das autorizações. Desde que na minha consciência e na do todos os homens do Govêrno, segundo o nosso critério, não tínhamos exorbitado, não tínhamos que vir dar contas. A Câmara é que tem o direito do nos preguntar o uso que dessas autorizações fizemos.

Pedi a palavra, pois, não para dizer qual a utilização que fiz do decreta, que as concedeu ao Govêrno, mas tam somente para, segundo um preceito constitucional, explicar a razão pôr que o Govêrno tinha suspendido as garantias novamente até 30 do Maio findo.

Sr. Presidente: a várias considerações do discurso do Sr. Cunha Leal, de carácter propriamente político, reservo-mo para responder em ocasião oportuna; mas não quero que fique no espírito da Câmara dúvidas de qualquer acto do Govêrno como aquele que se refere à separação do oficiais. Não quero que só julgue que houve má vontade ou perseguição, de que não são capazes os homens que se sentam nestas cadeiras.

Houve um critério para essa separação, e foi determinado por terem sido dois oficiais que foram ao quartel general fazer uma intimação ao Chefe do Estado, oficiais sôbre os quais não podia haver dúvidas e por isso se aplicou a lei.

Quanto ao caso de serem uns capitães suspensos e outros não, deve-se isso ao

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facto de não terem acompanhado o regimento, que nem mesmo teria saído se lá estivessem.

Quanto ao decreto que estabelece a separação, já estava na legislação por ocasião do movimento monárquico em 1919, que tem disposições muito mais severas.

Outro ponto a que S. Exa. se referiu, e que eu quero levantar, foi o que se refere ao procedimento contra os oficiais de 18 de Abril, que classifica de desigualdade com relação a outros movimentos; mas eu devo dizer que êsses outros como o do quartel general não tiveram as consequências, nem a gravidade do movimento do 18 de Abril.

Já V. Exas. vêem que se o Govêrno quisesse exercer uma obra de perseguição ou má vontade, teria na legislação ensejo para aplicar a êsses oficiais idênticas penalidades.

Por agora, e como explicação também, quero levantar um acusação sôbre os intuitos de perseguição e má vontade ou de violências, ou mesmo de infracção aos preceitos legais, e justificar um decreto em que se estabelece um novo sistema de processo.

Não me parece que, no caso presente, haja atentado contra a disposição constitucional, que diz que ninguém pode ser condenado senão por lei já existente na ocasião do delito.

Demais teria o exemplo dêste Parlamento, que para o julgamento dos acusados do movimento de 19 de Outubro, por iniciativa desta Câmara, votou uma lei criando um tribunal especial.

Apoiados.

Reconheceu que, efectivamente, na forma de estabelecer novo processo êste jamais foi feito; assim, não foi considerado um ataque ao preceito da Constituição já referida.

Eram estas as afirmações que queria levantar.

Quanto às considerações de carácter político, e não representa isto a menor desconsideração para com os ilustres oradores que dele trataram, visto que foi apresentada uma moção de carácter essencialmente político, terei ocasião de na ocasião oportuna fazer as declarações que sinto necessidade de fazer.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: tem durante êstes anos em que há- República havido Governos inferiores, que só procuram pisar e apoucar o País e os direitos de toda a gente, mas nunca houve até hoje Govêrno nenhum que como o Govêrno do Sr. Vitorino Guimarães e do Sr. Vitorino Godinho, ou melhor poderá dizer-se do Sr. Vitorino Godinho, porque o Sr. Vitorino Guimarães não é mais que um tutelado do Sr. Vitorino Godinho, tenha cometido tanta violência e ao mesmo tempo tenha publicado uma tam longa série de decretos e regulamentos caracterizados pela mais absoluta inconstitucionalidade, revelando uma incompetência completa, e sendo todos desastrosos para o País.

Aquela Govêrno que ali está, e tantos Governos tem tido a República, e tam maus, se não é composto de republicanos históricos, é já um Govêrno histórico, porque vai para a história aquele Govêrno.

Melhor seria que fôsse para a rua, em breve há-de ir para lá.

Vai para a história o Sr. Vitorino Guimarães e vai iluminado por uma quantidade do fósforos, que hão de mostrar bem a incompetência do Sr. Vitorino Guimarães, contra a qual nos não podemos revoltar, porque ela é rácica, já celebrada no empréstimo rácico, que tam caro custou ao País.

