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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.° 73

EM 3 DE JUNHO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva

Sumário. - Com a presença de 46 Srs. Deputados, é aberta a sessão, sendo lida a acta da sessão anterior e dando-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - É lida na Mesa uma carta em que o Sr. Pinto da Fonseca, em nome da comissão parlamentar de inquérito aos Bairros Rociais, pede a demissão da mesma comissão.

O Sr. Almeida Ribeiro lembra a conveniência de a Câmara só tomar conhecimento do pedido em determinadas condições. Assim se resolve.

O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva) expõe à Câmara a necessidade de não se interromper o debate relativo a Macau e alega razões justificativas.

O Sr. Rodrigo Rodrigues usa da palavra para interrogar a Mesa e pede que o assunto seja versado sem demora.

O Sr. Cunha Leal concorda com a necessidade de prosseguir a discussão do caso de Macau.

O Sr. Ministro das Colónias agradece esta atitude.

O Sr. Presidente esclarece a orientação da Mesa relativamente à marcha dos trabalhos parlamentares.

O Sr. Hermano de Medeiros justifica e manda para ã Meta um projecto de lei que interessa aos Açores, pedindo urgência e dispensa do Regimento.

O Sr. Maldonado de Freitas chama a atenção dos Srs. Ministros da Justiça e do Comércio para, assunto que dependem das respectiva? gastas.

Reponde-lhe o Sr. Ministro da Justiça (Adolfo Coutinho).

O Sr. Alberto Jordão manda para a Mesa vários requerimentos.

O Sr. Carlos de Vasconcelos trata do transporte dos membros da "Legião Vermelha" para a África, protestando contra o projecto de os deixarem em Cabo Verde.

O Sr. Ministro das Colónias dá explicações sôbre o assunto.

Ordem do dia. - É aprovada a acta.

Prossegue o debate político.

O Sr. Afonso de Melo, em virtude do que se passou na primeira parte da sessão relativamente a Macau, desiste da palavra.

O Sr. Rodrigo Rodrigues requere que a questão de Macau entre imediatamente em discussão.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu usa da palavra sôbre o modo de votar.

É aprovado o requerimento do Sr. Rodrigo Rodrigues.

O Sr. Rodrigo Rodrigues, que ficara com a palavra reservada, conclui o seu discurso sôbre a questão de Macau.

O Sr. Ferreira da Rocha requere a generalidade do debate, depois do discurso do Sr. Ministro das Colónias.

O Sr. Carvalho da Silva protesta contra aprotelamento do debate político.

É aprovado o requerimento do Sr. Ferreira da Rocha.

O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva) responde ao Sr. Rodrigo Rodrigues.

O Sr Carvalho da Silva requere a prorrogação da sessão, com interrupção marcada pela Mesa, até final do debate.

Rejeitado em prova e contraprova.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Francisco Cruz pede auxilio para a região do Sardoal assolada pelos temporais.

Responde-lhe o Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vítorino Guimarães).

O Sr. Presidente encerra a Sessão marcando a imediata com a respectiva ordem.

Abertura da sessão às 15 horas e 25 minutos.

Presentes à chamada 46 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 62 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura, da sessão.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
Américo da Silva Castro.
Aníbal Lúcio de Azevedo.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

António Augusto Tavares Ferreira.
António Pais da Silva Marques.
António do Paiva Gomes.
António Resende.
Artur Brandão.
Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.
Augusto Pereira Nobre.
Baltasar do Almeida Teixeira.
Carlos Cândido Pereira.
Custódio Maldonado Freitas.
David Augusto Rodrigues.
Domingos Leite Pereira.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José do Amorim.
Jaime Júlio do Sousa.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João José da Conceição Camoesas.
João Salema.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Cortês dos Santos.
José Joaquim Gomos de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José Pedro Ferreira.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel de Brito Camacho.
Manuel Ferreira da Rocha.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Nuno Simões.
Paulo Limpo de Lacerda.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Vale Sá Pereira.
Rodrigo José Rodrigues.
Valentim Guerra.
Viriato Gomes da Fonseca.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Alberto Ferreira Vidal.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto do Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia de Azevedo.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Albino Marques de Azevedo.
António Correia.
António Dias.
António Ginestal Machado.
António Lino Neto.
António Mendonça.
António Pinto de Meireles Barriga.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Artur do Morais Carvalho.
Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.
Augusto Pires do Vale.
Carlos Eugénio de Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio do Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco Cruz.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Hermano José de Medeiros.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Estevão Aguas.
João José Luís Damas.
João do Ornelas da Silva.
João Pereira Bastos.
João Pina de Morais Júnior.
João Vitorino Mealha.
Joaquim António de Melo Castro Ribeiro.
Joaquim Dinís da Fonseca.
Joaquim José do Oliveira.
José António do Magalhães.
José Domingues dos Santos.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Júlio Henrique de Abreu.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mário de Magalhães Infante.
Matias Boleto Ferreira de Mira.

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Maximino do Matos.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Góis Pita.
Tomás do Sousa Rosa.
Vergílio Saque.
Vitorino Henriques Godinho.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Augusto da Costa.
Aires do Ornelas o Vasconcelos.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alberto Carneiro Alvos da Cruz.
Alberto Lelo Portela.
Albino Pinto da Fonseca.
Álvaro Xavier do Castro.
António Abranches Ferrão.
António Alberto Tôrres Garcia.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Maria da Silva.
António de Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.
Bernardo Ferreira de Matos.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Ernesto Carneiro Franco.
Eugénio Rodrigues Aresta.
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Feliz de Morais Barreira.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Duarte Silva.
João Luís Ricardo.
João de Sousa Uva.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
Joaquim Brandão.
Jorge Barros Capinha.
José Carvalho dos Santos.
José Mondes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Paulo da Costa Menano.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomé José do Barros Queiroz.
Vasco Borcos.
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.

Às 15 horas e 15 minutos principiou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 46 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Leu-se a acta.

Dá-se conta do seguinte

Expediente

Cartas

Do Sr. Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho, agradecendo o voto de sentimento da Câmara pelo falecimento de seu pai.

Para a Secretaria.

Do Sr. Tavares de Carvalho, agradecendo o voto de sentimento da Câmara pela morte de sua irmã.

Para a Secretaria.

De D. Clotilde Ferreira Pinto Basto Couceiro da Costa, agradecendo o voto de sentimento da Câmara pela morte de seu marido, o Dr. Francisco Manuel Couceiro da Costa, Ministro em Viena de Áustria.

Para a Secretaria.

Requerimentos

Do advogado Mário Monteiro, pedindo providências urgentes no cumprimento da lei relativamente a designados Deputados.

Para a comissão de legislação criminal.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

Do António Maria Cavaleiro, de Bragança, pedindo o reconhecimento como revolucionário civil.

Para a comissão de petições.

Telegramas

Da Associação Comercial e do presidente da comissão executiva da Câmara Municipal de Sintra, protestando contra o horário do trabalho.

Para a Secretaria.

Da direcção da Associação de Socorros Mútuos de Ponta Delgada, pedindo a aprovação do projecto de lei de defesa dos interêsses da sua caixa económica.

Para a Secretaria.

Dos professores primários do concelho de Bragança, pedindo a rejeição do projecto de lei n.° 746 e anulação dos decretos n.ºs 10:729 e 10:776,

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Polo Sr. Pinto da Fonseca, presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito aos Bairros Sociais, foi enviada à Mesa da Câmara, em 13 de Março passado, uma carta, em nome dessa comissão, comunicando que, por unanimidade de votos dos membros presentes a última sessão por ela realizada, resolveu a mesma comissão apresentar à Câmara a sua exoneração.

Essa carta vai ser lida em seguida, e eu peço, por isso, a atenção de V. Exas.

Foi lida na Mesa a carta a que se referiu o br. Presidente, e do teor seguinte:

Carta

Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados. - Tendo o Sr. Sá Cardoso, na sessão de 11 do corrente, apreciado o procedimento havido por parte da Comissão Parlamentar de Inquérito aos Bairros Sociais, para com o presidente da comissão liquidatária dos mesmos Bairros, o qual se acha suspenso há mais de dois anos, por proposta daquela comissão, e, tendo o mesmo Sr. Deputado dito que a referida comissão não trabalha, importando se pouco com o labéu de desonesto que lançou sôbre o referido presidente da comissão liquidatária, sem que o tenha ouvido até essa data, acusações que foram apoiadas por um grande número de Deputados, mesmo depois das explicações que em nome da mesma comissão tive a honra de dar à Câmara, e pelas quais ficou demonstrado:

a) Que a comissão não teve para com o Presidente da comissão liquidatária procedimento diverso daquele que teve para com muitos outros administradores dos Bairros Sociais;

b) Que lhe não lançou o labéu de desonesto, nem a qualquer outro, por não ter elementos bastantes para tirar conclusões, emquanto não terminar o inquérito;

c) Que a comissão sempre tem trabalhado, como fàcilmente o pode provar com o próprio processo, que já vai no 6.° volume;

d) Que não ouviu ainda o presidente da comissão liquidatária, suspenso, porque não concluiu a inquirição das testemunhas intimadas a depor, as quais devendo ser ouvidas sôbre factos atribuídos ao mesmo presidente, êste só poderá ser convidado a vir prestar declarações perante a comissão de inquérito, depois de concluir a inquirição de todas as testemunhas;

e) E, finalmente que, não sendo o inquérito restrito aos actos praticados pelo presidente da comissão liquidatária, mas a todos os actos e do todas as pessoas que tiveram directa ou indirectamente interferência na construção e administração dos mesmos Bairros, não pode nem deve por isso, a comissão de inquérito tratar em separado do caso especial que interessa ao mesmo presidente da comissão liquidatária.

Em face do exposto o da atitude de uma parte da Câmara, reuni ontem a comissão de inquérito, para apreciar os factos referidos, os quais depois de serem devidamente ponderados, demonstram que as acusações do Sr. Sá Cardoso, apoiadas por uma parte dos Deputados presentes, constitui uma manifesta prova de menos confiança na Comissão Parlamentar do Inquérito aos Bairros Sociais.

Nestes termos a mesma comissão resolveu, por unanimidade de votos dos seus membros presentes, a cuja reunião apenas faltou um, apresentar o seu pedido de demissão à Garoara, deliberação que na mi-

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nhã qualidade de presidente da mesma comissão, me cumpre comunicar a V. Exa.

Sala das Sessões da Câmara dos Deputados, 13 de Março de 1923. - Albino Pinto da Fonseca.

Para a Secretaria.

Foi deliberado ser tomada em consideração quando estejam presentes os Srs. Pinto da Fonseca e Sá Cardoso.

O Sr. Presidente: - Eu já chamei a atenção da Câmara, para a carta que acaba de ser lida, na qual o Sr. Albino Pinto da Fonseca, presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito aos Bairros Sociais, pede a demissão colectiva dos membros dessa comissão? em virtude de umas referências que foram feitas numa sessão desta Câmara pelo Sr. Sá Cardoso.

O Sr. Almeida Ribeiro: - Sr. Presidente: V. Exa. disse à Câmara que a carta contendo o pedido de renúncia é já de Março.

É assinada pelo Sr. Albino Pinto da Fonseca, e parece que foi motivada por declarações feitas pelo Sr. Sá Cardoso.

Como nenhum dêstes Srs. Deputados está presente, conviria talvez que a Câmara só tomasse conhecimento dela quando aqueles Srs. Deputados aqui estivessem.

Apoiados.

Foi aprovado.

O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Sr. Presidente: eu tomo a liberdade de me dirigir à Câmara, possivelmente alterando regras comuns seguidas na vida parlamentar, mas espero que a Câmara terá a bondade de relevar a falta que comete êste Ministro, estranho, até há tam pouco tempo, aos debates parlamentares.

Foi apresentado ontem à Câmara o pedido para ser tratado aqui um negócio urgente que corre pela minha pasta.

Êsse negócio urgente começou a ser debatido, mas possivelmente e sob o meu ponto de vista assim é, por uma interpretação errada do voto do muitos, foi interrompido.

Se essa interpretação não foi errada, eu peço à Câmara que pondere as palavras que vou dizer.

Êste caso é evidentemente urgente sob o ponto do vista nacional, mas, pelo ambiente que se lhe procurou criar, torna-se duplamente urgente porque está em jôgo a minha dignidade pessoal, e até a dignidade do próprio Govêrno.

