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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.° 79

EM 15 DE JUNHO DE 1925

Presidência do Exmo. Sr. Domingos Leite Pereira.

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
João de Ornelas da Silva

Sumário. - Respondem à chamada 41 Srs. Deputados.

É lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.

Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Sá Pereira requere que entrem em discussão dois projectos de lei vindos do Senado.

Usa da palavra sôbre o modo de votar o Sr. Maldonado de Freitas.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu trata da intenção, que se atribui ao Sr. Ministro da Justiça (Adolfo Coutinho), da criação de seis novas comarcas.

Responde o Sr. Ministro, replicando o Sr. Cancela de Abreu.

Usa da palavra para interrogar a Mesa, sôbre requerimentos que se escutara em sessão anterior, o Sr. Tavares de Carvalho.

O Sr. Presidente comunica que vai continuar a discussão do parecer n.° 872, referente a assembleas eleitorais nas cidades de Lisboa e Pôrto, requerendo o Sr. Pedro Pita que êle veja retirado da discussão, requerimento que é rejeitado em prova e contraprova.

Continua a discussão do parecer citado, usando da palavra o Sr. Carvalho da Silva, que não conclui o seu discurso.

Sôbre a acta o Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho) declara pretender fazer rectificações a asserções do Sr. Cunha Leal, mas que se reserva para quando êste Sr. Deputado esteja presente.

Para explicações fala o Sr. Pedro Pita.

Ordem do dia. - O Sr. Pires Monteiro propõe uma saudação à marinha pelo êxito do périplo africano.

Apresenta, uma moção, que é aprovada, usando da palavra os Srs. Jaime de Sousa, Pedro Pila, Carvalho da Silva, Sá Cardoso, Rodrigues Gaspar, Dinis da Fonseca, Torres Garcia, Agatão Lança e Ministro da Marinha (Pereira da Silva).

A moção é aprovada por unanimidade.

Dá explicações sôbre os trabalhos da sessão o Sr. Presidente, e interroga a Mesa o Sr. Rodrigues Gaspar.

Continua o debate sôbre o negócio urgente referente à administração da província de Macau, usando da palavra o Sr. Ferreira da Rocha, que estava com ela reservada. Conclui o seu discurso, apresentando uma moção de ordem, que é admitida em prova e contraprovo.

Segue-se o Sr. Velhinho Correia, que também apresenta uma moção, e fica com a palavra, reservada.

Antes de se encerrar a sessão. - O Sr. Carvalho da Silva trata de assuntos eleitorais no concelho de Alenquer, circulo de Vila Franca de Xira.

Responde o Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho).

O Sr. Sá Pereira trata da falta de água em Lisboa, respondendo o Sr. Ministro do Comércio (Ferreira de Simas).

O Sr. Maldonado de Freitas refere-se á repartição de finanças do concelho de Pombal.

Encerra-se a sessão, marcando-se a imediata para o dia seguinte.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão. - Projecto de lei. - Proposta de lei - Requerimentos.

Abertura da sessão às 15 horas e 35 minutos.

Presentes à chamada 41 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 34 Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Alberto Ferreira Vidal.
Alfredo Rodrigues Gaspar.
Amadeu Leite de Vasconcelos.
António Alberto Tôrres Garcia.

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2 Diário da Câmara dos Deputodos

António Albino Marques de Azevedo.
António Augusto Tavares Ferreira.
António Dias.
António Pais da Silva Marques.
Artur Brandão.
Artur de Morais Carvalho.
Artur Rodrigues do Almeida Ribeiro.
Baltasar de Almeida Teixeira.
Custódio Maldonado do Freitas.
Domingos Leite Pereira.
Ernesto Carneiro Franco.
Francisco Cruz.
Francisco Dinis de Carvalho.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.
Jaime Júlio de Sousa.
João José da Conceição Camoesas.
João Pina de Morais Júnior.
João de Sousa Uva.
Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.
Joaquim Brandão.
Joaquim Ribeiro de Carvalho.
José Cortês dos Santos.
José Mendes Nunes Loureiro.
José Pedro Ferreira.
Lúcio de Campos Martins.
Luís António da Silva Tavares de Carvalho.
Luís da Costa Amorim.
Manuel Ferreira da Rocha.
Mário Moniz Pamplona Ramos.
Nuno Simões.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro Augusto Pereira de Castro.
Pedro Januário do Valo Sá Pereira.
Rodrigo José Rodrigues.
Valentim Guerra.
Vitorino Henriques Godinho.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.
Albano Augusto de Portugal Durão.
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.
Amaro Garcia Loureiro.
Américo Olavo Correia do Azevedo.
Aníbal Lúcio de Azevedo.
António Maria da Silva.
António de Mendonça.
António de Paiva Gomes.
Armando Pereira de Castro Agatão Lança.
Artur Virgínio do Brito Carvalho da Silva.
Bernardo Ferreira do Matos.
Carlos Cândido Pereira.
Carlos Eugénio do Vasconcelos.
Carlos Olavo Correia de Azevedo.
Constâncio de Oliveira.
Custódio Martins de Paiva.
Delfim Costa.
Feliz de Morais Barreira.
Hermano José de Medeiros.
João Luís Ricardo.
João de Ornelas da Silva.
Joaquim Dinis da Fonseca.
José Domingues dos Santos.
José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.
José de Oliveira da Costa Gonçalves.
Lourenço Correia Gomes.
Manuel Alegre.
Manuel de Brito Camacho.
Matias Boleto Ferreira de Mira.
Pedro Góis Pita.
Vasco Borges.
Vergílio Saque.
Viriato Gomos da Fonseca.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.
Abílio Marques Mourão.
Adriano António Crispiniano da Fonseca.
Afonso Angusto da Costa.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Aires de Ornelas o Vasconcelos.
Alberto Carneiro Alves da Cruz.
Alberto Jordão Marques da Costa.
Alberto Lelo Portela.
Alberto de Moura Pinto.
Alberto da Rocha Saraiva.
Alberto Xavier.
Albino Pinto da Fonseca.
Alfredo Pinto do Azevedo e Sousa.
Álvaro Xavier de Castro.
Américo da Silva Castro.
Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.
António Abranches Ferrão.
António Correia.
António Ginestal Machado.
António Joaquim Ferreira da Fonseca.
António Lino Neto.

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António Pinto de Meireles Barriga.
António Resende.
António do Sousa Maia.
António Vicente Ferreira.
Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.
Augusto Pereira Nobre.
Augusto Pires do Vale.
Bartolomeu dos Mártires Sousa Severino.
David Augusto Rodrigues.
Delfim de Araújo Moreira Lopes.
Eugénio Rodrigues Aresta
Fausto Cardoso de Figueiredo.
Fernando Augusto Freiria.
Francisco Coelho do Amaral Reis.
Francisco da Cunha Rêgo Chaves.
Francisco Manuel Homem Cristo.
Francisco Pinto da Cunha Leal.
Germano José de Amorim.
Jaime Duarte Silva.
Jaime Pires Cansado.
João Baptista da Silva.
João Cardoso Moniz Bacelar.
João Estêvão Águas.
João José Luís Damas.
João Pereira Bastos.
João Salema.
João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.
João Vitorino Mealha.
Joaquim José de Oliveira.
Joaquim Narciso da Silva Matos.
Jorge Barros Capinha.
José António de Mngalhães.
José Carvalho dos Santos.
José Joaquim Gomos de Vilhena.
José Marques Loureiro.
José Mondes Ribeiro Norton de Matos.
José Novais do Carvalho Soares de Medeiros.
José de Oliveira Salvador.
José de Vasconcelos de Sousa e Nápoles.
Júlio Gonçalves.
Júlio Henrique do Abreu.
Juvenal Henrique de Araújo.
Leonardo José Coimbra.
Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.
Manuel Duarte.
Manuel Eduardo da Costa Fragoso.
Manuel de Sousa da Câmara.
Manuel de Sousa Coutinho.
Manuel de Sousa Dias Júnior.
Marcos Cirilo Lopes Leitão.
Mariano Martins.
Mariano Rocha Felgueiras.
Mário de Magalhães Infante.
Maximino de Matos.
Paulo da Costa Menano.
Paulo Limpo de Lacerda.
Plínio Octávio de Sant'Ana e Silva.
Sebastião de Herédia.
Teófilo Maciel Pais Carneiro.
Tomás de Sousa Rosa.
Tomé José de Barros Queiroz
Ventura Malheiro Reimão.
Vergílio da Conceição Costa.
Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Ás 15 horas e 20 minutos começou a fazer-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 41 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Leu-se a acta.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Da delegação da Procuradoria da República das Caldas da Rainha, pedindo a comparência naquela delegação no dia 17 do corrente, pelas 12 horas, do Sr. Custódio Maldonado de Freitas, para depor como testemunha nuus autos de corpo de delito.

Comunique se que n Mesa não pode autorizar qualquer Sr. Deputado a comparecer nos tribunais.

Apenas pode submeter à Câmara o pedido de autorização o que se refere o artigo 16.° da Constituição.

Do Ministério da Justiça, respondendo ao oficio n.° 259 que transmitiu o pedido do Sr. Angelo Sampaio Maia.

Para a Secretaria.

Da Associação Comercial dos Lojistas de Lisboa, acompanhando uma representação contra o projecto de lei n.° 917-C.

Para a comissão de guerra.

Da Câmara Municipal da Marinha Grande, pedindo a aprovação do projecto que

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lhe manda entregar um terreno para construção de uma avenida.

Para a comissão de administração pública.

Da Câmara Municipal de Évora, protestando, contra as determinações do decreto n.° 10:770, àcerca dos corpos administrativos.

Para a comissão de instrução primária.

Telegramas

Do Sr. Presidente do Ministério, comunicando que, por ter de assistir à solenidade do Congresso Scientífico de Coimbra, não pode comparecer hoje na Câmara.

Para a Secretaria.

Dos funcionários da câmara do Alandroal, pedindo aprovação projecto de lei apresentado pelo Sr. Costa Júnior.

Para a Secretaria.

Dos funcionários administrativos de Sabrosa, pedindo o pagamento das melhorias atrasadas desde Janeiro,

Para a Secretaria.

Da junta escolar de Redondo pedindo a revogação do decreto n.° 10:776.

Para a Secretaria.

Requerimento

De Pedro Elisiário Moreira Correia, pedindo para se lho melhorar o vencimento a que se refere o parecer n.° 817.

Para a comissão de finanças.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai entrar-se no período de antes da ordem do dia.

O Sr. Sá Pereira: - Sr. Presidente: eu pedi a palavra para solicitar de V. Exa. o favor de consultar a Câmara sôbre se ela admite que se discutam desde já dois projectos vindos do Senado, um dizendo respeito a revolucionários civis o outro ao Sr. Pais Gomes.

O Sr. Maldonado de Freitas (para interrogar a Mesa): - Sr. Presidente: peço a V. Exa. a fineza de me dizer se estou inscrito sôbre o modo do votar, para quando fôr pôsto à votação o requerimento do Sr. Sá Pereira.

O Sr. Presidente: - Sim, senhor.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: já por várias vezes tive ocasião de mo ocupar nesta Câmara da intenção do Sr. Ministro da Justiça àcerca da criação do mais cinco ou seis comarcas novas no País.

E insistente, Sr. Presidente, a afirmação de que o Sr. Ministro da Justiça pretendo criar as comarcas do Penamacor, Carregai do Sal, Ferreira do Zêzere, Sabrosa e Macieira de Cambra.

Até agora, Sr. Presidente, apesar de já, por duas vezes, me ter referido largamente ao assunto, não tive a honra de receber resposta do Sr. Ministro da Justiça.

Não tomo êsse facto como sendo uma desconsideração feita a um membro do Parlamento, mas sim que êle é motivado pela falta de argumentos com que só possa destruir as justificadas recriminações da opinião pública ante o acto escandaloso que S. Exa. pretende praticar, segundo parece, à sombra do uma lei que o autoriza a legislar apenas sôbre ordem pública.

Não serei longo nas minhas considerações porque o Regimento me não permite.

Pouco mais farei do que formular preguntas concretas, pedindo ao Sr. Ministro que tenha a amabilidade de me responder a elas em termos concretos também.

Diz-se que o Sr. Ministro da Justiça declarara, em Conselho de Ministros, que contava com o silêncio de todos os lados da Câmara, visto que, em todas as terras que são beneficiadas com o lauto bodo que S. Exa. pretende distribuir, há republicanos de todos os matizes, como há também grande número de monárquicos, e que êsses, por certo, se encarregariam de tapar a boca aos parlamentares seus representantes.

Esta suposição de S. Exa. saiu errada, porquanto nós, dêste lado da Câmara, não estamos dispostos, sejam quais forem as pessoas que venham a ser beneficiadas com o acto do Sr. Coutinho, a deixar de lavrar o nosso mais veemente protesto contra a sua promulgação, e até de to-

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mar a iniciativa de, no caso de o Sr. Ministro levar a sua idea por diante, de um projecto de lei para a sua revogação.