Sr. Presidente: em nome da ordem, em nome da Constituição, levantaram-se irados nesta Câmara muitos Deputados e muitos Ministros, depois do movimento de 18 de Abril, e já o meu ilustre amigo Sr. Cancela de Abreu, num discurso proferido nesta casa do Parlamento, fez notar que aqueles que mais se levantaram e indignaram, em nome da ordem e da Constituição, não passavam de revolucionários de carreira e ditadores encapotados.

Sr. Presidente: aí estão os factos a demonstrar que o actual Govêrno também assim é constituído. Mas aos homens da ordem, aos homens que clamam contra os movimentos revolucionários, ainda ontem ouvimos dizer nesta casa do Parlamento, num momento em que não era licito fazer interrupções, som faltar à piedade que se deve aos mortos, cousas extraordinárias.

Ainda ontem o Sr. Sá Cardoso, como símbolo de todos os homens de ordem da

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República, demonstrou à Câmara que não fez outra cousa, desde que sentou praga, senão fazer e tomar parte em revoluções, creio que ha trinta anos a esta parte.

Sr. Presidente: são assim os homens de ordem da República, e o que é mais curioso é que quando há um movimento contra os Governos de que êles fazem parte, vêm logo chamar desordeiros, gritando que é indispensável uma forte repressão contra êles. Apresentam só como vítimas quando estão na oposição, mas quando se apanham outra vez em cima, já não são vítimas, mas revolucionários que alegam serviços para receberem recompensas, que bem caras tem custado ao País.

É a autoridade moral que tem para falar os homens que fazem revoluções o que depois só apresentam como homens de ordem! Simplesmente, Sr. Presidente, há uma cousa que êles fizeram, o que os revoltosos de 18 do Abril não levaram a efeito, paru honra sua o para honra da farda que vestem: os homens de ordem que nós ouvimos falar nesta Câmara, para criticar os revoltosos do 18 de Abril, tem entrado em revoluções com civis, indo incitar os inferiores, militares, a faltar ao respeito e à disciplina que devem aos BOUS superiores, originando, consequentemente, a desorganização do exército.

O Sr. Joaquim Ribeiro (em àparte): - Isso não é verdade.

O Orador: - Estos homens que falam em nome da ordem...

O Sr. Joaquim Ribeiro (em àparte): - É mentira.

O Orador: - ... fazem isto, e os homens do 18 de Abril não quiseram admitir civis.

Sr. Presidente: eu quero pôr em confronto os revoltosos de 18 de Abril e o que nesta Câmara tem sido dito.

Eu pregunto a V. Exa. se é monos grave que qualquer oficial - e nisto não vai para nenhum a mais pequena alusão desprimorosa - se junte a elementos civis para ir assaltar o Castelo de S. Jorge ou o Ministério da Guerra, ou se porventura o procedimento dos oficiais de 18 de Abril, juntando-se com outros oficiais, é mais grave.

Eu tenho muito orgulho em reconhecer que nesse movimento se encontram oficiais que à República e ao País têm prestado relevantes serviços'.

E, Sr. Presidente, pregunto que autoridade há para considerar êsses homens como pessoas a quem se devo aplicar uma legislação inconstitucional, atrabiliária, violenta, inadmissível, como aquela que o actual Govêrno de desordem, o actual Govêrno provocador, o actual Govêrno que atenta contra a Constituição e contra a ordem, obedecendo só aos elementos da desordem contra os da ordem, lançou para as colunas do Diário do Govêrno.

Nos dois decretos publicados, um referente a oficiais briosíssimos do nosso exército, outro referente a crimes do ordem social, para vergonha do Govêrno, e do Pais, que deixa sentar naquelas cadeiras um Govêrno que assim procede, cria-se mais legislação do excepção para os oficiais honrados do exercito do que para os homens que lançam bombas o que atontam contra os fundamentos da sociedade.

Sr. Presidente: neste interregno parlamentar, cujas consequências nós logo previmos, quais seriam, porque conhecemos os precedentes da Republica e os homens que se sentam naquelas cadeiras, nós podemos verificar que há dois Diários do Govêrno neste País: em é o próprio, o outro é o jornal O Mundo. Realmente, neste jornal anunciavam-se com antecedência os decretos que se iam publicar, ou melhor, neste jornal impunha-se ao Govêrno o que havia de fazer, porque se não fizesse assim mal ia para a sua sorte, e o certo é que dois ou três dias passados, embora o Sr. Vitorino Guimarães às vezes parecesse - pelo menos deduzia-se isso da leitura dos jornais - esboçar um gosto de reacção, a verdade é que apareciam os decretos respectivos no jornal oficial. E que contraste entre as blandícias e os carinhos com que se tratavam e se tratam nesse jornal os membros da Legião Vermelha e a maneira como nele se tratavam e se tratam oficiais briosos do nosso exército, alguns dos quais já vítimas dos bandidos da Legião Vermelha!