Eu, Sr. Presidente, se peço à Câmara para ter em algum valor a minha dignidade pessoal é porque vim exercer êste lugar com um grandíssimo sacrifício, porque o exerço unicamente na compreensão de que estou servindo o meu país, e porque é êsse o meu dever de português e sinto profundamente que a recompensa a êsse sacrifício e a êsse cumprimento do dever seja a pretensão de enlamear um nome que tem sido honrado até esta altura da minha vida, e que continuarei a manter honrado.

Mas, Sr. Presidente, se para a Câmara êsse pedido de consideração pela minha dignidade e do Govêrno, que está neste assunto inteiramente solidário comigo, e com a minha atitude - e o Sr. Presidente do Ministério informará a Câmara se isso preciso for - não bastar para a sua aprovação, eu, Sr. Presidente, para demonstrar à Câmara a importância nacional dêste assunto, limitar-me hei, não a fazer discursos, mas a ler documentos, o a Câmara que se pronuncie, resolvendo se o assunto, cuja urgente discussão foi pedida nesta Câmara, merecia ou não que a Câmara imediatamente fôsse a julgadora das responsabilidades do Ministro.

Eu lerei à Câmara um primeiro documento - e lerei quantos a Câmara quiser, porque esta pasta está cheia deles - e a Câmara avaliará da razão que teve o Ministro das Colónias para proceder como é público que procedeu.

O primeiro documento, para o qual peço a atenção de V. Exas., é um documento enviado pelo governador de Macau, ao de Hong-Kong.

Diz êle o seguinte:

"Porto - Companhia do Pôrto e Caminho de Ferro de Macau. - O Govêrno tem recebido solicitações oficiosas - embora recomendadas por entidades oficiais - para participação na administração do porto; mas não deseja utilizá-las sem que isso seja do bom agrado da Inglaterra.

As solicitações referidas são das seguintes origens:

a) Da própria Companhia Construtora,

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6 Diário da Câmara dos Deputados

(Receamos, por informações, que haja interêsses alemães metidos nesta proposta, em virtude das boas condições oferecidas);

b) De Companhias japonesas. (Há duas propostas, sendo uma com carácter oficioso e por intermédio do um agente diplomático);

c) Embora o Govêrno Português não tenha recebido nenhuma oferta, concreta, como das outras origens, tem contudo recebido pedidos de informação de origem americana, e ainda recentemente esteve em Macau um representante da Associated Press porá o mesmo fim.

O Govêrno Português entende que nada deve avançar sem primeiro se entender com o Govêrno Inglês.

Porém, como o Govêrno Inglês fàcilmente compreende, não podemos pôr completamente de parte estas propostas sem saber previamente com que poderemos contar do seu lado, e o Govêrno Português não pode deixar de começar a cuida, desde já do futuro do seu pôrto.

O Govêrno Português estava na disposição de realizar toda a obra com os seus próprios recursos, para o que tinha os suficientes meios.

Está dada a empreitada da construção do porto à Companhia Holandesa, por 6:000.000 de patacas que já existem em cofre o a outillage do pôrto está já garantida com o valor dos terrenos adquiridos ao mar, para a aquisição dos quais há já grande número de propostas; mas para evitar a especulação que se tem desenvolvido em volta do porto, o para definir um critério político e comercial seguro, julga o Govêrno Português talvez preferível a organização do pôrto o suas ligações por meio de urna Companhia em que estejam simultaneamente representados capitais portugueses, ingleses e chineses, evitando de futuro qualquer influência política inconveniente.

Assim, como mora hipótese, pensa o Govêrno na possibilidade de entregar o pôrto o as ligações a estabelecer a uma Companhia que podeiia ter o nome de "Companhia do Pôrto e Caminho de Ferro de Macau" e que tivesse por fim a construção e a administração do porto, ligação ferroviária para o S. W. da província de Knong Tung (Cong-Mun e Shiu-Huig Fu) e ligação marítima com as colónias portuguesas e Lisboa, com subsídio do Govêrno e tratamento diferencial no pôrto de Lisboa.

O capital da Companhia seria subscrito na percentagem de 60 por cento português e o restante dividido entre ingleses o chineses, conforme o Govêrno Inglês entendesse.

O Govêrno Português não deseja arriscar um passo neste caminho sem ser no melhor entendimento com a Inglaterra, esperando fazer por seu intermédio a melhor política de aproximação e entendimento com a China".

Êste passo foi dado sem autorização do Govêrno ia metrópole, e sendo mais tardo preguntado ao governador de Macau quem o autorizara a dá-lo, êle respondeu evasivamente.

Esta pregunta foi feita pelo Ministro das Colónias, de então, Sr. Vicente Ferreira.

Anos depois, ao encontrar-se em Genebra, também como representante do Govêrno Português, segundo consta de um relatório apresentado ao Govêrno, dirigiu só de novo no Govêrno Inglês, na mesma ordem do ideas.

Leu.

Trecho de um relatório do Sr. Rodrigo Rodrigues:

"Não devo ocultar, pois, que a situação piorou sensivelmente, pela obstinação só da Inglaterra que quere fazer obra que se veja-já que nada mais sai desta conferência - à nossa custa. E creio que esta obstinação não é maior - já admitem 3 anos do período transitório - porque já tive ocasião de falara Mr. Fletcher, secretário colonial do Hong-Kong, que aqui está como adriser, sôbre a necessidade de um entendimento relativo à administração do pôrto de Macau... Isto sei que já foi comunicado para o Colonial Office, de Londres, por êle e pelo chefe da missão aqui".

Como disse à Câmara, numerosos são os documentos de que eu disponho para a elucidar sôbre o assunto de Macau.

Parece-me que a Câmara não formava um juízo suficientemente esclarecido da importância que o assunto reveste e que recomenda a sua urgência, pelo menos

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para que ao Ministro que interpretou os seus deveres pela forma por que o fez se faça a rigorosa justiça com que devem apreciar-se sempre os seus actos.

Se li o documento em questão, foi apenas para fornecer à Câmara mais alguma cousa, do que palavras, a demonstração material da importância que eu alegava que o assunto tinha. Nada mais tenho a dizer.

O ex-governador de Macau deseja que a Câmara, como representante do País, aprecie quem é que vem bem orientando os problemas daquela colónia portuguesa. Outra cousa não desejo. Tenho a minha responsabilidade ligada a essa colónia muito profundamente. Primeiro o encargo do seu governo e presentemente a do meu actual cargo. Outra cousa não desejo, senão que o País pela voz da Câmara declare se o actual Ministro das Colónias nos seus actuais serviços o pelo que se refere à administração de Macau, serviu ou não o seu País, como tenho a consciência de o ter servido, em toda a minha carreira.

Tenho dito.

O Sr. Rodrigo Rodrigues: - Sr. Presidente: precisamos ter o espírito disposto em relação à época que atravessamos; épocas de surpresas e de bombas, umas que ferem e outras que só fazem barulho. A Câmara que reserve o seu juízo, pois terá ocasião de ouvir tudo que deve ouvir e julgar como deve julgar. Extrair do processo uma peça, lê-la e comentá-la, fora de todas as chamadas negociações já por si diz alguma cousa.

Mas estamos diante de pessoas criteriosas, sensatas e honestas, e aquilo que acabam de presenciar aqui é um processo único de discussão parlamentar que há-de ter a sanção devida das consciências a que me dirijo.

Tinha pedido á palavra pára interrogar a Mesa, porque estranhava ver o assunto para que a Câmara havia permitido a urgência preterido pela questão política, conforme o Sr. Presidente do Ministério havia solicitado. Ficava-me apenas uma saída: era requerer que o assunto fôsse tratado antes da ordem do dia.

Eu estava convencido de que a Câmara não desejava que o assunto, que começava a tratar, fôsse depois interrompido para a votação das propostas de lei apresentadas pelo Sr. Presidente do Ministério e fôsse seguido até ao fim. Mas V. Exa. e a Câmara, pelas razões ontem apresentadas, não o entenderam assim.

Não requeri que o assunto fôsse tratado antes da ordem do dia, porque era tirar-lhe toda a importância, toda a solenidade que êste julgamento precisa de ter.

Por isso, requeiro que o assunto seja tratado antes da ordem do dia, mas com prejuízo desta.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A Câmara pode sempre alterar a ordem.

O Sr. Cunha Leal: - Sr. Presidente: quando nós nos opusemos a que fôsse tratado o negócio urgente primeiro que a questão política foi porque estávamos convencidos de que ora uma questão de lana caprina, em que um funcionário queria fazer as suas queixas, assim como o Ministro, questão que melhor era para dirimir no seio do Partido Republicano Português, mas desde que o Sr. Ministro pôs a questão pela forma por que a pôs. nem mesmo a um inimigo pessoal deixaríamos de dar ensejo a que se explicasse (Apoiados), e assim, depois do documento lido pelo Sr. Ministro das Colónias, damos o nosso voto à vontade do Sr. Ministro, visto que se trata da dignidade do nome português (apoiados) pois nós somos independentes e não serventuários de qualquer nação por mais amiga que ela seja; bom basta sermos serventuários do Partido Democrático.

Assim deixamos ao Sr. Ministro todo o ensejo de se justificar e varrer a sua testada.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Pedi a palavra para agradecer ao Sr. Cunha Leal as palavras de carinho pessoal que teve para comigo que em extremo me penhoraram.

Agradeço simultaneamente o voto do grupo que S. Exa. representa e direi que é indispensável tratar-se o mais ràpidamente possível dêste assunto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro das Colónias, ao iniciar as suas considerações,

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pronunciou algumas palavras que pareciam de censura para a Mesa.

Devo declarar ao Sr Ministro das Colónias que, se a Mesa não pôs a seguir o negócio urgente, foi porque o Sr. Presidente do Ministério falou na questão política e eu não podia proceder de outra forma. São essas as explicações que tinha que dar.

S. Exa. não revia.

O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Devo dizer a V. Exa., Sr. Presidente, que da minha parte não houve a menor sombra de censura.

O Sr. Rodrigo Rodrigues:-Pego a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra a V. Exa. pois antes da ordem do dia requerimentos não têm preferencia e há oradores para falarem. Na devida altura darei a palavra a V. Exa.

O Sr. Rodrigo Rodrigues: - Agradeço a V. Exa. a explicação.

O Sr. Hermano de Medeiros: - Pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto que interessa aos Açores e que tem a assinatura de todos os Deputados actuais.

Poço a V. Exa. que, na devida altura, o submeta à apreciação da Câmara com urgência e dispensa do Regimento, pois é necessário considerar quanto antes.

O orador não reviu.

O Sr. Maldonado de Freitas: - Chamo a atenção do Sr. Ministro da Justiça para um assunto que e que pela pasta de S. Exa.

Em Agosto do ano passado, em virtude dama lei, foram alterados os pagamentos dos foros.

A lei de Agosto obrigou todos os enfiteutas a pagar as suas pensões pelo mesmo factor 10.

Isto é, um indivíduo que em 1914 pagava $50 de renda fica obrigado por essa lei a pagar 5$.

Até aqui está muito bem, porque ficariam actualizados desta forma os rendimentos dêstes senhorios.

Porém, não acontece o mesmo para aqueles casos em que os aforamentos foram feitos muito posteriormente a 1914, em especial aqueles que foram efectivados depois de 1920.

Os aforamentos feitos depois de 1914, especialmente os realizados depois de 1918, foram efectuados dentro da base de actualização, olhando bem as partes contratantes para a desvalorização que o escudo tinha.

Não obstante isto, em 1924 obrigaram--se os enfiteutas de 1920 e de 1914 a multiplicar os seus foros pelo mesmo factor.

Sr. Presidente: isto é uma desigualdade flagrante que tem causado transtornos de vária ordem, pois muitos foro, os têm deixado de pagar as suas pensões, à espera que o Govêrno tome qualquer providência bem equitativa com as circunstâncias em que foram feitos os contratos.

Como êste assunto corre pela pasta da Justiça, eu espero que o Sr. Ministro tome quaisquer providencias no sentido do reprimir essas dificuldades e de libertar os lavradores do questões que correm pelos tribunais, sem prestígio para o Poder Executivo,

Aproveito o ensojo de estar no uso da palavra, para pedir ao Sr. Ministro da Justiça a fineza do chamar a atenção do Sr. Ministro do Interior para o facto, bem estranho, de a Guarda Nacional Republicana, que faz a polícia rural na província, se entreter somente à caça da multa, não executando os regulamentos como se encontram estabelecidos.