Desejo que o Sr. Ministro da Justiça tenha a bondade do me informar se é verdade ou não que tem o propósito de criar as cinco ou seis comarcas novas e se o respectivo decreto já está referendado por todos os Ministros. Se o não está, desejo também saber quais foram aqueles que o assinaram, porque é público que há membros do Govêrno que não concordam com essa medida, e, além disso, é preciso que o País saiba se o Sr. Ministro das Finanças assinou ou não um decreto que traz aumento de despesa.

Desejo também que S. Exa. s me diga se as comarcas que pretende criar são, realmente, as que há pouco mencionei, e em que disposição legal se fundamenta para promulgar uma medida desta natureza.

Como é que S. Exa. pode encabeçar o decreto que pretende publicar, baseando-o na lei n. ° 1:773? E, se não é nesta, em. qual é então que se baseia?

Finalmente, Sr. Presidente, peço ao Sr. Ministro da Justiça para mo dizer quais são as razões de interêsse local ou nacional que influíram no ânimo de S. Exa. para que se pensasse na criação dessas comarcas, e se, realmente, S. Exa. não reconhece que há necessidade de criar também comarcas em outras localidades onde as circunstâncias imponham.

O Sr. Dinis de Carvalho (interrompendo): - V. Exa. anão podia preguntar também ao Sr. Ministro da Justiça porque desistiu êle da criação da comarca do Cadaval, aconselhada também pela comissão parlamentar que em tempo deu parecer favorável a um projecto relativo à criação de diversas comarcas?

O Orador: - Já agora, satisfazendo o pedido do Sr. Dinis de Carvalho, pregunto também ao Sr. Ministro da Justiça por que desistiu da criação de uma comarca no Cadaval. Ou há moralidade, ou comem todos, dirá o Sr. Dinis de Carvalho!...

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Adolfo Coutinho): - Não tenho respondido sôbre várias considerações que se têm feito nesta Câmara acerca da criação de comarcas, visto que não fui ainda interrogado sôbre êste assunto. E certo que em várias sessões o até na última sessão do Congresso houve referências à criação de comarcas, dizendo-se que o Ministro da Justiça, com essa medida, aumentava as despesas, pelo aumento do número de funcionários, e que fazia a sua política partidária.

Essas preguntas são hoje feitas pelo Sr. Cancela de Abreu, que as formula de uma forma concreta. As suas preguntas vou responder.

A lei n.° 1:773 não permite, a meu ver, que se faca a criação do comarcas. A sombra dessa lei não podia eu redigir qualquer decreto com o fim de que fôsse publicado. Mas suponho que há leis que permitem que essa criação se faça, desde que a criação de comarcas não envolva aumento de despesa e o possa ainda fazer com redução.

A Câmara sabe que existe nesta casa do Parlamento um projecto de lei com pareceres elaborados pela comissão do legislação civil o criminal o pela comissão de finanças, permitindo que se crie um certo número de comarcas.

Efectivamente êsse projecto de lei do-1 termina a criação das cinco comarcas a que o ilustre Deputado se referiu e ainda a comarca do Cadaval.

Podia o Govêrno à sombra da lei n.º 1:048 fazer essa criação? Entendo que sim, só fizer uma remodelação de serviços e dessa remodelação resulte uma economia para o Tesouro.

Preguntou o Sr. Paulo Cancela de Abreu se não haverá outras comarcas a criar.

As reclamações que chegaram a esta Câmara dizem respeito a essas comarcas, e posso afirmar a S. Exa. que os povos que fazem essas reclamações as formulam com toda a justiça.

Política partidária da minha parte não pode ter havido, visto que não conheço todos os concelhos que fazem parte dêsse projecto, e em alguns sei até que o partido a que pertenço não tem fôrça política eleitoral alguma.

Àpartes.

O Orador: - Como disse a V. Exa. o decreto a publicar baseia-se em estudos

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6 Diário da Câmara aos Deputados

feitos por esta Câmara, e êsse decreto só será publicado desde que obtenha para êle a autorização de colegas meus que nele têm de intervir com a sua assinatura.

Perguntou o Sr. Paulo Cancela de Abreu se eu mantenho ainda êsse propósito.

Mantenho, porque entendo ser justo.

O Sr. Carlos Olavo: - Mas não servindo-se da autorizarão da lei n.° 1:773?

O Orador: - Não; mas sim à sombra da autorização concedida na lei n.º 1:648.

O projecto de lei que tem os pareceres desta Câmara inclui o Cadaval, mas o Cadaval pertence à comarca de Rio Maior e à comarca de Tôrres Vedras, e não se pode criar a comarca do Cadaval tirando-a a Rio Maior.

Àpartes.

O Orador: - Creio ter respondido às preguntas do Sr. Paulo Cancela de Abreu.

Vozes: - Muito bem.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Não há nada como questões destas para interessar a Câmara!

Acho inteiramente justa a indignação do Sr. Dinis de Carvalho, visto que S. Exa. ficou excluído do bodo.

Disso o Sr. Ministro da Justiça que, cora o sou decreto não faz mais do que satisfazer o que consta de projectos do lei apresentados nesta Câmara e que tem pareceres das respectivas comissões.

Mas os projectos de lei destinam se a ser discutidos na Câmara; e o Sr. Ministro da Justiça não tinha senão que aguardar que o projecto fosse discutido e votado, para depois ser convertido em lei. Mas o Sr. Ministro quero arvorarão em ditador e, baseando se numa lei que o não autoriza, fazer a publicação do decreto.

Pregunto: se o direito político e constitucional, que o Sr. Ministro da Justiça deve conhecer, lhe permite legislar sôbre organização judiciária o à sombra de uma autorização, dada não para criar serviços e despesas, mas sim para os suprimir?

O Sr. Nuno Simões: - O Sr. Ministro declarou que estava à espera da autorização dos seus colegas para publicar o decreto.

O Orador: - Eu duvido muito da resistência dos seus colegas.

Vários àpartes.

O Sr. Nuno Simões: - V. Exa. podia propor à Câmara não só a criação da Câmara no Cadaval, como uma em cada monte, e em cada serra...

Assim ficavam todos contentos.

O Orador: - O que está demonstrado é que o Sr. Ministro da Justiça cometeu uma arbitrariedade sem precedentes.

Apoiados e não apoiados.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o parecer n.° 872.

O Sr. Pedro Pita: - Eu creio, Sr. Presidente que fosse parecer foi inscrito para se discutir antes da ordem do dia, não havendo oradoras inscritos.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa a V. Exa., mas foi votado para ser discutido com prejuízo dos oradores inscritos.

O Sr. Tavares de Carvalho: - V. Exa. diz-me se já pôs à apreciação da Câmara o requerimento que eu fiz?

O Sr. Presidente: - Não senhor; mas deve fazê-lo na altura devida.

O Sr. Tavares de Carvalho: - Peço a V. Exa. o obséquio de não passar à ordem do dia sem submeter à apreciação da Câmara o meu requerimento.

O Sr. Pedro Pita: - Peço a V. Exa. o obséquio do cousultar a Câmara sobre se permito que o parecer pela retirado da discussão, para voltar depois a ser discutido em seguida aos que estão inscritos para antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que aprovam o requerimento do Sr. Pedro Pita queiram levantar-se.

Está rejeitado.

O Sr. Carvalho da Silva: - Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

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O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que rejeitam queiram levantar-se.

O Sr. Presidente: - Estão de pé 44 Srs. Deputados e assentados 12.

Está rejeitado.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: pedia a V. Exa. o favor de me dizer a que horas se passa à ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Daqui a meia hora: às 17.

O Orador: - Sr. Presidente: demonstra bem o facto de me anunciar V. Exa. que é às 17 horas que se passa à ordem, do dia, qual a hora a que houve número para começarem os trabalhos parlamentares.

Demonstra também a "vontade" que a maioria desta casa do Parlamento tem de aproveitar bem a prorrogação votada...

Deve o País reconhecer o "alto serviço, o esfôrço extraordinário" que os Deputados da maioria empregam para cumprir o sou mandato, para fazer com que o Parlamento resolva aqueles assuntos de alto interêsse nacional, cuja não resolução S. Exas. se não cansam de atribuir às oposições, acusando as de serem um estorvo permanente. Aqui está a demonstração do quanto a maioria impede o funcionamento regular dos trabalhos desta casa.

E dito isto, Sr. Presidente, entremos na análise do parecer n.° 872, parecer que...

Sussurro.

Eu pedia a V. Exa., Sr. Presidente, o favor de pedir a atenção da Câmara, porque não posso assim continuar a falar.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

O Orador: - Que sacrifício extraordinário não teriam de fazer vários Srs. Deputados a jogarem naquele jôgo que é conhecido pelo nome do "sisudo". Já vejo que V. Exas. não eram capazes de estar caladinhos um minuto sequer!

Risos.

Sr. Presidente: um regime que quisesse ser sinceramente democrático, a primeira cousa que tinha a Jazer era sem dúvida facilitar a forma de todos os eleitores estarem inscritos no recenseamento, para que pudessem exercer livremente o direito de voto.

Todo o cuidado devia portanto assentar em dar facilidades aos eleitores, garantindo-lhes o livre acesso às urnas. Pelo contrário, a República, fazendo com os cadernos de receseamento verdadeiras burlas (porque outra cousa se lhe não pode chamar) nada disso faz.

Os sentimentos "liberais", republicanos e "democráticos" do Sr. Ministro do Interior estão sobejamente demonstrados com o seu respeito pela liberdade de imprensa, pelas liberdades que em matéria religiosa devem per concedidas num país, cuja quási totalidade da população é católica.

S. Exa., como é contrário às procissões, quere também proibir as procissões dos eleitores para exercerem o direito de voto, permitindo apenas aos revolucionários civis, elementos de "ordem" como S. Exa., que o façam, votando a mesma pessoa, com nomes diversos, em 8 ou 10 assembleias eleitorais na cidade de Lisboa e Pôrto.

E quando isto não fôsse suficiente, lá estavam os elementos de ordem, representados pelo Sr. Ministro do Interior, a impedir que votassem os eleitores conservadores por forma a bem garantirem aos elementos extremistas o predomínio na administração do Estado, deixando apenas aos conservadores o encargo de pagar os impostos.

É tal a consciência que têm os homens que se apoderaram dêste País, como quem se apodera duma roça, de que o País reprova unanimemente os seus actos, que os faz ter medo das mais insignificantes manifestações da opinião pública. E porque o tem êste regime que assim se mostra incompatível com a Nação, é que se não hesita em continuar o caminho seguido até agora.

Diz-se que isto é um regime republicano e diz-se que é preciso defender a República.

Ora eu julgava que para defender a República seria essencial aos bem intencionados, é claro, defender e seguir os princípios republicanos, aqueles mesmos

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princípios que tanto serviram do reclamo nos tempos o saudosos da propaganda.

Mas não, os homens que só assenhorearam do Poder desprezam inteiramente êsses princípios.

É o que nós vemos com êste Govêrno, seja porque só trato duma resolução sempre acatada, ou seja porque só trata dum Govêrno que apenas tem uma reduzida minoria republicana.

Efectivamente quem se lembra de ter visto o Sr. Vitorino Godinho nos comícios, ou em quaisquer manifestações republicanas, no tempo da Monarquia?

Quem conhece os relevantes" serviços prestados nosso tempo á causa da República pelo Sr. Ministro da Justiça, Adolfo Coutinho?

Quem sabe da intervenção nas diferentes revoluções do Sr. Sá Cardoso, do Sr. Mimoso Guerra, Ministro da respectiva pasta?

E ainda hei-de procurar os serviços prestados à República nesse tempo pelo Sr. Ministro da Marinha, Pereira da Silva, só foi seguramente pelo entusiasmo que S. Exa. teria pelo Sr. Conselheiro João Franco, que se esqueceu do vir para o campo da propaganda dos princípios republicanos.

E depois, e depois quem? O Sr. Ministro dos Estrangeiros, Sr. Pedro Martins, o antigo Deputado monárquico em várias Câmaras da Monarquia. Não era com certeza como Deputado monárquico que S. Exa. pregava os princípios republicanos.

E se passarmos da pasta dos Estrangeiros para a pasta do Trabalho? Para a pasta do Trabalho...

Que trabalho que o Sr. Sampaio Maia teve para derrubar a Monarquia!

Que trabalho que o ilustre Ministro do Trabalho, como republicano histórico, teve para derrubar a Monarquia!

Interrupção do Sr. Nuno Simões, que se não ouviu.

O Orador: - Eu nem me atrevo a repetir o àparte de V. Exa. que, como republicano histórico, não gostaria que eu o fizesse. Eu sei que tem sido acusado, até, do ser redactor da Palavra.

O Sr. Pires Monteiro: - E V. Exa. é também monárquico histórico?

O Orador: - Eu digo a V. Exa.: eu nunca fui político, mas monárquico fui sempre.

No Govêrno tenho amigos. Ainda hoje sou amigo pessoal do Sr. Ministro da Instrução; o devo confessar que êsse foi sempre republicano.

E por isso que S. Exa. representa no Govêrno a minoria governamental.

Efectivamente o Sr. Ministro da Instrução e o Sr. Presidente do Ministério, creio eu, vem a representar a minoria republicana do Govêrno.

Mas, porque assim é...

O Sr. Carlos Olavo: - E o Ministro das Colónias?