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Deu-se ainda há pouco um atentado vilíssimo, contra o qual quero levantar, em nome dêste lado da Câmara, o meu mais indignado protesto, de que foi vitima êsse oficial do exército, nosso adversário político, mas português, que à Pátria tem prestado relevantes serviços, bem como à causa da ordem, o Sr. tonente-coronel Ferreira do Amaral, cuja acção em França é o que V. Exas. sabem.

Pois no jornal que manda no Govêrno, no Diário do Govêrno n.° 1, no dia seguinte a êsse atentado deplorava-se apenas que se tivesse feito aquilo, mas deplorava se em termos frouxos, e ao mesmo tempo oficiais dos mais distintos do exército são tratados nele como se fossem uns criminosos.

Êste, é o Diário do Govêrno a que obedece êsse Govêrno que ali se senta.

Mas, Sr. Presidente, o homem da ordem cujo amor à Constituição e à ordem se revela tam fortemente, êsse homem que se senta na cadeira do Ministro do Interior, o Sr. Vitorino Godinho, o homem de censura aos jornais, das perseguições aos adversários, êsse homem que se serve de seu lugar para afogar tudos todos, êsse homem, querendo cobrir-se com a suspensão do garantias, êsse homem funesto, nunca mandou apreender o jornal O Mundo nem aqueles que assim falavam, ao passo que os jornais conservadores eram apreendidos quando discutiam os seus actos ou quando não publicavam as seus notas oficiais que algumas delas estavam abrangidas pelo decreto acerca das inconfidências de funcionários públicos.

O Ministro do Interior não hesitou em mandar para os jornais um documento que era uma poça reservada, um processo que devia ser secreto, e os jornais que não queriam, estar às ordens do Sr. Vitorino Godinho eram apreendidos.

Sr. Presidente: o Sr. Presidente do Ministério começou por declarar à Câmara que ia cumprir o preceito determinado na Constituição no n.° 16.° do artigo 26.° para justificar assim a publicação do decreto n.° 10:770 que prolonga por mais quinze dias a suspensão das garantias.

Leu.

E depois o artigo 3.° diz:

Leu.

Quere dizer, portanto, que ao Sr. Presidente do Ministério, ao Govêrno, não era concedido, por uma resolução expressa do Parlamento, prolongar o estado de sítio por mais de 15 dias.

E que vemos nós?

Vimos o Sr. Presidente do Ministério publicar o decreto n.° 10:770, em que, servindo-se precisamente das mesmos palavras que estavam no decreto anterior, declarava o estado de sítio por mais 15 dias.

Mas, Sr. Presidente, quem deixa ficar o Sr. Presidente do Ministério e o Govêrno na mais deplorável, das situações, quem o condena é o general da 1.ª divisão, Sr. Adriano de Sá, quando entrevistado pelo jornal A tarde no dia seguinte à publicação dêste decreto.

Preguntou o jornalista: pode V. Exa. explicar-nos as razões por que foi prorrogado o estado de sítio?

S. Exa. respondeu: não posso, não sei quais elas sejam.

Mas então havia ameaças de qualquer alteração de ordem pública?

Não, não havia, porque a ordem pública corria por ruim e eu sei que não havia essa ameaça.

Mas então, se não havia ameaças de alteração de ordem pública nem ameaças do invasão estrangeira, e são êsses os dois únicos casos em que a Constituição permite que se decrete o estado de sítio, se não havia essas ameaças, repito, o Sr. Presidente do Ministério não fez mais do que querer continuar a sua obra verdadeiramente revolucionária, porque revolucionários são Cies, os Governos, demonstrando assim que aqueles que se revoltam contra êles têm muitíssimas vezes fundamentadas razões.

Sr. Presidente: que autoridade podem ter para se indignarem contra a revolta de um País, homens que, quando êsse País devia ter o direito, e tem o direito, de se pronunciar, por exemplo, no acto eleitoral, se servem dou amigos da desordem para impedir que o País use dos seus direitos?

Qual é, portanto, o direito de que usa, esto Govêrno?

É o direito da fôrça, é o direito revolucionário, e contra o direito da fôrça, contra o direito revolucionário tem uma Nação não só o direito mas o dever de

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se revoltar em nome da ordem, chamando os desordeiros que constituem o chamado Govêrno à ordem de que não se devia ter afastado.

Quando ao Parlamento vêm representações, as mais fundamentadas, reclamando o contribuinte contra as verdadeiras espoliações do que é vítima, o Parlamento não faz caso.