Assim aconteceu que, tendo há pouco tempo sido estabelecida uma taxa de turismo que ia incidir sôbre todos os proprietários de um ou dois animais ou carros, êsse decreto foi modificado pelo Sr. Ministro do Comércio, a instâncias de vários Deputados, ficando assente que todos os lavradores que tivessem um ou dois animais ou um ou dois carros, destinados exclusivamente aos seus trabalhos agrícolas, eram dispensados dêsse imposto.

Foi uma acertada medida que S. Exa. tomou, mas o que é verdade é que a guarda republicana não cumpre esta disposição, e multa todos os lavradores que com os seus carros aparecem em feiras ou mercados, transportando os seus produtos, porque, dizem, é uma exploração industrial.

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Sr. Presidente: estou convencido de que não foi êste o critério do Sr. Ministro do Comércio, e, nestas circunstâncias, peço que sejam dadas convenientes instruções à guarda republicana, que em vez do ser um elemento de ordem é constantemente um elemento de desordem.

Sr. Presidente: ô necessário que os organismos estabelecidos pelo Estado prestem à nacionalidade aqueles serviços para que foram criados, a fim de que não resulte prejuízo para a economia nacional.

Nestas condições, é preciso que êles não concorram para o encarecimento da vida, obrigando a pagar, além dos impostos, bastantes multas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos

(Adolfo Coutinho): - Sr. Presidente: as considerações feitas pelo Sr. Maldonado de Freitas efectivamente são exactas, na parte que se refere a disposições contidas na lei n.° 1:628, de 12 de Julho de 1924, segundo a qual todos os foros foram multiplicados pelo factor 10.

A minha atenção já tinha sido chamada para êste assunto, e no Senado tive ocasião do examinar um projecto que está naquela Câmara, segundo o qual a disposição desta lei será alterada de forma a que corresponda a um factor em relação à época a que o aforamento disser respeito.

Êsse projecto está em estudo nas Secções do Senado, e vou instar novamente para que êle seja discutido o mais ràpidamente possível.

Quanto às considerações por S. Exa. feitas, acerca da forma como a guarda republicana está executando as disposições do decreto do Sr. Ministro do Comércio, relativamente ao imposto de turismo, prometo transmitir a êste meu colega essas observações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Alberto Jordão: - Sr. Presidente: chegou ao meu conhecimento que o Sr. Ministro da Instrução nomeou reitor do liceu de Chaves um capitão do exercito, que não é do professorado.

Não julgo razoável esta nomeação, porque, se amanhã para qualquer serviço extraordinário no exército fôr precisa qualquer pessoa, certamente que não a irão buscar ao magistério, para desempenhar as funções de capitão de cavalaria.

É por êste motivo que não acho razoável a nomeação de um oficial do exército para reitor do liceu de Chaves.

Porém, como não conheço as circunstâncias que determinaram essa nomeação, o como desejo habilitar-me convenientemente para discutir aqui êsse assunto com o Sr. Ministro da Instrução, eu mando para a Mesa o seguinte pedido:

Leu.

Trata-se, nestes dois últimos casos, de duas pessoas que não pertencem ao meu partido, sendo até uma delas um democrático.

Mas o que é certo é que uns e outros são vítimas de injustiças.

E tendo unicamente em atenção motivos de ordem moral, sem fazer política embora pertençam uns ao Partido Democrático e outros sendo meus correligionários, requeiro nos termos que mandei para a Mesa.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: - Sr. Presidente: noticiam os jornais que um grupo de indivíduos presos como pertencendo à Legião Vermelha, que se encontravam em Angra do Heroísmo, foi mandado para a cidade da Praia em Cabo Verde.

Interrupção de um Sr. Deputado que se não ouviu.

O Orador: - Respondendo ao Sr. Deputado, direi que os jornais dizem que uma parte dêsses legionários foi para Cabo Verde e outra para a Guiné.

Não posso afirmar, visto que não houve julgamento, se os indivíduos deportados pertencem de facto à Legião Vermelha, nem mesmo me referiria ao assunto se o Govêrno desde a primeira hora tivesse enviado para Cabo Verde êsses indivíduos, soit disant legionários.

Mas deu-se o facto importante de que o acto do Govêrno reveste o aspecto dum agravo à colónia que represento no Parlamento.

Tendo sido previamente enviados para Angra, a população dessa cidade insurgiu-se contra o facto de serem para aí deportados indivíduos presumidos autores

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dos atontados bombistas, e tendo o Govêrno atendido a êsses protestos, terem sido enviados para Cabo Verde, onde não há praça segura e forca armada para poderem aí ser conservados e guardados.

Sr. Presidente: se outrem estivesse na pasta das Colónias, se não fôsse o actual Ministro que bem conhece a província do Cubo Verde, a quem, entre parêntesis, prestou altos serviços durante a guerra, não estranharia que se tivesse procedido assim, se tivesse praticado um acto de agravo para com a colónia do Cabo Vordo.

A minha estranheza provém de saber que S. Exa. conhece a província de Cabo Verde, e sabe que o ponto para onde foram enviados êsses deportados é um ponto em que a civilização é tam adiantada como em Angra, o os interêsses aí são tam nacionais e portugueses como os do Angra.

Apoiados.

Repito, a minha indignação e protesto provêm da excepção deprimente que se fez enviando para Cabo Verde certos indivíduos, sob urna acusação de que não devo duvidar, emquanto os tribunais os não julgarem.

Foram enviados para Cabo Verde sob a acusação de bombistas operários que, é certo, tem sido esplêndidos elementos do civilização naquela província.

Eu sou testemunha, e por isso falo com uma certa autoridade, podendo afirmar até a V. Exas. a que nas minhas propriedades tenho como feitor um indivíduo que daqui foi enviado como bombista, e que tem dado provas de ser bom administrador, criatura honesta e ordeira.

No emtanto a dúvida subsiste, porque, não tendo havido julgamento, podemos supor que, de facto, foram enviados para Cabo Verde indivíduos absolutamente indesejáveis que cometeram realmente os actos de banditismo a que se referem os jornais, e que se amanhã forem financiados lá, como aqui o foram, poderão repetir êsses mesmos actos, como aqui os cometeram.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Sr- Presidente: o assunto que foi abordado pelo Sr. Carlos de Vasconcelos diz em parte, apenas, respeito à pasta das Colónias,

No emtanto, parece-mo que me posso considerar Autorizado a esclarecer S. Exa. com suficientes inibi mações, apesar de o assunto, repito, não correr pela minha pasta, completamente.

Dos indivíduos enviados para Angra alguns ficam ainda em Angra, outros seguem para Cabo Verde, e outros seguem paru a província da Guiné.

Distribuindo os por essas três situações, pretende-se apenas deminuir em cada um dos pontos referidos o número deles.

Vão nesses três pontos esporar o julgamento, o qual será realizado em alguma das comarcas da metrópole, mas em oportunidade que o Govêrno não pôde ainda fixar.

Quanto ao poder ser considerado o acto determinado pelo Govêrno como qualquer cousa do deprimente para a colónia de Cabo Verde, S. Exa. fazendo-me a justiça do recordar o meu conhecimento dessa colónia e a amizade que a ela dedico - e aproveito a ocasião para agradecer a S. Exa. as suas elogiosas referências - faz-me certamente também a justiça de reconhecer que êsse acto não poderia representar, por qualquer forma, uma afronta para a colónia.

Seria o primeiro a procurar evitar êsse acto, só assim fôsse.

Uma parte dos indivíduos afastados de Lisboa permaneço ainda em Angra; e isso ainda é a prova de que se não trata de afastá-los de Angra para os transportar para Cabo Verde.

Pelo que respeita a não haver prisões em Cabo Verde, algumas há, e S. Exa. o sabe; mas os indivíduos em questão foram transferidos em condições que não exigem a sua prisão, a não ser que os governadores das respectivas colónias considerem isso necessário.

Andarão em liberdade podendo trabalhar com retribuição, até do próprio Estado, aguardando o seu julgamento.

Se, pelo seu procedimento, êsses homens exigirem o acto do Govêrno de lhes tirar essa liberdade e os manter sob-prisão, evidentemente que tal procedimento terá de ser adoptado.

Direi mesmo, porem, que, se ossos homens, por pouco tempo que lá estejam, manifestarem o desejo do que para a sua companhia sigam suas famílias, é inten-

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ção do Govêrno facilitar lhes a satisfação dêsse seu desejo.

É possível até que êsses homens, até agora considerados como indesejáveis, venham a fazer-se bons cidadãos, como sucedeu justamente com o exemplo citado pelo Sr. Carlos de Vasconcelos.

Tenho dito.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: - Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer as explicações que o Sr. Ministro das Colónias teve a amabilidade de me prestar e para dizer que, na verdade, desde que em Angra do Heroísmo também ficaram alguns dos elementos deportados da metrópole, o meu protesto não tem razão de ser, visto que se não abriu um precedente para Cabo Verde.

Repito: agradeço ao Sr. Ministro a amabilidade das suas explicações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

É aprovada a acta da sessão anterior.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à ordem do dia, continuando no uso da palavra o Sr. Afonso de Melo.

ORDIM DO DIA

O Sr. Afonso de Melo: - Sr. Presidente: como ainda há pouco o meu ilustre leader declarou que êste lado da Câmara está de acordo com o prosseguimento do debate urgente sôbre a questão de Macau e como nem o Sr. Ministro das Colónias nem o Sr. Rodrigo Rodrigues poderiam ter oportunidade de fazer um requerimento para êsse assunto se discutir com prejuízo da ordem do dia, estando eu no uso da palavra, desisto por agora do continuar as minhas considerações, pedindo a V. Exa. que de novo mo inscreva sôbre a ordem.

O orador não reviu.

O Sr. Rodrigo Rodrigues (para um requerimento): - Sr. Presidente: requeiro que continue em discussão o negócio urgente sôbre o Govêrno de Macau, com prejuízo do debate político.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu (sobre o modo de votar): - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que êste lado da Câmara não pode dar o seu voto ao requerimento do Sr. Rodrigo Rodrigues, embora reconheça que o assunto é urgente e tem de ser discutido.

Desde que está iniciado um debate político sôbre a obra do Govêrno, entendo que êste assunto é mais urgente, tanto mais que, tratando-se dos actos do Govêrno, o caso de Macau pode ser tratado conjuntamente.

Nestas circunstâncias, e como o Govêrno tem de dar conta das violências e das tropelias que cometeu, não podemos dar o nosso voto ao requerimento apresentado.

O orador não revia.

O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer ao ilustre Deputado Sr. Afonso de Melo a amabilidade de ter desistido de continuar agora as suas considerações para prosseguir a discussão sôbre Macau.

O Sr. Rodrigo Rodrigues: - Sr. Presidente: debatia-se até agora no indefinido, no vácuo.

Felizmente já temos perante nós alguma acusação concreta, fulminante, contra êsse governador que foi demitido nas condições que tinha estado a expor à Câmara no que isso representava sob o ponto de vista da forma do processo empregado.

Mas o Sr. Ministro das Colónias é coerente na sua forma do proceder.

A acusação que agora concretizou, lendo um documento extraído de um processo que faz parte de negociações demoradas, não com um Govêrno só, não durante um pequeno período de tempo, mas pode dizer-se que com respeito a toda a acção, a todo o trabalho que especialmente foi incumbido ao governador de Macau, lendo um documento firmado em Fevereiro de 1923, que veio para um Ministério mandado pelo criminoso inconsciente que assim expunha às instâncias superiores o crime quási de lesa Pátria que praticava, mostra que o Sr. Ministro das Colónias, que veio àquela pasta para salvar a honra nacional, porque todos os que por lã passaram antes dele a não julgaram enxovalhada, por isso mesmo que todos tiveram conhecimento não dêste documento mas de todos os que fazem parte de umas longas e

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laboriosas negociações, sentiu que o assunto era tam urgente que se tornava necessário um procedimento exemplar e tam exemplar que não esperou ouvir o criminoso, nem ter em atenção situações políticas de Ministro e governador, nem trazer o caso perante a Câmara dos Deputados, para a qual o estava a puxar o inconsciente que tinha escrito êsse documento.