O Orador: - O Sr. Ministro das Colónias é pessoa a quem também mo ligam há muito relações da mais estreita amizade.

E republicano muito antes de 5 de Outubro. Por isso S. Exa. também faz parto da minoria republicana do Govêrno.

V. Exa. tem tanto horror ao sufrágio, que, se só fizesse um plebiscito livre dentro do eleitorado, a Monarquia estava restaurada.

Àpartes.

O Orador: - Estava. Até no Govêrno a maioria monárquica é esmagadora! Até no Govêrno.

O Sr. Francisco Cruz (interrompendo): - Isso prova que a República está meia feita!

O Orador: - Falta agora fazer a outra meia, que é o que o Sr. Ministro do Interior tenta fazer.

O Sr. Nuno Simões: - Meia desfeita é que V. Exa. a queria dizer!

O Orador: - O que se constata é que o Govêrno não quere acoitar êsse princípio democrático, evitando que os eleitores possam chegar à boca das urnas para exercer o direito de voto.

Na cidade do Lisboa como no Pôrto há uma certa dificuldade de transportes, que impede que a mesma pessoa possa votar

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em freguesias diversas o, nesse caso, é preciso alargar o prazo, pois não é justo exigir de um defensor da República que em poucas horas percorra uma quantidade grande de freguesias para votar em todas elas.

É êste o único processo que a República tem para multiplicar a sua minoria o, nestas condições, o Govêrno quere mostrar a sua dedicação à República fazendo votar esto parecer.

Ainda ontem à noite eu conversava com um republicano, daqueles que estiveram na Rotunda em 5 de Outubro do 1910, que disse ter pena de ter feito a República, porque não é possível haver liberdades e direitos dentro dêste regime.

O Sr. Paiva Gomes (em àparte): - Era melhor o tempo de João Franco.

O Orador: - Tomara V. Exa. o o País inteiro voltarem a êsse tempo.

O Sr. Paiva Gomes (interrompendo): - Com adiantamentos e tudo?!

O Orador: - V. Exa. com a sua paixão do republicano, sorve-se dêsse argumento, mas eu sei bem quanta vontade V. Exa. teria, que ela não se tivesse implantado há tanto tempo.

O Sr. Brito Camacho (em àparte): - Não haverá muitos monárquicos que tenham pena de ela não ter sido proclamada há mais tempo?

O Orador: - Talvez aqueles que o regime monárquico não deixava tirar proventos que hoje tiram no regime republicano. Êsses talvez possam dizer isso.

Mas dizia eu: porque é que sendo até hoje o número do eleitores em cada freguesia de Lisboa o Pôrto de 600, agora se pretende elevar êsse número a 1:200?

E apenas para que o acto eleitoral dure mais tempo, por forma a que ,a pessoa encarregada de votar em muitas assembleas tenha tempo de o fazer.

Além dêsse há outro propósito na multiplicação do número de eleitores, que é impedir que as eleições terminem no mesmo dia, e assim já se sabe pela descarga quantos votos ainda faltam para completar r a grande maioria.

É um processo muito usado pela República; é um processo que está de acordo com o que se passou com os recenseamentos eleitorais.

Efectivamente, eleitores morando há 20 anos e mais numa determinada freguesia, muitos deles habilitados com cursos superiores, ficam inibidos de se inscrever nos cadernos de recenseamento eleitoral, porque os regedores receberam ordem para não passarem os atestados de residência, alegando que desconheciam se êles moravam ou não nas freguesias.

E um processo liberal; é um processo democrático; é um processo republicano ; um processo dos amigos do povo; é um processo de que simplesmente se esqueceram os propagandistas da República, que andaram a pregar nos comícios onde anunciavam o bacalhau a pataco.

No Pôrto os recenseamentos eleitorais são ainda mais republicanos! Simplesmente aqueles homens que em nome da República se apresentam como amigos sinceros do povo, aqueles homens que se dizem muito democratas, por exemplo os Srs. Velhinho Corroía, Tavares de Carvalho o João Camoesas, já têm experimentado a sua popularidade. Quando vão falar às assembleas populares, já sabem que o povo os não deixa às vezes fazer os discursos que tencionavam lá ir proferir.

Já sabem bem as manifestações de simpatia com que as suas opiniões lá são acolhidas.

O Sr. Tavares de Carvalho: - Isso devo ser engano; nunca experimentei isso!

O Orador: - No teatro Apoio, se não estou em êrro; e o Sr. João Camoesas na Praça dos Restauradores.

O Sr. Velhinho Correia, então, quando ia fazer a sua estreia dramática no teatro Nacional, foi recebido como V. Exas. sabem; e S. Exa. tanto não quis mais essa profissão, que foi em seguida para Roma, dizem até que para se meter num convento, o que eu nunca acreditei.

O Sr. Presidente: - E a hora de se passar à ordem do dia.

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O Orador: - Então V. Exa. faz-me o favor de me reservar a palavra.

O orador não reviu.

Os "àpartes" não foram revistos pelos oradores que os fizeram.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a acta.

O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho) (sobre a acta): - Sr. Presidente: na última sessão entendeu o Sr. Cunha Leal, leader do Partido Nacionalista, tratar aqui de um assunto que, embora aparentemente seja da responsabilidade da pasta da Guerra, pessoalmente mo diz respeito.

Era minha intenção, portanto, pedir hoje a palavra para explicações, a fim de dar à Câmara uns esclarecimentos que julgo necessários; mas, como não só encontra presente o Sr. Cunha Leal, o, ao contrário do que S. Exa. fez, que julgou poder e dever tratar do caso - e está no pleno uso do seu direito - na minha ausência, entendo que só devo falar na presença de S. Exa.

Pedi por isso, a palavra sôbre a acta, para não deixar passar este caso em julgado, o dizer a V. Exa. que desejo usar da palavra para explicações quando S. Exa. estiver presente, a fim do esclarecer o assunto.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigrafia as que lhe foram enviadas.

O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para esclarecer que o Sr. Cunha Leal, quando há dias usou da palavra, declarou que não pretendia tratar então do caso a que só referiu o Sr. Ministro do Interior; preveniu apenas do que o ia tratar.

São cousas diversas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovada a acta.

O Sr. Pires Monteiro (para um negócio urgente): - Sr. Presidente: tem por fim o meu negócio urgente o saudar a gloriosa marinha de guerra, pela maneira como realizou o chamado périplo do África, e, saudando a marinha de guerra, não podemos deixar de pôr em destaque a figura do Sr. Ministro da Marinha que, gerindo já pela terceira vez essa pasta, tem seguido uma orientação tam adequada às necessidades da gloriosa marinha do guerra portuguesa, tam conforme (tem os interêsses do País, dando ao exercício do seu elevado cargo de Ministro uma tam grande solicitude, um desvelado zelo, uma grande competência, revelando os grandes conhecimentos que possui das necessidades desta marinha, demonstrando o sou amor à, nossa terra; e, sendo assim, é justo que a Câmara dos Deputados aproveite êste momento para pôr em destaque a figura distinta do comandante Sr. Pereira da Silva.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir os notas taquigráficas quê lhe foram enviadas.

Moção

A Câmara dos Deputados saúda calorosamente a divisão colonial da gloriosa marinha de guerra pelo prestígio que trouxe a Portugal na competência, disciplina e zelo do comandantes e guarnições, reveladas essas virtudes cívicas e militares no brilhante périplo do África, concluído com um êxito tam lisonjeiro para a nossa fé de patriotas. - Henrique Pires Monteiro.

O Sr. Tavares de Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para lembrar a V. Exa. que o seu antecessor nesse lugar mo tinha prometido que antes da ordem do dia seriam votados os requerimentos que fiz sôbre vários pareceres, entro os quais está o n.° 896, que trata da execução do Estatuto do Tânger que, segundo o Sr. Ministro dos Estrangeiros me informou, deve ser imediatamente aprovado, porque é de interêsse nacional e ainda porque já outras nações trataram dêsse assunto.

Requeiro, pois, prioridade para êsse requerimento, pedindo a V. Exas. para o pôr imediatamente à votação, embora hajam outros pareceres que interessam o meu círculo.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa dois requerimentos para serem votados

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antes da ordem do dia; como, porém, o Sr. Pires Monteiro pediu a palavra para um negócio urgente, fica essa votação para depois de liquidado o negócio urgente.

Foi admitida a moção do Sr. Pires Monteiro.

O Sr. Jaime de Sousa: - Sr. Presidente: é com muita satisfação que eu, oficial do marinha, ouço ler na Mesa a saudação enviada pelo Sr. Pires Monteiro.

Sr. Presidente: sem querer entrar no capítulo dos elogios, nos termos em que o Sr. Pires Monteiro o fez, direi que o significado da viagem; que começou por chamar-se périplo de África, é realmente para a marinha de guerra e para o País de efeitos formidáveis.

Sr. Presidente: sob o ponto de vista dos interêsses nacionais, essa viagem dos cinco navios portugueses em volta do continente africano representa qualquer cousa que deve chocar fundamente o coração de todos aqueles que, conhecendo as circunstâncias particularmente difíceis em que essa viagem se realizou, as condições de inferioridade do material que nessa viagem foi empregado e quanta tenacidade, quanto conhecimento de causa, quanta energia e patriotismo é preciso reunir para com material tam insuficiente, duma tonelagem tam pequena, se fazer um verdadeiro tour de force que foi a viagem no continente africano.

Sr. Presidente: as três canhoneiras foram acompanhadas por um cruzador de pouca tonelagem.

E sempre difícil navegar em alto mar, a não ser com bom tempo, com material tam deficiente.

Êsses navios não deviam fazer senão serviços de fiscalização das costas, pois não servem para navegar senão em condições regulares.

Sr. Presidente: o efeito produzido por essa viagem é excelente, pois serve para treino e prática de navegação; é de boa política e afirma a nossa soberania nacional. A passagem dessa divisão por portos estrangeiros produziu o melhor efeito. Apoiados.

A nossa marinha do guerra tem páginas gloriosas na sua história por feitos heróicos praticados no mar.

Apoiados.

É indispensável que no País se faça um movimento de ressurgimento nacional.

Apoiados.

O acto praticado é dum grande efeito moral, mas precisa de continuidade, sendo necessário que oportunamente o Parlamento e o País se resolvam a agir. É já tempo de começar. Bem fez o Sr. Ministro da Marinha em tomar iniciativas que conduzem a êsse resultado altamente patriótico.

Daqui lhe envio todos os meus louvores e toda a minha solidariedade.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as votas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Pedro Pita: - Sr. Presidente: quando há dias tive ocasião de me referir à acção dos vários Srs. Ministros, tive ensejo de dizer algumas palavras que em nada podiam ser desagradáveis ao Sr. Ministro da Marinha.

Aproveito a oportunidade para fazer justiça à acção que o Sr. Ministro da Marinha tem desenvolvido na sua pasta.

Ao ser apresentada hoje a moção da autoria do Sr. Pires Monteiro, não careço de acrescentar mais nenhuma palavra às que já proferi então, devendo afirmar a V. Exa. que é com prazer, que êste lado da Câmara se associa à saudação à marinha de guerra portuguesa, aos marinheiros que fizeram tam interessante viagem, tanto mais que se trata de alguém que no desempenho dos negócios da sua pasta tem sabido mostrar que coloca acima de tudo o nome português, o nome da corporação a que pertence e que também sabe dirigir.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar, em nome dêste lado da Câmara, que é com muita satisfação que votamos sempre qualquer proposta destinada a demonstrar a consideração e o respeito que nos merece a armada portuguesa, que sabe sempre em toda a parte representar alevantadamente o nome português.

Acho inteiramente justificada a moção

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do Sr. Pires Monteiro, porque é sempre justificado tudo quanto sirva, para demonstrar o respeito que temos pela armada portuguesa e o prestígio do que a queremos ver coberta.

Sr. Presidente: para concluir, esto lado da Câmara saúda a nossa marinha de guerra, abstendo-se de apreciar as vantagens ou desvantagens que, em relação à situação financeira do País, poderiam advir dessa viagem.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Sá Cardoso: - Sr. Presidente: tive a honra de ser companheiro no Ministério Álvaro de Castro do ilustre Ministro da Marinha, de apreciar então a forma como S. Exa. trabalha e como pelo ao serviço da Pátria o da República toda a sua inteligência, esfôrço e boa vontade. Do forma que, tomando S. Exa. a iniciativa do périplo de África, e logo que S. Exa. ia facilitar à nossa marinha do guerra mais uma ocasião de mostrar quanto pode a boa vontade dos oficiais, sargentos e praças, que lutando com a deficiência do material, estão som pré prontas a desempenhar tis missões de que são encarregados, com brio e altivez.

V. Exa., Sr. Ministro da Marinha, enviando a divisão portuguesa por êsses mares fora, a visitar terras onde há muito tempo não aparecia um navio português, sabe muito melhor do que eu quanto isso representa para levantar o espírito o animo das populações portuguesas.

Sr. Presidente: a marinha de guerra portuguesa não precisa do louvores; com a sua história premiada por tal forma que os louvores são absolutamente supérfluos. Apesar disso, fica bem que lhe prestemos a nossa homenagem, lembrando que a marinha do guerra está sempre pronta a prestar o seu concurso para a defesa dos ideais republicanos.