Por mais que nós aqui clamemos, os Srs. Deputados não fazem caso, votam sem querer saber o que votam, não se importando de que o contribuinte seja expoliado; votam as maiores monstruosidades, demonstrando a cada instante ao País o profundo deprêzo que sentem por êle e pela sua vontade e direitos.

Quem assim procedo é que provoca revoltas; quem assim procede é que é desordeiro.

Esquecendo o n,° 21.° do artigo 3.° da Constituição, que diz que ninguém pode ser sentenciado senão pela autoridade competente o por virtude de lei anterior, o Govêrno publicou vários decretos, entre os quais o n.° 10:76l, regulando a forma de julgamento dos arguidos do movimento revolucionário de 18 de Abril

Em primeiro lugar, Sr. Presidente, não compreendo como se estabelecem formas de processo diferentes para pessoas implicadas em crimes perfeitamente iguais, como sejam o do quartel de infantaria n.° 16, o do Ministério da Guerra e o movimento de 18 de Abril.

Já o ilustre Deputado Sr. Cunha Leal leu o decreto n.° 10:761, e o que é que nós vemos nele?

Vemos que o Poder Executivo chamou a si funções que devem pertencer exclusivamente ao Poder Judicial; vemos que o Poder Executivo cortou, de facto, o recurso a todos os funcionários que o quisessem apresentar, dizendo que só o próprio- Conselho de Ministros tem autoridade para julgar dêsses recursos.

Isto é uma inconstitucionalidade, uma violência, um instrumento de perseguição.

Mas, ao passo que assim procede com relação a oficiais do exército dos mais distintos e briosos, o Govêrno publicou em 19 de Maio o decreto n.° 10:773, que diz:

Leu.

Ao passo que para oficiais do exército, para portugueses cheios de serviços ao País, se decreta por forma a não dar lugar a que haja recurso senão para o próprio Conselho do Ministros, para os bombistas, para os homens que cometem atentados já se considera uma violência extraordinária fazê-los julgar em comarca diversa daquela em que foi cometido o crime!

Que miséria a de um Govêrno que assim procede!

Que provocação espantosa o Govêrno faz ao exército português, considerando os seus oficiais como criminosos piores do que os homens das bombas, do que os membros da Legião Vermelha!

Tenho ouvido dizer que a legislação dos que têm defendido o actual Govêrno é a legislação dos que estão ao lado dos explorados contra os exploradores.

Esta legislação, porém, não é a dos que estão ao lado dos explorados contra os exploradores, mas a dos que estão ao lado dos assassinos contra os assassinados.

Neste momento, em que a situação da ordem pública no País é o que todos sabemos, o Govêrno, em voz de procurar unir todos os elementos de ordem numa obra de pacificação, coloca-se ao lado dos elementos de desordem.

E assim o actual Govêrno é o mais pernicioso dos que se têm sentado nas cadeiras do Poder, devido à fraqueza do Sr. Vitorino Guimarães, que se deixa ir para onde o querem levar, colocando-se ao lado dos desordeiros contra os conservadores e os homens de ordem.

Em nome de uma autorização destinada apenas à manutenção da ordem pública, o Govêrno permitiu-se publicar até um decreto abrindo um crédito para o conserto de estradas, crédito de 4:600 contos.

Procurei encontrar uma justificação para isso e creio que a achei,

É naturalmente para evitar que os transeuntes apanhem as pedras soltas que estão nas estradas, e comecem a servir-se delas para fazerem uma revolução de sala, uma revolução benévola em relação às revoluções de bombas em que têm entrado tantos dos actuais políticos do regime, que se dizem homens de ordem.

Até o Sr. Ministro da Justiça julgou que à sombra da autorização devia publi-

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car um decreto com 158 artigos e muitas mais nomeações para lugares novos que se criaram nas Tutorias.

Eu cheguei a convencer-me de que o Sr. Vitorino Guimarães, visto que tem tantos tutores, resolveu também recolher a uma Tutoria de Infância.

O que é certo, porém, é que foi publicado um decreto absolutamente ditatorial, criando bastantes lugares, como também se criaram lugares novos com a reforma da policia, tendo-se até pensado na criação de uma nova comarca, tudo à sombra desta autorização.

Sr. Presidente: eu creio ter dito mais do que o suficiente para justificar o nosso voto à moção enviada para a Mesa pelo Sr. Cunha Leal.

No emtanto, achamos ainda incompleta essa moção e possivelmente, no decorrer da discussão, teremos de apresentar uma outra moção que complete a do Sr. Cunha Leal.