S. Exa. abrasado naquele fervor patriótico que mais ninguém até então tinha sentido, pelas complicações de ordem, diplomática que podiam resultar dêste documento, teve até receio de o trazer aqui à Câmara, do o levar ao Senado, justificando assim o sou procedimento, he não queria ter qualquer atenção pessoal ou partidária ou oficial com o funcionário a quem demitia por uma forma de processo jamais vista.

Não temos culpa de que S. Exa. assim tivesse procedido, razão por que ou digo o repito que não sei qual a urgência que há agora.

Dir-se-há, Sr. Presidente, que o governador do Macau pertence a Legião Vermelha, contra a qual é urgente adoptar violento procedimento; ou dir-se-há que até então não tinham passado por aquelas cadeiras Ministros dignos do meu Partido, relido necessário para lá ir S. Exa. para me estrangular, apertando-me a corda.

S, Exa., na verdade, tem lançado a suspeita de que eu pretendi prejudicar os interêsses do meu País, entregando a solução do assunto ao estrangeiro.

O facto, Sr. Presidente, é que S. Exa. não foi ao Senado tratar da questão, por isso que sabia muito bem que encontraria lá a figura honesta e altiva do Ministro das Colónias, anterior a 8. Exa., o Sr. Bulhão Pato, que lhe diria logo que o assunto tinha sido tratado devidamente em Conselho de Ministros presidido pelo Sr. Rodrigues Gaspar.

Tenho a certeza absoluta de que, se S. Exa. tivesse ido ao Senado tratar do assunto, o Sr. Bulhão Pato lhe diria muito claramente que o mesmo tinha sido devidamente estudado o ponderado por todos os Ministros, não tendo sido encontrada nenhuma falta, conforme a Câmara, com a sua elevada justiça e critério, o há-de reconhecer no decurso da discussão.

O Sr. Ministro das Colónias do então procedeu com aquela correcção e escrúpulo com que devia proceder, isto é, estudando devidamente o assunto o tratando dêle em Conselho de Ministros.

Foi esta, Sr. Presidente, a razão por que S. Exa. não foi ao Senado tratar do caso, pois sabia muito bem qual a resposta que lhe daria o Ministro das Colónias de então, Sr. Bulhão Pato.

Eu não posso ter queixas sob o ponto de vista partidário, mas isso é cousa para ser tratada lá fora, em família, e já com o ar do desculpa, que eu sou o primeiro a apresentar. Não me queixo disso. Conheço a época que atravessamos, extraordinariamente perturbada. Todo o tempo é pouco. A atenção anda preocupada. Mas estranharia, sim, que S. Exa. o Sr. Presidente do Ministério não dêsse a sua solidariedade ao seu colega das Colónias. Mas parece um contra-senso? Não Vai tudo da forma como o assunto é tratado o exposto. Um documento desta natureza, lido em separado, sem se justificar do onde vem o para onde vai, é um processo que comove, mas indigno dos nossos dias, porque é perfeitamente inquisitorial! Sim! O Sr. Ministro das Colónias mostrou naturalmente ao Sr. Presidente do Ministério êste documento isolado, mas - notem V. Exas. - eu não lhes posso fazer a injúria de os supor capazes, seja qual fôr a situação política em que nos encontremos, sejam quais furem as paixões políticas que nos dividam, de se deixarem influenciar por um documento que estava escrito há dois anos, que fazia parte dum processo impresso, que fora mandado à consideração do Govêrno, lido assim separadamente. Não há ninguém que se não preocupe com a forma talvez como êle está escrito. Mas era preciso que S. Exa. expusesse ao Conselho de Ministros toda a sério de negociações realizadas.

Desde que S. Exa. dêsse conhecimento de tudo não haveria nenhum homem que lhe oferecesse então a sua solidariedade.

Mas eu, que já fui Ministro durante um ano, sei bem como é impossível, numa época de perturbação como aquela que atravessamos, repito, dedicar toda a atenção devida a questões desta natureza. E mal vai, Sr. Presidente, se a nossa desconfiança de uns para com os outros é tam grande que tenhamos de estar a fa-

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zer a análise do porquê e para quê de todas as cousas, de tratar de todos os assuntos por forma exageradamente minuciosa.

Eu vou expor à Câmara a questão que se pode considerar talvez essencial. A Câmara apreciará, e então verá o que quere dizer êsse documento.

Sr. Presidente: quando um governador vai tomar conta duma colónia, se a situação dessa colónia se encontra normal, no caminhar natural da sua vida evolutiva, os seus deveres então são consequentes apenas das bases que lhe são dadas pelo Ministro; mas quando a situação é perturbada por qualquer incidente grave, êle recebo aquelas instruções especiais que o caso condiciona.

E qual era a situação de Macau quando eu fui para ali escolhê-lo como governador?

A nossa memória é muito fraca, mas é fácil despertá-la. A situação de Macau naquela ocasião ora a mais perturbada, sob o ponto de vista da ordem pública. Havia uma greve revolucionária, um conflito com as autoridades chinesas, que não degenerou em conflito armado, numa guerra, porque não interveio a Inglaterra, impedindo que se executasse um ultimatum mandado pelo governador de então, Correia da Silva, para que até ao moio dia saísse das águas do porto um navio qualquer que os chineses ali tinham mandado para afirmar direitos que nós lhes contestávamos.

Havia se pedido um contingente de tropa para lá; havia-se pedido o navio República e a aplicação duma lei do excepção, quando os tribunais de excepção haviam sido condenados mesmo aqui.

Tal era o estado da colónia de Macau, tudo provocado afinal pelo seguinte facto: é que há muito tempo que se estudava a maneira de realizar o porto do Macau, que ora toda a sua vida. Mas êle nunca podia ter sido feito senão quando se votou à voragem do sacrifício essa figura tam esquecida e tam extraordinária que foi Sanches de Miranda. E foi também o Govêrno da República que mandou lá um navio para o forçar a abandonar o seu governo!

Desde que êle conseguiu recursos, deitou-se mãos à obra. Mas havia divergências entre o governador da colónia e o Govêrno Chinês, quanto ao local. E, assim, dizia-se que estava por horas um conflito armado entre Portugal e a China. Foi nesta situação que interveio a Inglaterra. E vejam V. Exas. o que é mais ultrajante para a dignidade nacional, se o ser previdente e cauteloso, procurando estudar os problemas com cuidado, se levar as cousas até esta situação, que é absolutamente histórica, que é absolutamente verdadeira!

E então governador da colónia, Sr. Correia da Silva, mandou um ultimatum ao navio para que saísse. O navio não saiu; tornaram-se posições, a artilharia mexeu-se, fez aquela política de tilintar as esporas e bater as espadas, para no fim a Inglaterra dizer que êsses assuntos se não resolviam assim, mas diplomaticamente. Assim, o nosso brio ficou com mais esta medalha.

Tal era a situação em que nos encontrávamos com a China e com a Inglaterra por causa do porto, o que fez com que o então governador, Sr. Correia da Silva, resolvesse mandar a Cantão negociar um acordo transaccional para poder construir o mesmo porto cá fora, visto que era absolutamente necessário que não ficássemos perante a China nesta situação desprimorosa de não podermos construir o nosso porto.

Deu isto origem a vários conflitos e foi esta a situação que eu herdei, situação que foi devidamente ponderada poios ponderados e cuidadosos Ministros daquela época. E porque a situação foi desta natureza, houve uma reunião especial no Ministério das Colónias,, reunião a que assistiram o Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Director Geral dos Negócios Estrangeiros, o Director dos Negócios Coloniais e o Ministro das Colónias.

Resolveu-se então que se intentasse trabalhar no sentido de garantir o futuro do nosso porto. Êsses trabalhos seriam conduzidos pelo governador que ia para a colónia e que estava a receber ordens.

Eu não tenho realmente comigo todo o arquivo de Macau.

V. Exa., Sr. Presidente, está a ver e, como V. Exa., todas as consciências que me escutam, a diferença de situação dum homem que vem tratar com o seu Ministro, na melhor boa fé, de assuntos que respeitam à administração duma colónia,

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e daquele que já saiu com todos os documentos necessários para contraditar o que está escrito.

Se em outros tempos era necessário, quando só atravessava o pinhal da Azambuja, trazer sempre preparado o coldre da pistola, hoje, que há um pinhal de Azambuja moral, é necessário estar-se munido de documentos para responder como é preciso.

Quási que necessitamos trazer atrás de nós um taquígrafo para testemunhar as palavras que são pronunciadas.

Felizmente que ou, continuando sempre romântico nas minhas convicções dentro da política, trouxe, no entanto, os meus documentos, que constituem quási dois terços da minha resumida bagagem.

Quem quero tratar uma questão destas com serenidade aceita o pretexto que lho é oferecido ou provoca-o, e depois, aqui ou em qualquer outro sítio, trata do assunto perante quem pode ser juiz.

A Câmara tem as suas comissões.

Escolha só uma comissão para que me julgue e avalie dos processos de que usei o da honestidade dos meus actos.

Sr. Presidente: cheguei a Macau em princípios de Janeiro de 1923; em 12 de Fevereiro eu mandara ao Ministério das Colónias o meu relatório sôbre a situação em que fui encontrar a província. Dizia eu nesse, relatório que a solução do problema essencial para a colónia não era nem podia ser de ordem militar, e exclusivamente administrativa.

O chinês é fundamentalmente inteligente o prudente e, na sua quási totalidade, comerciante ou letrado.

Não é, por isso, com uma política estreitamento militarista e autoritária que nós podemos levá-lo ao bom caminho dos entendimentos úteis à colónia,

Isso mesmo eu compreendi no chegar a, Macau o foi nessa ordem, de ideas que não quis lá expedições, nem navios, nem qualquer cousa que pudesse representar uma ameaça de violência, mas tam somente alguém altamente colocado que com conhecimento e cautelosa acção tratasse do assunto.

O Ministro das Colónias respondeu ao meu pedido nesse sentido, informando-mo de que o Dr. João Bianchi, não podia seguir para Macau como havia sido combinado o que ia ser encarregado dessa missão o Sr. Batalha de Freitas nosso Ministro em Pequim.

Quero dizer: aquelas credenciais especiais que mo haviam sido conferidas quanto à parto diplomática dos. assuntos relativas ao pôrto foram transferidas para o Sr. Batalha de Freitas.

Preguntou-me S. Exa. as instruções especiais que eu tinha sôbre o assunto, ao que eu respondi não ter nenhumas, visto não ter ainda em meu poder a acta da sessão aqui efectuada.

Retorquiu S. Exa. que, nessas condições, julgava inconveniente abandonar Pequim, dado o estado do rebeldia entro Pequim e Cantão e que, assim, julgava conveniente mandar alguém a Hong-Kong sondar as disposições acerca do porto o saber o que a tal respeito se pensava em Cantão.

Afirmei ao Sr. Batalha de Freitas que me parecia não ser êsse o melhor caminho a seguir, mas sim aquele, que eu aponto no folheto a que mo tenho referido.

Mas não é preciso ler muito, basta ler o que aqui se diz:

Leu.

Dirão V. Exas. que tenho algum documento, alguma frase, em que mostro que houve outra ligação.

Eu já disse a V. Exas. que não tenho o arquivo todo, mas tenho um documento confidencial em que se mostra que tive quasi por instantes resolvida a delimitação da China que não só efectuou por ter-se modificado a política de Cantão.

Eu não fui encarregado do escrever êsse memorandum, mas de estudara situação de Macau de colaboração com um Ministro em indo a Cantão.

Se isto não é uma autorização, eu já não sei o significado das cousas e das palavras.

A outra acusação que me fazem é de ter reincidido na falta quando estava em Genebra representando Portugal na Conferência do Ópio.

Então eu verifiquei que estávamos a fazer um forte em terrenos conquistados do acordo com o Cantão, mas deixávamos para o futuro a resolução sôbre se o terreno nos pertencia ou não.

E nesta ocasião em que as nuvens se acastelam numa guerra tremenda entre a raça branca e a amarela, e para que a In-

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glaterra se está preparando, é nesta ocasião que nós vamos fazer um forte que constitui uma ameaça constante o violenta!