Apoiados.

Esta nota que eu firo não tem por forma alguma a intenção de extremar os campos. Não. Todos os portugueses tem obrigação de lhe prestar homenagem, e estou certo que o fazem com o coração a vibrar; ruas nós outros, republicanos, não podemos deixar de sentir que a marinha do guerra está sempre pronta a dar o seu concurso para a defesa da República.

A Acção Republicana associa-se ao voto de louvor apresentado pelo meu colega Sr. Pires Monteiro, e eu em especial endereço as minhas saudações ao Sr. Ministro da Marinha, pela idea que teve, e de que tam bom êxito foi coroada.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando nestes termos restituir as motas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Rodrigues Gaspar: - Sr. Presidente: é para mim extraordinariamente agradável a apresentação da, moção enviada para a Mesa, saudando os oficiais, sargentos o praças, que realizaram o périplo do África.

Como oficial de marinha, é-me isso muito grato, por ver como êsses meus camaradas se desempenharam também de uma missão muito difícil, que mereceram a consagração de todos os lados da Câmara.

Posto que neste momento não tenha funções dirigentes, estou certo que do lado do Partido Republicano Português só haverá a maior satisfação em prestar essa homenagem aos ilustres marinheiros.

Sr. Presidente: foi no Govêrno da minha presidência, que o Sr. Ministro da Marinha fez a apresentação desta proposta, que ela foi estudada, tendo logo o nosso apoio.

Vimos bem, desde logo, as grandes vantagens que adviriam dessa viagem, e ainda porque daria ensejo a que os nossos oficiais se pudessem exercitar, e a que a vida de bordo fosse mais íntima entre oficiais e praças.

O pequeno sacrifício que o País fez para a execução dessa viagem, está completamente compensado pelas grandes vantagens que advieram para a disciplina e ensino, e ainda, porque pôs em contacto íntimo, embora tardiamente, a nossa marinha com as nossas colónias.

Aproveito a ocasião para dizer que se cometeu um êrro grande em não estabelecer a marinha colonial.

O resultado foi o termos de fazer grandes despesas, para afinal, reconhecermos que não existe marinha colonial (Apoiados) e, ao mesmo tempo, ficarmos privados da antiga escola em que oficiais e praças, irmanadas no mesmo pensamento

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de dever, tanto aprendiam, tanto se instruíam e tam fortemente se uniam pela disciplina.

Todos os oradores que me antecederam já mostraram, e bem, as grandes vantagens que trouxe a realização dêste périplo, feito nas condições mais extraordinárias.

Mais ama vez se provou - devemos dizê-lo com orgulho - que a actual marinha portuguesa é digna sucessora dos nossos antigos navegadores e poderia manter bem alta a gloriosa tradição da nossa marinha, se ela fôsse dotada de material moderno indispensável a um país essencialmente marítimo e colonial, como o nosso.

Sr. Presidente: a saudação que é feita aos oficiais e praças que realizaram o périplo, devem ser extensivas, a meu ver, ao ilustre titular da pasta da Marinha.

Muitos apoiados.

S. Exa. é um dos oficiais mais distintos da nossa armada, á qual tem dedicado com amor o melhor do seu esfôrço, da sua inteligência e do seu saber.

S. Exa. é alguém que merece a nossa mais incondicional admiração, porque tem procurado sempre bem servir a marinha e o País.

Por isso daqui o saudamos, bem como aos oficiais e praças da armada que há dias chegaram a Lisboa.

Vozes: - Muito bem.

Tenho dito.

O discurso será publicado na Integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Dinis da Fonseca: - Sr. Presidente: êste lado da Câmara associa-se gostosamente à homenagem que a Câmara acaba de prestar à nossa marinha de guerra.

A marinha de guerra portuguesa tem uma tradição gloriosa, e por isso o País vê sempre com sentimentos de admiração e simpatia todos os actos que representam uma digna continuação da sua história marítima.

A minoria católica, repito, associa-se inteiramente às saudações que foram propostas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Tôrres Garcia: - Sr. Presidente: pedi a palavra, não para elogiar o Sr. Ministro da Marinha, porque estou convencido em minha consciência de que se viesse aqui elogiá-lo, S. Exa. se sentiria afrontado, visto que realiza os seus actos de Ministro apenas em obediência aos seus deveres de cidadão e de oficial da armada.

O elogio é vitupério para quem reconhece e cumpre assim tam dignamente o seu dever.

Pedi a palavra para oferecer a minha solidariedade de português e de político à obra de S. Exa., que considero extraordinária.

E essa obra extraordinária de S. Exa., não é só aquela que pudesse ter sido o périplo de África; S. Exa. é um oficial da armada investido nas altas funções de Ministro da Marinha, e procura, dentro dos escombros, que são hoje a marinha de guerra, tirar alguma cousa em que possa aproveitar as magníficas qualidades de patriotismo e inteligência dos oficiais e praças dessa corporação.

A atitude de S. Exa. é tanto mais para louvar, quanto é certo que foi exercida num momento em que em Portugal se usa de todos os pretextos para não fazer cousa nenhuma.

Fazendo a concentração das magras qualidades de material que temos, e realizando elementos de instrução e treino activos, conseguiu S. Exa. efectivar nobremente o fim a que se propunha.

S. Exa. deu uma organização técnica às tropas da armada, com a criação das diferentes brigadas de especialidades.

Tínhamos um monturo de cousas em Alcântara, não havendo possibilidade de fazer intervir uma orientação técnica definida.

S. Exa., sem preocupação de ter ou não leis, de ser ou não conveniente ouvir os super-homens para a resolução do problema que se impunha, extremou os campos e deu à marinha de guerra uma organização que corresponde àquilo que deve ser uma instrução metodicamente aplicada e uma técnica perfeitamente exercida.

Isto demonstra o apego que o Sr. Ministro da Marinha tem ao cumprimento do seu dever.

S. Exa., podendo ter uma vida minis-

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terial representativa com a alta honra do presidir a uma tam nobilíssima instituição, S. Exa. julgou nobilitar ainda mais essa instituição trabalhando sem cessar, constantemente, para que do pouco mie havia em material o homens saíssem núcleos cumpridores do sou dever, preparando-os assim patriòticamente como convém para cometimentos do maior valor moral.

Tem, portanto, S. Exa. da minha parte, como português e como político, a mais completa solidariedade.

São homens assim que me servem; são homens desta têmpora os que têm sempre a minha solidariedade.

É da acção do cidadãos tam patriotas que pode vir a resolução dos nossos problemas.

Sem grandezas impossíveis de realizar neste momento conseguimos alguma cousa que se traduziu em melhorar a nossa situação moralmente, e melhorar moralmente não nos é difícil, porque todos nós, portugueses, oferecemos à resolução dos problemas as nossas qualidades de raças que não são melhores nem piores do que foram, mas estão apenas adormecida e pelo esquecimento que muitos homens públicos dão ao cumprimento do seu dever.

As minhas palavras neste momento seriam de incitamento para com o Sr. Ministro da Marinha, he S. Exa. precisasse do meu incitamento.

Eu dou-lhe a mais absoluta solidariedade como português o como político.

S. Exa. sabe bom defender os propósitos de elevada honestidade morai e técnica que animam sempre a marinha do guerra portuguesa, única corporação armada que e dominada por mim intenso e inextinguível espírito militar e que sem condicionalismos, sem hesitações o sem discussões afronta o perigo com galhardia o sabe cobrir a Nação do glória imperecível.

É essa marinha de guerra que eu saúdo, que sempre e em toda a parte sabe dignamente cumprir o seu dever, que no sul de Angola se cobriu do glória, na campanha do 1915, com uma conduta do tal maneira impressionante que o último chefe militar que tivemos, e que se chamou Pereira de Eça, lhe rogou a sua espada, tendo em atenção que foi o Corpo de Marinheiros quem lhe forneceu a matéria vva com que êle conseguiu mais uma vez impor ao respeito de todo o mundo a dignidade da nossa Pátria.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem! muito bem!

O discurso será publicado vá integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Como já foi declarado pelo meu ilustre correligionário Sr. Carvalho da Silva, a minoria monárquica dá o seu voto à proposta apresentada pelo Sr. Pires Monteiro, mas não o dá a proposta do Sr. Rodrigues Gaspar, que tem por fim tornar extensiva ao Sr. Ministro da Marinha a saudação que consta da primeira proposta. Devo, porém, acrescentar que em outro local o numa saudação pessoal a individualidade do Sr. Pereira da Silva, ou não teria dúvida em tomar parte, pois muito considero as qualidades pessoais de S. Exa.

Não se trata disso, mas sim duma saudação que deriva de um adio sôbre o qual pomos as devidas reservas para o apreciarmos oportunamente.

Não podemos, por isso, associar-nos, repito, à saudação proposta pelo Sr. Rodrigues Gaspar.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Agatão Lança: - Sr. Presidente: eu, que já tive a honra de, nesta sala, ser cognominado do marinheiro, o que sou um dos oficiais de marinha que pertencem ao Parlamento, não posso deixar de erguer a minha voz humilde, mas sincera, nesta Camara, para associar-me à saudação feita pelo Sr. Pires Monteiro à nossa marinha do guerra pelo êxito do périplo de África.

Nestes últimos anos apareceram dois homens a quem a marinha de guerra portuguesa muito deve pelo esfôrço que empregaram na sua valorização.

Um foi o comandante Leote do Rêgo, que durante a Grande Guerra realizou o grande esfôrço, bem significativo da sua

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vontade de aço, de pôr todos os nossos pequenos barcos a navegar ao serviço da defesa nacional.

Jamais se poderá esquecer a obra realizada por êsse saudoso almirante no tempo em que comandou a divisão naval.

Nunca S. Exa. foi Ministro da Marinha, porque nunca o quis ser.

Depois de S. Exa. apareceu um dos seus camaradas, em quem o almirante Leote do Rêgo depositava a mais alta confiança e que foi seu imediato durante a guerra.

Refiro-me ao Sr. Pereira da Silva, actual Ministro da Marinha.

É S. Exa. um oficial bem conhecido e que à estima e consideração dos seus camaradas se tem imposto, conquistando um merecido lugar de destaque pelas suas altas qualidades de militar brioso e estudioso.

Todos os seus esfôrços têm sido sempre empregados numa patriótica obra de engrandecimento da corporação da armada, de que hoje é chefe, e dos mais ilustres que essa corporação tem tido.

Apoiados.

É respeitado e querido pelos seus camaradas, não só pelo exemplo que constitui para todos a sua dedicação ao trabalho, mas também pela fé sem limites que S. Exa. deposita no patriotismo e mais qualidades dos seus camaradas e subordinados.

O Sr. Ministro da Marinha, Pereira da Silva, é um trabalhador infatigável) como o está provando a quantidade de propostas que tem trazido ao Parlamento, atinentes ao engrandecimento da corporação que dirige.

Entre elas conta-se a da organização das brigadas navais.

Muito propositadamente me refiro a essa proposta para dizer - visto que ao assunto se referiu o Sr. Tôrres Garcia - que não é culpa de S. Exa. o Parlamento não ter feito a sua discussão.

Foi porque o Parlamento não se ocupou do assunto que S. Exa., à semelhança do que têm feito outros Srs. Ministros e ao abrigo de autorizações anteriores, pôs em execução a organização das brigadas da armada.

E fez S. Exa. muito bem.

S. Exa. delineou depois o périplo de África.

Nos primeiros momentos não lhe faltaram alguns dissabores.

Hoje, porém, já todos reconhecem que S. Exa. só louvores merece por essa iniciativa.

Com efeito, à tenacidade de S. Exa. alimentada por um grande sentimento de patriotismo, se deve essa magnífica viagem de circunnavegação do continente negro, que além de ter o mérito de habituar os homens às lides rudes do mar, representa a grande vantagem de se mostrar a bandeira da República não só ao longo do nosso rincão africano, como nos portos estrangeiros.

E como é consolador para todos os portugueses, o poder constatar-se que em toda essa longa e brilhante viagem nenhuma nota discordante se produziu!

Em toda a parte os nossos marinheiros se apresentaram por forma a darem honra à marinha do guerra portuguesa e, brilho à bandeira de Portugal!

E ver o que dizem as descrições dessa viagem.

Nelas se escreve que nos portos estrangeiros foi, sobretudo, notada a maneira exemplar como os nossos marinheiros só portavam, ainda mais para admirar quando só estabelecia confronto entre a atitude deles e a dos marinheiros de outras nações que, anteriormente, por êsses portos haviam passado.

Realizou-se, pois, o sonho do Sr. Ministro da Marinha com felicidade para o bom nome da nossa Pátria, com orgulho para a República e com proveito da instrução técnica dos elementos da marinha portuguesa.

O périplo de África está assim realizado.

Outros há a realizar fora da marinha.

Ponham os homens do Govêrno do meu País os olhos no exemplo do Sr. Ministro da Marinha, e cada um deles, pela sua especialidade, procure realizar diferentes périplos, tam necessários para bem da República.