Disse o Sr. Cunha Leal que talvez o Sr. Vitorino Guimarães se conserve nas cadeiras do Poder.

Eu serei, porventura, muito ingénuo, mas não acredito que o actual Govêrno se mantenha depois de tantas provas de incompetência administrativa que tem dado e depois das provocações que tem feito ao País e ao próprio exército português.

Tenho pena de que o Sr. Ministro da Guerra não esteja presente, para mais uma vez me ouvir dizer que lamento que S. Exa. se houvesse esquecido da sua qualidade de oficial do exército para se colocar, como político, às ordens dos desordeiros contra o exército de que faz parte.

Não sei se a Câmara dos Deputados achará bem que tudo continue como está. Naturalmente acha. Mas. então, eu só lembrarei à mesma Câmara dos Deputados que é ela quem, dia a dia, provoca o País, tornando assim justificável qualquer acção de revolta por parte dêle.

Faça a Câmara o que entender!

Se, politicamente, olhássemos - nós minoria monárquica - apenas ao interêsse que há para a causa que temos a honra de defender, de existirem na República Governos como o actual, eu diria agora ao Sr. Presidente do Ministério:

Fique aí!

Mas não. Acima de tudo pomos o País e sentimos que, para bem dele, necessário se torna que o Govêrno abandone as cadeiras do Poder. Saia e leve bem a certeza de que bateu o record da incompetência, da perseguição e da violência.

Infelizmente, porém, não podemos ter esperanças de que venha outro Govêrno melhor. Será mais uma experiência que já vem de há 15 anos para cá, e que só tem provado aos republicanos bem intencionados que na República não pode haver outra cousa senão o que está aí.

O orador aponta a bancada ministerial.

Só pode haver Governos de desordem contra a ordem.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. João Camoesas: - Sr. Presidente: sou talvez das poucas pessoas que dentro desta sala podem neste instante político falar com calma. As contingências eleitorais nenhuma influência exercem no meu espírito, visto que me encontro decididamente disposto a não consentir na apresentação da minha candidatura a Deputado nas próximas eleições.

Nestas condições, o factor eleitoral, que apaixona tanto os debates parlamentares em períodos como o que actualmente decorre, não tem, repito, nenhuma espécie de influência no meu espírito.

Resolvi-me a intervir neste debate, o que aliás tencionava fazer em outra altura, quando o Sr. Cunha Leal mais uma vez pretendeu, cora a injustiça de sempre, considerar o Partido Republicano Português como único responsável da incapacidade orgânica das outras fôrças políticas da República.

Sr. Presidente: há muitos anos que em Portugal os partidos que pretendem organizar-se e desenvolver-se, em vez de trabalharem no País para aumentar as correntes de opinião que os apoiam, em vez de multiplicarem a sua actividade no sentido de enriquecerem de homens os seus organismos, procuram dissolver a maior fôrça política da República, tentando, pela redução dessa mesma fôrça, criar o que não logram obter pelos processos que são normais em toda a parte do mundo.

E chega-se mesmo, Sr. Presidente, ao desvario de pretender que um organismo, que possui a sua vitalidade própria faça

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um acto voluntário do renúncia, e que empreste a sua fôrça para outros constituírem uma fôrça artificial o os elementos do domínio o de poder que não são capazes de criar pelos processos legais, repito, através do Taís inteiro.

Há pessoas q no, não obstante a sua inteligência, só deixam dominar por êste critério simplista do obter a criação do um forte agregado político pela ocupação das cadeiras do Poder. E não vêem essas pessoas, quando censuram o Partido Republicano Português do engrandecimento próprio, que, nesse mesmo momento em que põem o problema nestes termos se confessam na atitude política de servir clientelas à custa dos favores do Pudor, para arranjai em aquela fôrça que são incapazes de realizar pela propaganda das suas doutrinas?

Apoiados.

Corno republicano, Sr. Presidente, não me canso de verberar êste processo, que, por ser inferior, apenas uma única cousa possui: o ódio.

As palavras que só dizem nesta casa do Parlamento o as palavras que se proferem por êsse País fora, em rápidos momentos de propaganda, não visam a estimular as energias ou a levantar os corações, mas, pelo contrário, a tornar mais fortes os apetites e mais vivas as disputas, em termos inferiores.

Para o Sr. Cunha Leal só existem funcionários rio Partido Republicano Português e só existem como um fenómeno de utilidade prática e mandibular.

Os próprios factos e as próprias palavras de S. Exa. manifestam a injustiça destas afirmações.