A má vontade da Inglaterra tem-se manifestado por várias formas, entre elas a de levantar dificuldades ao comércio do ópio, que é a melhor receita da colónia.

Desde Janeiro do ano passado que não permitiram que para a colónia do Macau fôsse nem mais uma caixa de ópio, a ponto de, quando saí da colónia, ela, que vive na prosperidade e na largueza dos recursos resultantes do ópio, ter entrado no déficit, porque já não havia ópio para vender.

Isto é um ponto do vista; pode ser errado, mas os factos estão aí para lhe dar os grandes foros do razão e justificar esto pensamento, o os factos, Sr. Presidente, não são só aquelas cousas que quem está num Govêrno desta natureza, como é o de Macau, sente o lê, mas, são desta fôrça. Desde que senti que a colónia que estava entregue à minha administração entrava no déficit, e que do Ministério das Colónias não havia solução para o caso do ópio. relatei tudo isto ao Ministro que estava então na pasta das Colónias, Sr. Bulhão Pato, vim por Londres, dirigi-me à embaixada portuguesa, expus o meu ponto de vista, as vantagens que havia em o assunto ser tratado no Foreing Office, o depois disso, depois de feita a afirmação de que Portugal não entregaria a exploração do porto a qualquer companhia sem que a Inglaterra fôsse ouvida sôbre isso, o ópio ia para Macau, aceitava-se o statu quo ante. Nestas condições foi efectuada uma série de negociações que conspiram em quê?

Devo ainda dar uma explicação.

Não sei se V. Exa., Sr. Presidente, se lembra de que, nesta Câmara, o assunto de Macau e do seu porto foi sujeito a um debate, ou pelo menos foi aqui tratado no tempo em que cuja estava naquela colónia, o foi tratado porque apareceu num jornal a acusação, a insinuação, de que o Govêrno português ia ceder o porto de Macau a uma Companhia alemã.

O assunto foi já aqui tratado, os telegramas foram enviados para o Oriente, isso causou uma grande inquietação naquele meio e entendi que devia mandar dizer ao Govêrno de Hong-Kong que isso era absolutamente falso, que não havia nenhuma espécie do negociações entre Portugal e qualquer companhia ou qualquer potência financeira estrangeira para tratar do assunto, e que lhe garantia que quando tal se dêsse a nossa velha e fiel aliada, que está ali ao lado da colónia, não deixaria de ter conhecimento do facto.

Foi o mesmo que eu disse ao delegado inglês em Genebra.

Mas então o facto de se dizer a uma Nação, com a qual temos as relações que temos, que pode estar tranquila porque quando houver de se fazer alguma cousa no porto de Macau ela será conhecedora disso pode constituir uma acusação?

Quando disto se faz uma acusação, já não sei também o significado que as palavras podem ter.

Pois que compromisso resulta desta afirmação?

E agora pregunto eu: que compromisso resultou dêsse memorandum que aqui foi lido?

Passou-se há dois anos. Resolveu-se duma maneira completamente oposta ao parecer do Conselho Legislativo e até ao parecer do Conselho Colonial.

Essa maneira de resolver, contraria, repito, a todas as entidades oficiais ora a favor do então Governador e hoje Ministro das Colónias, que não teve dúvida em o fazer, não querendo seguir a fórmula dosou antecessor, a quem não dirijo qualquer elogio para não ser tomado á conta de amplexo para o pôr a meu lado, mas que, devo dizê-lo em patriotismo e dignidade não receia meças com S. Exa..

Mas S. Exa. levou o caso a Conselho do Ministros, estufou-o, e como resolveu?

Do acordo com o seu modo de ver contrário a tudo.

Em fim, procurando, rebuscando, encontrou no fim de dois anos a corda precisa para estrangular o governador correligionário e amigo.

Sr. Presidente: vim justificar o meu ponto de vista, que não foi mais do que um ponto de vista, que não foi mais do que uma opinião, sôbre a qual eu pedia apenas que o Govêrno mandasse estudar o caso por alguém competente para o resolver; vim agora dizer as razões e os fundamentos dêsse modo de ver, que podia ser errado, que podia ser o pior de-

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todos, mas pelo que eu só podia receber censura se não tivesse o cuidado de procurar dar cumprimento à quentão essencial do Govêrno de Macau, se não procurasse dentro da fórmula comercial e administrativa abrir caminho a todas as dificuldades que nos cercavam na colónia do Macau. Mais uma vez eu digo: os factos estão aí para falar mais alto que todas as palavras.

S. Exa. em três anos de governador de Macau deixou a província nas condições que já referi.

Eu estive ano e meio e nunca mobilizei um soldado, só me utilizei da tropa para a dignificar.

Nunca mais houve revoltas, nem bombas.

Com relação à ameaça da supressão do rendimento do ópio nada fizeram. A cidade, que só encontrava quási deserta, tem hoje quási o dobro da população, o que se justifica bom pela vida, que têm os chineses.

A ansiedade dos chineses é tal, que já chegaram a mandar as suas homenagens ao Senado da República.

Emquanto lá estive proporcionei todas as condições de progresso.

Tudo o que fiz fala bom alto e prova mais que toda a leitura feita em voz lenta e pausada como a gota de água que caía sôbre o supliciado no Pátio do S. Domingos.

O pôrto de Macau vem a ser do futuro um porto que fará leiga concorrência a Hong-Kong.

O estado em que se encontrava a foi devido à incúria de 80 anos, e pelo sou desenvolvimento virá a ser uma ameaça para o porto de Hong-Kong.

Não apoiado do Sr. Velhinho Correia.

O Orador: - No Ministério das Colónias não se lêem documentos, ou melhor, só se lêem aqueles que querem ler.

Vim à metrópole propositadamente para expor êstes factos, mas o que não esperava era o apodo imerecido de menos patriota.

Quanto à minha demissão, se fôsse nomeado cem vezes, outras tantas demissões do bom grado aceitaria, a fim de que, finalmente, o assunto pudesse aqui ser tratado perante o Parlamento, como o está sendo.

Realmente, Sr. Presidente, pode parecer um pouco atrevida esta opinião - que realmente não é mais do que uma opinião - ou pelo menos vai ferir o espírito patriótico daqueles que me ouvem, a intromissão de elementos estrangeiros dentro das colónias portuguesas.

Eu devo confessar que realmente não penso assim.

Em tudo que represento valores do ordem económica, que nós não sabemos ou não podemos valorizar, ou não vejo que inconveniente possa haver em procurarmos os elementos necessários ao desenvolvimento dêsses factores.

Mas a solução do problema do porto de Macau, sob o aspecto económico o político, TIO meu modo do ver, e, conforme digo naquela nota e no meu relatório, não está na Junta Autónoma, mas sim na constituição do uma companhia que o explore e o desenvolva, arredada completamente a questão da soberania.

O porto de Macau ó, no meu modo de ver, repito, uma. experiência o uma garantia do restabelecimento das carreiras comerciais e marítimas paru o Extremo Oriento.

Tenho o dito muitas vozes, porque sou um fanático, e porque estas ideas precisam de ter fanáticos, para que elos, com os seus exageros, arrastem os tímidos.

Nós temos dispersas, daqui até ao maior mercado do mundo, umas pequenas colónias, cuja razão de ser foi principalmente comercial. Foi esta, repito, a razão da sua existência e da sua continuidade histórica.

Tivemos, durante 3 ou 4 séculos, o cuidado de ligar, comercial e maritimamente, Portugal até ao maior mercado do mundo, mas, depois, esquecemo-nos completamente disso, e, lembramo-nos apenas da África e do Brasil.

Mas, se nós, Sr. Presidente, pensamos em ser uma Nação independente, não no sentido de termos administradores e autoridades nossas, mas de vermos valorizados os recursos da nossa indústria e do nosso comércio, pela colocação dos seus produtos onde êles têm maior consumo, indo, no mesmo tempo, ali buscar aquilo de que carecemos, então, Sr. Presidente, aquilo que nós temos de ver no Extremo

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Oriente mão são apenas os valores representados pelos territórios, mais ou menos extensos.

São os portugueses espalhados por todo o Oriente que, apesar do nosso desconhecimento, vicejam, pi esporam e se desenvolvem.

£ Corno havemos de valorizar estas riquezas? Ligando-as, unindo-as à metrópole, valorizando-as o mais possível, porque milagre é como até agora se têm conservado e desenvolvido.

Para isso é indispensável, pelo menos, uma carreira com a nossa bandeira. Como o podemos fazer? Portugal não tem hoje recursos para isso mas precisamos, no entanto, não descurar o problema.

Quando construímos um quilómetro de estrada, pensamos, porventura, no rendimento que nos irá dar?... Não! O rendimento do quilómetro de estrada virá indirectamente.

Ora as carreiras marítimas, pelo espírito mais rudimentar do estadista, devem ser considerarias da mesma forma. E por isso precisamos de estabelecê-las, a hm de que as nossas mercadorias ali cheguem.

Onde buscar os recursos para isso?... A índia?... Não, que tem um orçamento deficitário. A Timor?... Também não. Onde estão elos então? Estão em Macau mesmo, se não foram consumidos em fumo ou nos vencimentos a funcionários, por vezes inúteis.

É preciso que o dinheiro não seja ali improdutivo e estéril, tal como aquele que se levantou na Inglaterra para construir o porto de Mormufrão. Não precisamos dos exemplos lá de fora. Mas infelizmente, como diz Schiller, creio, só há uma cousa que se aproveita da História: é vermos que os povos cometam sempre os mesmos erros, com as mesmas consequências sempre.

Diz-se que o futuro de Macau está no seu porto. Pode estar nele a sua morte também. Um porto não vale por si só, pela razão simples de estar melhor ou pior construído, de ser optimamente preparado; um porto, sob o ponto de vista económico, vale pelo que representa em relação ao comércio e à indústria.

Não temos em Macau nem comércio nem indústria, como seria para desejar.

E no dia em que o porto se abriu, depois dêsse bambúrrio do ocaso que foi a ida para Macau do Sr. Sanches de Miranda, que se colocou por cima da arca das patacas e disse: "não as haveis de consumir todas", desde que isso aconteceu o que é necessário é que o próprio porto dó recursos para que possa viver.

É um problema digno de apaixonar os homens para quem a idea de servir a sua Párrid é alguma cousa mais do que esta miséria que nos traz aqui divididos, em vez de nos juntar no mesmo esfôrço.

Poder-se-há dizer, Sr. Presidente, que Macau não terá os recursos necessários para manter os seus fundos, sendo assim absolutamente inútil tudo quanto se possa fazer; porém, eu não tenho essa opinião, antes, pelo contrário, estou absolutamente convencido de que o porto de Macau há-de concorrer, e muito, para o desenvolvimento comercial do Já para cá.

Estou absolutamente convencido de que, com um pouco de bom senso e uma boa administração, alguma cousa se poderá conseguir, pois a verdade é que o mal das nossas colónias é financeiro, não tendo elas os recursos necessários para fazer face aos seus encargos.

Legislando se com bom senso e administrando-se bem, eu tenho a certeza de que a situação se há-de modificar, e muito, não só sob o ponto de vista comercial, como sob o ponto de vista de ligação com o Oriente, assunto êste, a meu ver, da máxima importância para Portugal.

Esta é que é a minha maneira de ver sôbre o assunto, estando absolutamente certo de que a lógica está do meu lado.

Foi assim, com actos desta natureza, que eu servi o meu país.

O monopólio do ópio tinha sido arrematado por 3:500.000 dólares. A breve trecho, e sob o pretexto de que parto dêsse ópio é exportado para a América, o arrematante vinha declarar que os países da América já não o importavam. Mostrava documentos para provar que para o Chili não ia êsse ópio.

Então o Conselho do Govêrno de Macau, sem voltar a hasta pública, reduziu o rendimento em, pouco mais ou menos, 800:000 patacas. Não indico a quantia certa porque não me lembra.

O Sr. Ministro das Colónias (interrompendo): - V. Exa. não sabe, mas eu depois o direi à Câmara.

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O Orador: - O concessionário constituíu depois uma companhia para receber o ópio cru.

Compreendo que para o espírito da Câmara seja estranho o estar a falar lhe em ópio cru.