Não fiquemos, porém, só em louvores ao périplo realizado.

E preciso que todos os lados da Câmara se unam para discutir a proposta que há meia dúzia de dias o Sr. Ministro da Marinha apresentou aqui, que vista a dotar a marinha com aquilo que é o mínimo indispensável para que a Marinha

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que pode vir a resolução dos nossos problemas.

Sem grandezas impossíveis do realizar neste momento, conseguimos alguma cousa que se traduziu, em melhorar a nossa situação moralmente, e melhorar moralmente não nos é difícil, porque todos nós, portugueses, oferecemos à resolução dos problemas nas nossas qualidades de raça que não são melhores nem piores do que foram, mas estão apenas adormecidas pelo esquecimento que muitos homens públicos dão ao cumprimento do seu dever.

As minhas palavras neste momento seriam de incitamento para com o Sr. Ministro da Marinha, se S. Exa. precisasse do meu incitamento.

Eu dou-lhe a mais absoluta solidariedade como português e como político.

S. Exa. sabe bom defender os propósitos do elevada honestidade moral e técnica que animam sempre a marinha de guerra portuguesa, única corporação armada que é dominada por mais intenso e inextinguível espírito militar o que sem condicionalismos, sem hesitações e sem discussões afronta o perigo com galhardia e sabe cobrir a Nação do glória imperecível.

É essa marinha de guerra que ou saúdo, que sempre e em toda a parte sabe dignamente cumprir o seu dever, que no sul do Angola se cobriu do glória, na campanha de 1915, com uma conduta, do tal maneira impressionante que o último chefe militar que tivemos, e que se chamou Pereira de Eça, lhe legou a sua espada, tendo em atenção que foi o Corpo de Marinheiros quem lhe forneceu a matéria o da a proposta do Sr. Rodrigues Gaspar, que tem por fim tornar extensiva ao Sr. Ministro da Marinha a saudação que consta da primeira, proposta. Devo, porém, acrescentar que em outro local e numa saudação pessoal à individualidade do Sr. Pereira da Silva, ou não teria dúvida em tomar parte, pois muito considero as qualidades pessoais do S. Exa.

Não se trata disso, mas sim dama saudação que deriva de um acto sôbre o qual pomos as devidas reservas para o apreciarmos oportunamente.

Não podemos, por isso, associar-nos, repito, à saudação proposta pelo Sr. Rodrigues Gaspar.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Agatão Lança: - Sr. Presidente: eu, que já tive a honra de, nesta sala, ser cognominado de marinheiro, o que sou um dos oficiais de marinha que pertencem ao Parlamento, não posso deixar de erguer a minha voz humilde, mas sincera, nesta Câmara, para associar-me à saudação feita pelo Sr. Pires Monteiro à nossa, marinha do guerra pelo êxito do périplo de África.

Nestes últimos anos apareceram dois homens a quem a marinha de guerra portuguesa muito deve pelo esfôrço que empregaram na sua valorização.

Um foi o comandante Leote do Rêgo, que durante a Grande Guerra realizou o grande esfôrço, bem significativo da sua

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Estou convencido que alguma cousa hei-de obter dêste Parlamento.

Antes de terminar, devo dizer que as palavras que pessoalmente me dirigiram são certamente filhas da benevolência, mas por isso mesmo mais profundamente mo sensibilizaram.

Foi aprovada por unanimidade a moção.

Trocam-se explicações da Presidência com o Sr. Tavares de Carvalho acerca de um requerimento dêste Sr. Deputado para a discussão de projectos de lei.

O Sr. Presidente: - Continua o debato sôbre a questão de Macau.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Quando V. Exa. considerou aprovada a moção do Sr. Pires Monteiro por unanimidade, foi certamente sem o aditamento do Sr. Rodrigues Gaspar, não é assim?

O Sr. Presidente: - Foi somente a moção.

O Sr. Rodrigues Gaspar: - Sr. Presidente: como eu pedi para juntar a essas saudações o nome do Sr. Ministro da Marinha, peço a V. Exa. o obséquio do, caso assim o entenda, submeter a apreciação da Câmara a minha proposta de aditamento.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Câmara aprovando a moção, considero também aprovada a saudação ao Sr. Ministro da Marinha.

O Sr. Presidente: - Continua pois em discussão o debate sôbre Macau e continua no uso da palavra o Sr. Ferreira da Rocha.

O Sr. Ferreira da Rocha: - Sr. Presidente: antes de continuar no aso da palavra acerca do debate sôbre Macau, permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que mais uma vez peço à Mesa da Câmara aquele respeito que deve haver pelo Regimento.

Bom será que os Srs. Presidentes de vez em quando releiam o Regimento de forma a evitar que o período "antes da ordem do dia" seja prolongado contra os seus preceitos, como hoje aconteceu com a moção apresentada pelo Sr. Pires Monteiro, sôbre a qual usaram da palavra muitos Srs. Deputados.

Bom será, pois, repito, que os Srs. Presidentes releiam de vez em quando o Regimento do forma a que não nos vejamos obrigados a convidá-los a respeitar uma cousa, que S. Exas. devem ser os primeiros a manter e respeitar.

Sr. Presidente: o debate sôbre Macau quási que perdeu a oportunidade política, se é que ela alguma vez a teve, depois da realização do Congresso Democrático,

A Câmara entendeu que sôbre a administração de Macau se devia fazer uma larga discussão.

Acerca propriamente da administração de Macau, o Sr. Deputado interpelante referiu-se a tr6s dos mais importantes problemas: a delimitação, a questão do ópio e a exploração do porto.

Simplesmente o Sr. Deputado interpelante, que conhece êstes três problemas, os misturou nas suas considerações.

É conveniente, pelo menos para os Srs. Deputados que têm interêsse por êste assunto de política colonial, definir êsses três capítulos.

No espírito do Deputado interpelante houve certos erros nos seus raciocínios e conclusões.

Comecemos pela questão da limitação de Macau.

Macau não tem ainda limitação definida pelo tratado com a China.

Reconheceu-se a soberania portuguesa em Macau principalmente por conveniência de ordem diplomática, indo contra os desejos dos chineses vizinhos.

O tratado foi mal recebido por êsses vizinhos.

Para os chineses vizinhos de Macau, Macau era a antiga cidade que estava dentro da península e alguns lugares fora das muralhas.

Mas adentro da península não havia ilhas, e portanto dentro da limitação.

Mas havia Cantão, para quem esta questão é importante. Todos os partidos da oposição procuram criar atmosfera no estrangeiro, e encontram nos países fracos como Portugal meio próprio para o fazer.

Assim podem preponderar certas medidas que Cantão reclama.

O problema da limitação de Macau é de intensidade maior ou menor, por culpa

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dos funcionários que administram a província.

Esta excitação e produzida por Ossos próprios funcionários, que tem procurado viver o melhor que podem com os chineses vizinhos.

Assim a questão dos limites foi sempre uma questão em que os vizinhos têm sempre procurado negar o direito que temos aos territórios que possuímos aí.

Mas nunca os chineses fizeram qualquer reclamação - até hoje nenhuma - pelo facto de Portugal procurar fazer um porto em Macau, fundamentando essa reclamação na forma como queríamos construir êsse porto e explorá-lo.

A reclamação dos chineses tem sido sempre sôbre o facto de não podermos fazer o porto em águas que elos contestam à soberania portuguesa. A reclamação dos chineses tem sido sempre baseada na questão de limites.

Não há reclamação sôbre a questão do porto. Nesta matéria estabelece o Sr. Deputado interpelante a primeira das suas confusões.

Sussurro.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

O Orador: - Não peça V. Exa. a atenção da Câmara. Peça V. Exa. apenas aos Srs. Deputados que não perturbem com as suas conversas o silêncio que se deve fazer nesta Câmara sempre que qualquer dos seus membros esteja falando.

Isso me basta.

Sr. Presidente: os conflitos levantados têm sido apenas a propósito da soberania portuguesa nas águas do porto de Macau.

O Sr. Ministro das Colónias já citou à Câmara alguns dêsses conflitos dados ao tempo em que S. Exa. foi governador da província.

Êsses conflitos vêm de longa data; vêm já do tempo em que ainda não se falava na construção dum porto.

A principal causa das dês inteligências em matéria de limites foi sempre a soberania portuguesa nas águas do porto interior de Macau.

Vem de há quinze anos o primeiro conflito dessa natureza, quando o governador do Macau teve de intimar um navio de guerra chinos a sair do porto, sob a ameaça do ser metido no fundo pelas batarias portuguesas se se recusasse a assinar o registo da capitania do porto, prova única da soberania portuguesa nas águas do porto interior de Macau.

Êsses conflitos têm-se agravado cada vez mais, à medida que os chineses de Cantão se sentem mais fortes para subjugarem o poder português em Macau.

Em 1921 um torpedeiro chinês fundeou em Macau, dando-se aquelas peripécias que foram aqui narradas pelo Br. Ministro das Colónias, por motivo de ter ancorado em local que não ora o quadro destinado aos navios de guerra estrangeiros, escolhendo êle próprio o seu fundeadouro, como que declarando que não reconhecia a soberania portuguesa no porto interior de Macau.

Estava então no Poder um Govêrno presidido pelo Sr. António Granjo. Procurou S. Exa. empregar todas as diligências junto da Inglaterra, dessa mesma nação cujos funcionários tinham pedido ao governador de Macau que não abrisse hostilidades em virtude dêsse incidente, para que diplomaticamente, por arbitragem, por intervenção amigável, por qualquer forma, emfim, o caso só pudesse resolver.

Mas entendeu também o Govêrno que então presidia aos destinos do País que ora necessário habilitar a colónia de Macau a defender a soberania portuguesa.

Houve então, como há agora, como houve sempre, um movimento salvador da Pátria, que derrubou êsse Govêrno por meio duma revolução; e, como sempre, ou que a fizeram esqueceram-se do assunto de Macau, entendendo que estava tudo feito, quer em matéria de intervenção junto da Inglaterra, quer em matéria de fornecimento a Macau dos meios militares de defesa, e o torpedeiro ficou. Afirmou aqui o Sr. Deputado interpelante que, com a sua presença" o torpedeiro havia saído, e o conflito desaparecera.

Sr. Presidente: o Sr. Deputado interpelante é demasiadamente optimista quanto às consequências da atitude pacifista do governador de Macau, agora exonerado.

O torpedeiro não saiu apenas quando S. Exa. lá apareceu, já antes tinha saído

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e já antes tinha voltado. Também vários outros navios chineses tinham saído e voltado, fazendo o mesmo, isto é, não indo para o quadro dos navios de guerra, mas para onde queriam. Ora, evidentemente, que eu não tenho conflitos com ninguém, se entender que devo transigir sempre com quem não acata as minhas ordens. Terei eu algum conflito com a Espanha se deixar os seus navios entrar e sair do Tejo sem acatarem as ordens da nossa capitania? Não, e assim não custa nada ser pacifista.

O Sr. Rodrigo Rodrigues: - V. Exa. afirma que durante o tempo em que fui governador houve algum navio chinos que saiu e entrou no porto de Macau sem respeitar as ordens da capitania?

O Orador: - Sim, senhor.

O Sr. Rodrigo Rodrigues: - Não tive disso conhecimento.

O Orador: - Afirmo a V. Exa., com o testemunho do capitão do porto. Êsse testemunho é fácil do obter; o próprio Sr. Ministro pode confirmar o que afirmo, porque é fácil obter as informações oficiais.

Mas sou também da opinião do Sr. Deputado interpelante, do que é necessário em Macau uma política pacifista, e de que emquanto não fizermos um tratado comercial com a China não podemos ter vantagens de apetrechar o porto de Macau ; sou também de parecer, como o Sr. Deputado interpelante, que devemos fazer o possível para viver bem com os nossos vizinhos, ou, ainda mais, que devemos ir ao encontro dos interêsses da China, procurando1 uma delimitação que não seja a pretendida pelos egoístas, que defendem pontos máximos que sabem nunca poderão obter, mas que seja uma delimitação baseada em pontos práticos que nos sirvam e que dêem algumas compensações aos chineses. E esta a minha opinião, inteiramente igual à do Deputado interpelante; mas entendo também que emquanto não conseguirmos realizar êsses desejos, o nosso dever é manter os direitos conquistados, sem ceder em nada. Aquilo que estou pronto a largar quando discutir para arranjar compensações em troca, não o quero ceder antes disso.

Emquanto isso não fôr realizado, entendo que todo o porto interior de Macau devo continuar sob a nossa acção.

O Sr. Velhinho Correia: - O que eu queria dizer a V. Exa. era que o ponto do vista de direito que V. Exa. pôs, do que águas comuns pertencem aos dois países, não é um ponto de vista que não tenha a sua excepção, e como Portugal, durante séculos, mantendo inteiramente sou todo o porto de Macau, podia ser uma excepção, eu tive ocasião de perguntar no Ministério dos Estrangeiros se êsse caso era único, e tive como resposta, de uma pessoa categorizada, que não: que casos havia de um país ser só êle o dono das águas que separam duas terras.

O Orador: - Sr. Presidente: o Sr. Deputado que acaba de me interromper sabe tam bem com eu que os argumentos que acaba do apresentar tenho eu passado a minha vida a apresentá-los e a redigi-los.