Há no Partido Republicado Português, e até nas primeiras das pessoas que têm vindo desde sempre pondo ao serviço da Pátria, com prejuízo dos seus interêsses, da sua saúde, da sua tranquilidade, e até da sua própria vida, toda a sua actividade.

Apoiados.

Porque não havemos nós de fazer uns aos outros a justiça que merecemos?

Apoiados.

Porque havemos do estar aqui constantemente, na ânsia de bem defender a República - acredito-o sinceramente- a levantar questões que só servem para nos dividir e perturbar?

Há pouco, quando o Deputado a que me referi fazia alusão aos homens da Legião Vermelha, em palavras que perfilho o secundo, e, condenava os actos de criminosa alucinação que praticaram, logo a seguir se confessava numa atitude de aplauso, para nós todos e para o País inteiro ao procedimento, não menos condenável, daqueles que se serviram das armas e munições - que a Nação paga para se defender - para a perturbação da ordem, deixando atrás do si rastos do cadáveres. Porém, Sr. Presidente, ossos homens não são menos merecedores de crítica e do condenação do que os outros.

Apoiados.

Disse eu então: os mortos passam depressa e, sobretudo muito depressa para a memória dos mortos dêsses desvarios revolucionários dos pretensos salvadores de Portugal.

Sr. Presidente: eu nunca defendi, nem defendo os atentados praticados pelos rapazes da chamada Legião Vermelha, embora encontre na sua louca irreflexão certos motivos justificativos. Gente, geralmente que se criou ao abandono nas ruas da cidade, sem pilo, sem lar, sem conforto, que admira que Gles não saibam ter sentimentos de generosa fraternidade e apenas alimentem o ódio contra tudo e contra todos?

Apoiados.

Repito: ou não defendo os atentados. Eu já tive ocasião de afirmar numa assemblea republicana, em que alguém erguera um alva ao homem que havia asassinado o chefe do Estado, que os assassinos, fossem quais fossem os motivos por que o tivessem sido, não oram meus correligionários.

Simplesmente eu não posso deixar de atribuir a maior responsabilidade dêsses alentados o dêsses crimes a uma sociedade que deixa a sua infância rebolar-se pelo lixo como os vermes, inteiramente desacompanhados, quer intelectualmente, quer moralmente.

O Sr. Agatão Lança: - V. Exa. esquece-se de que alguns legionários calçavam meias de seda.

O Orador: - Nós não conhecemos e passado dessas câmaras e, por isso, essa circunstância nada significa.

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Repito, Sr. Presidente, não justifico nem explico os crimes da Legião Vermelha. Mas, encontro lhes uma causa que ninguém pode negar, ao passo que os crimes dos outros, gente culta, gente com cursos superiores às vezes, gente que não ignora a trovoada de apetites que anda à roda de Portugal e das suas colónias por êsse mundo inteiro, gente que não pode ignorar que a intranquilidade da sociedade em que vivemos é o argumento de todos os inimigos disfarçados que temos pela Europa, dispostos a partilharem entre si os restos do nosso País (Muitos apoiados) nada há que os justifique.

Êstes sim! Êstes não têm cousa alguma para justificar os seus actos de homicídio desvairado, senão por ambição desmedida, por interêsses inconfessáveis, senão todos, que eu pelo Sr. Filomeno da Câmara tenho muita consideração.

O Sr. Agatão Lança (em àparte): - Não diga isso que lhe chamam falasse amanhã. Acusam-no de estar envolvido com os revolucionários de 18 de Abril.

O Orador: - Eu tenho de afirmar nitidamente a minha atitude aqui. Não sou homem para meias palavras nem para situações indecisas. E assim, devo dizer a V. Exa. que perante os cadáveres da Legião Vermelha, perante os mortos que o 18 de Abril deixou atrás de si, o meu coração sente a mesma inquietação de revolta, pulsa na mesma indignação contra a alucinação dos homens que não sabem respeitar a única cousa que, ao menos, deve estar sempre presente na consciência dos homens: o respeito pela vida alheia.

Muitos apoiados.

Tudo isto precisa ser recordado para que cada um assuma nítidas as responsabilidades que lhe cabem. Os que andam, tantas vezes a cobrir-se com as palavras "ordem", "justiça", "legalidade", são nesta terra quási sempre os maiores responsáveis pela ilegalidade, pela injustiça e pela desordem!

Apoiados.

Republicano que não abdica dos seus princípios, eu creio que não há situação nenhuma que obrigue um homem de bem a arrepiar caminho, a desviar-se deles.