Eu direi, porém, à Câmara a fim de que lhe seja fácil atingir a importância dêstes assuntos relativos ao ópio, que essa questão do ópio é no Oriente como é aqui em Portugal a questão dos tabacos, que tanto interesso desenvolve em sua volta.

Feita a redução, a companhia que se havia formado obteve a concessão para importar certo número de caixas de ópio cru, som que pagasse qualquer cousa por essa importação.

Ao anunciar-se a ida do novo governador, foi sustada a autorização já concedida.

Devo declarar, por lealdade, que êste caso em nada respeita ao antigo governador Correia da Silva, Apenas lhe respeita a redução da renda do ópio.

Quando cheguei a Macau o concessionário reclamou perante mim contra o facto de lhe ter sido retirado um direito que já lhe havia sido concedido.

Eu, então, levei o caso à apreciação do Conselho Executivo da colónia.

Ali foi reconhecida toda a razão ao reclamante e foi-lhe deferido o pedido.

Eu, porém, fiz sentir ao concessionário que o Govêrno havia sido muito prejudicado na redução da ronda o que, portanto, as caixas importadas não poderiam deixar do pagar alguma cousa.

Êste assunto teve várias alternativas e por fim o concessionário passou-me um cheque de 100.000 dolares cheque passado em meu nome - que eu inutilizei o guardei para ser substituído por outro, passado em nome da Misericórdia.

Eram 100:000 dólares. Qualquer cousa como 1:500 contos, ao tempo.

Julga o Sr. Ministro que está num país onde não há o sentimento da dignidade dos lugares e das situações?

Deseja S. Exa. pôr se detrás da solidariedade ministerial para vir a Câmara ler dramaticamente, teatralmente, um documento desta natureza, como se fôsse uma formidável acusação?

Não receio nada. E digo-o a S. Exa. agora como lho disse quando me chamou, ao seu Gabinete.

S. Exa. nossa ocasião declarou-me:

"Você não merece a minha confiança; há divergência de opiniões e eu fui já obrigado até a fazer uma exposição à Legação de Londres. Portanto tem dois caminhos a seguir: ou demitir-se a seu pedido ou ser demitido."

Eu respondi-lhe:

"Sr. Ministro: tomo a sério as palavras de V. Exa., que são ditas em tem. de seriedade; mas que eu venha sancionar com a minha inconsciência um acto desta natureza, que é urna comédia, não!"

Replicou S. Exa.:

"Mas não e isso que eu desejo; o que eu quero é evitar consequências graves".

Eu pregunto: porque é que o Sr. Ministro não me chamou ao directório do nosso Partido para a me mostrar a necessidade que S. Exa. entendia existir em que eu pedisse a minha demissão?

Porque não me chamou ao menos ao Grupo Parlamentar Democrático, acusando mo, mas dando-me o recluso do eu poder defender-me?

Mas não. Era nos esconsos do seu Gabinete que eu devia suicidar-me infãmemente, sem poder apresentar todos os documentos perante os que teriam de me julgar.

Eu objectei a S. Exa.:

"Honro-me com a demissão que V. Exa. me queira dar. Justifique a com a minha falta de competência, com a sua falta de confiança ou, se quiser, até atribua-a traição à Pátria. Digne-se V. Exa., como Ministro da República, dar me essa honra, porque eu, que tenho ocupado vários lugares neste regime mereci a confiança do Govêrno Provisório e tendo servido com João Chagas, sucedeu que êste grande caudilho republicano se demitisse por ser solidário comigo na defesa das boas normas republicanas. Eu que já ocupei num Govêrno uma cadeira, durante um ano ao lado de alguém que alguém é na República, sinto me honrado em que V. Exa., Sr. Ministro da República, me demita".

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Sr. Presidente: eu tenho estado a falar na elevação do sentimento que me abrasa desde que me conheço, tenho estudo a falar supondo-me em República pela qual me tenho sacrificado, indiferente a todas as misérias.

Mas a realidade está ali na cadeira do Ministro das Colónias. É o posso, quero e mando; não dá explicações a ninguém.

Apoiados.

Os processos são estes: mandar, ofendendo a vida da República.

A discussão não é outro pessoas; mas isto é o modo de ser que ali está.

Sim, Sr. conde, o plebeu pobre Rodrigo Rodrigues, que tem ocupado altos cargos, nunca se esquece, quando entra aqui no Parlamento, e passa pela Covinha Económica, de que lá é que foi no tempo de estudante comer a sopa para poder ter a situação que tem, porque nunca quis acoitar o subsídio dos estudantes que podia ter como estudante distinto que sempre foi.

Supunha, repito, que estava em República.

O Sr. Américo Olavo: - V. Exa. dá-me licença? Eu preciso dar uma explicação à Câmara.

Quando estive motivo numa organização militar, tive ocasião de encontrar era casa do Sr. Correia da Silva vários republicanos.

Pareceu-me que V. Exa. quere dar a impressão à Câmara de que o Sr. Ministro das Colónias não é republicano.

Não é demais fazerem se estas afirmações.

O Orador: - Não são só as ideas que podem fazer considerar um homem republicano, são os processos.

Tenho dito.

Apoiado do Sr. Ministro das Colónias.

O orador não reviu.

O Sr. Ferreira da Rocha: - Peço a V. Exa. consulto a Câmara sôbre se consente a generalização do debato.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam o requerimento do Sr. Ferreira da Rocha ...

O Sr. Carvalho da Silva: - Peço a palavra sôbre o modo de votar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra sôbre o modo de votar o Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Carvalho da Silva: - Seria realmente lastimável que a maioria da Câmara tivesse o procedimento novo, absolutamente novo, de cortar um debate político que a Constituição manda seja feito logo que o Govêrno se apresente à Câmara, após uma suspensão do garantias, e após portanto e interregno parlamentar.

O Govêrno, que merece as maiores censuras, porque cometeu as maiores violências, saltando por cima da Constituição, para publicar decretos verdadeiramente ditatoriais, numa ditadura revolucionária, tem de dar coutas ao Parlamento e ao país que esteie acima da assemblea partidária do Licen Camões.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Submetido à votação o requerimento, foi aprovado em prova e, contraprova requerida pelo Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Ministro das Colónias (Correia da Silva): - Sr. Presidente: eu prometi a mim próprio que havia de ser absolutamente sereno, e quero cumprir a promessa que fiz.

Assim, vou começar por uma afirmação e estou certo do que a Câmara com ela concordará.

Não darei a êste debate, em que convém que se aprecie um acto administrativo, o aspecto do luta e de insulto outro dois republicanos.

Posto isto, começo por dizer que, embora nas afirmações que tenha a fazer, e nos documentos que tenha de ler, haja de verificar erros do administração financeira, no meu conceito, o homem que exonerei de governador de Macau é um homem honesto.

Apoiados.

Embora do documento que eu li e das minhas apreciações não possa deduzir senão que êsse homem cometeu erros muito graves em matéria de administração, que lhe estava entregue, sob o ponto de vista da soberania nacional, êsse homem, na minha opinião, é um português de leais sentimentos!

Apoiados.

Feitas preliminarmente estas duas afir-

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mações, demonstro a mim próprio que estou cumprindo a minha promessa, do estar sereno.

Eu ponho a questão neste pé: os republicanos só fazem mal à Republica, quando por simples espírito político e nas questões administrativas se enxovalham o denigrem.

Fazendo esta justiça, quero protestar contra a lama que só tem pretendido atirar-me na imprensa, e contra as insinuações que se pretendem fazer.

Sou um homem de bem o toda a vida o fui e as lições que recebi daquele que foi conde e que tenho a honra de ter tido por pai outra cousa me não ensinaram senão a ser um homem do bem.

Apoiados.

Essa lama que me pretenderam atirar não fez sequer uma nódoa no meu fato, quanto mais no meu carácter.

Posta a questão neste pó, evidentemente devo analisar o facto inicial de todo êste incidente, que foi a exoneração dada a um alto correligionário, do Govêrno que lhe estava confiado, e direi que, quando me curvei à imposição que me era feita para ser Ministro, de maneira alguma estava no meu espírito, nem no espirito do homem que me convidou, a intenção do que qualquer razão partidária me imporia a obrigação de me desviar do meu dever.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães):- Apoiado.

O Orador: - Ainda bem que o Sr. Presidente do Ministério veio confirmar, com O seu apoiado, a certeza absoluta em que eu estava de que. na sua intenção, quando bem contrariado me arrastou para êste pôsto, não havia a idea de que aos portugueses cabe acima de tudo o respeito a um partido, e depois o respeito aos interêsses do seu país.

Eu entendo, pelo contrário, que os portugueses que querem servir a pátria nos lugares públicos, e que para isso dão a sua adesão a qualquer partido, servem êsse partido principalmente quando bem servem Portugal.

Apoiados.

Sôbre se tive atenção ou não com o corpo dirigente do meu partido, penso que
talvez quem ficasse em dívida de algumas atenções fofa se êsse corpo dirigente para comido.

Eu, que antes de proceder contra um determinado graduado do meu partido, tive a atenção de me dirigir ao corpo dirigente dêsse partido para lhe expor as razões que me levaram a proceder, tive, evidentemente, a atenção que devia.

O corpo dirigente que, por qualquer razão, deixou do mo comunicar a sua resposta no prazo em que prometera dar-ma, faltou a uma atenção para comigo.

Apoiados.

Não fui eu quem andou mal.

Eu porém aceito como suficiente a atenção que comigo teve o vogal do directório do meu partido, que havia presidido à sessão a que eu comparecera, o que foi ao meu gabinete apresentar as explicações do sucedido.

Êste assunto, pois, deve ser desviado, mas o que não pode ficar de pé é a idea de que eu faltei àquilo que devia ao corpo dirigente do meu partido.

Cumpre-me esclarecer ainda que, faltando-me a resposta oficial dêsse corpo dirigente, embora eu tivesse tido todas as razoes para acreditar que essa resposta seria em concordância com o meu modo dever, entendi, ainda no meu dizer partidário, pedir ao Sr. Presidente do Ministério que reunisse os Ministros do partido para saber se sim ou não, em faço da falta desta resposta oficial, tu devia proceder como entendia necessário. E foi com a concordância de todos os Ministros menos correligionários que dei andamento ao procedimento que julguei necessário.

Parece que em face do meu partido cumprir o meu dever.

Dir-se-há: mas porque foi essa pressa?

Porque essa exoneração tinha de ser dada nessa data, porque o Govêrno entendia que devia comparecer perante a Câmara sem se sujeitar a que lhe fizessem a pergunta: porque é que não tinha procedido?

Visto que estava levantada no País a questão essencial que motivou a demissão, evidentemente que o Govêrno estava na contingência do que lhe fizessem essa pregunta e o seu dever era apresentar-se de cabeça erguida.

Tratava se de um alto vulto do partido, mas o Govêrno não se esqueceu de que era

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um Govêrno de Portugal e por isso procedeu da maneira como procedeu.

Na primeira vez que hoje falei neste assunto, li à Câmara um documento sôbre o qual, quási exclusivamente, versou o discurso do Sr. Rodrigo Rodrigues.

Quando eu chamei ao meu gabinete p então governador de Macau e lhe comuniquei que o Govêrno julgara necessária a sua substituição, apresentei como principal razão os passos dados por S. Exa. com respeito à exploração e administração do porto; razão muito grave, por si só mais do que suficiente, para justificar a atitude do Govêrno. Mas nessa ocasião disso a S. Exa. que muitos oram os pontos que como Ministro reprovara da sua acção governativa.

Muitos eram e são suficientes para que S. Exa. não devesse continuar nosso lugar, e direi que o que é lamentável - e não vai nisto, de nenhuma maneira, desprimor para com os meus antecessores - é que a vertigem com que passam os Ministros atrás uns dos outros, pela pasta das Colónias, os não deixe estudar e conhecer os assuntos da sua pasta, não lhes permitindo que jade há muito tivessem executado o que estava indicado: exonerar o Sr. governador de Macau.

O que agora sucede não é que S. Exa. seja exonerado antes do que devia ser, o que sucede é que é exonerado muito tardiamente.

S. Exa. na administração de Macau praticou erros gravíssimos, erros que foram reconhecidos por alguns dos Ministros, e que o Conselho Colonial continuadamente reconheceu, que as repartições do Ministério reconher eram, e unicamente, não me resta dúvida, essa vertigem com que os Ministros se substituem é que deu origem a que S. Exa. prolongasse por tara dilatados meses a sua acção de governador.