Essa discussão é uma discussão a fazer quando se discutirem os limites, e a obrigação do um governador é conservar integralmente aquilo que recebeu para integralmente o entregar a quem o vá substituir.

A outra questão importante, que o Sr. Deputado interpelante confunde nas suas consequências com a exploração, é a questão do ópio.

O ópio é consumido largamente pelos chineses, constituindo uma fonte de largos rendimentos para a China.

O ópio constituiu sempre um meio do que as alfândegas chinesas se serviram para conseguir obter a maior parte dos seus rendimentos.

A certa altura a intervenção humanitária da América começou, levantando um clamor extraordinário sôbre os efeitos deletérios do ópio na China, e, de discussão em discussão, do intervenção diplomática em intervenção diplomática, chegou-se, ao fim do várias conferências, ao seguinte resultado: a China proibiria o fumo do ópio gradualmente em 10 anos, assim como o cultivo da papoula, e a colónia inglesa, mais interessada, proibiria e exportação para a China.

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Isso dou lugar a que o ópio fôsse dividido em dois grupos: certificado era certificado. Ópio certificado era aquele que podia entrar na China, não certificado aquele que era destinado ao consumo de outros países, que ainda fumassem ópio, e entre êsses estava Macau, que recebia ópio não certificado.

A diferença de preço estabeleceu-se imediatamente entre ópio certificado, que tinha direito a entrar na China, e ópio não certificado, que não tinha direito de lá entrar.

Foi isso que dou lugar ao grande aumento de preço da venda do ópio, do contrato feito ora 1913, e até êsse grande aumento foi já atribuído a um governador que então estava na colónia, dizendo-se mesmo que foi êle quem conseguiu a arrematação do ópio em hasta pública.

Como gosto sempre de defender o Ministério das Colónias, visto que só o ataco quando vejo motivos para isso, devo afirmar que naquele Ministério nunca ninguém pretendeu, que a arrematação do ópio se não fizesse em hasta pública.

O ópio passou, assim, a render para Macau uma importância extraordinária, e foi devido a êsse aumento do rendimento que se resolveu iniciar a construção do porto.

Porém, a índia não deixou de cultivar a papoula de onde se extrai o ópio, e, por isso, o rendimento em Macau tinha, fatalmente, de deminuir.

A Inglaterra realizou em 1913 um acordo pelo qual era fixado o número de caixas de ópio que Macau podia consumir. E êsse número era de 500 caixas, sendo 260 para consumo próprio e 240 para exportação.

Porque é que a Inglaterra fez isto, quando, ao tempo, ainda não havia a idea de construir o de explorar o porto de Macau, e quando ainda não havia a necessidade do pensar que teria de se entender connosco a tal respeito?

A Inglaterra fez isso, em parto, por tal facto constituir como que uma campanha humanitária, e, por outro lado, por circunstâncias financeiras.

Feito o monopólio do ópio em Hong-Kong, o resultado foi o seguinte: parte dos negociantes da exploração ilegal do ópio, ou seja do contrabando, foram para a índia, e assim desapareceu, portanto, uma grande fonte do receita do comércio do ópio em Hong-Kong.

Assim o Govêrno de Hong-Kong, desde que o limitava, em nome do seu próprio interêsse, apresentava o argumento do sapateiro de Braga.

Desde então - não é desde a exploração do pôrto de Macau - desde então, e há vários testemunhos disso, que o Sr. Deputado interpelante conheço e entre êles o meu, a insistência do Govêrno de Hong-Kong foi constante, numa atitude quási vexatória, procurando impedir por todas as formas que a colónia tivesse as caixas de ópio que o acordo lhe marcava.

O acordo terminava em 1923, na mesma ocasião em que o governador exonerado lá se encontrava e se estava construindo o porto de Macau.

O Sr. governador exonerado tomou isso como uma forma de que o governo de Hong-Kong se servia para obstar ao desenvolvimento do pôrto. S. Exa. misturou então factos que só tinham de comum o pertencerem à mesma colónia.

Quanto à forma como S. Exa. fez a sua arrematação, vemos que acabou por dar o ópio em dois contratos em hasta pública. Todos os argumentos que S. Exa. possa apresentar para justificar o seu procedimento caem.

Ainda mesmo que S. Exa. dissesse que só julgava autorizado pelo Ministro das Colónias a ter assim procedido, ou dir-lhe-ia que não encontrei essa autorização.

De facto, ainda mesmo que se tivessem anunciado sucessivas praças, os concorrentes iriam com susto, por não saberem quanto ópio poderiam importar da China.

S. Exa. tinha obtido uma oferta do 2:170:000 patacas.

Não consta do processo que S. Exa. tivesse pôsto o Ministro ao facto desta situação.

A certa altura, o Ministro das Colónias, de então, dizia que recebia uma grande pressão da Inglaterra, para que na próxima reunião da Conferência do Ópio se chegasse à conclusão de que os países que mantinham ainda êste comércio deviam passar à situação de monopólio ou de régie.

Sabe-se que o Sr. Ministro das Colónias telegrafou ao governador de Macau, mostrando a necessidade de proceder à

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arrematação e ao contrato. Ora, quando se fala em arrematação, evidentemente que não pode alhear-se a circunstância dela ter de ser feita nos termos da lei. E, assim, não é arrematação á concessão dum exclusivo feita particularmente a alguém. Isso poderia ser, quando muito, um contrato e nunca uma arrematação.

Em todo o caso foi assim, que procedeu o governador de Macau...

O Sr. Rodrigo. Rodrigues: - Mas então não se fez a arrematação nos termos da lei?

Que culpa teve o governador que a primeira praça ficasse deserta e não se realizasse a segunda?

V. Exa. está fazendo uma afirmação que pode deixar no espírito da Câmara a impressão de que o governador procedeu irregularmente, o que não é exacto.

O Orador: - V. Exa. parece atribuir-me as funções de julgador. Ora essas funções pertencem ao Sr. Ministro das Colónias, e não a mim.

Eu limito-me apenas a apreciar os factos.

Quanto ao àparte de S. Exa. eu respondo cabalmente com os números.

Em 16 de Novembro de 1923 foi aberta a praça e ficou deserta, naturalmente porque se desconhecia o número de caixas que poderiam vir da India.

Anunciada nova praça, foi esta suspensa por ordem ministerial.

Em 14 de Março o Ministro autoriza a abertura de nova praça.

Realiza-se a praça em Maio, mas não foi aceita nenhuma das propostas.

Aparece então um novo concorrente que estabelece novas bases, aquelas a que há pouco me referi.

Nesta altura o governador telegrafa para o Ministro a dizer que estava convencido de que havia conluio e de que, por isso, a arrematação se não devia fazer.

Em Junho o Ministro telegrafa novamente ao governador, afirmando a necessidade de se proceder à arrematação pela conveniência que havia de mostrar, perante a conferência internacional, que nós estávamos ligados a um contrato a que não podíamos faltar.

Em 8 de Julho, sem praça pública, fizeram-se os dois contratos a que me referirei.

O facto de ter havido uma praça em Novembro e outra em Março não significa que se fizesse a arrematação.

Diz o regulamento que realizada a primeira praça, e não havendo concorrentes, se realizará segunda; e no caso de nesta segunda ainda não haver concorrentes, ou não convindo o preço, a arrematação se não fará, sendo nesse momento permitido ao governador receber requerimento de qualquer concorrente que queira apresentar uma oferta, e servindo essa oferta de base à terceira praça com o direito de opoão para o concorrente que requereu.

E isto o que manda o regulamento.

O Sr. governador exonerado recebeu um requerimento, com a obrigação de sujeitá-lo à licitação verbal.

Não podia, portanto, S. Exa. fazer outra cousa que não fôsse abrir terceira praça com licitação verbal, servindo de base a oferta que já tinha, e dando o direito de opção a êsse concorrente.

Mas 15 dias depois de receber o depósito para essa oferta, o ex-governador de Macau, dizendo que não tinha instruções do Ministério das Colónias, devolveu o depósito, permitindo que o concorrente ficasse sem compromissos da oferta que tinha apresentado para servir de base à terceira praça.

Eu afirmo que não há no processo nenhuma pregunta do governador de Macau a indagar do Ministro das Colónias se devia pôr de parte o oferecimento que podia ter aproveitado, e não há também qualquer telegrama do Ministério das Colónias a dizer que não aceitasse essa proposta.

O Sr. Rodrigo Rodrigues (interrompendo): - V. Exa. está a fazer afirmações que eu não posso desmentir, pela única razão de não ter documentos.

Em todo o caso posso garantir a V. Exa. que procedi com todo o rigor.

Se V. Exa. afirmar que eu meti no bolso a estátua de D. Pedro IV, também o não poderei desmentir, porque não tenho documentos para o fazer.

O Orador: - O Sr. Deputado interpelante levou-me para um caminho e agora censura-me por eu estar nele!

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Foi S. Exa. quem mo preguntou se tinha havido qualquer comunicação da Metrópole para que a arrematação se fizesse.

Não procuro fazer da Câmara dos Deputados comissão do investigação dos negócios do Macau ; todavia, só o Sr. Deputado interpelante quiser levar-me para êsse caminho, lá irei.

Preguntou-me S. Exa. só tinha ou não havido arrematação provia.

Afirmo que não tinha havido arrematação prévia.

Êstes factos não necessitam de muitos documentos para os provar.

Não houve arrematação para que o contrato só realizasse.

Êste é o facto consumado que eu apresento à Câmara som ser o meu intuito discutir os actos do governador exonerado; mas isso não me impede de afirmar bem alto que a questão do ópio não derivara, das obras do porto de Macau.

O que fez Hong-Kong? Defendeu-se da melhor forma, procurando que o fornecedor de ópio - o seu maior inimigo - lhe fizesse o menor mal.

Tudo isto é fácil do demonstrar por documentos que se encontram no Ministério das Colónias.

Vem agora a questão da exploração do porto de Macau; mas não foi essa questão a causa dos conflitos com a China.

Não há um único diploma que possa negar esta afirmação.

Macau, todos sabem que foi essencialmente um porto o não teve outra função durante três ou quatro séculos.

Evidentemente era essa urna situação privilegiada.

A certa altura, porém, essa situação começou a deminuir, até quási desaparecer,

O tratado de Nanquim deu-lho, na verdade, a primeira facada.

Hong-Kong era um pôrto de condições geográficas especiais, embora do principio não aproveitadas, o devia vir a causar, como causou, a ruína do porto de Macau.

Os portos interiores do Rio Oeste também contribuíram para isso, porque a China, para a luta que há entro as alfândegas nativas e as alfândegas chinesas começou a aliciar barcos especialmente só para navegarem em portos do Rio Oeste abertos as comércio europeu, arranjando outros para navegarem em portos do Rio Oeste não abertos ao comércio europeu, e é claro que o comércio principal começou a fazer-se em portos não abortos ao comércio europeu, perdendo apenas com isso Macau.

Efectivamente sucedeu que o comércio marítimo especial de Macau, que é feito em juncos, cedeu lugar ao comércio dos barcos a vapor, que vão directamente a Hong-Kong, e Macau ficou somente a exercer a Junção de simples porto distribuidor das regiões mais próximas.

Assim, quem quiser dar-se ao trabalho de consultar estatísticas em Macau, não as há, infelizmente, como devia ser, porque em Macau, sendo porto livre, nunca se procurou organizar o movimento do comércio do bom porto - tendo morrido numa gaveta do Ministério das Colónias a única proposta que havia para êsse efeito. Mas quem quiser dar-se ao trabalho de arranjar estatísticas, extraídas do certos relatórios das alfândegas, verificará que depois da inauguração do porto de Hong-Kong, isto é, há 20 anos para cá, o nosso porto pouco a pouco foi perdendo completamente todo aquele comércio que não tem carácter local ou do distribuição pelas regiões próximas.

Assim, o comércio do chá, tecidos, tabaco, petróleo e esteiras desapareceu de Macau, passando a fazer-se directamente pelo Rio Oeste para Hong Kong, para evitar a dupla despesa do fretes para Macau.

Acontecia também que o porto interior se estava assoreando e, naturalmente, por esta fácil conclusão que tiram todos os portugueses a respeito dos problemas importantes, qual é a de deduzirem as conclusões pelo raciocínio em lugar do as deduzirem pelos números o observações, espalhou-se a lenda, o grito constante, de que Macau morria por ter o porto assoreado.

Como isto se afirmava por toda a parte, começaram a levantar-se campanhas para a realização do porto de Macau.

A certa altura verificou-se que a realização do pôrto não resolvia o problema, porque o simples alargamento e afundamento do canal havia necessàriamente de dar os mesmos resultados que até ali.

Mas, juntando-se a isto as causas políticas que derivavam da questão dos limites e impediam, portanto, que se pen-

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sasse a sério na realização do porto, conseguiu-se em primeiro lugar por campanhas feitas em jornais da colónia, o em segundo lugar pela iniciativa enérgica do governador Correia da Silva, que ao fim de um grave conflito se realizasse um acordo com o Govêrno do Cantão, pelo qual se construísse um porto em águas em que possivelmente os conflitos fossem menores; e depois, pela acção do Govêrno de António Granjo, que se colocou ao lado do governador, conseguiu-se que só levasse a efeito a construção do porto.