Sou contra os homicídios, sejam êles praticados por grupos secretos, sejam praticados por oficiais conjurados; mas não compreendo que o Govêrno e o Estado, para reprimirem qualquer atentado, tenham de despedaçar os princípios sôbre que assenta a própria vida normal do País. Se as instituições mostram incapacidade julgadora, substituem-se, mas para fazer essa substituição não se começa pela punição às cegas, para não suceder que entre os criminosos atingidos vão também inocentes, cuja vida fica espedaçada para sempre, cujos interêsses e cuja família sejam prejudicados cruelmente. E não há homem nenhum que não sinta indignação ao ver um quadro desta natureza.

Eu sei, Sr. Presidente, que ao dizer estas palavras de condenação assumo uma grave responsabilidade e arredo uma corrente de simpatia de todos aqueles que julgam que o Estado tem o direito de se esquecer que é representante de uma sociedade policiada, mas não me importa nada, porque acima de tudo, acima da popularidade estão os princípios por que um republicano se bate.

Lembro-me ainda das horas de angustia que eu e os meus companheiros passámos quando, depois da "Leva da Morte", fomos mandados aprontar ràpidamente para sairmos do cárcere para ir para lugar ignorado.

Nesses momentos tivemos a impressão de que nos despedíamos da vida para a morte e é por isso que eu não posso deixar do condenar essas deportações sem julgamento.

Se os juizes e o júri não têm coragem para julgar, modifique-se a Legislação, encare-se o problema de frente; mas deportar sem julgamento e praticar essa violência um Govêrno saído das fileiras daquele partido que fez a propaganda contra a lei de 13 de Fevereiro e se levantou contra o decreto de 31 de Janeiro, isso não se fará sem o meu protesto violento, porque não me esqueço das palavras abrasadas que ao povo disse quando a República ainda não era o regime.

Sr. Presidente: tenho dito o bastante para nos compreendermos, e quero resumir as considerações que acabei de apresentar.

Aqueles homens daquele lado da Câ-

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26 Diário da Câmara dos Deputados

mara que hoje vêm aqui combater a Legião Vermelha, direi, sem incorrecção, que têm responsabilidades, porque pretendem ser conservadores.

Não podem consentir que um homem ande a agitar ideas do norte ao sul do País.

Apontemos o êrro para corrigi-lo; mas não há o direito de ter o nome de republicano quem se esquece do prestígio que se deve à República, pregando a ordena a liberdade.

Não podem fazê-lo.

Fazendo o, atraiçoam a República.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O, Sr. Afonso de Melo: - Sr. Presidente: era meu intuito usar da palavra pelo menos nesta altura do debate.

Supunha eu que um debate político travado nas condições em que êste o foi, teria logo de entrada a inscrição de oradores suficiente para que todas as nuances políticas dos diferem es lados da Cornara pudessem emitir opiniões sôbre os graves factos passados durante a suspensão de garantias constitucionais; e, se me apressei a pedir a palavra, foi porque receei que o debate ficasse encerrado, e se perdesse assim uma ocasião de esta Câmara fazer as afirmações que as circunstâncias exigem se façam em nome dos princípios constitucionais, mais ainda, em face do espírito republicano que a deve animar.

Infelizmente o Govêrno não sabe manter êste espírito.

O ilustre Deputado do Partido Republicano Português, que é alguém nesse Partido pelo valor e espontaneidade da sua palavra, e pelo lugar de destaque que ocupou na governação pública o Sr. João Camoesas, ao ouvi-lo julguei erguesse a sua voz e a colocasse nitidamente perante os seus correligionários que hoje ocupam as cadeiras do Poder, mostrando uma atitude de respeito pelos bons princípios que seria próprio e digno de um Deputado de boa tradição democrática.

Sr. Presidente: a obra do Govêrno, neste período de interregno parlamentar, caracterizou-se por dois aspectos essenciais: a inutilidade e o desrespeito pela Constituição.

Não é nesta hora adiantada da sessão, quando apenas faltam creio que dois minutos para que seja ordenado o seu. encerramento, que eu posso entrar na demonstração do assunto que acabo de fazer.

Todavia, não quero deixar passar êstes breves dois minutos, sem fazer, desde já, uma afirmação puramente pessoal que pode, até certo ponto, marcar ou definir a minha atitude adentro dêste debate.

Sr. Presidente: não sou daqueles Deputados a quem se possa aplicar, como um ferrete ou simples dístico, as palavras que o Sr. João Camoesas acabou há pouco do proferir.

Eu não creio que, entre nós, um só Deputado haja, seja êle qual fôr, que possa deixar-se dominar no cumprimento daquilo que êle julga ser o seu indeclinável dever, de fiscalizar os actos do Govêrno, por um sentimento pequeno, estrito, indigno mesmo de um homem que ocupe êstes lugares.