Eu classificarei os erros cometidos pelo Sr. governador de Macau, no exercício de governo, em três grupos principais: o primeiro, o desconhecimento absoluto dos limites da sua autoridade; exorbitou variadas veies o desrespeitou instruções da Metrópole, o que não me admira, porque quando S. Exa. e na nossa última conferência, no meu gabinete, teve conhecimento da reprovação do Ministério aos seus actos e me ouviu dizer - e nesse ponto parece-me que fui correcto porque julgava obedecer a um sentimento de delicadeza - que bastava essa divergência para que S. Exa. fundamentasse devidamente o SHU pedido de exoneração, facilitando assim a mim e ao Govêrno uma forma menos dura, menos desagradável de cumprir o que ora um dever, afastá-lo do seu lugar, S. Exa. disse-me que não precisava da confiança do Ministro, que não era um simples governador civil. E é exactamente nesse critério, nessa perigosa interpretação dos seus poderes e dos seus deveres, que está a causa principal dos seus graves erros.

De forma alguma os Ministros das Colónias podem estar neste lugar a ser sempre chamados à barra pelos casos cometidos pelo governadores das colónias, e podem deixar de ter nesses lugares homens que respeitem as suas indicações.

O Sr. Rodrigo Rodrigues tem o critério de que, pelo facto de ocupar o seu lugar de governador por uma votação do Senado, foi exercer êsse lugar com toda a independência. É um critério que por fórma alguma se pode deixar subsistir. A aprovação do Senado não representa de modo algum que um governador possa ir para uma colónia governar independentemente da acção e do critério da metrópole, e direi mais, que desde que sou Ministro partiu apenas um governador a ocupar o sou lugar, o Sr. Alto Comissário da República em Angola; êsse funcionário recebeu instruções escritas que redigi e submeti à aprovação do Conselho de Ministros, instruções que hão-de servir de norma ao seu governo em Angola, e, apesar de ter sido votado pelo Senado, afirmo à Câmara - e se eu êrro a Câmara que mo diga - que, se êsse governador me tivesse dito que aquelas instruções não seriam cumpridas, porque divergiam do seu modo de ver, S. Exa. não partia a ocupar o seu pôsto.

Dos factos que demonstram para mim, e do urna forma que não carece do mais demonstração, que S. Exa. exercia sem limites a sua autoridade na colónia, um refiro à Câmara, com que a Câmara vai talvez ficar surpreendida.

Havia um professor no liceu de Macau que. pelo seu procedimento, era, suponho eu, imoral. O Sr. governador de Macau

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deportou o referido professor para a ilha da Taipa.

Êsse professor esteve deportado numa ilha durante sete meses, ao fim dos quais se meteu num barco chinês, conseguindo assim fugir do seu degredo e Entrando em Macau. Pois voltou a ser preso e mandado autuar porque tinha desobedecido ao governador!

E isto que S. Exa. e considera governar republicanamente? Está bem, é certamente da futura Constituição; da presente e de qualquer outra Constituição republicana parece me que não é.

Sôbre o desconhecimento em que S. Exa. tinha a hierarquia que o submetia directamente ao Ministério das Colónias limitar-me-hei a ler algumas informações. Temos aqui uma informarão redigida por um funcionário das colónias, Sr. Nobroga Quintal, que diz:

"O presente ofício n.° 126 do Govêrno de Macau responde ao ofício desta Direcção Geral n.º 23 do 15 de Dezembro do ano findo, em que se comunica a êsse Govêrno, por cópia, o ofício n.° 112/11 do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de 18 de Dezembro de 1923.

Cabe aqui, desde já, dizer-se que não se pedia ao governador para responder directamente ao Ministério dos Negocies Estrangeiros.

Pedia-80-lho, simplesmente, que informasse êste Ministério sôbre o ofício do Ministério dos Negócios Estrangeiros e, ao mesmo tempo, ao referido Ministério comunicava-se (oficio n.° 235 de 14 de Dezembro de 1923), "que o referido oficio será devidamente respondido logo que se obtenham as informações pedidas ao Govêrno de Macau":

Tratava-se tam sòmente de uma explicação que dávamos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros para justificar a demora na resposta dêste Ministério ao seu ofício, o do maneira nenhuma queríamos dizer-lhe que o Govêrno provincial lhe responderia directamente. Também a êste apenas pedíamos a sua informação.

Parece me supérfluo acentuar o que tem de irregular e inconveniente o acto do governador dirigindo-se directamente, como confessa, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros,

E sobretudo neste momentoso assunto em que as suas opiniões muitas vezes têm divergido das do Ministério das Colónias que é afinal quem tem de, em última análise, marcar n orientação definitiva, a inconveniência da sua atitude é bem patente para que seja necessário acentuá-la",

Quere dizer, num problema em que S. Exa. divergia da opinião do Ministro, saltou por cima do Ministro, dirigindo se ao Ministério dos Negócios Estrangeiros para promover que a sua orientação vingasse.

Pode, porventura, permitir-se que esta norma de proceder se mantenha na administração das colónias?

Evidentemente que não.

Os Ministros que vem aqui responder, ante as exigências de V. Exas., não podem aceitar que um delegado do Govêrno da República que se encontra nas colónias desrespeite por esta forma a orientação do Govêrno da República,

Ainda, outro assunto.

Diz uma outra informação do Ministério em outro processo:

"Desnecessário só torna frisar as graves consequências que podem advir do sistema adoptado pelo Govêrno de Macau em tomar medidas irreparáveis sôbre assuntos de gravidade pendentes da solução ministerial e que podem ou não ser modificadas, ou mesmo reprovadas. Comparado com o que acabo de dizer a quebra de praxe e a falta de cumprimento à lei que o caso em si representa nada é".

Não são êstes apenas os únicos factos concretos.

Se, um que vários outros pudesse expor à Câmara, não o faço, para não alongar demasiadamente a minha exposição, muito mais quanto é certo que a Câmara tem urgência no debate político, a que tenho de atender; porém, se é meu desejo não ser longo, desde já devo dizer à Câmara que muito curto também não poderei ser.

Enumerarei simplesmente alguns nascidos de formosas ideas que teve o governador de Macau.

Ao mencionar ossos factos estou simultaneamente em dois campos, um que diz respeito ao abuso de autoridade e o outro à má administração financeira.

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Não há dúvida do que era uma formosa idea a do lar dos portugueses no Oriente, que visava a construir nas cidades estrangeiras orientais onde há núcleos de portugueses, edifícios, que fossem simultaneamente e insulado, associação da colónia, emfim, edifício da família portuguesa.

Tara a pôr em realização em Shanghai, quis S. Exa. construir um belo edifício; mas não tinha nem dinheiro nem foi ma legal para o fazer; não se importou porem, e recorrendo a um empréstimo de 1:200 contos com, garantia do Govêrno no Banco Nacional Ultramarino o saltando por cima das exigências da lei, mandou-o construir. Quis fazer um consulado em Cantão, por sinal que- com capela e casa para o pároco, e lá foram mais 900 contos, sem lei alguma que o autorizasse.

Outro caso da mesma ordem é o da compra dum edifício para a Legação em Pequim.

Estou a ver o Sr. Rodrigo Rodrigues observar se eu não teria tido, antes de S. Exa., essa mesma idea.

Não há dúvida que tive, e justificada a considero, porque a Legação funcionava fora do Bairro Diplomático, numa casa da cidade china, em condições inconvenientes.

Tornava-se indicado evidentemente aproveitar uma oportunidade que permitisse estabelecer a Legação no Bairro Diplomático. Essa indicação mais forte se tornou quando o nosso Ministro passou a exercer as funções de decano, o que na China tem uma importância muito grande, porque o corpo diplomático é, como V. Exas. sabem, alguma cousa de importante, de efectivamente actuante na vida chinesa.

Apareceu uma casa que constituía uma concessão feita pela China à Alemanha, e estava por esta arrendada a determinado cidadão. Informado pelo Ministro em Pequim, de que havia probabilidades de fazer combinações para aquisição desta casa, transmiti a informação para o Ministro, pedindo-lhe para a transmiti, por sua vez, ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de então, e disse: "Se fôr possível à província de Macau, dentro das suas disponibilidades, facilitará ela a operação", então prevista em 50:000 patacas.

Tornei, pois, essa operação dependente dos recursos que a colónia tivesse e do que o Govêrno resolvesse como maneira legal de a executar. Foi o Sr. Rodrigo Rodrigues. S. Exa. achou realmente que a idea era sedutora, mas não se prendeu, como eu, nem com as dificuldades do recursos, nem com as de ordem legal, e substituiu-se ao Ministro das Colónias, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, e, por uma operação escriturada na Direcção da Fazenda de Macau, tornou esta colónia possuidora do prédio do Bairro Diplomático peia importância de cêrca de 1:000 contos.

Este facto é simultaneamente demonstrativo da pouca defesa dos dinheiros da colónia e do desrespeito pela autoridade de Lisboa, e ainda do desconhecimento do limite das suas atribuições. Mas há mais.

Havia em Macau um antigo convento que tinha servido durante alguns anos, ainda no tempo da monarquia, a um colégio feminino de irmãs. Era uma pertença da instituição que se chamava Colégio de Santa Rosa de Lima, governada por uma comissão presidida pelo bispo da diocese.

Quando cheguei a Macau - sabem V. Exas. que fui eu o governador que precedeu o Sr. Rodrigo Rodrigues - estava instalado no convento um depósito de material de guerra. O bispo instou comigo para que eu desocupasse o colégio.- Eu resisti quanto pude a ceder-lhe, pela simples razão de que me era muito difícil obter outro edifício para o serviço militar que lá estava instalado, serviço agravado ainda por ter vindo para Macau um contingente de tropas, por motivo de perturbações graves, às quais S. Exa. se referiu com censura para mim, mas que a Câmara apreciará depois, porque a elas me referirei detalhadamente. E a todas as instâncias do bispo da diocese eu realmente resisti, pela necessidade em que estava do ter aquele edifício para fins militares.

Houve uma semi-combinação; se em algum orçamento eu pudesse dispor de verba suficiente construir seria ou ampliar-se-ia um edifício destinado a êsse colégio; em troca, a comissão entregaria o convento definitivamente ao Govêrno, visto que o Govêrno não poderia prescindir dêle.

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O Sr. Rodrigo Rodrigues, mal chegou a Macau, obedecendo aos bolos intuitos pacíficos que levaram S. Exa. ao Extremo Oriente, e que fizeram convencê-lo de que até hoje só S. Exa. teve a exacta noção da maneira como Portugal tem do viver na China, tirou a companhia de soldados portugueses do seu quartel, no convento, colocando-a numa ilha afastada; tirou também dali o material e pô-lo nos baixos do Palácio do Govêrno, entregou o edifício para o colégio e... inscreveu no orçamento a quantia de 1:300 contos para a compra dum novo edifício a ofertar ainda em duplicado para o mesmo colégio.

Será isto defender os interêsses da colónia? É possível. Para mim, porém, parece-me que é olhá-los com muita despreocupação.

Quando o Sr. Rodrigo Rodrigues entrou na colónia, por apresentação do Sr. Rodrigues Gaspar, eu tivera o prazer de ter, em longas conferências, oportunidade do dizer a S. Exa. o que pensava sôbre os problemas de Macau, o lembro-mo muito bom de queime disseque dois, principalmente, havia para preocupar quem fôsse seguir aquela administração, ambos de longa execução, e que eram: um o problema financeiro da colónia, outro o da exploração do pôrto.

Eram os dois capitais problemas de que S. Exa. tinha de se ocupar.

A forma como entendeu resolver o problema financeiro, V. Exas. estão vendo como foi.

Agora vou entrar num outro ponto da administração financeira, e, ao entrar nêle, quero repetir mais uma vez que, ao contrário do que mo parece que S. Exa. pretendeu, com palavras que tam directamente me dirigiu, lançar sôbre mim, homem de bem, a suspeita de que no problema do ópio deixei de ser êsse homem de bem...

O Sr. Rodrigo Rodrigues (interrompendo). - Devo dizer a V. Exa. que mantenho sempre a mesma opinião sôbre a sua honorabilidade.