Mas o porto de Macau é, necessàriamente, um porto de concorrência com o de Hong-Kong.

Mas, Sr. Presidente, se Macau não pode continuar a ser um porto tributário do porto de Hong Kong, e autos tem de com êle competir, se esta tem do ser a situação, pregunto:

Qual é o entendimento possível com o Govêrno de Hong-Kong?

Estamos a construir um porto sem ter a pretensão de ser porto de guerra. Tem pelo menos o desejo de ser da mesma massa que forma êsse porto de Hong-Kong.

Estamos a procurar que essa massa alimente mais um porto, o de Macau.

E então vamos nós administrar, pedindo que colaborem no nosso porto?

Qual pode ser o intuito? Qual é o pensamento político que nos poeta levar a êste fim? Qual o pensamento político que nos pode levar a chamar qualquer outro Govêrno a acompanhar-nos a colaborar connosco na administração, e representação do nosso porto?

Apoiados.

Será, porventura, o desejo de procurar o capital inglês para intervir no porto de Macau?

Simplesmente não há números nem informações, ou os elementos necessários que possam levar o Governador a supor, sequer, a realização dêsse empreendimento.

Será possível? O porto de Macau só tem o progresso que possa resultar dos nossos desejos de aproveitamento dessas regiões, e do lucro do comércio.

As receitas directas hão-de ser insuficientes. Porventura a colónia tem rocei-tas indirectas pelos impostos e aumento comercial?

Alguma cousa só pode aproveitar dessas receitas indirectas. Receitas directas são insuficientes.

Dificilmente vão além de cem patacas por ano.

E quem poderá encontrar na China quem empreste com juros a 10, 18 e 20 por cento para tais empresas?

Não creio.

Mas o Sr. Ministro das Colónias pôs perante a Câmara a certrza de que nenhuns elementos permitem que se resolva esta questão sob o ponto de vista da possibilidade da formação dessa Companhia, idea apenas desenhada no espírito do Governador exonerado.

Não há possibilidade prática que possa pôr-se, como sendo uma realização à discutir.

Nessa exploração do porto de Macau pretendia o Sr. Governador exonerado que entrassem capitais chineses.

Devo dizer que, sendo necessários ao futuro de Macau entendimentos com a China, êsses entendimentos não podem derivar do facto de meter capitais chineses na exploração do porto de Macau; carecemos, sim, dum tratado que permita a realização do caminho de ferro ou duma estrada que permita realizar negociações comerciais; precisamos que se consiga que as lanchas não fiquem privadas de sair das águas chinesas e poisam vir às águas de Macau, precisamos dumas certas facilidades do Govêrno de Cantão, mas essas facilidades têm de ser conseguidas pelos Governos, nunca por intermédio dos capitalistas que residem em Macau, em Hong-Kong, ou em Cantão, e que nenhuma influência real podem ter na administração política do sul da China. Além disso é absurdo supor que os chineses procurariam entrar nessa exploração, a não ser que vissem nela qualquer forma de especulação que lhes permitisse supor que obteriam uma remuneração muito superior ao dinheiro despendido.

Sr. Presidente: não desejo cansar a Câmara com um assunto como êste de ordem técnica; desejo, porém, referir-me, mais uma vez, especialmente ao Governador exonerado para repetir que S. Exa. mostrou, através dos problemas do Macau, qualquer cousa que se pode parecer com rasgo de génio, por vezes mostrou ter nítida compreensão dos problemas da co-

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lónia, e tam rápida compreensão deles que pode afirmar se que raras vezes são as pessoas que em tam curto espero de tempo tenham conseguido assimilar o problema dos portugueses no Oriente.

Mas, ao mesmo tempo que S. Exa. mostrava verdadeiro rasgo de génio em algumas das suas considerações, em relação à política portuguesa no Oriente S. Exa. foi sempre através das suas ideas, através da mistura que delas faz, o mais perfeito exemplo de falta de disciplina mental que se pode conceber num homem que num homem inteligente.

O Sr. Governador agora, exonerado teve acima de tudo o nervosismo da pressa, e as suas ideas sofrem da falta de um estudo demorado.

Só S. Exa. não fôsse levado por tal precipitação, sem êsse nervosismo, S. Exa. teria, porventura, iniciado uma obra que seria ou não concluída.

S. Exa. na verdade poderia ter realizado uma obra útil, pois a verdade é que revelou sempre muito boa vontade; porém a sua falta, de disciplina, a sua precipitação, o seu nervosismo e a impossibilidade do tratar com os estrangeiros de assuntos da máxima importância, levaram no a fazer uma administração perfeitamente desordenada, não conseguindo realizar os seus pontos de vista.

Se assim não fôsse, Sr. Presidente, talvez tivesse conseguido realizar uma verdadeira obra de colonização.

O seu nervosismo, a sua precipitação e a impossibilidade de tratar com o estrangeiro, levaram no, repito, a fazer uma administrarão porfeitamente desordenada, e haja visto o que se passou relativamente ao contrato do ópio, o qual posso afirmá-lo, foi feito não havendo concurso prévio.

S. Exa. queixa-se de que o Govêrno o não deixou realizar os seus pontos de vista, pois a verdade é que, diz S. Exa., que apenas com algumas conversas que teve com os estrangeiros alguma cousa conseguiu.

Temos na verdade toda a conveniência em nos entendermos com o estrangeiro, porém, as cousas não podem, não devem ser tratadas da forma como S. Exa. julga.

E é bom notar que o Conselho Colonial procede por si próprio.

O Conselho Colonial, ao dar parecer sôbre os processos que lhe eram remetidos pelas instâncias com potentes, procurou sempre tomar mais suave a discordância existente entre a Direcção Geral competente e o Sr. governador exonerado.

Foi êste o papel do Conselho Colonial.

Ocorre preguntar só o Sr. Director Geral era ou imo seu correligionário. Era, e dos mais grados.

Dentro do Conselho Colonial há apenas um representante do Partido Nacionalista, que é o vogal nomeado pela colónia de Macau.

Por outros membros, que não êsse, foram relatados varios processos relatados a Macau, e, conseguintemente, assinados por democráticos sem nenhuma declaração de vencidos. Eu apenas fazia, por vezes, uma imparcial apreciação das leis, para mostrar ao Sr. governador de Macau que elo não as respeitava.

Nestas condições, poderia, pois S. Exa. considerar se, como êle diz, ilaqueado?

Porventura poderá dizer que perante outras colónias não foi idêntico o procedimento?

Macau tem representantes em Lisboa, um Deputado e um Senador, ambos membros do Conselho Colonial e que cumprem o seu dever.

Se as outras colónias não têm quem obliquo o Ministério respectivo a fazer cumprir as leis, não é isto motivo para o Sr. governador exonerado censurar aqueles que procedem de modo diverso.

No emtanto eu sei, porque S. Exa. me fez sentir aqui, que ele achava natural que fôsse o Deputado por Macau, que não é seu correligionário, que lhe fizesse acusações acerca da sua administração, o que elas, não deviam ter partido do Sr. Ministro das Colónias, sou correligionário, lógico sendo quem fôsse eu quem discutisse com S. Exa.

O Sr. governador exonerado procurou demonstrar que a sua administração estava a par daquelas que podem ser sempre defendidas, o quais as vantagens do seu governo.

Também nestas conclusões S. Exa. é precipitado.

Em primeiro lugar, se S. Exa. abriu créditos extraordinários para realizar despesas, nau é aos orçamentos que se hão-de

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ir buscar elementos para se apreciar a sua administração financeira.

Mas, mesmo assim, e tomando por base os dois últimos orçamentos, um elaborado pelo Sr. Correia da Silva, quando governador do Macau, e o outro pelo Sr. governador agora exonerado, nota se o que vou ler.

Isto é, vê-se do que li, e claramente, que a despesa e maior na sua administrarão do que na do seu antecessor; despesa maior do que a prevista na administração anterior visto que a despesa extraordinária, derivada da realização de obras, não podia servir de termo do compararão na administração dum o doutro.

Mas ou sei que o Sr. Deputado interpelante sentiu com farto anormal que não fôsse o Deputado por Macau quem levantasse a questão no Parlamento. Sei que outros Deputados, e ale não Deputados, alguns meus eleitores, estranharam o meu silêncio sôbre a administração de Macau.

Não o fiz por medo. Se eu fosse Ministro amanhã - pensei - exonerava o Sr. governador Rodrigo Rodrigues um ou dois das após a sua nomearão. Mas quando o fizesse, exonerá-lo-ia com a certeza de que escolheria um sucessor. E, como Deputado, tinha medo de concorrer por qualquer forma para a sua exoneração, bem poder concorrer para a escolha do seu sucessor. Não quis esquecer o velho provérbio: atrás de mim virá quem melhor fará... Reconhecia que S. Exa., com todos os seus defeitos de nervosismo, de falta de estudo e de respeito pelas leis em vigor, estava, todavia, cheio das melhores intenções, animado do desejo de bem servir o País. E tinha medo, repito, medo legítimo o autêntico, de que sôbre a sua vaga outra vaga aparecesse, nascida das ondas dos pretendentes, de todos os que supõem que a vida política, a Câmara dos Deputados ou o Senado constituem escolas para trepar para os lugares da administrarão pública em Portugal, escolas para tomar conta dos governos coloniais.

Senti que, quando S Exa. exonerado estivesse, o Ministro podia não ter a força suficiente para escolher sem que caíssem sôbre êle correligionários e Directório e lhe impusessem: "desde que temos os votos dos eleitores para viver em Partido, temos também o direito de pôr em perigo as colónias, distribuindo pelos diversos chefes de grupo os cargos que entendermos, sem nos lembrarmos que damos cabo de tudo o que é a administração colonial ou representa o progresso das províncias ultramarinas que ainda ternos, se continuarmos a ser joguete dos vários políticos, que, não lhes bastando as cadeiras de Ministro, querem também ocupar situações e cargos para os quais não são de modo algum competentes.

Mas, Sr. Presidente, os erros de S. Exa. são mais erros da máquina da administração do que erros que se possam directamente atribuir a S. Exa. E a condição essencial para o bom funcionamento dessa máquina é o regular andamento e a escolha das suas peças essenciais.

A República tem destruído o pouco que o regime anterior lhe deu, quer na metrópole, quer nas colónias.

Andando sempre nessa leva - como sucedeu com uns cavalheiros que, não servindo para estudantes, o Govêrno escolheu para professores - não há administração possível, não há colónia ou cousa alguma que possa progredir.

Escolher governadores!

Mas não sentem todos que a escolha de governadores coloniais, entre políticos categorizados de varios partidos, é condição essencial para que as suas administrações não possam ser devidamente fiscalizadas?!

Não vê toda a gente que os empregados do Ministério das Colónias têm receio de examinar os actos de um governador colonial que é politico categorizado no seu partido, porque - dizem - êle no dia seguinte pode ser Ministro a quem tenham de prestar contas?!

Não sabe toda a gente que já houve um Ministro das Colónias que aos empregados do seu Ministério foi pedir contas de informações que haviam dado quando êle, Ministro, era governador de uma colónia?!

Não sabe toda a gente que muitos dos políticos categorizados têm a impressão de que são pessoas que na administrarão pública mais podem do que qualquer chefe de repartição ou director geral?!

Não sabe toda a gente que os direc-

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26 Diário da Câmara dos Debutados

tores gerais do Ministério das Colónias, têm um pavor colossal em discutir os actos do um governador colonial, que estão a ver no dia seguinte guindado à situação de Ministro, senão de Presidente do Ministério?!

Não sabe toda a gente que os funcionários fiscalizadores têm receio dos fiscalizados!?

Emquanto não se regressar a situação anterior, em que os governadores eram recrutados entre as pessoas com bons serviços prestados nas colónias, não se evitarão os males que presentemente se dão.

Começava-se pelo govêrno de um distrito ou de uma circunscrição, e depois, pouco a pouco, é que se chegava a governador.

Emquanto nos mantivermos no caminho em que vamos, não vale a pena sequer fazer debates como êste que vimos travando há longas sessões.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

Foi lida na Mesa e admitida a moção do Sr. Ferreira da Rocha.

Moção

A Câmara dos Deputados, afirmando o propósito de não permitir que a exploração do porto de Macau seja subordinada, a interêsses prejudiciais à soberania portuguesa, e repetindo que considera indispensável o integral cumprimento das disposições das leis orgânicas que regulam a superintendência da metrópole no governo das colónias o determinam a fiscalização dos actos da administração financeira colonial: passa à ordem do dia. - O Deputado, Ferreira da Rocha.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Requeiro a contraprova o invoco o § 2.° do artigo 116.°

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a contraprova com contagem.

Procede-se à contraprova e contagem.

O Sr. Presidente: - Estão sentados 54 Srs. Deputados e em pé 1.

Está admitida.

O Sr. Velhinho Correia: - Sr. Presidente: nos termos regimentais?, começo por enviar para a Mesa a minha moção de ordem.