Pela parte que me foca, se há pessoa que em todos os actos da sua vida procura examinar o procedimento dos outros com serenidade, colocando-se o mais possível fora dôste mar revolto de paixões, sou ou uma delas.

Apoiados.

O Sr. Presidente: - V. Exa. deseja concluir o seu discurso ou ficar com a palavra reservada?

O Orador: - Se V. Exa. me permite, fico com a palavra reservada.

O orador não reviu.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: desejo chamar a atenção do Sr. Presidente do Ministério, para dois assuntos, sôbre os quais me apresentam reclamações.

Como V. Exa. sabe, já êste ano saiu para a pesca do bacalhau muito menor número de navios, quer pela importância dos impostos lançados, quer pelas circunstâncias a que esta indústria está sujeita.

Assim, vinte e tal navios não saíram para a pesca.

Apesar dêste facto, dizem me que na capitania do porto é feita a exigência do pagamento da taxa anual para que os tripulantes possam matricular-se.

Como esta exigência causa graves transtornos, eu peço ao Sr. Presidente do Mi-

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nistério a fineza de dar as necessárias providências.

Já que estou no uso da palavra, aproveito o ensejo para chamar a atenção de S. Exa. para outro caso, o qual consiste no atraso com que está sendo efectuado o pagamento aos soldados reformados da guarda fiscal, que recebem nas várias agências do Banco de Portugal, especialmente no norte do País.

Espero que S. Exa. dê as mais rápidas providências, tanto mais que as pessoas que me escrevem, reclamando, dizem ser ser republicanos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Sr. Presidente: ouvi com atenção as considerações do Sr. Carvalho da Silva.

Relativamente à questão da cobrança da taxa anual da contribuição industrial dos tripulantes de navios de pesca, vou saber por que há as disparidades de proceder que S. Exa. apontou entre as várias capitanias do País.

Quanto aos soldados reformados da guarda fiscal já tive ensejo de dizer ao Parlamento que efectivamente se dá o facto apontado pelo Sr. Carvalho da Silva, mas espero que êle termine brevemente, porque era devido à situação em que tem estado as secretarias de finanças por falta de pessoal, mas fizeram-se há pouco concursos, foi promovido vário pessoal e assim aquelas secretarias indo ficar completas remediarão imediatamente aquele facto.

E não é só no Pôrto que êle se dá, mas também noutros distritos; estava convencido, mesmo, que era no Pôrto onde êle se fazia sentir menos, mas como S. Exa. me diz o contrário vou averiguar como me compete.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, 13, às 14 horas, com a seguinte ordem do dia:

Debate sôbre as declarações do Sr. Presidente do Ministério.

Negócio urgente do Sr. Rodrigo Rodrigues sôbre o Govêrno de Macau,

E a que estava marcada menos a proposta de lei que concede uma pensão. Está encerrada a sessão. Eram 19 horas e 87 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Proposta de lei

Do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, aprovando, para ser ratificada, a emenda ao artigo 393.° do Tratado de Versailles e aos artigos correspondente! dos outros tratados de paz.

Para o "Diário do Governo".

Projectos de lei

Do Sr. Júlio Gonçalves, restabelecendo os lugares de secretários, com a designação de chefes de secretaria, nos Institutos Industriais e Comerciais de Lisboa, Pôrto e Coimbra e nas escolas industriais das mesmas cidades.

Para o "Diário do Governo".

Do Sr. Delfim Costa, autorizando o Govêrno a fornecer o bronze e proceder à fundição do busto a erigir em Inhambane em homenagem a D. Vasco da Gama.

Para o "Diário do Governo".

Pareceres

Da comissão de guerra, sôbre os n.ºs 620-A e 620-F, relativos a estropiados e mutilados da Grande Guerra.

Arquivem-se.

Da mesma, sôbre o n.° 876-C, que regula o tempo de serviço efectivo exigido para promoção dos oficiais do exército.

Imprima-se.

Da mesma, sôbre o n.° 876-D, que altera a lei n.° 1:244, de Março de 1922, relativa a benefícios a conceder aos militares que defenderam a República no Norte e em Monsanto.

Para a comissão Finanças.

Da comissão de administração pública, sôbre o n.° 854-F, que prorroga o prazo que concede às câmaras municipais isenção de direitos de importação sôbre os materiais estrangeiros para iluminação eléctrica.

Para a comissão de finanças.

O REDACTOR - Herculano Nunes.

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