O Orador: - Muito obrigado a V. Exa. por essa explicação, a qual desfaz a impressão desagradabilíssima que há bocado me ficou das palavras que então proferiu.

O Sr. Rodrigo Rodrigues, apesar do que eu vou comunicar à Câmara, é sempre para mim o mesmo homem de bem. Di-lo o seu passado. Mas há mais. S. Exa. veio de Macau, respeitado pela comunidade chinesa. E isso é um sintoma de muita significação.

S. Exa. referiu-se a uns documentos brilhantes que trouxe do seu governo, a umas mensagens em sêda, que foram dirigidas ao Govêrno, das quais S. Exa. foi portador, e que estão, se não me engano, no Senado.

Pois eu direi: na minha casa, a qual V. Exas. muito me honrarão dignando-se visitá-la, há também duas mensagens dessa natureza. E não podem lá existir mais porque na minha família só houve deis governadores do Macau: meu pai e eu. A que me foi endereçada tem para mim uns dizeres que dão realmente muita satisfação a um homem. São estas palavras o seu tema principal: "Governador honesto, felicidade dos povos".

Pois bem, eu também considero o Sr. Rodrigo Rodrigues um homem honesto.

Mas em matéria de administração financeira, S. Exa. errou. Não tenho dúvida alguma que errou.

O Sr. Rodrigo Rodrigues referiu-se a um a alteração por mim autorizada num contrato de arrematação de ópio, de que resultou uma redução da respectiva renda, não podendo precisar o quantum dessa redução por não lhe lembrar.

Eu lembro-me perfeitamente.

O quantum de tal redução é de 800:000 patacas, anualmente.

O exclusivo estava arrematado por 3:950.000 patacas.

Alegando várias causas, o arrematante fez sucessivos pedidos para que fôsse feita uma redução.

O Govêrno da colónia indeferiu sempre todos êsses pedidos.

Surge, porém, um momento, em que pelo consulado de Portugal em Hong-Kong é comunicado que houvera troca de telegramas, por intermédio dêsse consulado, a pedido do arrematante em questão, com o consulado em S. Thiago do Chili, a sabor se estava ou não estava proibida a importação do ópio no Chili.

A resposta fora afirmativa.

Então o cônsul, aterrado com êsso facto, visto que o Chili constituía o único

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mercado que havia como destino ao ópio ido de Macau, comunicou o caso confidencialmente ao Govêrno de Macau e êste Govêrno achou-se em face disto: de um lado os pedidos do concessionário reclamando redução da renda; de outro lado o receio de que o encerramento daquele mercado pudesse ser reconhecido como caso de fôrça maior para o concessionário poder rescindir o contrato, ficando senhor da caução, nada menos que a terça parte da renda anual: 1.300:000 patacas.

Estávamos, pois, em presença de um problema grave e de difícil solução.

Expôs se para Lisboa, o que havia. De Lisboa, como muitas vezes sucede, fez-se silêncio.

Retiniu-se por duas vezes o Conselho Executivo. Reuniu depois em sessão secreta o Conselho Legislativo. Expediu-se novo telegrama para Lisboa pedindo uma resposta urgente, e finalmente reuniu-se o Conselho Legislativo que reconheceu ser da competência do Govêrno fazer aquela alteração ao contrato, e por uma última vez o Conselho Executivo, quando o concessionário se encontrava já pedindo moratória da renda, foi deferido o respectivo pedido.

Tenho aqui as actas devidamente autenticadas, porque ser homem de bem não basta; é preciso parecê-lo e prová-lo também.

Não posso, deixar de fazer justiça ao carácter do ex-governador do Macau, e digo que o considero homem de bem; mas reconheço que S. Exa., embora homem de bem, procedeu com menos precauções em assunto de tal natureza.

Eu leio à Câmara uma exposição que me foi dirigida, após uma conferência em que verbalmente me foi comunicado êste assunto, por um vogal do Conselho Legislativo e vice-Presidente do Leal Senado de Macau, actualmente em Lisboa. Esta informação está confirmada nas cópias dos contratos e das actas existentes no Ministério.

Diz a comunicação:

"Ex.mo Sr. Ministro das Colónias. - Deseja V. Exa. que, na minha qualidade de membro do Conselho Legislativo de Macau, eu exponha os factos que me levaram a, em sessões daquele conselho,

procurar pôr termo aos prejuízos que a colónia vinha sofrendo, em consequência de um contrato celebrado com o arrematante do comércio do ópio.

E o que passo a fazer nos seguintes termos:

Tendo corrido em Macau, em meados de Setembro de 1924, que o Govêrno tinha celebrado um contrato suplementar secreto com o arrematante do ópio, cuja execução se mostrou prejudicial aos interêsses da colónia, pedi numa das sessões ordinárias os esclarecimentos necessários para poder tratar do assunto em sessão do Conselho Legislativo, a fim de ver se o contrato podia ser alterado ou rescindido.

Êsses esclarecimentos foram me fornecidos e verifiquei que de facto o Govêrno tinha dado à Companhia Yue Sing o exclusivo do ópio, mediante o pagamento de uma quantia a? por cada caixa, quantia que seria maior ou menor, conforme a importância pela qual o arrematante declarava ter comprado o ópio em mercados fora da índia inglesa, visto nesta última estar proibida a exportação para Macau.

A fórmula designada no contrato era esta:

Se o arrematante comprasse ópio sem ser directamente da índia a 6.000$ por caixa, teria de pagar ao Estado 6.500$ por cada caixa. Se comprasse por mais ou por menos ópio da índia, em qualquer outro mercado, teria de pagar ao Estado uma quantia em patacas igual ao cociente da divisão de 21.000.000 pela importância em patacas que o arrematante declarasse ser o preço da compra de cada caixa.

Como o Govêrno não tinha forma de verificar se o preço declarado pelo arrematante era verdadeiro, êste ia aumentando a importância do preço por que declarava ter comprado o ópio em Kwang-Chaw-Wan e o Estado ia recebendo, de mês a mês, menor renda.

Foi nestas condições que todo o Conselho Legislativo entendeu, por unanimidade, que o contrato estava mal feito e que tinha de ser alterado de forma a obrigar o arrematante a pagar uma quantia fixa de 3.000$, se não me engano, por cada caixa de ópio importado, qualquer que fôsse o preço da compra alegado pelo arrematante.

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26 Diário da Câmara dos Deputados

Isto ficou resolvido depois do uma larga discussão em duas sessões secretas do Conselho Legislativo do 24 e £Í5 do Outubro do ano próximo passado, tendo sido lavradas as respectivas actas que deveis constar dos arquivos do Ministério das Colónias.

Lisboa, 2 do Junho de 1925.

O vogal do Conselho Legislativo de Macau, António Maria da Silva".

Ora eu, repito, faço a justiça de dizer que o Sr. ex-governador de Macau andou com urna intenção honesta ao fazer êste contrato. S. Exa. supunha, eu sei, que era impossível obter do Govêrno da colónia francesa de Kou-chao-wau a documentação bastante para que o arrematante não pudesse ludibriar o Govêrno de Macau.

Sei que S. Exa. declarou ao Conselho Executivo que estava certo de que essa documentação lhe seria fornecida pelo Govêrno Francês.

Mas o que é certo é que o Govêrno Francos não se prestou a dar essa documentação, e o ópio passou a termo miserável venda mensal, devido ao ludíbrio do arrematante.

Sr. Presidente: eu não sigo os processos de ataque que me foram feitos na imprensa e em que se pretende, lançar lama sôbre mim. Creio que o Sr. Rodrigo Rodrigues é um homem do bem.

Creio que o é, mas foi incontestavelmente um péssimo administrador.

Sr. Presidente: a hora vai adiantada e eu ainda tenho muito que dizer. A questão por mim apresentada do memorandum dirigido ao Govêrno Inglês, o problema da exploração do porto, a política portuguesa na China e os acordos feitos, os incidentes ocorridos, tudo isso são assuntos do mais alto interesso que merecem ser conhecidos pormenorizadamente do Parlamento da República.

E eu tenho responsabilidades tam grandes sôbre os meus ombros como governador de Macau, passei momentos tam angustiosos e sombrios, que não é demais pedir que a Câmara mo oiça, para que ela, fazendo justiça a acção do Sr. Rodrigo Rodrigues naquilo que ela tem de bom, a preste igualmente àqueles que lá estiveram antes de S. Exa.

Tenho dito.

O Sr. Carvalho da Silva: - Requeiro que seja consultada a Câmara sôbre se consente a prorrogação da sessão, apenas com uma interrupção para se ir jantar, até terminar o assunto em discussão.

Consultada a Câmara, é rejeitado.

O Sr. Carvalho da Silva: - Requeiro a contraprova o invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procede-se à contagem.

O Sr. Presidente: - Estão de pé 49 Srs. Deputados e sentados 17.

Está rejeitado.

Antes de se encerrar a sessão

O Sr. Francisco Cruz: - Sr. Presidente: como Deputado pelo círculo do Tomar acabo de receber um telegrama comunicando-mo um triste acontecimento que todos os homens do coração têm sinceramente de lastimar, porque êle inesperadamente atira para a minoria algumas centenas de famílias.

Uma terrível tempestade acompanhada de muita água e de granizo devastou quási por completo os campos do Sardoal, destruindo as sementeiras, derrubando casas e fazendo algumas vítimas.

Dada a grandeza do desastre, é indispensável que o Govêrno mando ali um delegado sou que, pôsto ao facto dos prejuízos, possa aconselhá-lo a tomar as providências indispensáveis.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Vitorino Guimarães): - Eu tive há poucos minutos conhecimento do facto a que acaba do se referir o Sr. Francisco Cruz, por intermédio de dois Srs. Deputados pelo círculo de Tomar, aos quais respondi que, pelo Ministério da Agricultura, ia enviar ao Sardoal pessoa competente que aí fôsse avaliar os prejuízos causados pela tempestade, informando o Govêrno sôbre só êles eram de natureza a exigirem o sou auxílio, tal como sucedeu Aquando do incêndio do Furadouro.

Se os prejuízos foram efectivamente como os aponta o Sr. Francisco Cruz, o Govêrno terá de prestar o seu auxilio a

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Sessão de 3 de Junho de 1925 7

êsses povos, não com as verbas existentes no Ministério do Trabalho, que seriam deminutas, mas pelo Ministério do Comércio.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - A próxima sossão é amanhã com a seguinte ordem do dia:

A que estava marcada.

Parecer n.° 881, que faculta aos párocos que estavam colados nas igrejas do continente e ilhas à data que foi publicada a lei de separação o requererem dentro do praso de 90 dias o reconhecimento do seu direito de aposentação.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Documentos enviados para a Mesa durante a sessão

Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério dos Estrangeiros, me seja autorizado o exame de todos os documentos existentes na secretaria da comissão executiva do Tratado de Paz referentes a execução dos acordos internacionais sôbre o problema das reparações alemãs. - Alberto Xavier.

Expeça-se.

Requeiro que, pelo Ministério da Instrução Pública, me seja facultado o exame dos seguintes documentos: processo de sindicância aos liceus de Chaves e Vila Real. - Alberto Jordão.

Expeça-se.

Eequeiro que, pelo Ministério do Interior, me seja facultado o exame do processo de sindicância ao comissário da polícia cívica de Evora, António Francisco Godinho Lobo. - Alberto Jordão.

Expeça se.

Requeiro que, pelo Ministério da Justiça, me seja fornecida cópia do processo de inquérito ou sindicância aos actos do delegado do Procurador da República, Sr. José Ferreira da Silva, inquérito ou sindicância que determinou ou serviu de pretexto à sua transferência de Évora para a Sertã.

Em 3 de Junho de 1925. - Alberto Jordão.

Expeça-se.

Pareceres

Da comissão de correios e telégrafos, sôbre o n.º 917-C, que cria um sêlo comemorativo da Independência de Portugal.

Para a comissão de guerra.

Da comissão de guerra, sôbre o n.° 893 H, que estabeleço os limites de idade para os oficiais dos quadros permanentes do serviço farmacêutico e Secretariado Militar.

Para a comissão de finanças.

Da comissão de guerra, sôbre o n.° 893-I, que regula a promoção ao pôsto de tenente dos alferes de todas as armas e serviços do exército.

Para a comissão de finanças.

O REDACTOR - Avelino de Almeida.

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