Sr. Presidente: pedi a palavra sôbre o debate pelo muito interêsse que me merecem os problemas coloniais, o designadamente o problema português no extremo oriente.

Residi em Macau três anos. Tive a honra de ser deputado por Macau, e, por isso, não deve a Câmara estranhar que tratando-se dos interêsses dessa colónia, eu profira a tal respeito algumas palavras.

Antes, porém, de entrar pròpriamente no assunto para que pedi a palavra, permitam-me V. Exas. que ou manifeste a minha discordância com a parte do discurso do Sr. Ferreira da Rocha, relativa ao porto de Macau.

Um país que conseguiu manter durante séculos o seu direito às aguas do pôrto interior de Macau não pode ser o primeiro a por em dúvida êsse direito. Afirma só que lei na frente dêsse porto terreno que não é português. Não é assim: o que há é um terreno cuja posso é contestada, e isso é diferente.

Eu não quero dizer com isto, evidentemente, que aí devêssemos ter leito o pôr-to interior.

E êste um ponto do vista que hei-de expor antes de entrar pròpriamente no debate.

Ouvi da boca do Sr. Rodrigo Rodrigues afirmações que mo merecem alguns reparos.

Disse S. Exa. que entendia necessário realizar certas démarches para a exploração do porto do Macau.

Ouvi também a afirmação de que havia sido pedida a garantia do porto de Macau.

Também ouvi dizer a S. Exa. que Macau é pôrto do dificílima situação para se manter.

Ouvi estas palavras, que não são exactas.

Macau tem todas as condições para ser um grande porto, pela sua situação geográfica e pela sua situação económica.

Tem condições para ser um grande pôrto para permuta internacional dos produtos portugueses.

Possui todas as condições para ser um grande porto, como foi, e deixou de ser

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apenas por circunstâncias que reputo absolutamente passageiras.

Não contesto a parte em que S. Exa. diz ter um grande amor por Macau e pelo problema português naquela colónia.

Macau não é outra cousa, afinal, senão ura, grande porto. Se não fora o porto, Macau não tinha razão de existir.

Não há o problema de Macau: há apenas o problema do porto de Macau.

Como é que eu vi o problema do porto, desde a primeira hora que o abordei?

Fui para Macau em 1913. Encontrei Macau sem que o problema do seu porto fôsse estudado. Estudei êsse problema; e num determinado momento, tive ocasião de o ventilar. Fui ouvido com sorrisos e ironias, pouca confiança nas palavras que proferi.

Vim então aqui à Câmara dizer o que entendia sôbre o problema de Macau.

E escrevi o que vou ler.

Quero dizer, Macau, pela sua situação geográfica, pela densidade da população. encontra-se em posição, no mar da China, para que o seu porto esteja em condições de poder dar abrigo à navegação.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. nas 4 minutos para concluir as suas considerações.

O Orador: - Terminando esta parte das minhas considerações, quero dizer hoje o que disse em 1917. E que as colónias não têm apenas importância pelo seu território, mas também, e principalmente, pela sua situação comercial, pela sua posição geográfica e pela densidade da sua população.

Macau, especialmente, está nestas condições.

Sr. Presidente: amanhã, mais desenvolvidamente, direi à Câmara quanto se me afigura certa o segura a orientação dada pelo ex-governador do Macau à questão do porto dessa nossa colónia.

E visto o adiantado da hora, ficarei com a palavra reservada, suspendendo por aqui as minhas considerações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

A moção será publicada guando te proceder à sua admissão.

Antes de se encarar a sessão

O Sr. Carvalho da Silva: - Sr. Presidente: começam a manifestar-se pelos diversos pontos do País, ainda com mais intensidade do que até agora, os primeiros efeitos da liberdade de que, em matéria eleitoral, o actual Govêrno promete usar, paru vencer eleições, contra os eleitores do País.

No círculo de Vila Franca, no concelho de Alenquer, estão-se exercendo verdadeiras violências contra os eleitores que não são partidários do Govêrno.

Assim, não só como político, mas até simplesmente como homem de bem, tenho de chamar a atenção do Sr. Ministro do Interior para que o delegado do Govêrno daquele concelho não continue a exercer perseguições contra pessoas honestas que gozam do mais justificado prestígio nesse concelho.

Sr. Presidente: um médico do concelho que está actualmente filiado no Partido Nacionalista, mas que ainda há pouco tempo se dizia filiado na causa monárquica, tem um jornal em que faz acusações das mais gratuitas contra pessoas gradas dêsse concelho. Ainda há pouco até, tendo-se realizado uma quermesse a favor da Misericórdia de Alenquer, cuja organização era dum grupo de senhoras, êle se permitiu naquele, jornal fazer acusações a essas senhoras. Como era natural, o mando duma delas encontrando-o, fez parar o carro em que êle seguia e perguntou-lhe se sabia se a sua esposa fazia parte da comissão de senhoras. Respondeu-lhe o médico que sim, mas que nenhumas satisfações dava, e ao mesmo tempo tirou da algibeira uma pistola, afirmando que só com ela podia dar satisfações ou explicações. Aproximaram-se, então, várias pessoas no intuito de evitar um conflito mais grave, mas o médico, com o chicote, agrediu uma delas, fustigando depois os cavalos por forma a não poder ser atingido, seguindo numa carreira desordenada com o carro e disparando a pistola para cima daquelas pessoas, uma das quais era o seu cunhado. É claro que, em face desta atitude, essa pessoas resolveram defender-se a tiro. Pois o módico foi queixar-se a Vila Franca, e essas pessoas foram todas incomodadas.

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Agora procura dar-se na localidade a essa questão, puramente pessoal, o aspecto dum conflito político, e assim o delegado do Govêrno aproveitou o caso para dizer que havia um complot monárquico para o assassinar.

Prepara-se dêste modo um belo ambiente de liberdade para o acto eleitoral, e o certo é que os boatos ali aparecem todos os dias, com ameaças contra as pessoas que não professam a política dêsse médico ou do delegado do Govêrno.

Ao Sr. Ministro do Interior poço a atenção devida para este caso, porque não pode continuai-se neste regime de liberdade republicana em que pessoas nómadas, pessoas que têm uma justificada categoria social, são vitimas de manobras destinadas a impedir que das urnas saia qualquer cousa que seja a vontade dos eleitores. Parece-me bastante o que tem sucedido para justificar a demissão do delegado do Govêrno que, longe de pacificar, está inventando pavorosas para perseguir as pessoas mais honradas do concelho do Alenquer.

Espero que S. Exa., ao monos uma vez, só deixo despir daquele facciosismo o despotismo de que tem dado brilhantes provas, e substitua êsse delegado por uma pessoa que firmo, pela sua imparcialidade a garantia de que não mais violências se, farão naquele concelho, estabelecendo assim aquela atmosfera que qualquer Govêrno deve desejar para um acto eleitoral.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Ouvi as considerações do Sr. Carvalho da Silva, o visto que S. Exa. me deseja despido de facciosismo, aqui me tem ao seu dispor para lhe dizer que já tinha sido informado dos casos passados em Alenquer.

Como S. Exa. disse, e muito bem, trata-soedo uma questão que nada tem, que ver com a política, mas V. Exa. contradisse se, porque seguidamente afirmou que ela tinha o propósito de manobras eleitorais.

Não tem V. Exa. razão.

Como o Sr. Carvalho da Silva deploro os acontecimentos que se deram em Alenquer, tanto mais que nêles se encontram envolvidas pessoas do cuja honestidade ninguém pode duvidar.

Houve excessos, houve, porventura, uma manifestação de temperamentos irritados, mas a versão que V. Exa. apresentou não coincide com as duas outras que são do mau conhecimento, uma das quais me foi contida por pessoa muito chegada a um correligionário de V. Exa.

Todavia, isto é uma questão de simples detalhe, porque em última análise, deram-se acontecimentos lamentáveis, tendo o delegado do Govêrno cumprido o seu dever, até com certo escrúpulo, porque, para não ser acoimado de suspeito, requisitou para Lisboa um utente de policia do investigação, que foi expressamente a Alenquer apurar o caso.

Êsse agente, em plena liberdade, no cumprimento do seu dever, fez o seu relatório, enviando para o Poder Judicial aquelas pessoas para quem deveria haver êsse procedimento.

No emtanto não tenho dúvida em mandar coligir novos informes, devendo acrescentar que não me parece que o delegado do Govêrno tenha procedido com qualquer facciosismo

Mandei pedir informações ao Sr. governador civil, e S. Exa. disse me que efectivamente tinha lá estado um agente a apurar os casos ocorridos, que tinham sido feitas as prisões julgadas necessárias, para apuramento da verdade, e que, opôs o inquérito, algumas dessas individualidades tinham sido soltas, e outras enviadas ao Poder Judicial.

Não há aqui manobras eleitorais; V. Exa. é que quis transformar numa questão política aquilo que V. Exa. mesmo reconheceu ser uma questão pessoal.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Sá Pereira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a atenção do Sr. Ministro do Comercio, para um caso que reputo de bastante gravidade.

Em Lisboa, especialmente em alguns dos seus bairros populosos, há três dias que se nota falta de água.

Este facto quanto a mim, oferece uma gravidade grande em qualquer quadra do ano, mas muito especialmente nesta que estamos atravessando.

Chamo para o facto a atenção de S. Exa.,

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pedindo-lhe as providencias necessárias, e lamentando que elas não tenham sido adoptadas há mais tempo, porque há muito se vêm afirmando que a Companhia das Águas não está em condições de abastecer suficientemente de água a cidade de Lisboa.

Estou convencido que o Sr. Ministro do Comércio não tora dúvida em reconhecer que as minhas considerações são para ponderar, o providenciará da forma que a população da cidade de Lisboa não continue privada de água que tanta falta faz.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Ferreira de Simas): - Sr. Presidente: a situação da capital em relação ao abastecimento das águas não é boa, e pode realmente tornar-se muito grave, mormente nesta quadra do ano, se a população não restringir o seu consumo e sobretudo a Câmara Municipal.

Não é que falte a água do Alviela, pois que a água do Alviela ainda nesta quadra do ano e mesmo até Agosto, é mais que suficiente para as necessidades da capital, mas a secção total dos sifões, que é de 51, é que se não pode aumentar, e a quantidade de água que passa aí durante o ano não pode ir além de 40:000 metros cúbicos, aumentado ainda com os outros caudais de que se serve a companhia, durante o inverno, mas, vem o verão e a água falta, porque começam as regas feitas pela câmara municipal, rogas feitas a agulheta que consomem muita água, começam a regar-se os jardins e quintais, e daí o consumo a passar para 5.060:000 metros cúbicos, do forma que se não houver restrições sérias acerca do consumo da água, a Agua pode faltar.

Todos os dias recebo um mapa enviado pelo delegado do Govêrno junto da Companhia, e por ele se verifica que o consumo aumenta; o de ontem foi já de 52:000 metros cúbicos.

É certo que a Companhia tem as reservas especialmente de Campo do Ourique, cada uma das quais leva 60:000 metros cúbicos, mas, se essas reservas não se pouparem, corre só o perigo de, em caso de incêndio, não haver água.

O que é necessário é que o Parlamento vote um projecto de lei que nesta Câmara está pendente, e que permite fazer obras que vêm resolver a questão da falta de água em Lisboa.

Creio que a Companhia tem o maior interesso em que se consuma água, mas é necessário restringir o seu consumo emquanto essas obras não terminarem.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Maldonado de Freitas: - Não estando presente o Sr. Ministro das Finanças, peço ao Sr. Ministro do Interior a fineza do transmitir ao sou colega as minhas considerações tendentes a que S. Exa. ponha cobro ao que se está passando na repartição de finanças de Pombal, que se encontra num caos.

O assunto está pormenorizado numa local do jornal O Imparcial, que peço a V. Exa. a fineza de dar a ler ao Sr. Ministro das Finanças, visto já ter dado a hora de se encerrar a sessão e eu não poder usar da palavra por mais tempo.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Interior (Vitorino Godinho): - Transmitirei ao Sr. Ministro das Finanças os desejos do Sr. Maldonado de Freiras.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Aproxima sessão é amanhã, 16 as 14 horas com as mesma ordem dos trabalhos.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Documentos mandados para a Mesa durante a sessão

Projecto de lei

Dos Srs. Francisco Cruz, António Dias e Henrique Pires Monteiro, modificando as alíneas a) e c) do n.° 27.° do decreto n.° 10:039, de 26 de Agosto de 1924.

Para o "Diário do Govêrno".

Proposta de lei

Do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiras, aprovando, para ratificação, a 1.ª e 2.ª conferencias do ópio realizadas em Genebra, de 2 de Novembro de 1924 a 19 de Fevereiro de 1925.

Para o "Diário do Governo".

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Requerimentos

Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me seja fornecida o ultimo relatório do Exmo. Governador da Guiné.

15 ede Junho de 1625. - Ernesto Carneiro Franco.

Expeça-se.

Requeiro que pelo Ministério do Interior me seja facultado o exame de todo o processo que deu motivo à expulsão do cidadão espanhol Alejo Carrera.

15 de Junho de 1925. - Nuno Simões.

Expeça-se.

O REDACTOR. - Sérgio de Castro.

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